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CRISTIANE RAMOS DE MATOS MARÇAL UM ESTUDO DE SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA: JOVENS E SUAS NOÇÕES DE DEMOCRACIA E CIDADANIA Monografia apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos como um dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. São Carlos 2004

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CRISTIANE RAMOS DE MATOS MARÇAL

UM ESTUDO DE SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA:

JOVENS E SUAS NOÇÕES

DE DEMOCRACIA E CIDADANIA

Monografia apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos como um dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

São Carlos 2004

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CRISTIANE RAMOS DE MATOS MARÇAL

UM ESTUDO DE SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA:

JOVENS E SUAS NOÇÕES

DE DEMOCRACIA E CIDADANIA

Monografia apresentada ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos como um dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Área de concentração : Psicologia do Desenvolvimento

Orientadora: Profª Drª Tânia Maria Santana de Rose

São Carlos 2004

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Este trabalho é dedicado a todos que

acreditam que a mudança deve partir

de cada um e que não desistem fácil!

“Você deve ser aquilo que deseja ver

no mundo” Ghandi.

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Agradecimentos

À minha orientadora Tânia Maria Santana de Rose, pela dedicação, carinho

e por ter acreditado e incentivado este trabalho, mesmo com todas as dificuldades

encontradas.

À minha eterna companheira de luta e reflexão, Lívia Midori Okino Yoshikai,

que com perseverança e serenidade não me deixava desanimar e sempre

mostrava a luz no fim do túnel. Por todos os anos de companheirismo, amizade,

respeito e mútua admiração, que sempre me provocaram reflexões que ainda me

ajudam a crescer sempre.

A minha família. Ao meu pai, Armindo Tomé de Matos Marçal, por ter me

questionado sempre, me fortalecendo e me permitindo crescer, sonhar e acreditar.

Á minha mãe, Marisa Ramos de Matos Marçal, pelo carinho e sensibilidade que

também me fortalecem e tornam a vida o lugar onde os sonhos se realizam. E ao

meu irmão, Armindinho, que me mostra que a diferença é apenas uma

oportunidade de descobrir coisas novas.

Às minhas mais do que amigas Paty Russo, Paula, Mari, Aninha, Theo, Bia,

Rê e Zucchi, muitas vezes companheiras, outras me chamando a atenção, mas

sempre me proporcionando carinho e segurança, me dando condições de estar

em família em São Carlos.

Às minhas amigas campineiras que me dão muitas saudades e que me

mostram que respeitar e aprender com a diferença é viver.

Aos companheiros, de ontem e hoje, de reflexão, inquietação, luta e

perseverança do movimento estudantil, principalmente do Centro Acadêmico da

Psicologia da UFSCar e do COREP-SP, que me possibilitam acreditar, criar e

refletir me mostrando que é possível “conseguir”.

À Lets que com carinho, alegria e conversas inquietantes, tem me mostrado

que os sonhos se tornam realidade.

E a todos que não citei, mas que sei que me ajudaram e ajudam a ter

esperança sempre.

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ÍNDICE

Resumo ..................................................................................................................06

1. Introdução

1.1 Revisão da literatura.........................................................................................07

1.2 Objetivos...........................................................................................................14

1.3 Considerações sobre democracia e cidadania.................................................14

2. Método

2.1. Participantes....................................................................................................24

2.2. Instrumentos....................................................................................................24

2.3. Coleta de Dados..............................................................................................25

2.4. Tratamento e Análise dos resultados..............................................................25

3. Resultados .........................................................................................................26

4. Discussão ..........................................................................................................31

5. Anexos ...............................................................................................................42

5.1. Anexo A- Questionário de Conceitos Políticos:

Cidadania e Democracia.......................................................................................43

5.2. Anexo B...........................................................................................................48

6. Referência Bibliográfica ...................................................................................50

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RESUMO

MARÇAL, Cristiane Ramos de Matos. Um estudo de socialização política: jovens e suas noções de democracia e cidadania. São Carlos, 2004. Monografia. Curso de graduação em Psicologia. Universidade Federal de São Carlos.

Os estudos de socialização política têm tratado de questões pertinentes ao desenvolvimento de conceitos, atitudes e participação na esfera política. Uma outra vertente de investigações tem destacado as influências exercidas pela família e pela escola sobre os processos de entendimento dos conceitos políticos, formação de atitudes e engajamento político. No momento, observa-se um aumento de interesse de pesquisadores por esta área. O distanciamento dos jovens das questões políticas e sociais é motivo de preocupação de educadores e profissionais. No Brasil, contamos com alguns estudos sobre atitudes e participação política de universitários. O presente estudo visou: verificar como um grupo de adolescentes, do Ensino Médio, entendem os conceitos de democracia e cidadania e levantar considerações acerca das condições relevantes para o aprimoramento do conhecimento e participação política dos jovens. Sete alunas do Ensino Médio responderam por escrito a um questionário, com questões abertas, elaborado para verificar as noções de democracia e cidadania. Foi realizada uma análise do conteúdo das respostas e identificadas as categorias de respostas. Os resultados mostram uma variação em relação aos elementos definidores. Os conceitos foram entendidos em termos das relações interpessoais, existência de leis a serem cumpridas, de manutenção de direitos e deveres e de um princípio de igualdade entre as pessoas independentemente da raça e religião. A maneira das participantes entenderem os conceitos foi avaliada como pouco articulada e imatura. Tendência semelhante tem sido encontrada em estudos realizados com jovens de outros países. O papel da escola como agente de socialização e o papel das políticas públicas para a juventude são de extrema importância para que os jovens sejam considerados como protagonistas do contexto escolar e sócio-comunitário em que vivem, interferindo de forma ativa e construtiva nesses contextos. O presente estudo contribui com subsídios metodológicos e sugestões para o desenvolvimento de estudos posteriores.

Palavras chaves: socialização política, cidadania, democracia, jovens, agentes de socialização

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O estudo da socialização política de jovens tem se focalizado

principalmente na maneira como os jovens compreendem seus governos, líderes

e os segmentos das leis. Essa linha de pesquisa também investiga o que e como

eles aprendem sobre as instituições políticas e econômicas e sobre seus próprios

direitos e deveres como cidadãos. A maior parte das pesquisas têm como alvo o

papel dos agentes de socialização. Elas verificam como a família e a escola

influenciam o entendimento dos jovens sobre questões políticas e sociais.

As investigações sobre socialização política vêem sendo conduzidas,

principalmente, por cientistas políticos, sociólogos, educadores. Recentemente, os

psicólogos passaram a ter interesse por este tema.

Segundo Torney-Purta (1990), nos anos 60 e 70 um grande volume de

pesquisas foram publicadas sobre a socialização política dos jovens. Elas foram

impulsionadas pelo interesse em se entender as origens do intenso ativismo

político dos jovens daquela época. A seguir, as pesquisas na área foram se

reduzindo e diferentes motivos são apontados para esta situação. Alguns

pesquisadores argumentam que não houve crises políticas que envolvessem a

geração de estudantes ou que a repressão sofrida por essa população durante a

ditadura militar em diversos países, inclusive o Brasil, tenha causado um

descrédito no poder de mudança que essa população teria. Outros pesquisadores

argumentam que as pesquisas falharam em mostrar a continuidade entre as

crenças políticas dos jovens e as crenças dos adultos. Muitos pesquisadores

criticam os administradores escolares por considerarem as questões políticas e

sociais muito controversas, e de certa maneira impedirem os estudos sobre

socialização política nas escolas.

Paralelamente, a redução das pesquisas empíricas sobre as atitudes

políticas dos estudantes, observou-se um aumento das pesquisas sobre o papel

das escolas na modelação dos valores de seus estudantes. Nos Estados Unidos

este interesse deve-se a diminuição das taxas de votantes entre 18 e 20 anos e o

aumento da preocupação das autoridades com o excesso de valores

individualistas dos jovens da atual geração. Esta situação só demonstra que o

desinteresse dos jovens pela política e questões sociais pode afetar a manutenção

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da democracia, uma vez que nem a escolha de seus representantes é

considerada como importante. O individualismo exagerado pregado pela

sociedade de consumo começa a inquietar as autoridades.

As dificuldades encontradas para se estudar o tema socialização política

devem ser superadas através do incentivo para realização de mais pesquisas.

Uma vez que, para que essa realidade mude, se faz necessário um maior avanço

e uma maior compreensão sobre como se dá a socialização política dos jovens, e

como ocorre a passagem das noções políticas dos jovens para a idade adulta.

O entendimento dos jovens sobre questões sociais e instituições políticas,

sobre suas crenças do que eles esperam da sociedade e das contribuições que

podem ter para a sociedade, é de extrema importância para inseri-los no mundo

“adulto” não apenas como espectadores, mas como atores, que podem agir sobre

a realidade e conduzir o futuro. Buscando um cidadão consciente da sociedade na

qual vive, podendo ser um agente transformador da realidade, ao invés de

passivamente manter o atual estado de alienação. As evidências sugerem que os

processos usados para pensar sobre essas questões, como aqueles usados para

pensar sobre os problemas da ciência e da política, sofrem mudanças

substanciais entre os 12 e 19 anos de idade.

Segundo o Censo Demográfico de 1996 (Baerninger, Camarano, Oliveira &

Pereira, 1998), a população jovem, de 15 a 24 anos, representa 19,84% da

população total do Brasil, totalizando 34 milhões. Os jovens representam 1/5 da

população e merecem atenção através de políticas e ações específicas que

considerem as suas peculiaridades e necessidades.

