um estudo dos aspectos distributivos da previdência social no brasil

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE

    DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

    UM ESTUDO DOS ASPECTOS DISTRIBUTIVOS DA PREVIDNCIA SOCIAL NO BRASIL

    Lus Eduardo Afonso

    Orientador: Prof. Dr. Reynaldo Fernandes

    So Paulo 2003

  • Reitor da Universidade de So Paulo Prof. Dr. Adolpho Jos Melfi

    Diretora da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade Profa. Dra. Maria Tereza Leme Fleury

    Chefe do Departamento de Economia Profa. Dra. Elizabeth Maria Mercier Querido Farina

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAO E CONTABILIDADE

    DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

    UM ESTUDO DOS ASPECTOS DISTRIBUTIVOS DA PREVIDNCIA SOCIAL NO BRASIL

    Lus Eduardo Afonso

    Orientador: Prof. Dr. Reynaldo Fernandes

    Tese apresentada ao Departamento de Economia da Universidade de So Paulo para obteno

    do ttulo de Doutor em Economia

  • FICHA CATALOGRFICA

    Afonso, Lus Eduardo Um estudo dos aspectos distributivos da previdncia social no Brasil / Lus Eduardo Afonso. -- So Paulo : FEA/USP, 2003. 124 p. Tese - Doutorado Bibliografia

    1. Previdncia social Brasil 2. Economia I. Facul- dade de Economia, Administrao e Contabilidade da USP.

    CDD 368.4

  • i

    AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador Reynaldo Fernandes, cuja orientao foi vital execuo e

    concluso deste trabalho. Desde a sugesto do tema, seu direcionamento foi

    fundamental para que fossem encontrados os rumos adequados a esta tese.

    Aos professores Eduardo Amaral Haddad e Narcio Aquino Menezes Filho, por

    todas as oportunidade propiciadas ao longo do curso.

    Aos professores Paulo Picchetti e Hlio Zylberstajn, pelos comentrios e

    sugestes feitas no exame de qualificao.

    Aos velhos amigos do tradicional almoo das quintas-feiras: Antonio Carlos de

    Almeida Pinto, Artur Ferreira Pinto, Eduardo Wongtschowski, Luis Srgio Borges da

    Rocha Mattos e Roberto Campos. Flvia Pesqueira Mendona, Gilberto Sato e

    Nelson Kiyoshi Hashitani tm sido grandes amigos.

    Frederico Araujo Turolla, Joana Agata Mobarah e Maria Antonieta Del Tedesco

    Lins, velhos companheiros da FGV, merecem uma lembrana mais do que especial.

    Slvio Yoshiro Mizuguchi Miyazaki teve a pacincia de ler alguns captulos.

    Aos colegas do curso de doutorado. Adriana Schor, Lgia Maria de Vasconcellos

    e Marislei Nishijima, com quem tive a oportunidade de conviver e com quem muito

    aprendi. Eduardo Luiz Machado deu uma grande ajuda, dispondo-se a ler uma verso

    preliminar e indicando vrios pontos que poderiam ser melhorados. Edson Paulo

    Domingues merece ser lembrado tambm.

    Mario Antonio Margarido colaborou bastante. Andressa Guimares Rego deu

    uma importante ajuda com as atividades docentes cotidianas. Meus chefes, Jos

    Francisco Vinci de Moraes e Orlando Assuno Fernandes, possibilitaram a reduo

    da minha carga didtica durante o perodo de concluso da tese.

    Aos meus pais, Jos Mauro e Lenira e ao meu irmo Jos Mauro (que mais uma

    vez revisou com enorme cuidado as vrias verses deste texto), que me apoiaram em

    todos os momentos.

  • ii

    SUMRIO INTRODUO ....................................................................................................... 01 CAPTULO 1 Um breve histrico da previdncia social no Brasil ................. 04

    1.1) Introduo ................................................................................................... 04 1.2) Primrdios do sistema previdencirio: das primeiras organizaes ao

    incio da interveno governamental em 1930 ........................................... 06 1.3) Perodo 1930-1945: consolidao da interferncia governamental e

    criao dos IAPs ......................................................................................... 10 1.4) Perodo 1945-1966: o caminho rumo unificao ..................................... 14 1.5) Perodo 1966-1988: unificao, expanso e crise....................................... 17 1.6) Perodo 1988-1999: universalizao e reforma; um processo inconcluso.. 24 1.7) Consideraes finais ................................................................................... 30

    CAPTULO 2 Aspectos conceituais e resenha dos trabalhos empricos ......... 31

    2.1) Aspectos conceituais................................................................................... 31 2.2) Trabalhos empricos: EUA ......................................................................... 36

    2.2.1) A primeira gerao: 1977-1995 ...................................................... 36 2.2.2) A segunda gerao: 1995-2003....................................................... 45

    2.3) Outros pases............................................................................................... 54 2.4) Consideraes finais ................................................................................... 60

    CAPTULO 3 Construo do banco de dados: perodo 1976-1999 ................. 61

    3.1) Introduo ................................................................................................... 61 3.2) Diviso por grupos...................................................................................... 63

    3.2.1) Caractersticas comuns.................................................................... 63 3.2.2) Contribuies e vnculo profissional .............................................. 64

    3.3) Dados empregados: caractersticas e limitaes......................................... 66 3.4) Metodologia de clculo de contribuies e benefcios ............................... 68 3.5) Mudanas na legislao previdenciria no perodo 1976-1999.................. 74 3.6) Descrio dos dados.................................................................................... 82

    CAPTULO 4 Clculo das taxas internas de retorno ....................................... 89

    4.1) Introduo ................................................................................................... 89 4.2) Procedimento economtrico........................................................................ 89 4.3) Resultados ................................................................................................... 92 4.4) Concluses ................................................................................................ 107

    Bibliografia ............................................................................................................ 112

  • iii

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 3.1.......................................................................................................... 84 Grfico 3.2.......................................................................................................... 84 Grfico 3.3.......................................................................................................... 87 Grfico 3.4.......................................................................................................... 87 Grfico 4.1.......................................................................................................... 94 Grfico 4.2.......................................................................................................... 94 Grfico 4.3.......................................................................................................... 95 Grfico 4.4.......................................................................................................... 95 Grfico 4.5........................................................................................................ 101 Grfico 4.6........................................................................................................ 102 Grfico 4.7........................................................................................................ 102 Grfico 4.8........................................................................................................ 103 Grfico 4.9........................................................................................................ 103 Grfico 4.10...................................................................................................... 104 Grfico 4.11...................................................................................................... 104

  • iv

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1.1 ........................................................................................................... 08 Tabela 1.2 ........................................................................................................... 15 Tabela 1.3 ........................................................................................................... 27 Tabela 1.4 ........................................................................................................... 27 Tabela 2.1 ........................................................................................................... 38 Tabela 2.2 ........................................................................................................... 41 Tabela 2.3 ........................................................................................................... 42 Tabela 2.4 ........................................................................................................... 43 Tabela 2.5 ........................................................................................................... 45 Tabela 2.6 ........................................................................................................... 46 Tabela 2.7 ........................................................................................................... 47 Tabela 2.8 .......................................................................................................... 48 Tabela 2.9 .......................................................................................................... 50 Tabela 2.10 ......................................................................................................... 51 Tabela 2.11 ......................................................................................................... 52 Tabela 2.12 ......................................................................................................... 53 Tabela 2.13 ......................................................................................................... 55 Tabela 2.14 ......................................................................................................... 56 Tabela 2.15 ......................................................................................................... 56 Tabela 2.16 ......................................................................................................... 57 Tabela 2.17 ......................................................................................................... 58 Tabela 3.1 ........................................................................................................... 75 Tabela 3.2 ........................................................................................................... 76 Tabela 3.3 ........................................................................................................... 77

  • v

    Tabela 3.4 ........................................................................................................... 78 Tabela 3.5 ........................................................................................................... 78 Tabela 3.6 ........................................................................................................... 79 Tabela 3.7 ........................................................................................................... 79 Tabela 3.8 ........................................................................................................... 80 Tabela 3.9 ........................................................................................................... 80 Tabela 3.10 ......................................................................................................... 80 Tabela 3.11 ......................................................................................................... 81 Tabela 3.12 ......................................................................................................... 81 Tabela 3.13 ......................................................................................................... 81 Tabela 3.14 ......................................................................................................... 83 Tabela 3.15 ......................................................................................................... 83 Tabela 3.16 ......................................................................................................... 85 Tabela 3.17 ......................................................................................................... 86 Tabela 3.18 ......................................................................................................... 88 Tabela 4.1 ........................................................................................................... 92 Tabela 4.2 ........................................................................................................... 93 Tabela 4.3 ........................................................................................................... 97 Tabela 4.4 ......................................................................................................... 100 Tabela 4.5 ......................................................................................................... 100 Tabela 4.6 ......................................................................................................... 101 Tabela 4.7 ......................................................................................................... 101 Tabela 4.8 ......................................................................................................... 105 Tabela 4.9 ......................................................................................................... 106 Tabela 4.10 ....................................................................................................... 106

  • vi

    Resumo

    Este trabalho tem como objetivo estudar os aspectos distributivos da previdncia

    social no Brasil. Com base na legislao previdenciria e utilizando-se como fonte de

    dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), so computadas as

    contribuies efetuadas e os benefcios recebidos por cada pessoa da amostra, no

    perodo 1976-1999. A partir destes clculos so estimados os fluxos esperados de

    contribuies e benefcios por toda a vida de grupos de indivduos representativos.

    Estes grupos so formados de acordo com as caractersticas comuns dos indivduos.

    A partir destes fluxos so calculadas, para cada um dos grupos, as taxas internas de

    retorno intrnsecas ao sistema previdencirio. Os resultados mostram que os grupos

    com menor nvel de educao tm taxas de retorno superiores quelas obtidas pelos

    demais grupos. As taxas tambm so diferenciadas conforme as regies do pas.

    Nota-se que as taxas de retorno de todos os grupos tm crescido ao longo dos anos.

    Estes resultados evidenciam a existncia de caractersticas distributivas na

    previdncia social brasileira.

