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A exposição Um homem a caminho concentra-se nos trabalhos produzidos por Iberê Camargo entre a década de 1970 e o final de sua vida. Entre desenhos, guaches, gravuras em metal, serigrafias e litografias, a mostra destaca as transformações da figura humana na produção do artista após décadas dedicado à pesquisa pictórica a partir da forma do carretel. A vertigem da matéria, fio condutor de sua obra nos anos 60 e 70, deu lugar a uma figuração no limite, entre o bidimensional e o tridimensional, o desenho e a pintura, a humanidade e a caricatura. Manequins, ciclistas, palhaços e mendigos, entre outras figuras anônimas observadas pelas ruas e parques em Porto Alegre, transmutaram-se, a partir de um insistente trabalho de cor e de linha, nos personagens que pautaram a obra de Iberê dos anos 80 e 90. Nessas últimas décadas de produção, a finitude da vida tornou-se mais presente no horizonte do artista, que carregou sua paleta e suas figuras de um drama existencial. “Viver é andar, é descobrir, é conhecer. No meu andarilhar de pintor, fixo a imagem que se me apresenta no agora, como retorno às coisas que adormeceram na memória. [...] a criação se faz com o agora e com o tempo que recua.” 1 1 In: LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 24.

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A exposição Um homem a caminho concentra-se nos trabalhos produzidos por Iberê Camargo entre a década de

1970 e o final de sua vida. Entre desenhos, guaches, gravuras em metal, serigrafias e litografias, a mostra destaca

as transformações da figura humana na produção do artista após décadas dedicado à pesquisa pictórica a partir da

forma do carretel. A vertigem da matéria, fio condutor de sua obra nos anos 60 e 70, deu lugar a uma figuração no

limite, entre o bidimensional e o tridimensional, o desenho e a pintura, a humanidade e a caricatura.

Manequins, ciclistas, palhaços e mendigos, entre outras figuras anônimas observadas pelas ruas e parques em Porto

Alegre, transmutaram-se, a partir de um insistente trabalho de cor e de linha, nos personagens que pautaram a

obra de Iberê dos anos 80 e 90. Nessas últimas décadas de produção, a finitude da vida tornou-se mais presente no

horizonte do artista, que carregou sua paleta e suas figuras de um drama existencial.

“Viver é andar, é descobrir, é conhecer. No meu andarilhar de pintor, fi xo a imagem que se me apresenta no agora, como retorno às coisas que adormeceram na memória. [...] a criação se faz com o agora e com o tempo que recua.” 1

1 In: LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 24.

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IBERÊ CAMARGO

Iberê Camargo nasceu em Restinga Seca, cidade do interior do Rio Grande do Sul, em novembro de 1914. O

interesse pela arte manifestou-se cedo em Iberê que, já aos quatro anos, sentado debaixo da mesa, passava horas

a fio a desenhar. Sua infância e as lembranças de sua cidade natal, como a estação ferroviária em que seus pais

trabalharam, são elementos marcantes nas primeiras obras de sua carreira.

Em 1928, o artista ingressou na Escola de Artes e Ofícios de Santa Maria (RS). Lá, teve aulas com Frederico Lobe e

Salvador Parlagreco. Sua mudança para Porto Alegre ocorreu apenas em 1936, ano em que iniciou o curso técnico

de desenho de arquitetura no Instituto de Belas-Artes e começou a trabalhar como desenhista na Secretaria de

Obras Públicas do Rio Grande do Sul. Decidido a ser pintor e sentindo a necessidade de encontrar os meios que

possibilitassem tal realização, Iberê mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1942, com o apoio de uma bolsa de

estudos concedida pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Insatisfeito com a proposta acadêmica da Escola

Nacional de Belas-Artes, deixou a instituição e, ainda na capital fluminense, passou a ter aulas com Alberto da Veiga

Guignard. Em 1943, junto de outros artistas, fundou o Grupo Guignard.

