um presente de natal - rl.art.br · apresentaÇÃo. 8 um presente e natal. 9 novos talentos...

UM PRESENTEDE NATAL

2016

Rio de Janeiro

Coletânea

UM PRESENTE DE NATAL

Coletânea

Novos Talentos Capitolina

UM PRESENTE DE NATAL – Coletânea Novos Talentos

Capitolina

Vários autoresCopyright © dos autores 2016

Texto revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito dos autores, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

Designer gráfico: Clayton MirandaOrganização e revisão: Therezinha MelloCoordenação: Carlos Frederico Cardoso

Reservam-se os direitos desta edição à

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P937Um presente de natal : coletânea novos talentos Capitolina / organização Therezinha

Mello ; coordenação Carlos Frederico Cardoso. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Capitolina, 2016.

84 p. ; 19 cm.

ISBN 978-85-67526-27-0

1. Ficção brasileira. I. Cardoso, Carlos Frederico. II. Título.

16-37653 CDD: 869.3 CDU: 821.134.3(81)-3

08/11/2016 09/11/2016

CAPITOLINA EDIÇÕESwww.capitolina.com.br

[email protected]

Impressão: Armazém das LetrasPapel Pólen Soft 80g/m2

APRESENTAÇÃO ........................................................................7

ANNA MARIA CARNEIRO ...................................................... 9

O Natal não está onde o colocamos ..........................................11

ANNITA HARTMAN ................................................................15

Oração ............................................................................................17

A bombonière ................................................................................18

Pai ....................................................................................................19

Mãe ..................................................................................................20

Aprendi ...........................................................................................21

ARTHUR NARCISO ..................................................................23

Um pouco de atenção ..................................................................25

FABIO BASTOS ..........................................................................29

Um presente inesperado ..............................................................31

LUIZ AUGUSTO FRANÇA .....................................................35

Maria ...............................................................................................37

MARIA LUISA TENÓRIO .......................................................41

Sítio Verde de Queimadas ............................................................43

SUMÁRIO

MARIA MARTORELLI .............................................................47

Os signos à mesa natalina ............................................................49

MARIZA REIS RAJA GABAGLIA .........................................53

Loja de brinquedos .......................................................................55

Natureza .........................................................................................57

Busca ...............................................................................................58

Se pudesse voltar atrás ..................................................................59

MÔNICA ALVES ........................................................................61

É tempo de perdão .......................................................................63

Receita para me e te fazer feliz ....................................................66

SERGIO QUINTELLA ..............................................................67

Empório de sentimentos ..............................................................69

THEREZINHA MELLO ...........................................................75

Quando me encantavam os Natais .............................................77

Oferecemos aos leitores, no acalorado dezembro carioca, Um presente de Natal, primeiro volume da série de coletâneas Novos talentos Capitolina. Iniciamos as atividades da editora em janeiro de 2013 e, a ideia de que todo ofício deve fazer-se renovador para quem dele participa, vem norteando todos os dias nosso trabalho.

Este é um livro construído por onze autores. Cada um em seu estilo e em seu gênero literário contribuiu, com empenho e muito gosto, para o enriquecimento da obra em sua diversidade. No final, afastamo-nos em silêncio. Observamos o resultado, fizemos os retoques necessários e – honrando as festividades natalinas – aqui está a edição final, embrulhada em emoção e carinho.

Terminamos 2016. Um ano de apreensões. Tempos difíceis, estes. Mas a arte nos reserva um espaço de transformação, de crítica, de força, que sempre trouxe ao homem, em toda a sua história, a sustentação íntima de acreditar em sua própria intervenção. Respondemos, assim, com a nossa arte de escrever, a tudo que nos chegou como experiência e reflexão. E aqui está. Nada foi perdido, se ainda somos capazes de produzir, com literatura, um presente de Natal.

Therezinha MelloCapitolina Edições

APRESENTAÇÃO

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Formou-se na área da Educação. Exerceu o magistério em todos os seus níveis e especializou-se em Docência Superior e Bioética.

Participou na administração pública federal de programas e políticas públicas nas áreas: do Direito do Consumidor - no Ministério da Justiça e, posteriormente, na Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e do Núcleo de Gestão Estratégica no Ministério da Saúde.

Foi consultora e colaboradora da Organização Pan Americana de Saúde - OPAS e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO.

ANNA MARIA CARNEIRO

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Autora dos livros O lápis que escrevia sonhos, pela editora Chiado — 2015 — e de Ser um cartão postal à porta de sua casa — 2016 — pela Capitolina Edições.

Contato: [email protected]

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O Natal não está onde o colocamosMeu nome é João. Sou um homem bem sucedido e posso

afirmar que sou bem resolvido. Conquistei muito sucesso finan-ceiro e social. Lógico que vocês podem afirmar que o segundo é obviamente resultado do primeiro. E, sim, é verdade. Mas devo dizer que, mesmo que não o fosse, hoje eu tenho uma visão bem diferente de antes. Passei minha vida jogando xadrez. Metafori-camente falando, porque tudo era um grande jogo de estratégia para vencer.

Acostumei-me a observar as pessoas e extrair o melhor de suas fraquezas e derrotas. Aí vocês devem pensar que sou um homem frio e maquiavélico. Sim. É verdade em parte. Vou contar um episódio mostrando que só quem tem a capacidade de olhar uma situação, sem se envolver, pode ser capaz de tamanha mudança.

Mas por que revelar-me a vocês? Porque o meu texto tem como pano de fundo o espírito de Natal. Esse espírito que her-damos e que a mão social redesenhou em mercado consumista, reescrevendo — é dando que se recebe — em presentes. Nada contra a troca de presentes, o consumir desenfreado, sendo esse o momento real. Filosofia à parte, devo narrar que, neste último ano, fiquei em casa na véspera de Natal. Sozinho. Porque cansei de estar rodeado de figuras ruidosas falsamente felizes e bajuladoras.

Sentei-me na poltrona mais confortável que me restou, de-pois de acatar as ideias do decorador que revestiu minha casa com cara de cenário francês. Ao meu lado, um bom vinho tinto

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licoroso e fatias de queijo que trouxera de Amsterdã. Para me acompanhar, a janela aberta para a noite quente, lua cheia e o silêncio. Olhando para o nada, ouvindo sem escutar, permaneci um tempo. De repente, uma vontade imediatista me assaltou como se algo me atingisse. De pé, coloquei o cálice no bolso do paletó, assim como o queijo retirado do prato — enrolado no guardanapo — e a garrafa pela mão. Saí. Desci a rua observan-do as luzes e o movimento festivo da vizinhança, procurando não ser visto. Em direção ao parque. A rua iluminada pela lua permitia ver alguns detalhes do verde e encontrar a trilha que levava à fonte. Espaço conhecido desde minha tenra infância. Sentei-me em um banco e percebi que não estava sozinho.

Apesar do silêncio, a silhueta de um homem se fez notar, sentado no banco à esquerda. Ele, quieto, também me pareceu querer estar só. Ignorei sua presença e permanecemos anônimos, distantes por longo tempo. Eu estava tão absorto que me assustei quando diante de mim, em pé, a mão suja desembrulhava um papel com pedaços de frutas cristalizadas.

— O senhor aceita? Olhei para aquela figura maltratada pela carência e falta de

cuidados e minha primeira reação foi de afastar-me enojado e até com certo medo.

— O senhor aceita? Repetiu no mesmo tom de voz baixo e tranquilo. — Ganhei de uma senhora. Hoje, véspera de Natal, as pessoas são

mais generosas.A lua me permitiu ver um dos lados de sua face e, de repente,

me senti tocado pela gentileza de oferenda tão inusitada. Apesar da minha sensação de repúdio, estendi a mão ao papel e retirei

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um pedaço de figo cristalizado ali guardado. Levei à boca. Comi. O homem sorriu, sentou-se ao meu lado, deixando um espaço onde depositou o papel com as demais frutas ao meu dispor. Não era de palavras. Somente sentou-se quieto ao meu lado. Resolvi oferecer-lhe o queijo e o vinho e dividimos o banco como um piquenique. Ao ver o vinho, seus olhos brilharam. Ao provar o queijo foi possível sentir o prazer da primeira vez. Tirei o cálice do bolso e nele servi o vinho para ele.

