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THIAGO AUGUSTO DIVARDIM DE OLIVEIRA “31 DE MARÇO”: UM NÚCLEO HABITACIONAL COMO ENUNCIADO E AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO ENTRE A FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE MIKAIL BAKHTIN E A FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE JÖRN RÜSEN Trabalho apresentado ao “S eminário Especial de Leituras Bakhtinianas”, ministrada pelo Professor Doutor Gilberto Castro, no Programa de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, como parte das exigências para obtenção do crédito relacionado à disciplina mencionada. CURITIBA 2013

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THIAGO AUGUSTO DIVARDIM DE OLIVEIRA

“31 DE MARÇO”: UM NÚCLEO HABITACIONAL COMO ENUNCIADO E ASPOSSIBILIDADES DE DIÁLOGO ENTRE A FILOSOFIA DA LINGUAGEM DE MIKAIL

BAKHTIN E A FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE JÖRN RÜSEN

Trabalho apresentado ao “Seminário Especial de

Leituras Bakhtinianas”, ministrada pelo Professor Doutor Gilberto Castro, no Programa de Pós-Graduaçãoem Educação, Setor de Educação, Universidade Federaldo Paraná, como parte das exigências para obtenção docrédito relacionado à disciplina mencionada.

CURITIBA2013

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As formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do discurso,

introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente e sem que sua

estreita correlação seja rompida.

Mikhail Bakhtin

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RESUMO

Este trabalho propõe a compreensão de logradouros públicos como enunciados e possívelgênero de discurso a partir de leitura inter-relacionada entre a filosofia da História e da

Linguagem. Para isso, são propostos possíveis pontos de convergência entre a filosofia dalinguagem na perspectiva do círculo de Bakhtin e a filosofia da História discutida por JörnRüsen. A aproximação se detém no conceito narrativa da filosofia da História e no conceitoenunciado da filosofia da linguagem. Do ponto de vista epistemológico essas aproximaçõessão possíveis porque no círculo de Bakhtin o fenômeno da consciência é percebido demaneira sócio-ideológica, e em Rüsen como uma formação inerente ao ser humano, portantoque ocorre socialmente. A matriz dessas duas referências encontra-se na compreensãomarxista da produção da consciência, aquela compreensão de que os homens fazem asrelações e as relações fazem os homens. Uma compreensão mais aberta e ventilada domarxismo, e não definitiva e centrada nas relações econômicas. Para testar as aproximaçõesfilosóficas o presente texto recupera a nomeação de um logradouro realizada no contexto da

ditadura militar brasileira (1964  –  1985), na cidade de Ponta Grossa, utilizando textos de jornais como enunciados que conferem sentido e significado à ditadura militar. O legado doregime de exceção transparece em narrativas / enunciados 43 nos depois, quando foi propostaa mudança do nome do logradouro “31 de Março”, entendido como homenagem a ditadura,

 pelo nome “15 de Março” data da redemocratização. As ações propositivas de tal mudançaevocaram enunciados responsivos e responsáveis em relação às formas de atribuição desentido ao período ditatorial em questão. Para a composição desse trabalho revisitei um artigoanterior produzido em co-autoria com o jornalista Ben Hur Demeneck. O artigo revisitado foi“MAJOR, VIEMOS PAGAR O ALUGUEL”: UM NÚCLEO HABITACIONAL COMOCASO DE HOMENAGEM E AUTO-HOMENAGEM DO REGIME MILITAR A PARTIR DE DIÁRIOS DE 1967 E DE 2010  –  A OPINIÃO PÚBLICA DE 25 ANOS DEDEMOCRACIA realizado por ocasião do evento 8º Encontro Nacional de História da Mídia –  Guarapuava, 2010. No presente trabalho a seção 4 possui contribuição expressiva e essencialdo co-autor citado acima, no entanto, a versão atual foi alterada. De tal forma que foram

retiradas as contribuições da teoria sobre opinião pública e incorporada uma análise na perspectiva da filosofia da linguagem. Por fim, o trabalho tece comentários sobre adialogicidade, pensada a partir dos artigos de opinião analisados, para então encerrar comconsiderações a respeito da importância do debate sobre a ditadura como elemento deconstrução da democracia e considerações sobre a importância da disciplina para a formaçãodo autor.

Palavras-chave: enunciados; narrativas, cultura histórica; dialogicidade; consciênciahistórica.

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1. INTRODUÇÃO: POSSIBILIDADES DE APROXIMAÇÕES ENTRE A FILOSOFIA

DA HISTÓRIA DE RÜSEN E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM DO CÍRCULO DE

BAKHTIN

Pretendo estabelecer algumas aproximações entre a filosofia da linguagem proposta

 pelo círculo de Bakhtin e a filosofia da História proposta por Jörn Rüsen. Para a realização

dessas aproximações utilizarei principalmente as obras “Marxismo e Filosofia da Linguagem”

(VOLOSHNOV, 1995), o capítulo “Os gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2003) e os

referenciais da teoria da Consciência Histórica. Pretendo aqui estabelecer uma revisão do

capítulo 5 do livro de Voloshnov (1995) intitulado “Língua, Fala e Enunciação” não paradiscuti-lo em profundidade, mas para apontar pontos de convergência entre as duas filosofias

aqui citadas

Uma das primeiras propostas de Voloshnov é demonstrar que a língua deve ser pensada

como uma corrente evolutiva ininterrupta. Só existe como sistema rígido na consciência

individual e em abstração. O autor demonstra que ou como a língua é diacrônica. De maneira

sincrônica só pode existir de forma abstrata em relação a um tempo e a um lugar. Significa

que de maneira objetiva a língua não existe nunca, ela existe sim historicamente. Efetivada

 por consciências em inter-relações.

 Nesse sentido, a língua pode ser aferida como expressões das consciências individuais.

Se a língua se constitui relativamente à consciência individual ela pode ser entendida como a

 possibilidade de expressão da consciência. A relação entre linguagem e consciência se

aproxima da compreensão que a filosofia da História atribui ao fenômeno Consciência

Histórica.

Para Rüsen (2001), a Consciência histórica deve ser entendida como movimentação (e

esta como processo cognoscível que se apropria do conhecimento adquirido no tempo) das

três expressões temporais, (passado, presente e futuro) para gerar orientação existencial.

Refletir o passado em relação ao presente, projetando ações futuras, a consciência histórica é

inerente a todo ser humano. A consciência histórica funciona para dar sentido e significação à

existência humana. Para a teoria e filosofia da história uma das formas de aferir a consciência

histórica é através da compreensão do conceito de narrativa histórica.

O presente texto busca demonstrar possibilidades de aproximação entre a compreensão

dada por Voloshnov ao conceito de enunciado em relação ao que se compreende como

narrativa na filosofia da história. A compreensão do conceito narrativa, para Rüsen, funciona

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como elemento constituidor do pensamento histórico. Toda atividade de tornar o passado

 presente ocorre por meio de uma atividade intelectual compreendida como narrativa (RÜSEN,

2001 p.. 149). Em primeiro lugar é necessário definir que a narrativa nem sempre é histórica,

histórico significa interpretar mediante a experiência e a narrativa que explicita o pensar 

histórico possui função cultural contemporânea. Contudo, nem toda narrativa ocorre com o

tornar presente o passado. A narrativa histórica tem como característica a compreensão

fundamental de que os feitos narrados ocorreram no passado, e que o fato de ser rememorado

e trazido ao presente mediante narrativa ganha sentido de orientação no quadro cultural da

 práxis da vida.

O De acordo com o autor alemão, a narrativa, dos feitos, faz surgir a História “(...) Ao

tornar-se presente, o passado adquire o estatuto de História” (RÜSEN, 2001 p. 154). O autor ainda aponta a necessidade de compreender a categoria sentido:

Sentido articula percepção, interpretação, orientação e motivação, demaneira que a relação do homem consigo e com o mundo possa ser pensadae realizada na perspectiva do tempo. Sentido histórico na relação com omundo significa uma representação da evolução temporal do mundohumano, tanto baseada na experiência quanto orientadora e motivadora doagir. Também na relação do homem com si mesmo, o tempo é interpretadoem consecução, de modo que seja alcançado um mínimo de consistência do

“eu”: a identidade histórica. (RÜSEN, 2001 p. 156)

As narrativas são históricas quando possuem sentido na comunicação da vida prática

quando compõe uma relação na qual o passado é interpretado à luz do presente que é

entendido e relacionado ao futuro, este é esperado de acordo com a interpretação. Este sentido

 pressupõe três condições: a estrutura de uma história que deve apresentar começo meio e fim;

a experiência do passado que significa que as coisas ocorreram em um tempo que só se

alcança pela própria história; e o sentido de orientação à vida prática.

Definidos os conceitos de Consciência Histórica e de Narrativa Histórica, torna-se

 possível retornar as compreensões de Voloshnov. De acordo com o autor, que fez parte do

círculo de Bakhtin, os locutores servem-se da língua para suas necessidades enunciativas

concretas, “para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido da enunciação da

fala” (VOLOSHNOV, 2006 p. 93). A aproximação possível nessa questão é entre a

compreensão de “necessidades enunciativas concretas  –  Voloshnov” e a ideia de “carências

de orientação na vida prática –  Rüsen”. Para ambos, é na concretude da vida e nas demandas

apresentadas na práxis que surgem os enunciados.

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Essas aproximações são possíveis porque no círculo de Bakhtin o fenômeno da

consciência é percebido de maneira sócio-ideológica, e em Rüsen como uma formação

inerente aos seres humanos, portanto, que ocorre socialmente. A matriz dessas duas

referências encontra-se na compreensão marxista da produção da consciência, aquela

compreensão de que os homens fazem as relações e as relações fazem os homens. Uma

compreensão mais aberta e ventilada do marxismo, e não definitiva e centrada nas relações

econômicas. Quando Voloshnov afirma que:

É impossível delimitar de modo estrito o ato de compreensão e a resposta.Todo ato de compreensão é uma resposta, na medida em que ele introduz oobjeto de compreensão num novo contexto  –  o contexto potencial daresposta. (VOLOSHNOV, 2006 p.. 95 nota 2)

Essa compreensão das possíveis relações entre diferentes enunciados está em

consonância com a ideia da dialética, do dialogo de ideias, de formas de compreensão e de

atribuição de sentido. Quando esse processo é pensado em relação a um determinado tempo e

lugar podemos entender como relações concretas. Nesse momento, Voloshinov aponta que

nessa concretude os seres humanos não pensam em códigos, mas em enunciados.