Segundo os psicólogos do desenvolvimento Cole e Cole (2003), como os

jovens estão prestes a ingressar em posições de liderança política é vital a toda

sociedade que eles pensem e participem da vida política de seus países. As

evidências existentes mostram que a maneira de pensar dos adolescentes sobre

questões políticas é, em sua maior parte, imatura. Além disso, muitos

adolescentes, especialmente aqueles que se sentem excluídos da vida nacional

por serem pobres ou por pertencerem a um grupo religioso ou étnico minoritário,

mostram pouco interesse na vida política.

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Em um estudo de Adelson e seus colaboradores (citado por Cole e Cole,

2003), foi proposto aos jovens para pensarem uma sociedade hipotética como

base para suscitar seus modos de raciocínio. Foi pedido aos jovens entre 11 e 18

anos, de classe média dos Estados Unidos, Alemanha e Grã-Bretanha para

imaginarem que mil pessoas que se tornaram social e politicamente

desencantadas com seu país mudaram-se para uma ilha do Pacífico, para lá

estabelecer uma nova sociedade. Os pesquisadores apresentaram então, aos

participantes uma série de perguntas sobre a maneira como eles achavam que a

nova sociedade deveria ser organizada.

Os resultados revelaram uma mudança importante na maneira de pensar

dos adolescentes de 14 anos, sobre política, particularmente, em três áreas: a

maneira como os adolescentes pensavam sobre as leis, o nível de controle social

que consideravam adequados, e a freqüência cada vez maior em que evocam

ideais políticos abrangentes quando expressavam seus pontos de vista.

As respostas dos jovens de 12 a 13 anos sobre a sociedade e suas leis

baseavam-se em pessoas e eventos concretos, as dos jovens mais velhos

baseava-se em princípios abstratos.

Nas respostas dos jovens de 12 e 13 anos relativas à maneira sobre como

pensavam o controle social (crime, punição e retribuição) destacava-se a punição

severa como mais presente. Já entre os jovens mais velhos esta tendência

declinava, e aumentava a probabilidade de sugerir que talvez uma lei pudesse ser

modificada, mostrando que consideravam vários aspectos da situação para

analisarem as leis.

Adelson e colaboradores observaram que essa mudança na maneira de

pensar sobre política corresponde à mudança que Inhelder e Piaget encontraram

em seus estudos sobre resolução de problemas científicos. Ele sugere que essa

correspondência deve-se ao fato de que a conceituação de sistemas políticos

modificáveis, flexíveis e bem equilibrados requer pensamento operatório formal.

Atualmente, observa-se uma tendência dos jovens para serem céticos em

com relação aos processos políticos (Torney-Purta, 1990). Esse problema é

especialmente agudo entre as minorias e os pobres. Estes jovens percebem os

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problemas e as inconsistências da vida política, mas são incapazes de propor

soluções práticas. Ao mesmo tempo em que se mostram céticos em relação às

soluções políticas para os problemas do mundo, os jovens sentem-se atraídos

pelas promessas de que através de determinadas crenças e comportamentos

seria possível uma organização mais racional da vida na Terra.

Em relação ao idealismo político e envolvimento na comunidade por parte

dos jovens, vários teóricos influentes (Adelson; Erikson; Inhelder e Piaget citados

por Cole e Cole, 2003) ressaltam que os jovens são ao mesmo tempo atraídos e

impulsionados por ideologias, sistemas de idéias sobre as quais são formados

sistemas políticos específicos. Eles são atraídos pelo desejo de se tornarem

independentes de seus pais e de mostrarem que podem governar suas próprias

vidas; são impulsionados por um sistema aparentemente coerente que a ideologia

oferece como uma alternativa para as imperfeições do mundo dos adultos.

Como ainda não apareceu nenhum sistema político ideal na face da Terra,

as ideologias recém-adotadas pelos adolescentes são freqüentemente utópicas ou

religiosas. Esse idealismo foi especificamente visível nos movimentos dos direitos

civis e das comunidades da década de 60, ambos atraindo muito o apoio dos

adolescentes, que viam neles uma alternativa consistente com a sociedade

imperfeita em que viviam. Essa mesma tendência para procurar sistemas ideais

da vida está refletida atualmente na atração que vários cultos exercem sobre seus

seguidores adolescentes e na atração pelo movimento ambiental.

Nos poucos estudos nacionais sobre o envolvimento com a política e

propostas dos jovens para a sociedade, é apontado os achados dos estudos de

Adelson. Chaves e Souza (2002) em um estudo recente realizado entre jovens

brasileiros questionando o interesse desses jovens, por política, o grau em que

acompanhavam os acontecimentos políticos e quais as principais medidas por

eles sugeridas para serem tomadas pela gestão municipal da sua cidade.

Concluíram que:

“As transformações sócio-culturais e econômicas influenciam nas formas de engajamento político das pessoas e, mais especificamente, dos jovens. Os anos 60 e 70 foram marcados pela preocupação dos adolescentes com a política, com os hábitos e com os costumes. A difusão da competição e, consequentemente,

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do individualismo, deixaram as pessoas mais insensíveis diante das causas públicas. (...) Pode-se concluir que a maioria dos adolescentes encontra-se desinteressado e não acompanha os acontecimentos políticos. (...) Esses dados são preocupantes, pois a alienação faz com que seja mais fácil acontecer a reprodução da ideologia dominante que reforça o estado de dominação e exclusão(...).” (Chaves e Souza, 2002, pg.193)

Camino e Costa (1994) consideram que o bom funcionamento da

democracia pressupõe uma participação política responsável dos cidadãos. Estes

pesquisadores vêm realizando estudos sobre a participação política de

universitários brasileiros e o papel da universidade neste processo. Os resultados

indicam um baixo índice de participação política: não participação em campanhas

eleitorais, não possuírem conhecimento satisfatório sobre as diversas

candidaturas, terem dificuldade em realizar a escolha eleitoral (Camino e Burity,

citado por Camino e Costa, 1994). Os resultados evidenciam que as experiências

acadêmicas e curriculares na Universidade, consideradas favorecedoras da

consciência crítica acerca da realidade, parece não exerce tal influência esperada.

No estudo de Camino e Burity, foi hipotetizado que quanto maior fosse o tempo útil

do aluno na Universidade (número de créditos integralizados), maior seria a

influencia da Universidade e maior seria a sua participação política. Os resultados

indicaram a ineficiência da Universidade, como instituição acadêmica promotora

de participação política, através das suas atividades regulares e institucionais

previstas para a maioria dos estudantes. No entanto, tudo indica que as atividades

extra-curriculares e de extensão na comunidade mostram-se uma oportunidade

para os estudantes desenvolverem e exercerem ações políticas em diferentes

instâncias. Os fóruns de debates, prestação de serviços, atividades de co-gestão:

como participação em órgãos colegiados, eleições universitárias, etc; e em

atividades gremiais, ou seja, atividades relacionadas ao movimento estudantil,

favorecem a participação política.

Silva, Aquino, Torres e Camino (citados por Camino e Costa, 1994)

investigaram os fatores que levam o jovem adolescente a se dispor a participar de

instituições da Sociedade Civil, como sindicatos. Considera-se que a

compreensão deste aspectos ajudaria a esclarecer e, posteriormente, promover,

uma participação política mais efetiva dos adolescentes, futuros adultos, na

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sociedade. Foram participantes 164 jovens, de 14 a 18 anos, de ambos os sexos,

que provinham de famílias de baixo nível sócio-econômico, que ainda não haviam

entrado no mercado de trabalho formalmente e que estavam realizando cursos

profissionalizantes. O objetivo desse estudo foi o de avaliar a disposição desses

jovens de se filiar a um sindicato ao começarem a trabalhar, qual a relação,

contatos que tinham com sindicalistas, sua participação nas diversas organizações

de jovens, a influência de seus pais e alguns elementos de sua visão da estrutura

social, como a representação das formas de relação inter-classes, conflitante ou

de cooperação, e as crenças nas formas de ascensão social, permeabilidade ou

impermeabilidade do sistema. Analisando quais variáveis influenciariam ou não

aos jovens se filiarem ou não a um sindicato, se chegou a importância de agentes

clássicos de socialização como os pais, a participação dos jovens nas

organizações da Sociedade Civil, havendo neste grupo uma complementariedade

entre a experiência da família e as experiências sociais fora do âmbito familiar.

O Centro de Pesquisas do Instituto Paulista de Adolescência (IPA, 2000)

realizou um levantamento entre 674 adolescentes de 14 a 18 anos de idade, de

três escolas públicas da cidade de São Paulo e três particulares, para descrever a

relação do jovem com a política. Esta pesquisa revelou um adolescente

aparentemente desinteressado do processo eleitoral, assim como do trabalho

voluntário e de atividades estudantis ou político-partidárias. Apesar de ter uma

imagem negativa do meio político, neste estudo o jovem acreditava no poder de

mudança do voto e o considerava um exercício de cidadania. Possivelmente, falta

algo para vencer a inércia, a desmotivação e o sentimento de impotência dos

jovens para se envolverem mais ativamente no processo político e nos destinos do

país.

Torney-Purta (1990) indica ser necessário à discussão e o conhecimento do

que algo é para que alguém possa emitir uma opinião, sugerindo assim, que a

cognição política dos jovens deva ser foco das investigações. Os pais e

educadores influenciam, a aquisição dos conceitos políticos de diferentes formas e

assim, como outros agentes de socialização, precisam ser estudados.

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Outro elemento da socialização política que vem sendo investigado é a

visão da estrutura social, por considerar que esta permearia e media a

participação política do jovem.