No Salão de Arte Moderna de 1947, Iberê Camargo apresentou a obra intitulada Lapa, pela qual recebeu o Prêmio

de Viagem à Europa. Ávido por conhecimento, tornou-se aluno de nomes como Giorgio de Chirico, Carlos Alberto

Petrucci, Antônio Achille, Leone Augusto Rosa e André Lhote. Seu retorno ao Brasil aconteceu em 1950. A partir

de 1958, devido a limitações físicas provocadas por uma hérnia de disco, Iberê trocou o desenho e a pintura ao

ar livre pelo trabalho no ateliê. Como motivo de suas composições, adotou o carretel, seu brinquedo de infância,

desenvolvendo a partir dele sua pesquisa formal. Em 1961, recebeu o Prêmio de melhor Pintor Nacional na VI Bienal

de São Paulo, com a série Fiada de carretéis.

Ao longo de sua vida, Iberê Camargo exerceu forte liderança no meio artístico e intelectual. Entre várias outras

atividades, destaca-se sua participação na organização do Salão Preto e Branco, em 1954, e, no ano seguinte, do

Salão Miniatura, ambos realizados em protesto às altas taxas de importação de material artístico. O artista ainda

lecionou, no ano de 1970, na Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Conhecido por seus carretéis, ciclistas e idiotas, Iberê nunca se filiou a correntes ou movimentos artísticos. Suas

obras participaram de exposições de renome internacional, como a Bienal de São Paulo, a Bienal de Veneza, a Bienal

de Tóquio e a Bienal de Madri, além de integrarem numerosas mostras no Brasil e em países como França, Inglaterra,

Estados Unidos, Escócia, Espanha e Itália.

O artista faleceu em 1994, em Porto Alegre, deixando um acervo de cerca de sete mil obras – entre pinturas,

gravuras, desenhos, guaches e documentos pessoais. Grande parte delas foi deixada a sua esposa, Maria Coussirat

Camargo, e hoje integra o acervo da Fundação Iberê Camargo.

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ATIVIDADES

1. FIGURA NA PAISAGEM

No início de sua carreira, Iberê pintou diversas paisagens. Cidades de sua infância, como Jaguari e Santa Maria, e

de sua vida adulta, como o Rio de Janeiro, aparecem em muitas de suas obras. Quando o artista retornou a Porto

Alegre em 1982, alguns locais da cidade passaram a fazer parte de sua rotina. Nesse momento, no entanto, Iberê

estava mais interessado nas pessoas que frequentavam esses lugares do que na paisagem em si.

Proponha a sua turma um exercício similar. Cada aluno deve escolher um lugar da cidade que faça parte de seu

dia a dia e observar as pessoas que o frequentam. A seguir, peça que os alunos realizem ao menos 10 desenhos de

observação da pessoa que mais lhe chamou atenção nesse espaço, registrando de diferentes maneiras sua expressão

e movimento. Como exercício de percepção, solicite que alguns desses desenhos sejam realizados sem olhar para o

papel, observando apenas o modelo. Em um segundo momento, reúna todos os desenhos produzidos pela turma e

analise o material resultante. Quais foram as figuras que mais chamaram a atenção dos alunos? O que elas revelam

sobre o lugar observado?

2. PARANDO O MOVIMENTO, MOVIMENTANDO A IMAGEM

Iberê Camargo produziu uma série de trabalhos a partir da observação de figuras em movimento, como os seus

carretéis e ciclistas. Em vez de partir da observação do movimento para criação de uma imagem, como fez o

artista, que tal propor um exercício em um sentido contrário? Peça que os alunos escolham em revistas ou jornais

uma imagem que contenha uma pessoa ou animal. A seguir, eles devem imaginar uma pequena narrativa para

esse personagem, colocando-o em movimento. O que pode ter acontecido com ele antes e depois do momento

mostrado na imagem? Depois, discuta com a turma a melhor maneira de registrar essas ideias. O resultado final

pode ser a criação de uma história em quadrinhos, um texto, uma encenação ou até mesmo um vídeo.