De acordo com o autor russo, se a língua é usada de acordo com as necessidades

enunciativas concretas é impossível separar os enunciados de aspectos ideológicos, e mesmoestéticos e éticos. Esse é mais um ponto de possível aproximação entre as ideias do círculo de

Bakhtin e a filosofia da História proposta por Rüsen.

Para Rüsen, a consciência histórica se expressa de maneira narrativa e é mobilizada de

acordo com as carências de orientação da práxis da vida. Se os enunciados são efetivados em

relação às necessidades concretas de enunciação, e eles podem lançar uso de argumentos

relacionados ao passado para dar suporte a um interesse do presente. Tais interesses ou

necessidades ligados ao complexo social, ou como diria Voloshnov “apreciação de suaqualidade contextual” (2006, p. 106), são enunciações ou narrativas que possuem aspectos

éticos, estéticos, políticos ou ideológicos, além é claro do aspecto cognitivo.

Para Rüsen entre a Consciência História e a Cultura Histórica há uma separação muito

 pequena:

Da consciência histórica há somente um pequeno passo para a culturahistórica. Se se examina o papel em que joga a consciência histórica na vidade uma sociedade, aparece com uma contribuição cultural fundamentalmente

específica que afeta e influi em quase todas as áreas da práxis da vidahumana. Assim, a cultura histórica se pode agir como uma articulação prática e operante da consciência histórica na vida de uma sociedade. A

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 práxis da consciência tem a ver, fundamentalmente, com a subjetividadehumana, com uma atividade da consciência, pela qual a subjetividadehumana se realiza na prática. (Rüsen, 2009. p. 4)

Essa compreensão da forma como o passado está em sociedade e de que maneira ele pode ser aferido, torna possível uma comparação com a ideia que Voloshinov defende sobre a

concretização da palavra e dos enunciados. Para ele, “a concretização da palavra com a

inclusão dessa palavra no contexto histórico real de sua realização” (2006, p.. 105). Essa

concretização é levada a cabo por sujeitos que mobilizam consciências. Mais uma

aproximação entre as compreensões sobre o fenômeno consciência entre as duas filosofias, a

da História e a da Linguagem, pois Voloshnov apresenta que os sujeitos não “adquirem”

consciência na sua língua materna, “é nela e por meio dela que ocorre o despertar daconsciência” (2006, p.. 110). Da mesma maneira que a consciência histórica, para Rüs en

(2001) é inerente a vida humana.

 Na filosofia da linguagem a esteira do pensamento de Voloshnov, fica evidente que o

 processo de assimilação da língua materna é um processo de integração progressiva com as

enunciações que ocorrem na sociedade. É na medida em que essa progressão ocorre que se

adquire conteúdos que compõe a consciência.

As relações entre esse processo de consciência e os enunciados propostos na filosofia dalinguagem aproximam-se muito da relação entre consciência e cultura histórica e suas

expressões narrativas. Se a enunciação é de natureza social como resultado de um ato de fala,

as narrativas históricas estão permeadas pelos elementos que compõem a Cultura Histórica de

uma sociedade.

 No caso dos logradouros públicos e suas nomeações, é possível realizar uma análise

fruto dessa relação entre filosofia da linguagem e filosofia da história. Os nomes dos

logradouros podem ser percebidos como enunciados (Voloshnov) e também como elementos

da cultura histórica das sociedades. Como elementos da cultura histórica podem ser 

 percebidos como abreviações narrativas, concentram em si a possibilidade de narrar 

histórias. Como enunciados podem demonstrar as múltiplas relações entre ideias diferentes

sobre um mesmo enunciado. Quando esses enunciados são exteriorizados de maneira

responsiva evidenciam a dialogicidade da práxis da vida.

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2. FILOSOFIA DA LINGUAGEM E HISTÓRIA: LOGRADOUROS PÚBLICOS

COMO ENUNCIADOS

De acordo com Bakhtin (2003), todas as esferas da vida humana estão sempre

relacionadas à utilização da linguagem. É inerente ao ser humano o desenvolvimento de

capacidades comunicativas, através da linguagem, para a vida em sociedade. As mídias, nesse

sentido, estão envolvidas em papéis significativos nas inter-relações entre as esferas da vida

humana através da linguagem. É, por isso, que dedico algumas reflexões sobre a relação entre

o conceito de enunciado (BAKHTIN, 2003) e os referenciais da teoria da consciência

histórica (RÜSEN, 2001) em um ensaio que propõe discussões entre a Filosofia da

Linguagem e a Filosofia da História.

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada umadessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ouseja, pela seleção operada nos recursos da língua  –  recursos lexicais,fraseológicos e gramaticais – , mas também, e, sobretudo, por sua construçãocomposicional (BAKHTIN, 2003 p. 279).

De acordo com o autor russo, há na comunicação três elementos básicos: o conteúdo

temático, o estilo e a construção composicional . Elementos se fundem no todo de um

enunciado, e todos os enunciados são marcados pela especificidade de uma esfera de

comunicação. Os enunciados refletem as condições específicas de cada uma das esferas da

vida humana.

 No presente texto, proponho além de relações entre a Filosofia da Linguagem e da

História, uma discussão sobre composição de um enunciado específico como logradouro

 público, o núcleo “31 de Março” e as atitudes responsivas e responsáveis geradas a partir 

desse enunciado 43 anos depois de sua inauguração. Tais atitudes, entendidas aqui como

responsivas e responsáveis, aparecem sob a forma de novos enunciados que evidenciam a

dialogicidade da linguagem na vida concreta. Ou seja, as múltiplas significações que “31 de

Março” pode apresentar para diferentes sujeitos ou grupos.

O que Bakhtin (2003) chama de “gêneros do discurso” são tipos de enunciados

relativamente estáveis. Os enunciados podem ser percebidos com a mesma complexidade que

as sociedades, pois formam um fator básico das próprias sociedades. Tais enunciados são

heterogêneos e há uma grande variedade entre as possíveis formas, sentidos e significados dos

enunciados, sejam orais ou escritos. Funcionam como uma curta réplica do diálogo cotidiano.

A variedade dos gêneros do discurso é tão grande que não há como reunir em apenas

um campo de estudos todos esses gêneros (BAKHTIN, 2003 p. 280). Até o momento em que

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Bakhtin escrevia, estudava-se amplamente a literatura, desde a antiguidade até os tempos

contemporâneos. De acordo com o autor, o interessante seria prestar mais atenção nas demais

 possibilidades, à natureza verbal do enunciado. Entre os aspectos que deveriam receber mais

atenção está a relação com o ouvinte, e a conclusão do enunciado como algo diferente do que

significaria a conclusão do pensamento, ou seja, não há segurança de que a ideia que se pensa

enunciar seja a mesma que se compreende pelo interlocutor. É nesse sentido que realizo a

leitura da obra de Bakhtin, como tentativa de perceber as potencialidades responsivas a partir 

dos logradouros públicos e dos enunciados que eles podem gerar.

De acordo com Bakhtin, não haveria porque limitar a extrema heterogeneidade dos

gêneros do discurso (2003, p. 281). Por isso, proponho uma compreensão instrumental do

conceito de gênero e de maneira funcional compreendo que o nome dos logradouros públicos podem ser percebidos como um gênero de discurso.

De acordo com Bakhtin, há uma divisão essencial entre o que se compreende como

gênero primário e gênero secundário. O gênero secundário, mais complexo, relaciona-se as

concepções artísticas, políticas, científicas, e sociopolíticas da linguagem. Os gêneros

secundários possuem uma duração mais ampla, uma circularidade maior. Antes de ganhar 

essa complexidade, no entanto, eles absorvem gêneros primários. Por exemplo: um romance

onde aparecem cartas e diálogos, ou mesmo a referência a nomes de ruas e praças, que sãorelativos à vida cotidiana, nesse caso, o romance em seu todo é um gênero secundário, que

lança mão de gêneros primários. Os gêneros primários nesse caso ocorrem com menor 

duração, são mais rápidos.

Essa distinção possui importância teórica bastante fecunda. As complexas relações

entre gêneros primários e secundários, no que diz respeito as suas inter-relações entre

sociedade e experiência humana no tempo, é essa relação que esclarece o enunciado. Estudar 

os enunciados, sua historicidade é perceber a relação entre a linguagem e a vida. De acordocom Bakhtin:

A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, eé também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua(BAKHTIN, 2003 p.. 282).

Proponho destarte, que os logradouros públicos podem ser compreendidos como

enunciados, pois, sendo estáveis poderiam se encaixar, como afirmei anteriormente, mesmo

que de forma aberta e funcional, como gênero de discurso. Os nomes dos logradouros públicos estão relacionados à vida em sociedade, possuem circulação social e como toda

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comunicação expressam sentidos e significados ideológicos. Pretendo também discutir 

as pectos da História do núcleo habitacional chamado “31 de Março” em seguida realizar as

discussões relacionadas à filosofia da linguagem e também a filosofia da História, para então,

explorar suas inter-relações.

 Neste ensaio, mais do que explorar teoricamente o conceito de enunciado ou de gênero

de discurso, procuro estabelecer algumas relações entre a filosofia da História (Rüsen) e a

filosofia da Linguagem (Círculo de Bakhtin). Para isso procurei revisitar narrativas,

compreendidas como enunciados, sobre a ditadura militar em plena vigência democrática. O

 papel da imprensa na afirmação de homenagens e auto-homenagens do período militar se

constata tanto na recuperação de fontes históricas pelas páginas impressas de décadas

anteriores, como ao perceber o ciclo entre poderes instituídos e jornais. Por exemplo, no projeto de lei promulgado para nomear logradouro público com nome de “herói” cita em sua

argumentação a presença de repórter de periódico nacional destacado para cobrir cerimônias

feitas em memória da personalidade.

O 31 de Março de 1964 foi considerado pelo regime militar como a data de seu golpe

de estado deflagrado contra o presidente João Goulart – para efeito de exatidão seria mesmo o

1º de Abril. Numerais à parte, o evento foi chamado de "revolução" por parte de seus

 protagonistas. Em se tratando de nomes, o "31 de Março" se espalhou pelos logradouros brasileiros durante os 21 anos do regime de exceção, em extensa lista1. Uma delas fica numa

cidade do interior do Paraná, Ponta Grossa, hoje com mais de 300 mil habitantes.

