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UM ESTUDO PRELIMINAR SOBRE OS MOVIMENTOS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MATEMÁTICA APLICADA NO BRASIL Marta Figueredo dos Anjos 1 [email protected] RESUMO Este trabalho visa apresentar um esboço de um estudo histórico de alguns momentos que marcaram o processo de institucionalização da Matemática Aplicada no Brasil. Para esse propósito, discutiremos os elementos que emergiram dos confrontos dos documentos que constituímos para a referida pesquisa, tal movimento de análise foi inspirado nos pressupostos teóricos metodológicos dos preceitos da nova historiografia, especialmente apresentadas nos escritos de Bloch (2001), Burke (2002) E Le Goff (1998), dentre outros. Diante disso, por meio da apresentação de acontecimentos sociopolíticos do século XX, os quais compõem um cenário preliminar da formação da área da Matemática Aplicada no Brasil, lançamos-nos a discutir alguns momentos, frutos desses acontecimentos, que podem ser considerados como propulsores da institucionalização da Matemática Aplicada. INTRODUÇÃO Este trabalho visa apresentar uma discussão preliminar diante alguns resultados oriundos de uma investigação pertencente ao projeto de doutorado da autora. O referido projeto objetiva apresentar um estudo histórico sobre a Sociedade de Matemática 1 Aluna de doutorado do programa de Pós-graduação em Educação Matemática (PGEM-UNESP/Rio Claro), sob Orientação do Prof. Sergio Roberto Nobre.

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UM ESTUDO PRELIMINAR SOBRE OS MOVIMENTOS DE

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MATEMÁTICA APLICADA NO BRASIL

Marta Figueredo dos Anjos1

[email protected]

RESUMO

Este trabalho visa apresentar um esboço de um estudo histórico de alguns momentos

que marcaram o processo de institucionalização da Matemática Aplicada no Brasil. Para

esse propósito, discutiremos os elementos que emergiram dos confrontos dos

documentos que constituímos para a referida pesquisa, tal movimento de análise foi

inspirado nos pressupostos teóricos metodológicos dos preceitos da nova historiografia,

especialmente apresentadas nos escritos de Bloch (2001), Burke (2002) E Le Goff

(1998), dentre outros. Diante disso, por meio da apresentação de acontecimentos

sociopolíticos do século XX, os quais compõem um cenário preliminar da formação da

área da Matemática Aplicada no Brasil, lançamos-nos a discutir alguns momentos,

frutos desses acontecimentos, que podem ser considerados como propulsores da

institucionalização da Matemática Aplicada.

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa apresentar uma discussão preliminar diante alguns resultados

oriundos de uma investigação pertencente ao projeto de doutorado da autora. O referido

projeto objetiva apresentar um estudo histórico sobre a Sociedade de Matemática

1 Aluna de doutorado do programa de Pós-graduação em Educação Matemática (PGEM-UNESP/Rio

Claro), sob Orientação do Prof. Sergio Roberto Nobre.

Aplicada e Computacional (SBMAC) e, por meio desse estudo, apresentar alguns

elementos constituintes da institucionalização2 da Matemática Aplicada Brasileira.

Esse projeto vincula-se a um projeto maior, sob a coordenação do professor

Sergio Nobre, o qual é destinado a apresentar uma investigação sobre as instituições

brasileiras vinculadas a Matemática. Desse empreendimento podemos citar trabalhos

como Carvalho (2014) e Santos (2016) que nos ajudam a compreender como

instituições como o ITA e a SBM se estabeleceram na comunidade científica brasileira.

Nesse sentido, o estudo histórico sobre a sociedade Brasileira de Matemática

Aplicada e Computacional (SBMAC) é apresenta como um importante passo para a

compreensão sobre os movimentos de organização política da comunidade de

matemáticos aplicados brasileiros. Assim, lançamo-nos a observar e analisar alguns

acontecimentos que pode nos levar a compor algumas relações que determinaram a

organização política e científica da comunidade de matemáticos aplicados do Brasil.