Incrível a expressão de seu rosto ao ser servido em um cálice com um vinho tão especial. Sua mão calejada e unhas sujas con-tracenavam com a transparência e a delicadeza do cristal. Percebi naquele momento que ele estava revivendo uma experiência. Tocava nos pedaços de queijo com tal reverência que parecia um ritual religioso de uma ceia. Um pacto se estabelecera, onde palavras não eram necessárias, e na cumplicidade da degustação ambos nos comunicávamos.

Não sei precisar o tempo, que ficamos juntos. Mesmo depois da garrafa vazia, sem os pedaços de queijos e frutas. O incrível foi que não havia necessidade de falar, nem de se olhar. Somente dividir aquele momento. Uma véspera de Natal. Pensei. O que desejaria esse homem? Tive vontade de perguntar, mas não tive coragem. Quem sabe ele também desejasse fazê-lo? Mas não o fez. Durante minutos, segundos? Analisei aquele homem como sempre, buscando nele fraquezas e derrotas e, pasmem! Nada encontrei. Senti-me um idiota. Não sei se leu minha mente mas, sem mais nem menos, ele se levantou, recolheu o papel de volta ao bolso, olhou para mim e fez menção de ir-se. Imediatamente, meu gesto foi de buscar, no bolso, dinheiro. Ele, com um gesto negativo das mãos, sorriu e foi-se.

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Não sei se fiquei envergonhado ou irritado com tamanho orgulho ou, quem sabe, percebi que desta vez minha leitura fora totalmente errada. Minha primeira e grande derrota. Ainda ali fiquei por mais hora e senti o banco vazio. Hoje, véspera de Natal, nunca um banco no parque representou tanto para mim. Neste banco deposito hoje o espírito de Natal. Não em árvores de pinheiro, neve de spray em país tropical. Nem nos embrulhos floridos com etiquetas: De... Para. O meu “Feliz Natal” deste ano é para o banco do parque que acolhe a todos no silêncio. Lição de vida humanitária, onde dois estranhos se aproximam, ceiam juntos e se afastam.

O Natal não está onde o colocamos, o Natal está em mim. E, eu, sou uma controvérsia.

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ANNITA HARTMAN

Cursou Letras Neolatinas na PUC, Pedagogia na USU e Relações Públicas na Università Internazionale degli Studi Sociali, Roma, Itália. Classificou-se em segundo lugar — Monografia — no Concurso Talentos da Maturidade do antigo Banco Real – 2000. Recebeu o Prêmio Alejandro Cabassa – Concurso Internacional de Literatura – 2011 – UBE – Menção Especial no gênero Crônicas.

Foi assessora do Consultor Jurídico da CNI e professora adjunta de Comunicação Administrativa da Fundação Getúlio Vargas.

Em 2014 publicou O relógio da sala, prosas poéticas carregadas de sabedoria, delicadeza e literariedade, pela Capitolina Edições.


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OraçãoMenino da manjedoura.Círios acesos, perfume de incenso, flores florescendo alegria

em canção de ninar.Chuva de luz ilumina almas.Na Tua hora, devolve aos corações inocência de olhar,

pureza de alma, simplicidade de criança.Nos lábios cerrados abre flor de sorriso.Estende Teus braços e acolhe a humanidade ferida.Ódios alimentam canhões. E sangram o coração da terra.Menino da manjedoura.O mundo agoniza esquecido de Tua bondade, Teu falar,

Tua justiça.Morre no ventre da terra a semente generosa.De olhos infantis brotam lágrimas de sangue.Vazios, em desesperança, derramam a Teus pés o silêncio

dos corações.Abraça os deserdados, seca-lhes as lágrimas, escuta-lhes os

gritos sufocados.Vem, Menino da manjedoura.Alumia as trevas da noite.Acorda almas adormecidas. Em aconchego, dá-lhes paz.E ora por nós, almas em luto.

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A bombonièreIndiferente, você passa. Saudades. Da gula do olhar, carinho de mãos. Exilada no alto da estante, entre livros não lidos, retratos

não meus, vivo a solidão do esquecimento. O lugar na mesa do centro me foi tomado. O cheiro guloso

que de mim se desprendia, sumiu. Muitas vezes, esquecida, a sombra da poeira fina apaga

brilho fugitivo.A cobiça do que guardava desapareceu no vazio de agora.

Sou apenas um belo objeto, esquecido, em proteção.Não me importam arestas, machucados, pedaços espalha-

dos pelo chão.Quero mãos abrindo-me em carinho. Colhendo perfumes

e sabores. Ao oferecer-me em doce dádiva, preencho meu vazio.

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PaiDesapareceste na estrada. No útero da terra apagaste o

tempo. E tua mão a conduzir-me, fechou-se. No tempo sagrado da infância te guardei. Tarde aprendi a andar sem tuas mãos a conduzir-me. Cica-

trizada ferida, à ausência tua, te inventei no amor perdido. E, iludindo a morte, te amei, no que de ti em mim ficou.

Nascida de tua semente me ofereço em fruto. Visto sonhos, perdidos carinhos. Retorno ao vivido em

horas longe. E, na doçura de um tempo, abro-me em saudade. Se a lágrima tardia salpica o rosto em antigas memórias,

sorrio à vida. E, com tua força em mim, sigo.

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MãeDo teu útero em flor, nasci. De teu amor me alimentei. E no seio virgem de lábios infantis, bebi paixão e coragem.De teus jovens anos roubada, pousaste no espaço eterno

e te perdi. Caíram as horas, dias e anos. E me fizeram avó da quase

menina de olhar de sonho. Longe o tempo acalentado.Não estavas junto quando amei, sorri, chorei. Mas em mim

te guardei. No entardecer da hora, a fluir para os mistérios do além,

me aninho em teu regaço ausente.E, do que vivido não foi, resta a saudade.

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AprendiAprendi com o vento a voejar espaços.Aprendi com os pássaros o voo livre.Aprendi a invernar com a natureza. Aprendi com a criança a ligeireza do viver.Aprendi com o cego a ver o escuro. Aprendi com a dor a sorrir lágrimas.Aprendi com o riso a rir de mim.Aprendi com o amigo a solidariedade.Aprendi com o amor a entrega ao outro.Aprendi com o luto a viver ausências.Aprendi com os erros a buscar acertos. Aprendi caminhos em estreitos atalhos. Aprendi com a sombra a esperar a luz.Aprendi com a vida a viver a hora.

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Sempre sonhei ouvir uma canção minha sendo assoviada na rua por um transeunte qualquer.

Como nunca me entendi com as notas musicais, o jeito foi me valer das palavras.

Quem sabe algum de meus escritos não acaba “assoviado” por aí, na recordação de alguém marcado por sua leitura.


ARTHUR NARCISO

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Um pouco de atenção

— Vai embora, Jaime! Eu sei que já passou da tua hora – disse, preocupado, o paciente, para o enfermeiro do CTI.

— Não, Seu Alberto. Vou ficar mais um pouco. Assim pego menos trânsito – mentiu, piedosamente, o enfermeiro.

— Então, fique, Jaime, mas já deu para notar que sua atenção vai além da obrigação. Quando é que você vai me dizer o verdadeiro motivo?

O enfermeiro não queria revelar, mas, temendo ser mal interpretado, acabou optando por contar.

— O senhor tem razão, Seu Alberto! Não tenho porquê deixá-lo nessa curiosidade. Seu filho, esse que vem sempre visitá-lo, foi meu colega de escola na adolescência.

— Mas como é que ele nunca me contou nada, meu Deus? — Na verdade, ele sequer me reconheceu. Também, com esta calva,

era querer demais. – brincou o enfermeiro.— Deixa comigo, Jaime, na próxima visita vou bem fazer ele lembrar.— Não, por favor, Seu Alberto, preferia que o assunto ficasse entre

nós, é melhor assim. Eu tinha uma situação econômica bem diferente dos outros alunos. O colégio era caro, só estudava lá por ser bolsista. Certa ocasião, teve uma festa do Paulinho. No salão do seu prédio. O pessoal acabou bebendo além da conta.