O núcleo habitacional 31 de Março foi inaugurado em 1967, no terceiro aniversário do

golpe, com cerca de 1.000 casas na região norte dessa cidade. Até hoje, 2013, uma de suas

vias se chama "Sargento Carlos Argemiro de Camargo", um dos elos para explicar o ciclo de

auto-referências. Um dos primeiros militares mortos em exercício de repressão (Março de

1965), após dois meses de sua morte, ganha projeto de lei para virar nome de rua. SargentoCamargo era ponta-grossense. E a trama entre imprensa regional e a ação do regime de

exceção sobre cidades periféricas apenas começa.

1 Em jornal da capital de Roraima, articulista recorda da nomenclatura em bairro, escola e,anteriormente, até o Palácio do Governo. Os trechos valem a leitura direta: "a data (31 de Março) passouem branco em Roraima, um dos estados brasileiros que demorou a expurgar os últimos resquícios domilitarismo, inclusive até hoje há homenagens à ditadura, como o bairro 31 de Março e a escola do bairro

que leva o mesmo nome (...) Até mesmo o Palácio do Governo, sede do Executivo estadual, chamava-se31 de Março, em uma afronta não apenas ao povo roraimense, mas a todos os brasileiros que foramtorturados e mortos nos calabouços do militarismo". Publicado em 2009, na Folha de Boa Vista(publicação on-line da seção "Parabólica", edição 5572, XXXIV, sábado, 11 de abril).

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Quando são questionadas algumas das homenagens comentadas, é possível perguntar 

se cumprem com as funções relacionadas à articulação entre presente, passado e futuro, que

indica como as sociedades querem se representar, como querem se utilizar da memória para

determinarem quem são e como querem ser percebidas. Para países interrompidos pela

ditadura, como é o Brasil, um tema de homenagem e auto-homenagem de um regime

autoritário pode sintetizar o câmbio de papéis sobre os usos públicos que se faz da História. E

os enunciados publicados em periódicos acabam por evidenciar a quantas anda a atribuição de

sentido a experiência humana no tempo.

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3. FILOSOFIA DA HISTÓRIA: O FUTURO-PASSADO DO 31 DE MARÇO

Mesmo com expressões pouco otimistas nos vários âmbitos sociais a partir da década

de 19802, houve quem percebesse novas possibilidades para a construção de realidades mais

adequadas para as sociedades. Entre tais pensadores, destacam-se os historiadores e filósofos

da história Reinhart Koselleck e Jörn Rüsen, que antes de decretarem o fim da história,

anunciaram formas de se relacionar com o passado. Além de permitirem expectativas de um

futuro melhor à humanidade, incitam a busca do passado a partir do presente com vistas à

orientação dos indivíduos e sociedades em relação à experiência humana no tempo . Tais

áreas de discussão dentro da História e teoria da história são entendidas como o pensar da

história sobre si mesma e sobre seus próprios postulados teóricos: a Filosofia da História e aMetateoria da História.

É possível estabelecer um paralelo entre a utilização do passado como homenagem e

auto-homenagem prévia nos tempos da ditadura militar no Brasil e as possibilidades de

revisão destes logradouros. Quando se afirma que há uma relação muito próxima entre as três

expressões temporais (passado, presente e futuro), tal convicção está vinculada à filosofia dos

tempos históricos. Primeiro, é necessário afirmar que só é possível raciocinar sobre o tempo a

 partir do Presente. Quando se pensa sobre o futuro, sobre o passado ou sobre o próprio presente, sempre se efetiva tal ação a partir do tempo presente. Sendo assim, pode-se apontar 

que qualquer tempo passado já teve um tempo presente e, portanto, teve um passado e um

futuro3.

Tendo pontuado que a reflexão sobre os tempos é feita sempre a partir do presente,

 podem-se apontar os motivos pelos quais os indivíduos cotidianamente se relacionam e

refletem sobre o passado. Rüsen (2001) sistematizou uma teoria da Consciência Histórica na

2 A partir da década de 1980, quando o mundo percebia a queda da URSS e o capitalismoneoliberal avançava com o fim do Estado de Bem-Estar Social, a produção do conhecimento passou poruma crise de paradigmas. Esse evento provocou reflexos em vários âmbitos da sociedade, esse sentimentopode ser exemplificado em discussões da área das ciências sociais e produções historiográficas com aemblemática obra “O fim da História” (Francis Fukuyama). 3 Como exemplo, é possível tomar o momento em que este texto é escrito - o presente do autor.Ele se relaciona com momentos passados quando planejava a escrita deste artigo, e se relaciona com ofuturo, quando pretende que um dia alguém o leia. Quando o leitor acompanha este raciocínio, ele o faztambém em um tempo presente. O momento da escrita do texto pelos autores se torna tempo passadopara o leitor, enquanto que, o fim da leitura se mantém como expectativa de futuro para quem desenvolvea leitura. Pois bem, pode-se afirmar que no momento em que foi escolhido o nome 31 de Março para um

núcleo habitacional na cidade de Ponta Grossa, havia um passado, um presente e uma expectativa defuturo. O então presente pode ser indicado pela vigência da ditadura militar, o passado se liga à morte doSargento nativo da cidade e a possível expectativa de futuro pode ser a possibilidade de agradar o podercentral com uma homenagem ao golpe para conseguir, por exemplo, investimentos e favores políticos.

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qual defende que as motivações que levam qualquer pessoa (seja um historiador no exercício

da função ou um cidadão a caminho de um parque) a pensar sobre o passado são sempre

motivações do presente em relação ao futuro e ao passado. O que Rüsen chama de

Consciência Histórica nada mais é do que uma capacidade inerente aos seres humanos que os

leva a raciocinar historicamente no sentido de interpretar o presente com as experiências do

 passado e projetar ações futuras. Desta forma, a História abandona aquele senso equivocado

de algo estático e que não se modifica para assumir um papel vivo nas ações cotidianas.

Assim a história é produzida para orientar a práxis da vida.

Para Rüsen, a consciência histórica se expressa por uma atividade intelectual de tornar 

 presente o passado e se orientar em relação às expectativas de futuro que se efetivam por meio

de narrativas. É a narrativa histórica que possui a materialidade da consciência histórica.Indico aqui uma convergência entre o pensamento de Rüsen (2001) e de Bakhtim (2003),

 pois, se os enunciados são a unidade real da comunicação verbal, expressam a concretude do

sujeito de um discurso-fala, e os sujeitos só podem enunciar em sociedade, a narrativa

expressa à concretude da consciência histórica como elemento inerente a vida em sociedade.

 Ilustração 1: Diário dos Campos (31/03/1967) - Manchete comemora golpe militar e

chamada de capa anuncia finalização do núcleo habitacional, atual 31 de Março.

Antes que se perca a relação com o logradouro Núcleo Habitacional e seu nome 31 de

Março, é necessário afirmar que as relações temporais que permitiram, em 1967, que o núcleo

fosse símbolo tanto de uma homenagem da cidade ao golpe quanto de uma auto-homenagem

do poder central às intervenções políticas efetivadas pela força, ambas estão hoje superadas.

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As expectativas de futuro dos representantes da época são, na atual sociedade, um  futuro

 passado e, as expectativas de hoje são as que primam pela justiça, igualdade de direitos,

liberdade de expressão e participação política. Enfim, valores. Os valores atuais são da

democracia em vez de valores autoritários, da dor e do sofrimento que se relacionam a

ditadura.

Para discutir a nomenclatura de logradouros, cabe uma referência ao texto do

especialista Daniel Milo, “O nome das ruas”, publicado em 1986, em obra organizada por 

Pierre Nora (“Os lugares da memória”). Milo indica que não se pode deixar de pensar as

sociedades que deram nomes a seus logradouros  –   símbolos da memória coletiva e signos

exteriores de notoriedade. Uma vez que a memória percebida nos espaços públicos demonstra

o uso que as classes dominantes fizeram do passado e permite refletir sobre os interesses detais representações.

As homenagens públicas fazem parte de uma inter-relação entre as três expressões

temporais e podem ser revisadas. A história deve orientar a vida prática. Exemplo disso, a

retirada das homenagens a Francisco Franco em espaços públicos na Espanha. O debate

 público e político na Espanha concluiu que Franco não é um exemplo a ser seguido, que a

história relacionada a ele não é algo merecedor de homenagens e que os espanhóis não

querem mais se representar como uma sociedade que homenageia em vias públicas umditador fascista4. E de que maneira esse debate aconteceu? A partir de enunciados. Os

enunciados são responsivos e responsáveis, transmitem uma ideia específica sobre a forma de

interpretar o passado no presente, são expressões da consciência histórica.

As predisposições conscientes ou inconscientes dos indivíduos estão relacionadas ao

 passado, ao presente e as projeções individuais ou coletivas de futuro. Rüsen estabelece o

 passado como fonte de sentido à práxis. Na vida em sociedade, é característico que os sujeitos

 percebam, interpretem, e se orientem em relação a determinadas finalidades. Este processoenvolve dimensões estéticas, políticas, éticas, morais e cognitivas. Ainda que se questione a

força das homenagens dos logradouros, tais homenagens fazem parte do passado que está

 presente no cotidiano das pessoas.

4 Para utilizar mais um termo de Rüsen, a retirada das homenagens a Franco na Espanhasignificam um ganho a Cultura Histórica do país: "da consciência histórica há somente um pequeno passopara a cultura histórica. Ao se examinar o papel em que joga a consciência histórica na vida de umasociedade, aparece com uma contribuição cultural fundamentalmente específica que afeta e influi em

quase todas as áreas da práxis da vida humana. Assim, a cultura histórica se pode agir como umaarticulação prática e operante da consciência histórica na vida de uma sociedade. A práxis da consciênciatem a ver, fundamentalmente, com a subjetividade humana, com uma atividade da consciência, pela qual asubjetividade humana se realiza na prática" (Rüsen, 2009. p. 4).

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Quando as pessoas se orientam geograficamente, elas lançam mão de signos e sinais.