Para tal propósito, iniciamos por observar que as crescentes demandas

tecnológicas nos século XIX e XX e as mudanças conceituais decorrente da

Modernização da Matemática, ocorridas inicialmente nos países da Europa e dos

Estados Unidos contribuíram, conforme Gray (2008), para a Matemática Aplicada se

tornar um campo de pesquisa autônomo e valorizado, estimulando, assim, o processo de

institucionalização da área.

O Brasil, por sua vez, só a partir da década de 1930 devido aos incentivos

financeiros oriundos da política de desenvolvimento do país é que passaram a existir

possibilidades de implantação de pesquisa em um formato mais autônomo. Esse

momento da política brasileira instaurou, em meio a muitos conflitos3 e forte repressão,

mudanças estruturais, oriundas de política nacionalista empenhada no processo de

2 Estamos concebendo a Institucionalização a partir das considerações de Toledo (2008, p.27) que afirma:

“A institucionalização de um campo científico diz respeito ao estudo dos seus processos de constituição e

autonomização, aliado ao entendimento de como historicamente eles se formalizaram se incorporaram ao

conjunto das ciências, tendo em vista suas práticas, seus instrumentos e seus arcabouços teóricos e

metodológicos”.

3 A era Getulio Vargas, como é conhecido o período de 15 anos que Getulio Vargas esteve no poder é um

período controverso. Apesar dos registros de avanço em alguns setores da sociedade brasileira esse

momento também registra um aumento de autoritarismo e repressão.

industrialização do Brasil. Tal fato teve fortes e significativas consequências para a

ainda insipiente pesquisa, na recém-criada universidade brasileira.

Nesse contexto, pesquisas voltadas as ciências aplicadas, especialmente a

Matemática Aplicada tem um novo incentivo, pois passou a ser vista como

possibilidade colaborativa ao projeto de desenvolvimento do país. Especialmente

motivado pelos incentivos e necessidades da indústria do petróleo, a partir de meados da

década de 40.

Além disso, as demandas oriundas de fins militares e as consequentes

motivações da corrida tecnológica promovidas pela Guerra Fria e o prestigio da Física

Nuclear, justificam a necessidade do governo brasileiro de investir em conhecimento

especializado. Um fruto representativo dessas motivações é a criação do Instituto

Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em 1950. Em meio a esse cenário, outras iniciativas

como a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) fundada

em 1948, a criação pelo governo federal de organizações como o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 1951) e a Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes, 1953) são representativos desses

anseios.

Entretanto, só a partir da década de 60, com a consolidação da pós-graduação no

Brasil, nos moldes instituídos do Parecer 977/65 do conselho federal de educação, que

teve o objeto a conceituação da pós-graduação. Conforme Santos (2003, p. 628):

Os primeiros passos da pós-graduação no Brasil foram dados no início da década

de 1930, na proposta do Estatuto das Universidades Brasileiras, onde Francisco

Campos propunha a implantação de uma pós-graduação nos moldes europeus.

Tal modelo foi implementado tanto no curso de Direito da Universidade do Rio

de Janeiro quanto na Faculdade Nacional de Filosofia e na Universidade de São

Paulo. Na década de 1940 foi pela primeira vez utilizado formalmente o termo

“pós-graduação” no Artigo 71 do Estatuto da Universidade do Brasil. Na década

de 1950 começaram a ser firmados acordos entre Estados Unidos e Brasil que

implicavam uma série de convênios entre escolas e universidades norte-

americanas e brasileiras por meio do intercâmbio de estudantes, pesquisadores e

professores. O grande impulso para os cursos de pós-graduação do Brasil só se

deu na década de 1960. Já no início da década houve uma iniciativa importante

na Universidade do Brasil na área de Ciências Físicas e Biológicas (seguindo o

modelo das graduate schools norteamericanas), resultado de um convênio com a

Fundação Ford, e outra na mesma universidade, na área de Engenharia, com a

criação da Comissão Coordenadora dos Programas de Pós-Graduação em

Engenharia (COPPE).

