um estudo do léxico em matéria de poesia, de manoel de barros

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UM ESTUDO DO LÉXICO EM MATÉRIA DE POESIA, DE MANOEL DE BARROS Igor Iuri Dimitri Nakamura¹ e Rauer Ribeiro Rodrigues² ¹ Aluno do curso de Letras da UFMS, bolsista de Iniciação Científica CNPq PIBIC 2014/15 ² Professor da UFMS, campus do Pantanal, e-mail: [email protected] Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise da linguagem poética da obra Matéria de poesia, de Manoel de Barros, tendo como fundamentação teórica os estudos da lexicologia. Para tanto, elaborou-se um levantamento das lexias trabalhadas estilisticamente pelo poeta no referido corpus e, em seguida, criou-se um glossário com elas organizadas segundo critérios semasiológicos. Encontraram-se ao todo 12 lexias, das quais se classificaram 7 neologismos, 4 regionalismos e 1 gíria. Os resultados atestam que o exercício linguístico de invenção e reinvenção do discurso poético do autor constitui uma atmosfera própria, permeada pela cultura e costumes da gente pantaneira sul-mato-grossense e pelas coisas tradicionalmente concebidas como inúteis. Conclui-se que o estilo empregado pelo poeta justifica a sua originalidade enquanto criador de um universo verbal e imagético. Palavras-chave: poesia, estilo, linguagem INTRODUÇÃO Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá em 19 de dezembro de 1916, e passou a infância em Corumbá, na fronteira do Pantanal com a Bolívia. Na juventude, estudou em colégios internos no Rio de Janeiro, bacharelou-se em direito e integrou o Partido Comunista por um curto período. Após alguns anos, mudou-se para a fazenda de seu pai em Campo Grande, onde passou a maior parte da sua vida, compondo as suas poesias, iniciando a sua carreira poética em 1937, com Poemas concebidos sem pecado, embora fosse reconhecido pela crítica somente décadas mais tarde. Manoel de Barros faleceu em 13 de novembro de 2014, deixando um legado extraordinário para a poesia brasileira contemporânea, com dezenas de livros publicados, entre os quais, a obra Matéria de poesia. Sendo o sexto livro da carreira do poeta, Matéria de poesia foi publicado pela primeira vez em 1970. A obra estrutura-se em três poemas: o primeiro, homônimo ao título do livro, o segundo intitulado Como os loucos de água e estandarte e o último, Aproveitamento de materiais e passarinhos de uma demolição. Já a sua temática central se configura no exercício poético e metalinguístico envolvendo objetos e pessoas que sob o olhar corriqueiro e paradigmático da lógica e da realidade factual não apresentam poeticidade alguma, mas que

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Page 1: Um estudo do léxico em Matéria de poesia, de Manoel de barros

UM ESTUDO DO LÉXICO EM MATÉRIA DE POESIA, DE MANOEL DE BARROS

Igor Iuri Dimitri Nakamura¹ e Rauer Ribeiro Rodrigues²

¹ Aluno do curso de Letras da UFMS, bolsista de Iniciação Científica CNPq – PIBIC 2014/15

² Professor da UFMS, campus do Pantanal, e-mail: [email protected]

Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise da linguagem poética da obra

Matéria de poesia, de Manoel de Barros, tendo como fundamentação teórica os estudos da

lexicologia. Para tanto, elaborou-se um levantamento das lexias trabalhadas estilisticamente

pelo poeta no referido corpus e, em seguida, criou-se um glossário com elas organizadas

segundo critérios semasiológicos. Encontraram-se ao todo 12 lexias, das quais se

classificaram 7 neologismos, 4 regionalismos e 1 gíria. Os resultados atestam que o exercício

linguístico de invenção e reinvenção do discurso poético do autor constitui uma atmosfera

própria, permeada pela cultura e costumes da gente pantaneira sul-mato-grossense e pelas

coisas tradicionalmente concebidas como inúteis. Conclui-se que o estilo empregado pelo

poeta justifica a sua originalidade enquanto criador de um universo verbal e imagético.