Por mais que eles não sejam decodificados de maneira isolada, por exemplo, as pessoas não

 pensam sempre no significado de “Tiradentes” para a história coletiva quando vão as

inúmeras ruas e praças Tiradentes que existem pelo Brasil. No entanto, a repetição desse

enunciado possui uma significação.

3.1. O “31 de Março” como abreviação nar rati va : perspectivas da cultura histórica

 Na esteira do pensamento do filósofo alemão Jörn Rüsen, a Cultura Histórica se refere

a uma maneira particular de abordar interpretativamente o tempo. Mais exatamente, resulta

em algo como “História”, mas não qualquer tipo de história, como resultado da percepção de

um conteúdo da experiência, que passa por um processo de interpretação, resultando emorientações que interferem no processo de motivações de ações e novas interpretações na

dinâmica da práxis da vida humana (RÜSEN, 1994).

O que caracteriza um pensamento como propriamente histórico é o processo que

chamamos de consciência histórica que envolve a rememoração. Tornar o passado presente,

mediante um processo cognitivo que pode ser expresso por meio de narrativas. De acordo

com a filosofia da linguagem proposta pelo círculo de Bakhtin, o que se entende por narrativa

na filosofia da História pode ser compreendido como enunciados. Esse processo comum aosseres humanos, entendido como consciência histórica, oferece-nos uma representação global

do transcurso temporal. No caso do passado, que está presente na sociedade, através dos

símbolos públicos que funcionam como lugares de memória disponível, esses marcos

temporais ultrapassam os limites das vidas individuais. Tais utilizações do passado tornam-se,

com o passar dos anos, mais antigas que os próprios indivíduos. Esse passado, em que se

elencaram – nem sempre de maneira horizontal e democrática  – as imagens e símbolos que

deveriam representar as sociedades não é estático. Adentram a dinâmica da multiplicidade das práxis das vidas formando uma espécie de a priori de consciência histórica coletiva.

Os possíveis passados-presentes na vida humana em sociedade, por fazerem parte da

dinâmica complexa do pensar e da experiência, acabam por funcionar como uma memória

histórica, que vai além dos marcos temporais das nossas vidas, muitas vezes referem-se a um

estado de coisas do passado que é mais antigo do que as memórias individuais podem

alcançar.

Ao falar em sociedade, levamos em consideração indivíduos e grupos. De acordo com

a teoria da consciência histórica apresentada por Rüsen, a consciência histórica possui dois

aspectos. Um interior, relacionado à formação da auto-identidade (subjetividade). E outro,

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exterior, que é relacionado à objetivação da subjetividade como fator de identificação

(subjetividades inter-relacionadas). Nesse sentido, o “31 de Março”, questionado neste texto,

acaba por funcionar como uma “abreviação narrativa” (RÜSEN, 1994). O que significa que,

mesmo sem estar organizado narrativamente, o nome próprio expressado pela data é dotado

de sentido e significado.

 Neste ponto, é possível mais uma vez apontar convergências entre o pensamento de

Rüsen e de Bakhtin. O conceito de abreviação narrativa supõe que os logradouros públicos,

 por exemplo, concentram em si possibilidades de narrar Histórias. Os enunciados possuem

sentidos e significados que não se separam dos contextos sociais em que emergem. As

diferentes possibilidades narrativas possíveis a partir dos nomes de logradouros públicos

 podem ser pensadas como enunciações na perspectiva de Bakhtin.Há um sentido histórico, porque na utilização enquanto homenagem e auto-

homenagem ocorreu uma percepção de uma experiência do tempo, que foi interpretada e

resultou em um conjunto de ações que elencaram a data como símbolo representativo da

memória coletiva, ou seja a enunciação oficial “31 de Março”. Este nome traz significados

 porque a data, como homenagem, é resultado de uma interpretação enviesada pelos partícipes

diretos ou simpatizantes de um estado de coisas do passado em que um governo eleito

democraticamente pelo povo brasileiro foi interrompido pela força das armas, somando-se aisso um período de não apenas suspensão de direitos políticos, mas de uma série de violações

aos direitos humanos.

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4. ENUNCIADOS EM JORNAIS REGIONAIS E A CONSTRUÇÃO DE UMA

HOMENAGEM E AUTO-HOMENAGEM DO REGIME INSTALADO EM 19645 

4. 1 - Nome e apelidos de logradouros “31” 

Em 27 de Março de 1965, um grupo de militantes da Força Armada de Libertação

 Nacional (FALN) foi cercado por militares na estrada entre Capanema e Cascavel. Houve

resistência e Carlos Argemiro Camargo, terceiro sargento do Exército, foi baleado e faleceu.

O autor dos disparos teria sido o ex-coronel Jefferson Cardim, chefe do grupo insurgente. Esta

é a versão estampada em jornais da época. Quarenta anos depois, a organização Ternuma,

defensora do “movimento democrático de 31 de Março”, daria a Sargento Camargo o

 primeiro lugar na lista de vítimas militares na “mão de terroristas”. A poucos dias de ser completado um ano de regime, nota oficial sobre a contenda no oeste paranaense lamenta a

morte como a de alguém que “no cumprimento do dever, morreu em ação, contra maus

brasileiros que tentam subverter a ordem". A imprensa regional não abria espaço para

controvérsias em suas matérias de destaque.

Em 3 de Abril, o Jornal da Manhã estampa a manchete “Gal. Carmo: ‘Sarg. Camargo

 sobe ao Panteon da gratidão do Povo’ ” [Camargo era ponta-grosssense]. A missa de sétimo

dia do militar reuniu na Catedral prefeito, vice-prefeito, vice-presidente da Câmara, umdeputado, um general, juízes, promotores públicos, o comandante do 13º R.I e representações

dos colégios e escolas católicas da cidade. Em meio aos comentários de um conterrâneo

morto, especialmente alguém simbolicamente forte para o regime instalado, é enviado à

Câmara um projeto de lei do prefeito José Hoffmann dispondo sobre abertura de um crédito

especial de 3 milhões de cruzeiros, destinados à construção de uma residência para a viúva do

sargento, para a qual uma imobiliária local já cedera terreno. Um mês depois, 8 de maio, o

Executivo encaminha outro projeto de lei, dessa vez propondo a nomeação de ruahomenageando o Sargento. Dois meses após sua morte, Argemiro de Camargo vira nome de

rua6.

5 A seção 4 do presente texto representa uma adaptação de um texto anterior produzido em co-autoria como jornalista Ben Hur Demeneck para apresentação do artigo (“MAJOR, VIEMOS PAGAR O ALUGUEL”: UMNÚCLEO HABITACIONAL COMO CASO DE HOMENAGEM E AUTO-HOMENAGEM DO REGIMEMILITAR A PARTIR DE DIÁRIOS DE 1967 E DE 2010  –  A OPINIÃO PÚBLICA DE 25 ANOS DEDEMOCRACIA) por ocasião do evento 8º Encontro Nacional de História da Mídia  – Guarapuava, 2010. Para opresente texto realizei substituições da teoria sobre opinião pública para a realização de uma análise na perspectiva dafilosofia da linguagem. A pesquisa das fontes jornalísticas, fotografias e entrevistas, assim como a composição do

infográfico que se encontra no anexo foram realizadas pelo colega Demeneck.6  Na argumentação do projeto de lei, o texto dizia: “ está o heróico soldado pontagrossense sendo alvo das mais justas homenagens póstumas de tôda a Pátria ”. Mesmo Curitiba se adiantava em nomear via pública com onome do Sargento. Outro ponto levantado era a visita de um redator do diário carioca “O Globo”, para acompanhar

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Do nome da rua ao núcleo habitacional, chega-se ao órgão responsável pelas obras, a

Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar / COHAB/PR), ligada ao projeto federal

Sistema Financeiro de Habitação. Para se ter uma ideia das dimensões do projeto, em 1967, os

outros quatro conjuntos entregues pela regional da Cohapar não totalizavam 500 casas.

Apenas 31 unidades para “Operários do D.E.R”, também em Ponta Grossa. Para Jaguariaíva

eram 244 unidades (conjunto Presidente Kennedy), 83 para Piraí do Sul (conj. Cristo

Redentor) e 80 para Sengés (conj. Paulo Pimentel)7.

Em 31 de Março de 1967, a manchete do Diário dos Campos é “ Nação comemora IIIº 

aniversário da revolução”. Capa traz convite da Câmara para o público prestigiar homenagem

ao presidente da com panhia de habitação local, Anizio Calasans, e “ PG recebe hoje casas da

COHAB” anunciando a solenidade de entrega das 1000 casas do núcleo 31 de Março 8.Valoriza-se a presença de “altas autoridades do Estado, civis, militares e eclesiásticas” entre

elas a do governador Paulo Pimentel. A cerimônia de lançamento do núcleo9 se deu a partir da

entrega das três casas a “cidadãos pertencentes à gloriosa Força Expedicionária Brasileira”

(Diário dos Campos, 1967). Mostra da contínua procura do regime em se afirmar, traço

comum em seus 21 anos.