Segundo Camino e Costa (1994) alguns elementos cognitivos da visão da

estrutura social evoluem com a idade e outros não. Algumas noções/conceitos são

apreendidos desde cedo e não requerem um desenvolvimento cognitivo

avançado, enquanto que o entendimento de outros conceitos requerem uso de

capacidades cognitivas mais elaboradas.

Opiniões gerais sobre sindicatos ou a crença no esforço pessoal

(mobilidade social), por serem amplamente difundidos na sociedade, como os

nomes de sindicatos, exigiram situações de aprendizagem mais específicas.

Situações que requerem elementos de conhecimento como a noção de conflito,

por exemplo, seriam exigidas habilidades cognitivas mais evoluídas para serem

compreendidas.

O desenvolvimento das cognições políticas pode ser visto como um

processo que acompanharia o desenvolvimento cognitivo, ou ainda, como um

produto de um acúmulo contínuo de aprendizagens sociais. Os cognitivistas

consideram que o desenvolvimento cognitivo, base dos outros desenvolvimentos,

procede através de estágios hierarquizados que representam organizações ou

maneiras particulares de se representar o mundo. Kohlberg (citado por Camino e

Costa, 1994) argumenta que o motor do desenvolvimento encontra-se na

necessidade do indivíduo de conservar o equilíbrio frente aos desafios que vão

aparecendo.

Dados recentes colocados por Camino e Costa (1994), estão indicando que

embora existam padrões fixos de desenvolvimento cognitivo, eles se manifestam

igualmente diferentes em função do meio em que vivem. Mas este meio só é

influente na medida em que o jovem se identifique com as categorias sociais

(classe social, religião, ...) próprias deste meio, e essa identificação se daria, em

geral, através da participação em organizações sociais próprias destas categorias

sociais.

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Camino e Costa, (1994), apresentam que apesar de serem psicólogos

sociais por formação ao estudarem socialização política precisam levar em conta

as contribuições da psicologia do desenvolvimento cognitivo e as contribuições

dos estudos sobre política, das relações de poder no interior da sociedade.

Objetivos da pesquisa:

Considerando assim, a importância da realização de investigações sobre o

processo de socialização política dos adolescentes, o presente estudo teve como

objetivo:

- verificar como um grupo de adolescentes do Ensino Médio entendem os

conceitos de democracia e cidadania e;

- levantar considerações acerca das condições relevantes para o aprimoramento

do conhecimento e participação política dos jovens.

Considerações sobre democracia e cidadania

O presente estudo está inserido dentro de uma perspectiva

desenvolvimentista. A seguir, será apresentada uma síntese sobre como os

conceitos de democracia e cidadania têm sido compreendidos por um importante

pensador da área política Alain Touraine.

Fazer aqui uma breve discussão sobre democracia e cidadania, tem por

objetivo, ampliar a possibilidade de concepção que se tem desses dois conceitos,

uma vez que, eles se baseiam nas relações estabelecidas pela sociedade, e como

ela se organiza, que em cada época é constituída de particularidades e deve ser

sempre repensada.

A visão aqui abordada será baseada no livro “O que é a democracia?”,

Touraine,1996, da Editora Vozes.

Touraine, 1996, apresenta que Noberto Bobbio, com seus princípios

liberais, institucionais, coloca que a noção, de hoje, da democracia que se tem na

prática, se resume a um conjunto de regras fundamentais, que estabelecem quem

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está autorizado a tomar decisões coletivas, e quais procedimentos deverão ser

adotados. Assim, o avanço do regime democrático, nessa visão, seria avaliado de

acordo com o maior número de pessoas que participam direta ou indiretamente,

da tomada de decisões.

Essa noção apóia-se na substituição de uma concepção orgânica de

sociedade por uma visão individualista, cujos, elementos principais são a idéia de

contrato, a substituição do ser político de Aristóteles, pelo homem econômico e

utilitarista, e a busca da felicidade para a maioria das pessoas.

Outro ponto dessa realidade é que as grandes organizações, partidos e

sindicatos, passam a ter um peso cada vez maior nesse contexto, centralizando as

decisões em interesses particulares, diante do interesse geral, e excluindo os

indivíduos da tomada de consciência, ou não reconhecendo a sua autonomia

perante as discussões. Ou seja, o funcionamento democrático não penetra na vida

social. A democracia vai se degradando em liberdade de consumo ou

supermercado político para não desaparecer.

Passa-se a ter então, regimes democráticos, ou que se denominam desta

maneira, se recuando cada vez mais, e passando a serem submetidos às

exigências do mercado mundial. Mas o que isto implica? Com essa subordinação,

os regimes democráticos tendem a ter a participação política diminuída, no que

passou a ser designado por crise de representação política.

Essa crise de representação política, pode ser exemplificada quando os

eleitores deixam de se sentir representados, e denunciam uma classe política que

se preocupa exclusivamente com o seu poder e até com o enriquecimento

pessoal. Ao mesmo tempo, essa crise mostra um esvaziamento da noção de

representatividade, que passa a significar quem faz o serviço por outras pessoas,

que foi legitimado para isso, e não, necessariamente, quem representará suas

necessidades perante as mais diversas questões do cotidiano.

Assim, é possível perceber que a cada dia, a democracia se enfraquece,

podendo tanto ser destruída por um poder autoritário, pelo caos, violência e a

guerra civil, ou por ela própria, através do poder exercido pelas oligarquias ou

partido políticos.

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No caso dos partidos, eles representam a forma de representatividade

oficial, mas acumulam recursos econômicos e/ou políticos, para impor suas

escolhas e reduzir o cidadão a mero eleitor, ao invés de realmente representarem

a expressão/vontade desses tidos cidadãos.

Ao contrário do que normalmente se percebe, a democracia é ameaçada

não somente pela centralização de poder, ameaça mais claramente iminente com

os regimes totalitários, mas ela é ameaçada pela própria sociedade, que vê na

ordem política, uma burocracia arbitrária ou corrupção, e deseja reduzi-la à função

de guarda noturno ou de um Estado mínimo, para não entravar o mercado e

impedir as formas de comunicação em massa. Em todas as partes cresce a idéia

de que a defesa da liberdade é diminuir a influência do Estado. Essa concepção é

atraente, porque a sociedade de consumo é mais diversificada, menos

padronizada e mais tolerante, se utilizando inclusive, de expressões como é

proibido proibir, que esvaziam o sentido da idéia de desvio e valorizam a

autenticidade pessoal.

Mas o que se tem é uma tolerância, que é maior numa economia de

mercado. A sociedade de massa também pode se fragmentar em um conjunto de

comunidades confinadas na defesa de sua identidade, cada um buscando o seu

privilégio isoladamente. Por isso, é preciso redescobrir, atrás do consumo, quais

são as relações sociais, ou seja, relações de poder envolvidas.

Nesse contexto, a democracia pode ser definida então, não como oposição

à sociedade de massa, mas como um esforço para passar de consumo individual

de bens materiais, para escolhas sociais que coloquem em questão determinadas

relações de poder e princípios éticos. Assim, tem-se que a sociedade de massa é

o nível mais baixo de funcionamento de uma sociedade moderna e, se limitar a

isso, significa, reduzir a própria capacidade de escolha, debate e desenvolvimento.

Nesse caso, volta-se às costas à democracia que não pode ser reduzida a pura

tolerância, como afirmava Herbert Marcuse (citado por Touraine, 1996)

O que fazer então?

Contra essa realidade da sociedade de consumo, deve-se fazer um apelo

por uma definição, que coloque a ação democrática pela libertação dos indivíduos,

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e pelo reconhecimento da autonomia dos mesmos nesse processo, ao invés de,

reconhecê-los como meros recursos para se obter o poder de determinadas

instituições ou status como fim em si mesmo.

A libertação dos indivíduos passaria, pelo espírito crítico e inovação, e pela

consciência de sua própria particularidade, feita de sexualidade, assim como de

memória histórica, e somente quando isso culminasse no conhecimento-

reconhecimento dos outros, indivíduos e coletividades, enquanto sujeitos é que o

indivíduo teria liberdade.

A democracia não deve estar a serviço da sociedade ou dos indivíduos,

mas dos seres humanos como Sujeitos, isto é, criadores de si mesmos, de sua

vida individual e coletiva. A teoria da democracia deve ser apenas a teoria das

condições políticas de existência de um Sujeito.

Este sujeito democrático, já sofreu duros golpes ao longo da história, e hoje

o que se tem é uma opinião pública que se transformou em consumo de

programas, e a defesa do indivíduo se tornou uma obsessão da identidade

particular ou coletiva, e assim, “a separação crescente entre mundo dos objetos e

mundo da cultura fez desaparecer o sujeito que se define pela produção de

sentido a partir da atividade, pela transformação de uma situação em ação e em

produção de si.” (p.185). E o que se tem é a mera reprodução de modelos.

Mas esse sujeito pode voltar a ser criador da sua própria realidade, se

tornando à rede de relações, que comunicaria a subjetividade e a objetividade, se

constituindo ao criticar o instrumentalismo do mercado e dos poderes, e por outro

lado, o comunitarismo que constrói uma sociedade homogenizante e sufocante,

ambos degradando a racionalização e a subjetivação. E esse sujeito só poderá

existir, quando houver a junção do mundo da ação, e do mundo do ser, ou seja,

futuro e passado.

E como conciliar vida individual e coletiva?