    Abstract

    This work has the objective to study the distributive aspects of the Brazilian

    social security system. Based upon the social security legislation and using as a data

    source the Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), contributions

    made and received benefits for each sampled individual were considered, in the

    period of 1976 to 1999. Based on these calculations, the expected contributions and

    benefits flows of representative groups of individuals were estimated. These groups

    are formed in accordance to common characteristics of these individuals. Upon these

    flows, for each group, the internal rates of return inherent to the social security

    system were assessed. The attained results showed that groups with lower education

    levels achieved higher rates of return than the remaining groups. The rates are also

    different according to the country's regions. One can note that the rates of return of

    all groups have grown over the years. These results clearly show the existence of

    distributive characteristics in the Brazilian social security system.

  • 1

    Introduo

    Nos ltimos anos a previdncia social ganhou relevncia na agenda do pas.

    Tornou-se consensual a viso do equacionamento adequado da questo

    previdenciria como um dos pilares mestres para a organizao das contas pblicas e,

    portanto, para o crescimento econmico sustentado do Brasil.

    A necessidade do equilbrio oramentrio da previdncia tornou-se mais

    cristalina aps a estabilizao econmica iniciada com o Plano Real. A queda

    abrupta dos ndices de preos trouxe tona inconsistncias e tenses latentes. Antes

    mascarados e amortecidos pelo manejo de mecanismos de convivncia forada com

    altos ndices de inflao por parte dos agentes econmicos, tais problemas se

    manifestaram de forma clara no descompasso das contas da previdncia social. O

    frgil equilbrio existente desvaneceu-se rapidamente, transformando-se em

    crescentes dficits, tanto no INSS, quanto nos regimes de previdncia dos servidores

    pblicos nas trs esferas de governo. Alm de ter sido agravada por questes

    conjunturais, como o baixo crescimento econmico, esta situao tambm carrega o

    peso de questes estruturais fundamentais. A primeira a queda nos ndices de

    formalizao (e contribuio previdenciria) no mercado de trabalho. A segunda o

    rpido processo de envelhecimento da populao brasileira, fazendo com que o

    nmero de idosos cresa a taxas bastante elevadas.

    No INSS, o aumento dos dficits foi influenciado pela incorporao progressiva

    de benefcios de carter assistencial. Tambm tm grande importncia as mudanas

    determinadas pela Constituio de 1988, que acentuaram o carter distributivo da

    previdncia, particularmente na rea rural. No houve, no entanto, a proviso de

    fontes de recursos na magnitude e qualidade desejadas. No caso dos servidores

    pblicos, um conjunto especfico de regras, que lhes deu direitos inacessveis aos

    trabalhadores do setor privado, igualmente relevante.

    Entretanto, o consenso restringe-se s questes de equilbrio entre receitas e

    despesas. Outras funes e caractersticas da previdncia, embora fundamentais,

    carecem de um tratamento mais cuidadoso. Talvez a mais importante de todas seja

    aquela referente aos aspectos distributivos. Estes so inerentes a quaisquer sistemas

    previdencirios devido complexa dinmica das variveis demogrficas e

  • 2

    econmicas e ao fato destes sistemas usualmente agregarem programas de cunho

    assistencial.

    Portanto, a previdncia desempenha um papel essencial na realocao de

    recursos, tanto entre os indivduos de uma mesma gerao, quanto entre pessoas de

    coortes diferentes. Este processo distributivo deve ser analisado de forma adequada,

    para que se possa avaliar as polticas previdencirias empreendidas pelo pas.

    Uma das formas calcular as taxas internas de retorno das contribuies

    efetuadas e dos benefcios recebidos por parte dos indivduos. Esta uma maneira de

    se tentar responder s duas perguntas, bastante relacionadas, feitas implicitamente

    nos pargrafos anteriores. A primeira quanto ao valor dos benefcios pagos. Sero

    eles de fato to reduzidos quanto concebido pelo senso comum? A segunda quanto

    ao carter distributivo: seria a previdncia to injusta com seus segurados? Ou o

    sistema previdencirio pode ser um tipo de contrato social vantajoso para

    determinados grupos?

    Com base nestas consideraes, nesta tese visa-se testar duas hipteses. A

    primeira que o sistema previdencirio brasileiro no paga benefcios to baixos

    (dadas as contribuies correspondentes) quanto se costuma conceber. A segunda

    que a existncia das organizaes previdencirias pode ser vantajosa para alguns

    grupos, particularmente aqueles pertencentes s classes mais baixas das regies mais

    pobres. De modo oposto, para as faixas de renda mais elevadas, os ganhos parecem

    ser bastante reduzidos. Evidncias na direo dessas hipteses confirmariam o

    carter distributivo e a progressividade do sistema previdencirio brasileiro. Esta

    constatao significaria que os grupos mais pobres da populao obteriam taxas de

    retorno mais elevadas que os grupos mais ricos.

    Alm desta introduo, a tese composta por quatro captulos. No primeiro

    feito um histrico da previdncia social no Brasil. Procura-se mostrar as principais

    mudanas ocorridas e relacion-las com o contexto econmico de cada poca.

    Argumenta-se que no Brasil a previdncia sempre tratou alguns grupos de forma

    diferenciada, havendo assim indcios da existncia de impactos distributivos

    significativos. O segundo captulo aborda algumas questes conceituais ligadas

    previdncia social, enfatizando os aspectos distributivos. Tambm feita uma

    resenha dos trabalhos empricos sobre o tema.

  • 3

    Na seqncia, o captulo 3 traz a primeira parte do trabalho emprico da tese.

    Inicialmente feita a descrio da metodologia empregada nos clculos de benefcios

    e contribuies. Apresentam-se tambm as principais mudanas ocorridas na

    legislao previdenciria no perodo 1976-1999. feita ao final uma breve descrio

    de alguns resultados preliminares e dos dados empregados nos clculos posteriores.

    No quarto captulo, dando prosseguimento ao procedimento emprico, procura-se

    estimar para cada grupo de indivduos com determinadas caractersticas comuns os

    fluxos de contribuies e benefcios para os perodos anterior a 1976 e posterior a

    1999. So ento calculadas as taxas internas de retorno obtidas por cada um dos

    grupos. Por meio destas possvel quantificar os aspectos distributivos do sistema

    previdencirio brasileiro. Encerrando, so apresentadas as concluses da tese.

  • 4

    Captulo 1 Um breve histrico da previdncia social no Brasil

    1.1) Introduo

    O objetivo deste captulo expor de maneira resumida como as organizaes

    relacionadas previdncia social evoluram no Brasil, desde seus primrdios at

    1999. As principais alteraes sofridas pela previdncia esto relacionadas com as

    mudanas econmicas vividas pelo pas. A diviso do histrico foi feita tendo como

    critrio fatos ou mudanas institucionais relevantes para alterar os rumos do sistema

    previdencirio brasileiro. Procura-se mostrar que a previdncia brasileira

    tradicionalmente tratou de maneira desigual as pessoas, privilegiando determinados

    grupos em detrimento de outros. Este histrico sugere que tais privilgios, associados

    incorporao de benefcios de cunho assistencial, so uma parte importante da

    explicao para as dificuldades de equacionamento das contas da previdncia nos

    ltimos anos.

    Antes de comear a traar o histrico, faz-se necessrio tecer algumas

    consideraes tericas e definir alguns conceitos que sero utilizados ao longo do

    trabalho1. O primeiro conceito , naturalmente, previdncia social. Emprega-se aqui

    uma tipologia similar quelas apresentadas por Oliveira e Beltro (1997) e FIPE

    (1993). A previdncia social tem as caractersticas de um seguro social, cujo

    objetivo assegurar aos indivduos, por meio de um fluxo continuado de

    pagamentos, as condies necessrias a sua manuteno e a de seus dependentes.

    Esses pagamentos so fruto da reduo ou da perda de capacidade laboral,

    usualmente decorrentes da velhice, embora eventos como acidentes de trabalho ou

    morte possam ser includos no rol de benefcios. Fica implcito, portanto, que deve

    haver, em algum grau, relao entre as contribuies efetuadas e os benefcios

    recebidos.

    Para que tenha direito ao benefcio, usual que o indivduo compulsoriamente

    tenha efetuado contribuies organizao previdenciria durante sua vida ativa. H

    duas linhas para explicar essa compulsoriedade. Na primeira, apresentada por Veall

    (1986), a inexistncia de contribuies obrigatrias poderia causar um problema de

    1 Alguns aspectos aqui discutidos so tratados em Afonso (1999, cap. 1).

  • 5

    risco moral. Alguns indivduos poderiam no contribuir para a previdncia

    (preferindo consumir uma maior parcela de seus recursos), o que resultaria, a priori,

    em uma renda insuficiente na velhice. Esta trajetria intertemporal de consumo seria

    adotada de maneira racional, pois os indivduos saberiam que as pessoas no se

    aprazem em ver seus semelhantes em condies inadequadas e assim, o Estado

    adotaria medidas de cunho compensatrio, para lhes prover mnimas condies de

    vida. Argumento semelhante exposto por Sandmo (1995).

    A lgica da compulsoriedade das contribuies pode ser explicada tambm por

    uma segunda maneira, bastante diferente, pela existncia de miopia. Neste caso, as

    pessoas - dadas as incertezas ao longo de sua vida, o longo horizonte de tempo

    envolvido e sua racionalidade limitada - poderiam ser levadas a avaliar de maneira

    incorreta suas necessidades na velhice, subpoupando os recursos necessrios a seu

    sustento quando no estiverem mais trabalhando. Esta abordagem apresentada, por

    exemplo, por Feldstein (1985).

    Dando prosseguimento s definies, o termo assistncia social refere-se aos

    programas de cunho distributivo, seja por meio de recursos, seja em espcie. Seu

    objetivo transferir renda dos grupos mais ricos para os menos privilegiados. Neste

    caso, o vnculo entre as contribuies efetuadas e os benefcios recebidos bastante

    tnue, podendo at mesmo no existir. Desta forma, o nus do financiamento deve

    recair sobre as pessoas de renda mais elevada. J a sade caracterizada pelas aes

    cujo foco o bem-estar fsico e mental dos indivduos. Como os servios mdicos

    devem estar disponveis a toda populao, razovel supor que seu financiamento

    deve ser feito compulsoriamente por todos, por meio de impostos. Portanto, a relao

    entre os pagamentos feitos e os servios utilizados tambm no direta.