Vilson Ferreira da Silva, 47, profissional autônomo na compra e venda de gado

assumiu a liderança da associação de moradores em 2005. Entrevistado em 2006, contou que

ida da mãe do militar falecido ao Rio de Janeiro, para receber cumprimentos de autoridades e a declaração de “ Mãe Brasileira ” do ano. “ Não seria justo, assim, que Ponta Grossa ficasse alheia a êsse movimento verdadeiramente nacional e não prestasse também, como berço natal do heróico Sargento, o justo tributo póstumo que se faz merecedor ”, arremata a redação. 7 O Álbum de Ponta Grossa 67-68 (gestão Plauto Miró Guimarães) traz em suas primeiras páginas umafotografia aérea do conjunto 31 de Março e divulga que “dos 142.000 habitantes da Princesa dos Campos 6.552 habitam nas casas populares financiadas pelo BNH e construídas pela COHAB-PG [regional da Cohapar] nos núcleos ‘31 de março’ e ‘Operários do der’, são 1.031 casas das 3.000 em Ponta Grossa ”. Esse bloco de informações termina destacando a“influência” de generais na ampliação da atuação da companhia de habitação regional para cidades como Arapongas, Jaguariaíva, Sengés e Piraí do Sul: “ José Bretas Cupertino e Luiz Gonzaga Pereira da Cunha, ilustres generais, foram os primeiros a incentivar Plauto e Calasans neste projeto ímpar no interior e concretizado para o orgulho de princesinos ”. Luiz Gonzaga da Cunha

seria o nome de um conjunto de outras 100 habitações, em janeiro de 1969.8 Anterior à abertura do núcleo, notas nos diários locais mostram a expectativa da inauguração: “COHABconvocou inscritos ontem ” (15 Mar), “ Núcleo da COHAB recebeu visita ” (16 Mar), “Paulo [Pimentel, o então governador doParaná] presente a inauguração” (29 Mar). Repercussão que segue nos dias seguintes da cerimônia, “Paulo inaugura núcleoda COHAB” (1º Abr), “BNH [Banco Nacional de Habitação] cumprimenta a COHAB local ” (2 Abr); essas notas todassão do Diário dos Campos. A quinze dias da cerimônia, o Jornal da Manhã traz na capa a nota “ Núcleo 31 de Março”,informando seus leitores da grandeza do projeto: “ já está sendo organizado o extenso programa a ser cumprido no próximo dia 31 do mês em andamento, oportunidade em que será inaugurado o primeiro núcleo de casas populares, no Jardim N.S. da Conceição. As casas que estão sendo construídas pela Companhia de Habitação Popular de Ponta Grossa (COHAB), foram o primeiro bloco de mil unidades construídas por aquela entidade”. 9 O núcleo 31 de Março representou na história urbana de Ponta Grossa uma nova fase na estruturapopulacional. Ele promoveu uma modificação no formato centro-periferia, pois pela primeira vez uma região desubúrbio passa a apresentar níveis de povoamento equivalentes ao centro da cidade, citada em pesquisas em

Geografia feitas na UEPG  – uma das fontes de consulta foram trabalhos de Cicilian Luiza Löwen Sahr. Confirmar-se-ia o que era expectativa, pois, em 31 de Março de 1967, no periódico Diário dos Campos, destaca-se a solenidadede lançamento do núcleo e cita que daqueles três chefes de família das primeiras casas, dois eram pais de quatrofilhos e um era pai de seis. Famílias grandes seriam uma das marcas da localidade.

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chegou a “31” em 1967, aos oito anos de idade. Ficou um tem po fora para depois, em 1972,

voltar em definitivo. Relatou que na entrada do núcleo (onde hoje há uma farmácia) havia a

“casa do major ”, escritório onde os moradores quitavam as parcelas da casa própria. Segundo

um artigo de opinião publicado em 2010 (leia nota de rodapé 24), o “major” era civil. Esta

 pesquisa não conseguiu levantar sua identidade e como chegou a esse comando. Interessante

que, se a informação estiver correta, apesar de civil, o cidadão se sentia militar em tempos em

que isso significava ser um representante de um poder absoluto, centralizado.

Segundo Silva, a partir de 1974 é que teria havido uma diminuição no valor das

 prestações, quando a ocupação das quadras beirou a totalidade. “ No início, não era fácil para

o trabalhador em geral honrar os pagamentos”, segundo Silva. “ E se o morador via que não

daria para pagar, juntava suas coisas e ia embora”, completa. Ninguém se atrevia a ver executada a ordem de despejo. Então o presidente da associação observara que vivemos

tempos de suposta democracia, mas considera que é um tempo em que “não é bem assim para

tirar você de uma casa”. 

Dados do Censo de 2000 (referentes a 745 domicílios dos 1.000 pertencentes ao 31 de

Março indicam uma média de 3,4 habitantes por residência num valor absoluto de 2.557

residentes. Este fato ajuda a entender um pouco o motivo da região ser conhecida como

 Redenção. Esse era o nome de uma radionovela transmitida no final dos anos 1960 cujo personagem mais popular era a fofoqueira Dona Maroca. Como as casas da 31 foram feitas

muito próximas umas às outras, algum sarrista espalhou a fama que era uma região propícia

ao diz-que-diz-que, pois se um vizinho falava alguma coisa não era difícil que o outro

escutasse. E deu certo, a história entrou para o folclore urbano da cidade. Há quem ainda hoje

trate a região por Redenção. No entanto, um tratamento corrente para o núcleo é chamá-lo na

forma reduzida, no feminino, como em “vou na 31”.

A nomeação do logradouro público não é algo banal ou deslocado do contextohistórico e social. A escolha do nome “31 de Março” foi realizado em um contexto e

localidade específicos, não foi uma simples enunciação. Esses motivos dão suporte à

compreensão da nomeação dos logradouros como enunciado, e talvez, ainda que de maneira

aberta e funcional, como um gênero de discurso.

Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidadeconstitutiva do enunciado, sem a qual não há, e não poderia haver,enunciado. As diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversasconcepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas

que determinam a diversidade dos gêneros do discurso. (BAKHTIN,2003 p. 325)

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 No núcleo “31 de Março”, inicialmente, todas as ruas receberam nomes de minerais,

apenas uma recebia o nome de gente. A Rua Sargento Argemiro Camargo, antigamente a

 principal do núcleo, é paralela as Ruas Damburita e Fluorita, e é cortada pela Rua Turmalina.

É evidente a intencionalidade e a articulação enquanto homenagem e auto-homenagem prévia

de um regime ditatorial. Em uma época em que não se escolhia nem o presidente, quem dirá o

nome das ruas. Entretanto o poder instituído pelas armas soube enunciar intencionalmente

seus nomes em rodovias, pontes, ruas, núcleos habitacionais, prédios públicos, praças e

demais possibilidades de lugares públicos e de circulação social.

4.2 –  “31 pelo 15” –  43 anos depois da inauguração da “31” 

O “31 pelo 15” surgiu com a proposta de mudar o nome do núcleo habitacional de 31de Março, data que homenageia o golpe militar, que deu início à ditadura, por 15 de março,

data que passaria a homenagear a volta da Democracia, momento decisivo da

Redemocratização brasileira. O ano de 2010 marcou seu aniversário de 25 anos.

O interesse em registrar as ações do chamado “31 pelo 15 nessa pesquisa -ação é

descrever um quadro que dê subsídios a pesquisadores10 para avaliar de tensões e

consonâncias entre imprensa regional e legado do regime militar, afinal, o movimento teve

como objetivos (a) agir pelo direito à memória e em favor de reparações simbólicas e (b) promover o debate sobre a cultura autoritária brasileira. E o ponto de partida era informar 

sobre uma homenagem à ditadura do período 1964/1967 na região dos Campos Gerais.

A auto-imagem dos organizadores desde o início foi de serem “apenas pessoas

infor madas”, que como quaisquer outras se espantaria em chegar numa localidade e ver um

ônibus de linha com o nome “31 de Março”. Fato diário em Ponta Grossa. Dos três

 proponentes do movimento dois deles são autores do item 4 deste artigo e o terceiro é o

cartunista James Robson França).O ato político se deu na esfera legislativa11 (corpo a corpo com vereadores, enquete,

faixa) e na esfera midiática (artigos, entrevistas, matérias). Em tempos virtuais, o primeiro

10 A utilização autores nesse trecho do texto refere-se a escrita dessa parte do trabalho. Os subtítulos 4 dopresente texto foi realizada em co-autoria com o jornalista Bem Hur Demeneck para apresentação doartigo (“MAJOR, VIEMOS PAGAR O ALUGUEL”: UM NÚCLEO HABITACIONAL COMO CASODE HOMENAGEM E AUTO-HOMENAGEM DO REGIME MILITAR A PARTIR DE DIÁRIOSDE 1967 E DE 2010 - A OPINIÃO PÚBLICA DE 25 ANOS DE DEMOCRACIA) por ocasião doevento 8º Encontro Nacional de História da Mídia – Guarapuava, 2010.11

Aos vereadores se entregou nos gabinetes dos vereadores uma enquete (dia 26), com pedido derespostas até a véspera da data-homenagem. A pergunta era "você é favorável à mudança do nome donúcleo habitacional '31 de Março'?" e as alternativas eram a) “( ) Sim. Homenagens à ditadura devemacabar”; b) “( ) Não. Deve permanecer essa homenagem ao golpe militar de 1964”. A rejeição desse

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 passo se deu na rede social Twitter pela conta @31pelo15. A primeira inserção ainda aponta

 para um início próprio para sacudir desatentos, a modulação do tom se daria com o avanço

dos diálogos: “ Essa é edição virtual de um movimento espontâneo em favor da troca do nome

do núcleo ‘31 de março’ por ‘15 de março’”. 

 No campo midiático, o “31 pelo 15” fez render pelo menos oito artigos apenas em

201012, um número considerável se levado em conta o pequeno número de réplicas nos

espaços opinativos dos diários regionais. Se consideradas as autorias correlatas à

(auto)homenagem, há outros dois artigos. Quanto à repercussão do movimento, ela se fez

notar nos impressos (coluna política de diário, reportagem de semanário), em duas matérias

da TV (uma em canal aberto), em meio digital (matéria em projeto universitário de jornalismo

comunitário) e em programas de rádio.A proposta na presente releitura desse artigo é a compreensão dos textos opinativos

como enunciados que expressam a responsividade em relação ao primeiro enunciado “31 de

Março”. O que também coaduna com a questão da dialogicidade na atribuição de sentidos e

significados relacionados à experiência coletiva do 31 de Março de 1964.

 No dia 31 de Março de 2010, o movimento ocupou os espaços destinados aos leitores

dos jornais diários da cidade com textos que explicavam o “31 pelo 15”13. No 31 de Março a

imprensa local fez circular os artigos “ Por que trocar o 31 pelo 15”, de Ben-Hur Demeneck,no Diário dos Campos, e “Quem a gente quer ser ”, de Thiago Divardim, material publicado

simultaneamente no Diário dos Campos e no Jornal da Manhã). Ou seja, todo o espaço

opinativo dos diários foi ocupado. A proposta da mudança em termos da revisão da memória

local pode ser sintetizada numa das perguntas feitas: “Será que Ponta Grossa ainda quer se

representar no presente e para o futuro, como uma cidade que homenageia um golpe militar,

que trouxe a censura, repressão, tortura e violência para a vida da população?”. 

