um estudo de casos sobre a aplicação de

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i UM ESTUDO DE CASOS SOBRE A APLICAÇÃO DE PRINCÍPIOS ENXUTOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL Augusto Castejón Lattaro Silberstein Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto COPPEAD de Administração Mestrado em Administração Orientador: Kleber Fossati Figueiredo Rio de Janeiro 2006

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Page 1: Um estudo de casos sobre a aplicação de

i

UM ESTUDO DE CASOS SOBRE A APLICAÇÃO DE

PRINCÍPIOS ENXUTOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL

Augusto Castejón Lattaro Silberstein

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto COPPEAD de Administração

Mestrado em Administração

Orientador: Kleber Fossati Figueiredo

Rio de Janeiro

2006

Page 2: Um estudo de casos sobre a aplicação de

ii

UM ESTUDO DE CASOS SOBRE A APLICAÇÃO DE

PRINCÍPIOS ENXUTOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE NO BRASIL

AUGUSTO CASTEJÓN LATTARO SILBERSTEIN

Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração

da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários

à obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.).

Aprovada por:

___________________________________________________ Prof. Kleber Fossati Figueiredo, Ph. D. COPPEAD/UFRJ – Presidente da Banca

___________________________________________________

Profª. Cláudia Affonso Silva Araújo, Ph. D. COPPEAD/UFRJ

___________________________________________________

Prof. Octavio Fernandes da Silva Filho, D. Sc. FIOCRUZ

RIO DE JANEIRO

2006

Page 3: Um estudo de casos sobre a aplicação de

iii

Silberstein, Augusto Castejón Lattaro

Um estudo de casos sobre a aplicação de princípios enxutos em serviços de saúde no Brasil / Augusto Castejón Lattaro Silberstein. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006.

xiii; 161f: il. Orientador: Kleber Fossati Figueiredo Dissertação (mestrado) – UFRJ/ COPPEAD/ Programa de

Pós-graduação em Administração, 2006. Referências Bibliográficas: f. 152-161 1. Princípios enxutos. 2. Gestão de serviços de saúde. I.

Figueiredo, Kleber F. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Título

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iv

“Zeit ist Leben und das Leben liegt im Herzen*.”

Michael Ende

* Tempo é vida e a vida reside no coração.

Page 5: Um estudo de casos sobre a aplicação de

v

To mom and dad

for whom my love spans

from the sky to the fireplace.

Page 6: Um estudo de casos sobre a aplicação de

vi

AGRADECIMENTOS

Após me debruçar sobre este tema fascinante saio com a convicção do

potencial que a mentalidade enxuta possui de contribuir positivamente em todos

os processos que compõem as operações. A aplicação dos princípios enxutos, no

entanto, não abarca tudo. Muitíssimas pessoas possibilitaram a realização desta

pesquisa e não pretendo ser enxuto nos agradecimentos.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus que torna a vida uma aventura

absolutamente apaixonante e a meus pais sempre na torcida a quem dedico este

trabalho.

Agradeço ao Prof. Kleber pela presteza com que respondia as minhas

dúvidas e inquietações, pela sinceridade de apontar os aspectos positivos e

negativos do trabalho durante seu desenvolvimento, pelos conselhos e indicações

que viabilizaram sua conclusão. Sua dinâmica de orientação constituiu o principal

ponto de aprendizado nestes anos de mestrado.

Um agradecimento especial cabe à Profª. Cláudia Araújo pela sua presença

na Banca examinadora e pelos seus valiosos comentários ao trabalho

apresentado. Sou imensamente grato ao Dr. Octávio não só pelo esforço

necessário para comparecer à banca e pelos seus comentários instigantes e

provocadores (durante a defesa e depois por escrito!) como também pelo

acolhimento na nossa primeira conversa e pelas as indicações que foram

fundamentais para o desenvolvimento do trabalho.

Quero expressar minha gratidão ao Dr. Cláudio Nunes, a Ana Butter Nunes,

a Patrícia Prates e ao Dr. José Marcos Badim pela calorosa recepção, pela

paciência em ouvir o tema em estudo e por terem facilitado a escolha dos casos.

Sem a valiosíssima contribuição de Dr. Jackson Caiafa, Dr. André

Volschan, Helaine Miranda, Marcelo Dibo, Fabiana Barini, Alex de Sá e Carlos

Inácio este trabalho não existiria. Quero agradecer o tempo que me dedicaram nas

entrevistas e dizer que o entusiasmo de cada um pelo seu trabalho é

extremamente contagiante. Aprendi muitíssimo de cada um.

Page 7: Um estudo de casos sobre a aplicação de

vii

Sou muitíssimo grato à Dra. Cláudia Telles pelo interesse tanto no tema da

pesquisa quanto na sua viabilização e à Cristiane Cabral pelos dados fornecidos.

O corpo docente do Instituto COPPEAD de Administração é conhecido pela

excelência. Sou imensamente agradecido a todos os professores. Além dos

professores, os colegas de mestrado ajudaram a tornar este tempo de

aprendizagem particularmente gratificante. Considero-me privilegiado por fazer

parte desta turma e agradeço a cada um.

Sou extremamente agradecido à Cida e à Simone que sabem acolher tão

bem os novos alunos e cuja eficiência e apoio foram totais durante todo o período

do mestrado.

Agradeço ao amigo Herbert Missaka pela apresentação de textos

interessantíssimos que serviram de espinha dorsal para a tese bem como pelo

olhar clínico capaz de detectar inúmeros erros na minha versão “já final” do

trabalho. Os erros que permaneceram são de minha total responsabilidade.

Também agradeço aos amigos Leonardo Barbosa Soares e Ricardo

Miyashita pelos estímulos e dicas de quem tem a autoridade da experiência. Devo

gratidão ao Christian Orglmeister e ao Renato Nishimura por ouvirem com o

entusiasmo próprio de amigos a evolução dos trabalhos e facilitarem o acesso a

pessoas importantes na discussão dos temas da pesquisa.

Quero manifestar gratidão aos colegas e amigos Mário Sozzi (que me

introduziu ao mundo lean), Newton Santana, Celso Sapienza, Carlos Eduardo

Almeida e Mateus França. Formamos uma equipe de trabalho inesquecível na

qual começamos a explorar o conceito lean. Agradeço também ao Maurício Rio

pelo incentivo em estudar os processos nas organizações. Este trabalho pode ser

considerado uma seqüência dos nossos anos de trabalho em conjunto.

Agradeço ao amigo Carlos Bremer pelo apoio e indicações de especialistas

no assunto. Sou grato ao Douglas Tacla e à Mayuli Fonseca, fornecedora dos

textos que deram um ponta-pé inicial ao trabalho.

Agradeço, por fim, ao CAPES pelo apoio concedido.

Page 8: Um estudo de casos sobre a aplicação de

viii

RESUMO

SILBERSTEIN, Augusto Castejón Lattaro. Um estudo de casos sobre a aplicação de princípios enxutos em serviços de saúde no Brasil. Orientador: Kleber Fossati

Figueiredo. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006. Dissertação (Mestrado em

Administração).

O pensamento enxuto pode ser considerado um novo paradigma industrial ao

sintetizar a eficiência da produção em massa e a flexibilidade da produção artesanal.

Operações enxutas têm apresentado resultados superiores tanto em termos de

qualidade como de eficiência, dois indicadores de desempenho tradicionalmente

considerados em conflito. O dilema entre qualidade e eficiência também se encontra

no contexto dos serviços e é uma questão particularmente sensível nos serviços de

saúde. O presente estudo analisa o potencial de contribuição do pensamento enxuto

para superar o conflito entre qualidade e eficiência nos serviços de saúde.

Através da análise de cinco serviços de saúde brasileiros, o estudo pretende

verificar como os princípios enxutos se aplicam nestes serviços, em que medida

esses princípios estão presentes e quais as adaptações necessárias dadas as

especificidades do setor. Os processos e os serviços de saúde estudados são: a

atenção integral ao paciente diabético do Projeto do Pé Diabético, o diagnóstico e

atendimento de emergência no Hospital Pró-Cardíaco, a recepção no Hospital Dr.

Badim, suprimentos no Hospital Copa D´Or, a logística de suporte da Diagnósticos da

América.

O estudo conclui que a aplicação dos princípios enxutos nos serviços de saúde

é possível, exige algumas adaptações, admite diversos graus e tem potencial para

contribuir na solução dos conflitos entre qualidade e eficiência. A aproximação da

linguagem médica com a linguagem de processos é necessária para a expansão da

mentalidade enxuta neste setor. O estudo sugere a existência de sinergias

interessantes entre a medicina baseada em evidências e a mentalidade enxuta para a

promoção de uma prática médica de qualidade e uma gestão eficiente de processos.

Page 9: Um estudo de casos sobre a aplicação de

ix

ABSTRACT

SILBERSTEIN, Augusto Castejón Lattaro. Um estudo de casos sobre a aplicação de princípios enxutos em serviços de saúde no Brasil. Orientador: Kleber Fossati

Figueiredo. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2006. Dissertação (Mestrado em

Administração).

Lean thinking can be considered a new industrial paradigm because it

synthesizes the efficiency of traditional mass production and the flexibility of craft

production. Lean operations have brought forth superior results in both quality and

efficiency measures, two performance indicators traditionally considered to be in

conflict. The dilemma between targeting quality versus efficiency is also present in the

service sector and is a particularly sensitive issue in health care. The present study

analyzes the potential contribution of lean thinking to the solution of this dilemma in

health care.

Through the analysis of five Brazilian health care organizations, this study

intends to verify how lean principles apply to these services, in what extent these

principles are present and to what degree these principles need modifications due to

uniqueness of the health sector. The following processes and organizations compose

the study: end-to-end care of a diabetic patient at the Projeto do Pé Diabético,

diagnosis and emergency service at the Hospital Pró-Cardíaco, the reception process

(first front-line employee contact) at the Hospital Dr. Badim, supply at the Hospital

Copa D´Or and support logistics at Diagnósticos da América.

The study concludes that applying lean principles in health care is possible,

requires some modifications, admits different degrees of incorporation and has

potential to contribute to the solution of the conflict between quality and efficiency. A

greater approximation between the medical language and the process management

language is necessary to deepen the application of lean principles in health care. The

study suggests the existence of interesting synergies between evidence-based

medicine and lean thinking which may enable further advances in the integration of a

high quality clinical practice and an efficient process management in health care.

Page 10: Um estudo de casos sobre a aplicação de

x

SUMÁRIO

1 Introdução....................................................................................................... 1

1.1 O problema ............................................................................................... 1 1.2 Objetivo..................................................................................................... 3 1.3 A relevância do assunto............................................................................ 4

1.3.1 A contribuição do pensamento enxuto nas operações ...................... 4 1.3.2 O apelo da abordagem enxuta aos stakeholders dos serviços de

saúde ................................................................................................. 5 1.4 Delimitações ............................................................................................. 7 1.5 Organização do Estudo............................................................................. 8 1.6 Contexto de Estudo................................................................................... 8

2 Revisão de literatura.................................................................................... 14

2.1 O conceito lean ....................................................................................... 14 2.2 Evolução da aplicação do conceito lean ................................................. 17 2.3 Princípios lean ........................................................................................ 23

2.3.1 Princípios da provisão enxuta .......................................................... 24

2.3.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho...................................... 24 2.3.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor ......................... 25 2.3.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente....................... 25 2.3.1.4 Envolvimento do cliente............................................................ 26 2.3.1.5 Delegar poder aos empregados ............................................... 27

2.3.2 Princípios do consumo enxuto ......................................................... 27

2.3.2.1 Resolver o problema do cliente completamente ....................... 28 2.3.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente ......................................... 32 2.3.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer ........................ 34 2.3.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer ......... 37 2.3.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente ............ quando ele quer........................................................................ 39 2.3.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e

aborrecimento do cliente........................................................... 41 2.3.3 Conjugando os princípios da provisão e do consumo enxutos ........ 42

2.4 Princípios Enxutos aplicados à saúde..................................................... 45

2.4.1 Princípios da provisão enxuta .......................................................... 47

2.4.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho...................................... 47 2.4.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor ......................... 49 2.4.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente....................... 52

Page 11: Um estudo de casos sobre a aplicação de

xi

2.4.1.4 Envolvimento do paciente......................................................... 54 2.4.1.5 Delegar poder aos empregados ............................................... 55

2.4.2 Princípios do consumo enxuto ......................................................... 56

2.4.2.1 Resolver o problema do paciente completamente.................... 57 2.4.2.2 Não desperdiçar o tempo do paciente ...................................... 60 2.4.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o paciente quer ..................... 65 2.4.2.4 Oferecer o que o paciente quer exatamente onde ele quer...... 69 2.4.2.5 Oferecer o que o paciente quer onde ele quer exatamente

quando ele quer........................................................................ 69 2.4.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e

aborrecimento do paciente ....................................................... 70 2.5 Medicina baseada em evidências ........................................................... 70 2.6 Quadro Conceitual .................................................................................. 74

3 Metodologia .................................................................................................. 77

3.1 Tipo de pesquisa..................................................................................... 77 3.2 Seleção dos casos.................................................................................. 78 3.3 Coleta e tratamento dos dados ............................................................... 79 3.4 Limitações do Método ............................................................................. 80

4 Descrição dos Casos................................................................................... 81

4.1 Pólo do Pé Diabético............................................................................... 81 4.1.1 Diabetes........................................................................................... 81 4.1.2 Gênese do Pólo do Pé Diabético ..................................................... 82 4.1.3 O projeto do Pé Diabético................................................................ 83 4.1.4 Educação continuada ...................................................................... 87 4.1.5 Capacitação do pessoal de atendimento ......................................... 88 4.1.6 Próximos passos.............................................................................. 88

4.2 Atendimento de emergência no Pró-Cardíaco ........................................ 90

4.2.1 Introdução........................................................................................ 90 4.2.2 Decisões sob risco........................................................................... 90 4.2.3 Excelência no atendimento.............................................................. 91 4.2.4 A lógica do diagnóstico baseado em evidências ............................. 93 4.2.5 O protocolo de atendimento de dor torácica .................................... 96 4.2.6 Melhoria Contínua.......................................................................... 100

4.3 O processo de atendimento no Hospital Dr. Badim .............................. 102

4.3.1 Introdução...................................................................................... 102 4.3.2 Atendimento no Hospital Dr. Badim............................................... 103 4.3.3 Problemas no processo de atendimento........................................ 105 4.3.4 Solução adotada ............................................................................ 107

Page 12: Um estudo de casos sobre a aplicação de

xii

4.3.5 Fluxo do consumo e provisão de uma cirurgia eletiva ................... 109 4.4 Suprimentos no Copa D´Or................................................................... 114

4.4.1 Introdução...................................................................................... 114 4.4.2 Pressão pela redução de custos.................................................... 114 4.4.3 Consignação.................................................................................. 115 4.4.4 Projeto de Dispensário Eletrônico.................................................. 117 4.4.5 Melhoria contínua na farmácia....................................................... 118

4.5 A logística de suporte da Diagnósticos da América .............................. 121

4.5.1 Introdução...................................................................................... 121 4.5.2 Valores da empresa....................................................................... 121 4.5.3 Estratégia de marcas da DA .......................................................... 122 4.5.4 O papel da logística ....................................................................... 123 4.5.5 Coleta Domiciliar............................................................................ 125

5 Análise dos Casos ..................................................................................... 127

5.1 Princípios da provisão enxuta ............................................................... 127 5.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho ........................................... 127 5.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor .............................. 128 5.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente............................ 130 5.1.4 Envolvimento do cliente ................................................................. 131 5.1.5 Delegar poder aos empregados..................................................... 132

5.2 Princípios do consumo enxuto .............................................................. 133

5.2.1 Resolver o problema do cliente completamente ............................ 133 5.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente .............................................. 135 5.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer ............................. 137 5.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer .............. 139 5.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente ................... quando ele quer ............................................................................. 140 5.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo ......................... e aborrecimento do cliente............................................................. 141

6 Conclusões e Recomendações ................................................................ 143

6.1 Conclusões ........................................................................................... 144 6.2 Recomendações ................................................................................... 150

7 Referências Bibliográficas ........................................................................ 152

Índice de Quadros....................................................................................... xiii

Page 13: Um estudo de casos sobre a aplicação de

xiii

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1-1: Gasto per capita com saúde pública ................................................ 11

Quadro 1-2: Gasto público com saúde e expectativa de vida .............................. 12

Quadro 2-1: Etapas do processo de consumo ..................................................... 29

Quadro 2-2: Interdependência dos Princípios Lean ............................................. 44

Quadro 2-3: Serviços de saúde citados para ilustrar os princípios enxutos ......... 46

Quadro 2-4: Melhoria de Eficiência no Virgínia Mason Medical Center ............... 48

Quadro 2-5: Fonte de desperdício nos serviços de saúde ................................... 49

Quadro 2-6: Plano estratégico do Virginia Mason ................................................ 55

Quadro 2-7: Iniciativas para implementar o "acesso-livre" ................................... 61

Quadro 2-8: Suprimentos convencionais e suprimentos enxutos......................... 67

Quadro 2-9: Paralelo - Med. Baseada em Evidências e a Mentalidade Lean ...... 72

Quadro 3-1: Casos selecionados ......................................................................... 79

Quadro 4-1: Evolução dos índices de amputação alta ......................................... 87

Quadro 4-2: Nomograma de Fagan ..................................................................... 95

Quadro 4-3: Protocolo de Dor Torácica do Hospital Pró-Cardíaco....................... 99

Quadro 4-4: Cirurgia eletiva antes do redesenho dos processos....................... 110

Quadro 4-5: Cirurgia eletiva depois do redesenho dos processos ..................... 112

Quadro 4-6: Portfólio de marcas da Diagnósticos da América........................... 123

Quadro 5-1: Processo de consumo para o tratamento do diabetes ................... 134

Page 14: Um estudo de casos sobre a aplicação de

1

1 Introdução

1.1 O problema

Como pólos iguais de dois ímãs se repelem, assim parecem se comportar

os termos eficiência e serviços de saúde. As ineficiências nos cuidados da saúde

se manifestam de diversos modos e evidenciam que suas operações, via de regra,

não estão estruturadas para pôr o paciente em primeiro lugar.

A situação do setor de saúde no Brasil tem sido descrita como caótica1 ou

calamitosa2. Os problemas que denotam a falta de eficiência deste setor têm

freqüentado as manchetes dos jornais:

• Longas filas de espera: “Paciente morre na fila de um posto de

saúde”; “Até um ano de espera” (O Globo, 3/05/2005)

• Aumento desnecessário de exames: “A epidemia dos exames

médicos” (O Globo, 9/05/2005)

• Má distribuição de responsabilidades entre gestores: “O abismo e

sua beira” (O Globo 28/10/05)

• Má gestão da capacidade: “Menos leitos nos hospitais – Oferta de

vagas do SUS no Estado cai 26% em dez anos, mas população

cresce 12%” (O Globo, 29/10/05); “Maternidade sem uso se

deteriora ao lado de outra superlotada” (O Globo, 23/11/05)

• Dificuldades de acesso ao sistema de saúde: “A via-crúcis até o

hospital”, reportagem premiada (O Globo, 29/10/05)

• Ineficiência no controle de estoques: “Faltam materiais e

medicamentos no Salgado Filho” (O Globo, 5/11/05), “Estoque zero

na principal emergência do Rio” (O Globo, 22/10/05)

1 Costa, Célia e Engelbrecht, Daniel. Saúde novamente à beira do caos. O Globo, Rio de Janeiro, 26 out. 2005. 2 Sales, Eugenio. Situação Calamitosa. O Globo, Rio de Janeiro, 12 nov. 2005.

Page 15: Um estudo de casos sobre a aplicação de

2

Segundo Araújo (2005), o setor de saúde no Brasil está marcado por custos

crescentes na assistência juntamente com uma piora na qualidade dos serviços e

restrições crescentes no acesso aos serviços de saúde. O aumento dos custos por

si só não é negativo, uma vez que é desejável a incorporação de novas

tecnologias que melhorem o diagnóstico e tratamento dos problemas de saúde.

São as ineficiências denunciadas nas manchetes acima mencionadas e oriundas

dos desperdícios na gestão dos serviços de saúde que constituem um problema.

A ineficiência na saúde não é uma situação exclusivamente brasileira. Um

levantamento feito pelo governo norte-americano identificou uma série de indícios

de sub-uso, mau uso e uso em excesso dos serviços de saúde dos EUA para

ilustrar tais ineficiências (DHHS, 1998).

Sub-usos dos serviços: A sub-utilização dos serviços de saúde pode

conduzir a complicações adicionais, custos de tratamento mais altos e mortes

prematuras. Entre outros exemplos, o relatório cita que cerca de 80% dos

pacientes com ataque cardíaco não receberam tratamento com beta-bloqueadores

levando a cerca de 18.000 mortes desnecessárias; 60% dos diabéticos com mais

de 31 anos não fizeram o exame óptico recomendado no ano anterior, 30% das

mulheres entre 52 e 69 anos não tinham feito uma mamografia nos últimos 2 anos.

Mau uso dos serviços: erros na utilização dos serviços de saúde levam a

diagnósticos falhos ou tardios, maiores custos e mortes desnecessárias. Num

estudo dos hospitais do estado de Nova Iorque o relatório aponta que um em cada

25 pacientes foram lesados pelo tratamento médico que receberam e que estas

lesões redundaram em mortes em 13,6% dos casos.

Utilização em excesso dos serviços: serviços desnecessários

acrescentam custos em todo o sistema e também podem minar a saúde dos

pacientes. Metade dos pacientes com uma gripe comum foram tratados

desnecessariamente com antibióticos, o que anula a ação destes antibióticos em

tratamentos futuros encarecendo-os. 16% das histerectomias3 realizadas nos EUA

foram consideradas desnecessárias.

3 Histerectomia: remoção do útero

Page 16: Um estudo de casos sobre a aplicação de

3

O IOM4 (2001) publicou um estudo sobre a qualidade dos serviços de

saúde nos EUA afirmando que as tentativas de entregar as tecnologias

disponíveis hoje com os atuais meios de produção médicos são, no campo da

saúde, o equivalente a produzir microprocessadores numa fábrica de aspirador de

pó. Afirma o estudo que “os custos de desperdício, baixa qualidade e ineficiência

são enormes”.

Os serviços de saúde, portanto, apresentam muitas fontes de ineficiência e

problemas de qualidade que constituem um verdadeiro desafio para os

promotores da saúde. Tais ineficiências têm chamado a atenção dos meios de

comunicação e requerem estudos para encontrar maneiras de superar estes

problemas.

1.2 Objetivo

Este estudo pretende verificar a possibilidade de inverter o ímã dos serviços

de saúde para que seja atraído em direção ao ímã da eficiência. Há uma maneira

de encarar as operações, nascida no ambiente industrial, que busca conciliar

simultaneamente qualidade e eficiência. Trata-se da mentalidade enxuta da qual

derivam uma série de princípios que norteiam as operações de uma organização.

O objetivo deste estudo é o de analisar a aplicabilidade dos princípios

enxutos no contexto dos serviços de saúde. Para isso, o estudo quer mostrar em

que medida esses princípios estão presentes nestes serviços, entender a

necessidade de adaptar os princípios levando em consideração as especificidades

deste setor e analisar seu potencial de contribuição para melhorar o atendimento

ao paciente em relação à qualidade e à eficiência.

4 O IOM (Institute of Medicine) é uma organização não-governamental dos EUA, associada ao National Academy of Sciences, formada por um grupo de notáveis que tem como missão fornecer análises científicas e sugestões de melhoria nos serviços de saúde.

Page 17: Um estudo de casos sobre a aplicação de

4

1.3 A relevância do assunto

A relevância do assunto pode ser auferida pela contribuição que a

mentalidade enxuta tem dado às operações de inúmeras organizações nos mais

variados setores e pelos benefícios potenciais desta abordagem aos diversos

stakeholders dos serviços de saúde.