A liberdade dos modernos é tida como a reformulação da liberdade dos

antigos; conserva dela a idéia primitiva da soberania popular, que pode fazer

explodir as idéias de povo, nação e sociedade, das quais podem surgir novas

formas de poder absoluto; mas se conciliada ao reconhecimento do sujeito

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humano, individual, criador da sua existência, o sujeito pode voltar a ser à base da

liberdade coletiva.

Assim, a idéia de soberania popular, e a idéia de que a ordem política é

produzida pela ação humana, é o eixo central da democracia, e permite que o

sujeito não seja esmagado nem pela tradição e nem seja dissolvido em uma

liberdade reduzida a consumidor de mercado nas sociedades modernas.

O espaço democrático que possibilitaria a existência do sujeito, não é um

fim em si, como se coloca hoje em dia. A democracia é a condição institucional

indispensável para a criação do mundo por atores particulares, sujeitos, diferentes

uns dos outros. E antes de ser um conjunto de procedimentos, a democracia é

uma crítica contra os poderes estabelecidos e uma esperança de libertação

pessoal e coletiva.

Têm-se então, uma democracia que limita o poder e que consegue

responder às demandas da maioria e da minoria, sem o apelo pela igualdade

ingênua, mas utilizando-se do respeito pelas diferenças como fundamento.

A expressão da liberdade, possibilitada pela democracia, é uma

característica da sociedade moderna, e está claramente na resistência ao domínio

crescente do poder social sobre a personalidade e a cultura, a herança cultural.

Mas defender a democracia em uma cultura de massas, além de torna-se o maior

desafio da própria democracia, coloca nela a própria necessidade de uma

reavaliação. Uma vez que “o regime democrático é a forma de vida política que dá

maior liberdade ao maior número de pessoas, que protege e reconhece a maior

diversidade.” (p.25). Ela não existiria sem o reconhecimento da diversidade de

crenças, origens, opiniões e projetos.

Além disso, essas condições não podem existir sem a livre escolha dos

governantes pelos governados, e sem a capacidade que o maior número possível

de pessoas tem para participar da criação e transformação das instituições

sociais. Completando, é necessária também a igualdade política, que não é

somente, a atribuição dos mesmo direitos a todos os cidadãos, é também um meio

de compensar as desigualdades sociais, em nome de direitos universais.

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Assim, a democracia pode vir a ser o regime, em que a maioria reconhece

os direitos da minoria, porque aceita que a maioria hoje venha a se tornar minoria

no dia de amanhã e ficar submetida a uma lei que representará interesses

diferentes dos seus, mas não lhe recusará o exercício de seus direitos

fundamentais. O espírito democrático apóia-se nessa consciência da

interdependência da unidade com a diversidade, e alimenta-se em um debate

permanente sobre a fronteira, constantemente móvel, que separa uma da outra e

sobre os melhores meios de reforçar a associação entre ambas.

A democracia se fará necessária neste cenário diversificado, uma vez que,

a diversidade de interesses não pode ser resolvida com uma gestão racional da

divisão do trabalho e dos interesses, mas através do meio político de se conseguir

com que a sociedade funcione como unidade, respeitando a diversidade.

Unificação onde existe a diversificação.

Como a democracia poderia limitar o poder do estado?

Muitas vezes a democracia foi suprimida pelo nacionalismo exagerado, mas

a democratização coloca uma sociedade regida por leis, coloca ainda um Estado

como representante dessa sociedade, e ao mesmo tempo, limita seus poderes,

através dos direitos fundamentais que regem essa sociedade.

Chega-se então, a natureza da relação entre limitação de poder do Estado,

representatividade dos dirigentes políticos e cidadania. E percebe-se que cada um

desses elementos se define, de forma negativa, por sua resistência a uma ameaça

para garantir a justiça na sociedade. O primeiro resiste a um Estado, muitas

vezes, autoritário ou totalitário; o segundo resiste à redução da sociedade a um

conjunto de mercados; e o terceiro se opõe à obsessão da identidade comunitária.

Complementando, a democracia não supõe uma imposição por parte do

Estado de regras de ordem moral ou intelectual, que muitas vezes são

confundidos como resultado do exercício democrático. Mas supõe uma liberdade

de opinião, reunião e organização, que são características essenciais da

democracia, uma vez que ela não implica qualquer julgamento do Estado sobre

crenças morais ou religiosas.

Assim, uma boa definição da democracia poderia começar com:

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“O que define a democracia não é, portanto, somente um conjunto de garantias institucionais ou o reino da maioria, mas antes de tudo o respeito pelos projetos individuais e coletivos, que combinam a afirmação de uma liberdade pessoal com o direito de identificação com uma coletividade social, nacional, ou religiosa particular. A democracia não se apóia somente nas leis, mas sobretudo em uma cultura política. A cultura democrática tem sido, freqüentemente, definida pela igualdade, porque a democracia pressupõe a destruição de um sistema hierarquizado, de uma visão holística da sociedade. Para ser democrática, a igualdade deve significar o direito de cada um escolher e governar sua própria existência, o direito à individuação contra toda as pressões que se exercem em favor da “moralização” e normalização”. (Touraine, 1996, p.26)

Ressaltando alguns pontos aqui discutidos, deve-se ressaltar a importância

e o perigo do culturalismo, ao sistema democrático. Uma vez que, o culturalismo

leva o respeito pelas minorias até a supressão da idéia de maioria e a uma

redução extrema do domínio da lei, podendo ser perigoso, porque pode vir a

favorecer uma autoridade antidemocrática, ou a um confinamento comunitário.

Contra esse confinamento comunitário, que ameaça diretamente a democracia, a

única defesa é a ação racional, isto é, o apelo à argumentação científica e, ao

mesmo tempo, o recurso ao julgamento crítico e a aceitação de regras universais

para proteger a liberdade dos indivíduos. Tal postura coincide com a mais antiga

tradição democrática: o apelo simultâneo ao conhecimento e à liberdade contra

todos os poderes.

Complementando a definição de democracia, ela se define melhor em

relação à vontade de combinar, o pensamento racional com a liberdade pessoal e

a identidade cultural. Na medida em que a modernidade se apóia na difícil gestão

de relações entre razão e sujeito, racionalização e subjetivação, na medida em

que o próprio sujeito é um esforço para associar a razão instrumental à identidade

pessoal e coletiva.

Um indivíduo é um sujeito e, em suas condutas, consegue associar o

desejo de liberdade com a filiação a uma cultura e o apelo à razão; portanto, um

princípio de individualidade, um princípio de particularismo e um princípio

universalista constituem a base democrática. Da mesma forma, e pelas mesmas

razões, uma sociedade democrática combina a liberdade dos indivíduos e o

respeito pelas diferenças com a organização racional da vida coletiva pelas

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técnicas e leis da administração pública e privada. Nem sempre o indivíduo tem

uma conduta democrática. Por um lado, as liberdades individuais sustentam a

democracia, mas podem também torná-la prisioneira de interesses particulares;

por outro, a defesa comunitária exige a democracia, mas tem igualmente a

possibilidade de destruí-la em nome da homogeneidade nacional, étnica ou

religiosa. Essas duas vertentes da realidade histórica correspondem às duas faces

do sujeito que é liberdade pessoal, mas também faz parte de uma sociedade e de

uma cultura, que é projeto, mas também memória, simultaneamente, libertação e

engajamento.

E como a democracia pode sobreviver numa sociedade de massa?

Ela pode sobreviver através da ação democrática, que consiste em

desmassificar a sociedade pela multiplicação dos espaços e processos de decisão

que permitem estabelecer a aproximação entre as exigências impessoais, que

pesam sobre a ação e os projetos e preferências individuais. Esse papel de

desmassificação compete, antes de tudo, à educação. Todas as concepções do

ser humano e da sociedade se traduzem por idéias a respeito da educação.

A educação assim, deve comportar três grandes objetivos: o exercício do

pensamento científico, ação racional, a expressão pessoal, ou seja, criatividade e

o reconhecimento do outro como sujeito.

Agora, para se falar de cidadania descolada da discussão sobre

democracia não é possível, uma vez que ambas se referem. A democracia é o

espaço de atuação do cidadão e vice-versa. Por isso, a discussão apenas irá

suscitar novas questões dos pontos que já foram desenvolvidos acima.

Mas o que se entende por cidadão?

É o sujeito que só pode ser reconhecido como tal, quando tem sua

autonomia reconhecida, e quando lhe é proporcionado à livre escolha consciente.

Daí vem à importância da informação. Que permite saber sobre o papel da

representação e o papel do indivíduo nesse contexto democrático, que nada mais

é do que reconhecer a individualidade, e não o individualismo dos sujeitos, tendo

sempre presente também o sentimento de pertencimento a uma sociedade, grupo,

cultura.

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Mas esses sujeitos individuais e coletivos podem ser representados através

dos interesses da maioria, enquanto essa palavra designa atualmente a vasta

classe média, que tem acesso ao consumo de massa e ataca de forma

conservadora os que, só reconhece por marginais e rejeitados? Como seria

possível falar de direitos fundamentais dos sujeitos reconhecidos como cidadãos,

quando se impõe um poder político, disfarçado de identidade cultural, e quando,

se espalha a desconfiança em relação a um universalismo suspeito de ser a

ideologia das nações dominantes?

Há algum tempo vem se percebendo que a consciência de cidadania está

enfraquecendo, porque muitos dos indivíduos se sentem mais consumidores do

que cidadãos e mais cosmopolitas do que nacionais, ou ainda, completando essa

tendência, porque alguns se sentem marginalizados ou excluídos da sociedade.