 Na perspectiva da filosofia da linguagem, cada enunciado é um elo na cadeia decomunicação verbal (BAKHTIN, 2003 p. 308). E o enunciado, sua composição temática e

debate, seja pelos problemas operacionais que causaria a mudança de nomes para os correios e registros deimóveis, ou relativizações marcaram o dia de visitas. O único político encontrado em gabinete, atencioso,comentou ao estilo “ditabranda”: “Ditadura? Esse termo é relativo. E a ditadura da Dilma Roussef?”. Alessandro Lozza de Moraes (PSDB) se preparava para assumir a presidência da casa de leis, período emque corriam as campanhas presidenciais de 2010. Fica claro que a campanha informativa é mais urgenteque a adesão do Legislativo para qualquer passo em direção a uma “reparação simbólica”. 12 No ano anterior, para efeito de registro, foram publicados dois artigos sobre a nomenclaturaapologética a 1964.13

Espaço aberto para divulgar as referências "ocultas" no 31 de Março. Os artigos ainda traziaminformações afins, tais como na Espanha a retirada de locais públicos que homenageavam o generalfascista Francisco Franco, que governou aquele país entre 1939 e 1975, e as discussões sobre o PlanoNacional de Direitos Humanos (PNDH), assuntos atuais em março de 2010.

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estilo, estão relacionados com o meio social em que se concretiza. Nesse sentido, pode-se

dizer que os enunciados realizados por Divardim e Demeneck nos diários da cidade de Ponta

Grossa no dia 31 de Março de 2010, funcionaram como um elo nessa cadeia da comunicação

que se iniciou a partir de então.

A intervenção midiática foi ampliada porque no mesmo dia, a afiliada local de rede

Globo dedicou matéria de 2min40s para o tema. Pela internet seria possível rever o conteúdo,

identificado pelo título “ Núcleo 31 de Março lembra a ditadura” e a linha de apoio “querem

mudar o nome depois de 43 anos”. Parte do “sucesso” subsequente se deveu ao estímulo

involuntário do produto editorial em contrapor movimento e comunidade, pois a pergunta

central da matéria foi “você é favorável à mudança do nome do Núcleo?”. Politização à parte,

a comunidade preferiu mostrar sua unidade contra os “forasteiros”. A variedade de respostas ea surpresa diante das perguntas sugeriam que os moradores estavam diante de um novo

enunciado.

 No dia 5 de Abril, publica-se o primeiro enunciado crítico ao movimento. Ele vem

assinado com um pseudônimo, outra marca de que o tema parece mexer com medos

cultivados há décadas. O “articulista Klaus Writer” é quem assina “ A velha ‘31’ ”14(Jornal da

Manhã) e não disfarça seu incômodo de que se ponham em discussão um espaço da cidade

carregado de histórias. Na edição de 11/12 Abr, no mesmo jornal, a edição do dia traz texto demembro do 31 pelo15. “ Por que o 31 de Março é assunto popular ”15 em que se esclarece que

não se quer atropelar identidades, mas sim lutar contra a desinformação.

O trecho a seguir, escrito por Bakhtin, auxilia na compreensão desse desencadeamento

de enunciados que surgiram de maneira responsiva à provocação realizada pelo movimento

“31pelo15”: 

O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinadomomento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios

dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de umdado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do

14   Trechos selecionados do enunciado de “Writer”: a) deboche da iniciativa: “não é a primeira vez que aparecem propostas com o objetivo de modificar aquilo que já se tornou natural para algumas pessoas ”; b) histórico decontestação da vila: “é o berço do Partido dos Trabalhadores em Ponta Grossa ”; c) julga perspectiva histórica deintegrante do movimento: “ao historiador, não cabe fazer julgamentos sobre os fatos históricos e sim buscar entendê-los,ainda mais que existe muito do passado no nosso presente e é este passado, quando trazido à tona, que serve de orientação para as ações futuras ”. 15  Passagens selecionadas do enunciado de Demeneck: a) Reparação simbólica: “ No país e no mundose olha para o passado e se reconsideram os tributos levantados para celebrar o autoritarismo. O debate está diante de nós. E

se há um inimigo nessa história, ele se chama falta de informação", b) Falsa oposição: "evitemos intrigas. Os moradores da 31 de Março não apoiam a ditadura militar apenas porque residem num conjunto cuja menção faz referência àquele  período". c) " Acredita-se que uma sociedade que reconheça a tragédia das ditaduras, retire os símbolos erguidos em seu louvor ".

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diálogo social. Ele também surge desse diálogo como seu prolongamento,como sua réplica, e não sabe de que lado ele se aproxima. (BAKHTIN, 1988 p. 86)

A atitude de enunciação do movimento “31pelo15” não surgiu por pura abstração oudeslocado da concretude do real. Como participante daquele movimento posso assegurar a

intencionalidade da ação. O que pensávamos no momento como “provocar o debate público”

 pode ser entendido aqui como uma enunciação responsiva ao contexto de outros enunciados

anteriores. As discussões em torno do Plano Nacional de Direitos Humanos, os

questionamentos em relação ao que é comumente chamado de entulho autoritário, entre outras

 possíveis enunciações que permeavam a sociedade naquele momento. Pautados por outros

elos da corrente comunicacional, realizamos uma enunciação responsiva e responsável(31pelo15) em diálogo com o enunciado do logradouro público “31 de Março”.

Uma semana depois (dias 18-19 Abril) é chegada a vez de se manifestar um

empresário e produtor rural, Douglas Taques Fonseca, que apresenta o enunciado “Temos

orgulho do 31 de Março”16. Trata-se de uma defesa aberta à ditadura militar e de seu legado, a

 ponto de considerar como "infâmia" discursos críticos a ela. Para ele, os brasileiros

comemoraram com a bandeira na mão a revolução democrática e que os jovens de hoje estão

desinformados em relação ao saudoso governo militar. Sem demora, aparece uma réplica, “O31 pelo 15 para chegar ao século XXI ”17 (Diário dos Campos, 20 de Abril). Trabalho de

autoria do historiador e professor do Departamento de História da UEPG Luiz Fernando

Cerri18, qualifica o “banho oficial de sangue” como a principal marca do 31 de Março. Em sua

16 Passagens selecionadas do artigo de Fonseca: a) “[fatos ligados ao comunismo] levaram o povo a exigir o ‘31 de Março’ dos militares brasileiros. Foi uma grande festa, o povo saiu às ruas, levando a bandeira do Brasil,cantado e dançando comemorando a vitória da Liberdade e da democracia ”. b) "Cidadãos defensores da liberdade e da democracia, nós devemos dar um basta à infâmia e à mentira, não podemos nos calar diante desta calúnia (contra o 31 de

Março)" c) "...pois os jovens de hoje não conhecem a realidade de ontem, e é nosso dever contar-lhes a verdade ". d) " É uma honra termos um ônibus na cidade que ostente o glorioso 31 de março de 1964".17 Passagens selecionadas do artigo de Cerri: a) Observação sobre provincianismo: " Muitos dizem que em Ponta Grossa vigora uma mentalidade atrasada. Por formação e por dever de ofício, não aceito que existam sociedades ou  pensamentos 'adiantados' ou 'atrasados', pois isso significaria que há um tempo comum em que todos tem que se encaixar, e isso não se sustenta. Mas confesso que às vezes duvido dessa convicção". b) Nomenclaturas de logradouros: " As coisas e pessoas homenageadas nos logradouros públicos são amostras da cultura política coletiva ". c) A violência como marcado regime de exceção: “esse banho oficial de sangue é a principal marca do 31 de Março, e não parou mesmo quandoderrotaram a luta armada, entrando pelos anos 70 e matando opositores que eram contra pegar em armas, e gente que apenas era contra o regime, incluindo idosos, adolescentes, grávidas ”. 18 A 20 de Maio, o autor organizou e mediou o colóquio “O que resta da Ditadura? - o 31 de Marçoe a revisão da Lei da Anistia” através do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta

Grossa (UEPG). Houve três convidados, dois integrantes do 31pelo15, os autores sesta seção, e aprofessora Dra. Maria Lúcia Becker, então coordenadora do Portal Comunitário (projeto web dejornalismo comunitário). A plateia lotou o auditório e o número de perguntas, novamente, evidenciou aânsia de comentário sobre o período.

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análise, posiciona o golpe militar como pensamento típico do século XX com os discursos

violentos da década de 1960-70, enquanto que a proposta do movimento se investe de

atualidade ao questionar uma homenagem feita previamente nos períodos do regime de

exceção.

O enunciado de Cerri evidência as afirmações anteriores sobre os elos da corrente

comunicacional, e demonstra outros elementos da relação com o contexto em que os locutores

se inserem. Observe:

O discurso vivo e corrente está imediata e diretamente determinado pelodiscurso-resposta futuro: ele é que provoca esta resposta, pressente-a e baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do “já-dito”, o discurso éorientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não foi dito,

 porém que foi solicitado ao surgir e que já era esperado. Assim é tododiálogo vivo. (BAKHTIN, 1988 p. 89)

O artigo de Klaus Writer, pseudônimo que enuncia recorrentemente nos diários da

cidade de Ponta Grossa, havia realizado uma enunciação que dialogava com o texto de

Divardim. Para Writer, não caberia ao historiador realizar julgamentos sobre o passado. A

atitude responsiva do elo da corrente comunicacional veio então de um formador de

historiadores, o professor Cerri, que assinava sua enunciação colocando quem ele é e de onde

enunciava. Cerri foi meu professor na graduação em História e já dialogava com a turma de

licenciados da qual eu fazia parte, sobre os entulhos autoritários que compunham o cenário

cultural de Ponta Grossa. Havia sido professor também do próximo locutor que enunciou nos

 jornais da cidade.

Em 23 de Abril, circulou pelo Jornal da Manhã o texto “Vila 31 de Março, de

 Redenção a ‘31’”19, de Claudio Ferreira Clarindo, identificado como professor de história.

Relato marcado por um ar nostálgico e que dá a entender que as restrições do articulista ao

movimento se motivam mais pelo apego identitário que por ideologias políticas. Ao falar das personalidades do bairro, ele transparece as marcas do período autoritário como a figura do

“Major” e de seu Déco, que agia tal qual fosse delegado.