Palavras-chave: poesia, estilo, linguagem

INTRODUÇÃO

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá em 19 de dezembro de 1916, e

passou a infância em Corumbá, na fronteira do Pantanal com a Bolívia. Na juventude, estudou

em colégios internos no Rio de Janeiro, bacharelou-se em direito e integrou o Partido

Comunista por um curto período. Após alguns anos, mudou-se para a fazenda de seu pai em

Campo Grande, onde passou a maior parte da sua vida, compondo as suas poesias, iniciando a

sua carreira poética em 1937, com Poemas concebidos sem pecado, embora fosse reconhecido

pela crítica somente décadas mais tarde. Manoel de Barros faleceu em 13 de novembro de

2014, deixando um legado extraordinário para a poesia brasileira contemporânea, com

dezenas de livros publicados, entre os quais, a obra Matéria de poesia.

Sendo o sexto livro da carreira do poeta, Matéria de poesia foi publicado pela primeira

vez em 1970. A obra estrutura-se em três poemas: o primeiro, homônimo ao título do livro, o

segundo intitulado Como os loucos de água e estandarte e o último, Aproveitamento de

materiais e passarinhos de uma demolição. Já a sua temática central se configura no exercício

poético e metalinguístico envolvendo objetos e pessoas que sob o olhar corriqueiro e

paradigmático da lógica e da realidade factual não apresentam poeticidade alguma, mas que

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durante o exercício linguístico do fazer literário se transformam em matéria, isto é, em objetos

para a poesia. Percebe-se isto em toda a obra, como se esboçam nos seguintes versos:

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma

e que você não pode vender no mercado

como, por exemplo, o coração verde

dos pássaros,

serve para a poesia

As coisas que os líquenes comem

– sapatos, adjetivos –

têm muita importância para os pulmões

da poesia

(...)

Pessoas desimportantes

dão para poesia

qualquer pessoa ou escada

(BARROS, 2013, p. 136)

Nota-se, pois, uma relação entre a linguagem e a matéria de poesia expressa pela voz

do eu poético. Os elementos linguísticos como a metaforização do natural e a ilógica textual e

imagética transfiguram o significado na apresentação dos referenciais, ao mesmo passo que

constituem esteticamente o espaço pantaneiro sul-mato-grossense. Além disso, o trabalho

poético de invenção de vocábulos, como o termo “desimportantes”, reforça a temática central

do livro. Logo, tem-se uma construção poética pautada no exercício verbal de caráter

disforme e inventivo, isto é, livre das regras tradicionais da língua e inovador, e que se realiza,

numa unicidade entre a forma e o conteúdo, na composição da obra.

Tratando-se de poesia, Friedrich (1978, p. 17-8) observa que a lírica moderna passa

por uma série de transformações, envolvendo o significado, a sintaxe, a comparação e a

metáfora nos quais as naturezas do irreal e do real se fundem. Deste modo, a poesia de

Manoel de Barros, elaborada nos séculos XX e XXI, se enquadra como propulsora dessas

transformações, de tal modo que:

(...) é feita de rupturas, frases fragmentadas, montagens insólitas, metáforas

inusitadas, complexas e incongruentes. As categorias gramaticais são subvertidas,

adquirem valor diferente, ditadas não por regras estabelecidas, mas pela necessidade

de traduzir a realidade em uma nova semântica. O poeta estabelece relações

inesperadas entre as palavras, instaura ambiguidades que se enraízam na

desestabilização dos sentidos. Assim, apresenta uma linguagem fora do

pragmatismo dos padrões linguísticos convencionais e sua poesia surge como

festejos de linguagem. (GRÁCIA-RODRIGUES, 2006, p. 95)

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Sendo assim, a poesia manoelina constrói um vocabulário próprio, pelo no qual “o

poeta zarpa para ousadas combinações, sonoridades e neologismos” (WALDMAN, 1996, p.

29). Deste modo, toda a linguagem poética de Manoel de Barros discorre para um processo

recorrente de formação de palavras, a neologia, cujos resultados são as mudanças de

significado e criação de novos vocábulos, como os neologismos e as onomatopeias e etc.

Alves (1994) distingue os seguintes processos de criação neológica: neologia

fonológica, semântica e sintática (derivação prefixal e sufixal, composição e etc.). Segundo a

estudiosa, os neologismos fonológicos são aqueles que se originam independentes de

significante e significado, enquanto os neologismos semânticos são aqueles cujo significado é

inédito, mas sua unidade lexical se mantém e, por sua vez, os neologismos sintáticos são os

que se originam por meio de uma combinação de morfemas já existentes, como prefixos e

sufixos, do qual se têm os neologismos por derivação prefixal e sufixal respectivamente.

Assim, o vocábulo “desimportantes” é uma criação neológica própria do vocabulário de

Manoel de Barros, com significação inédita.