Então, muitos não têm o sentimento de que podem exercer a cidadania porque,

por razões econômicas, políticas, étnicas ou culturais, não chegam a participar da

sociedade como cidadãos, mas apenas como cumpridores de leis, baseadas na

ingênua igualdade entre os indivíduos.

Mas o que se entende no cotidiano por cidadania hoje, é uma construção

que sofreu mudanças ao longo da história e, o que antes era concebido como um

produto das instituições e da educação cívica, um homem público que

subordinava seus interesses pessoais ao interesse superior da sociedade, hoje é

uma exaltação da vida privada e um esvaziamento da esfera pública, da vida

política. As instituições, que exerciam, e exercem, um papel importante nesse

processo, deixaram de ter sua capacidade de socialização. As mercadorias

passaram a ser mais valorizadas pela sua utilidade do que pelo seu valor

simbólico, cultural e, os indivíduos cada vez mais se retraem em uma ou mais

identidades (sexual, religiosa, nacional).

Outro ponto a ser levantado, é que não há cidadania sem a consciência de

filiação a uma coletividade política, como uma nação, município. Essa filiação se

define por direitos, garantias e, portanto, diferenças reconhecidas a aqueles que

fazem parte dessa comunidade. Mas não se define somente por isso. A

democracia, espaço onde o cidadão se constitui, se sustenta na responsabilidade

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dos sujeitos dessa nação, município, e se estes não se sentirem responsáveis

pelo seu governo, porque não há a consciência de filiação desse “espaço

territorial”, não pode haver representatividade dos dirigentes, ou livre escolha

destes pelos dirigidos.

Contextualizando historicamente, a consciência de ser cidadão surgiu

durante a Revolução Francesa e estava, antes de tudo, ligada à vontade de

abandonar o Antigo Regime e a servidão. Hoje o que se tem é o complemento

dessa realidade, uma vez que quando se limita o poder, a consciência de filiação a

uma comunidade contribui para libertar o indivíduo de uma dominação social e

política, não permitindo mais que um poder absoluto, utilize os indivíduos e as

coletividades como se fossem recursos e instrumentos, e não como conjuntos

dotados de autonomia de gestão e personalidade coletiva.

A idéia de cidadania proclama assim, a responsabilidade democrática de

cada um e, portanto, defende a organização voluntária da vida social contra as

lógicas não políticas, que alguns acham ser naturais do mercado ou do interesse

nacional. Essa idéia de filiação a um estado nacional se fundamenta pelo direito

de participar, direta ou indiretamente, na gestão da sociedade. Assim, a

nacionalidade cria uma solidariedade dos deveres enquanto à cidadania dá

direitos.

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MÉTODO Participantes1

Os participantes foram sete jovens, que se inscreveram no curso “Tempo

de Reflexão: Questões Morais e Éticas”, realizado na mesma escola dos

participantes. O curso teve duração de três meses e discutiu temas escolhidos

pelas participantes através de dilemas hipotéticos baseados na teoria do

desenvolvimento moral de Lawrence Kohlberg. O curso foi realizado como projeto

de extensão por duas estudantes do curso de Psicologia da Universidade Federal

de São Carlos. Todos as participantes eram do sexo feminino, com idade de 15 a

16 anos, cursando quatro delas o primeiro ano e três o segundo ano do Ensino

Médio, de uma escola Pública da periferia de São Carlos.

Como forma de caracterização das participantes, foi utlizado um

questionário sobre participação de adolescentes em grupos. As alunas já haviam

participado de grupos de jovens ligados a igrejas, embora somente duas delas

ainda frequentem esse grupo (S.2 e S.7). Duas relataram que participam de um

grupo de dança em um centro comunitário (S.2 e S.5). Enquanto que outra faz

parte do grêmio estudantil da escola onde estuda e trabalhou em uma campanha

política (S.4).

Instrumentos

Neste estudo foi utilizado um questionário (Questionário de Conceitos

Políticos: Cidadania e Democracia) elaborado para este trabalho e, com o objetivo

de obter informações à cerca da concepção dos jovens sobre os conceitos de

democracia e cidadania. Ele é composto de quatro perguntas abertas, sendo que

a primeira, a segunda e a quarta são divididas em letras a e b.

__________________________________________________________________1 As participantes deste estudo também participaram da pesquisa “A estratégia de discussão de dilemas morais e o desenvolvimento moral de adolescentes”, realizada por Lívia Midori Okino Yoshikai, 2004, como monografia do curso de graduação em Psicologia da UFSCar.

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A primeira pergunta e a letra a da segunda pergunta, fazem referência ao

conceito de democracia que as participantes têm e como exemplificam a

democracia no seu dia-a-dia. A letra b da segunda pergunta e a terceira pergunta

fazem referência ao conceito que as participantes têm de cidadania e como a

exemplificam no dia-a-dia. A quarta e última pergunta coloca uma situação

hipotética e pede que as participantes se posicionem sobre o que fariam frente ao

problema em questão. Como esta última pergunta obteve respostas “dispersas”,

ela não foi utilizada nas análises dos dados. (Questionário anexo A).

Coleta de Dados

Antes de preencherem o questionário, as participantes assinaram o Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo B), que foi o mesmo utilizado para a

outra pesquisa 1.

Os dados foram coletados no primeiro dia do curso e a aplicação foi

coletiva. O tempo gasto para o preenchimento do questionário variou de 10 a 45

minutos.

Tratamento e Análise dos Resultados

Foi feita uma análise do conteúdo das respostas dadas às questões,

identificando os elementos definidores dos conceitos desenvolvidos nas questões

e as categorias de respostas.

A análise das categorias identificadas foi feita baseada no entendimento

dos conceitos e na presença dos princípios definidores nas respostas das

participantes.

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RESULTADOS Serão apresentadas a seguir, as categorias de respostas identificadas, das

respostas dos sujeitos e a análise das mesmas.

Tabela1. Categorias de respostas relativas ao conceito de democracia

Categorias de respostas relativas ao

conceito de democracia

Respostas Sujeitos

Existência de leis a serem cumpridas

- “Aqui no Brasil temos uma forma de governo, que há leis, e nessas leis, que tendem a ser cumpridas pelos cidadãos.” - “Eu perguntaria á ele como era no país dele e depois comentaria que aqui no Brasil existe várias leis e essas devem ser respeitadas.” - “Eu lhe falaria que aqui temos leis a ser cumpridas, e também temos direitos e deveres...”

1, 4, 7

Ausência de preconceitos

- “Em primeiro lugar, eu acho que eu explicaria que ele não devia ter preconceito algum, independente de cor, raça ou religião... Eu acho que depois ele ia entender o resto, porém ele evitaria violências, desrespeitos, enfim.”

2

Disponibilidade das

pessoas ajudarem umas as outras

- “Eu explicaria para ele que aqui existe democracia, que as pessoas pensam uma nas outras, que quando dá para ajudar uma pessoa ajudaria a outra.”

3

Outros

- “Não sei porque é difícil” (não soube responder) - “Eu explicaria a ele, todo o significado de democracia, falaria como ela é usada no nosso país e ajudaria ele a conhecer todos os princípios dela.” (resposta genérica)

5, 6

Nesta primeira questão, 71,4% das respostas dos sujeitos (1,2,3,4 e 7),

apresentaram elementos suficientes para a classificação. Os demais sujeitos,

28,6%, apresentaram respostas identificadas como não classificáveis.

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Os sujeitos 1,4 e 7 relacionaram o conceito de democracia ao cumprimento

das leis já existentes no país. O S.2 associa a democracia no país, a ausência de

preconceito, desrespeito e violência. S.3 entende a democracia como baseada na

relação interpessoal entre as pessoas. Para ele a democracia é o respeito mútuo

entre as pessoas e a ajuda mútua entre as pessoas, caracterizando uma visão

assistencialista da democracia.

Pode-se considerar que a concepção de democracia apresentada pelos

sujeitos não contempla nem os elementos definidores de uma concepção

tradicional de democracia, que seria a de representatividade. De que existem

pessoas que representam as demais para que um maior número de pessoas

participem do processo de tomada de decisões. Observa-se uma noção vaga, que

não considera as características principais, os princípios principais. As definições

desses jovens se baseiam em elementos concretos.

As respostas à questão de se na prática a democracia funciona de acordo

com os princípios ficou prejudicada, uma vez que os sujeitos não chegaram a

identificar princípios definidores da democracia.

Os sujeitos 1, 2, 3, 4 e 7 responderam que na prática não se observa à

existência do cumprimento das leis, a ausência de preconceitos e disponibilidade

da pessoa para ajudar as demais respectivamente.

Os exemplos de como exercem a democracia no seu dia-a-dia foram dados

pelos participantes: 1, 2 e 3. Os dois primeiros indicam tentativa de respeitar a

opinião dos outros e o terceiro de ajudar os outros. O que demonstrou certa

coerência entre as respostas dos sujeitos à cerca do conceito e do exemplo.

Tabela2. Categorias de respostas relativas ao conceito de cidadania, baseados na comparação com o período da escravidão

Categorias de respostas relativas ao conceito de cidadania

Respostas Sujeitos

Igualdade entre as pessoas

- “É uma época que é difícil comentar dela. Mas se eu estivesse naquela época eu falaria aquelez cidadãos que nós somos todos iguais, não importa cor, crença, importa é que somos todos seres humanos.”

3

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Ausência de direitos

- “Pra mim isso “era” uma falta de cultura, porque na verdade os que tinham talento eram os negros (escravos), porém eram eles que faziam tudo, que pensavam mais antes de fazer algo, enquanto os “brancos”, apenas mandavam...ou seja, os negros não tinham direitos algum!” -”Naquela época os escravos eram judiados pois não havia cidadania, como: os escravos eram obrigados a trabalhar sem receber nada, hoje os cidadãos lutam por seus direitos mas ainda costumam a não serem cidadãos certos, pois a cidadania nos ajuda a respeitar e também sermos respeitados.”