As demandas relacionadas à pesquisa vão se concretizar de forma mais

substancial, predominantemente, em instituições ligadas às engenharias. Vale ressaltar,

também, que nessa mesma década, sob os moldes do modelo norte-americano ocorreu a

implantação do mestrado em Matemática da Universidade de Brasília e o doutorado do

Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), assim como os cursos de pós-

graduação no ITA4 e na UnB.

O país vivia a euforia do desenvolvimentismo iniciado no fim da era Vargas e

aprofundado na segunda metade dos anos 1950, no governo de Juscelino Kubitschek.

Sob o slogan “Cinquenta anos em cinco”, e apostava-se na industrialização para

substituição de importações como a chave para o desenvolvimento econômico.

Entretanto, o cenário de fragilidade do sistema democrático brasileiro gerou uma

crise política, a qual produziu condições da implantação do regime militar que veio a

vigorar de 1962 a 1985, deixando na história do Brasil profundas marcas. Não podendo

ser diferente, as instituições de ensino superior e a produção de pesquisa foram

fortemente afetadas. Um período de fortes contradições, especialmente no que tange a

história da Matemática aplicada.

Conforme Ferreira e Bittar (2008), o regime militar tem uma prática que defende

fortemente uma visão tecnocrática da educação e repudia o conceito de universidade

abrangente. Embora sob as reges do governo militar, em 1968 o Ministério da Educação

promoveu a reforma do sistema universitário e a pós-graduação foi oficializada no

Brasil nos moldes que já eram praticados pela COPPE, dado o sucesso do

empreendimento.

Nesse momento, um elemento de significativa importância para a consolidação

da pesquisa em Matemática Aplicada no Brasil é a chegada dos computadores no país,

visto que ele é no contexto da pesquisa, particularmente, em pesquisas relacionadas a

Matemática Aplicada, um elemento revolucionário nos métodos de pesquisa. O sucesso

dos modernos métodos matemáticos e programas de computador possibilitaram a

criação da matemática computacional, ciência computacional, e engenharia

4 Conforme Carvalho (2014), embora o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) já funcionasse em

meados da década de 40, nas instalações da UFRJ a criação do ITA data de 1950. Tem um modelo

estrutural administrativa organizada por departamentos diferente do modelo de cátedra, adotado nas

universidades no Brasil.

computacional, que usam computações de alto desempenho para a simulação de certos

fenômenos e soluções para problemas nas ciências e engenharia.

Conforme De Lourdes Cardi e Barreto (2012) foi no recém-criado Centro de

Processamento de Dados da PUC-RJ, que foi instalado o primeiro computador do

Brasil, bem como da América Latina, em Universidades. Esse equipamento teve o

mérito de mostrar aos estudantes, entre outras coisas, novas técnicas de cálculos

científicos para aplicação em várias áreas de engenharia e pesquisa.

Em meio a esse contexto se consolidou inúmeros movimentos de organização da

comunidade de matemáticos aplicados que, determinou a institucionalização da

Matemática Aplicada.

Assim, em um exercício investigativo sobre esses movimentos laçamos-nos a

discutir alguns momentos, acontecimentos que compõe o cenário que estamos

investigando. Para isso, é necessário esclarecer que a visão historiográfica defendida

nesse projeto nos direciona na busca por ferramentas metodológicas que evidenciem e

oportunizem a discussão das relações sociais e políticas que envolvem e compõem o

nosso objeto de pesquisa. Para isso, tomamos como ponto de partida as orientações de

historiadores como Burke (2002) que observa que a atividade histórica carrega

intrinsecamente a característica de uma ação interpretativa e que, por isso, está ancorado

em ideologias e interesses de diferentes grupos sociais. Para ele a preocupação do

historiador deve ser o simbólico e suas interpretações. “Símbolos, conscientes ou não,

podem ser encontrados em todos os lugares, da arte à vida cotidiana” (BURKE, 2002,

p.10).