1.3.1 A contribuição do pensamento enxuto nas operações

Para atingir os níveis de qualidade e de custos exigidos pelos

consumidores, as empresas precisam olhar para suas operações, uma compilação

de processos que geram valor para o cliente sob a forma de um produto ou

serviço. Segundo Allway e Corbett (2002), é necessário olhar para as operações

das empresas para fazer frente aos desafios do ambiente que se encontram

presentes inclusive nos serviços de saúde:

• expectativas crescentes do cliente. No caso da saúde, é o bem-estar

e em última análise a vida do paciente que está em jogo.

• pressão por aumentar o faturamento. Nos EUA, por exemplo, a

Medicare reduziu os pagamentos aos hospitais em decorrência do

Balanced Budget Act. No Brasil, o SUS tem preço tabelado para

cada tipo de intervenção médica.

• pressões competitivas. No setor de saúde, os centros especializados

(centros cardiovasculares, centros de tratamento de câncer, etc.)

apresentam uma vantagem em custo de 20% a 40% em relação aos

centros não especializados.

• custos crescentes. Os hospitais enfrentam a necessidade de

incorporar novas tecnologias, comprar novos medicamentos que

implicam custos crescentes.

Page 18: Um estudo de casos sobre a aplicação de

5

Os princípios enxutos aplicados nas operações têm dado uma resposta

mais que satisfatória a estes desafios de ambiente e têm introduzido, segundo

Bowen e Youngdahl (1998), um novo paradigma industrial.

Para Allway e Corbett (2002) a abordagem enxuta das operações tem

trazido resultados lendários em termos de excelência operacional e lucratividade.

Estes autores afirmam que na indústria automotiva e siderúrgica, as empresas

enxutas extraem o dobro da produtividade do espaço, estoque e equipamentos do

que as empresas tradicionais de produção em massa. Na indústria de

computadores, empresas enxutas apresentam um crescimento de vendas e um

retorno aos acionistas de 15 a 20 vezes superior que as empresas tradicionais.

Em termos operacionais, as empresas enxutas contabilizam melhorias de 35% a

50% na produtividade da mão-de-obra, requerem quase metade do tempo de

desenvolvimento de um produto (do conceito ao lançamento), baixam a um

décimo a taxa de rejeição de produtos por defeito e têm um tempo de

processamento de 80% a 90% mais eficiente.

1.3.2 O apelo da abordagem enxuta aos stakeholders dos serviços de saúde

A abordagem enxuta busca analisar as operações e verificar o fluxo de

atividades necessárias para atender o consumidor, identificando entre as

atividades aquelas que efetivamente geram valor para o consumidor daquelas que

não geram valor. Feita esta análise passa-se a questionar o porquê da existência

das atividades que não geram valor e como estas podem ser eliminadas. Este

procedimento sistemático e reiterativo aperfeiçoa continuamente as operações e

pode trazer benefícios para todos os stakeholders envolvidos. A seguir

apresentam-se os possíveis benefícios de uma abordagem enxuta para os

diferentes stakeholders dos serviços de saúde.

Os pacientes. Em primeiro lugar esta abordagem pode beneficiar o próprio

paciente, que é a razão de ser de todo o sistema (Araújo, 2005). Fácil acesso ao

médico, praticidade ao marcar uma consulta, tempos de espera reduzidos,

atendimento mais rápido devido à eliminação do excesso de movimentação do

Page 19: Um estudo de casos sobre a aplicação de

6

paciente e da duplicidade de exames pedidos podem ser alguns dos resultados de

uma gestão enxuta dos serviços de saúde.

Os profissionais da saúde. Um processo de atendimento que gera

consumidores frustrados também gera insatisfação nos profissionais que os

atendem. É uma reivindicação do pessoal da saúde um exercício de sua profissão

mais rico, mais centrado e mais responsável (Latas e Robert, 2000). O tempo de

um neurocirurgião, por exemplo, que não é empregado em cirurgia constitui um

desperdício. O tempo do pessoal de saúde que não for empregado no

atendimento dos pacientes, idem (as enfermeiras precisam cuidar dos pacientes e

não do sistema). O esforço por eliminar estes desperdícios pode contribuir

positivamente para o enriquecimento do trabalho destes profissionais.

Os gestores dos hospitais. A diminuição do custo do desperdício aumenta

a produtividade e a rentabilidade dos serviços hospitalares. Um dos dilemas da

saúde é como fazer mais com os recursos disponíveis. O Brasil tem investido de

7% a 8% do PIB na saúde nos últimos anos. O gasto per capita em saúde tem

aumentado. Mas este aumento tem um limite. Como atender à demanda pelos

serviços de saúde dentro destes limites senão através da otimização dos serviços

e eliminação destes desperdícios? Um hospital enxuto pode fazer mais com cada

real gasto em saúde.

Os planos de saúde. Os planos de saúde ganham dinheiro recusando-se a

pagar por serviços ou restringindo aos assegurados o acesso a médicos e

hospitais (Porter e Teisberg, 2004). Os hospitais entram num braço de ferro com

os planos de saúde para que as despesas com os pacientes sejam pagas

integralmente. Predomina uma desconfiança mútua entre os hospitais e os planos

de saúde. Esta desconfiança gera custos que são desperdícios. Os planos de

saúde precisam, por exemplo, contratar médicos como auditores para conferir as

contas dos hospitais. Processos enxutos, mais transparentes, podem eliminar

estes desperdícios.

As empresas. Na maioria dos pacotes de benefícios oferecidos aos

funcionários está contido um plano de saúde corporativo. Tais custos acabam

corroendo as margens de lucro das empresas uma vez que a competição muitas

Page 20: Um estudo de casos sobre a aplicação de

7

vezes determina o preço final do produto. Segundo uma estimativa do Deutsche

Bank Securities, o custo de cuidados com a saúde por empregado da General

Motors chegou a US$ 19,14 por hora em 2003, ao passo que a Toyota, recém

instalada nos EUA, e com um quinto de empregados, tem um custo de US$ 3,76

por hora por empregado (Panchak, 2003). Não é à-toa que na GM há um forte

movimento de disseminação de práticas enxutas aplicadas aos hospitais

conveniados. A tentativa de redução destes custos sem afetar a qualidade do

atendimento aos empregados é uma questão que envolve a própria

competitividade das empresas.

Vê-se que as conseqüências da aplicação de uma abordagem enxuta nos

hospitais podem trazer um forte apelo a todos seus stakeholders. O que se propõe

não é aplicar nos pacientes um conjunto de ferramentas e técnicas ótimas para a

produção de veículos. Trata-se de analisar a aplicabilidade dos princípios enxutos

nos serviços de saúde, levando-se em consideração as especificidades deste

setor (Hines et al., 2004). Trata-se de avaliar a saúde sob o prisma do

pensamento enxuto e verificar se esta abordagem é capaz de auxiliar a solução

dos problemas comuns enfrentados na operação dos serviços de saúde.

1.4 Delimitações

O problema da ineficiência do sistema de saúde brasileiro é complexo. Sua

solução passará por uma coordenação multidisciplinar de esforços envolvendo

inúmeras áreas. Sua solução passará pela mudança na forma de financiamento

do sistema, regulamentação dos seguros de saúde, estabelecimento de um marco

regulatório do setor para estimular a competição, profissionalização da gestão do

sistema, melhor utilização de sistemas de informação para coordenar as diferentes

esferas de atendimento, re-estruturação das operações dos serviços de saúde,

entre outros. Este estudo ficará delimitado na questão das operações, isto é, como

aumentar a eficiência e melhorar a qualidade através dos processos que suportam

suas operações.

Page 21: Um estudo de casos sobre a aplicação de

8

1.5 Organização do Estudo

Este trabalho está estruturado em 6 capítulos. No primeiro, encontram-se o

problema, o objetivo do estudo, sua relevância, suas delimitações e uma

contextualização do estudo. O capítulo 2 é dedicado à revisão de literatura onde

se apresenta o conceito lean utilizado, a evolução da aplicação do conceito em

indústrias e em serviços, a descrição dos princípios enxutos e sua aplicação em

serviços de saúde e uma breve descrição de um novo paradigma da prática clínica

conhecido como medicina baseada em evidências.

O capítulo 3 descreve a metodologia utilizada, o porquê da escolha da

estratégia de estudo de caso, como os casos foram selecionados, como foram

feitas a coleta e tratamento dos dados e as limitações do método.

O capítulo 4 está dedicado à descrição dos casos. Cinco organizações

foram escolhidas para compor o estudo: o Projeto do Pé Diabético (da Prefeitura

do Rio de Janeiro), o Hospital Pró-Cardíaco, o Hospital Dr. Badim, o Hospital Copa

D´Or e a Diagnósticos da América.

O capítulo 5 analisa como cada um dos princípios enxutos descritos na

revisão de literatura se aplicam a estes casos. O capítulo 6 apresenta as

conclusões do trabalho e algumas recomendações para futuras pesquisas.

1.6 Contexto do Estudo

Esta pesquisa se desenvolve num contexto de escassez de material

bibliográfico: artigos, estudos de caso, livros. A difusão dos princípios enxutos

oriundos da manufatura no contexto dos serviços é recente. O artigo de Bowen e

Youngdahl (1998) pode ser considerado um marco ao defender a adoção destes

princípios nos serviços.

Dentre o amplo leque de serviços existentes, os serviços de saúde podem

ser considerados como a próxima fronteira da expansão dos princípios enxutos.

Embora o artigo de Bowen e Youngdahl (1998) traga um exemplo de um hospital

com características enxutas, a preocupação por pensar de maneira estruturada e

Page 22: Um estudo de casos sobre a aplicação de

9

sistemática as operações dos serviços de saúde começa a se consolidar em 2006.

O Lean Enterprise Academy (LEA), uma organização sem fins lucrativos voltada

para o estudo e a difusão da mentalidade enxuta, organizou em janeiro de 2006 o

primeiro congresso sobre a aplicação de princípios lean em serviços de saúde

(Lean Healthcare Fórum). Com este congresso abriu-se uma frente de pesquisa

específica para este tema5 cujos resultados sairão a seu tempo.

Dada a contemporaneidade do assunto, a dificuldade de se encontrar

literatura voltada para a realidade brasileira se acentua ainda mais. O Lean

Institute Brazil6 é uma das organizações pioneiras no estudo da mentalidade

enxuta no Brasil. O pesquisador ao contatar este instituto foi encaminhado para o

Lean Enterprise Academy (LEA). Há uma defasagem natural para os resultados

das pesquisas do LEA chegarem ao Brasil. Enquanto isso, o desafio é encontrar

iniciativas que incorporem elementos da mentalidade enxuta nas operações.

Segundo Womack et al. (1992) a mentalidade enxuta reúne características

da produção em massa e da produção artesanal, conseguindo conciliar a

qualidade e flexibilidade desta com a eficiência e produtividade daquela.

Qualidade e eficiência têm sido tradicionalmente considerados como indicadores

de desempenho em conflito. Se pela escassez de material é difícil encontrar

exemplos de como conciliar qualidade e eficiência nos serviços de saúde há

estudos que tratam destes indicadores em separado. Estes estudos revelam o

contexto dos sistemas de saúde e sua necessidade de melhorar ambos os

indicadores simultaneamente tornando a utilização dos princípios enxutos uma

alternativa atraente.

No que diz respeito à qualidade dos serviços de saúde, Porter e Teisberg

(2004) indicam alguns sintomas da falta de qualidade no sistema de saúde

americano: a restrição a serviços médicos imposta pelo sistema, cuidados

dispensados a pacientes não conformes com procedimentos e padrões aceitos, a

lentidão na difusão de melhores práticas, a persistência de altas taxas de erros

médicos evitáveis. 5 Fonte: http://www.leanuk.org/pages/lean_healthcare.htm 6 Fonte: http://www.lean.org.br

Page 23: Um estudo de casos sobre a aplicação de

10

Spear (2005) afirma que anualmente 185.000 pacientes americanos são

prejudicados por erros médicos evitáveis e destes 7.000 chegam a morrer. No

mesmo artigo, o autor cita um especialista em segurança nos serviços de saúde

que compara o risco de se entrar num hospital americano com o de pular de pára-

quedas de um prédio ou de uma ponte.

Considerando o setor de saúde no Brasil, Araújo (2005) afirma que dada a

dinâmica das relações entre os players do setor, os pacientes acabam sofrendo da

uma piora na qualidade dos serviços e uma crescente restrição de acesso aos

serviços de saúde. Além dos problemas de qualidade nos serviços, a dinâmica

das relações entre os players do setor afeta também a eficiência do sistema como

um todo.

Campos (2004) apresenta os potenciais conflitos de interesses entre os

players do sistema de saúde. Eventos que representam custos para a operadora

dos serviços de saúde representam receita para os prestadores de serviços de

saúde. Eventos que representam custos para os beneficiários, isto é, as

mensalidades do plano de saúde representam receita para as operadoras destes

planos de saúde. Tais conflitos levam na visão de Porter e Teisberg (2004) a um

jogo de soma zero e fomentam o pensamento individual em detrimento da

eficiência do sistema como um todo.

Wallace (2004) afirma que por mais diversificados que sejam os sistemas

nacionais de saúde um aspecto os assemelha: o grosso dos cuidados com a

saúde é pago por terceiros, sejam eles o governo ou as seguradoras privadas de

saúde. O fato do beneficiário do sistema de saúde ser diferente do pagador tira a

pressão pela eficiência nos gastos.

Uma análise comparativa dos gastos em saúde entre diferentes países

também permite uma avaliação da eficiência na utilização de recursos. Segundo

dados da Organização Mundial de Saúde, o governo brasileiro gasta por ano US$

280 per capita em saúde pública (World Health Report, 2005). Um relatório da

FIRJAN7 (2006) compara o gasto com saúde das 60 maiores nações, observando

7 Série Quanto Custa? Nº 2/2005 – 03 de janeiro de 2006

Page 24: Um estudo de casos sobre a aplicação de

11

que o Brasil ocupa a 35ª posição. Numa análise mais segmentada percebe-se que

o Brasil gasta mais do que a média dos países da América Latina e mais do que a

média dos países de renda média baixa, da qual o Brasil faz parte.

Quadro 1-1: Gasto per capita com saúde pública

País ou Países Valor em US$ *

Brasil 280

Média dos países da América Latina 261

Média dos países de renda média

baixa

142

Média mundial 806

* medido pelo conceito de paridade de poder de compra

Fonte: FIRJAN (2006)

Apesar de gastar mais, apresenta indicadores de saúde piores. O estudo da

FIRJAN (2006) apresenta três indicadores de saúde para comparar a eficiência do

gasto em saúde entre os países: mortalidade infantil, expectativa de vida,

expectativa de vida vivida em condições de saúde plena.

• Mortalidade infantil. Dos 25 países com gasto per capita inferior ao

do Brasil, 60% deles (15 países) possuem uma taxa de mortalidade

inferior à brasileira.

• Expectativa de vida. Dos 25 países com gasto per capita inferior ao

do Brasil, 50% deles (13 países) possuem uma expectativa de vida

ao nascer superior à brasileira.

A seguinte tabela apresenta dados sugestivos relacionando gasto público

com saúde e expectativa de vida.

Page 25: Um estudo de casos sobre a aplicação de

12

Quadro 1-2: Gasto público com saúde e expectativa de vida

País Gasto Público com Saúde (US$)

Expectativa de vida ao nascer (anos)

Brasil 280 68,9

Tunísia 207 71,6

Peru 113 69,7

Vientã 43 69,9

Fonte: FIRJAN (2006)

• Expectativa de vida em condições de plena saúde. No Brasil,

87% da expectativa de vida se dá em condições de saúde plena. A

média da expectativa de vida em plenas condições de saúde para os

25 países com gasto per capita inferior ao do Brasil e de 88,2%.

Algo semelhante ocorre com os EUA em comparação com os países

desenvolvidos. Os EUA são o país que mais gasta em saúde. Segundo Ferraz

(2005)8 os EUA investiram 15,3% do PIB em saúde no ano de 2004. Dados da

OECD (2004) mostram que os EUA possuem uma expectativa de vida menor do

que outros países desenvolvidos com gastos mais modestos9.

Estes dados demonstram como o simples aumento de investimento em

saúde não garante melhoria na qualidade do serviço prestado. Para Ferraz (2005),

no contexto dos serviços de saúde no Brasil, “um aumento dos recursos para a

saúde pode até não ser considerado um bom investimento, se levarmos em conta

8 Marcos Bosi Ferraz (Gazeta Mercantil, 6/07/05), Professor da Unifesp e vice-presidente do Conselho de Administração do Fleury-Medicina Diagnóstica. 9 Não há uma relação unívoca entre o gasto com saúde e a expectativa de vida da população. Wallace (2004) afirma que só um quinto dos ganhos na expectativa de vida da população inglesa e americana é atribuível aos cuidados com a saúde. Também são fatores importantes a nutrição, o saneamento, a higiene e as condições de moradia. No entanto, estas análises comparativas levantam dúvidas quanto à eficiência na aplicação dos recursos.

Page 26: Um estudo de casos sobre a aplicação de

13

a ineficiência técnica, produtiva e alocativa atualmente observada em nosso

sistema de saúde!”

A solução, portanto, passa pelo aumento na eficiência na utilização destes

recursos. Eficiência significa fazer mais com os mesmos recursos, eliminando

desperdícios. O desafio é conseguir ganhos de eficiência sem afetar a qualidade

dos serviços de saúde, conciliar qualidade e eficiência. A mentalidade enxuta

parece oferecer um caminho para atingir este objetivo. Este é o enfoque deste

estudo.

Page 27: Um estudo de casos sobre a aplicação de

14

2 Revisão de literatura

O objetivo deste capítulo é introduzir e desenvolver o ferramental teórico a

ser utilizado no levantamento e na análise dos casos. Em primeiro lugar, levando

em conta as múltiplas interpretações possíveis do conceito enxuto, será

apresentada a conceituação utilizada neste trabalho. Em segundo lugar, para

melhor compreensão do conceito, será feita uma análise da evolução histórica da

aplicação deste conceito na indústria e nos serviços. Em seguida, serão

apresentados os princípios derivados do conceito enxuto tanto do ponto de vista

de quem provê o bem ou o serviço como do ponto de vista de quem o consome.

Por fim, buscar-se-á ilustrar aplicações de cada um dos princípios nos serviços de

saúde.

2.1 O conceito lean10

Segundo Womack et al. (1992) o termo produção enxuta (lean production)

foi cunhado por Krafcik durante uma discussão em que se comparavam sistemas

produtivos automotivos. Krafcik foi integrante do International Motor Vehicle

Program (IMVP), um projeto de pesquisa do MIT que buscava entender as

diferenças na produtividade entre diversos sistemas de produção de veículos. Ao

listar as diferenças entre o sistema de produção da Toyota e o sistema tradicional

de produção em massa é que surgiu o qualificativo enxuto para descrever o

sistema da Toyota. Isto porque tal sistema:

• requeria menos esforço humano para desenhar e produzir os

produtos;

• necessitava de menos investimento por unidade de capacidade

produtiva;

10 As palavras lean (no inglês) e enxuto (em português) serão utilizadas de maneira intercambiável neste trabalho.

Page 28: Um estudo de casos sobre a aplicação de

15

• utilizava menos fornecedores;

• tinha fluxos do conceito do produto ao seu lançamento, do pedido à

entrega, do problema ao reparo mais rápidos;

• precisava de menos peças em estoque em cada etapa do processo

produtivo;

• resultava numa produção com menos defeitos;

• causava menos acidentes de trabalho.

Krafcik (1988) anuncia o triunfo do sistema de produção enxuta sobre o

sistema tradicional de produção em massa. Com os resultados do IMVP, Womack

et al. (1990) publicam o livro “A Máquina que Mudou o Mundo” que popularizou o

conceito ao buscar entender e sistematizar a lógica por trás das operações da

Toyota. Portanto, o termo “lean” – enxuto – nasce como um adjetivo que qualifica

o tipo de operação de uma empresa.

Na literatura, o termo lean aparece associado à produção ou a serviço

conforme o tipo de operação (lean production, ver Krafcik, 1988; lean service, ver

Bowen e Youngdahl, 1998), à filosofia de gestão dos processos numa empresa

(lean thinking, ver Hines et al., 2004), à empresa resultante desta filosofia (lean

enterprise, ver Womack e Jones, 1994), à solução para os problemas típicos que

envolvem a produção, distribuição, manutenção, atualização e descarte de bens e

serviços (lean solutions, ver Womack e Jones, 2005).

Segundo Hines et al. (2004) o conceito lean sofreu evolução ao longo do

tempo. Com o tempo e a difusão do conceito, a palavra foi ganhando cada vez

mais peso, sua carga conotativa se amplia paulatinamente a ponto de se

substantivar: lean deixa de ser um simples adjetivo para assumir um caráter

substantivo.

Assim como do adjetivo belo deriva o substantivo beleza e os estudiosos

debatem sobre os critérios que definem a essência da beleza numa obra de arte,

do adjetivo lean deriva um substantivo leanness ou simplesmente lean e os

acadêmicos também debatem sobre a essência do lean.

Page 29: Um estudo de casos sobre a aplicação de

16

Soriano-Meier e Forrester (2002) apresentaram um modelo para avaliar o

grau de “leanness” de empresas de manufatura. Slack et al. (1996) e Womack

(2004b) descrevem diferentes conotações do substantivo lean: metas (de alta

qualidade, baixo custos, lead-times mais curtos); métodos (do tipo just-in-time),

ferramentas específicas (kanban, poka-yoke); fundamentos (trabalho padronizado,

balanceamento da carga de trabalho, estabilidade de processo).

Num documento lançado pelo National Health Service11 da Grã-Bretanha

para auxiliar a incorporação de conceitos enxutos nos serviços de saúde, “lean”

aparece como substantivo: Lean is not a toolbox. It is a way of thinking about

work12. Lean seria uma mentalidade com a qual se encara o próprio trabalho.

O conceito de lean adotado neste trabalho coincide com o adotado por

Womack (2004b), pioneiro na sistematização do estudo deste tema e um dos

responsáveis pelo IMVP.

Lean significa:

• Começar pelo cliente (Liker, 2004).

• Fornecer valor ao cliente (Hines et al., 2004): o produto ou serviço

certo, no tempo certo, no preço certo com qualidade perfeita.

• Valor, que é sempre o resultado de um processo, isto é, um

ordenamento específico de atividades com começo, fim, entradas,

saídas e responsáveis claramente definidos pelos quais é possível

medir o tempo, o custo, a qualidade e a satisfação do consumidor

(Davenport, 1993).

• Maximizar o valor de um processo, eliminando constantemente as

etapas do processo que geram desperdícios (Shingo, 1996).

• Atingir o desperdício zero, através da criação de um processo

capaz (que produz um bom resultado a cada execução), disponível

11 O National Health Service do Reino Unido (NHS) seria o equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil. 12 NHS Lean Implementation handbook draft, 15 de janeiro de 2006. Ray Foley [email protected]

Page 30: Um estudo de casos sobre a aplicação de

17

(produz o resultado esperado a cada execução), adequado (que

não causa atrasos), flexível em que cada etapa flui rapidamente de

uma a outra puxada pelo cliente (IHI, 2005).

• Almejar um processo perfeito, que satisfaça perfeitamente o desejo

de valor do cliente sem desperdício algum (Womack e Jones,

1996).

A partir desta carga conotativa associada ao conceito enxuto é possível

desmembrar uma série de princípios que norteiam a aplicação do conceito às

diversas operações. Antes de entrar na descrição destes princípios enxutos e sua

possível aplicação nos serviços de saúde será feita uma breve descrição da

evolução da aplicação do conceito lean para entender como é possível pensar

num chão de fábrica e numa unidade de emergência de um hospital sob a mesma

óptica.

2.2 Evolução da aplicação do conceito lean

Hines et al. (2004) num estudo sobre a história contemporânea do

pensamento enxuto traçam a origem da aplicação do conceito lean ao chão de

fábrica de montadoras japonesas no começo da segunda metade do século XX.