2, 6

Outros

- “Lá naquela época, não havia “amiguismo”, e acho que diálogo muito menos, então no mundo em que vivemos não é 100% mas é melhor do que naquela época.” - não respondeu - “Não e porque só os negros foram escravos porque” (contestação) - “Eu acho que as pessoas tinham muito mais educação naquela época do que hoje em dia.”

1, 4, 5, 7

As respostas dos sujeitos 2, 3 e 6, 43%, tinham elementos suficientes para

a identificação de categorias de respostas pertinentes a questão. Os demais

sujeitos, 57%, apresentaram respostas pouco claras e sem aspectos relacionados

à pergunta.

S.3 utilizou o critério da igualdade entre as pessoas para responder a

pergunta, uma vez que os homens são todos seres humanos, já S.6 falou da luta

pelos direitos dos cidadãos e respeito ao próximo, sem citar quem considera como

cidadão e, S.2 também coloca a questão dos direitos dizendo que os negros não o

tinham.

Os sujeitos 1, 4, 5 e 7 se encaixaram na categoria outros, por diferentes

razões. S.1 colocou que naquela época não havia “amiguismo” e nem muito

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menos diálogo, já S.4, não respondeu a questão, S.5 contestou o fato de somente

os negros terem sido explorados, e S.7 colocou, que naquela época a educação

era melhor do que hoje, fugindo da pergunta.

Tabela3. Exemplos de cidadania no dia-a-dia

Característica principal definidora do tipo de

prática

Respostas

Sujeitos

Prática de ações

-“Cidadania, seria “amiguismo” porque juntos conseguiríamos uma escola melhor por exemplo. Ajudo no que posso, lixo, água...” - “Não jogando lixo no chão, deixando meu cachorro dentro de casa, quando quebro alguma coisa de vidro coloco os cacos enrolados num jornal, evitando criadouros do mosquito da dengue e etc.”

1, 7

Respeito ao próximo e

ajudar para ser ajudado

- “Eu tento reconhecer o lado das pessoas.” - “Exerço a minha cidadania respeitando, não só a mim mas também ao próximo. Ajudo as pessoas sempre quando precisam de minha ajuda, pois acho que se as pessoas tivessem um pouco de cidadania, estaríamos bem.”

5, 6

Respeito às leis

- “Eu tento fazer as coisas mais corretas possíveis, eu tento ficar dentro da lei.”

3

Outros

- “Todo ser humano têm os seus direitos, e eu como uma cidadã, quando percebo que meus direitos estão sendo interrompidos, tento não violentar ninguém, tanto com palavras ou agressões físicas, mas deixo claro que apesar de tudo eu tenho os meus direitos!” (sem sentido) - não respondeu

2, 4

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Nesta última pergunta analisada, S.1 e S.7 colocaram exemplos de ações

práticos do dia-a-dia, como por exemplo, não jogar lixo no chão, respeitando o

espaço do próximo como exemplo de cidadania. S.5 e S.6 colocaram respostas

baseadas na troca, ajudar para ser ajudado e, respeito ao próximo. Já S.4 não

respondeu a pergunta, deixando em branco o espaço.

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DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo verificar como um grupo de

adolescentes, do Ensino Médio, entendem os conceitos de democracia e

cidadania.

Verificou-se uma variação entre os sujeitos quanto ao entendimento dos

conceitos. Foram apresentadas noções de democracia e cidadania em termos de

relações interpessoais cooperativas, a existência de leis a serem cumpridas e da

manutenção de direitos e deveres e de um princípio de igualdade entre as

pessoas independentemente da raça e religião.

A maioria dos sujeitos evidenciou propósitos da democracia e cidadania

como elementos definidores dos conceitos. Os princípios foram apresentados de

forma muito geral e simples, não envolvendo a complexidade dos conceitos. Não

há referência aos atores principais, as ações e as limitações vinculadas aos

conceitos.

Verificou-se que os dois conceitos são entendidos de forma próxima, não

havendo diferenciação clara entre as noções de democracia e cidadania, e

portanto não conseguindo mostrar a relação que estabelecem.

Essa não correlação pode ser demonstrada, comparando-se a tabela.1,

sobre os elementos definidores da democracia, em que aparece a categoria

disponibilidade das pessoas ajudarem umas as outras, exemplificada com a

resposta de S.3, “Eu explicaria para ele que aqui existe democracia, que as

pessoas pensam uma nas outras, que quando dá para ajudar uma pessoa

ajudaria a outra.”. E a tabela.3, sobre exemplos de cidadania no dia-a-dia, em que

também aparece uma categoria sobre ajudar as pessoas, que neste caso foi

denominada de respeito ao próximo e ajudar para ser ajudado, que pode ser

exemplificada com a resposta de S.6, “Exerço a minha cidadania respeitando, não

só a mim mas também ao próximo. Ajudo as pessoas sempre quando precisam de

minha ajuda, pois acho que se as pessoas tivessem um pouco de cidadania,

estaríamos bem.”

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O número reduzido de participantes deste estudo não possibilita uma

generalização das características observadas na maneira como os adolescentes

de outras amostras entendem os conceitos de democracia e cidadania. Estudos

envolvendo amostras mais amplas e diversificadas poderiam ser realizados,

visando verificar se a tendência identificada nesta amostra se apresenta entre os

adolescentes no geral.

Outro fator a ser considerado é o fato das participantes terem se

matriculado voluntariamente em um curso para debates de questões sociais.

Uma dificuldade observada foi em relação ao tipo de dado escolhido como

alvo desse estudo – o de ter respostas escritas pelos alunos. Este tipo de dado

pressupunha que os alunos pudessem se expressar de forma satisfatória e

expressar idéias complexas como aquelas envolvidas nos conceitos alvo.

Observou-se que as alunas, em geral, apresentaram uma acentuada

dificuldade de se expressarem de forma escrita. Isto pode ser observado, através

das respostas curtas, pouco elaboradas e das respostas confusas, ininteligíveis.

Por exemplo, na primeira pergunta letra “b”: “Você acredita que na prática a

democracia funciona de acordo com os princípios? Por quê?”, uma das respostas

foi: “Sim, na prática vai de acordo com os princípios que vão ocorrendo (...),

apesar de ser considerado democrático, o país não é, mas às vezes pode até

haver democracia, mas não é muito”.

Dado a dificuldade observada considera-se que possivelmente a

observação de relatos verbais através de entrevistas possibilite dados mais

completos e confiáveis.

A escassez de estudos na área de socialização política, mais

especificamente, de investigações sobre o pensamento de jovens brasileiros

acerca de política e instituições sociais dificulta a comparação dos resultados.

No entanto, uma comparação é possível ser feita com estudos realizados

junto a adolescentes de outros países.

No estudo de Joseph Adelson, apresentado por Cole e Cole (2003), as

mudanças encontradas na maneira de pensar dos adolescentes, sobre como se

organiza uma sociedade, puderam ser divididas em três áreas: a maneira como os

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adolescentes pensavam sobre as leis, o nível de controle social que consideravam

adequado, e a freqüência cada vez maior em que invocavam ideais políticos

abrangentes quando expressavam seus pontos de vista.

A idéia de controle social segundo o estudo de Adelson, evolui dos

adolescentes mais novos para os mais velhos. Os mais novos têm uma tendência

autoritária mais difundida, as leis impedem que alguém se comporte mal,

enquanto os adolescentes mais velhos, vêem a possibilidade de mudança das

leis, vêem o seu lado benéfico, permitem o seu desenvolvimento, e conseguem

perceber que podem existir mais aspectos na situação do que aquelas

apresentadas. Assim, questionando os achados de Adelson, de que jovens de 12

a 13 anos pensam nas leis em termos de pessoas e eventos concretos, e jovens

de 15 a 16 anos pensam em termos de princípios abstratos. Nas perguntas 1.a e

2.b os sujeitos, constituídos de jovens de 15 e 16 anos, deram respostas

concretas de cumprimento das leis para justificar os princípios democráticos e o

exercício da cidadania.

Na primeira questão sobre como explicar a democracia no país para um

estrangeiro, S.1 coloca que “No Brasil temos uma forma de governo, que há leis,

... que tendem a serem cumpridas pelos cidadãos”. Não conseguindo justificar

qual a função das leis para a democracia. Na pergunta 2.b, S.3 exemplifica o

exercício da cidadania através do comportamento dentro da lei, agindo

corretamente, não se questionando sobre o conteúdo e os princípios dessas leis.

Portanto o que se pode observar, é que jovens de 15 e 16 anos, não relativizam

as leis, apenas a encaram como verdade absoluta que deve ser cumprida.

Além disso, outra constatação que contraria o mesmo estudo de Adelson,

foi de que essas jovens de 15 e 16 anos entendem que as leis devem ser

respeitadas, pois representariam o melhor, ou uma verdade, não analisando os

vários aspectos da situação para analisarem as leis. Por exemplo, na tabela.1 foi

identificada uma categoria como existência de leis a serem cumpridas, composta

por S.1, S.4 e S.7 e na tabela.3, já aparece à categoria respeito às leis,

exemplificada na resposta de S.3 “Eu tento fazer as coisas mais corretas

possíveis, eu tento ficar dentro da lei.”