    Feita esta sucinta exposio, fica claro que previdncia, assistncia social e

    sade so, ao menos no plano terico, trs programas distintos, com fontes de

    financiamento separadas e funes diferentes2. Porm, no Brasil, assim como em

    outros pases, tal separao no se verifica na prtica, pois desde as primeiras

    organizaes, os trs programas encontram-se, ao longo dos anos, imiscudos em

    graus variados. Dado este entrelaamento, traar a histria da previdncia implica

    tambm mencionar algumas aes nas reas de sade e assistncia.

    2 Para uma descrio mais detalhada destas funes, ver, por exemplo, Aaron (1982).

  • 6

    1.2) Primrdios do sistema previdencirio: das primeiras organizaes ao

    incio da interveno governamental em 1930

    J na gnese das organizaes previdencirias podem ser encontradas algumas

    das razes do tratamento desigual, permeado de privilgios para alguns grupos e

    parcimonioso para outros, que se constituir em uma caracterstica marcante e

    negativa da previdncia no Brasil. Em sua origem, o nmero de possveis

    beneficirios pequeno, o nmero de entidades grande, e as regras, diversas. Ao

    longo dos tempos, em um processo inacabado, as tentativas de universalizao e

    uniformizao de regras para os diversos grupos sociais sero outra marca

    igualmente notvel. A extenso dos direitos previdencirios, particularmente na fase

    inicial, ocorre em trs dimenses, com algum grau de sobreposio entre si. A

    primeira quanto ao vnculo empregatcio, do setor pblico para o setor privado. A

    segunda refere-se ao extrato social, das classes mais ricas e organizadas para as mais

    pobres. A terceira dimenso geogrfica, estendendo-se os direitos dos

    trabalhadores urbanos para os rurais. Esta expanso significou a progressiva criao

    de benefcios e incorporao de caractersticas assistenciais bastante importantes.

    Organizaes ligadas s questes sociais so bastante antigas no Brasil . O

    trabalho da EPGE/FGV (1992) assinala que j no incio do perodo colonial existiam

    organizaes de carter assistencial, como a Casa de Misericrdia de Santos em

    1543. Faro (1993a) classifica o Montepio Geral de Economia dos Servidores do

    Estado (Mongeral) fundado em 1835 como a primeira instituio previdenciria do

    Brasil. Seus segurados eram os funcionrios do Ministrio da Economia. Mediante

    suas contribuies, eram proporcionados benefcios de ordem previdenciria. Antes

    porm, em 1821, havia sido concedida aos professores, aposentadoria aps 30 anos

    de servio, havendo ainda a opo de um abono de 25% para aqueles que

    continuassem em atividade3. No entanto, segundo Sousa (2002) no h registro que

    tal medida tenha sido de fato implementada. Em Brasil (2002) lista-se um plano

    assistencial para rfos e vivas de oficiais da Marinha em 1795, replicado para o

    Exrcito em 1827.

    3 Similar ao abono-permanncia, por vrios anos disponvel aos trabalhadores do setor privado, cuja concesso foi extinta em 1988.

  • 7

    No final do sculo XIX aumenta rapidamente o nmero de organizaes

    previdencirias, centradas em empresas e organizaes ligadas ao governo. Eram

    financiadas por contribuies dos empregados e os benefcios consistiam em

    assistncia mdica e auxlio em caso de desemprego, invalidez ou morte. Atravs da

    atuao do Estado, por meio de legislao especfica, comeam-se a erigir alguns

    mecanismos de amparo a grupos de funcionrios pblicos. Em maro de 1888, um

    decreto definiu os critrios de aposentadoria para os funcionrios dos Correios. Os

    trabalhadores deveriam ter no mnimo 30 anos de servio e 60 anos de idade. No

    mesmo ano foram criadas Caixas de Socorros nas estradas de ferro. No ano seguinte

    foi criado o Fundo de Penses dos trabalhadores da Imprensa Nacional. Em 1890,

    somam-se nascente rede de proteo social os funcionrios da Central do Brasil e

    do Ministrio da Fazenda. Dois anos depois, os operrios do Arsenal da Marinha do

    Rio de Janeiro passam a contar com aposentadoria por invalidez e penso por morte.

    J no sculo XX, em 1911, criada a Caixa de Penses da Casa da Moeda e em 1912

    os beneficiados so os funcionrios da Alfndega do Rio de Janeiro.4

    Em Brasil (2002: 15) ressalta-se com bastante propriedade que as categorias

    inicialmente aquinhoadas pelo tratamento especial dado pela nascente estrutura

    previdenciria eram justamente "responsveis pela base de formao do Estado e de

    sustentao dos poderes militar e burocrtico". Na ltima dcada do sculo XIX, o

    Brasil era um pas de incipiente desenvolvimento econmico, com economia baseada

    na exportao de produtos agrcolas, de urbanizao bastante limitada e recm-sado

    de um regime escravocrata. Portanto, as categorias com vnculo profissional mais

    claramente estabelecido eram os empregados do setor pblico, a quem inicialmente a

    previdncia social beneficiou, por meio de condies inacessveis aos trabalhadores

    do setor privado. Esses privilgios enraizaram-se fortemente e mantiveram-se no

    sistema previdencirio at o incio do sculo XXI.

    Apesar da importncia das organizaes voltadas aos funcionrios pblicos, h

    consenso entre os autores quanto ao marco inicial da previdncia social no Brasil.

    Este foi a Lei Eloy Chaves (Decreto 4682) de 24 de janeiro de 1923, que determinou

    a criao das Caixas de Aposentadoria e Penses (CAPs) em cada empresa

    ferroviria. Eram oferecidos quatro tipos de benefcios: aposentadoria (normal ou por

    4 Parte das informaes sobre as mudanas na legislao previdenciria tem fonte MPAS (1999c).

  • 8

    invalidez), assistncia mdica ao segurado e seus dependentes, medicamentos com

    preos especiais e penso aos dependentes em caso de morte. Para ter direito

    aposentadoria, o trabalhador deveria ter pelo menos 50 anos de idade e 30 anos de

    servio. O sistema previdencirio j nasceu limitado, por beneficiar apenas os

    ferrovirios; no-focado, por ofertar benefcios mdicos e assistenciais5 e generoso,

    por proporcionar aposentadorias por invalidez e penses.

    O financiamento era feito por meio de contribuies dos empregados (3% dos

    salrios), das empresas (1% da receita bruta), dos consumidores (devido ao aumento

    de 1,5% nas tarifas) e outras fontes espordicas. O recolhimento era feito pela

    prpria empresa. O valor da aposentadoria tinha como base os salrios (Y) recebidos

    nos ltimos cinco anos de servio, sendo calculado conforme apresentado na Tabela

    1.1.

    Tabela 1.1 Salrios e valores de aposentadoria - Lei Eloy Chaves

    Salrio (Y) Valor da aposentadoria

    Y 100$0006 90% do salrio 100$000 < Y 300$000 90$000 + 75% do valor entre 101$000 e 300$000 300$000 < Y 1:000$000 250$000 + 70% do valor entre 301$000 e 1:000$000 1:000$000 < Y 2:000$000 250$000 + 65% do valor entre 301$000 e 2:000$000 Y > 2:000$000 250$000 + 60% do valor entre 301$000 e o salrio

    Fonte: Sousa (2002: 25)

    Cada CAP (organizada no mbito das firmas) era administrada por uma

    comisso composta por representantes dos empregadores e empregados, sendo

    utilizado o regime de capitalizao. O Estado era externo a esse tipo de organizao,

    ficando restrita sua atuao aos casos de conflito. Com este arranjo, o nmero de

    associados por CAP era reduzido, havendo em contrapartida grande nmero de

    instituies. Em abril de 1923, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, cujas

    atribuies incluam as questes ligadas previdncia social. O nmero de

    indivduos cobertos era bastante limitado frente ao total da populao e em pouco

    5 interessante notar que nos EUA a previdncia foi institucionalizada apenas em 1935. Munnell (1976: 155) aponta que no incio os benefcios se limitavam s aposentadorias. Penses foram incorporadas em 1939. Somente em 1956 foram includas as aposentadorias por invalidez. 6 L-se cem mil ris.

  • 9

    tempo o sistema j dava mostras de sua fragilidade.7 Segundo Stephanes (1993: 26),

    j em 1930 se verifica a primeira crise do sistema, com casos de "fraude, corrupo e

    descalabro", abrindo as portas de uma longa histria de atos ilcitos ligados

    previdncia social.

    Em dezembro de 1926, a Lei 5109 ampliou o sistema de Caixas, estendendo-o

    aos porturios e martimos. Tambm foram includos benefcios adicionais, como o

    auxlio-funeral, auxlio servio-militar, reduo de prazos de carncia, eliminao da

    idade mnima para aposentadoria e estabilidade no emprego aps 10 anos. As

    contribuies ao sistema tambm foram ampliadas. As empresas passaram a

    contribuir com 1,5% de sua receita bruta anual e a parcela repassada aos

    consumidores subiu de 1,5% para 2% do valor das tarifas. Menos de dois anos

    depois, em junho de 1928, a Lei 5845 incluiu na rede de proteo os funcionrios dos

    servios telegrficos e radiotelegrficos.

    Tratando das desigualdades j existentes, Carvalho (1995) aponta que a Lei Eloy

    Chaves apenas estendera aos trabalhadores do setor privado direitos j concedidos

    aos servidores pblicos e s Foras Armadas. Porm, no foram todos os

    trabalhadores a serem abrangidos pelo seguro social. Seguindo a tradio iniciada no

    sculo XIX e que seria uma caracterstica das vrias alteraes posteriores na

    previdncia, tal extenso de direitos foi limitada e elitista. Inicialmente foram

    beneficiadas as categorias mais organizadas do setor privado urbano, e com o passar

    do tempo, os direitos (ou parte deles) foram concedidos aos demais trabalhadores8.

