um procedimento para o passe

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Um Procedimento para o Passe' Jacques Lacan Pôr em prática a Proposição de 9 de outubro de 1967 ex igra um regulamento preciso. O texto aqui publicado reproduz um documento datilografado em circulação na antiga Escola, como anexo à Proposição em sua versão oral. Ele não pode ser considerado um escrito de Lacan, por ser sem dúvida um primeiro·esboço. O procedimento adotado em 1969 (cf. Scilicet, nO 213) difere deste em muitos pontos. O.A.M.) M inhas proposições devem tomar uma forma precisa. Toda regra comporta minúcia. Não me creiam insondável em meu esforço legislador. Gostaria que dominasse aqui a razão das proposições. Comecemos pelojúri de aceitação tjury d 'agrément) admitido em nosso estatuto inicial. Esse estatuto precisa o lugar dos acréscimos da experiência, articulando-o nos espaços em branco. Sobre esse júri, nós acentuamos esse branco com um tempo gasto. Estabeleçamos agora os princípios que inspiram seu preenchimento: 1 Ele só pode ser constituído por membros da Escola. Acrescentemos: ele~ó p~de ser decidido aí pelos A.E. \ 2 l Não se pode ser designado para nele trabalhar, sem consentir nisso. J 3 Se queremos, no princípio da seleção, conter a prevalência do que "conhecemos" do candidato (termo significativo extraído de uma carta que recebi a esse respeito) para aí fazer prevalecer aquilo que ele pode testemunhar de sua passagem a analista, não é para deixar esse conhecimento - sempre misturado entre nós - ficar como a 20

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Um procedimento para o passe

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Page 1: Um procedimento para o passe

Um Procedimento para o Passe'

Jacques Lacan

Pôr em prática a Proposição de 9 de outubro de 1967 ex igra umregulamento preciso. O texto aqui publicado reproduz um documentodatilografado em circulação na antiga Escola, como anexo à Proposiçãoem sua versão oral. Ele não pode ser considerado um escrito de Lacan,por ser sem dúvida um primeiro·esboço. O procedimento adotado em1969 (cf. Scilicet, nO 213) difere deste em muitos pontos. O.A.M.)

Minhas proposições devem tomar uma forma precisa. Toda regra comportaminúcia. Não me creiam insondável em meu esforço legislador. Gostariaque dominasse aqui a razão das proposições.

Comecemos pelojúri de aceitação tjury d 'agrément) admitido em nosso estatutoinicial. Esse estatuto precisa o lugar dos acréscimos da experiência, articulando-onos espaços em branco.

Sobre esse júri, nós acentuamos esse branco com um tempo gasto.

Estabeleçamos agora os princípios que inspiram seu preenchimento:

1

Ele só pode ser constituído por membros da Escola.

Acrescentemos: ele~ó p~de ser decidido aí pelos A.E. \

2

lNão se pode ser designado para nele trabalhar, sem consentir nisso. J3

Se queremos, no princípio da seleção, conter a prevalência do que "conhecemos"do candidato (termo significativo extraído de uma carta que recebi a esse respeito)para aí fazer prevalecer aquilo que ele pode testemunhar de sua passagem a analista,não é para deixar esse conhecimento - sempre misturado entre nós - ficar como a

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Um Procedimento para o Passe

instância última na constituição do júri. Por que seria, por exemplo, o diretor quedecidiria sobre a escolha? Não falemos, dado nosso pequeno número, de umconclave.

Proponho que se faça um sorteio entre os inscritos numa lista, onde cada um dosA.E. estará por direito, contanto que consinta nisso.

Isso reti ra de sua nomeação o caráter que a faz acei tar com um "eu sustento, aíentran o, o ministério";eJ'ã s6Conserva aaceitaçãõ feita antecipadamente dosdeveres iga os ao seu lugar na Escola.

Proponho três como número suficiente para o funcionamento de um júri.=-4

Acrescento aí três dospassadoresdefinidos pela função para a qual sua mediaçãonos parece digna de ser posta à prova, a saber: recolher o testemunho que éapresentado na passagem à qualidade de A.E.

Eles também são sorteados numa lista constituída pela contribuição trazida porcada um dos A.E., tendo ele próprio aceito a conscrição implicada em sua posição.

Quem é escolhido? Exatamente aquele que parecer apropriado a cada um dosreferidos A.E. e sob sua eventual responsabilidade.