No entanto, muitos elementos que compõem este conceito já apareceram muito

antes. A preocupação pelo resgate da história da gênese e aplicação deste

conceito na produção de bens é recente. Womack (2004c) faz uma breve

varredura pelos processos industriais ao longo da história em busca de indícios

que constituiriam os primórdios da mentalidade enxuta. Entre muitos outros

exemplos, cita a indústria de galés de Veneza no início do século XII.

O Arsenal de Veneza foi estabelecido no ano 1104 para construir navios de

guerra para a cidade. Segundo Womack (2004c), os venezianos adotaram um

modelo padronizado para construção dos navios utilizando peças intercambiáveis.

Isto permitiu criar uma linha de montagem de galés ao longo de um estreito canal

Page 31: Um estudo de casos sobre a aplicação de

18

que passava pela fábrica. O casco do navio era produzido em primeiro lugar e,

literalmente, fluía através do canal passando pelas diferentes etapas de

montagem necessárias para completar o navio. Em 1574 as práticas do Arsenal

eram tão avançadas que o rei Henrique III da França foi convidado para assistir à

montagem completa de uma galé do começo ao fim - em menos de uma hora -

num processo de fluxo contínuo.

Assim como o fluxo contínuo, modelo padronizado e peças intercambiáveis

na produção das galés venezianas, outras indústrias já apresentavam elementos

que seriam constituintes do conceito lean. A utilização de um lay-out celular para

produção de rifles com fluxo unitário de peças era uma realidade nos EUA em

1822. No final da década de 1930 os alemães já utilizavam a idéia de “takt time”

na indústria aeronáutica. As aeronaves eram movidas através das etapas de

montagem de maneira sincronizada obedecendo a um ritmo preciso.

O que um exame histórico mais detalhado revelaria seria a utilização de

elementos lean em diversas indústrias e em diversas culturas o que se pode

interpretar numa visão de processos como a história da criação de valor.

Mantendo-se uma análise da aplicação contemporânea do conceito lean,

isto é, a partir do século XX, como fazem Hines et al. (2004), percebe-se que a

aplicação do conceito evoluiu e como estes mesmos autores afirmam continuará a

evoluir ao longo do tempo. Tal evolução se explica pelo próprio conceito lean. Um

conceito que traz em si a meta de alcançar um processo perfeito tende a não ficar

restrito numa área específica da empresa. Um processo por definição abrange

inúmeros departamentos, envolve pessoas de funções organizativas diferentes.

Pode-se iniciar a aplicação deste conceito no chão de fábrica, por exemplo, mas

dadas as sucessivas interações entre os diversos departamentos há potencial

para sua expansão.

Segundo Womack (2005), não há dúvida que a aplicação do conceito lean

nasceu na fábrica. Isto se explica pelo fato de que um processo (um conjunto de

ações desenhadas para criar valor a um cliente e executadas corretamente numa

seqüência certa no tempo certo) é mais fácil de ser visualizado quando matérias-

primas estão sendo fisicamente transformadas em produtos. No entanto, um

Page 32: Um estudo de casos sobre a aplicação de

19

processo completo de ponta a ponta envolve inúmeros fluxos (de materiais, de

informação, de dinheiro), inúmeras funções e inúmeros departamentos. A busca

de um processo perfeito não pode se restringir a uma pequena parcela dele.

O chão de fábrica de uma montadora de veículos, por exemplo, é

responsável pela montagem, que é apenas parte do processo necessário para

solucionar um problema de mobilidade do cliente. Por mais otimizado que seja o

processo de montagem em si, há inúmeros processos ligados ao planejamento e

fornecimento de peças que suportam a montagem bem como outros processos

ligados à distribuição, venda e financiamento do veículo, potencialmente

carregados de desperdícios, contendo atividades que não contribuem para uma

efetiva geração de valor ao cliente. Daí se entende a progressiva expansão da

aplicação dos princípios enxutos na Toyota. Segundo Hines et al. (2004) na

década de 1950 a Toyota buscou aplicar estes princípios na fábrica de motores,

na década de 1960 para todo o chão de fábrica, na década de 1970 a aplicação

dos princípios se expande para outros processos da cadeia de fornecimento. A

partir deste momento outras organizações parceiras da Toyota, os fornecedores,

são envolvidos. Além de repensarem suas operações de chão de fábrica para

atender a Toyota, os fornecedores participam do processo de desenvolvimento de

produto, que também incorpora os princípios enxutos.

A partir dos resultados da aplicação deste conceito na indústria

automobilística surge um movimento de emulação nas indústrias ocidentais em

vários setores. Womack e Jones (1996) contribuem com esta expansão ao

sistematizar os princípios enxutos. Os autores fazem questão de frisar que os

aspectos culturais, as barreiras comerciais, a conjuntura macroeconômica que

inclui taxas de câmbio e níveis de poupança são fatores secundários para a

aplicação destes princípios. A apresentação de “transplantes” bem sucedidos

destes princípios para outras culturas e outras indústrias amplia o interesse no

potencial de aplicação de conceitos lean, não só em ambientes de manufatura

como também em serviços.

Duclos et al. (1995) percebem que até a metade da década de 90 as

principais revistas de pesquisa acadêmica em operações, ao tratar de princípios

Page 33: Um estudo de casos sobre a aplicação de

20

enxutos e suas ferramentas, referem-se ao ambiente de manufatura. No entanto,

apontam como evidência do interesse nos princípios lean em serviços a

proliferação de artigos que tratam do assunto em revistas de pesquisa aplicada.

Bowen e Youngdahl (1998) fazem uma defesa da utilização de princípios lean

adotados na manufatura como meio de superar as ineficiências do setor de

serviços.

Womack e Jones (2005a) apontam que apesar da melhora na oferta de

bens e serviços em termos de qualidade, preço e abrangência de canais, o

processo de consumo por parte do cliente apresenta-se freqüentemente como

uma experiência frustrante: o computador recém comprado que é incompatível

com a impressora, o atendimento insatisfatório dos serviços de atendimento ao

consumidor, a falta daquele produto desejado numa mega-loja com milhares de

produtos em estoque, a incapacidade de se receber uma data confiável para a

realização de um serviço de manutenção ou conserto, etc.. A frustração se explica

pelo fato de que do ponto de vista do cliente – ponto de partida do conceito lean -

o processo necessário para se consumir um bem ou serviço está impregnado de

desperdício, envolvendo etapas e atividades que não geram valor para o cliente.

Segundo estes autores a aplicação dos princípios de produção enxuta nos

processos que denominam de provisão de bens e serviços exige uma

contrapartida no processo de consumo, a próxima fronteira de expansão do

conceito.

Womack e Jones (2005) propõem uma releitura dos princípios enxutos sob

a óptica do consumidor, do processo de consumo. Tal releitura é particularmente

interessante para a extensão do conceito no âmbito dos serviços uma vez que a

prestação de serviços exige, conforme aponta Schneider et al. (2003), uma maior

presença/participação do consumidor.

Consumo não é entendido aqui como o ato instantâneo de aquisição de um

bem ou serviço. Womack e Jones (2005) entendem o consumo como um processo

contínuo orientado para a solução de um problema. Isso envolve a busca, a

obtenção, a instalação, a manutenção, o conserto, a atualização e o possível

descarte do bem ou serviço. Todas estas etapas envolvem tempo e esforço do

Page 34: Um estudo de casos sobre a aplicação de

21

consumidor que, se não contribuem diretamente para a solução do problema, são

fontes de frustração.

Para Womack e Jones (2005) no decorrer da história econômica os

consumidores têm comprado uma variedade cada vez mais ampla de bens e

serviços cada vez mais sofisticados. O trabalho que recai sobre o consumidor

médio é o de entrelaçar um conjunto de bens mais serviços de uma base de oferta

em contínua expansão para resolver seu problema. É a expansão constante da

oferta de bens e serviços combinado com manutenção do tempo disponível do

consumidor que ameaça sobrecarregar os próprios consumidores com muitas

decisões e pouco tempo. A realidade da escassez de tempo continuará mesmo

que o conceito lean seja aplicado em cada processo de consumo. A última

fronteira de aplicação do conceito lean segundo Womack e Jones (2005) seria o

desenvolvimento de soluções lean, consumidores e provedores trabalhando para

resolver os problemas básicos através de uma combinação de bens e serviços

oferecidos por um integrador. Estes autores acreditam que os principais

problemas cotidianos com os quais os consumidores se deparam podem ser

reduzidos a algumas poucas categorias: moradia, mobilidade, gestão financeira,

comunicação, logística pessoal13 e saúde. É possível verificar na literatura o

interesse pela aplicabilidade do conceito lean em cada uma dessas categorias.

Construção civil14. Garnett et al. (1998) apresentam os resultados de uma

força tarefa empreendida no Reino Unido (UK Construction Industry Task Force)

para verificar a aplicabilidade dos princípios lean descritos por Womack e Jones

(1996) no setor de construção civil. Ferro (2005) descreve como o Aeroporto

Internacional de Chubu no Japão pode ser considerado um exemplo de um projeto

de construção civil enxuto.

Mobilidade. O setor automotivo é o berço contemporâneo da aplicação do

conceito lean. Womack e Jones (2005a) descrevem o funcionamento de uma

13 Por logística pessoal, Womack e Jones (2005) entendam o conjunto de bens e serviços que satisfazem as necessidades prosaicas cotidianas dos consumidores, incluindo as compras de supermercado, serviços de lavanderia, material de escritório, etc.. Esta categoria envolve o conjunto de processos de consumo que não podem ser classificados como prazerosos e que se fazem por necessidade e não por lazer. 14 Neste tópico estão inseridas as soluções para moradia dos consumidores individuais.

Page 35: Um estudo de casos sobre a aplicação de

22

oficina enxuta de manutenção e conserto de veículos. Bowen e Youngdahl (1998)

apresentam a Southwest Airlines como exemplo bem-sucedido de uma

abordagem enxuta em suas operações. Figueiredo et al. (2003) mostram a

aplicação de princípios lean em duas companhias aéreas uma brasileira e outra

européia.

Gestão financeira. Allway e Corbett (2002) propõem um modelo de 5 fases

para a transformação de uma empresa de serviço num serviço enxuto. Em seu

artigo descrevem como uma seguradora foi capaz de incorporar em suas

operações elementos lean utilizados na manufatura. Swank (2003) apresenta

resultados mensuráveis da transformação de uma seguradora enxuta: redução em

70% do tempo entre uma requisição de seguro e a emissão da apólice, redução

em 26% dos custos de mão-de-obra e redução em 40% das re-emissões devido a

erros. Süffert (2004) demonstra a aplicabilidade de princípios enxutos na operação

de um banco e apresenta uma série de iniciativas em funcionamento num grande

banco brasileiro.

Comunicação. Arbós (2002) descreve a implementação de um processo

enxuto de instalação e provisão de acesso a serviços de banda larga via rádio.

Aplicando elementos do conceito lean como flexibilidade, trabalhadores multi-

funcionais e balanceamento da produção o processo é reduzido de 17 a 5 dias.

Varejo. Jones (2006) explica como a Tesco, uma rede de supermercados

do Reino Unido com operações enxutas, desafia sua concorrente Wal-Mart (5

vezes maior do que a Tesco) a ponto desta pedir proteção ao governo britânico. A

Tesco oferece seus produtos a um mesmo preço através de uma ampla gama de

canais (lojas de conveniência, supermercados, hipermercados, loja eletrônica). A

eficiência é obtida pela negociação centralizada das compras para toda a rede e

não por canal de venda. Através de um cartão de fidelidade a Tesco consegue

posicionar melhor os produtos em cada canal. Elimina-se assim o trade-off entre

tempo e custo oferecendo ao cliente maior valor, isto é, maior conveniência.

Saúde. Bowen e Youngdahl (1998) são um dos primeiros autores a

enxergar a operação de um hospital sob a óptica dos princípios enxutos trazendo

o exemplo do Shouldice Hospital do Canadá, que será discutido mais adiante.

Page 36: Um estudo de casos sobre a aplicação de

23

Allway e Corbett (2002) comparam medidas tradicionais de produtividade no setor

de saúde com medidas mais relevantes que deveriam ser adotadas com uma

abordagem enxuta. Spear (2005) apresenta casos práticos da aplicação dos

conceitos lean em hospitais. Outros autores e exemplos serão abordados no item

2.4

A ligação que existe entre cada uma das categorias descritas, o elemento

comum que existe entre o chão de fábrica e um hospital, o que permite a

aplicabilidade universal do conceito lean é a consideração de qualquer

organização como um conjunto de processos [ver Duclos et al. (1995), Allway e

Corbett (2002), Arbós (2002), Womack e Jones (2005)]. Dado que o objeto próprio

do conceito lean é a maximização do valor para o cliente através de um processo

eficiente e sem desperdícios, entende-se sua ampla e progressiva expansão

dentro de uma organização, para indústrias diferentes, para serviços diferentes,

em culturas diferentes.

Sob esta óptica de maximizar o valor para o cliente através de processos

eficientes é possível extrair alguns princípios genéricos que serão apresentados a

seguir.

2.3 Princípios lean

Segundo Womack (2004b) a geração de valor é sempre o resultado final de

um ou mais processos. A geração de valor para o cliente se dá através da

combinação de dois processos: o da provisão e o do consumo. O processo de

provisão disponibiliza o bem ou serviço ao consumidor, o processo de consumo

corresponde ao conjunto de etapas que o cliente deve percorrer para resolver seu

problema. A perspectiva lean procura desenhar ambos os processos para gerar

valor ao cliente (Hines et al., 2004) e eliminar constantemente seus desperdícios

(Shingo, 1996).

Page 37: Um estudo de casos sobre a aplicação de

24

Esta sessão fará uma descrição dos princípios lean do processo de

provisão reunidos por Figueiredo et al. (2003) e, em seguida, descreverá os

princípios lean do processo de consumo baseados em Womack e Jones (2005).

2.3.1 Princípios da provisão enxuta

Duclos et al. (1995), Womack e Jones (1996), Bowen e Youngdahl (1998),

Liker (2004) fazem uma tentativa de sistematizar os princípios de provisão de bens

e serviços que devem nortear qualquer operação enxuta. Neste estudo será

utilizada como base de análise dos casos a compilação destes princípios realizada

por Figueiredo et al. (2003).

2.3.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho

Segundo Bowen e Youngdahl (1998) operações enxutas conseguem

reduzir os trade-offs de desempenho entre eficiência e flexibilidade ao combinar a

eficiência da produção em massa com a flexibilidade da produção artesanal. O

exemplo da Toyota ajuda a entender como isto é possível.

Womack e Jones (1990) descrevem como o ambiente de negócios da

Toyota diferia significativamente daquele vivido pela Ford e GM logo após a

Segunda Guerra Mundial. A Ford e a GM estavam inseridas num mercado de

demanda reprimida que procuravam atender com a produção em massa, tomando

partido das economias de escala, com grandes máquinas produzindo o maior

número de peças possível ao menor custo. Já o mercado japonês pós-guerra era

pequeno demandando uma grande variedade de veículos. Por falta de escala,

todos os veículos precisavam ser produzidos na mesma linha de montagem. Estas

condições ambientais forçaram a Toyota a ser flexível.

Para Liker (2004), a exigência de flexibilidade levou a descoberta de que a

redução dos lead times dos processos aliada às linhas de produção flexíveis

resultam numa maior qualidade, melhor produtividade, melhor utilização do

Page 38: Um estudo de casos sobre a aplicação de

25

espaço e de equipamentos bem como a uma melhor capacidade de resposta à

demanda.

2.3.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor

Shingo (1996) assinala como característica principal do sistema de

produção da Toyota a busca por eliminar desperdícios. Para enfatizar este

princípio compara as operações enxutas da Toyota com um sistema capaz de

extrair água torcendo uma toalha seca. Trata-se de uma mentalidade de procurar

sistematicamente por desperdícios que normalmente passam despercebidos pois

se tornaram aceitos como parte natural do trabalho diário.

Como afirmam Figueiredo et al. (2003), este princípio requer conhecer o

que significa valor para o cliente, potenciar as atividades que contribuem com a

geração de valor e, ao mesmo tempo, considerar como desperdício as atividades

que não geram valor. Segundo Liker (2004), 90% das atividades que compõem

um processo constituem desperdício do ponto de vista do cliente. A mentalidade

lean implica buscar continuamente maneiras de eliminar ou minimizar as etapas

que constituem desperdícios. Os empregados são capacitados para melhorar

continuamente os processos nos quais trabalham, conforme aponta Spear (2005).

Os processos são padronizados para evitar ambigüidades e possibilidade de

improviso. A cada melhoria estabelece-se um novo padrão de processo.

2.3.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente

Womack e Jones (1996) explicam que uma vez eliminadas as atividades

que não agregam valor, a provisão enxuta buscará fazer com que a informação, o

serviço ou o produto sejam trabalhados do começo ao fim do processo num fluxo

contínuo, isto é, percorrendo cada etapa do processo sem esperas de qualquer

tipo.

Page 39: Um estudo de casos sobre a aplicação de

26

Para Liker (2004), o estabelecimento de um fluxo contínuo está no cerne da

mensagem de que encurtar o tempo entre a matéria-prima e o produto final (ou

serviço final) levará a uma melhor qualidade e a um menor custo. A imagem

clássica que ilustra bem o princípio é o da redução do nível de água (estoque) de

um lago expondo as rochas (os problemas). É a criação do fluxo contínuo que

reduz o nível da água e expõe as ineficiências do processo, exigindo correção

imediata. Aumenta-se, portanto, a visibilidade dos problemas de qualidade tanto

do produto como do processo.

Segundo Bowen e Youngdahl (1998), estabelecer um fluxo contínuo requer

abandonar a noção de produção por grandes lotes para atingir ganhos de escala.

Não se produz antecipadamente para garantir 100% de utilização dos recursos. A

produção ou o serviço são iniciados sob demanda, são puxados pelo cliente.

Desta forma reduzem-se os desperdícios do estoque em processo.

2.3.1.4 Envolvimento do cliente

Figueiredo et al. (2003) afirmam que este princípio contempla a relação com

o cliente e uma efetiva participação deste em vários processos. Liker (2004)

descreve a importância de envolver os clientes no processo de desenvolvimento

de produtos na mentalidade lean. Bowen e Youngdahl (1998) assinalam que

empresas enxutas também envolvem seus clientes no processo de entrega dos

produtos.

Duclos et al. (1995) lembram que na óptica lean todos os componentes

utilizados para produzir um bem ou serviço devem ser visíveis para os que

participam do processo. Isto permite aos participantes aprender, controlar e

melhorar o próprio processo. No âmbito de serviço, em que o cliente participa

diretamente do processo de transformação, quanto maior a integração entre o

provedor e o consumidor do serviço mais fácil é a percepção daquilo que o cliente

efetivamente considera como valor.

Page 40: Um estudo de casos sobre a aplicação de

27

2.3.1.5 Delegar poder aos empregados

Para Bowen e Youngdahl (1998) a delegação de poder aos empregado é

particularmente necessária num sistema de provisão enxuto devido às reduções

do estoque em processo e à responsabilidade atribuída aos empregados pela

qualidade do produto ou serviço. As ineficiências do sistema ficam descobertas e

a responsabilidade por resolver os problemas e tomar decisões desloca-se do

supervisor ou gerente de qualidade para o empregado de linha de frente. Os

problemas que surgem param as operações e precisam ser resolvidos

imediatamente pela equipe diretamente envolvida. Daí a necessidade de investir

na formação dos empregados.

Delegar ao empregado não significa deixá-lo à vontade para realizar cada

atividade conforme lhe parecer melhor. Os processos e cada uma de suas etapas

são padronizados. O atual desenho do processo corresponde ao estado da arte

daquele processo naquela organização. Desvios ao processo não são tolerados.

No entanto, os empregados têm poder para propor melhorias e redesenhar o

processo.

Segundo Spear e Bowen (1998) a aderência à padronização força os

empregados a testar duas hipóteses: primeiro, que o empregado é capaz de

realizar a atividade corretamente e segundo, que realizar a atividade leva ao

resultado esperado. Qualquer desvio significa ou que o empregado precisa de

treinamento ou que a atividade precisa ser redesenhada. Spear (2005) afirma que

numa operação enxuta os empregados são encorajados a questionar o desenho

atual do processo e propor experimentos para aperfeiçoá-lo.

2.3.2 Princípios do consumo enxuto

Desenhar os processos de provisão de bens e serviço baseados nos

princípios lean descritos até aqui corresponde apenas a primeira parte da

equação. Para o cliente se beneficiar do valor que o bem ou o serviço oferece é

necessário consumi-lo. Desenhar os processos de consumo de forma a gerar

Page 41: Um estudo de casos sobre a aplicação de

28

valor e minimizar os desperdícios do ponto de visto do cliente, ou seja, o consumo

enxuto, é a contrapartida necessária à provisão enxuta.

Desenhar os processos de consumo na perspectiva lean implica perguntar:

o que o cliente quer? Segundo Womack e Jones (2005) o cliente quer: uma

solução completa para seu problema, não desperdiçar seu tempo, a

disponibilidade do bem ou serviço, conveniência tanto espacial como temporal e

soluções integradas. São esses elementos que geram valor para o cliente e deles

derivam os princípios lean do processo de consumo. Segue a descrição destes

princípios.

2.3.2.1 Resolver o problema do cliente completamente

Segundo Blackwell et al. (2001) os consumidores compram coisas quando

acreditam que a habilidade do produto em solucionar problemas vale mais que o

custo de comprá-lo. Bens e serviços são consumidos para resolver problemas.

Para que um consumidor possa resolver seu problema terá que percorrer um

processo que Blackwell et al. (2001) denominam o processo de decisão do

consumo15 e Desjeux (2003), o itinerário de consumo16.

Womack e Jones (2005a) também adotam uma visão do consumo como um

processo, não restringindo a obtenção de um bem ou serviço a uma transação

única. Ao buscar a solução de um problema, o cliente se engaja num processo de

consumo que se estende ao longo do tempo e envolve uma série de etapas:

pesquisar, adquirir, instalar, integrar, manter e descartar ou reciclar o bem ou

serviço. Em qualquer uma destas etapas pode ocorrer uma falha17 e qualquer

falha gera frustração. O primeiro princípio do consumo enxuto implica enxergar o

consumo como um processo, identificando suas diversas etapas, as possíveis

15 Para Blackwell et al. (2001) as etapas do processo de decisão do consumidor incluem: o reconhecimento da necessidade, a busca de informações, a avaliação de alternativas pré-compra, a compra, o consumo, a avaliação pós-consumo e o descarte. 16 O itinerário de consumo busca entender o fenômeno do consumo em perspectiva sistêmica tendo como ponto de partida e chegada o espaço doméstico abrangendo a tomada de decisão, a compra, o local da compra. 17 Womack e Jones (2005) as denominam como falhas de consumo (consumption failures).

Page 42: Um estudo de casos sobre a aplicação de

29

falhas que podem ocorrer e, como indica Spear (2005), introduzindo mecanismos

para eliminá-las pela raiz.

Quadro 2-1: Etapas do processo de consumo

Pesquisar DescartarAdquirir Instalar Integrar Manter

Na etapa de pesquisa, pode-se dar o paradoxo da informação: a

proliferação de fontes de informação é tão grande, a disponibilidade de informação

a baixo custo é tão abundante que o cliente se perde e não encontra exatamente

aquilo que precisava. Mesmo que encontre um produto ou serviço, o cliente pode

se perder numa miríade de possibilidades e especificações técnicas. Por falta de

um aconselhamento especializado, o cliente se contenta com uma solução sub-

ótima. Kahneman (1991) descreve como o conceito de racionalidade limitada

ajuda a explicar o processo de tomada de decisão. As restrições de tempo e custo

limitam a quantidade e a qualidade de informações levadas em consideração na

decisão. Estas limitações somadas às limitações de inteligência, de memória e de

percepção sugerem que os indivíduos abrem mão da melhor solução para se

contentar com uma solução simplesmente aceitável18.