19 Passagens selecionadas do artigo de Clarindo: a) o “Major”: "tinha (na comunidade) um escritório de cobrança ali mesmo logo no começo da vila, onde atualmente funciona uma farmácia. Este escritório era administrado por um cidadão conhecido por 'Major '". b) O apelido “Redenção”: "a diversão preferida da maioria das mulheres da vila era ouvir uma radionovela chamada de Redenção". c) o personagem Seu Deco: "Depois do Major, o segundo personagem 

mais importante da '31' foi o Seu Déco, um homem gordo e de cor escura que ocupava uma função semelhante a de um delegado de polícia, com ele tinha dois soldados da Polícia Militar ". d) A personagem Dona Maria: "(ela) também era muito conhecida na vila. Na casa dela em época de eleições sempre apareciam políticos ligados ao partido da Velha Ordem  para suas costumeiras reuniões com alguns moradores da vila ".

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A concepção do ato dialógico como evento, que ocorre como determinaçãode um espaço-tempo, é uma elaboração central do pensamento bakhtinianono sentido de firmar o dialogismo como ciência das relações. Somenteenquanto unidade espaço-temporal é possível realizar o mapeamento dasenunciações em seu movimento interativo, sem correr o risco de encerrar o processo dialógico num território fixado e demarcado de uma vez por todas.(MACHADO, Irene. 2007 p.. 193)

Os elementos citados por Clarindo demonstram o processo de tornar presente o

 passado mediante o processo de narrar. No entanto, o todo de seu enunciado, faz referência

indireta a ideia, que corria na época e em muito fomentada pelas angulações das perguntas da

mídia televisiva, sobre a não legitimidade de pessoas que não eram moradoras do núcleo e se

aventuravam na proposta de mudança do nome.

Assim, entendemos os gêneros como manifestações de visões de mundodeterminadas pelo ponto de vista de onde ocorrem. (MACHADO, 2007 p..225)

Segundo ele, o financiamento da habitação era longo, cerca trezentos meses de

 pagamento - “teve gente que morreu e não teve a alegria de ver a casa quitada". Clarindo

apresentou uma enunciação que não chegava a tomar posição em relação ao debate que se

colocava. Seu enunciado cabe como mais uma evidência do complexo dialógico que compõe

a corrente comunicacional, somado ao fato de que Clarindo morava no núcleo habitacional

em questão. Além disso, assinava o texto como professor de História, ele também foi aluno de

Cerri, como se esses elementos não bastassem, Clarindo e eu, fomos colegas de orientação no

trabalho de conclusão do curso de História, e ainda, ambos sob orientação do professor Cerri.

Em 15 de Maio, foi publicada outra defesa do regime militar no Diário dos Campos -

“‘ Demônio-cracia’ ou ditadura”20, de Oswaldo Spósito. À medida que o autor relativiza o

 pós-1964, conclui que, na atualidade, “quem governa o país não são os democratas, pois só

 podemos chamá-los de 'demônio-cratas'".

De acordo com Bakhtin, a dialogicidade entre os enunciados no meio social se

expressa: “ neste jogo complexo de claro-escuro que penetra o discurso, impregnando-se dele,

limitando suas próprias facetas semânticas e estilísticas” (BAKHTIN, 1988 p. 86). Nem todas

as enunciações estavam conectadas por elos mais diretos de relações sociais, mas as possíveis

de detectar revelam todo o complexo de relações e inter-relações sociais que se concretizam

20

Passagens selecionadas do artigo de Spósito: a) Relativização da ditadura: "Discordo de muitos que a ex-ditadura tenha sido um grande mal para a nação. É verdade que tivemos acontecimentos nada  agradáveis na ‘ditadura’,suspense, inclusive mortes e determinadas censuras ". b) As forças derrotadas: " Jovens foram tremendamente imprudentes, pois no confronto com as forças fatalmente seriam derrotados ”. 

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em enunciações. Os temas, suas composições, o estilo, o comportamento responsivo e outros

aspectos permeiam e são permeados nessa dialogicidade da concretude da vida.

Mais que a possibilidade de trocar uma nomenclatura, um movimento que discute

memória política em uma comunidade deve estar ao passo de características identitárias, à

medida que procura desenvolver ações em favor de uma reparação simbólica (como a

inauguração de um monumento para lembrar as centenas de casos de desaparecidos políticos

durante 1964/1985). E mesmo na situação hipotética de que a comunidade decidisse em

 plebiscito pela manutenção da referência autoritária, já avançou em seus passos de

consolidação da democracia.

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5. CONSIDERAÇÕES NA PERSPECTIVA DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM DO

CÍRCULO DE BAKHTIN

Esses enunciados são dotados de sentido e significado no tempo. Nesse sentido, para

discutir aspectos da linguagem e suas relações com a sociedade, a utilização de palavras como

ouvinte e receptor  fornecem uma visão equivocada da complexidade da linguagem. Quem

ouve, para Bakhtin, assume uma atitude responsiva, concorda ou não, total ou parcialmente. E

as formas de respostas podem assumir muitas formas possíveis. “Cada enunciado é um elo da

cadeia muito complexa de enunciados” (2003, p. 290 – 291). As diversas formas de atribuir 

sentido e significado por meio dos enunciados publicados nos periódicos de Ponta Grossa

evidenciam a multiplicidade de atribuições de sentido e significado a um mesmo enunciadogerador, que nesse caso foi o enunciado “31 de Março”.

O estilo está ligado de maneira indissociável ao enunciado e as formas típicas. Nem

todos são propícios à individualidade de quem fala. Os estilos padronizados são menos

 propícios a individualidade, por exemplo, no caso do que é necessário para a composição dos

nomes dos logradouros públicos. Não há muitas possibilidades para expressar a

individualidade no preenchimento de documentos padronizados, documentos esses que

compõem o processo social e político da escolha do nome dos logradouros. Por outro lado, aescolha do nome do logradouro tem muito a dizer sobre a historicidade. Em um nome de

logradouro podem caber muitas ideias. O que faz dele um enunciado e uma abreviação

narrativa.

A questão é saber o que na língua cabe, é justamente a complexidade dos enunciados

(Bakhtin, 2003 p. 283). Dessa forma, pode-se compreender que em um enunciado cabem

inúmeras possibilidades responsivas. De acordo com o autor os enunciados são responsivos e

responsáveis. Na filosofia da História existe uma preocupação ética sobre a relação com os

conhecimentos históricos. Pensando especificamente no caso da escolha de nomes de

logradouros, não seria eticamente coerente escolher o nome de um torturador para uma

homenagem pública. Lembrar o nome de um torturador em uma comissão que recupera

informações sobre períodos em que se cometeram crimes contra a humanidade é, por outro

lado, muito coerente. Um depoimento de um sujeito que sofreu torturas durante o período da

ditadura militar no Brasil é um enunciado importante para a História do país. O trabalho de

 pesquisa de um grupo como a Comissão Nacional da Verdade, que trabalha com fontes

históricas, pode ser compreendido como um trabalho de recuperação e reunião de enunciados

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com importância coletiva. São elementos importantes para ampliar a experiência atual em

relação a esse passado que durante muitos anos esteve obscuro.

Para Bakhtin, “os enunciados e o tipo a que pertencem, ou seja, os gêneros do discurso

são as correias de transmissão que levam da História da sociedade, à História da língua”

(BAKHTIN, 2003). No caso discutido nesse texto foi possível observar que a população do

núcleo 31 de Março já chamava o local de “Redenção” antes da inauguração oficial em 31 de

Março de 1967. No entanto, depois da instituição oficial do núcleo ele passou a ser chamado

de acordo com o que outorgou a oficialidade. Não de maneira definitiva, pois na dialogicidade

das comunicações humanas ainda há quem chame o núcleo de Redenção, seja lá com quais

intenções.

A partir disso é possível tomar o nome do logradouro em questão como um enunciado.Uma composição ligada a dialogicidade interna da vida em sociedade, um nome para um

logradouro que possuía importância no contexto daquela sociedade e que assumiu o aspecto

responsivo da dinâmica dos acontecimentos daquele presente. A utilização dos jornais como

meio para enunciações ligadas a oficialidade evidenciam esse complexo dialógico social. Para

Bakhtin:

O estudo do enunciado, em sua qualidade de unidade real da comunicaçãoverbal, também deve permitir compreender melhor a natureza das unidades

da língua (da língua como sistema): as palavras e as orações (BAKHTIN,2003 p. 287).

A questão da relação com a sociedade, com o tempo e com o espaço em que o

enunciado é composto é de central importância para a compreensão do enunciado. Nesse

sentido é que a relação com a discussão da filosofia da História, sobre as relações presente  –  

 passado – futuro vão ao encontro da compreensão de Bakhtin.

A dinâmica do período ditatorial, sempre em disputa por hegemonia, forçava o

constante reforço de sua legalidade, por isso os esforços de auto-legitimação. Quando Bakhtin

comenta a ideia de Humboldt, de que a linguagem é essencial mesmo para pensar de maneira

solitária, o autor alerta sobre a simplicidade dessa compreensão. Se a linguagem é inerente à

vida em sociedade e sempre que se pensa, o faz em relação a locutores, e não apenas a um

locutor passivo abstrato, mesmo que o pensamento se realize isoladamente ou que ele não seja

 pronunciado, essas escolhas estão permeadas pela dialogicidade da vida em sociedade. Nesse

caso, o governo militar articulava formas de enunciação que garantissem o seu

reconhecimento e sua legitimidade.

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As afirmações que vão ao encontro das análises mais denuncistas dos meios de

comunicação como aparelhos ideológicos do Estado, numa abordagem estruturalista, por 

exemplo, não dariam conta de explicar o surgimento de enunciados sobre a dificuldade da

vida “na 31” durante a ditadura, e principalmente as enunciações diversificadas durante 2010.

 Nos quadros tradicionais de representação dos mecanismos de comunicação é retirado o

 princípio essencial que significa o outro no processo de comunicação. Bakhtin diz que “os

 problemas do enunciado e dos gêneros do discurso (e, por conseguinte, os da comunicação

verbal) ficavam quase intocados”. Nesse sentido, os enunciados que se discutiram nesse

trabalho servem como evidência da dialogicidade da comunicação em sociedade. Um

enunciado pode gerar formas diferenciadas de atos responsivos.

A unidade real da comunicação verbal é o enunciado, a fala só existe na realidade, naforma concreta dos enunciados, delimitada pelas alternâncias dos sujeitos falantes. Além de

responsivos os enunciados para Bakhtin são responsáveis, concentram em si um aspecto que

também se relaciona com a ética. Essa é mais uma questão que poderia gerar aproximações

entre a filosofia da linguagem e a filosofia da História. Se for ponto comum entre as duas

filosofias que existem aspectos éticos, além dos cognitivos, estéticos e políticos, seria possível

encontrar convergências relacionais entre narrativas históricas enquanto enunciados que nos

lembram a possibilidade de imperativos do agir, do dizer, do narrar.A relação entre o locutor e o “outro” é permeada por todo um complexo que nos rodeia.