3. ENTRE O HUMANO E O INANIMADO

Em algumas pinturas produzidas por Iberê no final dos anos 70, formas que aparecem em meio a dados e carretéis

podem ser interpretadas como uma insinuação da presença humana, como caveiras ou corpos esquemáticos. Peça

que os alunos tragam de casa seu objeto favorito. Em aula, eles deverão desenhá-lo com o máximo de detalhes

possível, tentando respeitar suas formas e proporções. A seguir, peça que os alunos coloquem uma folha de papel

vegetal sobre este primeiro registro e façam um novo desenho, relacionando a forma do objeto aos contornos de

uma figura humana - um rosto, uma mulher sentada, alguém deitado, por exemplo. É possível encontrar algo de

humano nesses objetos inanimados?

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A gravura é uma técnica artística que envolve a reprodução de imagens a partir de uma matriz – uma superfície

plana, usualmente de madeira, pedra ou metal – na qual se grava um desenho por meio de incisões, corrosões

e talhos realizados com instrumentos e materiais especiais. Após a gravação da matriz, esta é recoberta de tinta

e, por meio de pressão, o desenho pode ser transferido mais de uma vez para suportes como folhas de papel ou

tecido, resultando em várias cópias da mesma imagem. Como linguagem artística, a gravura recebeu a atenção de

importantes artistas desde o século XIII. Além disso, era por meio de gravuras que se reproduziam textos, ilustrações

e até mesmo cartas de baralho antes da invenção da fotografia e das técnicas mecânicas de reprodução.

Ao longo de sua carreira, Iberê Camargo dedicou-se à pintura, ao desenho e também à gravura. O glossário abaixo

apresenta termos técnicos da gravura relacionados às obras presentes na exposição Iberê Camargo: um homem a

caminho.

ÁGUA-FORTE: Processo da gravura em metal em que linhas são traçadas por meio da corrosão da chapa metálica.

Na técnica, o artista produz o desenho sobre a chapa revestida por um verniz de proteção. Ao entrar em contato

com o ácido, as áreas desprotegidas são corroídas, formando sulcos capazes de absorver a tinta que depois será

transferida para o papel.

ÁGUA-TINTA: A técnica da água-tinta também utiliza líquidos corrosivos no processo de gravação em metal,

usualmente o percloreto de ferro. No entanto, diferente do que acontece com a água-forte, a chapa é recoberta

com uma fina camada de grãos de breu, formando uma película pontilhada que permite obter no momento da

impressão áreas de diferentes tons entre o branco e preto, conforme o tempo de exposição ao ácido.

LAVIS: Processo no qual um ácido de alta corrosão, como o nítrico, é pincelado diretamente sobre a chapa recoberta

com breu, produzindo um efeito de manchas próximo ao da aquarela. Quanto mais concentrado for o ácido aplicado

em um determinado ponto, mais escuro esse local ficará.

LITOGRAVURA/LITOGRAFIA: Processo no qual a imagem é produzida em uma matriz de pedra calcária. A base

dessa técnica é o princípio da repulsão entre água e óleo. Ao contrário das outras técnicas da gravura, na litografia

o desenho é feito por meio do acúmulo de gordura sobre a superfície da matriz, e não através de fendas e sulcos,

como na xilogravura e na gravura em metal.

PONTA SECA: Técnica na qual o artista utiliza um instrumento pontiagudo para fazer incisões diretas na chapa de

metal. Quanto mais pressão o gravador aplicar no traço, mais profundo ele será. Além de ser o nome do processo,

“ponta seca” também designa o instrumento utilizado e o tipo de gravura produzida.

PRENSA: Aparelho manual ou mecânico destinado a reproduzir, em papel ou outro material, uma imagem gravada.

É ao passar pela prensa que a tinta aplicada na matriz se transfere para o papel, resultando na gravura.