Womack e Jones (2005) enumeram algumas falhas que podem ocorrer nas

diversas etapas do processo de consumo. Uma vez que o cliente tenha

pesquisado e identificado o produto desejado terá que percorrer uma etapa muitas

vezes demorada e desgastante (em que os prazos de entrega raramente são

18 Abrir mão da melhor solução para se contentar com uma sub-ótima tem uma expressão própria em inglês: to satisfice.

Page 43: Um estudo de casos sobre a aplicação de

30

cumpridos) para completar a aquisição do bem. No momento da entrega inicia-se

a etapa de instalação do bem, muitas vezes um item isolado, que precisa ser

integrado com outros produtos. É comum que se descubra só nesse momento a

necessidade de uma combinação com outros produtos.

Instalado o produto e em funcionamento o cliente pode encontrar uma falha

no serviço de apoio. Nesta etapa entram em cena as centrais de atendimento ao

consumidor que raramente oferecem uma experiência gratificante. O serviço de

manutenção que pode ser acionado a partir da detecção de algum defeito no

produto ou serviço também tem possibilidade de manifestar falhas (demoras no

atendimento, o técnico trouxe a peça errada, etc.),

Com o passar do tempo o produto precisa ser atualizado, o que pode

implicar um processo mais oneroso e mais longo do que previsto, com o risco do

serviço não ser bem feito. Basta pensar na troca do piso de um apartamento que

ao ser realizado exigirá a pintura da parede, a troca do rodapé, a remoção do

entulho; ou então as atualizações de software que vão requerer um re-trabalho de

programação para os sistemas antigos conversarem com a nova versão.

Ao percorrer as etapas do processo de consumo, o cliente não adquire

simplesmente um produto ou serviço, o que procura é uma solução completa para

seu problema. A questão é como as empresas encaram este processo e como se

estruturam para resolver as falhas que podem ocorrer ao longo dele.

Uma abordagem tradicional é, por um lado, delegar ao máximo para o

consumidor a responsabilidade por cada etapa do processo de consumo –

pesquisa, acompanhamento da entrega do pedido, instalação, integração,

atualização e descarte. Por outro lado, onde não é possível eximir-se da

responsabilidade, desenvolver meios (sistemas de informação, centrais de

atendimento, serviços de manutenção, planos de contingência, etc.) que se

tornam cada vez mais eficientes para lidar com as falhas repetitivas que ocorrem.

Segundo Gomes (2004), a maioria dos estudos sobre serviços de atendimento ao

consumidor sugere a prevalência da busca pela eficiência na utilização dos

recursos em detrimento da qualidade no atendimento.

Page 44: Um estudo de casos sobre a aplicação de

31

O primeiro contato do cliente com a empresa se dá através dos

empregados de linha de frente cujo ambiente de trabalho é caracterizado,

conforme aponta Singh (2000), por longas jornadas, falta de autonomia e pressão

por atingir índices de desempenho. Trata-se, segundo Gomes (2004) de um

mercado de trabalho composto por um alto grau de trabalho temporário, sem

estabilidade, com remuneração baixa e treinamento inadequado. Espera-se

destes empregados atender o maior número de pessoas no menor tempo possível

através de respostas padrão para perguntas padrão. Neste ambiente é alta a

probabilidade de frustração na interação entre o cliente e o sistema de

atendimento ao consumidor.

A abordagem enxuta difere substancialmente da tradicional. Resolver o

problema do cliente completamente implica desenvolver mecanismos de feedback

inteligente para cada falha que pode ocorrer ao longo de todo processo de

consumo. O desafio é criar um mecanismo que elimine de maneira progressiva

estas falhas. A empresa busca compartilhar com o cliente a responsabilidade por

todo processo de consumo.

Ao invés de alocar uma mão-de-obra menos qualificada para lidar de

maneira repetitiva com os mesmos problemas dos clientes, uma empresa enxuta

emprega na linha de frente uma mão-de-obra altamente treinada não só para

resolver o problema específico, mas para identificar a raiz do problema.

Identificada a raiz é possível decidir por uma solução permanente para evitar a

recorrência do problema.

Para Senge (1990), num ambiente de negócios altamente dinâmico, a

habilidade de aprender e transmitir aprendizagem entre os envolvidos no processo

ajuda a assegurar a prosperidade vindoura da empresa. Spear e Bowen (1999)

afirmam que organizações geridas com mentalidade enxuta consideram as

pessoas como o ativo mais importante da empresa e que se alcança maior

competitividade através do investimento no conhecimento e na capacitação de sua

mão-de-obra. Para estes autores é precisamente a maneira como a Toyota

capacita seus empregados para resolver problemas de maneira estruturada e

científica que constitui o distintivo da Toyota. Decorre da importância atribuída aos

Page 45: Um estudo de casos sobre a aplicação de

32

empregados o respeito pelas pessoas e a necessidade de lhes proporcionar uma

formação contínua (Duclos, 1995; Bowen e Youngdahl, 1998; Spear e Bowen,

1999; Canel et. al., 2000).

Permitir que o contato do cliente com a empresa se dê através do contato

direto com empregados qualificados contribui para uma experiência de consumo

mais satisfatória. Segundo Womack e Jones (2005) esta abordagem é mais

eficiente do que pedir a pessoas pouco qualificadas que interajam mecanicamente

com clientes para tentar resolver as falhas escalando o problema à medida que a

situação se agrava.

2.3.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente

Num estudo sobre o tempo na sociedade pós-industrial, Gershuny (2000)

apresenta 4 categorias de uso do tempo: tempo pessoal (que envolve dormir,

alimentar-se, higiene pessoal, vestir-se), tempo remunerado (empregado no

trabalho), tempo de lazer e tempo não remunerado. O tempo pessoal tem se

mantido constante nos últimos 200 anos. Em algumas regiões, como na Europa, o

tempo remunerado tem decaído com a redução das jornadas de trabalho.

Segundo Womack e Jones (2005) trava-se na nossa era uma autêntica

competição entre o tempo de lazer e o tempo não remunerado.

O tempo de lazer envolve todas as atividades que queremos fazer. O tempo

não remunerado envolve todas as atividades que não queremos fazer, mas são

necessárias para resolver os problemas da vida cotidiana: limpeza, encargos

rotineiros, e todas as atividades que envolvem o processo de consumo (obtenção,

instalação, manutenção e descarte de bens e serviços).

Parte da frustração que se experimenta na experiência de consumo vem da

dupla percepção de que, por um lado, um tempo considerável do processo não é

remunerado constituindo um trabalho que foi delegado ao próprio cliente e, por

outro lado, este tempo gasto não agrega valor algum. Womack e Jones (2005)

apresentam várias experiências de consumo onde relacionam o tempo do cliente

Page 46: Um estudo de casos sobre a aplicação de

33

empregado em atividades que percebe como geradoras de valor com o tempo

total do cliente empregado no processo de consumo como um todo: num serviço

de uma oficina mecânica, 28% do tempo é empregado em atividades que geram

valor; numa consulta médica para um problema de rouquidão, 19%; numa viagem

de avião em duas etapas de 45min, 35% do tempo gera valor. O restante, na

óptica do cliente, é tempo não remunerado; na óptica lean é desperdício por causa

de processos mal dimensionados.

A sensação de que o tempo do cliente não é importante está presente na

maioria dos processos de consumo. As filas e os tempos de espera são

sintomáticos desta realidade. Como o conceito lean está voltado para a geração

de valor para o cliente e a eliminação de desperdícios (Hines et al., 2004), estes

sintomas têm um tratamento especial. A chave é desenvolver um processo que

incorpore mecanismos para evitar estas perdas de tempo.

Por que ocorrem as filas? Filas são resultados do desacoplamento entre a

demanda e oferta, isto é, da demanda variável de clientes ao longo do dia e da

falta de flexibilidade na alocação de empregados para as diferentes tarefas. A

abordagem enxuta desenha um processo capaz de atuar do lado da demanda e

da oferta para eliminar sua causa. Do lado da demanda, é possível pensar em

mecanismos para evitar os picos e incentivar uma distribuição mais uniforme da

demanda (consumidores mais sensíveis a preço, por exemplo, seriam dirigidos

para horários menos concorridos). Do lado da oferta, os empregados são

treinados para atuar em múltiplas funções e desenha-se um processo que

incorpore a rotatividade dos empregados de maneira a acompanhar as flutuações

no volume de trabalho (ver Arbós, 2002; Ritzman e Krajewski, 2004).

Por que ocorrem os tempos de espera? Ocorrem pela falta de um dos

elementos-chave para realizar o serviço: o técnico, o espaço adequado, as

ferramentas, as peças ou a informação. Para um cirurgião de um hospital realizar

uma cirurgia ele precisa de: uma sala de operações, os instrumentos adequados,

os medicamentos e materiais a serem utilizados e informação. Se faltar qualquer

um destes elementos todo o sistema fica em espera. O desafio da abordagem

lean é gerar um processo sincronizado que permita a disponibilidade de cada

Page 47: Um estudo de casos sobre a aplicação de

34

elemento no tempo certo, reduzindo ao máximo estes tempos de espera (Duclos

et al., 1995; Canel et al. , 2000; Arbós, 2002)

As experiências de consumo que envolvem agendamento e um

conhecimento mais aprofundado da situação do cliente, como é o caso das

consultas médicas, requerem especial atenção para evitar filas, tempos de espera

e perdas de tempo. Para estes processos têm particular relevância os seguintes

pontos levantados por Womack e Jones (2005):

- criar um diálogo rico em informações no primeiro contato com o cliente. Quanto

mais qualificada a linha de frente mais informações relevantes serão obtidas do

primeiro contato que, com os devidos processos de encaminhamento das

informações, poderão economizar uma série de etapas.

- diagnosticar com antecedência o problema, o que permitirá garantir a

disponibilidade a tempo das ferramentas/instrumentos, peças/remédios e

conhecimento necessários.

- nivelar a demanda quando possível.

- economizar o tempo dos empregados que servem o cliente. Isto requer criar

fluxos de trabalho previsíveis na organização separados por famílias de produtos

ou serviços: atividades simples com ciclos de tempo estáveis, por um fluxo;

atividades complexas com ciclos de tempo estáveis, por outro; atividades

complexas com ciclos de tempo instáveis, por um terceiro fluxo. Para cada fluxo,

padronizar o trabalho e prever as necessidades em termos de qualificação,

materiais e instrumentos.

2.3.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer

Experiências de consumo também são frustradas quando o cliente não

encontra o item que procurava. Num estudo mundial sobre o nível de serviço no

setor de varejo de bens de consumo, Gruen et al. (2002) encontraram o valor de

Page 48: Um estudo de casos sobre a aplicação de

35

8% como a média “natural” de falta de produtos19. Isto significa que, em média,

numa ida ao supermercado o cliente encontrará um nível de serviço de 92% para

cada item de consumo. Se a cesta de produtos da compra mensal de um cliente é

composta por 40 itens diferentes, a probabilidade dele encontrar todos os itens

disponíveis é de 4% (92% elevado a 40), ou seja, sairá com exatamente aquilo

que quer apenas uma vez em cada 25 idas ao supermercado. Após um estudo

com mais de 71.000 consumidores de todo o mundo, Gruen et al. (2002) concluem

que os consumidores têm pouca paciência ao se depararem com a falta de

produtos: 26% dos consumidores substituem-nos por outra marca, 19% dos

consumidores substituem-nos por outro produto da mesma marca20. Daí a

conveniência das lojas grandes que trabalham com produtos de muitas marcas,

ainda que o mesmo estudo aponta que 31% dos consumidores ao se depararem

com a falta de um produto compram-no numa outra loja, o que representa

simplesmente uma perda de vendas.

Womack e Jones (2005) afirmam que a inabilidade de fornecer ao cliente

exatamente aquilo que quer não se restringe ao setor varejista, mas se manifesta

em quase todas as atividades de consumo incluindo serviços:

• O eletricista ou bombeiro que vem fazer o serviço e descobre que

lhe falta uma peça específica e terá, portanto, que voltar mais tarde.

• O mecânico de automóvel que adia a entrega do veículo devido à

falta de peças.

• A visita à farmácia para comprar o coquetel de drogas recém

receitado pelo médico para tratar do atual problema de saúde e a

constatação de que falta um remédio.

• A operação cirúrgica que não pode começar por que faltam os

materiais necessários.

O meio tradicional de aumentar o nível de serviço é aumentar os estoques,

em todos os pontos da cadeia – fornecedor, fábrica, distribuidor, varejista. O 19 Os autores denominam esta falta de “out of stocks” (OOS). 20 Os supermercados tem consciência deste problema. A famosa pergunta na caixa “houve algum produto que você queria e não encontrou?” é uma tentativa de medir o nível de serviço.

Page 49: Um estudo de casos sobre a aplicação de

36

estudo de Gruen et al. (2002) afirma que a utilização intuitiva de maiores estoques

de segurança não leva necessariamente à redução da indisponibilidade dos itens.

Os autores indicam que 25% dos itens em falta (out of stocks) estavam na loja

mas não estavam nas prateleiras. Grandes áreas de estocagem parecem impedir

a capacidade dos varejistas de reabastecer rapidamente as prateleiras.

Além de o estoque contribuir significativamente para o custo total do

produto, a existência do estoque em vários níveis exige um controle em cada

nível. A conseqüência destes múltiplos pontos de controle é dupla: o aumento do

ruído em todo o sistema de fornecimento e a amplificação da demanda por toda a

cadeia21. Como resultado tem-se um excesso de estoque na cadeia e um baixo

nível de serviço para o cliente final. Gruen et al. (2002) concluem que para

aumentar o nível de serviço, mais do que maiores estoques, é necessário lançar

mão de processos internos de reabastecimento mais eficientes, sistemas de

pedidos com fornecedores otimizados e uma cadeia de suprimentos com maior

velocidade de reação. Neste sentido orienta-se a alternativa lean.

A abordagem lean propõe estabelecer um único ponto de pedido em

resposta ao qual toda a cadeia deverá responder. Segundo Womack e Jones

(2005), o ponto de pedido é o próprio ponto de venda, aumenta-se a freqüência de

reposição em cada ponto de venda, a reposição corresponde exatamente àquilo

que foi consumido (a não ser que se preveja alguma circunstância especial com

conseqüências bem definidas na demanda), busca-se aproximar ao máximo as

atividades de manufatura e distribuição ao ponto de venda.

Desta maneira o próprio ritmo das vendas ou do consumo está ditando a

reação da cadeia de fornecimento. Substitui-se a produção empurrada para uma

produção puxada pelo cliente. Elimina-se os excessos e as faltas de produtos

próprios de um modelo empurrado de fornecimento.

Este tipo de abordagem implica:

• Criar um único ponto de pedido para regular todo o sistema de provisão e

que atue como o marca passo do sistema (Swank, 2003).

21 A amplificação da demanda pela cadeia é conhecido como “efeito chicote”.

Page 50: Um estudo de casos sobre a aplicação de

37

• Sinalizar a necessidade de reposição frequentemente com uma tecnologia

de informações com baixo ruído.

• Repor frequentemente em pequenas quantidades todos os pontos de

consumo (Trinkhaus et al. 1996; Ritzman e Krajewski, 2004).

• Localizar a produção e a distribuição o mais próximo possível entre si e do

cliente (Ritzman e Krajewski, 2004).

2.3.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer

Paradoxalmente, enquanto a busca pela eficiência nas indústrias tem

levado a reduzir o tamanho das fábricas, a comercialização destes bens no varejo

tem migrado para estabelecimentos cada vez maiores. Os “hipermercados” e as

“mega-lojas” têm se afirmado como forte canal de vendas para diversos bens de

consumo: o setor de alimentos (Carrefour, Wal-mart), livrarias (Saraiva), materiais

de construção e decoração (Leroy Merlin), etc.. A lógica perseguida é a da

economia de escala: grandes volumes que permitem baixos custos e uma ampla

variedade de produtos. Segundo Womack e Jones (2005), é a lógica da produção

em massa transferida para o consumo.

No entanto, as grandes lojas de desconto não são os únicos canais de

venda dos varejistas. As Lojas Americanas, por exemplo, trabalham com múltiplos

canais: as lojas tradicionais, as lojas express e o comércio-eletrônico

(americanas.com e shoptime.com). As lojas tradicionais são maiores (em média,

as 25 novas lojas tradicionais inauguradas em 2005 possuem cerca de 1100m2) e,

portanto, podem oferecem uma maior variedade de produtos. As lojas express são

bem menores (em média, as 12 lojas express inauguradas em 2005 possuem

cerca de 460m2)22 e funcionam como lojas de conveniência. Através do site,

oferece-se ao cliente uma variedade ainda maior de produtos que podem ser

adquiridos da própria casa.

22 Informações extraídas do Relatório Anual das Lojas Americanas, ver LASA (2005).

Page 51: Um estudo de casos sobre a aplicação de

38

Cada canal apresenta uma composição específica em termos de

variedade/quantidade de produtos, preço e conveniência para o cliente. A

estratégia de múltiplos canais permite atender ao cliente conforme suas

circunstâncias variarem. Clientes sensíveis a preço buscarão as lojas grandes de

desconto localizadas, via de regra, em lugares mais distantes demandando um

maior dispêndio de tempo. Clientes mais sensíveis à conveniência, abrirão mão de

um desconto por grandes quantidades para obter o produto que lhes falta

rapidamente na loja mais próxima. Clientes sem tempo disponível algum e

insensíveis ao preço buscarão o comércio eletrônico para satisfazer suas

necessidades. É a circunstância que ditará o tipo de trade-off que o cliente fará

entre variedade/quantidade, conveniência e preço. Womack e Jones (2005a)

afirmam que os clientes não se classificam em categorias estanques. Os clientes

se utilizam de uma variedade de formatos na medida em que suas circunstâncias

variam e assim minimizam seu custo total de consumo balanceando as variáveis

conveniência e preço.

O princípio de redução de trade-offs de desempenho descritos por Bowen e

Youngdahl (1998) contribuem diretamente para oferecer o que o cliente quer

exatamente onde ele quer. Womack e Jones (2005) advogam que o trade-off entre

preço e conveniência pode ser fortemente reduzido. Para estes autores, é possível

colocar um produto a um mesmo custo em qualquer canal de venda. Isto é

possível através da criação de um sistema único de reposição, que negocie com

os fornecedores de maneira centralizada o volume a ser distribuído em toda a

rede através de todos os canais.

Dada a crescente restrição de tempo dos clientes, a busca de canais mais

convenientes que oferecem preços semelhantes aos das grandes lojas de

desconto tende a crescer revertendo o movimento em direção às mega-lojas como

canal principal de vendas.

Page 52: Um estudo de casos sobre a aplicação de

39

2.3.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente quando ele quer

Num estudo sobre a aplicação do conceito lean ao comportamento

organizacional, Emiliani (1998) identifica uma série de atitudes que, por não fazer

o valor fluir no processo de trabalho, representam desperdícios no relacionamento

inter-pessoal e afetam negativamente o trabalho23. Segundo este autor, quando

este tipo de comportamento predomina numa organização o resultado é um

desempenho significativamente inferior na medida em que estas atitudes geram

atrasos, custos, re-trabalhos e baixos níveis de confiança e cooperação. Esta idéia

também se aplica entre as organizações.

Fukuyama (2000) afirma que a confiança é “como um lubrificante que torna

mais eficiente o funcionamento de qualquer grupo ou organização”. A confiança

além de ter um valor ético intrínseco tem um valor monetário associado na medida

em que reduz os custos de transação24. Ritzman e Krajewski (2004) assinalam

como essencial a cooperação da empresa com seus fornecedores para a

implementação de uma operação enxuta bem-sucedida. Lamming (1996) ao tratar

do relacionamento de uma empresa com seus fornecedores afirma que para uma

cadeia de fornecimento enxuta se tornar uma realidade os clientes devem

compartilhar informações (inclusive dados de custo) com seus fornecedores e

estar abertos a idéias dos fornecedores que afetem suas operações. Segundo

Lamming (1996) a empresa e seus fornecedores são os “guardiães” do “valor-em-

trânsito” para o cliente final. Womack e Jones (2005) advogam pela necessidade

de cooperação entre a empresa e seu cliente final, uma vez que só através desta

cooperação que é possível criar valor e reduzir desperdícios para ambos.

No princípio anterior, o provedor de serviços ou produtos se esforça por

oferecer diversos canais para atender as exigências de conveniência do cliente

23 Emiliani (1998) apresenta uma longa lista de comportamentos carregados de desperdício, que não agregam valor ao trabalho. Cita como exemplo destes comportamentos, entre outros: demonstrar desconfiança, favoritismo, ambigüidade, observações desnecessárias, cinismo, não retornar ligações, bajulação, enganar, etc.. 24 Custos de transação podem ser entendidos como os custos de monitorar, contratar, julgar e forçar o cumprimento dos acordos formais.

Page 53: Um estudo de casos sobre a aplicação de

40

em relação ao lugar; neste princípio está em jogo poder atender as exigências de

conveniência do cliente em relação ao tempo. Em ambos a questão chave é poder

atender ao cliente conforme suas circunstâncias variam.

Há itens de consumo para os quais se espera uma disponibilidade imediata.

Há outros itens de consumo para os quais é perfeitamente cabível trabalhar com

prazos mais dilatados de entrega. Há também itens de consumo para os quais o

cliente ora exige disponibilidade imediata ora aceita trabalhar com prazos. O

transporte aéreo, por exemplo, é um desses itens de consumo cuja exigência de

disponibilidade é híbrida. Há circunstâncias em que o cliente tem uma viagem de

negócio imprevista e inadiável para o qual está disposto a pagar mais caro, e há

circunstâncias, como uma viagem a lazer, em que o cliente está disposto a

reservar a passagem com maior antecedência obtendo uma redução no custo. Do

ponto de vista das operações, a questão é dimensioná-las para trabalhar com

estes dois tipos de demanda. A cooperação entre cliente e empresa é fundamental

para saber em que circunstância o cliente se encontra.

Womack e Jones (2005) propõem transferir esta lógica da reserva de

passagens aéreas para o planejamento de produção e entrega dos bens e

serviços de maneira geral. O princípio é variar o momento da entrega, isto é, o

tempo que o cliente está disposto a esperar em relação ao preço do produto.

Quanto maior o prazo, mais barato para o consumidor e mais conveniente para o

provedor, que se planeja para produzir produtos sob medida. Quanto mais

produtos sob encomenda menor o estoque indesejado, menor o custo de

inventário.

Segundo Womack e Jones (2005) os diversos sistemas de produção são

capazes de lidar com pequenas quantidades de pedidos para entrega imediata

desde que haja um espaço planejado na grade de produção prevista para pedidos

de última hora e que estes espaços não excedem determinado percentual da

produção. O custo de se fazer um produto rapidamente sob encomenda para

entrega imediata será sempre maior, pois é necessário interromper a seqüência

planejada, disponibilizar as peças e ferramentas adequadas e dar prioridade à

entrega a este cliente. Há clientes dispostos a pagar mais por isso. Por outro lado,

Page 54: Um estudo de casos sobre a aplicação de

41

trabalhar com uma carteira de pedidos sob encomenda do próprio cliente permite

reduzir os custos do provedor uma vez que este tem tempo para planejar com os

fornecedores a entrega de peças na quantidade e tempo certo. Daí a possibilidade

de cobrar menos pelo pedido feito com maior prazo.

Num estudo da OECD (2004) sobre maneiras de enfrentar os desafios para

melhorar a eficiência dos serviços de saúde, aponta-se para o fato de que, em

pelo menos uma dúzia de países da OCDE, o tempo de espera para se realizar

uma cirurgia eletiva é excessivo25. O princípio de atender o que o cliente quer

exatamente quando ele quer implica dimensionar a capacidade das operações dos

centros médicos para absorver dois tipos de demanda: a demanda pelo serviço

imediato, isto é, cirurgia eletiva para já; e a demanda pelo serviço no futuro. Uma

política de preço diferenciada seria o mecanismo para ajustar os tipos de

demanda com a capacidade disponível. No caso de cirurgias eletivas, o quando

passaria a ser uma escolha do cliente em função da sua sensibilidade a preço e

tolerância a espera. O paciente compartilha seus planos com o provedor do

serviço médico em troca de preços mais baixos. O centro médico precisa

desenvolver a habilidade de cooperar com o paciente para determinar o quando

da cirurgia: os pacientes que fazem questão de resolver o problema

imediatamente pagam mais; pacientes mais sensíveis a preço seriam auxiliados a

planejar a cirurgia, a um preço menor, numa data futura.