— Peraí, Jaime, como assim, bebendo? Nunca permiti bebida nas festas do Paulinho!

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— Deixa pra lá, Seu Alberto, já passou tanto tempo. A garotada estava bem alterada. Brincaram com minha roupa simples, com meu sapato apertado. Até que o Paulinho perguntou para todo mundo ouvir: ô Jaime, é verdade que pé de pobre não tem número? É do tamanho do sapato que lhe dão?

— Minha vontade, mesmo depois de tanto tempo, Jaime, era dar uma bronca no Paulinho. Como ele me faz uma coisa dessas? Não foi essa a educação que lhe dei.

— O senhor prometeu que ia ficar entre nós, Seu Alberto. Só por isso estou contando.

— Está bem. Já passou muito tempo mesmo. E pelo que conheço do Paulinho, só pode ter sido efeito da bebida. Como a brincadeira deve ter te magoado!

— Fiquei arrasado, Seu Alberto. Para piorar, era o dia que tinha escolhido para me declarar para a Soninha. Assim que deu, sem que per-cebessem, fui para um banco afastado no jardim, até que alguém apareceu.

— Imagino que o Paulinho tenha ido lá se desculpar. Que bom, Jaime! Isto me deixa menos chateado com ele.

— Não, Seu Alberto, foi o senhor que sentou a meu lado. Conver-samos por um bom tempo. Demonstrou interesse pela minha vida, quis saber o que eu pretendia fazer, o que mais gostava de estudar. O senhor me deixou tão à vontade, que até da Soninha eu falei.

— Já estou até vendo, Jaime, você voltou, se declarou, e o primeiro “fora” está na minha conta até hoje. – brincou o paciente.

— Que nada, Seu Alberto! Não foi dessa vez ainda. Faltou coragem. Mas foi tão bom conversar com o senhor! Era tudo que eu precisava naquele momento, alguém que me ouvisse, desse um pouco de atenção.

— Poxa, Jaime, sem querer, acabei ajudando, né?

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— O senhor nem imagina como! Quando voltei para a festa, as brincadeiras tinham mudado. Paulinho me abraçou, perguntou onde havia me metido. Nem lembrava mais do que falou, coitado.

— Ô Jaime, desculpe, mas sou um velho curioso, e a Soninha?— Ah! Seu Alberto, acho que foi justamente naquele dia que ela

começou a notar que eu existia. Daí em diante, na hora do recreio, lá na escola, eu dava sempre um jeito de me aproximar para conversar.

— Acabou depois se declarando, né, Jaime?— Todos os dias. Daqui a pouco vem me pegar para voltarmos para

casa. Trabalha aqui perto, e nosso carro fica com ela.— Ih, Jaime, então não é que acabei sendo um pouco “cupido” desta

história?— Verdade, Seu Alberto! E tem mais: nossa conversa foi importante

até na escolha da profissão. Toda vez que me aproximo de um paciente aqui no CTI, sou como o senhor chegando naquele banco do jardim.

— Ô Jaime, quer saber? Vai logo embora que eu não quero que você me veja chorando, rapaz! E não deixa a Soninha esperando, não.

— Está bem, o senhor está precisando mesmo descansar – despe-diu-se, carinhosamente, o enfermeiro.

— Vou só te falar mais uma coisa, Jaime. O que eu mais tenho me perguntado nestes últimos dias é para que tudo isto serviu. Não sei, mas acho que hoje você me deixou bem perto da resposta – confessou o paciente antes de adormecer.

Jaime ainda voltou muitas noites para ficar com Seu Alberto até que um dia, já perto do fim do ano, não mais o encontrou.

No plantão seguinte, ao passar pela sala de espera, avistou Paulinho, que veio andando com um pacote na sua direção.

— Você era o enfermeiro que sempre ficava com o meu pai, né? – perguntou Paulinho, sem reconhecer o antigo colega de escola.

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— Seu Alberto era muito querido. Gostava muito de conversar com ele. Todos sentimos muito quando se foi.

— Antes de morrer, meu pai me fez prometer que te entregaria este presente de Natal. Deu algum trabalho para cumprir a promessa, mas espero ter conseguido. Disse que você entenderia a razão.

Jaime agradeceu, e se despediu. Ao abrir o pacote, se de-parou com um par de sapatos. Eram do número exato que calçava.

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FABIO BASTOS

Carioca, nascido e criado em Ipanema, engenheiro químico aposentado, tradutor e flamenguista. Dedica seu tempo, que — de forma bem humorada — afirma que já foi precioso e hoje é ocioso, a uma boa leitura e a escrever. Prefere os textos curtos, mas de vez em quando se arrisca em um mais longo. Começou quando tinha uns cinquenta anos e não parou mais. A propósito, cita um trecho do livro Dom Casmurro de Machado de Assis: “Essa sarna de escrever quando pega aos cinquenta anos, não despega mais. Na mocidade é possível um homem curar-se dela...”. Foi essa sarna que o pegou.

Publicou O valete vermelho - contos e crônicas — 2002, O príncipe da Rocinha - contos e crônicas — em 2003, O anjo de Copacabana - 1a. e 2a.edições — 2004, A vida é uma festa - crônicas - prefácio de Carlos Eduardo Novaes e Sem deixar

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rastro – romance – 2012, Dez contos inúteis – Vol. 1 e 2, em 2013 e a 3ª. edição de O anjo de Copacabana, em 2015, pela Capitolina Edições.


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Um presente inesperado

24 de dezembro de um ano qualquer, num lugar qualquer, com qualquer pessoa.

Tomando sol no deck da sua cobertura duplex, o deputado João examina o extrato do cartão de crédito corporativo usado por sua esposa Maria. Fica preocupado com o que vê e vai conversar com ela, que experimentava vestidos no seu quarto.

— Maria, minha filha, você tem que ir mais devagar com suas compras. A situação está difícil, se pegam essas despesas no meu cartão corporativo, vão me investigar. Ela podia ser mesmo filha dele pela diferença de idades.

— Deixa investigarem, você não diz que está limpo? Não estou gostando de nenhum desses vestidos, devia ter comprado um novo — ela disse tirando o vestido do corpo e jogando-o na cama ao lado de outros. Não usava nada por baixo, estava como veio ao mundo. Ela sabia que João era vidrado nela e se aproveitava para desviar a conversa do cartão.

Admirando aquele corpo escultural, João comentou: — Meu amor, nós vamos passar a noite na casa do seu pai e lá ninguém conhece seus vestidos. Também não vai ter repórter de Caras nem de outras revistas. Vamos ser nós dois, seu pai e alguns parentes perdidos naquele fim de mundo calorento.

A mãe faleceu quando Maria era adolescente e ela ficou

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morando com o pai que não tinha como vigiá-la. Acabou tor-nando-se garota de programa e João a conheceu numa festinha privada. Apaixonado, ele largou a família para se casar com ela. Para vocês verem que até um deputado escolado como ele, se perde por uma mulher.

— Não é minha culpa, eu queria dar um festão aqui em casa, com música ao vivo, muita gente bonita, artistas da moda e jogadores famosos e, você, foi contra. Também não queria ir na casa do papai. Está lembrado?

— Fui contra porque o momento não é oportuno e não podemos nos expor. Você sabe que seu pai não gosta de mim, ele deixou isso bem claro. Eu só vou porque somos casados, mas não me sinto bem onde sou indesejado.

— Ele teve os motivos dele, mas não vamos falar nisso agora. Eu vou com um desses vestidos antigos e você vai de terno. Temos que mostrar quem somos.

João concordou e deram um beijo caloroso para selar o acordo. O que veio depois deixo para vocês imaginarem. Va-mos encerrar essa parte e ir direto para a festa.

Ao chegarem na festa, uma surpresa. Havia muita gente no quintal nos fundos da casa. Era a festa de Natal da Associação do bairro, e o pai de Maria era o atual presidente. João, que foi de má vontade, ao ver todo aquele povo se animou. Estava diante do bem mais precioso que um parlamentar pode desejar: novos eleitores; só faltava conquistá-los.