Já a mudança do significado de um vocábulo se dá por intermédio da transposição do

seu significado conceptual, de natureza lógica, para um significado associativo ou temático

por meio do ambiente em que ele é situado (BIDERMAN, 2001). Assim, em Manoel de

Barros, a realidade construída pela ambientação poética, na qual os vocábulos são situados,

constrói uma natureza léxico-semântica esteticamente elaborada para estes, paralelamente à

sua consolidação enquanto pano de fundo de toda a poesia do autor.

Logo, as formas linguísticas presentes no estilo de Manoel de Barros são recursos de

natureza literária com valor léxico-semântico esteticamente trabalhado pelo poeta na

construção da sua obra. Ponderando tais observações, fez-se necessário a elaboração deste

trabalho, cujo objetivo é analisar o vocabulário empregado pelo autor em Matéria de poesia,

tendo como base os estudos da lexicologia (ALVES, 1994) e da léxico-semântica

(BIDERMAN, 2001) e os estudos da linguagem poética de Manoel de Barros (GRÀCIA-

RODRIGUES, 2006).

METODOLOGIA

A pesquisa se realizou através de três etapas distintas e complementares, sendo elas:

levantamento bibliográfico, recolhimento lexical e elaboração do glossário. Distintas, pelo

fato de não se intercalarem, isto é, de serem visíveis no desenvolvimento deste trabalho, e

complementares pelo fato de cumprirem com os pressupostos teóricos coerentemente. Assim,

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toda a metodologia forneceu um leque de opções de caminhos a serem trilhados durante a

pesquisa, desde a elaboração de seu arcabouço teórico à sua conclusão.

A fase de levantamento bibliográfico se deu após a leitura do corpus. Nela enfatizou-

se, inicialmente, como objeto o léxico na poesia de Manoel de Barros, com o objetivo de

abstrair uma noção inicial acerca das discussões da recepção crítica ao autor. Como

resultados, obtiveram-se os estudos de Waldman (1992) e Grácia-Rodrigues (2006), além do

trabalho de Hugo Friedrich (1978). Em seguida, prosseguiu-se o levantamento, mas desta vez

enfatizando os estudos da área da lexicologia, dos quais emergiram os trabalhos de Alves

(1994) e Biderman (2001).

Na fase de recolhimento lexical, buscou-se observar os vocábulos do corpus

esteticamente modificados, nos âmbitos do significado ou da forma, tendo como ferramenta

de consulta o dicionário de Houaiss e Villar (2009), ao qual se trabalhou a técnica de

comparação entre o significado para com a sua designação, quando existente.

Em seguida, efetuou-se uma conceituação proximal dos vocábulos, de acordo com a

semasiologia, isto é, com ênfase na significação para a estruturação do significado

(BIDERMAN, 2001, p. 199). Isto, de modo que se distanciasse do significado conceptual e se

embasasse nos significados associativos e na significação temática (idem, ibidem, p. 189), ou

seja, na organização do significado inserido em um contexto.

Paralelamente, classificou-se vocábulo por vocábulo de acordo com a taxonomia do

processo de criação de palavras, em que se têm neologismos (fonológicos, semânticos,

sintáticos por prefixação ou sufixação), regionalismos, arcaísmos, empréstimos e

estrangeirismos e outras formas linguísticas (ALVES, 1994).

A estruturação dos verbetes do glossário se realizou pautada no modelo do dicionário

de Houaiss e Villar (2009). Deste modo, apresentou-se cada verbete por meio de uma palavra

de entrada contendo o vocábulo, destacado com fonte em maiúsculo e em negrito, sucedida

pela formação mórfica do vocábulo entre parênteses e da classe de palavras a qual ele

pertence, de forma abreviada e em itálico. Seguindo essa sequência, apresentou-se o

significado do vocábulo, com algumas observações quando necessário e depois se expôs um

recorte da citação em que ele aparece no corpus.

Fez-se necessário também a criação de uma listagem com abreviaturas e siglas de

termos responsáveis pela organização dos verbetes. Para termos simples, abreviou-se

utilizando as primeiras letras em itálico. Já para termos compostos, abreviou-se utilizando a

letra inicial de cada termo e em itálico também. Para a enumeração de entrada dos

significados dos verbetes, quando existente, utilizou-se fonte em negrito.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Realizadas as fases delineadas pela metodologia pressuposta para a execução da

pesquisa, obtiveram-se ao todo 10 vocábulos estilisticamente modificados no corpus Matéria

de poesia, dentre os quais 05 neologismos, 05 regionalismos e 05 arcaísmos. Assim sendo,

segue-se o glossário, contendo os vocábulos transformados em verbetes, do livro Matéria de

poesia, de Manoel de Barros, precedido de suas notas e de suas abreviaturas e siglas.