PROCESSO DO AÇÚCAR: Nesse processo, o desenho a ser gravado pela chapa é feito com uma calda de açúcar

que depois é recoberta com betume da Judéia. Em seguida, essa calda é dissolvida com água quente, expondo o

desenho do pincel à corrosão do ácido.

PROCESSO DO GUACHE: Técnica similar à do açúcar na qual tinta guache é utilizada ao invés da calda para

construir o desenho.

SERIGRAFIA: Processo que envolve a impressão de áreas planas de cor através de uma tela muito fina de poliéster

ou nylon em diferentes tipos de superfície. A tela é recoberta com um material fotossensível que deixa a tinta passar

apenas pelas áreas não atingidas pela luz, funcionando como uma máscara ou stêncil. O processo, que se tornou

popular no início do longo do século XX, é usado até hoje para imprimir em camisetas e estampar objetos.

GLOSSÁRIO

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CAMARGO, Iberê. Gaveta dos guardados. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

_____. No andar do tempo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

CARVALHO, Ana Albani; BRITES, Blanca. Iberê Camargo: persistência do corpo. Porto Alegre: Fundação Iberê

Camargo, 2009.

COTRIM, Cecília. “A paixão pela pintura: depoimento de Iberê Camargo a Cecília Cotrim”. Novos Estudos CEBRAP.

São Paulo: n° 34, novembro 1992, p. 107-123. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/

contents/68/20080625_a_paixao_na_pintura.pdf

LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994.

MAMMÌ, Lorenzo. Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo]. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2014.

NAVAS, Adolfo Montejo. Conjuro do mundo: as figuras-cesuras de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê

Camargo, 2011.

SIQUEIRA, Vera Beatriz. Iberê Camargo: origem e destino. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

ZIELINSKY, Mônica; SALZESTEIN, Sônia. Iberê Camargo – moderno no limite. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo,

2008.

SITES

www.artenaescola.org.br

www.iberecamargo.org.br

www.itaucultural.org.br

SUGESTÕES DE LEITURA

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Av. Padre Cacique 2.00090810-240 | Porto Alegre RS Brasiltel [55 51] 3247-8000www.iberecamargo.org.br

Agendamento: [55 51] [email protected]

Saiba como patrocinar a Fundação Iberê Camargo, entre em contato:tel [55 51] [email protected]

Conselho Superior Beatriz JohannpeterBolívar CharneskiChristóvão de MouraCristiano Jacó RennerEduardo HaesbaertIstelita da Cunha KnewitzJayme SirotskyJorge Gerdau JohannpeterJusto WerlangLia Dulce Lunardi RaffainerMaria Coussirat Camargo [in memoriam]Mariza Fontoura Carpes AsquithRenato MalconWilliam Ling

Presidente do Conselho Superior Maria Coussirat Camargo [in memoriam]

Vice-Presidente do Conselho SuperiorJorge Gerdau Johannpeter

Diretor PresidenteFelipe Dreyer de Avila Pozzebon

Diretor Vice Presidente Rodrigo Vontobel

DiretoriaCarlos Cesar Pilla José Paulo Soares MartinsTulio Milman

Comitê Curatorial Agnaldo Farias Fábio CoutinhoIcleia Borsa CattaniJacques LeenhardtJosé Paulo Soares Martins

Conselho Fiscal (titulares) Anton Karl Biedermann Carlos Tadeu Agrifoglio ViannaPedro Paulo de Sá Peixoto

Conselho Fiscal (suplentes)Gilberto SchwartzmannRicardo RussowskiVolmir Luiz Giglioli

Superintendente Cultural Fábio Coutinho

Gestão Cultural Pedro Mendes

Equipe Cultural Adriana Boff Carina Dias de BorbaLaura CogoAnna Mondain-Monval

Equipe Acervo e Ateliê de Gravura Eduardo Haesbaert Alexandre DemetrioGustavo PossamaiJosé Marcelo Lunardi