Era uma festa natalina inusitada. Não fosse por um Papai Noel bêbado badalando um sino, ninguém diria ser Natal. No lugar de comidas natalinas, rolava no quintal um churrasco tra-dicional com picanha e linguiça. Em vez de músicas de Natal,

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um conjunto de pagode animava o ambiente. Para beber, nada de vinho e espumante importado. Embaixo de uma mangueira frondosa havia um bar improvisado com duas caixas de isopor enormes, repletas de latas de cerveja e refrigerantes. Passando de mão em mão, uma garrafa de uma cachaça sem rótulo. No fundo do quintal, duas mesas improvisadas com jogadores de sueca sentados em caixotes. O traje da noite era bermuda, camiseta e sandália de dedo.

Enquanto Maria conversava com o pai e alguns parentes na sala da casa, João foi à luta. Tirou o paletó e gravata, arre-gaçou as mangas da camisa e desceu para o quintal disposto a ganhar eleitores. Foi caminhando por todo o quintal, repleto de gente, apertando mãos, brincando com crianças e desejando “feliz Natal” a quem estava no seu caminho. Começou igno-rado e até mesmo rejeitado por alguns. Ele estava na lista dos acusados de corrupção, mas nada havia sido comprovado, até então. Acostumado a essas situações, seguiu em frente como se nada estivesse acontecendo. Chegou suado ao bar, pediu uma cerveja e provou da cachaça. Comeu churrasco com a mão, lambendo os dedos depois, e jogou algumas partidas de sueca, dispensando explicações das regras. O mesmo povo que o desprezou, mudou de atitude. Passou a aplaudir e tirar fotos com ele.

Satisfeito, voltou para a casa do sogro e antes do fim da festa, preparou dois cheques. Voltou à varanda com Maria ao seu lado e fez um pequeno discurso segurando os cheques no alto para todos verem. Disse que um deles era para cobrir as despesas da festa, e outro para reformar e iluminar a quadra do bairro, solicitação que ouviu de alguém. Deu alguns pas-

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sos até o sogro e estendeu a mão com os cheques. O sogro vacilou, mas diante da euforia da plateia, teve que aceitar os cheques e o abraço do genro. Estava selada a paz que Maria pedira. No meio das palmas, assobios, fogos de artifício e até mesmo alguns tiros para o ar, ele foi carregado pelos braços da multidão até seu carro prometendo que voltaria para a inauguração da nova quadra.

Partiu feliz com Maria na direção. Ganhara o melhor pre-sente que um deputado pode sonhar. Votos!!!!

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LUIZ AUGUSTO FRANÇA

Luiz Augusto França nasceu no Rio de Janeiro, Capital, em 11 de agosto de 1959. Trabalhou no Banco do Brasil e formou-se Bacharel em História pela Universidade Gama Filho, na turma de 2001. Atualmente dedica-se à Literatura. Sua estreia na arte de escrever foi em 2015, com o romance Na esquina do mundo — narrativa sobre o encontro de adolescentes indí-genas e portugueses durante as grandes navegações — pela Capitolina Edições.


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MariaNo Natal de 1972, eu tinha onze anos e estava muito ansio-

so. Havia cumprido o acordo com meu pai. O compromisso era estudar e tirar boas notas, não criar problemas no colégio e não deixar brinquedos espalhados pela casa. Portanto, me habilitei a usufruir da parte dele no acordo. A minha primeira bicicleta tinha data certa pra chegar lá em casa.

No sábado, fomos às Lojas Americanas para escolher entre os modelos, aquele que me interessaria. Confesso que entre o que gostei e a grana do meu pai, existia pequeno abismo. No entanto, depois de negociações, chegamos ao modelo que me satisfazia e se aproximava do que ele podia pagar. Só precisa-ria esperar o dia vinte e cinco. Satisfeitos, voltamos para casa passando pela praça e, o cheiro de pipoca, nos convenceu a comprar dois pacotes.

Olhei para o coreto e vi um homem, de barba branca, chapéu e roupas antigas, subir as escadas e apoiar-se nas gra-des. Em voz alta, discorria sobre o espírito do Natal, dizendo que só a pureza de sentimentos permitia que o enxergassem. Afirmava que, se cada criança que alcançasse a felicidade, pe-disse por um irmão, certamente mais crianças felizes criariam grande rede fraterna.

Não entendi muito bem o que ele tinha dito, mas eu havia conseguido a bicicleta e isso era a felicidade. Fechei os olhos e desejei muito que outra criança, assim como eu, conseguisse o que queria. Estranhando por eu estar calado, meu pai quis saber

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por que o silêncio. Expliquei-lhe que observava o velho profeta que discursava no coreto. Sorrindo, ele me disse que não havia ninguém no coreto. Olhei mais uma vez e não entendi como não enxergava o profeta. O velho tinha parado de falar e olhava para o outro lado da rua. Também olhei. Vi uma menina de olhar inquieto, correndo pela calçada. Parecia perseguida por alguém, quando de repente, sem tomar cuidado, atravessou a rua e um carro a jogou no meio fio. Caiu desacordada.

Fomos os primeiros a chegar até ela. Devia ter uns seis anos. O rapaz que dirigia o veículo, muito nervoso, explicava que não tinha visto de onde ela surgira. Meu pai colocou a criança no banco de trás do carro e entramos para acompanhar a menina ao hospital, bem perto dali. O médico que a levou, retornou depois para nos avisar que ela passava bem, apesar da fratura no braço esquerdo. Pedimos para vê-la. Deitada no leito da enfermaria, parecia assustada quando meu pai perguntou seu nome. Disse chamar-se Maria e ele, então, quis saber onde morava e quem eram seus pais. Com olhar distante, sussurrou que vivia na rua, não tinha ninguém.

O doutor nos avisou que ela precisava descansar. Já no corredor, ficamos sem ter o que dizer um ao outro. No banco ao lado, uma jovem chorava com a cabeça recostada no ombro do rapaz e, pelo que entendi, não poderiam mais ter filhos. No corredor havia muita gente, contudo reconheci o velho profeta do coreto, recostado na parede ao lado da enferma-ria. Olhei pra ele, que me devolveu um sorriso enigmático. Ia alertar meu pai sobre o homem, quando a porta da enfermaria abriu-se subitamente. Maria abandonara o leito para fugir do hospital. No entanto, após dois passos no corredor, tropeçou

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no pé do profeta, que o colocara lá de forma proposital. A pequena, cambaleando, foi cair no colo da moça chorosa. A que não podia mais ter filhos.

Fiquei irritado com a crueldade. Como alguém que pregava amor, podia ter atitude tão covarde? No entanto, a jovem olhou Maria com ternura e a garota se agarrou a ela. Quando a enfer-meira tentou reconduzi-la, a pequena resistiu mas, convencida pela jovem, retornou ao leito acompanhada por ela. Quando voltou de lá, a moça aproximou-se do rapaz e disse-lhe que queria muito adotar a menina. Ele prometeu se informar para saber como fariam isso. Então, resolveram acompanhar Maria, até que fosse liberada. Procurei pelo velho profeta, não estava mais ali. Fomos nos despedir da menina, mas ela dormia. Seu semblante mais sereno, talvez demonstrasse que nunca havia experimentado carinho como aquele antes. Segurei sua mão e desejei-lhe bom destino.

De volta para casa, mais uma vez passaríamos pela praça. A criançada corria e brincava e lá estava ele, de novo, no co-reto. Insistia em dizer que era preciso olhar com os olhos do coração, se quisessem enxergar o espírito do Natal. À minha volta, ninguém dava a mínima para sua pregação. A não ser por um garoto gordinho de bochechas rosadas, que fitava o coreto com atenção. Parecia feliz com a bola de futebol novinha que trazia debaixo do braço. Em dado momento, sussurrou algo ao ouvido da mãe. Ela concordou com a cabeça. Ele, então, levantou-se e atravessou a praça em direção a um grupo de meninos carentes, que se divertiam, correndo e chutando um coco, que caíra da árvore. Ao se aproximar, chamou o menor-zinho e entregou-lhe a bola. Foi comovente ver vários sorrisos,

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que pareciam ser um só. Voltei minha atenção ao profeta e ele dizia que o Espírito, como um pescador, jogava a isca e, vez ou outra, fisgava pequenos corações felizes. Daí, olhou-me nos olhos e curvando-se, agradeceu, tirando o chapéu.