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Em geral os adolescentes manifestam um conhecimento rudimentar e

imaturo dos conceitos que são pobremente desenvolvidos. Eles não fazem

conexões entre ações do governo e dos cidadãos ou entre diferentes partes dos

sistemas político e econômico.

Nos estudo de Adelson que envolveram jovens de classe média de 11 a 18

anos americanos, alemães e ingleses. Ele observou várias diferenças entre os

jovens de 12 a 13 anos e os de 15 e 16 anos na maneira de pensarem sobre as

leis, o nível de controle social que consideravam adequado e a freqüência com

que invocavam ideais políticos.

Adelson observa que essa mudança na maneira de pensar sobre a política

corresponde à mudança que Inhelder e Piaget encontravam em seus estudos da

resolução de problemas científicos. Ele sugere que essa correspondência deve-se

ao fato de que a conceituação de sistemas políticos modificáveis, flexíveis e bem

equilibrados requer pensamento operatório formal.

Segundo Cole e Cole (2003) um resultado importante da pesquisa de

Adelson que vale a pena ressaltar, foi à descoberta de que as mudanças que ele

observou no decorrer da adolescência foram muito semelhantes ás de um país

para outro.

Newcombe (1999), coloca que quando se estuda o desenvolvimento moral

e os valores em jovens e adolescentes, existem duas razões que se acredita

demonstrariam a mudança e o crescimento sobre a reflexão desses jovens, a

cerca das questões sociais e políticas complexas. O primeiro seria o aumento de

suas capacidades cognitivas, e o segundo o esforço para a formação de uma

identidade.

Mas em contraste com essa afirmação, e um ponto preocupante a ser

considerado na formação dos adolescentes, e na elaboração de políticas públicas

para a juventude. Foi o fato de que algumas perguntas não foram respondidas, ou

obtiveram respostas exemplificadas pela pergunta 2.a., em que S.4 respondeu:

“Prefiro não citar nada”. Chaves e Souza (2002) analisaram a falta de sugestões

em seu estudo com adolescentes, sobre como melhorar a sua cidade, como a

falta de perspectiva de que o adolescente seja um agente transformador da

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sociedade, visão esta que tanto é tida pela sociedade como pelo próprio

adolescente.

Turney-Purta, (1990) e Cole e Cole (2003), indicam que novamente,

observa-se uma renovação do interesse sobre como os jovens pensam e

participam da vida política de seus países.

No nosso país, o desenvolvimento da área de investigação sobre

socialização política mostra-se necessário, uma vez que a classe dos políticos é

uma das mais criticadas, e que a população não sente que pode exercer o

controle social sobre as questões do país.

Neste contexto, o presente estudo mesmo tendo características

exploratórias e sendo preliminar, possibilita sugerir alguns aspectos metodológicos

a serem considerados em estudos posteriores e questões sobre o tema a serem

considerados em estudos posteriores sobre o desenvolvimento da maneira de

pensar dos adolescentes sobre questões políticas.

Os estudos de Adelson e colaboradores,e em vários outros estudos citados

por Turney-Purta (1990), sobre pensamento político e econômico, têm sido

realizados solicitando que os indivíduos falem sobre como solucionariam

problemas hipotéticos. Um modelo gráfico representando a imagem subjacente do

sistema político apresentado pelos jovens é construído a partir das respostas.

Sugere-se o uso em estudos posteriores da metodologia que vem sendo utilizada

na área proposição de situações hipotéticas como base para a reflexão dos jovens

sobre os conceitos e uso de entrevistas relacionadas aos dilemas da vida social

real.

O segundo objetivo da pesquisa foi o de levantar considerações acerca das

condições relevantes para o aprimoramento do conhecimento e participação

política dos jovens. A escola e o papel das políticas públicas são grandes fontes

de estudos, por talvez possibilitarem as condições para o aprimoramento das

questões que envolvam o jovem e a política.

Existem somente estudos esparsos sobre a influência dos contextos e dos

agentes de socialização sobre as cognições e entendimentos relativos à política e

as instituições sociais.

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Torney-Purta (1990), apresenta algumas conclusões de alguns destes

estudos. Nos Estados Unidos, em um estudo com jovens alunos negros e

brancos, eles diferiam minimamente sobre a conceitualização do sistema político.

Já em relação aos jovens dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Alemanha

Ocidental, eles diferem mais substancialmente. Estes dados indicam uma possível

influência de diferentes tipos de escolarização nesse processo. Torney-Purta

argumenta que as políticas educacionais podem ter um efeito direto na maneira de

pensar sobre o social e o conhecimento de política dos jovens.

A importância de estudos que mostrem então, como se dá à socialização

política e o desenvolvimento tanto da infância para a juventude, quanto dessa para

a idade adulta, auxiliaria na elaboração de políticas preocupadas em promover o

desenvolvimento sócio-político da população. Quanto da reflexão acerca do papel

da escola como um importante agente de socialização nesse contexto.

Tendo a escola como importante agente de socialização política, cabe

lembrar que é a escola pública noturna, através de seu supletivo e regular noturno,

receptora de parcela significativa das matrículas do Ensino Fundamental e Médio

dos sistemas estaduais e municipais do país. A maioria absoluta constituindo-se

de segmentos juvenis empobrecidos, com idade situada principalmente na faixa

de 15 a 24 anos. Embora esses jovens, vislumbrem no acesso à escola as

ferramentas necessárias para a inclusão nas escassas oportunidades de mercado

de trabalho e para aquisição de capital cultural, acabam por estabelecer com ela

um processo perverso, e contraditório, que se traduz de várias formas, tanto na

violência quanto no aparente desprezo. (Spósito, 1998, citado por Andrade, 2000)

Em uma pesquisa que entrevistou 30 jovens da periferia do Rio de Janeiro,

entre março e junho de 1999, que estão ou participaram de cursos de educação

de jovens e adultos, e foram ex-alunos do Programa Capacitação de Jovens da

Comunidade Solidária. Mostrou que esses jovens, antes mesmo dos 15 anos,

assumem responsabilidades do mundo adulto: trabalham fora, cuidam dos irmãos

menores, lavam e passam suas roupas, e em alguns casos são os únicos

provedores de renda familiar. Contrariando alguns esteriótipos, por serem não um

dado, mas uma construção de jovens que contrariam a idéia de juventude imatura,

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irresponsável, recorrendo muita vezes a uma posição de culpa face aos

insucessos do mundo da escola e do trabalho, como se tivesse essa condição um

cunho individual e não uma relação direta com a condição social marcada pela

exclusão. E a palavra mais recorrente utilizada por esses jovens foi oportunidade.

(Andrade, 2000)

Cole e Cole (2003) ainda apontaram, que as evidências mostram uma

imaturidade da juventude sobre como pensar a política, e principalmente, aqueles

adolescentes que se sentem excluídos da vida nacional por serem pobres, ou

pertencerem a um grupo religioso ou étnico minoritário, demonstram um menor

interesse na vida política. No caso desse estudo, os adolescentes estudavam em

uma escola pública, em bairro da periferia da cidade de São Carlos, e muitos já

tinham tido experiências de trabalho ou estavam a procura, para auxiliar nas

despesas da casa. Essa realidade precisa ser questionada, uma vez que as

experiências de exclusão social que são trazidas devem ser repensadas, na

própria formação desses adolescentes.

A juventude assim, enquanto é excluída da esfera da educação e do

emprego, é extremamente seduzida pelo consumo, que cada vez mais descobre

nesse segmento uma oportunidade. A exclusão social impede e dificulta o acesso

aos direitos da cidadania, como a igualdade perante a lei e as instituições

públicas, e o aceso as oportunidade sociais – escola, trabalho, cultura, lazer,

comunicação, etc. É também importante atentar para a dimensão simbólica do

processo de exclusão, conforme afirma Bourdieu (citado por Andrade, 2000),

ressaltando o papel desempenhado de forma perversa pelos meios de

comunicação.

Assim, comparando-se desigualdade e exclusão, Santos (citado por

Andrade, 2000) coloca que:

“Se a desigualdade é um fenômeno sócio-econômico, a exclusão é, sobretudo, um fenômeno cultural e social, um fenômeno de civilização. Trata-se de um processo histórico através do qual uma cultura, por meio de um discurso de verdade, cria a interdição e a rejeita...O sistema de desigualdade se assenta, paradoxalmente, no caráter essencial da diferença... O grau máximo da exclusão é o extermínio; o grau externo da desigualdade é a escravidão.”

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Falar em exclusão como em juventude como unidade social, não são

termos dados, mas construído socialmente, portanto, possíveis de serem refletidos

e modificados. Entender a produção de novas identidades e de novos

pertencimentos, é de fundamental importância no campo da educação,

considerando, principalmente, que a exclusão social é um processo e não uma

condição.

Enxergar o jovem como um protagonista juvenil, conceito esse que remete

ao lutador principal, personagem/ator principal, nada mais é do que buscar um

jovem autônomo, solidário, competente e participativo. Assim, para uma ação ser

tida como protagônica, se faz necessário que na sua execução, o educando seja o

ator principal no processo de seu desenvolvimento. Por meio desse tipo de ação,

o adolescente adquire e amplia seu repertório interativo aumentando assim, sua

capacidade de interferir de forma ativa e construtiva em seu contexto escolar e

sócio-comunitário.