Para constituição dos documentos realizamos entrevistas 5 e coletamos

documentos escritos (Atas, relatórios, cartas e documentários). Assim, tecemos as

reflexões por meio do diálogo entre os documentos. Faz se necessário afirmar que

compreendemos que, como afirma Le Goff (2008), o documento não é inocente, não

decorre apenas da escolha do historiador, ele próprio parcialmente determinado por sua

época e seu meio, o documento é produzido conscientemente pela sociedade do passado

tanto para impor uma imagem do passado, quanto para dizer a “verdade”.

5 Os entrevistados foram definidos a partir de uma teia de informações, tanto oriundas dos documentos

escritos, bem como a partir de indicações dos primeiros entrevistados, já as entrevistas foram realizadas

de forma semi estruturada e seguindo as orientações encontradas em Freitas (2006).

ALGUNS MOMENTOS CONSTITUTIVOS DO MOVIMENTO DE

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MATEMÁTICA APLICADA NO BRASIL

Nas décadas de 60 e 70, há muitos movimentos de organização e

desenvolvimento da Matemática Aplicada no Brasil, frutos, de uma forma geral, do

contexto socioeconômico, apresentado anteriormente. Em meio a esse contexto, trazer a

foco fatos e momentos podem nos ajudar a compreender o processo de

institucionalização da matemática aplicada no Brasil.

De início, observamos que um momento importante que sinaliza a organização

da comunidade de matemáticos brasileiros é a criação de uma comissão de Matemática

Aplicada na Sociedade Brasileira de Matemática. Sobre isso, Santos (2016, p.93) relata:

Em junho de 1970, foi aprovada a proposta de se convidar os

professores Carlos J. P. de Lucena (PUC), Guilherme La penha

(COPPE, Rio), Ivan de Queiroz Barros (USP, Campinas) e Carlos A.

B. Dantas (USP) para integrarem a Comissão de Matemática Aplicada

da SBM. Somente em agosto de 1970, foi dada posse, por

unanimidade, a Comissão de Matemática Aplicada da Sociedade

composta pelos professores: Ivan de Q. Barros (USP, Campinas),

Carlos Alberto B. Dantas (USP), Carlos J. P. de Lucena (PUC, Rio) e

Guilherme La Penha (COPPE, Rio). Esta comissão poderia assessorar

organismos como CNPq, CAPES, FAPESP etc.; sua principal função

seria de organizar as atividades de Matemática Aplicada da SBM, de

acordo com os Estatutos 20 e 27 da Sociedade .

Esse momento nos indica que a comunidade de matemáticos aplicados

brasileiros estava se fortalecendo e se organizando. Tal momento pode ser melhor

compreendido se observarmos que este é fruto de investimentos por parte do governo

brasileiro, por meio, principalmente de convênios firmados entre o governo do Brasil e

o governo dos Estados Unidos da América, ocorridos essencialmente no final da década

de 60 e ao longo da década de 70 (TRIVIZOLI, 2011).

Em meio a esse cenário, dado o aumento de professores pesquisadores em

Matemática Aplicada, decorrentes de volta de professores que participaram de

convênios com o governo dos Estados Unidos e o desejo desses novos pesquisadores

por mais espaço para suas pesquisas, muitos desses passaram a se organizarem e

promover movimentos de fortalecimento da Matemática Aplicada no Brasil.

Um momento que compõe esses movimentos de mobilizações em prol da

organização da comunidade brasileira de matemáticos aplicados é a contratação pelo

IMECC- UNICAMP de professores com formação em engenharia e que desenvolviam

pesquisas em áreas da Matemática Aplicada, durante os anos de 1972 a 1980,

possibilitando a implantação de ambiente interdisciplinar, dentro do departamento de

Matemática da UNICAMP.