Essa propriedade é simples e está ao alcance de sua apreciação; desde que seja umpsiçanali sante seu e que ele considere estar no passe onde precisamente advétn odese· o do sicanalista, quer ele aí esteja ou não em dificuldade~ -- -- -

Pode ser o caso de alguém que ocupe ual uer osi ão na Escola, de um outroA.E., num extremo, que tenha assado por s~int~r~dio_ou, num outro extremo(entendido em relação à qualificação), de alguém que nã pertença à Escola e quecom isso tenha acesso a ela. ~

Desse campo limitado unicamente à apropriação do sujeito, quantas unidadespode ele extrair? Em princípio, quantas quiser, não há nenhuma objeção. Mas paraevitar, é preciso pensar em tudo, que se exponha à manifestação do absurdo,limitemes a três para cada um, o mimero dos designáveis. Pela responsabilidadeimplicada nessa designação, já será uma boa coisa que cada um possa produzir um.

5

Acrescentemos ao primeiro funcionamento desses seis, o diretor, para decidirque a operação se ordenará assim.

Os três assa dores são aqueles que recolhem o que os postulantes têm a apresen-tar, com um fim a ser definido daqui a pouco.

Eles o levarão ao júri plenário que, no seu conjunto, em muitos casos nãodesconhece o interessado.

2\

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, J

Documentos para uma Escola /I - Lac an e o passe

Se não conhecer nada dele, cada um de seus membros pode ter dele uma idéiaatravés de uma convocação expressa, servindo-se das condições com as quais secontentou até então.

[ Convocação do~andi dato e evenhiãi~nte de seuPsicanalista~l

A decisão no júri plenário é tomada de acordo com o parecer de dois terços dosA.E. participantes./Nem o diretor nem os passadore~am artido, a não se deconsulta. 1

Vocês podem observar ue ual uer Sociedade organizada assim geriaingovernável. Mas para mim, não se trata de governar.

Trata-se de uma Escola, e não de uma Escola comum. Se vocês não são respon-sáveis por ela, cada qual diante de si mesmo, ela não tem nenhuma razão de ser.

E ares onsabilidade essencial da Escola é fazer avançar a psicanálise, e nãoconstituir uma casa de repouso jJara os veteranos.)

~~...)

6 C,...;:

Sobre isso: o problema da renovação desse júri. Proponho, no início, mesmo queisso seja modificado em seguida, uma circulação que permita pôr à prova o maiornúmero possível.

Esse "dois terços", vamos guardá-Io para o índice dos que saem, escolhidos porsorteio, a cada seis meses, em cada um dos grupos em exercício.

Observemos que isso não determina antecipadamente, excetuada a incidência daprobabilidade, a duração do mandato de um membro.

Para substituir os que saem, sorteamos na,!i&a constituída pelos A.E. e pelospassadores, salvo exceção, mas somente para a renovação imediatamente em questão(isto é, não para as seguintes), dos que saem.

Fica a questão do órgão, de onde podem resultar diretivas a serem tomadas eidéias a serem elaboradas.

Esses resultados, insistamos nisso, sào inicialmente esperados do próprio júri deaceitação.

Sua acumulação. num mais longo alcance, viria naturalmente com o estudo dessecartel "Tornar-se analista", que permanece até hoje mais ou menos o que ele é nopape\.

É daí que ele ganhará vida, mas não lhe damos, até que ele tenha feito algumacoisa, nenhum valor diretoria\.

É claro que contamos, para seu recrutamento, com aqueles que se tiveremdistinguido na função efetiva do júri de aceitação.

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Nós queremos - penso estar falando em nome de todos vocês, e aqueles que emseu íntimo formularem um outro voto, que o digam - ueremos com'panheiros uep!estem serviço, e não pessoas gue edififauem sua posição.!

Não há utopia nisso. Há uma Escola que existirá ou não. Que cada um fortaleçasua posição onde puder, aqui é a Escola que ele tem de fortalecer. ..- -- -- - ---- -

Até que a Escola possa devolver-lhe isso - o que não está excluído, se ele fizerpartir daí um movimento que, bem entendido, está no princípio da Escola.'

É uma aposta, como vocês podem ver, e peço-Ihes que a considerem, no estadoatual das coisas, como sendo a única passagem possível fora da rotina.

Não que eu faça objeção à rotina em si, quando ela assegura um funcionamentoadmissível. Mas temos como certo que o funcionamento que consiste em voltar àhierarquia reinante em outros lugares é inessencial ao processo analítico, e propri-amente a ele se opõe.

Gostaria de assinalar aqui que ouvi da boca de um psicanalista, nos EstadosUnidos, que •.a rotin~de vida tão precisamente regulada pela profissão era o atrativoque justificava para ele todas as outras.