Descendo as escadas do coreto, passeou por entre as crian-ças e soprou a copa das árvores, provocando brisa suave que invadiu a praça. Por fim, dançando, flutuou sobre os jardins, antes de desaparecer.

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MARIA LUISA TENÓRIO

Nascida em Campina Grande, Paraíba, foi criada no Sítio Verde de Queimadas, agreste nordestino, e migrou para o Rio de Janeiro ainda muito jovem.

Em 2014 publicou pela Capitolina Edições a obra autobiográ-fica Minha história, a partir de um diário que redigiu durante dez anos. O livro foi muito bem recebido pelos leitores em geral e, de forma bastante especial, por seus conterrâneos.

A autora foi recebida pela Prefeitura de Queimadas em 2016 e homenageada com alegria e muita festa. Seu livro passou a fazer parte do acervo da Biblioteca Municipal, sendo hoje leitura disputada na cidade.


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Sítio Verde de Queimadas

Algumas casas de pau a pique construídas sem alinhamentos e sem cuidados. Estrada de terra batida. Uma venda, onde os moradores do lugar compravam café, açúcar, leite, farinha, rapadura. Coisas de primeira necessidade. Assim era o cenário do Sítio Verde de Queimadas.

Os moradores do lugar não tinham opções. Quando preci-savam comprar roupas, calçados ou objetos pessoais, tinham que andar a pé por mais de trinta quilômetros, até chegar ao centro da cidadezinha de Queimadas.

No Sítio Verde, morava uma família muito pobre. Senhor João e dona Zézé. O casal tinha cinco filhos, sendo quatro meninas e um menino. A filha mais velha da prole chamava-se Deli. Tinha oito anos e era muito inteligente. Deli ajudava a mãe nos fazeres domésticos, cuidando dos irmãos mais novos, por exemplo. Ou pegando lenha na roça e água para abastecer a casa.

Deli também estudava num grupo escolar, muito simples, perto de casa. Sua professora se chamava Neli, uma jovem muito simpática e amorosa com as crianças. Como era época de final de ano, Neli aproveitou para dar um trabalho de casa às crianças.

— Quero que todos vocês tragam amanhã uma redação falando sobre o Natal, sobre o que vocês acham dessa festa e qual o verdadeiro significado do Natal para vocês.

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No outro dia, logo no começo da manhã, a professora cobrou a tarefa que tinha passado. Cada criança pensou em coisas diferentes uma da outra. Uma delas disse:

— Professora, escrevi para o Papai Noel pedindo dois carrinhos para eu brincar com meu irmão.

Com esse comentário, a alegria tomou conta da peque-na sala de aula. Todos falavam ao mesmo tempo, sem parar. Neli notou, porém, que na última cadeira, no cantinho da sala, tinha uma criança quietinha, sem falar nada e que parecia estar muito envergonhada. A professora pediu que todos ficassem em silêncio absoluto e se dirigiu à menina, que era Deli. Com muito carinho, a professora perguntou:

— Meu bem, porque você não escreveu nada? — Desculpe, professora, eu gostaria de pedir para o Papai Noel

uma coisa muito diferente. — disse Deli. — Mas que coisa é essa que você quer pedir para o Papai Noel,

minha querida? — perguntou a professora. — Amor! — respondeu a menina. — Sabe, professora, minha mãe outro dia falou que Deus

fez nascer o filho Dele, Jesus, uma criança pobre que veio iluminar o mundo e trazer muito amor, paz, esperança e que também nasceu numa manjedoura, numa família muito pobre, mas muito iluminado. Ele é o verdadeiro amor. Ele veio para iluminar o coração dos homens. Portanto, professora, eu não sei explicar, muito embora precise de roupas, sapatos e brinquedos, mas para mim, o que eu mais quero é o amor de Jesus no meu coração. Então, como eu posso mostrar que o Natal significa o nascimento de Jesus? — indagou a menina.

A professora ficou por alguns segundos em silêncio e disse:

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— É. O verdadeiro Natal não é feito de presentes materiais e sim, do nascimento de Jesus dentro do coração de cada um de nós. Mas como fazemos isto? Não só preservando o amor no Natal, mas sim, em todos os dias do ano que se inicia. Que possamos fazer, de Jesus, nosso melhor amigo, pois Ele é o motivo de nossa existência. Ele é o caminho, a verdade e a vida. — concluiu a professora.

Portanto, agora é o momento de deixar nascer essa criança pura, inocente e cheia de esperança, dentro de cada um de nós. É sempre tempo de contemplar aquele menino pobre, que nasceu numa manjedoura, para nos fazer entender que nós, seres humanos, valemos por aquilo que somos diante Dele e não por aquilo que possuímos.

Que o amor e a alegria venham invadir nossos corações, trazendo paz e harmonia. Vamos seguir o exemplo de Jesus: dar o amor verdadeiro, sem desejar receber algo em troca.

Feliz Natal a você, leitor. E um ano novo de muita luz e paz também!

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MARIA MARTORELLI

Nasceu em 5 de setembro de 1953, professora, formada pelo Instituto de Educação, astróloga desde os anos 80. Formou-se em Astrologia Humanista pela escola de astrologia Astroci-ências — especializando-se em Astrologia Transpessoal — e, em Cromoterapia, no Instituto Ísis, pelo curso da professora Ondina Guimarães. Exerce as profissões de professora, astró-loga transpessoal, cromoterapeuta e consultora de radiestesia — pessoal e ambiente — e mantém grupos de estudos de astropsicologia. Oferece workshops de autoconhecimento.


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Os signos à mesa natalina

Na noite de Natal as qualidades celestiais, os signos, têm encontro marcado. Todos os signos se apresentam com suas particularidades e características no reino das estrelas para unidos comemorarem o Natal e distribuírem presentes.

Lá vem o Áries todo exibido, atropelando os outros, abrindo espaços para passar na frente, sentar à mesa na cadeira que deseja e comer um suculento assado. Não se importa com quem está ao lado, fixando sua atenção em si mesmo e no seu prato. Recebe de presente das estrelas o talento da coragem de ser quem é.

Chega calmamente o Touro, senta-se na cadeira mais confortável, e come com imenso prazer o macarrão à carbonara, devagar, saboreando a iguaria. Sua atenção completamente voltada para a comida. Ganha das estrelas como presente o talento para sobreviver confortavelmente.

Gêmeos, agitado, sem lugar certo à mesa, conversa tanto que esquece de comer. Experimenta uma coisa aqui, outra ali e presta atenção no que os outros comem, fazendo comentários a respeito disso. Ganha das estrelas como presente o talento de ter uma mente curiosa.

Com muita alegria chega o Câncer trazendo um prato cheio de rabanadas e oferece a todos. Sorrindo senta na cadeira que foi da sua avó. Fica atento em quem come e quem não come,

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incentivando todos a comer. Recebe das estrelas como presente o talento de ser um homem de família.

Leão já está à cabeceira da mesa, no lugar de maior destaque, onde todos possam vê-lo e sendo servido por todos: come o prato principal — o peru de Natal. Com sua linda roupa vermelha e dourada chama a atenção dos seus irmãos. Ganha das estrelas o talento para brilhar.

Aproximando-se devagar da mesa, Virgem senta discreta-mente e come comedidamente, só o que não faz mal, casta-nhas, nozes etc. Intolerante com os exageros, fica bem atenta à maneira como alguns irmãos comem e critica-os. Ganha das estrelas o talento de possuir uma mente seletiva.

Libra acomoda-se na cadeira mais bonita e pedindo licença serve-se da bela salada natalina. Faz charme. Fica atenta a quem está ao seu lado sendo gentil e prestativa. Não suporta o comportamento de alguns irmãos à mesa, mas disfarça seu incômodo. Recebe das estrelas o talento para namorar.