    Os ferrovirios, porturios e martimos foram beneficiados por estarem vinculados

    aos setores mais dinmicos da economia, ligados ao processo de expanso

    econmica induzida pelas exportaes de caf. Ainda na viso de Carvalho (1995:

    32-33), a Lei Eloy Chaves teria sido influenciada por empresrios da So Paulo

    Railway Company (Estrada de Ferro Santos-Jundia), tendo como objetivo

    subjacente a limitao dos movimentos trabalhistas e a manuteno da estrutura

    vigente.

    7 Uma possvel razo o fato de sistemas previdencirios apresentarem rendimentos de escala crescentes. Para uma viso mais detalhada deste argumento, ver Mitchell (1996) e Valds-Prieto (1994). 8 Nessa poca a populao urbana era minoritria. Segundo dados do IBGE, em 1940 o pas tinha 41,24 milhes de habitantes. A populao rural era de 28,36 milhes de pessoas, ou seja, cerca de 68,8% do total.

  • 10

    De forma correlata, a institucionalizao da previdncia pode ser entendida

    como mais um item na ampliao dos direitos sociais e trabalhistas ocorrida na

    dcada de 20. Em 1925 comeou a vigorar a lei que estipulava frias remuneradas e

    no ano seguinte foram aprovadas restries ao trabalho infantil. Weinstein (1999: 76)

    trata dessas mudanas e ressalta a resistncia por parte dos industriais,

    principalmente os paulistas, ao aumento dos direitos dos trabalhadores.

    Oliveira e Teixeira (1986: 34) apontam que a estrutura previdenciria ento

    adotada era "caracterizada pela amplitude na definio de suas atribuies, pela

    liberalidade na concesso de benefcios e servios; pela prodigalidade nos gastos

    com estes servios e benefcios; e por outro lado, pela natureza fundamentalmente

    civil das instituies de previdncia, tanto no que se refere sua gesto, quanto no

    referente a sua estrutura financeira".

    1.3) Perodo 1930-1945: consolidao da interferncia governamental e criao

    dos IAPs

    Este perodo corresponde ao primeiro governo Vargas, no qual importantes

    mudanas sociais e econmicas ocorreram. De acordo com o esprito dessas

    transformaes, a previdncia social se expandiu, principalmente nas reas urbanas,

    e se alterou. Como resultado, a partir de 1930 o sistema previdencirio comeou a

    assumir caractersticas bastante diversas da fase anterior, principalmente na

    organizao das entidades previdencirias, com a criao dos Institutos de

    Aposentadorias e Penses (IAPs).

    Com a ascenso de Getulio Vargas ao poder, as mudanas provocadas pela crise

    de 1929 e as dificuldades enfrentadas pelo setor cafeeiro, a relao de foras no pas

    comeava a se alterar. Com a expanso da produo domstica, a representatividade

    do mercado interno aumentou9 e os trabalhadores assalariados comearam a ter

    maior peso no cenrio poltico-econmico.

    Em contraste com as demandas sociais da emergente classe urbana, o sistema de

    Caixas at ento adotado gerava um volume de recursos insuficiente para um

    funcionamento estvel, dado o pequeno nmero de afiliados. Com este novo quadro

  • 11

    sendo desenhado, o Estado passa a dar maior ateno aos trabalhadores urbanos (e

    questo previdenciria), agregando-os sua base de sustentao poltica.

    Esta fase teve como caracterstica fundamental o fato de a vinculao passar a

    ser feita no mais atravs de empresas, mas sim atravs de categorias profissionais,

    ou profisses relacionadas, em mbito nacional. Com esse intuito foram criados os

    IAPs e a cobertura previdenciria estendeu-se para quase todos assalariados e boa

    parte dos trabalhadores autnomos urbanos. A inteno do governo de interferir e

    nortear o funcionamento do sistema previdencirio se manifesta de modo inequvoco

    com a criao, em novembro de 1930, por meio do Decreto 19433, do Ministrio do

    Trabalho, Indstria e Comrcio, que agregou vrios rgos j existentes. Uma de

    suas funes era regulamentar e supervisionar a previdncia social.

    Fausto (1997: 140) aponta que o novo ministrio marca a emergncia de um

    novo tratamento dado fora de trabalho, que "implicava o reconhecimento da

    existncia da classe [trabalhadora] e visava a control-la com os instrumentos da

    representao profissional, dos sindicatos oficiais apolticos e numericamente

    restritos". D'Araujo (1999: 116) analisa de forma semelhante as mudanas sociais e

    trabalhistas da era Vargas. A autora aponta que estas geraram "uma nova elite

    sindical, grande parte dela acomodada e palaciana". Porm, relativiza a to propalada

    engenhosidade de Vargas e contextualiza as mudanas, ao apontar que polticas

    sociais semelhantes foram empreendidas contemporaneamente em outros pases e

    que Getulio soube seguir o "sinal dos tempos". Medeiros (2001: 10-11) aponta

    tambm que as polticas adotadas no primeiro governo Vargas eram dirigidas aos

    trabalhadores urbanos para no ferir os interesses das oligarquias rurais, ento

    dominantes no cenrio poltico nacional.

    Em 1931, o Decreto 20465 tem como finalidade reformar a legislao referente

    s Caixas. Um dos objetivos deste decreto a limitao dos gastos das Caixas com

    assistncia mdica e servios complementares a 8% das receitas. Este decreto

    tambm ampliou o regime da Lei Eloy Chaves, estendendo-o aos trabalhadores dos

    demais servios pblicos. O nmero de Caixas, que crescera rapidamente, chega a

    140 em 1932 [Oliveira et al. (1994)]. Em 1933 criado o Instituto de Aposentadoria

    9 Um exemplo das alteraes ocorridas no perodo pode ser visto na participao dos impostos de consumo e de importao na receita total. Entre 1910 e 1930, estes passam de 10,4% e 55,0%, para 21,0% para 37,3%, respectivamente [Abreu (org.) 1992: 397].

  • 12

    e Penses dos Martimos (IAPM), tendo como afiliados os trabalhadores de empresas

    da marinha mercante. O ano de 1934 a data de incio do Instituto de Aposentadoria

    e Penses dos Bancrios (IAPB). Suas atribuies eram basicamente as mesmas das

    primeiras CAPs. Neste perodo a interferncia do governo progressivamente

    comeava a limitar as funes de supridores de servios de assistncia mdica e

    hospitalar que os institutos de aposentadoria e penses possuam. A atividade-fim de

    tais entidades passava a ser a previdncia social, podendo manter servios de

    assistncia mdica. Ainda assim, a rea de sade ficava sujeita a uma

    "regulamentao especial", enquanto o Estado no pudesse assumir de modo

    exclusivo uma atividade que era sua incumbncia e no das instituies de

    previdncia [Oliveira e Teixeira (1986)].

    Em 1934 foram criados o IAPC (Comercirios), a Caixa de Aposentadoria e

    Penses dos Trabalhadores em Trapiches e Armazns de Caf e a Caixa de

    Aposentadoria e Penses dos Operrios Estivadores. Estas duas ltimas, apesar da

    denominao, eram tambm instituies de carter nacional. Em 1936 foi criado o

    IAPI, englobando os industririos. Em 1938, um ano aps a decretao do Estado

    Novo, o Decreto-Lei 288 criou o Instituto de Previdncia e Assistncia dos

    Servidores do Estado (IPASE), mesmo ano de criao do Instituto de Aposentadorias

    e Penses dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETEC). Outro ato

    importante o Decreto-Lei 5452 de 1943, que criou a Consolidao das Leis do

    Trabalho (CLT), que tambm regulamenta a legislao da previdncia social.

    Souza (1999: 17) aponta que esse modelo de Welfare State nascente tpico de

    pases subdesenvolvidos, nos quais os benefcios limitam-se "aos trabalhadores dos

    setores mais modernos da economia e aos funcionrios da burocracia". Ficam assim

    patentes os privilgios de certos grupos, nestes anos iniciais da estruturao do

    sistema previdencirio. Draibe (1985, cap. 1) lista uma srie de rgos

    governamentais criados no perodo 1930-45, cuja funo era aparelhar o Estado para

    sua emergente funo de agente principal de um projeto de desenvolvimento

    econmico. A atuao de rgos como o Departamento Administrativo do Servio

    Pblico (DASP), criado em 1938 e a legislao sindical implantada em 1931

    coadunavam-se com o modelo nascente de "relaes do trabalho eminentemente

    corporativista, sob a gide do Estado".

  • 13

    Alm de o nmero de institutos ter crescido, no final da dcada de 30 e incio da

    dcada seguinte tambm so criados vrios rgos de cunho assistencialista. Em

    1938, criado o Servio Central de Alimentao do IAPI, que seria absorvido dois

    anos depois pelo Servio de Alimentao da Previdncia Social. Em 1941 cria-se o

    Servio de Assistncia a Menores (SAM). No ano seguinte, tm incio as atividades

    da Legio Brasileira de Assistncia (LBA), voltada a questes relacionadas

    maternidade, infncia, amparo aos idosos e assistncia mdica aos necessitados.

    Em 1944 cria-se o Servio de Assistncia Domiciliar e de Urgncia (SAMDU).

    Como pode ser notado, no perodo analisado, a estrutura previdenciria do pas

    se alterou bastante, com a incorporao das vrias entidades assistenciais.

    Concomitantemente, cresceram as alquotas de contribuio dos empregados. J em

    1931, a contribuio havia sido elevada para 4% do salrio, atingindo posteriormente

    at 8%. No caso do IAPI, mesmo assim, o nmero de benefcios disponveis foi

    reduzido e seu valor real foi diminudo, dado que o aumento do valor nominal no

    acompanhou a inflao do perodo. Complementando, em 1940 foi fixada em 60

    anos a idade mnima para a aposentadoria, para todos Institutos e Caixas em que este

    limite inexistia. O crescimento do sistema pode ser notado pelo aumento no nmero

    de beneficirios. Pires (1995: 169) mostra que no perodo 1930-1945 o nmero de

    aposentados passa de 8009 (7013 para os pensionistas) para 110.724 e 124.401,

    respectivamente. Estes valores configuram taxas anuais de crescimento de 19,1%

    para o nmero de aposentados e 21,1% para o nmero de pensionistas. Duas

    caractersticas permaneceram inalteradas: a disparidade de benefcios

    proporcionados pelas instituies e o regime de capitalizao adotado.