Glossário de Matéria de poesia, de Manoel de Barros

Quadro 1. Notas

Notas

Palavras de entrada distribuídas em ordem alfabética, em negrito e maiúsculo;

Formação morfológica da lexia entre colchetes, em negrito dividida segundo a sua construção

neológica;

Classificação da lexia entre colchetes e em itálico sucedida por duas barras;

Significado da lexia após a classe gramatical;

Classe gramatical em itálico e abreviada, antecedendo a citação da lexia pelo autor na obra;

Citações da lexia nas obras do autor em itálico sucedidas por um travessão e por barra única em caso

de separação de versos.

Quadro 2. Abreviaturas e siglas

Abreviaturas e Siglas

adj.= adjetivo

adv.= advérbio, adverbal

brasil.= Brasil, brasileiro, brasileirismo

c.f.= conferir

comp.= composição, composto

deriv.= derivação, derivado

gír.= gíria

geog.= geografia, geográfico

i.e.= isto é

MP= Matéria de poesia

neol.= neologismo, neológico

Obs.= observação, observar

p.= página

parass.= parassíntese, parassintético

pref.= prefixação, prefixo, prefixal

prep.= preposição

reg.= região, regionalismo, regional

sem.= semântica, semântico

s.f.= substantivo feminino

s.m.= substantivo masculino

suf.= sufixação, sufixo, sufixal

Var.= variação, variado, variante

v.i.= verbo intransitivo

v.t.= verbo transitivo

BRENHENTAS. [neol. deriv. suf.// brenh + entas] adj. Qualidade de labirinto. Obs.: O

poeta se refere à linguagem de Mário-pega-sapo como “fala de furas brenhentas” e “nua”, no

qual se subentende furnas como “gruta” e brenhentas – derivado de brenha, i.e., “bosque”,

“floresta”, criando a sensação de uma fala desconexa e profunda, mas que é despida,

compreensível para as “crianças e as putas do jardim”. – A fala de furnas brenhentas de

Mário-pega-sapo era nua (MP, p. 138).

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CORGOS. [Var. geog. reg.] s.m. Variante de córrego. – Viram casos de ostras em canetas / e

ajudaram as aves na arrumação dos corgos (MP, p. 139).

DESCANGOTADOS. [neol. sem.] adj. Deslumbrado. Obs.: O adjetivo “descangotado”

deriva do verbo “descangotar”, i.e., quebrar o pescoço e, por meio disso, Manoel de Barros

causa simultaneamente uma sensação de inércia e deslumbramento ao adjetivar o substantivo

“sapos” com o referido termo, sucedido pelo complemento “de luar”. Obs.: Embora possa

parecer um elemento de uma metaforização, “descangotados” é um neologismo semântico por

manter a forma (significante) e alterar o seu conteúdo significativo (c.f. GUILBERT, 1975

apud ASSIRATI, 1998, p. 122) – Só um poço merejava fora dele / e sapos descangotados de

luar (MP, p. 141).

DESIMPORTANTES. [neol. deriv. pref.// des + importante] s.m. Significa pessoa sem

importância, sem status social. Obs.: O poeta se utiliza do prefixo “–des” como forma de

inversão do significado conceptual (c.f. BIDERMAN, p. 189), i.e., principal explicitado na

palavra (c.f. GRÁCIA-RODRIGUES, p. 170) e, por isso, o termo “desimportantes” se refere a

pessoas sem a equivalente e reconhecida importância social exercida, ao homem simples e

rude, enfim, àqueles que compõem a base da pirâmide econômica. – Pessoas desimportantes /

dão para poesia (MP, p. 137).

GERAL. [gír.] s.f. O mesmo que “a todos”. – Cada coisa sem préstimo / tem seu lugar / na

poesia ou na geral (MP, p.136).

EMPERNAVA. [neol. deriv. parass. // em + pern + ar] v.t. Baldear, cercar. Obs.: O autor

transforma um substantivo em verbo por intermédio de um processo de derivação para

produzir a imagem de um rio abraçando as casas, aumentando assim a atmosfera pantaneira

que envolve os seus habitantes. – O rio empernava as casas (MP, p. 149).