Discreto, sentado estrategicamente de modo a ver tudo e todos sem ser notado, o Escorpião come o escondidinho de bacalhau. Concentra-se nas suas necessidades e controla o que os outros comem. Ganha das estrelas o talento para desvendar mistérios.

Estabanado e abrindo espaços, Sagitário senta no meio de todos, falando alto, contando histórias, dando gargalhadas, alegrando o ambiente. Com uma taça de vinho na mão e o prato recheado de tudo o que está sobre a mesa, imita Papai Noel. Ganha das estrelas o talento de se aventurar e de rir.

Capricórnio, já reclamando e criticando certos comporta-mentos, senta na cadeira mais dura de modo que sua coluna

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fique esticada e come moderadamente, servindo-se de pratos frios. Detesta chamar atenção e se coloca no seu pedestal. Recebe das estrelas o talento para realizar-se, sempre com senso de dever.

Chega Aquário e não está nem aí para onde vai sentar, tanto faz. Come um pouco disso, um pouco daquilo, quer mesmo é trocar ideias com os irmãos, tendo a certeza que sua forma de pensar é a certa, mas apesar disso dá atenção a todos. Ganha das estrelas o talento da liberdade de ser.

Peixes, um tanto inseguro, come de tudo: carnes, queijos etc. Mas o importante mesmo é o vinho. Não fica atento a nada, parecendo distante dos irmãos, das comidas e das conversas. Sente-se um “peixe fora d`água”. Ganha das estrelas o talento de ser sensível.

E, assim, as doze qualidades celestiais comemoram a noite da família universal, a Noite de Natal, e ficam tão felizes e cobrem a humanidade de bênçãos:

Áries — coragemTouro — persistência Gêmeos — comunicaçãoCâncer — amorLeão — criatividadeVirgem — purezaLibra — belezaEscorpião — sexualidadeSagitário — otimismoCapricórnio — responsabilidadeAquário — renovaçãoPeixes — intuição

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Todos unidos no sentimento de fraternidade.

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MARIZA REIS RAJA GABAGLIA

Carioca, formou-se em Geografia, tendo também atuado na área social do Governo Federal, como Assessora de Educação para o Trabalho. Na maturidade, a literatura e a pintura abstrata tornaram-se caminhos desafiantes de criatividade, expressão e crescimento.

Participou recentemente, na SOBRAMES – Sociedade Brasilei-ra de Médicos Escritores, dos seguintes cursos: Platão/ Escritor e A estética de Proust – Prof. Ivan Miranda Frias e A inquietude de Clarice Lispector e o desassossego de Fernando Pessoa – Profa. Rosa Lia Franca Vellozo.

Em 2015 publicou A batida do coração, pela Capitolina Edições, com poemas, contos breves e prosas poéticas.


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Loja de brinquedosEra madrugada, os brinquedos em alvoroço com a proxi-

midade do Natal.Falavam da alegria de se livrarem da embalagem no dia da

compra.Ufa! Ufa! que alívio.Conversavam sobre a beleza dos Pinheiros enfeitados com

bolas coloridas reluzentes, laçarotes, luzes pisca-pisca.Os pratos dispostos à mesa, copos de cristal, talheres

brilhantes, guardanapos e acepipes sobre toalha de organza branca bordada à mão com sinos e laçarotes.

Vermelho e dourado.Ao pé do Pinheiro Papai Noel com seu Sax se balançando

ao som de Jingle Bells.As bonecas, felizes com as brincadeiras de mãe e filha.Os baldes, pás, forminhas com carinha de bichinho sentiam

o frescor da água e a maciez da areia.Os palhacinhos e marionetes a espera dos Doutores da

Alegria a levar amor e carinho às crianças doentes.Sonhavam com a liberdade e novas vivências.Época mágica, de esperança em um novo ano.Alegrias e tristezas aos marginalizados pela sociedade.A esses, sobras, brinquedos usados e muitas vezes o nada.Papai Noel representa uma reflexão:Por que para uns tudo e a outros nada?

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Esperança responde: há de chegar o dia da igualdade, fra-ternidade e boa-aventurança a todos.

Feliz Natal!

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NaturezaA natureza veste e se despeNo caminhar das horas e estaçõesDo ano.

Do alvorecer ao anoitecer se transforma, o céu que as acoberta enche-se de novas nuances.

São tantas as cores misturadasem minha paleta, que meus pincéis não as conseguem reproduzir.Cai a noite, surge a Lua em seuvestido prateado salpicado deestrelas do passado.

E me pergunto:Onde me enquadro neste quadro?

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Busca

Eu me busco, me busco e me rebusco.

O que encontro?

Uma pessoa dividida em muitas.

Um dia sou muitas, no outro ninguém, alguém ou quem

sabe nada.

Me amo, desamo, entristeço, alegro e

desalegro em uma busca incessante

de mim.

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Se pudesse voltar atrás

Paria minhas meninas de novo

E as amava como agora.

Aconchegava em meu colo,

embalava com canções de ninar

para os sonhos encantar.

Entoava cantigas de roda

segurando as mãozinhas

pros pezinhos sem tropeços

caminhar.

Apontava o céu azul salpicado de estrelas, a Lua o Sol a se

por ao final de cada dia

E de um tempo passado

De um passado, memórias

Felizes.

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MÔNICA ALVES

Nasceu no Rio de Janeiro, é psicóloga formada pela UFRJ e pós-graduada em Psicoterapia Junguiana e o Imaginário, pela PUC-RJ. Atuou em diversos espaços exercendo a Psicologia e, atualmente, é oficial temporária da FAB atuando como Psi-cóloga Clínica em ambulatório de saúde da Aeronáutica. Mãe de Caio e João Miguel. Em 2015 publicou sua primeira obra, Menu poesia — porque a alma tem fome de arte, poemas intimistas de reflexão psicológica, pela Capitolina Edições.


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É tempo de perdãoPerdoem-nos a falta do toque humano nos nossos dias,

corridos, batidos, desapercebidos demais. Poupamos abraços, mas buscamos vertiginosamente contatos, eletrônicos e virtu-ais, cada vez mais e mais.

Encurtam-se distâncias e economiza-se tempo, os de-fensores da Internet assim dirão. Pois ouso dizer que não. Trocamos o tempo dos encontros efetivos, reais, pelas longas horas solitárias diante de uma tela fria e de duras teclas, estas sim, tocadas demais.

Pensemos no efeito restaurador dos abraços que estamos a desperdiçar. E neste campo do afeto, o que se perdeu não dá para reciclar.

O tempo de um sincero abraço é, de fato, infinito: começa no aperto prazeroso entre os corpos e reverbera por incon-táveis anos no íntimo de quem o deu e de quem o recebeu.

As distâncias entre os tu’s e os eu’s estão aumentando a cada dia, em que utilizamos mal as novas tecnologias.

Quanto tempo dura um carinho? Que trabalho dá distribuir beijinhos? Quanto custam apertos de mãos? Por que não nos damos, então?! Busco compreensão desta falta crônica nos dias atuais. Questiono-me, pois: do que se consome esta gente que tanto consome?!

O que desejam obter com este prazer gerado em comprar, em ganhar objetos, “novidades”, que logo deixam de agradar,

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inserindo-nos num ciclo vicioso e viciado de querer mais e mais...

Do que se consomem esses tantos que expressam olhares vazios, melancólicos, pedintes, carentes? Carentes do quê? O que mesmo desejamos ganhar?

Perdoem-nos por não sabermos nos presentear com afeto, carícias e atenção nos dias que se vão. Perdoem-nos o vão dessa nossa indiferença.

O que muito tem ocorrido é que, quando se tem, se gasta muito dinheiro e poupam-se os ternos sorrisos, os pedidos de desculpas pelas nossas faltas. E a pergunta retorna, não quer calar: que faltas são essas? O que nos falta fazer, dizer, querer para nós?