Esse foi um momento muito importante na mudança de perspectiva da

Matemática Aplicada no Brasil. A contratação de professores pesquisadores na área de

Matemática Aplicada para o Departamento de Matemática, em particular na

UNICAMP, como apresentado anteriormente, é um importante passo para na formação

de uma organização política que culminou, no final da década de setenta com a criação

de Departamentos de Matemática Aplicada na Universidade de São Paulo (USP) em

1971 e na Universidade de Campinas (Unicamp), em 1973, que irão alocar cursos de

graduação em Matemática Aplicada.

Em meio a esses acontecimentos, na oportunidade da reunião conjunta da SBPC

e da Sociedade Brasileira de Simulação realizada no campus da USP (São Paulo), em

julho de 1977, realizou-se uma mesa redonda que, segundo Odelar Linhares (1988),

definiu um importante passo em prol da concretização do desejo da comunidade

acadêmica pela criação de uma sociedade que representasse os pesquisadores da área da

Matemática Aplicada e Computacional.

Um grupo de professores e pesquisadores da USP e UNICAMP organizou o

simpósio intitulado A Matemática Computacional e sua Influencia no

Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico do Brasil, no âmbito do qual se

promoveu Mesa Redonda Sobre a oportunidade da criação de Sociedade

Brasileira de matemática computacional. Coordenada pelo professor Odelar

Leite Linhares (ICMSC-USP) e Tamio Shmizu (escola politécnica-USP).

Participaram ativamente das discussões, entre outros José Vitório Zago (IMECC-

UNICAMP), Maximiliam Emil Hehl (ICMSC-USP) e J.S.C Martini (da escola

politécnica-USP). De concreto resultou, apenas, que a criação de semelhante

sociedade era ansiosamente desejada e mais que necessária (LINHARES, 1988,

p. IV).

Em janeiro de 1978, seis meses após a realização da referida mesa redonda,

outro momento que nos indica movimentos de organização é a realização da 1ª Escola

de Matemática Aplicada realizada no Laboratório de Cálculo (LAC), vinculado ao

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) o qual, posteriormente, passou a ser

denominado por Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC),

desmembrado do CBPF. Sobre a relação dessa instituição e a SBMAC, o professor

Raupp, em depoimento para comemoração dos 30 anos do LNCC, observa:

Aquele grupo [LAC] assumiu o pioneirismo de importantes trabalhos da área,

tanto na parte teórica quanto na de aplicações. O núcleo se solidificou, inclusive

externamente, adquirindo prestígio em campos de estudos ainda recentes no

Brasil – comenta Raupp, que conclui- As atividades foram decisivas para a

criação de sociedades científicas, como é o caso da Sociedade Brasileira de

Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC). Foram momentos importantes

e decisivos para o LNCC ter papel reconhecido e atuante dentro da política

nacional de Ciência e Tecnologia (LNCC, 2010).

Tal momento foi descrito da seguinte forma pelo professor Moura6, um dos

organizadores da referida Escola.

O LAC já tinha organizado o que foi a primeira escola de Matemática Aplicada,

um evento importante porque começou a definir caminhos de pesquisa, de

orientação de estudo. Nós tivemos muitos alunos de diferentes estados do Brasil,

diferentes universidades. [...] Nessa primeira escola de Matemática Aplicada os

estudos foram concentrados em métodos numéricos; mecânica dos fluidos. Nós

promovemos, por exemplo, um curso de análise funcional, que eu ministrei,

tivemos também um curso de métodos numéricos, ministrado por Raupp e um

outro curso, introdução a mecânica do continuo ministrado pelo professor Raul

Feijó). Além desses tivemos um curso oferecido pelo professor Luiz Adalto de

equações diferenciais parciais, esse era um curso mais puro, não tinha muitas

aplicações (Informação verbal)

De fato, a referida Escola ocorreu no período de 04/01 a 4/02 de 1978 e foi

organizada pelos professores Carlos A. de Moura (CBPF); Marco A. Raupp (CBPF) e

Pedro Nowasad (IMPA) e contou com o patrocínio da SBM e do CBPF. Durante esse

mês de estudos, foram oferecidos três cursos básicos: Análise Numérica e Equações

Diferencias (Marco A. Raupp - CBPF), Análise Funcional e Aplicações (Carlos A. de