EMPÓS. [Var. geog. reg.] prep. Variação de após. – Só empós de virar traste que o homem é

poesia... (MP, p. 143).

MÁRIO-PEGA-SAPO. [neol. comp.] sub.próp. Trata-se da criação de um substantivo

próprio para a personagem homônima. Obs.: O poeta se utiliza das qualidades naturalizadas

pela personagem para nomeá-la. – A fala de furnas brenhentas de Mário-pega-sapo era nua

(MP, p. 138).

NIM. [Var. geog. reg.] prep. O mesmo que “em”. – Jogar pedrinhas nim moscas... (MP, p.

138).

RIACHOSO. [neol. deriv. suf. // riach + oso] adj. O poeta se refere a um admirador do

cantar dos sapos. Obs.: Trata-se do processo de naturalização com a região pantaneira pelo

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qual algumas personagens passam. – Que um homem riachoso escutava os sapos (MP, p.

139).

SEMENTAVA. [neol. deriv. suf. // sement + ar] v.i. O mesmo que germinar. Obs.: O poeta

relaciona o caranguejo, crustáceo comum em regiões úmidas como o Pantanal, com a poesia

representada pela figura da harpa, reforçando a ideia do objeto do fazer poético. – Um

caranguejo curto sementava entre harpas (MP, p. 148).

TERÉNS. [reg. brasil.] s.m. Coisa ou objeto. Obs.: Segundo consta nas abreviaturas de

Houaiss (2009), tal vocábulo se trata de um brasileirismo informal. – Nos versos mais

transparentes enfiar pregos sujos, teréns de rua / e de música (MP, p. 138).

Os vocábulos apresentados representam, de um modo geral, uma projeção do

espaço pantaneiro sul-mato-grossense. As variações regionais e as gírias se configuram como

mecanismos de mimetização da fala do homem pantaneiro como um registro discursivo em

que se mesclam a sua cultura e costumes. Já por outro lado, os neologismos se apresentam

como formas linguísticas de natureza léxico-semântica que extravasam a linguagem

mimetizada e constituem o processo de criação verbal esteticamente construídos enquanto

objeto do fazer literário.

Ressaltando que, em Matéria de poesia, a reflexão do fazer poético constitui a

temática central, o que se tem é a expressão da introspecção metalinguística de um eu poético

por meio do discurso do qual emerge o exercício linguístico enquanto representação fiel dos

objetos de construção poética, ou melhor, das matérias pela qual se faz a poesia simples, mas

inovadora e própria, de Manoel de Barros.

CONCLUSÃO

A variedade lexical no estilo poético de Manoel de Barros, apresentada no corpus

Matéria de poesia, atesta a invencionice estilística verbal do autor. O poeta, num intenso

trabalho linguístico, se utiliza da palavra, da ruptura gramatical, das desconcertantes

construções metafóricas, para expressar o regionalismo e a simplicidade do povo sul-mato-

grossense. Portanto, essa linguagem (re)inventada, enquanto objeto de construção poética,

projeta um universo próprio, permeado de coisas inúteis e de gente simples que, ao olhar

comum, não têm valor poético, mas, como matéria para uma poesia mimetizada, são as mais

puras representações dos costumes e valores das terras pantaneiras sul-mato-grossenses, assim

como acrescem ao fazer poético de Manoel de Barros um tom de originalidade.

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BIBLIOGRAFIA

ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994.

ASSIRATI, Elaine Therezinha. Neologismos por empréstimo na informática. Alfa. São

Paulo, n. 42. 1998. p. 121-145. Disponível em:

<http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/viewFile/4047/3711>; Acesso em 12 de set. 2014.

BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: LeYa, 2013.

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. O significado. A estruturação do léxico. In:______.

Teoria linguística: teoria lexical e linguística computacional. São Paulo: Martins Fontes,

2001, p. 187-202.

GRÁCIA-RODRIGUES, Kelcilene. De corixos a veredas: a alegada similitude entre as

poéticas de Manoel de Barros e Guimarães Rosa. Araraquara, 2006. 318 f. Tese (Doutorado,

Estudos Literários) – Faculdade de Ciências e Letras, UNESP.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do

século XX. trad. Marise Curioni e Dora da Silva. São Paulo: Duas Cidades, 1978.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.

Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009.

WALDMAN, Berta. A poesia ao rés do chão. In: BARROS, Manoel de. Gramática

expositiva do chão: poesia quase toda. Rio de Janeiro: Civilização, 1992, p. 11-32.