    Ao final desse perodo, a previdncia era superavitria. Segundo Sousa (2002: 34

    e 66) em 1945 as despesas em moeda da poca foram de Cr$ 994.711.150,80,

    representando 42,14% das receitas, cujo valor era de Cr$ 2.360.263.092,30. Neste

    mesmo ano, as 31 Caixas e 5 Institutos tinham 2.997.947 associados (como se

    designava na poca). Estes representavam 51% da PEA urbana10, composta por

    5.877.797 pessoas. Havia ainda 110.724 aposentados e 124.401 pensionistas. Se

    fizermos a hiptese de que inexistia o acmulo de aposentadorias e penses, a

    10 Este nmero no muito superior aos cerca de 43% encontrados para 1997. [MPAS (1999b)]

  • 14

    relao contribuintes/beneficirios era de 12,75, tpica de regimes no maduros, e

    bastante superior aos 1,30 do ano de 1999, apontados em Brasil (2002: 10).

    1.3) Perodo 1945-1966: o caminho rumo unificao

    Este perodo se caracteriza pelas iniciativas governamentais de uniformizar as

    regras do sistema previdencirio. Tambm notvel a tendncia deteriorao da

    situao financeira dos IAPs. Esta situao resultado de fatores que impactaram

    tanto as despesas, quanto as receitas do sistema.

    Em 1945 criou-se o Instituto de Servios Sociais do Brasil (ISSB). Sua funo

    seria substituir todos os IAPs, acabando assim com as disparidades existentes e

    impondo normas nicas ao sistema previdencirio. No entanto, a sada de Getulio

    Vargas do poder abortou essa tentativa de uniformizao, e este rgo (que deveria

    tambm ter atribuies nas reas assistencial e de sade) no chegou a funcionar de

    fato. Longos 19 anos passaram-se entre a criao do ISSB e a unificao da

    previdncia, que s se concretizou em 1966. Este mais um exemplo de que

    mudanas na rea previdenciria (com perda de privilgios detidos por alguns

    grupos) tendem a ser de lenta tramitao, difcil execuo e, por vezes, parcos

    resultados.

    A presena estatal se ampliou em 1946, quando foram criados o Conselho

    Superior e o Departamento Nacional de Previdncia Social, rgos com funes

    normativas. No ano de 1954, o processo de consolidao das CAPs levou formao

    de 7 grandes institutos: IAPFESP, IAPI, IAPC, IAPETEC, IAPM, IAPB e IPASE.

    No perodo em questo ocorre um notvel aumento no percentual representado

    pelo gastos com assistncia mdica, que passam de 2,3% dos valores arrecadados em

    1945, para 14,9% em 1966. Este incremento evidencia uma mudana importante no

    modelo previdencirio, no qual os gastos assistenciais11 passaram a ter maior peso.

    Paralelamente, aumentam tambm, em valores reais os dispndios com

    aposentadorias e penses. De modo progressivo, medidas governamentais que

    permitem aos institutos ampliar o nmero de benefcios, aumentar seu valor e

    facilitar o acesso dos dependentes so implementadas. Oliveira e Teixeira (1986:

    11 De certo modo, uma situao similar quela gerada pela Constituio de 1988.

  • 15

    162-5) sumariam as mudanas ocorridas e fornecem vrios exemplos destas medidas.

    Essa postura expansionista nos servios (e gastos) oferecidos pode ser vista na

    Tabela 1.212.

    Tabela 1.2 Valores de receitas, aposentadorias e penses da previdncia social - 1945 e 1966

    (Em Cr$ de 1945)

    Ano Aposent. Penses Aposent. + Penses Receitas 1945 313.900 127.600 441.500 2.353.400 1966 4.817.200 1.697.200 6.514.400 15.432.300Var. 1945-1966 (%) 1.434,63 1.230,09 1375,52 555,74 Taxa de cresc. Anual (%) 13,89 13,11 13,67 9,37

    Fonte: clculos do autor com base em Oliveira e Teixeira (1986: 339-40)

    Como pode ser constatado, apesar de as receitas terem crescido, em termos reais,

    cerca de 9,37% ao ano, o crescimento das despesas foi ainda mais elevado, atingindo

    13,67% ao ano. Com isso fica patente outra caracterstica da previdncia brasileira,

    que posteriormente se repetiria mais vezes: a capacidade de se criar benefcios sem

    que os recursos aumentem na proporo adequada.

    Aparentemente, a ingerncia governamental no se revelou muito eficiente. A

    problemtica dvida da Unio com a previdncia social comea a se configurar nesse

    perodo. A Lei 159, de 1935, definira que o sistema previdencirio deveria ser

    financiado de forma tripartite, com contribuies iguais por parte de trabalhadores,

    empregadores e do Estado. Porm, o no cumprimento das obrigaes por parte do

    governo fez com que o dbito acumulado da Unio rapidamente crescesse e

    alcanasse em 1960 (valores de junho de 1998) o equivalente a R$ 5,16 bilhes.

    [Oliveira, Beltro e David (1999: 1-2)].

    A mudana do regime, de capitalizao para repartio, efetuada no incio dos

    anos 60, configura portanto uma necessidade prtica, ditada pela insuficincia de

    recursos e pela necessidade de consumir parte das reservas at ento acumuladas.

    Com base em Oliveira, Beltro e David (1999) e principalmente Pires (1995: 178-83)

    parece razovel inferir que o regime de capitalizao ento vigente, passou a se 12 Valores nominais extrados de Oliveira e Teixeira (1986: 339-340) deflacionados com o deflator

  • 16

    mostrar inadequado frente ao grande crescimento das despesas e principalmente

    acelerao inflacionria dos anos 50.

    No havia na poca um sistema financeiro estruturado, que pudesse fornecer

    ativos de longo prazo, com algum tipo de garantia contra a inflao, que somente

    entre 1950 e 1960 alcanou mais de 453%. Some-se ainda, agravando o problema, a

    inexistncia de correo monetria (criada em 1965) e a arcaica lei da usura, que

    limitava os juros em 6% ao ano. Restavam poucas alternativas razoveis de

    aplicaes. Entre elas se incluem o emprstimo dos recursos excedentes construo

    de casas populares, a compra de imveis, a aquisio de ttulos de empresas estatais,

    como CSN e Vale do Rio Doce, ou a compra de ttulos pblicos. O direcionamento

    governamental para esses ativos por vezes era uma imposio dos objetivos de

    poltica econmica, deixando em segundo plano os princpios bsicos de

    rentabilidade e liqidez13. Quando as despesas passaram a crescer, o descompasso

    entre receitas e despesas se acentuou, impondo a mudana para um regime de

    repartio.

    A medida legal mais importante do perodo a Lei 3807. Aprovada em agosto de

    1960, aps longos 14 anos de discusses, a Lei Orgnica da Previdncia Social

    (LOPS) consolidou e uniformizou as normas existentes entre os Institutos. Passaram

    a ser segurados compulsoriamente os trabalhadores autnomos e profissionais

    liberais e os empregadores (Beltro, Pinheiro e Oliveira, 2002). As alquotas de

    contribuio foram fixadas em 6% a 8%, tanto para trabalhadores, quanto para

    empregadores, com um teto de contribuio equivalente a 5 vezes o maior salrio

    mnimo do pas. De forma bastante diferente do ideal de universalizao vigente a

    partir de 1988, os beneficirios da previdncia foram definidos como todos que

    exercessem atividades remuneradas e seus dependentes.

    A LOPS bastante detalhada e completa. Em seus 183 artigos, alm da definio

    das normas referentes s contribuies e aos benefcios, o governo delimita a

    organizao dos Institutos, normatizando sua estrutura e administrao. Esta

    regulamentao torna, de uma forma que j vinha sendo h muito delineada, mais

    rgido o controle das organizaes previdencirias e centraliza a formulao de

    implcito do PIB, de Abreu (org.) (1992, apndice). 13 uma situao semelhante ao direcionamento das aplicaes dos fundos de penso das empresas estatais na dcada de 80. Matijascic (1993) descreve bem esta situao.

  • 17

    polticas de longo prazo por parte do governo. Em setembro do mesmo ano,

    complementando a LOPS, foi aprovado o Regulamento Geral da Previdncia Social.

    Apesar da abrangncia da LOPS, os trabalhadores rurais somente foram

    includos no sistema previdencirio no penltimo ano do governo Joo Goulart, em

    1963, quando foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural. No mesmo ano criado

    o salrio-famlia. No ano seguinte a vez do Fundo de Indenizaes Trabalhistas,

    que seria substitudo pelo Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS) em 1966.

    Finalizando, em 1965 cria-se o Fundo de Assistncia ao Desempregado.

    1.4) Perodo 1966-1988: unificao, expanso e crise

    A unificao iniciada em 1960 com a Lei Orgnica da Previdncia Social foi

    efetivada pelo o Decreto-Lei 66 de 21 de novembro de 1966. Este importante ato fez

    uma srie de modificaes na legislao. O salrio-de-benefcio14 definido pela

    mdia dos salrios dos ltimos 12 meses de contribuio. Estrategicamente, no h

    no decreto nenhuma meno correo dos valores salariais pelos ndices de

    inflao. No processo de expanso das atribuies so definidos tambm benefcios

    assistenciais, como a aposentadorias por invalidez e o auxlio-doena (artigo 32) e

    assistncia mdica (artigo 45). E, dando continuidade tendncia de uniformizao,

    o Decreto-Lei 72 agregou os 6 institutos de aposentadoria e penses remanescentes

    (com exceo do IPASE) e criou o Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS).