2.3.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e aborrecimento do cliente

Womack e Jones (2005a) apontam para o fenômeno de que os

consumidores dependem de mais e mais fornecedores para resolver problemas

cada vez menores. Esta realidade é diametralmente oposta ao que se verifica nas

indústrias onde há uma tendência de racionalizar a base de fornecedores.

25 Para uma cirurgia de reposição de quadril, um paciente inglês tem que esperar em média 250 dias, um finlandês, 210 dias; um espanhol 125 dias; um holandês, 90 dias.

Page 55: Um estudo de casos sobre a aplicação de

42

A abordagem lean propõe desenvolver fornecedores capazes de entender

de fato o problema do cliente e oferecer uma solução completa que integre todos

os elementos necessários. Davis e Meyer (1998) referem-se ao conceito de

empacotamento para a oferta de bens e serviços que em conjunto atendem às

necessidades dos clientes e afirmam que valor é criado quando cada componente

da oferta já não pode existir de forma isolada.

No que diz respeito à saúde, Womack e Jones (2005) propõem que os

pacientes tenham um único ponto de contato para seus cuidados com a saúde.

Uma empresa que procurasse ser este único ponto de contato e agregar soluções

para o paciente estruturaria suas operações para aconselhar o tipo de plano de

saúde mais adequado, manter os dados clínicos do paciente ao longo de sua vida,

oferecer suporte em qualquer lugar e para qualquer tipo de problema que o

paciente enfrentar, cuidar de todas as implicações financeiros decorrentes do uso

de serviços de saúde. Esta empresa teria médicos com conhecimento direto das

necessidades de cada paciente e seria o ponto de contato para obter as

informações e a experiência médica que o paciente requer em cada momento da

vida.

2.3.3 Conjugando os princípios da provisão e do consumo enxutos

Os princípios apresentados não são mutuamente excludentes.

Considerando os princípios que compõem o bloco da provisão enxuta e o bloco do

consumo enxuto isoladamente, pode-se perceber como se influenciam

mutuamente. Dos princípios da provisão enxuta pode-se dizer, por exemplo, que

eliminar atividades que não agregam valor permite criar um fluxo de valor contínuo

ao longo do processo. Por outro lado, estabelecer um fluxo de valor contínuo

ajuda a detectar os problemas no processo e exige empregados capazes de

resolvê-los eliminando assim fontes de desperdício (empowerment). Dos

princípios de consumo enxuto pode-se dizer o mesmo. Resolver o problema do

cliente completamente terá como efeito não desperdiçar o tempo do cliente que

por sua vez reduz o aborrecimento do cliente.

Page 56: Um estudo de casos sobre a aplicação de

43

De maneira semelhante, uma análise conjunta dos princípios de provisão e

consumo enxuto permite a constatação de interdependências. Por exemplo,

estabelecer um fluxo contínuo para reposição de produtos é uma maneira de

garantir a disponibilidade do produto e oferecer exatamente aquilo que o cliente

quer. Ou então, oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer exige

reduzir o trade-off entre conveniência e preço.

Esta interdependência se dá devido ao fato dos princípios enxutos

derivarem desta particular mentalidade de encarar o trabalho: foco na criação de

valor ao cliente e redução sistemática dos desperdícios embutidos nos processos.

Pode-se dizer que os princípios da provisão enxuta predispõem e preparam a

empresa e seus empregados a aplicar esta mesma mentalidade nos processos de

consumo. O Quadro 2.2 ilustra como os princípios são interdependentes.

Page 57: Um estudo de casos sobre a aplicação de

44

Quadro 2-2: Interdependência dos Princípios Lean

Princípios de Provisão Enxuta Princípios de Consumo Enxuto

Delegar poder aos empregados

através de sua qualificação

potencializa a capacidade da empresa

de...

... resolver o problema do cliente

completamente e

... agregar continuamente soluções

ao cliente

Eliminar atividades que não agregam valor leva a...

... não desperdiçar o tempo do cliente

Estabelecer fluxo contínuo, puxado

pelo cliente é uma maneira de...

... oferecer exatamente o que o

cliente quer

Reduzir os trade-offs de

desempenho entre flexibilidade e

produtividade, conveniência e preço

permite...

... oferecer o que o cliente quer

exatamente onde o cliente quer

Envolvimento do cliente no

processo de agendamento possibilita

conhecer suas reais necessidades e...

... oferecer o que o cliente quer

exatamente quando ele quer

Fonte: Elaboração do autor

Page 58: Um estudo de casos sobre a aplicação de

45

2.4 Princípios Enxutos aplicados à saúde

Segundo Womack (2004) e Spear (2005) ainda não existe a “Toyota” dos

hospitais. As iniciativas de aplicação do conceito lean nos serviços de saúde estão

apenas engatinhando, tanto no desenho dos processos de provisão dos serviços

como no desenho de seus processos de consumo.

Wysocki (2004) faz um levantamento de algumas iniciativas em que

técnicas de produção enxuta usadas na Toyota são aplicadas em hospitais, com a

ajuda de consultores oriundos da Toyota ou outras indústrias com produção

enxuta.

Ben-Tovim (2006), após 2 anos de implementação do conceito num hospital

universitário da Austrália, afirma estar apenas no princípio: há áreas do hospital

que ainda não foram abordadas e o dilema que diz enfrentar constantemente é

escolher entre aprofundar numa área ou iniciar o trabalho numa nova.

O primeiro evento para difusão de conceitos lean na área da saúde, o Lean

Healthcare Forum, ocorreu em janeiro de 2006 e foi organizado pelo Lean

Enterprise Academy da Grã-Bretanha contando com a presença do National

Health Service26.

O objetivo desta sessão é descrever algumas iniciativas que exemplificam

possíveis aplicações dos princípios enxutos em serviços de saúde. Na revisão de

literatura não foram encontrados casos para todos os princípios. O Quadro 2.3

relaciona os serviços de saúde a serem descritos com o respectivo princípio que

pretendem ilustrar.

26 O evento ocorreu no dia 25 de janeiro de 2006. Ver o site: http://www.institute.nhs.uk/NHSInstitute/ServiceTransformation/Lean+Thinking.htm - acesso 6 de abril de 2006

Page 59: Um estudo de casos sobre a aplicação de

46

Quadro 2-3: Serviços de saúde citados para ilustrar os princípios enxutos

Processo Princípio Serviço de Saúde Local

Reduzir os trade-offs de

desempenho

Virginia Mason

Medical Center EUA

Eliminar atividades que

não agregam valor Hospital Municipal Cardoso Fontes Brasil

Estabelecer fluxo

contínuo, puxado pelo

cliente

Shadyside Hospital EUA

Envolvimento do cliente Shouldice Hospital Canadá

Provisão Enxuta

Delegar poder aos

empregados

Virginia Mason

Medical Center EUA

Resolver o problema do

cliente completamente Flinders Medical Center Austrália

Não desperdiçar o tempo

do cliente

1) Atendimento primário 2) Hospital Kaiser Permanente 3) Hospital Mãe de Deus e H. São Lucas

EUA Brasil

Oferecer exatamente o

que o cliente quer South Side Hospital EUA

Oferecer onde o cliente quer Não foi encontrado exemplo

Oferecer quando o

cliente quer

1) Flinders Medical Center 2) Hospital Mãe de Deus e H. São Lucas

Austrália Brasil

Consumo Enxuto

Agregar continuamente soluções ao cliente

Não foi encontrado exemplo

Page 60: Um estudo de casos sobre a aplicação de

47

2.4.1 Princípios da provisão enxuta

Do ponto de vista da provisão de serviços de saúde, a mentalidade enxuta

propõe desenhar as operações na perspectiva de geração de valor para o

paciente, identificar as atividades que geram e as que não geram valor, buscando

eliminar estas e otimizar aquelas. A eliminação de atividades que não geram valor

juntamente com outros desperdícios tais como materiais desperdiçados,

medicamentos não usados e atrasos desnecessários ajudam a estabelecer um

“fluxo de valor” do paciente. Este fluxo de valor do paciente incluiu a seqüência da

avaliação clínica, investigação, decisão clínica, tratamento e liberação do paciente.

Tal fluxo permite que o paciente o percorra sem interrupções, desvios, retornos ou

esperas27. Dessa forma consegue-se aumentar a eficiência das operações e

melhorar a qualidade do atendimento simultaneamente. Descreve-se a seguir

como os princípios da provisão enxuta são aplicados a alguns serviços de saúde.

2.4.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho

O Virginia Mason Medical Center (VMMC) de Seattle, EUA, exemplifica a

estruturação das operações de um serviço de saúde baseada em princípios lean.

O VMMC é um centro integrado de cuidados da saúde e conta com um hospital de

336 leitos, 9 clínicas, 400 médicos e 5.000 funcionários. Dificuldades financeiras

constituíram um imperativo de mudança para a organização levando-a a rever

suas operações e a se re-estruturar.

O objetivo do Virginia Mason foi desenhar seus sistemas e processos ao

redor das necessidades dos pacientes e não dos provedores dos serviços. Foi

desenvolvido o sistema de produção Virginia Mason (Virginia Mason Production

System – VMPS) baseados nos princípios do sistema Toyota de Produção (Toyota

Production System – TPS). Segundo o relatório do IHI (2005) o VMPS almejava 27 Proposta do Southern Adelaide Health Service (Austrália). Extraído de http://www.flinders.sa.gov.au/redesigningcare/pages/leanthinking/6864/. Acesso em: 11 abr. 2006

Page 61: Um estudo de casos sobre a aplicação de

48

alcançar o aperfeiçoamento contínuo de suas operações através da criação de

valor sem a necessidade de investir em novos recursos, pessoas, equipamentos,

espaço ou estoque. A idéia era fazer mais com menos, buscar simultaneamente

qualidade e eficiência nos serviços evitando o trade-off entre um e outro.

A partir do ano 2002, todos os 5.000 empregados participaram de um curso

introdutório aos princípios lean, que serviu de ponto de partida para a organização

de work-shops de melhoria de processos. Cada work-shop tinha duração de uma

semana durante a qual a equipe deveria analisar um processo e em seguida

propor, testar e implementar uma melhoria. Entre o período de janeiro de 2002 e

março de 2004, foram realizados 175 work-shops de melhoria. Os resultados

destes dois anos de trabalhos demonstram os ganhos de eficiência nas operações

do Virginia Mason e estão descritos no Quadro 2.4.

Quadro 2-4: Melhoria de Eficiência no Virgínia Mason Medical Center

Categoria Resultados em 2004 (depois de 2 anos de “lean”)

Métrica Mudança em relação à 2002

Estoque US$ 1.350.000 dólares Redução 53%

Produtividade 158 FTE´s 36% realocações*

Espaço 22.324 pés2 Redução 41%

Lead time 23.082 horas Redução 65%

Distância

(pessoas)

Percorridos 264.793 pés Redução 44%

Distância

(produtos)

Percorridos 272.262 pés Redução 72%

Tempo de set-up 7.744 horas Redução 82%

*36% dos empregados foram realocados para posições em aberto

Fonte: IHI (2005)

Page 62: Um estudo de casos sobre a aplicação de

49

Spear (2005) aponta para o fato de que os ganhos de eficiência de espaço,

de trabalho e de equipamentos tornou desnecessário a adição de uma câmara

hiperbárica às instalações (evitando o dispêndio de US$ 1 milhão) e evitou a

mudança dos quartos de endoscopia, ao mesmo tempo que aumentou de 120 a

188 (56%) o número de pacientes tratados na unidade de oncologia.

O comprometimento da organização com a melhoria dos processos não só

tornou-os mais eficientes como também aumentou a qualidade da prestação do

serviço. Em 2002, por exemplo, 34 pacientes contraíram pneumonia no hospital

devido ao uso de ventilação mecânica. Cinco destes pacientes vieram a falecer.

Em 2004, apenas 4 pacientes contraíram a doença, com um óbito decorrente.

2.4.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor

Atividades que não agregam valor são desperdício que devem ser

constantemente eliminados através de revisões sistemáticas dos processos. Latas

e Robert (2000) e Bushell et al. (2002) apresentam uma lista de desperdícios

presentes nos serviços de saúde. Tais desperdícios contribuem para uma

experiência frustrante no consumo destes serviços.

Quadro 2-5: Fonte de desperdício nos serviços de saúde

• Acúmulo de pacientes em sala de espera

• Longos tempos de espera associados aos tempos de preparação para

cada paciente em cada etapa do processo de diagnóstico e/ou

tratamento.

• Duplicação de exames por desconfiança, complementariedade ou falta de

coordenação entre os diferentes responsáveis

• Realização de exames desnecessários por falta de preparo da equipe de

saúde

Page 63: Um estudo de casos sobre a aplicação de

50

• Excesso de movimentação do pessoal hospitalar e de transporte dos

pacientes

• Excesso de tempos de tratamento por dificuldade de estabelecer

procedimentos repetitivos de coordenação entre os diferentes

departamentos

• Informação errada ou não disponível

• Ferramentas/equipamentos errados ou não apropriados

• Correção, retrabalho, inspeção

• Excesso ou falta de materiais e medicamentos

• Desperdício de potencial humano

• Comunicação ineficiente

Fonte: Latas e Robert (2000); Bushell et al. (2002)

Como afirma Spear (2005), a aplicação do conceito lean em serviços de

saúde implica capacitar os profissionais da saúde a melhorar seu trabalho

enquanto o realizam. Isto requer enxergar os desperdícios embutidos no processo,

o que, conforme o relatório do IHI (2005) é uma tarefa particularmente difícil para

estes profissionais. Uma enfermeira que sai à caça de remédios, o faz para servir

o paciente e pode não enxergar esta atividade como perda de tempo (para o

paciente em concreto que precisa do remédio isto não é perda de tempo, mas a

situação em si representa um desperdício de potencial humano). Esta mesma

enfermeira pode não se perguntar por que o remédio não estava disponível no

momento certo e no lugar certo. Caso estivesse, certamente a enfermeira ocuparia

seu tempo com alguma atividade mais condizente com sua formação, estaria mais

tempo cuidando do paciente e não de um processo falho em atender o paciente.

Um serviço de saúde enxuto está atento a estas e outras fontes de

desperdício e seus médicos, enfermeiros e funcionários são treinados para

detectá-los e propor maneiras de eliminá-los. O exemplo do Hospital Municipal

Page 64: Um estudo de casos sobre a aplicação de

51

Cardoso Fontes (Rio de Janeiro) ilustra bem o grau de desperdício que pode estar

incrustado em cada processo, neste caso, o serviço de imagem.

O Hospital Municipal Cardoso Fontes (Rio de Janeiro)

Almeida et al. (2000) apresenta dados de um estudo da área de serviço de

imagem do hospital. No período de janeiro a setembro de 2000 foram realizados

cerca de 30.000 exames gerais, 1.800 mamografias e 2.000 exames de

tomografia computadorizada. Foram utilizados neste período cerca de 65.000

filmes somente para exames gerais e destes cerca de 15% foram perdidos devido

à necessidade de repetir o exame. Isto representa um custo anual com perdas de

exames de R$ 205.822,00.

Uma análise mais detalhada do processo apontou outras fontes de

desperdício. A falta de procedimentos de controle das ações de manutenção

impossibilitava a realização de manutenção preventiva. As empresas de

manutenção contratadas eram acionadas, portanto, quando algum problema

impedia o funcionamento do aparelho.

No que diz respeito à radioproteção, foram identificados desperdícios

advindos do excesso de proteção. As portas de acesso às salas de raio-X do

hospital eram de correr, guiadas por trilhos em cima e em baixo. Estas portas

possuíam um excesso de blindagem, pois eram revestidas tanto na face interna

como na externa. Em conseqüência, o peso desnecessário das portas aumentava

o atrito nos trilhos dificultando sua movimentação. Esta dificuldade fazia com que

os técnicos simplesmente deixassem as portas abertas permitindo assim doses de

radiação bem acima do aceitável em áreas livres.

No que diz respeito aos filmes, verificou-se que as lâmpadas vermelhas

instaladas nas 4 câmaras escuras não eram adequadas para o tipo de filme

utilizado. A inconstância das temperaturas do revelador de filmes e falhas no

preparo dos materiais químicos também contribuíam para a perda dos filmes.

O estudo analisou os principais motivos de repetição de exames. Verificou

que 64% das perdas eram resultantes de filmes super ou sub expostos à radiação.

O segundo motivo principal de perda era o posicionamento inadequado do filme

Page 65: Um estudo de casos sobre a aplicação de

52

(8,7%) e o terceiro motivo, o posicionamento inadequado do paciente (6,3%).

Almeida et al. (2000) aponta para o fato de um baixíssimo percentual de perdas

ser resultante da falta de uma crítica mais rigorosa dos técnicos e médicos quanto

à qualidade da imagem.

2.4.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente

Shadyside Hospital em Pittsburgh (EUA) é um hospital de 486 leitos que faz

parte do University of Pittsburgh Medical Center, um dos maiores sistemas

integrados de saúde sem fins lucrativos dos EUA. Graças a uma verba recebida

do Jewish Healthcare Foundation conseguiram introduzir o conceito de fluxo

contínuo nos processos do departamento de patologia reduzindo

significativamente o tempo de preparação e análise das amostras de tecido,

conforme descreve o relatório do LEI (2004).

O fluxo de trabalho e o layout tradicional do departamento de patologia

deste hospital se assemelhava às fábricas de produção em massa: equipamentos

e atividades organizadas por tipo (não em seqüência) e processamento em

grandes lotes. Os problemas que o departamento encontrava eram os mesmos

daqueles derivados do processamento de grandes lotes nas fábricas de produção

em massa: longo tempo de processamento, longos tempos de espera entre uma

atividade e outra, demoras na identificação de problemas escondidos nos grandes

lotes, alta complexidade no rastreamento e na movimentação, incremento nos

custos associados a maior necessidade de espaço, capacidade e mão de obra

para processar os grandes lotes.

As amostras de tecidos chegavam das diferentes unidades do hospital e

precisavam passar pelos seguintes processos: corte, fixação, montagem,

fatiamento, derretimento, tingimento, acabamento, inspeção e análise.

Corte e fixação. Os tecidos eram cortados e inseridos em recipientes

plásticos. Havia duas máquinas de processamento de tecidos que substituíam a

Page 66: Um estudo de casos sobre a aplicação de

53

água por um líquido de fixação. O processo automático durava 12 horas e era

rodado durante a noite.

Montagem. Após a fixação, os tecidos eram transferidos para outra sala,

retirados dos recipientes plásticos, inseridos num molde metálico, cobertos com

cera, e resfriados por 20 minutos. Em seguida, em outra sala, ocorria o processo

de fatiamento.

Fatiamento e derretimento. A cera endurecida permitia que o tecido fosse

cortado em fatias muito finas e colocado sobre uma lâmina de vidro. Uma vez

formado um lote de lâminas, eram colocadas num forno (localizado em outra parte

do laboratório) para o derretimento da cera (17 minutos).

Tingimento e acabamento. As lâminas só com tecido (sem a cera)

passavam então por um processo automatizado de tingimento (45 minutos). Esta

máquina era localizada próximo ao local da fixação. Em seguida, outra máquina

depositava uma fina camada de vidro sobre a lâmina e colava uma etiqueta de

papel.

Inspeção e análise. O lote de lâminas então era enviado para uma pessoa

que conferia as lâminas com as ordens escritas e, finalmente, todo o material era

encaminhado ao patologista para análise.

Após um estudo diligente de todo o processo, a equipe responsável pela

implementação do fluxo contínuo criou uma célula de trabalho em que cada etapa

de processamento era localizada próxima a outra e realizada em seqüência. A

equipe percebeu que nem todos os tecidos precisavam passar por um processo

de 12 horas de fixação. Uma porção significativa dos tecidos poderiam ser fixados

em 3 horas. Uma máquina foi alocada para os processamentos longos e outra

para os curtos.

Ao invés de trabalhar com lotes de 12 amostras de tecido, foram

desenvolvidos recipientes para o processamento de lotes unitários. No novo lay-

out celular, cada pessoa cuidava de dois processos. No caso de sobrecarga mais

uma pessoa poderia ser acrescentada a algum processo. Este lay-out permitiu que

os tecidos fluíssem pela montagem, fatiamento, derretimento e tingimento com

Page 67: Um estudo de casos sobre a aplicação de

54

menos erros e num tempo menor com nenhuma amostra (ou quase nenhuma)

esperando entre as etapas.

Como resultado, pequenas amostras de tecido eram processadas e

enviadas ao patologista para análise. Os resultados saíam no mesmo dia ao invés

de demorar de 24h a 48h. Os erros eram descobertos imediatamente. Em termos

de produtividade, o laboratório está realizando a mesma quantidade com menos

mão-de-obra (28% da mão-de-obra foi transferida para outras funções).

2.4.1.4 Envolvimento do paciente

Uma das primeiras descrições da aplicação de princípios lean em hospitais

foi feita por Bowen e Youngdahl (1998). Trata-se do Shouldice Hospital, localizado

no Canadá, um hospital focado em operações de hérnia e, mais especificamente,

em tipos externos de hérnia abdominais.

O processo prevê um elevado grau de cooperação entre o paciente e os

profissionais da saúde, desde a preparação até o pós-operatório. O envolvimento

do paciente já começa com o processo de entrada. O paciente pode baixar da

internet os quesitos necessários para internar-se. Ao dar a entrada o paciente

recebe um diagrama no qual deve marcar a posição da hérnia a ser operada.

Baseada nesta informação o médico determina o tipo de hérnia e avalia os riscos

da cirurgia. Na preparação para a cirurgia o próprio paciente é encorajado a

realizar a tricotomia28, no pós-operatório os pacientes caminham da mesa de

operação para a cadeira de rodas com a ajuda dos cirurgiões, os pacientes recém-

operados são colocados em leitos próximos a novos pacientes, e dessa forma, os

“veteranos” podem repassar suas experiências reais nas fases pré e pós-

operatório. Tal tipo de relacionamento é de incontestável importância tanto na

recuperação dos “antigos” como dos “novos” pacientes. Esta colaboração libera as

enfermeiras a cuidarem de outras atividades para as quais podem agregar mais

valor. 28 Retirada dos pêlos na região da cirurgia.

Page 68: Um estudo de casos sobre a aplicação de

55

2.4.1.5 Delegar poder aos empregados

O Virginia Mason Medical Center introduzido anteriormente também

exemplifica o princípio de delegar poder aos empregados. O plano estratégico

ilustrado no Quadro 2.6 demonstra a preocupação da organização em estruturar

seus processos colocando o paciente em primeiro lugar e explicita que um dos

seus pilares estratégicos são as pessoas.

Segundo Spear (2005), em 2002, após uma visita a uma fábrica lean no

Japão, os gestores perceberam a importância dos empregados na criação de uma

cultura de aperfeiçoamento contínuo. O Virginia Mason Prodution System (VMPS)

criado para suportar esta cultura tem seis áreas de foco, duas das quais

diretamente relacionadas à delegação de poder aos empregados: uma política de

não demissão e um sistema de alerta de segurança ao paciente.

Quadro 2-6: Plano estratégico do Virginia Mason

Fonte: IHI (2005)

Page 69: Um estudo de casos sobre a aplicação de

56

A direção da Virginia Mason comprometeu-se publicamente a não demitir

nenhum de seus empregados, criando assim as condições de entorno necessárias

para um real comprometimento dos empregados com melhorias do processo. Era

dos próprios empregados que se esperavam análises, sugestões e

implementações de melhorias. Com esta política, era garantido que as melhorias

de eficiência não se voltariam contra seus próprios criadores.