Equipe Educativa Camila Monteiro SchenkelMichel Flores

Mediadores Ana Carolina KlacewiczAndré Sant’Anna GüntherBruno Salvaterra TreiguerCarolina Bouvie GrippaCaroline CantelliChana de MouraDenise Walter XavierFernanda Bastos VieiraFernanda FeldensLuiza Bairros Rabello da SilvaMaria Teresa Almeida Weber Matheus dos Santos AraujoTomás Culleton

Equipe de Catalogação e PesquisaMônica Zielinsky Clarissa Reschke MartinsLucia Marques Xavier

Equipe de ComunicaçãoElvira T. Fortuna Thaís Leidens

Site e redes Sociais Adriana MartoranoLaura Schuch

Assessoria de ImprensaNeiva Mello Assessoria em Comunicação

Equipe Adinistrativo-FinanceiraJosé Luis Lima Carlos HuberCarolina Miranda DornelesJoice de SouzaMargarida AguiarMaria LunardiPedro FantiRicardo Pfeifer CruzRoberto RitterWilliam Camboim da Rosa

Gestão de Parcerias Michele Loreto Alves

Consultoria Jurídica Ruy Remy Rech

TI Informática Marcio Jose Schmitt – ME

Material Didático

ConcepçãoCamila Monteiro Schenkel Michel Flores

Textos Camila Monteiro SchenkelMichel Flores Laura Dalla Zen

Projeto Gráfi co e DiagramaçãoAdriana Tazima

Tratamento de ImagemDanowski Design

ImpressãoIdeograf

Tiragem400 unidades

Fundação Iberê Camargo

Manutenção Predial Newton TomazTOP Service

SegurançaElio FleuryGocil Serviços de Vigilância e Segurança

Estacionamento Safe Park

CafeteriaPress Café

LojaD’arte

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LÂMINAS

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Iberê Camargo sempre manteve um diálogo com outras artes. Literatura, cinema e teatro

eram linguagens que o artista não apenas apreciava, mas que alimentavam seu processo

de criação. Leitor ávido de Cervantes, Dostoievski e Fernando Pessoa, Iberê também se

dedicava à escrita: “Escrever pode ser, ou é, a necessidade de tocar a realidade que é a

única segurança de nosso estar no mundo – o existir”.1 Além de cartas e anotações sobre

suas obras, o artista redigiu contos e escritos de memórias. 2

O cinema e o teatro também marcaram sua produção. No ano de 1992, Iberê participou

das gravações do curta-metragem Presságio, do diretor e roteirista Renato Falcão. O fi lme

trata da relação entre ator e personagem a partir do confl ito de um homem que se depara

com uma doença terminal. Em uma das cenas, Manuel Aranha interpreta o personagem

principal da peça O homem da fl or na boca, de Luigi Pirandello, enquanto Iberê o

desenha. A fi lmagem deu origem a mais de dez trabalhos, entre eles, o reproduzido nesta

lâmina. Nesses desenhos de técnica mista, já podemos perceber alguns traços marcantes

da produção fi nal de Iberê: “a tinta é mais líquida, a superfície das telas é menos

‘tridimensional’ [...] o uso da cor é mais atmosférico e fl utuante, evanescente, e as fi guras,

como os fantasmas, não têm pé”.3

1 2 3

Para pensar

A proximidade de Iberê Camargo com a

literatura, o teatro e o cinema fez com que

o artista produzisse diversos trabalhos.

Iberê, de certa forma, respondia a obras

artísticas que o impactavam produzindo

desenhos e pinturas. Converse com a turma

sobre os livros, filmes e músicas que mais

impressionaram os alunos. Eles produziram

algo a partir dessas obras? O contato

com essas produções provocou alguma

ressonância em seu cotidiano?