Moura - CBPF), e Introdução a Mecânica do Contínuo (Raul A. Feijó - CBPF). Nessa

mesma oportunidade foram oferecidos minicursos e workshops. Os minicursos foram:

Mecânica e Inequações Variacionais (Claude Do-ENSM-Nantes e Ècole

Polytechnique-Paris);

Aspectos Computacionais em Magnetohidrodinâmica (Octavio

Betancourt (Courant Institute – New York);

6 Entrevista concedida a nós 09.09. 2015.

Operadores Positivos e Otimização, Aplicações a Energia Nuclear (Pedro

Nowasad- IMPA);

Dinâmica das Tubulações (Luís Bevilacqua - Promon, Engenharia);

Tópicos em Equações Diferenciais Parciais (Luis Adauto Medeiros -

UFRJ).

Os workshops foram:

Inequações Variacionais, coordenado por Claude Do-ENSM-Nantes e

Ècole Polytechnique-Paris;

Mecânica do Contínuo e Elementos Finitos, coordenado por Edgardo

Taraco (CBPF);

Otimização, coordenado por Hilton Machado (UnB).

Simulação de Plasmas, coordenado por Octavio Betancourt (Courant

Institute – New York).

O CBPF publicou os livros referentes aos cursos básicos ocorridos na 1ª Escola

de Matemática Aplicada. Segue a imagem da capa dos três livros.

Figura 1- Livros dos cursos básicos da 1ª Escola de Matemática Aplicada

FONTE: Biblioteca do LNCC, 2016.

Essas publicações foram um marco para as pesquisas em Matemática Aplicada

no Brasil, pois colaboram para a construção de caminhos para a produção cientifica em

Matemática Aplicada no Brasil. Conforme Santos (2016) ao apresentar o noticiário da

sociedade brasileira de matemática de Maio de 1978, a 1ª Escola de Matemática

Aplicada teve a participação de 76 engenheiros, físicos, matemáticos e analistas de

sistemas de 32 diferentes universidades e centros de pesquisa do País e 8 pesquisadores

do exterior.

Por fim, podemos observar que esses momentos são indicativos de movimentos

de organização da comunidade de matemáticos aplicados brasileiros e culmina com a

fundação da Sociedade de Matemática Aplicada e computacional (SBMAC). Essa

sociedade nasceu em meio a esses movimentos e obteve concretude no Primeiro

Simpósio Nacional de Cálculo Numérico que ocorreu em 1º de novembro de 1978,

durante o Primeiro Simpósio Nacional de Cálculo Numérico, realizado nas

dependências do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais,

em Belo Horizonte - MG. Esse simpósio foi organizado pelo professor Newton Ribeiro

dos Santos (UFMG) e Leônidas da Conceição Barroso (UFMG), com a colaboração do

professor Odelar Linhares (UFCar/USP), tal fato foi descrito da seguinte forma pela

Professora Eliana Xavier7, filha do professor Odelar.

7 Entrevista concedida a nós em 15.06.2015.

Eu me lembro do meu pai se comunicando com o pessoal de Belo Horizonte,

escrevendo cartas e tal, porque eles achavam que precisava ter uma entidade que

representasse o pessoal da Matemática Aplicada e que a SBM não nos

representava. Então eles trocaram diversas cartas com o pessoal de Belo

Horizonte, com o professor Leônidas, com o Newton, sobre a intenção de criar

uma sociedade de matemática aplicada. Então eles pensaram em fazer, primeiro,

um congresso, lá em Belo Horizonte. E foi até chamado de Primeiro Congresso

Cálculo Numérico. (informação verbal)

Esse primeiro simpósio de cálculo numérico congregou muitos jovens, muito

desses recém-doutores e que tinham cursado o doutorado por meio de intercâmbio, em

países como Estados Unidos, que já tinham uma tradição em Matemática Aplicada, o

que motivou a mobilização desses pesquisadores por mais espaços na comunidade

cientifica brasileira.