    Na posio de artfice de vrias das mudanas estruturais implantadas no

    governo Castello Branco, Campos (1994: 718), aponta 3 motivos para a unificao

    dos institutos: diminuir os custos administrativos, homogeneizar a qualidade da

    assistncia prestada e evitar que os institutos se transformassem em "feudos eleitorais

    de partidos polticos, com amplas possibilidades de corrupo".

    Com estas alteraes, gerou-se uma estrutura que basicamente se mantm desde

    ento, na qual dois sistemas previdencirios existem simultaneamente. O primeiro,

    gerido pelo INPS (ou por seus sucessores), abrange todos os trabalhadores do setor

    privado. O segundo, que abarca todos os funcionrios pblicos no vinculados

    CLT, na verdade o conjunto de todos os sistemas pblicos existentes nos nveis

    federal, estadual e municipal. A estrutura ps-unificao, ao separar definitivamente

  • 18

    funcionrios pblicos e privados, consolidou as desigualdades, caracterstica sempre

    presente em nossa previdncia.

    Com as alteraes feitas, unificou-se o custeio da previdncia, utilizando-se o

    supervit de alguns institutos para cobrir o dficit de outros. E, seguindo uma

    tendncia que j vinha sendo desenhada desde 1930, o governo assumiu o controle

    da previdncia social. Empresas e trabalhadores perderam totalmente as funes

    gerenciais que haviam tido [Oliveira et al. (1994: 4)].

    Estas medidas centralizadoras devem ser entendidas como parte de um processo

    mais amplo de endurecimento do regime militar e reduo dos direitos civis.

    Certamente houve pouco espao para que a sociedade discutisse essas alteraes,

    dado que o AI-2 em outubro de 1965 havia extinguido os partidos polticos e

    implantado o bipartidarismo. Os Decretos-Lei (forma pela qual o governo vinha

    legislando) 66 e 72 entraram em vigor cerca de um ms aps o Congresso Nacional

    ter sido fechado por 10 dias em outubro e aproximadamente dois meses antes da

    implantao da nova Constituio em janeiro de 1967.15

    A unificao dos IAPs e a criao do INPS coadunam-se com as alteraes

    empreendidas pelos governos Castello Branco e, posteriormente, Costa e Silva no

    sistema tributrio. Estas tm como caracterstica a centralizao das decises pelo

    governo federal e como objetivo a modernizao da estrutura tributria, dotando o

    pas de fontes de financiamento que pudessem estimular o crescimento econmico. O

    Ato Complementar 40 de 1968, que reduziu os repasses ao FPE e FPM, de 10 para

    5% da arrecadao do IR e do IPI marca a perda de poder tributrio de estados e

    municpios frente Unio [Varsano (1996: 9-10)].

    Este perodo marcado por vrias reformas e criao de novos rgos. O trao

    comum que a cada mudana, a previdncia se torna mais abrangente, em nmero

    de segurados, funcionrios, benefcios e, conseqentemente, em volume de recursos

    administrados. Em uma viso bastante pessimista, cada reforma uma "resposta

    mope da burocracia pouca eficcia do sistema, permeado de graves ineficincias

    funcionais e administrativas" [Carvalho e Faro (1993: 8)].

    14 Valor usado como base no clculo da aposentadoria a que o segurado tem direito. 15 Para um resumo bastante sinttico da situao poltica da poca, ver Fausto (2002).

  • 19

    O final dos anos 60 e o incio da dcada de 70 so um retrato dessas vrias

    mudanas. Em 1969 foi ampliada a previdncia rural, que seria posteriormente

    substituda pelo Pr-Rural, institudo em 1971 e regulamentado no ano seguinte.

    Schwarzer e Querino (2002: 14) assinalam que este programa, de caractersticas

    beveridgeanas, teve carter inovador, por romper o vnculo entre o esforo

    contributivo e o benefcio recebido. Como a tributao da comercializao da

    produo agrcola no era suficiente para fazer frente aos dispndios, o

    financiamento era na sua maior parte feito por meio de um acrscimo na contribuio

    patronal (mais 2,4% pontos percentuais), caracterizando assim uma espcie de

    subsdio cruzado entre os grupos urbano e rural.

    No ltimo quadrimestre de 1970 foram criados o Programa de Integrao Social

    (PIS) e o Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico (PASEP). Em

    1975 estes dois programas seriam unificados, criando-se o PIS-PASEP.

    Os empregados domsticos somente ganharam a condio de segurados em

    1972. A regulamentao da condio de autnomo ocorreu em junho de 1973 no

    governo Mdici, por meio da Lei 5890. Este relevante ato deu nova forma

    legislao previdenciria, definida at ento pela Lei 3807 de 1960 e pelos Decretos-

    Lei 66 e 72 de 1966. A Lei 5890 tornou mais ampla a definio do segurado e dos

    seus dependentes. Pela primeira vez, a companheira (se mantida h 5 anos ou mais),

    e no apenas a esposa, passou a ser includa entre os possveis dependentes. A

    extenso dos benefcios complementada pela assistncia alimentar, assistncia-

    complementar e servios de reabilitao fsica, como assistncia reeducativa e

    readaptao profissional. No tocante s contribuies, de forma semelhante ao que

    vigoraria brevemente no final da dcada de 90, j se incluem as contribuies de

    aposentados e pensionistas entre as fontes de receitas, com alquotas de 5% e 2%

    respectivamente. No entanto, esta situao durou por pouco tempo, pois o artigo 1

    da Lei 6210 de 1975, j no governo Geisel, excluiu os dois grupos de benefcirios

    do rol compulsrio de contribuintes.

    Neste mesmo ano de 1973, foram includos os jogadores de futebol. Em 1974,

    por meio da Lei 6179, foi criada a renda mensal vitalcia, destinada a amparar os

    idosos (das reas urbana ou rural) acima de 70 anos ou invlidos. O direito a este

    novo benefcio no era irrestrito. Os beneficirios deveriam ter sido filiados por no

  • 20

    mnimo 12 meses ao INPS, exercido atividade remunerada por no mnimo 5 anos

    sem serem filiados ao INPS, ou terem ingressado no INPS aps os 60 anos, sem

    terem direito aos benefcios. Esta mesma lei estendeu a estes idosos o direito

    assistncia mdica. Em 1976 os benefcios previdencirios foram estendidos ao

    empregador rural e a sua famlia.

    Para fazer frente a esta maior amplitude de obrigaes, em 1974 o Ministrio do

    Trabalho e Previdncia Social sofre uma ciso. Surgiu ento o Ministrio da

    Previdncia e Assistncia Social (MPAS), responsvel pela elaborao e execuo

    das polticas de previdncia e assistncia mdica e social. Em 1977 ocorreu a

    instituio do Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social (SINPAS). O

    objetivo era a formao de uma estrutura na qual os rgos seriam especializados por

    funo. Para atender a este direcionamento, novos rgos foram criados e outros

    tiveram suas funes redefinidas.

    O INPS passou a ser responsvel somente pela manuteno e concesso de

    benefcios. O Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social

    (INAMPS), recm-criado, ficou responsvel pela prestao de servios de assistncia

    mdica, nas reas rural e urbana. Outra autarquia nova, o Instituto da Administrao

    Financeira da Previdncia e Assistncia Social (IAPAS), passou a ser responsvel

    pela gesto administrativa, financeira e patrimonial do sistema. O componente

    assistencial ficou a cargo da Legio Brasileira de Assistncia (LBA).

    Complementando o SINPAS, foram criadas ainda a Fundao Nacional do Bem-estar

    do Menor (FUNABEM), a empresa de Processamento de Dados da Previdncia

    Social (DATAPREV) e a Central de Medicamentos (CEME), responsvel por

    distribuir medicamentos gratuitamente ou a preo de custo. Esta ltima permaneceu

    no mbito do MPAS at 1985, quando foi transferida para o Ministrio da Sade.

    Na viso de Silva e Mdici (1991: 72) estas mudanas organizacionais seriam

    fruto da percepo por parte do governo Geisel da necessidade de focar melhor as

    polticas sociais em grupos merecedores de pouca ateno at ento. Essa

    surpreendente preocupao social parcialmente corroborada pelo depoimento

    posterior do prprio Geisel em DAraujo e Castro (1997: 317).

    Ainda em 1977, a Lei 6435 foi a medida inicial cujo objetivo era regulamentar o

    funcionamento das entidades de previdncia privada abertas e fechadas. Esta lei

  • 21

    surgiu na trilha do surgimento e rpido crescimento de vrios fundos de penso

    ligados principalmente s empresas estatais. Matijascic (1993) faz um retrato

    acurado do processo de expanso destes fundos e das posteriores mudanas de

    legislao, particularmente na dcada de 80. Portocarrero (1993) aponta que a Lei

    6435 veio atrelada experincia das duas maiores entidades de previdncia ento

    existentes (Previ16 e Petros), que assim puderam facilmente se adaptar a seus termos.

    No incio dos anos 80, o INPS entrou em grave crise, que j se configurava

    desde o final da dcada anterior, dada a sensvel reduo na relao entre receitas e

    despesas. Silva e Mdici (1991) identificam razes dessa crise na grande ampliao

    do sistema feita nos anos 70, sem que fossem adotadas medidas visando maior

    eficincia, modernizao tecnolgica e implementao de novos procedimentos.

    Segundo Oliveira e Teixeira (1986), este quadro foi agravado pelo aumento da

    sonegao das obrigaes previdencirias e pela reduo das transferncias por parte

    da Unio.

    Estes problemas so um reflexo dos graves desequilbrios macroeconmicos

    pelos quais passava o pas. Em 1981, aps 38 anos de crescimento ininterrupto, o

    PIB sofreu uma abrupta queda de 3,1%, preponderantemente devido diminuio de

    10,4% no produto industrial [Abreu (org.) 1992: 408]. Neste mesmo ano, a inflao

    (como um pressgio do que seriam os anos seguintes) ultrapassou pela primeira vez a

    histrica marca de 3 dgitos, chegando a 100,7%. Certamente a conjugao desta

    acelerao nos ndices de preos e a reduo da atividade industrial, principal

    geradora de empregos no setor formal, deve ter influenciado na reduo dos salrios

    reais e, portanto, na massa de contribuies previdencirias.