1 CAMARGO, Iberê. Gaveta dos guardados. São Paulo, Cosac Naify, 2009, p. 30.

2 Duas publicações reúnem esses textos: o livro de contos No andar do tempo, de 1988, e o livro de memórias Gaveta dos guardados, publicado em 1998, quatro anos após a morte do artista.

3 NAVAS, Adolfo Montejo. Conjuro do mundo: as figuras-cesuras de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2011, p.11.

O homem da fl or na boca (Um ato de amor à vida), 1993guache e lápis stabilotone sobre papel100 x 70 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Rômulo Fialdini

sem título, a partir de As criadas de Jean Genet, 1986guache e lápis stabilotone sobre papel100 x 70,3 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re

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A fi gura humana sempre esteve presente na produção de Iberê Camargo mas, no

princípio, a abordagem desse tema era muito mais um estudo para o entendimento da

anatomia e o domínio da forma do que um mote para seus trabalhos. Após esse período

de formação, a pintura do artista foi dominada pelas paisagens do interior gaúcho, as

ruas do Rio de Janeiro e, a partir do fi nal do anos 50, pelas composições que organizaram,

desmembraram e explodiram a forma do carretel. Durante esse período mais ‘abstrato’,

no entanto, a representação do corpo humano continuou aparecendo nos esboços e

cadernos de anotações do artista.

Apesar dessa constante atenção ao tema, foi apenas a partir da década de 80 que a

representação da fi gura humana passou a ocupar um lugar de destaque na obra de Iberê,

tornando-se o principal motivo de suas pinturas, gravuras e desenhos. Inicialmente, ela

reapareceu em meio aos objetos e signos com os quais Iberê trabalhava, como os carretéis

e os dados, representando muitas vezes o próprio artista diante de sua obra. Anos depois,

surgiram os ciclistas, as idiotas e os manequins, personagens solitários em meio a espaços

vazios que expressam a angústia de Iberê em relação à existência humana. Nesse período,

o artista não estava mais preocupado em reproduzir detalhes de anatomia ou traços

fi sionômicos. Os modelos serviam apenas como um disparador - a partir da realidade

visível, Iberê procurava a alma das coisas.1

1

Para pensar

Compare as duas obras reproduzidas nesta

lâmina. De que forma elas retratam a figura

humana? Quais são as semelhanças e as

diferenças entre elas?

As criaturas corpulentas que aparecem

sentadas nos trabalhos de Iberê do início

dos anos 90 foram chamadas pelo artista

de idiotas. Na Grécia Antiga, a palavra

idiótes era utilizada para designar as

pessoas que não se envolviam com os

assuntos públicos da cidade. A raiz do

termo, idio, significava próprio. Converse

com a turma sobre os usos e significados

da palavra idiota hoje. Que motivos podem

ter levado Iberê a utilizar este termo para se

referir a suas obras?

1 LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 26.

sem título, 1991guache e lápis stabilotone sobre papel70 x 50,2 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re

sem título, c.1943lápis conté sanguínea sobre papel32,5 x 23,5 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re

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Figuras e manequins, 1985serigrafi a31,3 x 45,1 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Rômulo Fialdini

Para pensar

As figuras humanas que aparecem nas obras de Iberê a partir

dos anos 80 estão usualmente despidas. É difícil identificar

seu sexo, idade e até mesmo a época em que vivem. Alguns

dos desenhos feitos a partir da observação de manequins, no

entanto, contemplam também suas roupas. Esses elementos

ajudam a revelar a moda e a cultura da época em que

foram feitos. Discuta com a turma sobre os manequins que

encontramos nas vitrines das lojas hoje em dia. Como são suas

formas, poses e adereços? O que os diferencia dos manequins

de Iberê? O que podem revelar sobre nossa época? 1 O texto inicial do manual foi escrito em 1955, no formato de um polígrafo utilizado nas aulas no Instituto Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, e a partir de então passou por sucessivas reelaborações. Em 1964, o artista o publicou em forma de artigo na revista Cadernos Brasileiros; em 1975, lançou-o novamente no formato de um pequeno livro, editado pela Topal e, em 1992 , publicou A gravura, pela Sagra-Luzzato, incluindo mais informaçõe-s.