 Nesse sentido é necessário dizer, agir, narrar, enunciar de modo alteritário, ou seja, levando

em consideração o eu que há no outro, ou os outros que há em mim ou em nós. Algo como a

outredade do não eu definida por Paulo Freire (1976).

A oração que se torna enunciado completo adquire novas qualidades e particularidades que não pertencem à oração, mas ao enunciado, que não

expressam a natureza da oração, mas do enunciado e que, achando-seassociadas à oração, completam-na até torná-la um enunciado completo.(BAKHTIN, 2003 p.. 297)

Para o autor que dá nome ao círculo, as pessoas não trocam orações, elas trocam

enunciados. Mesmo assim, nada impede que um enunciado seja uma frase ou uma única

 palavra. O diálogo entre duas pessoas é a forma mais simples e mais clássica da comunicação

verbal e ocorre na e pela em relação com a práxis. Alternância dos sujeitos falantes que

compõem o contexto do enunciado é a alternância vista de dentro.

De acordo com as ideias referentes ao círculo de Bakhtin, os enunciados não existem

em abstração, deslocados da vida em sociedade, os enunciados dirigem-se a interlocutores. Os

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enunciados têm direções e ocorrem na sociedade eles podem ser pensados em aspectos

 políticos, estéticos, cognitivos e éticos. Poderíamos nos perguntar, por exemplo, se é coerente

eticamente afirmar que a população brasileira comemorou o golpe militar, quando há

evidências claras de que naqueles dias estavam proibidas as aglomerações.

Quando se analisa uma oração isolada, tirada de seu contexto, encobrem-seos indícios que revelariam seu caráter de dirigir-se a alguém, a influência daresposta pressuposta, a ressonância dialógica que remete aos enunciadosanteriores do outro, as marcas atenuadas da alternância dos sujeitos falantesque sulcaram o enunciado por dentro. Tudo isso, sendo alheio à natureza daoração como unidade da língua, perde-se e apaga-se. Esses fenômenos serelacionam com o todo do enunciado e deixam de existir desde que esse todoé perdido de vista. E isso que explica a perspectiva estreita da estilísticatradicional que assinalamos. Uma análise estilística que queira englobar 

todos os aspectos do estilo deve obrigatoriamente analisar o todo doenunciado e, obrigatoriamente, analisá-lo dentro da cadeia da comunicaçãoverbal de que o enunciado é apenas um elo inalienável. (BAKHTIN, 2003, p.326)

A expressão “31 de Março” pode ser vista como uma data. A análise simples desse

elemento não me permitiria afirmar que ela é um enunciado. No entanto, quando se leva em

consideração as análises propostas no círculo de Bakhtin, torna possível perceber qualquer 

logradouro público como um enunciado. Na filosofia da História já era de meu conhecimento

o conceito de abreviação narrativa. As possibilidades múltiplas da mobilização da experiência

no presente para criar sentido e significado a passagem do tempo e suas expressões e aspectos

 possíveis. O elemento novo que discuti nesse texto se coloca na relação com o conceito de

enunciação, de enunciado e das suas características. A partir dessa compreensão, é possível

explorar os contextos relacionados ao histórico e ao social que permitem diferentes

compreensões dessa data e de outros enunciados de outros logradouros.

Enunciar outras vezes “31 de março”, porém, em novos contextos e significados, ou

imbuído de outras formas de “querer -dizer”, colocou os interlocutores em atitude responsiva,o que gerou uma série de publicações em jornais da cidade de Ponta Grossa. Isso evidenciou

duas questões discutidas nesse texto, tanto em relação à linguagem quanto a história, as

 possibilidades das categorias enunciado e abreviação narrativa em contextos específicos. 

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A capacidade de reelaborar o passado pode ser vista na práxis cotidiana dos cidadãos

ou mesmo na pesquisa científica, exemplo disso são os temas do passado que se fazem

 presentes para que, aquilo que ficou recalcado por algum motivo, não continue, e sim, volte à

discussão para evitar experiências não desejáveis.

Revisitar os acontecimentos da ditadura militar brasileira entre 1964 e 1985 ajuda a

levantar véus que foram colocados sobre assuntos como tortura e terrorismo de Estado. Assim

como popularmente se diz “não devemos cometer os mesmos erros do passado”, a ciência da

história reelabora suas produções com o intuito de adicionar elementos à experiência das

 pessoas para que a orientação existencial no decorrer do tempo seja pautada por horizontes de

expectativa mais adequados à vida em sociedade.De acordo com Rüsen (2001), são situações gerais e elementares da vida que

mobilizam o pensamento histórico. Há, na ordem do dia, uma série de questionamentos sobre

os obscuros tempos da ditadura militar brasileira. Como provocação ao debate sobre os usos

 públicos do passado e as possíveis intervenções na cultura histórica, é possível tomar como

exemplo o “Levante Popular da Juventude”21, organização que tem efetivado os escrachos

 populares aos torturadores impunes da História do Brasil. Essa forma de defesa de uma

compreensão do passado no presente, não através de logradouros públicos, mas doquestionamento da impunidade em relação às pessoas que cometeram crimes contra a

humanidade, também poderiam ser analisados como enunciados na perspectiva da filosofia da

linguagem. Essas formas de atuação dirigem-se a alguém, são provocadas por outros

enunciados, perseguem finalidades e funcionam como mais um elo real na cadeia de

comunicação.

Os enunciados demonstrados nos artigos dos jornais, que foram citados anteriormente,

não oferecem nenhum dado quantitativo, mas servem como expressão de como essasreferências temporais do passado podem ser utilizadas como baliza de interpretação no

 presente. Interpretações estas que não condizem com as conquistas relacionadas participação

 política e liberdade de expressão. Direito utilizado pelos próprios enunciadores que se

 posicionaram saudosos dos tempos da ditadura, tempo em que não poderiam exercer dessa

 prerrogativa.

21   Ver o artigo “Escracho, um instrumento de luta” autoria de Dafine Melo, e publicado na ediçãode maio de 2012 do periódico “Le Monde Diplomatique Brasil”, disponível em:http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1159 

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Quando ainda temos um sem número de logradouros públicos, vistos aqui como

enunciações, que homenageiam ícones da ditadura e se quer temos acesso público aos

arquivos que ampliariam as fontes para pensar esse passado de violência, é então mais do que

necessário ampliar esse debate. Adicionando assim mais elementos à cultura histórica da

sociedade, elementos que orientem uma formação histórica em que a dor e o sofrimento não

sejam mais tolerados.

Para países interrompidos pela ditadura, como o Brasil, a composição temática de

enunciados que defenderam o regime autoritário, pode sintetizar o câmbio das possibilidades

de exercício da liberdade de expressão em democracias em consolidação. Se há um debate

nacional a ser feito sobre o regime militar, ainda se considera pouco a força da influência das

cidades interioranas na manutenção da antiga ordem. E um dos indicadores de seu peso nocômputo geral está na ausência de receio de indivíduos irem às páginas dos jornais para

assinar e realizar enunciações em defesa ao regime de exceção.

 Na perspectiva da filosofia da linguagem imagino que este texto não trouxe nenhuma

contribuição mais significativa, mas uma vez que a participação como aluno nesse “Seminário

Especial de Leituras Bakhtinianas” trouxe contribuições a minha formação como doutorando,

trouxe ainda mais contribuições a minha formação como professor.

A partir de minha identificação com o paradigma narrativista da teoria e filosofia dahistória e também com o referencial da consciência histórica, possuía uma visão em relação às

 produções dos meus alunos em sala de aula. Agora, com alguns tímidos passos dados na

 perspectiva da filosofia da linguagem na esteira do pensamento característico do Círculo de

Bakhtin, penso que minha formação como professor recebeu uma significativa contribuição

com as discussões realizadas no âmbito dessa disciplina.

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REFERÊNCIAS:BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 7a. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.

BAKHTIN, Mikail. Estética da criação verbal / Mikail Bakhtin: introdução e tradução do

russo Paulo Bezerra; prefácio à edição francesa Tzevetan Todorov.  – 4ª edição – São Paulo:Martins Fontes, 2003.

BAKHTIN, Mikail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal / Mikail Bakhtin:introdução e tradução do russo Paulo Bezerra ; prefácio à edição francesa Tzevetan Todorov.

 – 4ª edição – São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRAIT, B. Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da Unicamp,1997.

 ________. A natureza dialógica da linguagem: formas e graus de representação dessadimensão constitutiva. In: FARACO, C. A., TEZZA, C., CASTRO, G. (Orgs.). Diálogos comBakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 1996. p. 69-92.

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 português de Jonnhy R. Rosa, mestrando na Universidade de Brasília. Revisão da tradução por Estevão de Rezende Martins. In: Jörn Rüsen e o ensino de história / organizadores: MariaAuxiliadora Scmidt, Isabel Barca, Estevão de Rezende Martins – Curitiba: Ed. UFPR, 2010.

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OPINIÃO PÚBLICA DE 25 ANOS DE DEMOCRACIA. 1º Simpósio Internacional deHistória Pública: A história e seus públicos. anais eletrônicos. ISBN 978-85-62959-25-7. SãoPaulo, 2012

MATERIAL COMPLEMENTAR:

  Entre as edições de jornal consultados para este artigo há: Diário dos Campos - 1967 (15,16 29, 31 de Março; 1º, 2 Abril) e Jornal da Manhã - 1965 (3 de Abril). Listagemincompleta.

  Projeto de lei Maio de 1965; Projeto de lei do prefeito José Hoffmann.  Álbum de Ponta Grossa 1967-1968. Gestão Plauto Miró Guimarães.  DEMENECK, Ben-Hur. Jornal Grimpa: Nem tudo são espinhos na imprensa paranaense:

descrição e memória de um periódico do interior. In: VI Congresso Nacional de Históriada Mídia. GT Mídia Alternativa. Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói/RJ: 13a 16 Maio de 2008. Anais.

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ANEXO

 Ilustração 2:Infográfico sobre comentários publicados sobre a vila 31 de Março (2010)