O fato é que o que nos falta ser não é, definitivamente, substituído pela consumição do ter. São máscaras usadas por aqueles que resistem para enxergar as mais íntimas realidades e necessidades do ser.

E como se gasta tempo em teorizar, discursar, elucubrar, perdendo-se o tempo de amar: são as máscaras intelectuais.

Esquecemo-nos da imensa magia que possuímos nas mãos, à nossa disposição. A magia do toque que cura, que acalma, que reconcilia, que aquece o corpo e o coração.

Perdoem-nos por esta falta. Pela falta de conjugarmos bem o verbo acarinhar, em todos os tempos e pessoas. Pois o olhar que enternece é a esperança que amanhece da madrugada insone dos dias ruins. Ao apoiarmo-nos em ombro amigo, sentimos que os dias poderão ser melhores se tivermos uns aos outros, enfim.

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Um leve beijo no rosto ou nas mãos umedece-nos, mas tem o poder de secar as lágrimas que ainda guarda o coração, evitando que elas transbordem então. Abraços apertados pre-vinem os apertos no peito, na alma, e deveriam ser receitados pelos cardiologistas de plantão.

Perdoem-nos a falta de acolhimento de nossas dores, ma-zelas, questões. Perdoem-nos pelos falsos amores.

Onde estão nossas verdadeiras paixões? Certamente, não estão nas prateleiras das mais caras lojas. Procuremos em nos-sos porões. Será que lá estão esquecidas, empoeiradas, num canto qualquer de nós?

Qual a canção que eu cantava pra minha mulher?Como é mesmo que eu usava agradar meu homem?Qual é a história que os olhos de meu filho brilhavam ao

me ouvir contar? Perdoem-nos pela falta. Pela falta de nós mesmos em nos-

sos dias corridos, batidos, desapercebidos demais, daquilo que realmente mais feliz nos faz.

Perdoem-nos, enfim, por esta cruel sonegação de afagos, cafunés e massagens nos pés dos que andam e deitam-se todos os dias ao nosso lado.

Perdoem-nos pela economia de alegria, sorrisos e poesias nesse nosso estranho dia-a-dia.

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Receita para me e te fazer feliz

Parta as palavras perdidas no peitoDescubra o doce delas denotado Ou o sal dos seus significadosBrinque, balance-as, bote brilho um bocadoCurta contar com mais conotaçõesMuitas, melhores, múltiplasMaravilhas em multiplicaçõesCante-as em canções

Leia-me com lupa os meus lugares longínquosDentro, onde doem dores não domesticadasLivre-me do que é libertinoLeve-me ao que é libertárioLute pelo lume do meu luar lenitivoSorve o sol do meu ser solitário

Seja somente seu sutilmenteSiga suaves sentenças de sorteMexa-se, mostre-se, melhore-se até a morteVenha, vai, voe e volteSonhe os seus símbolos e solte-seAté onde o Amor almeja o alçarAlcançar, aquecer, aquiescerAté onde o Amor amorteçaEssa eterna dor de ser.

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SERGIO QUINTELLA

Sergio Medina Quintella é engenheiro civil, advogado e possui registro como jornalista desde 2011. Casado, nascido em 22 de dezembro de 1936, sempre gostou de artes, de literatura, de rabiscar e escrever. Já produziu diversas crônicas, mantendo ainda “na gaveta” dois originais: O elefantinho e a formiguinha e O pássaro azul. Membro da União Brasileira de Escritores – UBE, Sergio já publicou Livro diário do escritor e Momentos vivenciais simplesmente. Participou das edições Crônicas de oficina, volumes 3 e 4, em 2007 e 2008, sob a coordenação de Carlos Eduardo Novaes e Diversos, pela editora PerSe.


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Empório de sentimentos

Estava-se próximo do Natal. A atmosfera dava sinais dos

primeiros movimentos da natural e leve agitação própria da expectativa das festas natalinas.

[Uma mulher passa apressada no centro da cidade, quando, de repente, é atraída pelos gritos de um vendedor em frente a uma loja.]

— Olha aí pessoal!!!!!!! Quem precisa trocar, vender ou comprar sentimentos!!! — gritava um rapaz na frente da loja.

[E foi tomada de uma surpresa indescritível.] — O que é isso? !!!!! — disse para si, e...não aguentou; chegou

junto do rapaz e perguntou . Ele foi logo dizendo:— É só entrar![Ela, meio ressabiada, é verdade, foi entrando e logo

veio um vendedor de aparência tranquila e olhar sereno.]

— Em que posso servi-la? — indagou.— Não... estou de passagem, e com certa pressa, e só queria saber

como é que esse negócio funciona, enfim, que negócio é esse?...— Ah!!! já sei. — disse o vendedor. — A senhora nunca viu

esse tipo de negócio não é?— É isso mesmo. Por favor, eu só quero ter uma ideia “por alto”,

vamos assim dizer ...

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— Bem, — disse o vendedor — como a senhora está vendo, a loja está cheia de estantes com prateleiras, e o conjunto está dividido em colunas, onde cada coluna tem um título. Nesse lado temos amor, ternura, carinho, fraternidade, compreensão, tolerância, solidariedade, renúncia, alegria, e esperança. Mais para lá, acho que ainda dá para ver, temos sacrifício, boa vontade, e mais para frente, deste outro lado, temos ódio, rancor, vingança, inveja, desdém, intolerância, agressividade, má-fé, esperteza...

[A senhora interrompe.]

— Mas esperteza não é sentimento meu senhor, é atitude. — no que o vendedor retruca:

— Por trás da atitude está outro produto nosso, a ganância ou aquele outro, já dito, a má-fé.

E continua:— Como a senhora vê, aqui comercializamos sentimentos e o negócio

funciona assim:digamos que uma pessoa tenha uma determinada carên-cia. Digamos também, que ela vá se deparar com alguma situação que requeira o emprego do sentimento que ela carece. Isso vai fazer com ela vá ao encontro de uma situação que poderá ser muito desconfortável ou até mesmo bem prejudicial, ou quem sabe, irremediável. Nesse caso, essa pessoa vem aqui e procura transacionar a carência em causa, ou seja, aquela da qual depende para enfrentar a situação.

— O senhor agora empregou um verbo que não havia mencionado. O senhor havia dito comercializar, e não falou em transacionar...

— É que aqui, como dito, trocamos, vendemos ou compramos sentimentos, o que, efetivamente, são transações, porém o que posso aduzir agora, já que a senhora quer mais detalhes, é que também alugamos, arrendamos, consignamos, e dependendo de cada caso, cre-

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denciamos a pessoa para transacionar com nossos produtos mediante Representação.

Embora presa a um compromisso com sua empresa que trabalha muito nessa época de final de ano, a mulher, em visível entusiasmo, dirige-se ao vendedor exclamando:

— Ah!! Que fantástico!! — disse, em voz já ligeiramente alta. Um momento, por favor, que eu vou desmarcar um compromisso para dispor de mais tempo para que o senhor me explique mais um pouquinho sobre esse negócio.

— Pois não senhora, esteja à vontade. — disse o vendedor, constatando que tal tipo de comércio era realmente muito novo na praça.

— Senhor, —diz a mulher — gostaria de saber a questão dos preços. Como é que é?...

— Bem, essa questão varia bastante. Como são várias as modalidades de comercialização ou transação, vários, também, são os preços. Vejamos então uns poucos exemplos... Ah!, a senhora me desculpe, mas já estão esperando por mim ali do lado.

— Vamos fazer o seguinte nesse caso, — disse a mulher — o senhor atende à pessoa e eu me aproximo para assistir à transação!

— Está bem senhora, então, aproxime–se quando eu me dirigir ao freguês.

[O vendedor vai até ao freguês e se coloca à disposi-ção.]

— Bom dia! Tenho, daqui a uma hora, uma reunião muito importante onde vou decidir o destino de um imóvel e preciso de raiva e agressividade para enfrentar o empresário que quer comprá-lo a preço de banana para incorporar um edifício no local.

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— Pois não, senhor, que espécie de transação prefere: comprar ou alugar?

— Alugar — diz o interessado — pois tais sentimentos não me interessam.