    Os problemas que o INPS enfrentava nessa poca parecem ter como motivos a

    conjugao de fatores estruturais (relacionados incompatibilidade entre a expanso

    dos benefcios e as fontes de financiamento) juntamente com uma questo

    conjuntural representada pela crise econmica pela qual o pas passava no incio dos

    anos 80. O esgotamento do financiamento externo (que representara papel

    importante na dcada de 70) aliado a um desequilbrio fiscal crescente so alavancas

    do rpido aumento do endividamento do governo, que se reflete na reduo de sua 16 A Previ mais antiga que a previdncia social no Brasil. Sua antecessora, a Caixa Montepio dos funcionrios do Banco do Brasil foi fundada em 1904. A denominao Previ foi adotada apenas em 1967. [Previ (1993)].

  • 22

    capacidade de execuo de polticas de longo prazo. Para Sallum Jr. e Kugelmas

    (1991) trata-se de uma crise da forma de organizao do Estado Desenvolvimentista,

    vigente desde os anos 30. Baer (1993, cap 3), enfatizando os aspectos econmicos,

    traz um retrato bastante acurado do impacto interno do processo de ajustamento

    externo executado na primeira metade da dcada de 80. A autora mostra que de 1980

    a 1985 as dvidas interna e externa somadas do setor pblico cresceram em termos

    reais 324,04%. No mesmo perodo, as despesas com juros saltaram de 1,12% para

    4,48% do PIB, sendo 3,35% relativos dvida interna e 1,13% relativos externa.

    Para tentar reverter este quadro, nos anos seguintes foram tomadas medidas cujo

    objetivo era equilibrar as contas pblicas, por meio do aumento de receitas. No

    ltimo trimestre de 1981 por duas vezes a alquota do IPI foi majorada para uma

    srie de produtos. Em dezembro, por meio do Decreto-Lei 1911, o governo obteve

    autorizao para emisso de uma srie especial de Obrigaes Reajustveis do

    Tesouro Nacional (ORTNs), cujo objetivo era cobrir o saldo devedor da previdncia

    junto rede bancria17. Neste mesmo ano, por meio do Decreto-Lei 1910, a alquota

    de contribuio dos empregadores sofreu expressivo aumento, passando de 15,9%

    para 18,2%18. Em 1982, por meio do Decreto-Lei 1940 foi criado o Finsocial. Sua

    funo, bastante ampla, conforme definido em seu artigo 1, seria o custeio de

    investimentos assistenciais nas reas de alimentao, habitao popular, sade,

    educao e amparo ao pequeno agricultor. Os recursos seriam basicamente oriundos

    de uma alquota de 0,5% da receita bruta das instituies financeiras, seguradoras e

    empresas que comercializassem mercadorias; ou 5% do valor do imposto de renda

    devido para as empresas que comercializassem servios.

    Posteriormente, novas medidas foram tomadas, sempre buscando o equilbrio de

    curto prazo, tornando o sistema cada vez mais complexo. Agravando este quadro,

    tais medidas comearam a configurar uma inadequada tendncia que se consolidaria

    posteriormente: o uso de contribuies como fonte auxiliar de financiamento.

    Algumas, como a Contribuio provisria sobre movimentao ou transmisso de

    valores e de crditos e direitos de natureza financeira (CPMF), nascida como IPMF, 17 O valor total era de CrS 180 bilhes, equivalente a R$ 2,934 bilhes em setembro de 1999. Os ttulos eram corrigidos por 60% da correo monetria aplicvel s ORTNs e rendiam juros de 5% ao ano.

  • 23

    a Contribuio social para financiamento da seguridade social (COFINS), a

    Contribuio social sobre o lucro das pessoas jurdicas (CSLL), alm de

    apresentarem caractersticas no-progressivas, tm incidncia em cascata.

    A segunda metade dos anos 80 foi marcada pela convivncia com taxas de

    inflao bastante elevadas, que contriburam para agravar o desequilbrio das contas

    da previdncia. Como ser descrito no captulo 3, esse perodo marcado pela

    criao de indexadores e limites de contribuio de curta durao e duvidosos

    resultados. As constantes mudanas de rota na poltica econmica durante o governo

    Sarney so um retrato da reduzida capacidade de administrar de maneira adequada

    um quadro econmico turbulento em meio a um processo de transio poltica, rumo

    a um regime democrtico. razovel inferir que as constantes trocas de ministros no

    perodo agravaram os problemas gerenciais e prejudicaram a formulao adequada

    de estratgias. Entre os anos de 1985 a 1990, o Ministrio da Previdncia teve seis

    ocupantes, vrios dos quais escolhidos por critrios estritamente polticos. A

    longevidade no cargo parece no ser uma caracterstica dos responsveis pela

    previdncia. Com base em Sousa (2002), podem ser contabilizados 43 ministros

    entre 1930 e 2002. A mdia de permanncia no cargo, bastante reduzida, de cerca

    de um ano e oito meses. Obviamente, esse constante rodzio danoso concepo e

    manuteno de aes de longo prazo, essenciais a qualquer poltica previdenciria.

    Draibe (1998: 3-4) bastante crtica ao analisar o sistema de proteo social

    brasileiro (no qual se insere a previdncia) no final dos anos 80. Sua avaliao

    bastante negativa, dada a incapacidade que este apresentava de cumprir

    adequadamente suas funes. A autora cita como exemplos dos problemas existentes

    a baixa capacidade de incorporao dos grupos mais pobres, a baixa eficincia dos

    programas sociais na reduo da pobreza e da desigualdade e os problemas oriundos

    da m focalizao, que tenderam a agravar privilgios e perpetuar distores. Esta

    anlise corrobora o ponto de vista de Costa (1987). Tratando das aposentadorias por

    tempo de servio e por idade, o autor argumenta que Regime Geral de Previdncia

    Social (RGPS) do INPS no era ento, nem compensatrio, nem redistributivista. O

    sistema previdencirio funcionava, em seu ponto de vista, de maneira inadequada,

    reproduzindo a desigualdade de renda do pas.

    18 As Tabelas 3.2 e 3.16 do captulo 3 apresentam, respectivamente, os valores das alquotas de contribuio definidas pela legislao e as alquotas efetivamente pagas.

  • 24

    1.5) Perodo 1988-1999: universalizao e reforma; um processo inconcluso

    Este perodo inicia-se em 1988, com a promulgao da Constituio. Esta

    representa uma mudana da postura dos legisladores frente s questes sociais. H

    uma manifesta preocupao em tentar garantir o acesso de toda populao ao

    conjunto de direitos sociais. No intuito de conceber uma estrutura legal que norteasse

    o atendimento a essas necessidades, o artigo 194 da Constituio cidad19 (conforme

    o epteto da poca) apresenta o ento inovador conceito de Seguridade Social. Este

    se refere a um conjunto integrado de aes governamentais e da sociedade visando

    assegurar os direitos nas reas de sade, previdncia e assistncia social. A

    seguridade social passou a ser organizada de acordo com os seguintes objetivos

    [Brasil (2003)]:

    Universalidade da cobertura e do atendimento;

    Uniformidade e equivalncia dos benefcios e servios s populaes urbana e

    rural;

    Seletividade e distributividade na prestao dos benefcios e servios;

    Irredutibilidade do valor dos benefcios;

    Eqidade na forma de participao no custeio;

    Diversidade da base de financiamento;

    Carter democrtico e descentralizado da gesto administrativa, com a

    participao da comunidade, em especial de trabalhadores, empresrios e

    aposentados.

    Por um lado, esta nova concepo, ao ser implementada, gerou inequvocos

    ganhos de bem-estar para vrios grupos, como a populao rural. Por outro, tambm

    contribuiu para agravar o desequilbrio entre receitas e despesas do INPS. A

    habilidade em criar novos direitos (e despesas) no foi acompanhada, com anloga

    competncia, na criao de obrigaes (e fontes de financiamento) compatveis.

    Igualmente problemtico foi o desenho de seguridade que emergiu do processo

    poltico que deu origem nova Constituio. Carbone (1994: 116), de forma

  • 25

    otimista, aponta que o modelo de proteo social d uma "expectativa de direitos

    sociais" aos indivduos. Porm, pouco vale essa suposta "expectativa" se no foram

    gerados recursos adequado a sua concretizao.

    Contemporaneamente promulgao da Constituio, no final dos anos 80,

    vrias medidas foram tomadas no sentido de aumentar as receitas, tanto destinadas

    recm-criada seguridade, quanto previdncia social. Essa necessidade de aumento e

    diversificao das fontes de financiamento era um claro indicador da inconsistncia

    entre o volume de recursos arrecadado e os benefcios prometidos por um sistema de

    seguridade cada vez mais agigantado. No ms de dezembro de 1988 a Lei 7689 criou

    CSLL, com alquota de 8%, que, menos de 1 ano depois, seria elevada para 10%20.

    Em 1989, a alquota de contribuio patronal foi elevada de 18,2% para 20% e

    imps-se uma sobrealquota de 2,5 pontos percentuais sobre as instituies

    financeiras21. E, em novembro do mesmo ano, no ocaso do governo Sarney, a

    alquota do Finsocial foi elevada de 0,5% para 1% da receita bruta das empresas

    comerciais, instituies financeiras e seguradoras.

    No ano seguinte, j no efmero governo Collor, extinguiu-se o Ministrio da

    Previdncia e Assistncia Social. A previdncia, na forma de secretaria, foi

    incorporada ao recm-criado Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social

    (MTPS). A rea assistencial passou para o mbito do Ministrio da Ao Social e a

    rea mdica para o Ministrio da Sade, assim como o INAMPS. As mudanas

    atingiram tambm o INPS e IAPAS, que se fundiram, dando origem ao INSS.

    As dificuldades de financiamento da seguridade social motivaram a criao de

    mais uma fonte de financiamento. Em dezembro de 1991, a Lei Complementar 70,

    criou a Cofins.22. Com alquota de 2%, incide sobre o faturamento mensal das

    empresas.