Adotar a metodologia do protagonismo juvenil, através de uma perspectiva

ético-política, exige também, necessariamente, uma mudança na cultura das

pessoas, das organizações (com ênfase na escola) e no contexto sócio

comunitário em que a ação se desenvolve. Com o objetivo de se evitar a adoção

da visão messiânica do papel dos jovens, e ao invés disso incentivar a diretividade

democrática, ou seja, uma forma de direcionamento dos jovens, que em vez de

inibir, estimule o exercício de níveis de autoconfiança, de autodeterminação, de

autonomia. Preparar o jovem para vivenciar e aperfeiçoar a democracia, atuando

no mundo do trabalho da era pós-industrial e relacionar-se de forma construtiva e

solidária consigo mesmo, e com os outros na cultura da pós-modernidade,

significa “atuar em favor do jovem que queremos e não contra o tipo de jovem que

não queremos.” (Costa, 2004)

Assim, caberia ao educador, evitar posturas que inibam a participação e a

iniciativa do jovem e agir de maneira a incentivá-lo em tarefas como:

“- ajudar o grupo a identificar situações-problema e a posicionar-se diante delas; - empenhar-se para que o grupo não desanime nem se desvie dos objetivos propostos; - favorecer o fortalecimento dos vínculos entre os membros do grupo;

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- animar o grupo, não o deixando abater-se pelas dificuldades; - motivar o grupo a avaliar permanentemente sua atuação, quando necessário, replanejá-la; - zelar permanentemente para que a ação dos jovens seja compreendida e aceita por todos os que com eles se relacionam no curso do processo; - manter um clima de empenho e mobilização no grupo; - colaborar na avaliação das ações desenvolvidas pelo grupo e na incorporação de suas conclusões nas etapas seguintes do trabalho.” (Costa, 1999)

Nesse sentido, são traçadas inúmeras políticas sociais compensatórias,

assistenciais e de controle para a juventude, que correm o risco de se tornarem

apenas um “pronto socorro social”, na tentativa de reparar as fraturas, sem intervir

nos processos que produzem tais situações.

Os temas centrais de uma política para a juventude deveriam ser aqueles

da própria agenda de desenvolvimento do país, uma vez que eles serão o eixo

norteador, e também aqueles do próprio interesse do jovem. Estimulando o jovem

a lidar com seus problemas, se afirmando socialmente, e dando a ele uma

referência, valores e princípios que o comprometam com as gerações futuras.

A ONU (Organização das Nações Unidas) tem um guia em que coloca

aspectos essenciais para o desenvolvimento de políticas voltadas para a

juventude:

“- o lugar e o papel da juventude na sociedade, e a responsabilidade de cada setor para com a juventude; - formas e maneiras de reunir os jovens para permitir que eles expressem suas necessidades e aspirações, e tomem parte nas decisões sobre as atividades que os atingem; - reorientação do processo político, tanto dos agentes governamentais como dos não governamentais, para conceder aos jovens seu lugar como beneficiário e contribuinte para todos os aspectos do desenvolvimento nacional; Para existir uma política para juventude coloca ainda como premissas: - Existência de mecanismos de consulta e participação; - Disseminação adequada de informações para diversas esferas juvenis; - Monitoramento e avaliação das ações”(Chaves Júniorr, 1999) Os jovens reivindicam além de sua realização pessoal e coletiva, o direito

de participar ativamente da história nacional e mundial, a partir de suas próprias

comunidades. Necessitam de uma nova moral social e econômica. Ao mesmo

tempo em que se encantam com a Internet e com as inovações tecno-científicas,

protestam contra a miséria e a guerra, que. Também conhecida por não aceitar a

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ordem estabelecida, a juventude, busca sua inserção por meio da criação de uma

ordem diferenciada, que considere suas opiniões e visão de mundo. Como grupo

populacional bem específico, os jovens contam com imensas dificuldades de

inserção, o que acaba acarretando por conduzir drásticas transformações sociais.

Uma política para a juventude na verdade abrange um projeto de nação,

uma vez que, mais do que orientar um poder social específico face ao presente e

ao futuro, ela não exerce apenas o papel de proteger e conceder direitos. Essas

políticas devem envolver o Estado e a Sociedade Civil através de objetivos,

diretrizes e estratégias para fomentar e coordenar as atividades em favor da

juventude para que esta também faça parte da dinâmica do seu desenvolvimento.

Assim uma política deve ser:

“1. Integral: no sentido de aprender a problemática juvenil em todos os seus componentes, por meio de uma visão de conjunto e como parte das estratégias de desenvolvimento social e econômico; 2. Orquestrada: deve envolver todos os atores, direta e indiretamente, vinculados ao processo decisório; 3. Sistematizada: deve estudar, de forma sistematizada e permanente, a dinâmica da juventude, atual e coordenar as ações de forma articulada e concertada; 4. Incisiva: apresenta, com a devida precisão, respostas às múltiplas dimensões das problemáticas juvenis, de forma específica e objetiva; 5. Participativa: favorece o protagonimo juvenil, possibilitando a construção de projetos de vida para os jovens, e estabelece pontos de referência – no quais lideranças locais sejam formadas, e hábitos de conduta positivos sejam estimulados; concordo com isso?? 6. Seletiva: como toda política pública de natureza social, e este é um ponto de polêmica, a política de juventude deve ser universalista, humanista e adequada ao contexto; mas deve ter também um caráter pragmático, proporcionando aos jovens de baixa renda, do meio rural e urbano, e às “mulheres jovens”, em particular, serviços emergenciais de atenção; 7. Descentralizada: entende o papel dos atores locais na solução dos problemas, a política deve promover a desburocratização dos serviços proporcionando capacidade operacional, eficiência no atendimento e participação local dos jovens.” (Chaves Júnior,1999)

Entender o processo de socialização política do jovem, saber qual os

conceitos que ele têm de democracia, cidadania, política e participação política,

auxiliará numa transformação ativa da sociedade. Tendo como ponto principal à

participação. Por isso, se faz necessário um maior investimento na área da

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socialização política, além, de um intercâmbio com outras áreas que tenham como

objeto o jovem, seus anseios e necessidades.

Assim, é preciso considerar o jovem como ator estratégico do

desenvolvimento social sustentado, papel este que ele vem assumindo e que cada

vez mais lhe é atribuído, significando, sobretudo, fomentar a sua participação

ativa, com plena consciência do seu papel de cidadão. Os trabalhos que vêm

sendo desenvolvidos, principalmente, por instituições e agências de trabalho

social já começam a atribuir ao adolescente um papel social ativo. Isso significa

mudar a maneira como se propõe e aplica as políticas destinadas à juventude.

Primeiro significa planejar ações baseadas em políticas preventivas e não

reativas, aquelas que se preocupam mais com possíveis problemas que possam

ser causados pela juventude do que com as possibilidades, e segundo, enxergá-lo

como um protagonista da transformação da realidade social que o oprime,

conseguindo assim uma verdadeira inserção das novas gerações na sociedade, e

talvez uma maior valorização deste pelas questões políticas da sociedade.

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Anexos

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Anexo A. – Questionário de Conceitos Políticos:

Cidadania e Democracia

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QUESTIONÁRIO DE CONCEITOS POLÍTICOS

CIDADANIA E DEMOCRACIA

Esta é a primeira parte de um questionário que tem como objetivo, a compreensão

acerca do que os jovens pensam sobre democracia e cidadania.

Para isto serão levantadas questões as quais o aluno deve responder de forma mais

completa e clara possível.

Nome:____________________________________________________________________

Idade:___________________Série:_______________

Sexo: ( )F ( )M

São Carlos 2003

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Responda e comente as perguntas que se seguem:

1) a) Imagine que você acabou de conhecer um garoto de sua idade que veio de um outro

país, onde não existe democracia, e como no Brasil existe, descreva abaixo como você

explicaria os princípios de democracia a ele.

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

b) Você acredita que na prática a democracia funciona de acordo com os princípios? Por

quê?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

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2) a) Cite alguns exemplos de como você exerce a democracia no seu dia-a-dia:

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

b) Cite também alguns exemplos de como você exerce a sua cidadania:

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

3) Considerando os princípios da cidadania existentes hoje, como você avaliaria o que

ocorria com o escravo e seu dono na época da escravidão?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

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4) Será apresentado agora um dilema, descreva que atitudes você teria frente a esse

impasse:

Perto de onde você mora existe um rio que ajuda no abastecimento de água potável da

sua cidade e de outras, mas existe um problema, ele está contaminado e está faltando água

na sua cidade. O motivo encontrado até agora para a poluição desmedida foi de que uma

indústria que fica na beira do rio não trata o seu esgoto e o despeja sem controle na água. O

que você faria frente a este problema?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

Se seu amigo tivesse problemas de saúde por causa da água contaminada, qual conselho

você daria a ele?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

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Anexo B. – Termo de Consentimento Livre e Esclareci do

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Universidade Federal de São Carlos Centro de Educação e Ciências Humanas

Curso de Graduação em Psicologia

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Eu,_________________________________________________________,

Portador do RG de nº__________________________, concordo em participar do

Curso “Tempo de Reflexão: Questões Morais e Éticas” que será realizado no

período de abril a julho de 2003. Declaro estar ciente de que os dados coletados

durante o curso serão utilizados em pesquisa e divulgados, com total sigilo sobre a

identidade do participante.

As pesquisas que utilizarão os dados são de responsabilidade das alunas

Cristiane Ramos de Matos Marçal e Lívia Midori Okino Yoshikai, graduandas do

curso de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, sob a orientação da

Profª Drª Tânia Maria Santana de Rose.

Estou ciente de que minha participação é voluntária e de que dela posso

desistir a qualquer momento, sem explicar os motivos e sem comprometer meu

nome.

São Carlos, ___/___/___

_____________________ ____________________________

Assinatura participante Assinatura responsável pelo projeto

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