Isso, certamente, não passa de uma justificação, mas creio que mais além, é oindício de um desgaste onde se denota alguma infâmia.

Ela fica recoberta pela honradez, que é dessas coisas que é necessário e suficienteque sejam reconhecidas, para que existam.

Mas não é necessário e também não basta à infâmia ser taxada como tal, para queseja exatamente o que ela é. E a psicanálise distinguiu-se por revelá-Ia, onde querque esteja, e onde ela se acoberta habitualmente como sendo o acesso à experiência.

\..Quem ~e apresenta ao júri de aceitação tPsi.cJUlJllisantes com o objetivo de seremreconhecidos como E. Pois por que se haveria de pretender menos? - se se tivercoragem. O Analista da Escola, não nos esqueçamos disso, é aquele que contribuipara o avanço da psicanálise. Por que não começar, logo que se chega lá?

Há no entanto pessoas que se contentarão mais modestamente em se pôr.à provacomo analistas. Aí,.é a Escola que vai imiscuir-se, e de modo sempre positivo. Elac'onfere o título de ~M.E., sem que haja necessidade para isso de' nenhuma postu-lação.

Isso será feito pelo órgão que se está tornando estável, pelo júri de aceitação.

E esse título constitui um convite da Escola para se apresentar à qualificação deA.E.

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Documentos para uma Escola /I _. Lac an e o passe

Mas a artir de então essa gualificação só pode ser obtida por intermédio dotestemunho decisivo de sua capacidade ..---- - -

Isto é, a autorização de um de seus psicanalisantes ao título de A.E. A autorização·ao mesmo título do A.M.E. que o "formou" segue-se, a partir de então, pelo mesmofato.

Mas o que se apresenta para ser A.E. é todo psicanalisante, no sentido em que opsicanalista só se completa voltando a sê-Io, em sua posição com relação ao sujeitosuposto saber.

Quanto ao psicanalista responsável pelo psicanalisante que tiver sido admitido,se ele ainda for apenas membro da Escola, esta não pode fazer menos do queintroduzi-Io entre os A.M.E., de onde ele mesmo se apresentará então ao júri deacei tação.

1

Vê-se o interesse disso, é que o acesso à posição equivalente ao que em outroslugares se chama de um di data, não mais se perde no tempo reencontrado dabeatitude, o que ela fica mesmo muito longe de comportar.

lO gradus é conforme à capacidade que se mostra de fazer a Escola progredir. Ele\ não se confunde com um grau hierárquico. ., .

Mas se há ruptur~, não há supressão da hierarquia. Vocês podem apreciar, aocontrário, o poder posto nas mãos daqueles .,gue trabalham. '~

Não creio de modo algum que disso deva resultar, como me objetaram, umesgotamento ao nível dos A.M.E. Muito pelo contrário. A experiência vai dizer.

Simplesmente, ele se distinguirá por não ter a suficiência em que consiste (cf.meu escrito) o membro titular por toda parte.

10

Vocês vêem que eu não apresso nada quanto aos órgãos que devem formar-se pelaexperiência.

Já disse que eles devem formar-se por etapas.

Na prática, podem aparecer alguns inesperados. Tentando extraí-Ios da função,ponho vocês ao abrigo do embara o ue é o e a umateoria muito difundida ois o problema do ser vivo é bem mais o de fazer função dosseus órgãos do que engendrá-I os de funções, razão pela ual no ue se refere aosórgãos, sempre lhe bastam os que tem.

Em todo caso, está agora bem afastada, eu espero, essa estagnação Bem Neces-sário às sociedades existentes, na posição de membro associado e eliminada, tenhoa certeza, essa obrigação de estar sempre em grande embaraço (en Petits Souliers)

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para adquirir um estilo defensivo (com o braço protegendo a testa) contra afrontassempre em suspenso, o que portanto condiciona a carreira do psicanalista comoconstipada.

Solicito que na assembléia formada por vocês, por aqueles que já têm seu lugarem nossa Escola, as opiniões agora se formulem. - não sobre o que se pode fazer alémdisso -, mas muito precisamente sobre o que estou pondo em questão.

Depois do que, os que se oferecerem para a experiência se declararão, paraestabelecer suas listas iniciais.

Por hoje. conservo a presidência da reunião, agradecendo-lhes por terem respon-dido, com sua presença, ao meu convite.

,-_O_R_NICAR? n'' 37 - abril-junho 1986, p. 7-12.1

Um Procedimento para o Passe

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