    O impacto das modificaes implementadas pela constituio de 1988 no se fez

    sentir de imediato, pois estas dependiam da aprovao da regulamentao especfica,

    19 A constituio de 1988 a primeira a tratar da aposentadoria dos funcionrios do setor privado. Todas as anteriores (1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967) faziam referncias apenas s aposentadorias dos servidores pblicos. 20 Posteriormente, a Lei 9316 de 1996 elevou novamente a alquota a 18%. 21 Sobre este ponto, ver a Tabela 3.4 do captulo 3. 22 A criao da Cofins baseia-se no artigo 195 da Constituio, que previa o financiamento da seguridade social por toda a sociedade em geral, e por parte dos empregadores em particular, por meio de contribuies sobre os salrios, faturamento e lucro.

  • 26

    por meio da legislao ordinria. Isto, como tradio na histria da previdncia

    social, demorou a se concretizar e s aconteceu no comeo da dcada seguinte. Em

    1990, a Lei 8112 instituiu o regime nico dos servidores da Unio, autarquias e

    fundaes federais. Foi o passo inicial de uma srie de medidas destinadas a

    disciplinar o sistema previdencirio dos servidores pblicos. Este ponto, que at

    ento havia recebido pouca ateno, iria se constituir nos anos seguintes em um dos

    mais relevantes temas para as finanas pblicas do Brasil.

    A importante Lei 8212 de 24 de julho de 1991 instituiu o plano de custeio da

    seguridade social do RGPS. Segundo esta lei, a seguridade social deveria ser

    financiada pela sociedade (direta ou indiretamente), atravs de recursos provenientes

    de municpios, estados, Distrito Federal, Unio e contribuies sociais. Um ponto

    interessante que esta lei coloca a Unio como responsvel por aportes financeiros

    desde que a insuficincia de recursos se d no pagamento de prestaes continuadas

    da previdncia. Deste modo, ficam excludas as reas de sade e assistncia social. J

    a Lei 8213, promulgada na mesma data, estabelece o plano de benefcios da

    previdncia social.

    Conforme citado anteriormente, as alteraes originadas da Constituio de 1988

    s comearam a ter efeitos mais concretos para o INSS a partir de 1992, aps a

    regulamentao por meio das Leis 8212 e 8213. A melhoria das condies de vida e

    a reduo da pobreza no meio rural nos anos 90 so, em parte, explicadas por trs

    importantes alteraes na previdncia rural. A primeira o aumento do piso de

    benefcio, que dobrou, passando de 0,5 para 1 salrio mnimo. Com isso

    aumentaram-se os valores das aposentadorias e penses, estas ltimas antes limitadas

    a 30% do benefcio principal. A segunda mudana que ambos os cnjuges

    passaram a ter direito ao benefcio, possibilidade anteriormente limitada a somente

    um deles, usualmente o marido. A terceira alterao a reduo em cinco anos nas

    idades mnimas para aposentadoria por idade, que passaram a ser de 60 anos para os

    homens e 55 anos para as mulheres. Delgado e Cardoso Jr. (1999), Beltro, Oliveira

    e Pinheiro (2000), Silva e Delgado (2000) e Silva (2000) so alguns trabalhos que

    estudam essas mudanas na rea rural.

    A maior generosidade na concesso de benefcios rurais pode ser vista nas

    Tabelas 1.3 e 1.4, que mostram, respectivamente, o fluxo de novos benefcios rurais

  • 27

    e urbanos e a quantidade de benefcios em manuteno. A diferena de fluxos alterou

    a composio do estoque, ou seja, o nmero de beneficirios. No perodo 1990-1994,

    o nmero de benefcios rurais em manuteno elevou-se em 48,43%. Em que pese a

    concesso de benefcios urbanos tambm ter crescido, a parcela de benefcios rurais

    aumentou de 34,71% para 40,79% do total.

    Tabela 1.3 Fluxo de novos benefcios urbanos e rurais

    1990-1994

    Ano Benefcios rurais novos Benefcios urbanos novos 1990 414.847 975.846 1991 280.703 1.079.195 1992 797.185 1.189.945 1993 1.124.682 1.320.883 1994 618.430 1.462.723

    Fonte: MPAS (2001)

    Tabela 1.4

    Estoque de benefcios urbanos e rurais em manuteno 1990-1994

    Ano Benefcios rurais Benefcios urbanos Total

    Nmero % Nmero % Nmero % 1990 4.329.345 34,71 8.144.393 65,29 12.473.378 100,00 1991 4.101.366 32,46 8.534.205 67,54 12.635.571 100,00 1992 5.005.727 36,51 8.704.040 63,49 13.709.767 100,00 1993 6.046.648 39,99 9.075.487 60,01 15.122.135 100,00 1994 6.426.147 40,79 9.327.033 59,21 15.753.180 100,00

    Fonte: MPAS (2001)

    Este incremento nas quantidades e valores dos benefcios enfatizou o papel

    social da previdncia para reduzir a pobreza e melhorar as condies de vida na rea

    rural. A importncia da previdncia como componente da renda dos domiclios

    cresceu de maneira expressiva.

    A tentativa de reestruturar a previdncia social, iniciada com as Leis 8212 e 8213

    se estende pelo perodo 1992-1994. Estes anos podem ser caracterizados pelo

    reduzido nmero de mudanas estruturais e por iniciativas no sentido aperfeioar os

    controles gerenciais e os procedimentos administrativos. Segundo Mdici e Marques

  • 28

    (1994: 3-6), o sistema se tornou mais eficiente, pelo combate s fraudes, aumento da

    capacidade de arrecadao e negociao de dvidas. No entanto, tais medidas

    mostraram-se insuficientes para fazer frente ao incremento das despesas. Dado esse

    desacerto, a busca do equilbrio entre receitas e despesas teve como um de seus

    instrumentos a eliminao de repasses para a rea de sade a partir de julho de 1993.

    Em novembro de 1992, j no Governo Itamar Franco, o Ministrio do Trabalho e

    da Previdncia Social foi novamente desmembrado e voltou a ser designado

    Ministrio da Previdncia Social. Em 1995, no comeo do primeiro governo

    Fernando Henrique Cardoso, mais uma mudana alterou a designao e as

    atribuies do Ministrio, que passa a ser denominado Ministrio da Previdncia e

    Assistncia Social (MPAS), forma que se mantm at o incio do sculo XXI. Estas

    freqentes alteraes na vinculao e nas atribuies do rgo responsvel pela

    questo previdenciria no final dos anos 80 e incio da dcada de 90 podem ser

    consideradas um reflexo da situao econmica do pas que, enfronhado em uma

    inglria luta contra as altas taxas de inflao, no havia tratado de maneira adequada

    as questes estruturais de longo prazo.

    No governo FHC, particularmente no primeiro mandato, entre 1995 e 1998, fica

    evidente o descompasso entre os bons resultados obtidos no processo de

    estabilizao econmica e os reduzidos progressos obtidos no aperfeioamento do

    regime previdencirio. A persistncia de baixas taxas de inflao a partir de 1995

    enfatizou essa dicotomia e tornou mais transparente o desajustamento entre receitas e

    despesas da previdncia social. Uma combinao de escassa habilidade poltica (ou

    reduzida determinao) governamental e elevado poder de reao de alguns grupos

    contrrios impediu a concretizao da to aguardada reforma previdenciria, apesar

    deste tema ter se mantido nas primeiras pginas da agenda poltica nos oito anos do

    governo FHC. Um fator importante para explicar essa inrcia talvez tenha sido o fato

    de o governo no conseguir transmitir com clareza para a sociedade qual o modelo

    previdencirio desejado. Esta falta de definio dos rumos a serem seguidos

    certamente reduziu o nmero de aliados nessa difcil empreitada. Coutinho (1998:

    12) aponta como fatores restritivos reforma a fragmentao do apoio poltico (o

    que torna difcil o embate do governo com as coalizes de resistncia) e o fato dos

    benefcios oriundos serem dispersos e se materializarem apenas no longo prazo.

  • 29

    Coelho (1999) desenvolve argumento semelhante, enfatizando as disputas pelo poder

    entre os diferentes grupos do poder executivo.

    Concomitantemente s prolongadas discusses sobre alteraes no INSS, o

    regime previdencirio dos servidores pblicos, seus privilgios, diferenas em

    relao ao RGPS e seu enorme desequilbrio atuarial ganharam relevncia da agenda

    do pas. A Lei 9630 de abril de 1998 uma tentativa de regulamentar e uniformizar

    alquotas e regras de contribuio dos funcionrios pblicos civis da Unio,

    autarquias e fundaes. Esta lei define uma alquota de 11% para as contribuies

    dos funcionrios pblicos das trs esferas de governo.

    Sua vigncia foi bastante reduzida. No processo de mudana de rumos da

    poltica econmica desencadeado pela desvalorizao cambial do incio de 1999 e da

    premente necessidade de uma poltica fiscal mais restrita, foi sancionada a Lei 9783

    de 28 de janeiro de 1999. Por meio deste polmico ato definiu-se que os aposentados

    e pensionistas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio tambm passariam a

    contribuir para o financiamento de seu regime previdencirio, com base em uma

    alquota de contribuio bsica de 11% sobre o valor total da aposentadoria ou

    penso. Alm disso, seu artigo 2 definia sobrealquotas temporrias23 de 9%,

    incidindo sobre a faixa salarial entre R$ 1200,00 e R$ 2500,00 e de 14% para

    salrios acima de R$ 2500,00. Talvez j prevendo a reao que tal medida geraria,

    tornou-se isenta de contribuio a parcela da aposentadoria ou penso inferior a R$

    600,00, valor este aumentado para R$ 3000,00 quando o servidor fosse aposentado

    por invalidez ou tivesse mais de 70 anos.

    Cedendo forte presso do funcionalismo pblico, a Lei 9988 de 19 de julho de

    2000, em seu artigo 7, revogou as sobrealquotas temporrias. A mesma lei tambm

    decretou a devoluo aos funcionrios e beneficirios dos valores cobrados a mais no

    curto perodo de existncia de cobrana adicional, que nem chegou a seis meses.24

    Em novembro de 1999, visando