O sistema de alerta de segurança ao paciente é o equivalente da “paragem

da linha de produção” existente nas indústrias lean. Qualquer empregado da

Toyota, por exemplo, tem o poder e o dever de parar a linha de produção quando

um defeito ou um erro é identificado. Os empregados puxam uma corda que

aciona um alarme e engatilha um processo de resolução do problema. Evita-se

assim que o defeito seja embutido no produto final.

Na VMMC qualquer empregado pode “parar a linha”, isto é, o processo de

cuidado da saúde em questão quando detecta algum erro. A pessoa que sinaliza o

erro juntamente com um gerente apropriado e outros envolvidos no processo

avaliam a situação e buscam resolver o erro pela raiz. Em 2002, eram feitos em

média 3 alertas por mês. No final de 2004, esse número subiu a 17. Os alertas

diziam respeito a erros de medicamentos, problemas com equipamentos, com

sistemas de informação, com as instalações.

2.4.2 Princípios do consumo enxuto

Do ponto de vista da experiência de consumo, para gerar valor é preciso

identificar o que paciente busca ao procurar os serviços de saúde. Para Womack e

Jones (2005), o paciente quer:

• Resolver seu problema de saúde completamente, isto é, um

diagnóstico sem falhas e o melhor tratamento.

• Minimizar seu custo total, em particular, evitar perder seu tempo.

• Obter o diagnóstico e receber o tratamento quando ele quiser, sem

esperar longas horas em consultórios.

Page 70: Um estudo de casos sobre a aplicação de

57

• Obter o diagnóstico e receber o tratamento onde ele quer,

idealmente perto do trabalho ou de casa.

Seguem alguns exemplos que descrevem a aplicação destes princípios nos

serviços de saúde.

2.4.2.1 Resolver o problema do paciente completamente

Spear (2005) apresenta como contra-exemplo de operação lean o

testemunho de uma enfermeira que afirma confrontar “o mesmo problema, todo

dia, anos a fio”. É o equivalente hospitalar da “indústria de falhas29”, onde os

empregados sem autonomia, e sem chegar à raiz do problema, procuram

solucionar eficientemente as mesmas e sempre recorrentes falhas no processo de

consumo.

Como afirmam Bowen e Youngdahl (1998), operações enxutas qualificam o

empregado a tomar decisões e a resolver problemas. Quanto mais qualificado o

empregado do primeiro atendimento, melhor o processo de consumo como um

todo. O caso do Flinders Medical Center é um bom exemplo.

Flinders Medical Center30 (FMC) é um hospital universitário de médio porte

localizado em Adelaide na Austrália. Seu departamento de emergência atende

anualmente cerca de 50.000 pacientes. Em 2003 sua Emergência estava bastante

congestionada e se tornava um lugar inseguro. Mais de 1000 pacientes tiveram

que esperar mais de 8 horas para serem atendidos na emergência. A capacidade

do hospital de realizar cirurgias eletivas estava sendo comprometida pela

demanda na emergência. Para lidar com esta situação, iniciou-se um projeto para

aplicar princípios lean neste hospital. Percebeu-se que a origem do problema

29 Expressão utilizada por Womack e Jones (2005) para designar todo o esforço necessário para resolver os problemas de consumo com os quais os consumidores se deparam envolvendo estratégias de serviços de atendimento ao consumidor, call centers, sistemas de informação, etc.. 30 Informações extraídas de artigo de autor anônimo entitulado “Redesigning care reduces emergency waiting times” Australian Nursing Journal North Fitzroy:Dec 2004/Jan 2005. Vol. 12, Iss. 6, p. 29 (1 pp.) e de material próprio do FMC disponível na internet: http://www.flinders.sa.gov.au/redesigningcare

Page 71: Um estudo de casos sobre a aplicação de

58

estava na triagem dos pacientes e formou-se uma equipe multifuncional para

repensar o processo.

O sistema de triagem de pacientes vigente era composto por 5 categorias.

Havia um tempo prescrito de atendimento para cada categoria. Pacientes nas

categorias mais baixas, numa situação menos urgente eram passados para trás à

medida que chegavam pacientes de uma categoria superior. Com o aumento da

demanda (em maio de 2004, o hospital chegou a ter um recorde de 80 pacientes

esperando um atendimento) a meta de atendimento para cada categoria já não

era alcançada.

O processo de triagem foi simplificado, criando-se dois grupos. Os

enfermeiros responsável pela recepção foram treinados para distribuir os

pacientes em dois grupos: grupo A - os que provavelmente seriam internados;

grupo B - os que provavelmente poderiam voltar para casa. Havia uma equipe

clínica alocada para cada grupo de pacientes. O grupo A passaria a ser atendido

em ordem de prioridade clínica. O grupo B passaria a ser atendido em ordem de

chegada. A taxa de acerto dos enfermeiros chegou a 80%. O tempo de espera na

emergência do Flinders Medical Center (FMC) foi reduzido em 20%. Como

conseqüência houve também uma redução na superlotação da emergência.

Quer-se destacar neste exemplo a questão da qualificação dos enfermeiros

do primeiro atendimento na emergência. O grau de envolvimento dos enfermeiros

no novo processo com a delegação de maior poder de decisão na própria triagem

dos pacientes além de alcançar maior eficiência no processo melhorou o moral

dos empregados. Houve uma efetiva redução na taxa de rotatividade de

enfermeiros, que atingiu seu menor nível desde a fundação do centro médico.

A iniciativa de incorporar princípios enxutos nas operações do FMC recebeu

o nome de Redesigning Care e apresenta os seguintes indicadores de melhoria de

eficiência operacional:

• O tempo médio de espera na emergência caiu de 7h para 5.5h.

• Em 2005, 70% dos pacientes que provavelmente não precisariam ser

internados (Grupo B), saem do hospital devidamente tratados em menos

de 4h. Em 2003 este percentual era de 60%.

Page 72: Um estudo de casos sobre a aplicação de

59

• O cancelamento de cirurgias eletivas devido à indisponibilidade de

camas caiu 83% (238 para 40).

• Houve uma redução de 32% no número de pacientes que esperam mais

de 12 horas na Emergência antes conseguir uma cama (3,338 para

2,276)

• Redução de 41% no número de pacientes que decidem deixar a

emergência sem ver um médico (2,533 para 1,497)

• O número de readmissões ao hospital caiu 11%.

• Houve aumento de demanda de quase 3% no departamento de

emergência do hospital no mesmo período.

Page 73: Um estudo de casos sobre a aplicação de

60

2.4.2.2 Não desperdiçar o tempo do paciente

Filas para agendar consultas, exames e cirurgias bem como salas de

espera que exigem longas esperas são barreiras para o acesso aos sistemas de

saúde. Ao inflar o tempo necessário para se resolver os problemas de saúde, tais

barreiras além de causar aborrecimento ao paciente pelo tempo desperdiçado,

podem prejudicar a própria qualidade dos serviços prestados. Murphy e Noetscher

(1999) afirmam que do ponto de vista do hospital, o tempo de permanência de um

paciente no hospital é um indicativo da sua eficiência.

Bundy et al. (2005) propõem e testam uma alternativa para reduzir estas

barreiras realizando um piloto de um processo de agendamento de consultas

denominado de “acesso-livre31”. O “acesso-livre” é um sistema de agendamento

de consultas baseado no princípio de que a demanda por consultas é previsível e,

portanto, é possível adequar a capacidade à demanda esperada. Isto permitiria

oferecer ao paciente um horário para consulta no próprio dia em que o contato é

feito. Bundy et al. (2005) afirmam que o “acesso-livre” tem potencial para reduzir o

não-comparecimento do paciente, melhorar a continuidade da atenção médica e

aumentar a satisfação do cliente e dos profissionais da saúde.

O estudo de Bundy et al. (2005) analisou o impacto da adoção da prática de

acesso-livre em 4 unidades de atendimento primário na Carolina do Norte (EUA).

Cada unidade se comprometeu a implementar o acesso-livre e a colher os dados

conforme um conjunto padronizado de medidas de desempenho, que incluíam

entre outras: tempo médio de espera para uma consulta, número de não

comparecimentos à consulta, satisfação do paciente. O Quadro 2.7 exemplifica

ações tomadas para reduzir o tempo de espera dos pacientes.

31 Em inglês: Open-Access, também conhecido como “advanced access” (acesso avançado) ou “same-day scheduling” (agendamento de consulta no mesmo dia).

Page 74: Um estudo de casos sobre a aplicação de

61

Quadro 2-7: Iniciativas para implementar o “acesso-livre”

Ações Exemplos

Balancear a oferta de

consultas com a demanda

Prever a oferta de consultas levando em

consideração férias, feriados e trabalho não

clínico

Prever a demanda por consultas baseado em

dados históricos

Aumentar a capacidade nos picos

Estar preparado para os aumentos sazonais

previsíveis na demanda

Reduzir o backlog (a lista

de espera)

Distinguir o bom backlog (cuidado planejado) do

mau (cuidado que foi adiado)

Eliminar o mau backlog aumentando

temporariamente o número de consultas por dia

Padronização Padronizar a duração de cada consulta

Padronizar os materiais em todas as salas

A primeira consulta da manhã e da tarde devem

começar no horário

Reduzir a demanda futura

do paciente

Maximizar a atividade durante a consulta para

evitar demanda futura

Aumentar o intervalo para retorno

Usar estratégias de fluxo

contínuo

Não adiar o trabalho

Utilizar as pausas previstas para realizar

atividades não ligadas à consulta (retorno de

telefonemas)

Identificar e eliminar os gargalos no fluxo clínico

Fonte: Bundy et al. (2005)

Page 75: Um estudo de casos sobre a aplicação de

62

Todas as quatro clínicas implementaram com sucesso o acesso-livre ao longo de

um ano. As medidas de desempenho tiveram melhoras significativas:

1. O tempo médio de espera para uma consulta caiu de 36 dias para 4

dias (89% de redução).

2. O número de não comparecimentos à consulta reduziu: no primeiro

trimestre de implementação do acesso-livre houve 16% de não

comparecimentos; no último trimestre, 11%.

3. Satisfação do paciente: proporção de pacientes que avaliaram como

“excelente” sua visita ao médico subiu de 45% no primeiro trimestre

para 61% no último.

As técnicas do acesso-livre também são aplicáveis no contexto de um hospital,

como exemplifica o Hospital Kaiser Permanente descrito por Womack e Jones

(2005).

Hospital Kaiser Permanente (EUA)

O hospital Kaiser Permanente na costa oeste dos EUA repensou seu

processo de agendamento de consultas com êxito notável. O médico encarregado

de melhorar a eficiência da operação do hospital percebeu que a dificuldade de se

marcar uma consulta se dava pelo processo de triagem de pacientes. Os

empregados responsáveis por receber as chamadas telefônicas não tinham

conhecimento suficiente para separar os casos agudos daqueles que podiam

esperar. Esses empregados serviam de intermediários entre o paciente e o

médico, retornavam a ligação e marcavam a consulta. A consulta, por sua vez,

sempre era marcada para daqui a 2 meses. Percebeu-se também que este prazo

era padrão o que significa que o volume de trabalho era constante. Para que jogar

a consulta para frente?

O novo processo denominado “acesso livre” previa que qualquer paciente

que quisesse ver seu médico fosse atendido no primeiro espaço livre da agenda

Page 76: Um estudo de casos sobre a aplicação de

63

daquele mesmo dia. Dada as características da demanda do hospital, a

probabilidade de ser atendido no dia era bastante alta.

O seguro de saúde do hospital em questão estava disposto a reembolsar o

médico por uma consulta de no máximo 15 minutos. Como alguns pacientes

exigiam mais do que 15 minutos a fila de espera para atendimento tendia a

crescer e a parte burocrática de preencher papéis era deixada para o fim do dia

após o horário normal de expediente.

A solução adotada foi agendar as consultas em intervalos maiores do que o

tempo médio de uma consulta e obrigar o médico a preencher os papéis logo após

a saída do paciente. Após a última consulta o médico não precisaria consumir

horas-extras com trabalho burocrático e já voltava para casa.

Uma vez eliminados os dois meses de consultas já agendadas, a carga de

trabalho dos médicos diminuiu, o acesso ao médico tornou-se praticamente direto,

o prazo para marcar uma consulta reduziu drasticamente (de 2 meses para

praticamente um dia) e o tempo de espera no consultório desapareceu.

Hospital Mãe de Deus e Hospital São Lucas (Porto Alegre)

Segundo Friedrich et al. (2004), a maior causa de incapacidades físicas e

cognitivas em nosso meio é o Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI). O

AVC (acidente vascular cerebral) é uma síndrome causada pela interrupção no

fluxo sanguíneo cerebral. O AVC é classificado como hemorrágico quando ocorre

uma ruptura no vaso. É classificado como isquêmico quando um coágulo provoca

o bloqueio do vaso sanguíneo. Ambos os tipos podem implicar em seqüelas

graves.

Tecnicamente, através da terapia trombolítica, é possível elevar

significativamente a chance de uma recuperação completa de um AVCI. O

procedimento consiste em injetar uma enzima, o rt-PA32, para dissolver o coágulo.

O fator crítico para o sucesso da intervenção é o tempo. Estima-se que os efeitos

do AVCI podem ser minimizados se a enzima for aplicada em no máximo 3h da 32 rt-PA: ativador tecidual plasminogênio recombinante.

Page 77: Um estudo de casos sobre a aplicação de

64

ocorrência da interrupção. O grande desafio, portanto, é de operacionalizar o

procedimento neste tempo.

Os requisitos necessários para se criar um Comprehensive Stroke Center

são: protocolos de AVC, equipes de AVC, capacitação da Emergência para

atendimento do AVC, capacidade de realizar rapidamente a tomografia de crânio,

capacidade de realizar eletrocardiograma e coleta de sangue rápido, cobertura

neurocirúrgica dentro de duas horas, unidade de AVC, capacidade de manejar

pacientes complexos, especialistas treinados nas áreas de Neurologia,

Neurocirurgia, Neurorradiologia. Friedrich et al. (2004) prepararam o Hospital Mãe

de Deus (HMD) e o Hospital São Lucas (HSL) em Porto Alegre para poder dar a

população local este atendimento.

O primeiro passo foi o de estabelecer os protocolos para a trombólise,

formar as equipes de AVC e treinar os médicos e a enfermagem da Emergência.

Foram estabelecidos indicadores de qualidade para a terapia trombolítica. Dada a

criticidade do tempo neste processo, não pode haver espaço para ambigüidade,

não pode haver margem para improvisação. É fundamental a padronização do

processo de atendimento e a adesão dos profissionais da saúde a estes

protocolos.

A rapidez necessária para um atendimento bem-sucedido exige uma

integração entre as diversas áreas do hospital e a criação de uma célula

multidisciplinar de profissionais. Para escapar da estrutura funcional predominante

nos hospitais, foram escritos e assinados documentos cooperativos de co-

responsabilidade entre o chefe da equipe e as chefias do laboratório e do centro

de imagem para garantir a rapidez e prioridade de atendimento a pacientes do

protocolo de trombólise. No Hospital Mãe de Deus foi utilizado o recurso áudio-

visual para sinalizar os pacientes elegíveis para o tratamento.

Observa-se o fato de haver um médico e uma equipe responsável pelo

tratamento do começo ao fim. Isto elimina a ambigüidade na responsabilidade pelo

paciente que em tratamentos complexos envolvendo múltiplas disciplinas pode

gerar negligências graves.

Page 78: Um estudo de casos sobre a aplicação de

65

O paciente é triado pelas enfermeiras da emergência, que foram treinadas

para identificar qualquer sinal de um AVC. Quando identificado um potencial caso,

o paciente é prontamente transferido para a Unidade Vascular dentro da

emergência onde percorre o fluxo de atendimento para o AVC.

Todo o processo de atendimento precisou ser estudado para minimizar os

tempos. A unidade de emergência precisa ser treinada e capacitada para ser um

“pit-stop” do AVC. O contínuo treinamento e aperfeiçoamento das equipes levaram

a melhoria do tempo de atendimento. No caso do Hospital Mãe de Deus o tempo

entre a chegada no hospital (da porta) até a decisão de iniciar o tratamento caiu

de 1h40 em dezembro de 2002 para 49min em outubro de 2003. Dados

publicados de outros centros de referência (Canadá e Suécia) mostram tempos

entre 48min e 106min.

O percentual de pacientes com mínima ou nenhuma incapacidade em 3

meses devido ao tratamento é de 58%. Esta taxa constitui uma referência

internacional.

O caso do tratamento trombolítico no HMD e no HSL é um exemplo de

como é possível seguir um processo bem definido, obter a adesão ao processo

por todos os envolvidos, aperfeiçoá-lo continuamente eliminando os desperdícios

de tempo até atingir os mais altos padrões de qualidade. Pela criticidade do

tempo, o tratamento trombolítico ou é enxuto ou não funciona.

2.4.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o paciente quer

Um paciente quer resolver seu problema de saúde, está lidando com a dor

e encontra-se numa posição física e psicologicamente fragilizada. Por um lado,

quer ser compreendido, apoiado e amparado em seu sofrimento através de um

processo humanizado de atendimento, que na visão de Deslandes et al. (2004)

compreende um atendimento de qualidade técnica articulando avanços

tecnológicos juntamente com um bom relacionamento. Por outro lado, requer a

disponibilidade de materiais e medicamentos para resolver prontamente seu

Page 79: Um estudo de casos sobre a aplicação de

66

problema. Dependendo dos processos vigentes, estas duas necessidades –

atendimento humanizado e disponibilidade de materiais e medicamentos - podem

entrar em conflito.

Rivard-Royer et al. (2002) apontam para o fato de que processos

ineficientes de gestão de suprimentos subtraem horas de trabalho que poderiam

ser aplicadas no cuidado e atenção aos pacientes. Num estudo de caso de um

hospital no Canadá, estes autores estimaram que 10% do tempo total de

enfermagem era empregado na busca de medicamentos33. Para Spear (2005) as

enfermeiras gastam um tempo desproporcional cuidando não do paciente, mas do

sistema ao se envolver com a buscar de materiais, medicamentos e informações

necessárias. Para Rivard-Royer et al. (2002), a busca por maior eficiência nos

processos de suprimentos tem um ganho indireto na qualidade do serviço

prestado. Ao garantir a disponibilidade de materiais e medicamentos de maneira

mais eficiente, aumenta-se o tempo de atenção ao paciente e contribui-se assim

para oferecer exatamente aquilo que o paciente quer.

Rivard-Royer et al. (2002) afirmam que a cadeia de fornecimentos no setor

de saúde se caracteriza pela complexidade. Esta complexidade advém da enorme

quantidade de fornecedores e ainda maior variedade de itens de consumo que

fluem através de diferentes canais: alguns itens são entregues diretamente pelos

fornecedores, outros através de distribuidores intermediários. Além disso, existe

uma alta complexidade nos próprios serviços de saúde que não são os usuários

finais destes itens. Estes serviços devem desenhar sua própria rede logística para

que os itens cheguem até as diferentes unidades e, em última análise, até o ponto

de consumo, que é o próprio paciente. O setor de saúde é caracterizado pela

presença simultânea de duas cadeias de fornecimento: uma externa e uma

interna. Primeiramente será apresentada a aplicação da mentalidade lean na

cadeia externa de fornecimento e, em seguida, através do exemplo do South Side

Hospital, na cadeia interna.

33 Isto significava 4.030 horas por ano desviadas da função principal das enfermeiras: atender o paciente.

Page 80: Um estudo de casos sobre a aplicação de

67

Rivard-Royer et al. (2002) apresentam uma comparação entre o método

convencional e o método lean de lidar com a cadeia externa de fornecimento,

descrito no Quadro 2.8. Os números correspondem à realidade de um hospital de

400 leitos.

Quadro 2-8: Suprimentos convencionais e suprimentos enxutos

Característica Método Convencional Método lean

Forma de entrega pelo

fornecedor

Lote Unidades de uso

Freqüência de entrega Semanal Diária

Número de fornecedores 35+ 1-2

Funcionários clínicos

envolvidos com tarefas

relacionadas a materiais

Número significativo Quase nenhum

Tamanho do

almoxarifado do hospital

6.000 pés2 300 pés2

Dias em estoque 6 a 8 semanas 1-3 dias

Giro de estoque 6.5 a 8.7 171 a 365

Tempo empregado na

gestão de materiais34

31 13

Fonte: Rivard-Royer et al. (2002)

South Side Hospital na University of Pittsburgh Medical Center (UPMC)

Spear (2005) relata como a farmácia do South Side Hospital na University

of Pittsburgh Medical Center (UPMC) resolveu os problemas na sua cadeia interna

de fornecimento de medicamentos. A farmácia era responsável por realizar

entregas de medicamentos em todo hospital a tempo das enfermeiras medicarem

34 Medido em FTE´s (full time equivalents).

Page 81: Um estudo de casos sobre a aplicação de

68

os pacientes conforme um cronograma pré-definido. O que se constatava com

freqüência era que o medicamento necessário não estava disponível. A busca

deste medicamento implicava interrupção no atendimento e consumia horas da

enfermeira, do farmacêutico e do técnico responsável pela distribuição.

Identificou-se que o problema estava na maneira como o processo estava

dimensionado para funcionar, isto é, baseado em lotes. Os médicos faziam a

ronda pelos pacientes de manhã receitando os medicamentos apropriados. Ao

longo do dia, caso houvesse alguma alteração na condição do paciente uma nova

receita era prescrita. Estas receitas eram periodicamente colhidas e entregues à

farmácia. O farmacêutico inseria os pedidos no sistema que se acumulavam ao

longo do dia. No fim do dia imprimia-se uma lista geral para todos os pacientes.

No dia seguinte, os funcionários da farmácia fariam a coleta dos medicamentos

nos estoques, aprontando o mix e o volume adequado para cada paciente. Este

trabalho era completado no início da tarde quando o responsável pela entrega

levaria estes pedidos às unidades de enfermagem. Dado que do momento em que

o medicamento era receitado até o momento de sua entrega na unidade de

enfermagem se passavam de 12 a 24 horas, era bem possível que as

necessidades do paciente se modificassem, causando transtornos para se

conseguir o medicamento certo e gerando retrabalhos de re-estocar os

medicamentos não consumidos além do trabalho burocrático de garantir que os

pacientes não eram cobrados pelos remédios que não foram utilizados.

A solução adotada foi regular os sistemas de fornecimento da farmácia para

atender aos pedidos de medicamentos no ritmo da demanda. Eram os pedidos

dos médicos que funcionariam como o “marca passo” de entrega. Verificou-se que

se a farmácia operasse ao ritmo em que o medicamento era consumido teria que

produzir e entregar um pedido a cada 3 minutos.

Com uma meta bem definida, o grupo começou a rever os processos e a

fazer experimentos para verificar a capacidade de operar a este ritmo. Um dia de

trabalho foi suficiente para levantar uma série de impedimentos. Cada

impedimento foi eliminado. As soluções incluíam modificar a disposição dos

medicamentos nos estoques de acordo com a freqüência de uso, modificar os

Page 82: Um estudo de casos sobre a aplicação de

69

horários de saída dos medicamentos da farmácia, rever a rota de distribuição no

hospital, rever a disposição dos pedidos na cesta do entregador.

Como resultado, a farmácia passou a processar lotes de pedidos a cada

duas horas ao invés de a cada 24h e a incidência da falta de disponibilidade de

medicamentos nas unidades de enfermagem caiu 88%. Em relação à farmácia, o

tempo gasto na busca de medicamentos caiu 60% e a falta de estoque na

farmácia diminuiu em 85%. O estoque de medicamentos diminuiu e os custos de

medicação caíram, pois se reduziu a probabilidade dos medicamentos se

perderem, estragarem ou se desperdiçarem.

2.4.2.4 Oferecer o que o paciente quer exatamente onde ele quer

Não foi encontrado um caso em serviços de saúde para ilustrar este

princípio.