— Bem, senhor, a raiva está a R$ 5,00 /hora e a agressividade, R$ 2,00.

[O freguês aceita o preço e o vendedor apanha dois frascos na prateleira, entrega ao freguês, que se dirige ao caixa da loja e paga. Após, vai para uma cabine onde a mulher percebe que o mesmo inalou o produto e sai dali bufando pelas ventas.]

— Nossa Senhora!! — diz a mulher atônita — nunca vi isso na minha vida!. Por que é tão barato?

— Porque esses produtos praticamente são oferecidos por centenas ou mesmo um milhar de pessoas diariamente aqui na loja. Na verdade, quase todo mundo tem, e só um ou outro não os dispõe em quantidade suficiente...

A mulher percebe então que a época que estavam pas-sando com os festejos do Natal e ainda do final de ano, era totalmente apropriada para presentear as pessoas com as melhores fragrâncias de alegria, entusiasmo, fraternidade companheirismo, entendimento etc.

Tomada de incontrolável entusiasmo e percebendo que poderia até ampliar o seu negócio, indaga a mulher com visível ansiedade:

— E quanto custa o amor, meu senhor?— Ah! senhora, se for para alugar, no momento está custando

até R$ 300.000,00/hora, pois sua cotação varia muito durante o

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correr do dia, aumentando bastante no que vai entardecendo. Mas, se for para comprar, aí a senhora me desculpe, mas o amor nós não vendemos, só alugamos. É muito difícil vir alguém aqui vender esse produto.

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THEREZINHA MELLO

Therezinha Mello nasceu em 31.05.1957, Resende - RJ. Concluiu o curso de Letras na UERJ, em 1979 e, atualmente, dedica-se à Literatura, estando à frente da Capitolina Edições.

2007 a 2009 - participou das coletâneas Crônicas de Oficina 2 e 4, coordenação de Carlos Eduardo Novaes e da antologia Com a palavra os professores do Brasil.

2011 - integrou o Testemunho VI: em prosa e verso - Oficina Li-terária Ivan Proença e a seleta digital Realengo: poetas pedem paz. Conquistou o 1º. lugar no Concurso Internacional da UBE – RJ — Contos — recebendo o Prêmio Peregrino Júnior e a Medalha Harry Laus com Seis tempos — histórias curtas e poemas-prólogo. No Festival Fluminense de Poesia, foi o 2º. lugar com o poema Estampas com xadrez.

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2013 – publicou Jorge da Capadócia, o menino guerreiro.

2014 – publicou Seis tempos – histórias curtas e poemas-prólogo, pela Capitolina Edições. Recebeu Menção Honrosa no Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira de Escritores – UBE – RJ com Jorge da Capadócia, o menino guerreiro e ficou entre os finalistas na categoria infantojuvenil do concurso Off Flip 2014, com Machadinho, o menino das letras, lançamento previsto para 2017.

2015 - publicou Cantilena de mulher — Poemas da alma feminina, pela Capitolina Edições.

Contato: [email protected] www.therezinhamello.com

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Quando me encantavam

os NataisAs pessoas iam ficando mais apressadas. Era novembro.

Meu pai chegava da repartição fazendo planos para o “décimo terceiro”. Minha mãe, pouco a pouco, ia passando ao marido as urgências da casa e das crianças. Não interferíamos nessas conversas, que eram, sempre, a meia-voz.

Àquela altura, eu e meus irmãos já tínhamos preparado nossas cartas para o Papai Noel. Indecisos, escrevíamos e rasgávamos sucessivamente inúmeras folhas de nossos blocos de rascunho, até que cada um chegava à sua versão final.

Ao Papai Noel.Caprichávamos na letra bem redonda e concluíamos o

trabalho com o endereço para entrega, no verso do envelope. Com todo o cuidado, escondia minha carta dentro de um

caderno. Não queria que os meninos vissem. No entanto, sem conseguir guardar meu próprio segredo, acabava contando, só à minha mãe, o que tinha escolhido. Mais uns dias e ela — com um ar entre alegre e solene — anunciava:

— Crianças, hoje podem deixar as cartas no lugar de sempre!Era assim todos os anos. Vibrávamos com a notícia. De-

pois, deixávamos os envelopes aos pés da árvore de Natal. No dia seguinte, antes do café, já haviam sumido dali. Era uma gritaria enorme.

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— Pessoal, o Papai Noel já levou as cartas! Minha mãe ria e balançava a cabeça. A partir daí não falá-

vamos em outra coisa. Roíamos as unhas só de pensar. Procu-rávamos ser, naqueles dias, menos barulhentos e arruaceiros. Mais carinhosos também. Surpreendíamos mamãe e papai com beijos extemporâneos. Fingíamos estudar mais, atracados com os livros às vésperas das provas finais. Bom comportamento e passar de ano eram as condições básicas do Papai Noel.

Eu gostava, especialmente, de admirar a beleza dos enfeites de Natal. Na nossa árvore da sala, em seu ponto mais alto, colocávamos uma estrela enorme e dourada. Além de luzes de todas as cores, em acender e apagar constante e miúdo. Todo aquele brilho me atraía e me fazia sonhar.

No dia vinte e quatro acordávamos cedo. Pulávamos da cama em algazarra. Era o Natal que, finalmente, chegava. No fim da tarde — roupas novas, cheirosos e penteados — es-távamos prontos para seguir até a casa oito, da vila em que morávamos. Dona Belinha gostava de preparar uma grande festa de Natal, com a participação de todos os vizinhos. Du-rante o dia, as donas de casa fritavam rabanadas e bolinhos de bacalhau, assavam frangos, mexiam farofas. Castanhas, figos, nozes, a ceia tinha de tudo.

Mas, sem dúvida, o mais importante era que, no alto da casa de Dona Belinha havia um sótão onde, nunca, nenhum de nós tinha conseguido entrar. E não tinha sido por falta de tentar! Era ali, de uma pequena janela que, todos os anos Papai Noel aparecia à meia-noite, enquanto Dona Belinha colocava na vitrola o disco com músicas natalinas. Recebíamos aos berros a magia daquele personagem, encantados com o que víamos.

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Os adultos apontavam para o alto chamando nossa atenção. É ele! Vejam! É o Papai Noel! Ele veio, pessoal!Os menores ficavam assustados e encobriam os olhos

com as mãos, espiando pelas frestas dos dedos, muitas vezes agarrados às pernas dos pais. Os maiores procuravam aproxi-mar-se do comportamento dos adultos. Alguns, já com certa indiferença adolescente, comentavam a semelhança física entre o Papai Noel e “Seu” Gregório. O farmacêutico do bairro, marido de Dona Belinha.

Quer apostar? Cadê ele, que nunca aparece nessa hora? Olha lá! É a cara dele!

Quando voltávamos para casa, corríamos em disparada pela vila, para enfim abrir nossos embrulhos de presentes, ar-rumados um a um aos pés da árvore. Avançávamos rasgando papéis, quase chorando de tanta felicidade. Depois custávamos a dormir, agitados. Mal podendo esperar o dia seguinte, para mostrarmos orgulhosos nossos brinquedos às outras crianças da vila.

Da minha cama, podia avistar o céu daqueles dezembros. E em meu imaginário mais distante, vejo-me ainda ali, con-templativa, confortada pela ideia de que o mundo inteiro estava também feliz. Sonolento e cansado da festa. De que as luzes continuavam clareando todas as casas. De que nada era mais importante do que comemorar o Natal novinho em folha, que cheirava ao brinquedo novo que acabara de ganhar. E de que Papai Noel era o velhinho perfeito, que não faltava nunca ao encontro marcado de cada final de ano. Tudo grandioso e simples. Doce e ingênuo. Vejo-me ainda ali com meu último pensamento, antes de pegar no sono:

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Os meninos disseram que aquele, no sótão, era “Seu” Gregório da farmácia. Aquele que nos aplica injeções. Será?

E eu mesma me respondia, sem querer pensar muito na-quela possibilidade que desejava manter como improvável.

Claro que não. Aquele era o Papai Noel. Tenho certeza que era. Imagina!

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