Ao longo de sua carreira, Iberê Camargo dedicou-se à pintura, ao desenho e

também à gravura em metal. Grande pesquisador e difusor da técnica, o artista

fundou o ateliê de gravura do Instituto Nacional de Belas Artes, ministrou cursos

e publicou um manual sobre o tema.1 Nos anos 80, no entanto, a serigrafia e a

litografia foram os tipos de gravuras mais presentes em sua produção.

As imagens do período são marcadas pela presença do manequim, elemento

que, a partir de então, apareceria na obra de Iberê até o final de sua produção.

Essa figura surgiu em caminhadas pela Rua da Praia, área de intenso comércio

em Porto Alegre onde o artista costumava observar as vitrines. Em seguida,

Iberê levou o manequim para seu ateliê, utilizando sua forma inerte como

modelo para obras como a série Fantasmagoria (1986-1987). Sozinhos ou na

companhia da outras formas humanas, inclusive o próprio artista, os manequins

são um simulacro do homem destituído de vida. Sua figura também pode ser

vista como uma referência à transitoriedade da moda e à superficialidade que

envolve a existência humana em meio à sociedade de consumo.

sem título, 1986lápis de cor sobre papel33 x 24,3 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegre

sem título, 1986lápis de cor e grafi te sobre papel33 x 22 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegre

sem título, 1986lápis de cor e grafi te sobre papel33,2 x 22,9 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegre

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Mendigos do Parque da Redenção, 1987caneta esferográfi ca e grafi te sobre papel21,5 x 32,5 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re

Para pensar

O ato de criar uma pintura ou desenho a partir da observação

da natureza é praticado desde o Renascimento. Por muito

tempo, coube à arte representar seu modelo da maneira mais

fiel possível, como a fotografia faz hoje. A partir do século

XIX, no entanto, a produção dos artistas foi se desligando das

aparências do mundo. O modo como se pintava ou desenhava

- a expressão, o gesto e a forma - ganhou cada vez mais

importância, deixando o modelo em segundo plano. Como a

arte se relaciona com a representação hoje em dia? Peça que

os alunos pesquisem artistas contemporâneos que trabalhem

com a figuração. Como o mundo é representado por eles?

1 In: LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994, p. 29-30.

Em 1982 Iberê Camargo mudou-se de volta para Porto Alegre, cidade que

havia deixado em 1942 em busca de um cenário mais propício para seu

desenvolvimento como artista. O período também marcou uma nova fase em

sua pintura, apresentando-lhe novos desafios. Instalado na rua Lopo Gonçalves,

seu retorno à cidade acabou sendo marcado pela proximidade com o Parque da

Redenção. O artista tornou-se frequentador assíduo do local, realizando inúmeros

desenhos dos tipos que o frequentavam, como ciclistas e mendigos. Iberê captava

o cotidiano dos habitantes de uma cidade em transformação, bem diferente da

Porto Alegre na qual vivera quarenta anos antes.

A realidade sempre foi um importante ponto de partida para Iberê Camargo,

mesmo que, ao longo dos anos, sua obra tenha se afastado cada vez mais da

representação tradicional. “No meu processo de trabalho, faço anotações dos

aspectos da natureza que me comovem. Uso modelo vivo tanto para desenhar

como para pintar, mas sempre com o cuidado de não copiá-los. No ato de criar,

esqueço o modelo e persigo as imagens que intuo, mas que não posso delinear a

priori.”1 Em diferentes textos e entrevistas, o artista destacou que não pintava o

que via, mas o que sentia.

1

sem título, 1985grafi te e lápis de cor sobre papel16,5 x 24,3 cmcol. Maria Coussirat CamargoFundação Iberê Camargo, Porto Alegrefoto: Fábio Del Re