2.4.2.5 Oferecer o que o paciente quer onde ele quer exatamente quando ele quer

O princípio de oferecer o que o paciente quer exatamente quando ele quer

tem implicações no dimensionamento da capacidade de atendimento. Num

hospital isto se traduz na gestão do conflito entre atender casos de emergência e

casos que podem esperar. O hospital Flinders apresentado no item 2.4.2.1

padecia deste problema, sua capacidade de atender cirurgias eletivas estava

sendo comprometida pela demanda oriunda da emergência. A revisão dos

processos de triagem e eliminação dos desperdícios nos processos de

atendimento feita pelos próprios empregados envolvidos conseguiu reduzir os

cancelamentos das cirurgias eletivas devido à indisponibilidade de camas em

83%.

A questão de dimensionar a capacidade para atender a emergência sempre

será um desafio. É preciso dar prioridade à emergência por se tratar de uma

Page 83: Um estudo de casos sobre a aplicação de

70

questão de vida ou morte. A eficiência com que este processo é dimensionado

permitirá dedicar recursos do hospital a outros tipos de demanda. O exemplo do

Hospital São Lucas e do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre citados no item

2.4.2.2 mostra a preparação necessária para o atendimento de emergência. Esta

preparação incluiu o entendimento processo da terapia trombolítica, a criação de

um fluxo específico para o paciente sofrendo de AVCI, o acordo entre as diversas

áreas funcionais e treinamento adequado.

Cada tipo de paciente terá um fluxo específico. Cada fluxo poderá receber

dois tipos de demanda: imediata ou programada. O desafio é coordenar e

gerenciar e coordenar estas demandas com os diferentes fluxos.

2.4.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e aborrecimento do paciente

Não foi encontrado um caso em serviços de saúde para ilustrar este

princípio.

2.5 Medicina baseada em evidências

Segundo artigo do JAMA35 (1992), um novo paradigma da prática médica

está emergindo. Por paradigma entende-se uma maneira de olhar o mundo que

define tanto os problemas a serem legitimamente estudados como o espectro de

evidências admissíveis para solucioná-los. Quando as deficiências de um

paradigma se acumulam a ponto de torná-lo insustentável, o paradigma é

questionado e substituído por uma nova maneira de enxergar o mundo. A

mudança em andamento na prática médica envolve o uso mais efetivo da

literatura médica como guia das decisões clínicas e é, segundo este mesmo

artigo, profunda o suficiente para designá-la como uma mudança de paradigma.

Este paradigma tem recebido o nome de medicina baseada em evidências e é 35 JAMA: Journal of the American Medical Association.

Page 84: Um estudo de casos sobre a aplicação de

71

definido por Sackett et al. (1996) como “o uso cuidadoso, explícito e acurado da

melhor e mais atualizada evidência na tomada de decisão sobre o cuidado de

determinado paciente”.

Para Sackett et al. (1996) praticar a medicina baseada em evidência

significa integrar a experiência clínica individual com a melhor evidência clínica

externa disponível resultante de uma pesquisa sistemática. Por experiência clínica

individual entende-se a habilidade e o julgamento que cada clínico adquire com o

passar do tempo através do exercício de sua prática médica. Por melhor evidência

externa entende-se uma pesquisa clínica relevante que indique a acurácia e a

precisão dos diagnósticos, o poder de prognóstico, a eficácia e segurança das

medidas de tratamento, reabilitação e prevenção. Dada a crescente produção de

artigos científicos, uma evidência clínica relevante pode invalidar um teste

diagnóstico previamente aceito e substituí-lo por um novo mais potente, mais

eficaz e mais seguro.

Pfeffer e Sutton (2006) afirmam que apenas 15% das decisões clínicas dos

médicos são baseadas em evidências. Os autores listam uma série de outros

fatores que não a evidência clínica externa para a tomada de decisões e que

podem levar a resultados menos eficientes:

• um conhecimento obsoleto do assunto por falta de atualização. Davidoff et al.

(1995) afirmam que um médico dedicado para se manter atualizado em sua

especialidade teria que ler 17 artigos por dia, 365 dias por ano36.

• maior confiança na experiência pessoal e numericamente mais limitada em

detrimento de pesquisas que são mais impessoais mas cuja amostra é mais

significativa.

• o viés da própria especialidade. Um especialista tende buscar a solução do

problema no campo em que possui pleno domínio.

• a exposição aos instrumentos de propaganda da indústria farmacêutica. Dada

pressão de tempo e a quantidade de informações disponíveis, as pessoas se

36 Segundo estes autores, a medicina baseada em evidências procura oferecer ao clínico ferramentas de pesquisa para facilitar o acesso às informações relevantes.

Page 85: Um estudo de casos sobre a aplicação de

72

utilizam de atalhos (também denominados de heurísticas) para encurtar o

processo decisório. As decisões sobre que medicamento receitar podem ser

tomadas baseadas na facilidade com que determinado produto vem à

memória. É o que Tversky e Kahneman (1973) chamam de heurística da

disponibilidade. Uma propaganda eficaz posiciona o produto na mente e pode

influenciar a decisão de seu uso.

• tradições cientificamente infundadas.

• a pressão do cliente pela realização de exames e o risco de ser processado.

Pfeffer e Sutton (2006) advogam pela transposição da filosofia e prática de

medicina baseada em evidências para o contexto da gestão empresarial. Uma

série de elementos da medicina baseada em evidências apresentam uma forte

correlação com os princípios e as práticas lean até aqui apresentadas, conforme

sintetiza o Quadro 2.9.

Quadro 2-9: Paralelo entre a Medicina Baseada em Evidências e a Mentalidade Lean Medicina Baseada em Evidências Mentalidade Lean

Novo paradigma da prática clínica

(JAMA, 1992).

Novo paradigma industrial (Bowen e

Youngdahl, 1998)

A partir do paciente são construídas

as questões clínicas a serem

respondidas, e para ele,

individualmente, os resultados serão

aplicados, se forem válidos,

importantes e úteis. (Gomes, 2001)

Começar pelo cliente (Liker, 2004)

Foco na geração de valor para o

cliente (Hines et al., 2004)

Maior envolvimento do paciente

(JAMA, 1992)

Envolvimento do cliente (Duclos et al.,

1995; Bowen e Youngdahl, 1998;

Liker, 2004)

Page 86: Um estudo de casos sobre a aplicação de

73

Medicina Baseada em Evidências Mentalidade Lean

Centrada no desenvolvimento de um

processo de decisão médica com

ênfase nos aspectos científicos

(Gomes, 2001)

Utilização de uma abordagem

científica para solucionar os

problemas (Spear e Bowen, 1999)

Protocolo busca a otimização dos

benefícios, redução de riscos e custos

na aplicação dos recursos existentes.

(maior custo-efetividade) (Gomes,

2001)

Redução de trade-offs de

desempenho (Bowen e Youngdahl,

1998)

Eliminação dos desperdícios (Ritzman

e Krajewski, 2004)

Reduz as taxas de incerteza e de

condutas aleatórias na clínica

(Gomes, 2001)

Eliminação das ambigüidades do

processo (Spear, 2005)

Propõe reduzir as taxas de erros e

aumentar a qualidade do atendimento

(Gomes, 2001)

Mecanismos e procedimentos para

evitar e eliminar erros (Spear e

Bowen, 1998; Womack e Jones, 2005;

Spear, 2005)

Gerar experimentos, testar hipóteses

constantemente (Pfeffer e Sutton,

2006)

Propor experimentos (Spear, 2005)

Necessidade de constantes

aperfeiçoamentos da prática

(Gomes, 2001)

Melhoria contínua (Womack, 2004b)

Tem como tônica a educação

permanente que leva a atualização

constante do conhecimento e o

aumento da experiência pessoal.

(Gomes, 2001)

Formação contínua (Duclos, 1995;

Bowen e Youngdahl, 1998; Spear e

Bowen, 1999; Canel et. al., 2000)

Fonte: Elaboração do autor

Page 87: Um estudo de casos sobre a aplicação de

74

2.6 Quadro Conceitual

Características do Conceito Lean

Uma mentalidade com a qual se encara o trabalho:

• Voltada para a geração de valor ao cliente

• Centrada no processo

• Inconformada com todos os tipos de desperdício

• Disposta a um esforço de aperfeiçoamento contínuo

• Em busca de um processo perfeito

Princípios da Provisão Enxuta

Reduzir os trade-offs

de desempenho • Busca simultânea de eficiência nas operações

e flexibilidade para atender ao cliente

• Reduzir lead times dos processos

Eliminar as atividades

que não agregam valor • Reconhecer o que é valor para o cliente

• Busca sistemática de fontes de desperdício

• Capacitar o profissional a melhorar seu trabalho

enquanto o realiza

• Padronização do processo

Estabelecer fluxo

contínuo, puxado pelo

cliente

• Reduzir as esperas

• Reduzir os lotes de processamento

• Aumentar a visibilidade dos problemas de

produto/processo

• Iniciar a operação sob demanda do cliente

Envolvimento do

cliente • Efetiva participação do cliente no processo

• Permitir ao cliente que aprenda, controle e

melhore o processo

Page 88: Um estudo de casos sobre a aplicação de

75

Princípios da Provisão Enxuta

Delegar poder aos

empregados • Responsabilidade por resolver os problemas é

dos empregados da linha de frente

• Investir na formação dos empregados

• Empregados propõem experimentos para

aperfeiçoar o processo

Princípios do Consumo Enxuto

Resolver o problema

do cliente

completamente

• Entender o consumo como um processo que se

desenvolve ao longo do tempo em colaboração

com o cliente

• Identificar falhas em cada etapa do processo de

consumo

• Desenvolver mecanismos para eliminar as

falhas pela raiz

• Alta qualificação dos empregados que entram

em contato com o cliente

Não desperdiçar o

tempo do cliente • Considerar o tempo do cliente como um

elemento a ser otimizado no processo

• Treinar empregados para atuar em múltiplas

funções

• Sincronizar os elementos do processo

(informação, material, mão-de-obra, etc.)

• Obter o máximo de informação sobre o

problema no primeiro contato

• Criar fluxos de trabalho previsíveis na

organização

Page 89: Um estudo de casos sobre a aplicação de

76

Princípios do Consumo Enxuto

Oferecer exatamente

aquilo que o cliente

quer

• Criar um único ponto de pedido para regular o

sistema de provisão

• Repor freqüentemente em pequenas

quantidades

• A reação da cadeia de suprimentos é ditada

pelo ritmo de consumo

• Localizar a produção e a distribuição o mais

próximo possível entre si e do cliente

Oferecer o que o

cliente quer

exatamente onde ele

quer

• Ampliar oferta de canais

• Sistema único de provisão para estes canais

Oferecer o que o

cliente quer, onde ele

quer exatamente

quando ele quer

• Cooperar com o cliente para identificar suas

circunstâncias e atender suas necessidades

• Desenvolver a capacidade de trabalhar com 2

tipos de necessidades: imediata e a planejar.

• Estabelecer mecanismos de precificação

diferenciado para ajustar os tipos de demanda

com a capacidade disponível

Agregar

continuamente

soluções para reduzir

tempo e aborrecimento

do cliente

• Desenvolver soluções cada vez mais completas

para o cliente

• Racionalizar para o cliente a base de

fornecedores

Page 90: Um estudo de casos sobre a aplicação de

77

3 Metodologia

Este capítulo tem como objetivo descrever a metodologia utilizada neste

estudo. São apresentadas as razões que motivaram a escolha do tipo de

pesquisa, a forma como os casos foram selecionados, a maneira como os dados

foram coletados e as limitações deste método.

3.1 Tipo de pesquisa

Existem inúmeras estratégias de pesquisa nas ciências sociais:

experimento, levantamento, análise de arquivo, pesquisa histórica, estudo de

caso, etc.. Segundo Yin (2001), a escolha de uma estratégia de pesquisa depende

de três condições: 1) o tipo de questão da pesquisa proposto; 2) a extensão de

controle que o pesquisador tem sobre os eventos comportamentais efetivos; 3) o

grau de enfoque em acontecimentos históricos em oposição a acontecimento

contemporâneos.

A estratégia de pesquisa adotada será a do estudo de caso. Yin (2001)

considera a estratégia de estudo de caso especialmente adequada para uma

investigação empírica que faz “uma questão do tipo ‘como’ ou ‘por que’ sobre um

conjunto contemporâneo de acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem

pouco ou nenhum controle”.

A questão central desta pesquisa é:

“Como se aplicam os princípios lean nos serviços de saúde?”

A aplicação de princípios lean em serviços é um assunto recente na

literatura e sua aplicação no âmbito dos serviços de saúde está em seu estágio

embrionário. Trata-se, portanto, de um assunto contemporâneo.

A incorporação destes princípios em qualquer operação seja de um bem ou

um serviço é um fenômeno complexo, admitindo diversos graus. O pesquisador

não tem nenhum controle sobre os acontecimentos que levam ou levaram à

adoção destes princípios. Cabe ao pesquisador constatar o grau de aderência dos

Page 91: Um estudo de casos sobre a aplicação de

78

processos que compõem as operações dos serviços de saúde aos princípios lean.

Daí a escolha da estratégia do estudo de caso.

Este estudo tem um caráter exploratório e descritivo. É exploratório porque

na revisão de literatura não se encontrou evidência de trabalhos prévios

relacionando princípios lean com serviços de saúde no Brasil. É também descritivo

porque busca entender como os princípios são incorporados nas operações

destas organizações.

3.2 Seleção dos casos

Para o estudo foram selecionados cinco casos. Para se chegar às

organizações que seriam objeto de estudo foram realizadas algumas entrevistas

com pessoas que conjugavam conhecimentos na área de saúde, pela formação

em saúde que tiveram ou por atuarem nesta área há muitos anos; e conhecimento

gerencial, por terem feito alguma especialização em gestão ou por terem ocupado

postos gerenciais. A estas pessoas foi-lhes explicado o objetivo do estudo e os

princípios que se procurava analisar.

Por se tratar de um assunto recente não se esperava encontrar alguma

organização da saúde que se utilizasse explicitamente de princípios lean para

organizar suas operações. No entanto, ao explicar os princípios lean, as pessoas

entrevistadas foram capazes de indicar organizações cujas operações

incorporavam de certo modo tais princípios. Nove organizações foram contactadas

das quais cinco se prontificaram a participar do estudo.

O objetivo do estudo não é o de fazer comparações entre as organizações

nem estabelecer uma espécie de ranking em relação a práticas lean. Uma vez que

o objetivo do estudo é verificar como os princípios lean se aplicam aos serviços de

saúde nos seus diversos processos, selecionaram-se processos diferentes em

cada organização. Assim evitou-se o desconforto e as possíveis resistências de

uma perspectiva de comparações. Além disso, as organizações escolhidas estão

inseridas em nichos de mercado diferentes e não competem entre si.

Page 92: Um estudo de casos sobre a aplicação de

79

O Quadro 3.1 apresenta as organizações que foram estudadas, o processo

analisado, as pessoas entrevistadas com seu respectivo cargo.

Quadro 3-1: Casos selecionados

Organização Processo Pessoa Cargo

Pólo do Pé

Diabético

Atenção integral

ao pé diabético

Dr. Jackson

Caiafa

Chefe do pólo do pé

diabético e idealizador

do projeto

Hospital

Pró-Cardíaco

Diagnóstico e

atendimento de

Emergência

Dr. André

Volscham

Chefe da emergência

Hospital

Dr. Badim

Recepção e

atendimento de

cirurgia eletiva

Marcelo Dibo Gerente administrativo

Hospital

Copa D´Or

Suprimentos Helaine

Miranda

Coordenadora de

suprimentos

Diagnóstico da

América

Logística de coleta

de exames

Fabiana

Barini

Carlos Inácio

da Silva

Alex de Sá

Gestora de negócios

Especialista –

Administração

Especialista - Logística

3.3 Coleta e tratamento dos dados

Foram realizadas entrevistas pessoais com os responsáveis pelos

processos selecionados. O roteiro da entrevista consistiu de perguntas abertas

para melhor entender o funcionamento do processo a ser estudado além de

permitir a inclusão de temas não previstos.

Page 93: Um estudo de casos sobre a aplicação de

80

Cada pessoa foi entrevistada duas ou três vezes e cada entrevista durou

cerca de uma hora. As entrevistas, feitas entre julho e agosto de 2006, foram

gravadas, depois transcritas e a partir da transcrição foi redigido o caso. Quando

disponível na Internet, foram utilizadas na elaboração dos casos informações

retiradas de suas respectivas páginas eletrônicas. Os casos foram enviados aos

entrevistados para validação.

O tratamento e a análise dos dados seguiram as indicações de Yin (2001)

buscando comparar as práticas adotadas nas organizações com o modelo teórico

construído através da revisão de literatura.

3.4 Limitações do Método

O método do estudo de casos apresenta algumas limitações. Por parte do

pesquisador, existe a possibilidade de introdução de um viés nas descobertas e na

interpretação dos fatos (“para um martelo tudo parece prego”). Além disso, não é

possível separar e controlar todas as inúmeras variáveis que compõem cada caso.

Por parte dos casos em si, pelo fato de tratar-se de uma amostra pequena, não

existe fundamento estatístico para fazer generalizações.

Do ponto de vista das entrevistas sobre as quais os casos foram

elaborados, embora sejam uma fonte muito rica de informações, deve-se levar em

consideração que os entrevistados também podem introduzir um viés pessoal na

exposição dos fatos. Dado que os entrevistados eram os idealizadores ou

gestores do processo em estudo prevê-se a tendência de frisar os aspectos

positivos do processo.

O viés do idealizador ou gestor do processo poderia ser mitigado com a

realização de entrevistas com outros participantes do processo. Quanto maior o

número de entrevistados melhor a percepção de como o processo está

contextualizado na organização. No entanto, por se tratar de um estudo

exploratório, fez-se uma opção por incluir um número maior de processos em

detrimento de uma pesquisa em profundidade de cada processo.

Page 94: Um estudo de casos sobre a aplicação de

81

4 Descrição dos Casos

4.1 Pólo do Pé Diabético

4.1.1 Diabetes

Segundo Azevedo et al. (2002) o diabetes mellitus é um grupo de doenças

metabólicas caracterizadas por uma incapacidade do organismo em manter a

glicemia dentro dos limites normais, levando à hiperglicemia (excesso de açúcar) e

a um metabolismo alterado de outras fontes de energia. O excesso de açúcar no

organismo é causado pela deficiência na produção de insulina pelo pâncreas

endócrino. A hiperglicemia crônica é a principal responsável pelas complicações

tardias, com disfunção e falência de vários órgãos-alvo, especialmente olhos, rins,

nervos, coração e vasos.

Malerbi e Franco (1992) afirmam que o Brasil tem uma taxa de prevalência

do diabetes comparável aos países desenvolvidos. Estimam que cerca de 7,6% da

população brasileira na faixa etária de 30 a 69 anos seja portadora de diabetes

mellitus, atingindo 17,4% na população acima de 70 anos. Azevedo et al. (2002)

estimam que na população brasileira existam 5 milhões de pacientes diabéticos,

sendo que aproximadamente um quarto desta população não recebe tratamento

médico.

O diabetes pode gerar dificuldades no fluxo sanguíneo. O diabético sente

com freqüência dormência nos pés, sua pele fica fragilizada, os nervos mal-

irrigados morrem e os músculos atrofiam, deformando os pés e causando feridas.

Tais feridas podem levar à amputação do membro.

Segundo o Dr. Caiafa, chefe do Pólo Secundário do Pé Diabético do

Hospital da Lagoa, 27% do custo no tratamento do diabético está ligado ao

tratamento dos pés, um custo que nos EUA corresponde a US$ 13 bilhões de

dólares por ano.

O pé diabético não é a única complicação que existe, mas é a que mais

chama a atenção do paciente e o leva a buscar uma ajuda especializada. O

Page 95: Um estudo de casos sobre a aplicação de

82

Projeto do Pé Diabético foi projetado para dar uma atenção integral ao paciente

diabético.

4.1.2 Gênese do Pólo do Pé Diabético

A gênese do Pólo do Pé Diabético pode ser traçada numa experiência

vivenciada pelo Dr. Caiafa, médico vascular e idealizador do pólo, em que

percebeu o quanto era falho o cuidado dispensado para estes doentes no hospital.

O próprio Dr. Caiafa narra esta experiência:

“Eu internei um doente, que tinha uma lesão grave na perna direita. Tive

que amputá-la logo abaixo do joelho. A operação foi tecnicamente perfeita e a

recuperação do doente evoluiu muito bem: a perna cicatrizou e 9 dias depois ele

recebeu alta para casa. Para mim ele só voltaria ao hospital para retirar os pontos.

Em nenhum momento eu entrei em detalhes de como é que ele chegou

naquele ponto, nem entrei em detalhes de como ele iria - dali para frente - resolver

o problema de ficar sem uma perna. Perguntas do tipo - Será que ele vai ter uma

cadeira de rodas? Será que a cadeira passa pelas portas de sua casa? Será que

depois de tanto tempo com infecção ele tem força para usar uma muleta? –

estavam fora das preocupações de um médico de hospital.

Seis meses depois o paciente dá entrada na clínica de novo, apresentando

uma lesão por esforço repetitivo em ambos os joelhos. Surpreso perguntei ao

doente como ele tinha machucado os joelhos.

- Em casa eu não consigo andar de muletas, não passa cadeira de roda, eu

moro sozinho, só consigo me locomover em casa de “gatinhas”.

Em 6 meses, o joelho da perna boa tinha uma infecção tão grave que a

perna precisaria ser amputada na altura da coxa. A partir daquela operação ele

não poderia andar mais nem de “gatinhas”.

Aquilo me chamou atenção de uma forma tal que me levou a refletir e a

entender que eu falhei no processo. Até a primeira amputação eu tratei o paciente

bem. Depois disso, cuidei dele mal. Não criei para o paciente um caminho para

Page 96: Um estudo de casos sobre a aplicação de

83

que não se lesasse de novo. A partir daí surgiu a idéia de um ambulatório de pé

diabético”.

4.1.3 O projeto do Pé Diabético

O projeto do Pé Diabético visa dar uma atenção integral ao paciente com pé

diabético. Para isto foi necessário criar um fluxo de atendimento ao paciente para

otimizar:

o o esforço do paciente, que apresenta dificuldades de locomoção,

o o tempo de seus familiares, que acompanham o paciente,

o os recursos do sistema de provisão do serviço médico.

O cuidado com o paciente com pé diabético passa por 4 níveis de atendimento.

1º) Pólo primário de atendimento. É composto por 108 ambulatórios

formando uma rede capilar de atendimento no município do Rio de Janeiro. Os

ambulatórios são distribuídos geograficamente de maneira a facilitar o acesso da

população. As principais atribuições dos ambulatórios são: captar os diabéticos da

região, examinar e classificar o risco de cada paciente, prover uma educação

continuada, tratamento básico da doença e cuidados especiais.

Os ambulatórios atendem uma determinada região geográfica e se

responsabilizam por captar o diabético desde muito antes de surgirem

complicações. Cada ambulatório conta com uma equipe composta por um médico,

um enfermeiro e um técnico de enfermagem que examinam cada paciente e lhe

atribuem uma classificação de risco do pé. Esta classificação orientará a

periodicidade com que deverá retornar ao ambulatório. Um paciente com grau 0

de risco, por exemplo, deve retornar de 6 em 6 meses.

Estes ambulatórios provêem um cuidado preventivo e educativo à

população. Quanto mais cedo se identifica a doença e se começa um processo de

educação alertando para os riscos do diabetes maior a aderência a seu

Page 97: Um estudo de casos sobre a aplicação de

84

tratamento. Consegue-se assim postergar e, muitas vezes, evitar as

complicações, aliviando todo o sistema.

O objetivo de cada ambulatório é tornar-se um local de referência para o

diabético. No momento em que o paciente identifica qualquer problema – uma

infecção ou nova lesão - ele vai ao ambulatório próximo de sua residência.