Odelar Linhares (1988) ressaltou que durante a assembleia de fundação da

desejada sociedade, no ano seguinte a essa mesa redonda citada anteriormente, na

ocasião do 1º simpósio de Cálculo Numérico, por sugestão do Professor Marco Antônio

Raupp (CBPF), decide-se, por unanimidade, nomear a referida sociedade por Sociedade

Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC), pois, assim,

congregaria mais pesquisadores.

Por fim, observamos que os movimentos que compõem a história da

institucionalização da matemática aplicada no Brasil são compostos por inúmeros

acontecimentos, momentos que nos ajudam a compreender as relações de forças que

estabeleceram o processo de institucionalização da Matemática Aplicada no Brasil.

Portanto, neste trabalho trazemos a foco alguns desses acontecimentos que

podem nos ajudar a compreender alguns desses movimentos da história da

institucionalização da Matemática Aplicada Brasileira.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Por meio das apreciações dos documentos e da constituição do cenário que os

acontecimentos analisados emergiram nossos estudos trazem a tona elementos

importantes a cerca do processo de institucionalização da comunidade de matemáticos

aplicados brasileiros. Visto que ao apresentar alguns momentos históricos e seus

personagens, traz à tona as articulações que deflagraram a estruturação científica e

política da comunidade de matemáticos aplicados brasileiros.

Inicialmente, destacamos que os momentos apresentados e discutidos reinteiram

a forte relação entre o contexto sócio econômico e a atividade em Matemática Aplicada

no Brasil, assumindo como determinante para fortalecimento da área de pesquisa em

matemática aplicada o surgimento de empresas como a PETROBRÁS. Além disso,

esse estudo também enfatiza a importância da compreensão do caráter

interdisciplinar/multidisciplinar da Matemática Aplicada para sua consolidação nos

meios acadêmicos Brasileiros.

Vale ressaltar que esse movimento de institucionalização da matemática aplicada

brasileira, objeto de estudo nesse artigo, não é um movimento isolado, mas como

Toledo (2008) e Santos (2016) destacam pertencem a movimento mundial, oriundo de

uma nova forma conceber a matemática difundida a partir do século XX, que gerou

inúmeras formas de manifestações em prol das institucionalizações de diferentes áreas,

dentre essas formas podemos citar a fundação de sociedades, que representam, entre

outras coisas, um movimento destinado a ampliar a representabilidade política de uma

área.

Por fim, ressaltamos que o estudo histórico de um evento histórico está envolto

de relações que compõem uma teia de outros eventos, os quais podem nos ajudar a

ampliar os significados acerca do fato histórico estudado, por isso, esses momentos

apresentados aqui, não podem ser vistos de forma isolada, mas como representantes e

provocadores de outros acontecimentos que compõem uma história da Matemática

Aplicada no Brasil.

REFERÊNCIAS

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http://www.lncc.br/lncc/noticias.php?idt_noticia=674. Acesso em março de 2016

FREITAS, Sônia Maria. História oral: possibilidades e procedimentos. Editora

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SANTOS, Viviane de Oliveira. Uma história da Sociedade Brasileira de Matemática

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TRIVIZOLI, Lucieli Maria. Sociedade de Matemática de São Paulo: Um estudo

histórico institucional. Dissertação de Mestrado (Mestre em Educação Matemática) -

Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, UNESP, Rio Claro, 2008.

TRIVIZOLI, Lucieli Maria. Intercâmbios acadêmicos matemáticos entre EUA e

Brasil: uma globalização do saber. Tese - (doutorado) - Programa de Pós-Graduação

em Educação Matemática, UNESP, Rio Claro, 2011.

Entrevistas

MOURA. Carlos Antônio. Entrevista concedida a Marta Figueredo dos Anjos. 09 set.

2015. [Duração de aproximadamente uma hora].

XAVIER. Eliana Linhares. Entrevista concedida a Marta Figueredo dos Anjos. São José

dos Campos, 15 jun. 2015. [Duração de aproximadamente uma hora].