A equipe de cada ambulatório foi treinada para acolher bem o paciente e

oferecer todo apoio necessário no cuidado do diabetes. Se o paciente tiver

dificuldade de cortar as unhas, por exemplo, seja por motivo de idade, obesidade,

ausência de familiares, etc., o técnico de enfermagem irá cortar-lhe as unhas, lixar

e hidratar o seu pé a cada 15 dias. Aproveitam-se estas visitas para oferecer uma

orientação sobre os cuidados básicos que o diabético deve ter com a saúde, a

higiene e a alimentação bem como, com a periodicidade recomendada, fazer a

glicemia capilar e o controle do diabetes. Estes detalhes ganham a confiança do

paciente que percebe o bom atendimento. 95% dos pacientes atendidos no

ambulatório dão continuidade ao tratamento.

A diretriz no pólo primário é atendimento imediato. Os retornos são todos

programados, mas o paciente sabe que se surgir alguma emergência antes ele

será atendido imediatamente.

Caso não seja possível resolver a complicação no ambulatório, devido ao

grau de risco que o pé do paciente se encontra ou a complexidade que o

tratamento exigir, o paciente é encaminhado para o pólo secundário ou

diretamente para o atendimento terciário, isto é, o hospital.

2º) Pólo secundário de atendimento. O pólo secundário foi criado para

otimizar o atendimento dos pacientes com maior risco. Sem este pólo secundário,

o paciente com uma complicação não tratável no ambulatório teria que marcar

uma consulta num hospital. Pode esperar até 6 meses para ser atendido, período

suficiente para perder uma perna. O pólo secundário foi projetado para atender

este paciente em no máximo 48 horas.

Na implementação do pólo secundário de atendimento, havia o medo de

que o pólo seria sobrecarregado pela demanda advinda do atendimento primário.

Page 98: Um estudo de casos sobre a aplicação de

85

Tal medo mostrou-se infundado devido às condições de atendimento no pólo

primário. A capacitação das equipes foi chave para reduzir o fluxo de pacientes

para o pólo secundário.

Há 2 pólos secundários de atendimento: no Hospital da Lagoa e no Hospital

do Andaraí. Cada pólo conta com uma equipe multidisciplinar mínima com 6 tipos

de profissionais: médico angiologista ou cirurgião-vascular, endocrinologista,

enfermeiro, nutricionista, psicólogo e fisioterapeuta.

O modelo de atendimento nos pólos secundários foge ao tradicional modelo

de um consultório para cada profissional. O paciente não marca uma consulta com

um endocrinologista, outra com o psicólogo, outra com o médico vascular, etc.. O

paciente marca um horário de atendimento no pólo e é encaminhado para um

“box” de atendimento. Não é o paciente que vai ao médico, mas o médico que

percorre cada “box” para atender ao paciente. A distribuição espacial dos “boxes”

permite a interação dos pacientes, o que facilita a troca de experiências e

minimiza ansiedades.

Este modelo otimiza tanto o tempo do paciente como o do médico. Numa

consulta o paciente pode ser atendido por 6 profissionais e passar por 6

procedimentos. Numa manhã, o médico endocrinologista do pólo secundário, por

exemplo, pode atender mais pacientes do que num regime de consultório.

Por estar localizado num hospital, caso se perceba a necessidade de um

exame nefrológico ou oftalmológico, o paciente pode ser facilmente encaminhado

para a respectiva área.

O pólo secundário também realiza cirurgias mais simples (não vasculares) o

que alivia o fluxo de pacientes para o atendimento terciário. Foi o conhecimento

aprofundado da situação do paciente de pé diabético que permitiu a incorporação

deste procedimento no pólo secundário. Nas palavras do próprio Dr. Caiafa em

seu depoimento sobre o Pólo Secundário do Pé Diabético:

“A principal causa do pé diabético é a neuropatia. Esta neuropatia atinge o

músculo que deforma o pé, tira-lhe a sensibilidade e gera pontos de pressão e

úlceras. Após 25 anos de formado fui entender a profundidade desta neuropatia.

Ela permite que opere o doente sem a anestesia. O principal gargalo para fazer

Page 99: Um estudo de casos sobre a aplicação de

86

uma amputação de dedo era a indisponibilidade de um anestesista. Hoje

amputamos até parte do pé aqui ao invés de interná-lo no hospital”.

Para que um paciente possa ser amputado no pólo secundário deve reunir

um conjunto de condições: estar clinicamente apto para submeter-se à cirurgia

proposta, ter neuropatia (não sentir dor), ter acompanhante, poder voltar ao pólo

todos os dias para fazer o curativo. Mais de 60% dos pacientes reúnem estas

condições.

Fazer a cirurgia no próprio pólo secundário apresenta uma dupla vantagem.

Do ponto de vista do sistema de saúde, representa uma grande economia por

evitar os gastos com internações. Do ponto de vista do paciente, representa

segundo o Dr. Caiafa “uma humanização brutal em seu atendimento”. Esta

humanização se dá, pois o paciente cria um laço com os profissionais do pólo que

darão continuidade nos seus cuidados e, principalmente, por não ter que se

separar da família durante a cirurgia (como ocorre num caso de internação

hospitalar). A questão da separação da família é particularmente sensível em

pacientes idosos por trazer complicações psicológicas adicionais. Quando a

cirurgia é realizada no pólo secundário tais complicações são minimizadas.

O paciente permanece no pólo secundário até o momento em que retorna

ao nível de risco tratável no pólo primário.

Caso o paciente precise passar por uma cirurgia vascular ele é preparado e

encaminhado para a internação hospitalar.

3º) Atendimento terciário. Trata-se da internação hospitalar. Graças à

integração com o pólo secundário que cuida do paciente antes e depois da

operação é possível reduzir o tempo total de internação e, conseqüentemente, de

consumo de recursos do hospital. Libera-se o leito mais rapidamente aumentando

o giro dos leitos.

O fluxo otimizado de atendimento ao paciente com pé diabético passando

pelo primeiro e segundo níveis de atendimento tem reduzido o número de

amputações altas. O Quadro 4-1 demonstra a redução do nível de amputações

altas de pacientes oriundos do pólo secundário de atendimento, realizadas no

Page 100: Um estudo de casos sobre a aplicação de

87

Hospital da Lagoa. Segundo o Dr. Caiafa, um nível considerado referência

mundialmente é de 10% e o projeto tem condições de atingi-lo se melhorar a

integração com o hospital.

Quadro 4-1: Evolução dos índices de amputação alta Ano Amputação

alta Amputação baixa

Outros proc.

Internação clínica

Número de procedimentos

2003 34,1% 39,0% 4,9% 22,0% 41 2004 21,7% 44,4% 11,1% 22,7% 198 2005* 20,6% 38,1% 17,5% 23,8% 63 * Dados até agosto de 2005 Fonte: Núcleo de Epidemiologia do Hospital da Lagoa

4º) Atendimento quaternário. Após uma amputação, o estilo de vida do

paciente se altera consideravelmente. O paciente precisa ser orientado nesta nova

etapa e precisa de próteses (no caso de amputação alta) ou de um calçado

especial (órteses, no caso de amputações baixas). Quando se utiliza um sapato

adequado, o pé volta a apresentar úlceras em 20% dos casos. Quando não se usa

um sapato adequado, novas úlceras aparecem em 99% dos casos.

O Projeto do Pé Diabético conseguiu assinar um convênio entre a Prefeitura

e a Associação Brasileira Beneficiente de Reabilitação (ABBR) para fornecimento

dos sapatos especiais37. Toda vez que um paciente precisa de um sapato

especial, um técnico da ABBR vai ao pólo secundário e faz um sapato sob medida

para o paciente. O sapato é entregue ao paciente após a aprovação do médico38.

4.1.4 Educação continuada

A questão da educação continuada para o paciente e sua família é um dos

pilares do projeto. Em todos os níveis de atendimento esta preocupação está

37 A ABBR devia dinheiro para a Prefeitura e não tinha como pagar e passou a fazer os sapatos especiais para saldar sua dívida. 38 A ABBR é especialista em sapatos ortopédicos. No entanto, estes sapatos não se adaptam ao diabético. Houve um processo de aprendizagem para a fabricação de sapatos especiais para diabéticos. No início do convênio, 70% dos sapatos feitos sob medida voltavam devido a erros. Hoje, 10% voltam.

Page 101: Um estudo de casos sobre a aplicação de

88

presente. No atendimento primário, a enfermeira é chamada de enfermeira

educadora. No pólo secundário, a sala de espera funciona como auditório.

Aproveita-se a espera para sensibilizar o paciente dos cuidados que deve ter com

o pé, o rim, a necessidade de consultar um oftalmologista ao menos uma vez ao

ano. No atendimento terciário, a psicóloga e a assistente social são preparadas

para atender os pacientes no hospital.

4.1.5 Capacitação do pessoal de atendimento

A capacitação das equipes em cada nível de atendimento é fundamental

para o sucesso do projeto. Quanto melhor a qualidade de atendimento na ponta,

menores as complicações para o paciente e menor o fluxo de pacientes para os

níveis mais elevados de atendimento. Para garantir a qualificação dos

profissionais foi elaborado processo de treinamento constante. Para o Dr. Caiafa,

o grande diferencial do projeto é a mudança de mentalidade da equipe

ambulatorial antes de começar o projeto. Isto se consegue através de um

treinamento presencial forte.

Entre o pólo primário (108 ambulatórios) e o secundário (2 pólos) de

atendimento existem 4 pólos intermediário voltados para o treinamento e análise

constante dos fluxos dos pacientes. Uma vez por ano, cada equipe dos

ambulatórios passa uma semana no pólo intermediário para um re-treinamento.

Este treinamento também funciona para integração dos níveis. As equipes

da periferia conhecem exatamente para onde encaminham seus pacientes e

sabem que serão bem atendidos. Segundo o Dr. Caiafa, após o treinamento as

equipes saem motivadas e “passam a acreditar que é possível fazer algo diferente

no serviço público”.

4.1.6 Próximos passos

Os idealizadores do Projeto do Pé Diabético têm planejado uma série de

iniciativas para melhorar a efetividade no tratamento:

Page 102: Um estudo de casos sobre a aplicação de

89

o Implementar um sistema de informação que integre todos os níveis de

atendimento. Com este sistema será possível rastrear cada atendimento.

o Ampliar a capacidade de cirurgias ambulatoriais nos pólos secundários. Isto

desafogaria as emergências dos hospitais públicos.

o Reforçar o processo de capacitação e treinamento das equipes.

Page 103: Um estudo de casos sobre a aplicação de

90

4.2 Atendimento de emergência no Pró-Cardíaco

4.2.1 Introdução

O Hospital Pró-Cardíaco foi fundado em 1959 e tem como objetivo ser

referência absoluta em medicina de alta complexidade no Brasil. Possui uma

unidade de Emergência, uma unidade de terapia intensiva, uma unidade

coronariana e uma unidade Pós-Operatória. Foi o primeiro hospital a organizar

uma unidade de dor torácica no país.

Primeiramente, serão apresentados as decisões e os respectivos riscos

incorridos num hospital de alta complexidade. Em segundo lugar, serão descritas

as bases sobre as quais o Pró-Cardíaco se apóia para prestar um serviço de

excelência: a qualificação do pessoal e a estratégia de sistematização do

atendimento. Em seguida, será apresentada a lógica do diagnóstico baseado em

evidências para então explicar o funcionamento do protocolo de atendimento de

dor torácica desenvolvido pelo hospital. Finalmente, será descrita a preocupação

do Pró-Cardíaco pela melhoria contínua da prática clínica.

4.2.2 Decisões sob risco

Quando um paciente sofrendo de dor torácica chega a um hospital, dois

encaminhamentos não desejáveis podem ocorrer:

1) o paciente é liberado, isto é, mandado de volta para casa e algum tempo

depois sofre de um problema que deveria ter sido identificado no

hospital;

2) o paciente é internado num hospital de alta complexidade e não

apresenta nenhum problema merecedor de internação.

No primeiro caso ocorreu um erro que, além de prejudicar o paciente, atinge

diretamente a reputação do hospital. No Pró-Cardíaco, é precisamente sua

reputação que lhe permite cobrar um preço premium pelos seus serviços. No

segundo caso ocorrerá um desperdício de tempo e de dinheiro não desprezível

das pessoas envolvidas, uma vez que houve internação de um “pseudo-paciente”

Page 104: Um estudo de casos sobre a aplicação de

91

num hospital de alta complexidade. Portanto, o encaminhamento de um paciente

com dor torácica sempre envolve uma decisão sob risco.

Para evitar estes extremos não é viável realizar todos os exames existentes

e assim se chegar a uma certeza absoluta sobre qual o melhor encaminhamento:

a internação ou a liberação. A inviabilidade de se realizar todos os exames se dá

por motivos econômicos e por motivos de tempo. Por um lado, a proliferação de

exames é uma das causas da ineficiência nos serviços de saúde39. Por outro lado,

muitas vezes o estado do paciente é tão grave que não há tempo hábil para

realizar todos os exames. Além disso, em medicina, não existe certeza absoluta,

não existe risco zero. Portanto, é necessário trabalhar com o conceito de custo-

efetividade.

Para minimizar os erros é necessário qualificar ao máximo a assistência,

que deve saber os exames a pedir e o grau de certeza que estes exames

fornecem. Trata-se de estabelecer procedimentos que subsidiem os médicos com

as informações necessárias para atingir níveis razoáveis de certeza na tomada de

decisão. Este é o objetivo da medicina baseada em evidências e sob esta óptica o

Hospital Pró-Cardíaco estrutura suas operações.

4.2.3 Excelência no atendimento

O Pró-Cardíaco prima pela excelência no atendimento e para atingi-la

depende da qualificação de seu pessoal e de uma estratégia de sistematização de

atendimento. A preocupação pela capacitação e pela valorização do pessoal é

permanente e se manifesta através da contínua aprendizagem científica,

tecnológica e humana a que se submetem seus colaboradores.

A equipe da unidade de emergência é composta por cardiologistas, todos

certificados pelo Advanced Cardiac Life Support, um curso voltado para o

atendimento emergencial dos cuidados cardiovasculares. Há uma discussão

39 Segundo artigo do The Economist (December 17th, 2005), médicos estimam que até 15% das rotinas de exame requisitadas são desnecessárias. A principal função destes exames é resguardar o médico de ações judiciais (a chamada medicina preventiva). Os EUA gastam um furacão Katrina por ano (R$ 200 bilhões de dólares) com processos judiciais relacionados com os cuidados da saúde.

Page 105: Um estudo de casos sobre a aplicação de

92

periódica de todos os casos e uma discussão quinzenal dos casos considerados

mais difíceis. A equipe é incentivada a aprimorar a prática clínica de acordo com

as novidades que surgem da literatura, mantendo-se assim constantemente

atualizada.

A necessidade de qualificação do pessoal se reforça quando se leva em

consideração as características peculiares do Pró-Cardíaco. O nicho de mercado

no qual este hospital se insere atinge pacientes (e seus familiares) com boa

capacidade intelecto-cognitivas que, por um lado, são extremamente sensíveis a

explicações dos procedimentos a serem realizados e, por outro lado, possuem

elevada expectativa quanto a resultados. No treinamento dado aos envolvidos no

processo frisa-se o desenvolvimento da capacidade de explicar bem por que e

como serão realizados os procedimentos, o expertise técnico do procedimento, a

rapidez na resposta ao chamado, a empatia com relação à situação do paciente.

Procura-se efetivamente envolver o paciente, explicando-lhe cada uma das etapas

do processo e fazendo-o participar da tomada de decisão.

A estratégia de sistematização do atendimento parte da medicina baseada

em evidências e procura dar um caráter objetivo ao processo de decisão médica

que é subjetivo. Para tanto se desenvolve um protocolo de atendimento, isto é,

uma padronização na forma de atender cada paciente. A unidade de emergência é

sistematizada com rotinas clínicas bem definidas de dor torácica e sepse.

No Pró-Cardíaco, o primeiro protocolo a ser desenvolvido foi o de dor

torácica (DT). Introduzido em 1996 a partir da experiência do Hospital St. Agnes

em Baltimore (EUA), este protocolo vem sendo desde então sistematicamente

revisto e melhorado. O objetivo inicial do protocolo era evitar que os pacientes

recebessem alta com risco de infarto ou que um paciente sem risco fosse admitido

num hospital complexo e caro. Com este protocolo procura-se também atingir uma

estratégia de custo-efetividade, isto é, atender o paciente com o menor custo e

com a maior precisão possíveis. Segundo o chefe da emergência do Pró-

Cardíaco: “Se é a melhor estratégia custo-efetiva eu não sei. Não conheço ainda

uma estratégia de avaliação metodologicamente correta que consiga me provar o

custo-benefício das unidades de DT da forma como elas são implementadas.

Page 106: Um estudo de casos sobre a aplicação de

93

Estou falando de custo-benefício... Agora, que é o melhor método para chegar a

esse objetivo inicial de fazer uma boa prática clínica, isto não tenho a menor

dúvida”.

4.2.4 A lógica do diagnóstico baseado em evidências

Segundo Jaeschke et al. (1994) o ponto de partida de qualquer processo de

diagnóstico é o paciente apresentando uma série de sintomas e sinais. O conjunto

de sinais e sintomas leva a um diagnóstico clínico e a atribuição de uma

probabilidade pré-teste do paciente apresentar determinada doença. Via de regra,

esta probabilidade pré-teste é insuficiente para definir o encaminhamento do

paciente. Faz-se necessário continuar a investigação através de um teste

diagnóstico.

Maia e Cunha (2001) afirmam que um teste diagnóstico é todo

procedimento complementar que ajuda a confirmar ou refutar um diagnóstico

clínico. O teste diagnóstico pode ser um exame laboratorial, funcional ou de

imagem. O que estes testes fazem é modificar a probabilidade pré-teste gerando

uma nova probabilidade pós-teste facilitando a tomada de decisão clínica. A

direção e a magnitude da mudança da probabilidade pré-teste vai depender das

propriedades do teste.

Uma destas propriedades é conhecida como a razão de verossimilhança

(RV) e indica o quanto um teste diagnóstico aumenta ou diminui a probabilidade

pré-teste de uma doença. Este valor está em função da acurácia do teste, isto é,

da sua capacidade de gerar resultados verdadeiros. Os valores da RV são obtidos

comparando o teste diagnóstico com o teste considerado ideal ou padrão. O teste

ideal nem sempre é exeqüível por ser mais invasivo, mais caro, necessitar de uma

tecnologia não disponível ou exigir mais tempo do que se dispõe. Daí a

necessidade de utilizar um teste alternativo.

O nomograma de Fagan, representado no Quadro 4.2, é uma ferramenta

bastante utilizada para calcular a probabilidade pós-teste a partir do valor da RV. A

linha da esquerda representa a probabilidade pré-teste, a linha do meio apresenta

Page 107: Um estudo de casos sobre a aplicação de

94

os diferentes valores da razão de verossimilhança e a linha da direita representa a

probabilidade pós-teste. Para se chegar à probabilidade pós-teste basta traçar

uma linha que liga a probabilidade pré-teste com o valor da razão de

verossimilhança e verificar em que ponto ela cruza a linha de probabilidade pós-

teste.

Quanto maior o valor da RV maior a sua utilidade para confirmar a doença.

Quanto menor o valor da RV maior a sua utilidade para excluir a doença. Por

exemplo, se a probabilidade pré-teste de uma doença é de 70% e se realiza um

teste diagnóstico cuja RV é 10, a probabilidade pós-teste da doença é de 96%.

Este valor pode ser suficiente para o clínico decidir prosseguir com o tratamento.

Se a probabilidade pré-teste de uma doença é de 30% e se realiza um teste

diagnóstico cuja RV é 0,1, a probabilidade pós-teste da doença é de 3%. Este

valor pode ser suficiente para o clínico decidir liberar o paciente.

Da conjugação da probabilidade pré-teste com o valor da RV do teste

diagnóstico é que se determina a utilidade de se realizar ou não este teste

diagnóstico para determinado paciente. O que se busca é selecionar os testes que

gerarão impacto significativo fornecendo ao clínico o maior grau de certeza

possível para a tomada de decisão tanto no sentido de confirmar a existência da

doença e prosseguir com o tratamento como no sentido de excluir a existência da

doença e mandar o paciente para casa. Caso o teste diagnóstico não traga um

grau de certeza razoável é necessário continuar o processo diagnóstico com

outros exames.

Page 108: Um estudo de casos sobre a aplicação de

95

Quadro 4-2: Nomograma de Fagan

Um teste diagnóstico com razão de verossimilhança (RV) igual a 10, por

exemplo, é adequado para confirmar a presença de determinada doença. Este

teste modifica a probabilidade pré-teste de 70% para uma probabilidade pós-teste

de 96%.

Um teste diagnóstico com RV igual a 0,1 é adequado para excluir a

presença de determinada doença. Uma probabilidade pré-teste de 30%, por

exemplo, após a aplicação do teste modifica a probabilidade do paciente ter a

doença para 3%.

Estes novos valores pós-teste subsidiam os médicos com maiores

informações e elevam os níveis de certeza para a tomada de decisão clínica.

No caso do Hospital Pró-Cardíaco que lida com doenças complexas com

elevado risco de vida, a estratégia de escolha e seqüência dos exames é crítica

Page 109: Um estudo de casos sobre a aplicação de

96

para um atendimento custo-efetivo. Para isto foi desenvolvido o protocolo de

atendimento de dor torácica.

4.2.5 O protocolo de atendimento de dor torácica

A dor torácica pode ser causada por uma série de problemas: síndrome

coronariana aguda (infarto agudo de miocárdio, angina instável), síndrome aórtica

aguda, embolia pulmonar. Quando um paciente com dor torácica chega ao Pró-

Cardíaco realiza-se uma classificação da sua dor. Neste momento procura-se

colher o máximo de informação possível40: data e hora de início da dor, duração

da dor no momento da admissão do paciente, duração do episódio mais intenso,

localização da dor, qualidade da dor, intensidade, irradiação, desencadeamento,

dor prévia, sintomas associados, levantamento de fatores de risco e história

clínica, medicações em uso, entre outros. Estas informações permitirão classificar

a dor do paciente em uma de 4 categorias:

A – dor definitivamente anginosa

B – dor provavelmente anginosa

C – dor provavelmente não anginosa.

D – dor definitivamente não anginosa.

As 4 categorias de dor obedecem a uma classificação decrescente da

probabilidade desta dor torácica ser de origem cardíaca e, consequentemente,

decresce a complexidade de investigação e tratamento do paciente.

A classificação da dor permite estabelecer uma probabilidade clínica do tipo

de doença, mas não é suficiente para definir o melhor encaminhamento para o

paciente. A realização de alguns testes (eletrocardiograma, radiografia de tórax e

ecocardiograma) e exames laboratoriais são necessários para jogar a

probabilidade pós-teste do paciente ter determinada doença o mais próximo de

100% para interná-lo ou de 0% para liberá-lo.

A anamnese cuidadosa, isto é, o levantamento detalhado de informações,

juntamente com os testes e exames laboratoriais são primordiais para a alocação

40 Na linguagem médica, este procedimento de coleta de informações é denominado de anamnese.

Page 110: Um estudo de casos sobre a aplicação de

97

do paciente numa das rotas de atendimento. Esta rota define o fluxo do paciente

no hospital. Na definição do Pró-Cardíaco: “a rota é a maneira mais objetiva,

rápida e custo-efetiva de se chegar ao diagnóstico e tratamento do problema que

motivou a admissão do paciente à unidade de emergência e obter resolutividade

clínica”.

Por exemplo, para se chegar ao diagnóstico de infarto agudo de miocárdio,

dois testes realizados em paralelo são fundamentais: o eletrocardiograma (ECG) e

um exame de sangue. Se o paciente tiver um padrão eletrocardiográfico em que o

segmento ST encontra-se elevado41, o paciente entra na Rota 1 e é encaminhado

diretamente para a sala de hemodinâmica. É preciso desobstruir a artéria do

paciente o mais rápido possível. Isto significa que dor tipo A (dor definitivamente

anginosa) com elevação de ST resulta numa probabilidade pós-teste do paciente

ter infarto agudo de miocárdio maior que 99%.

Se o paciente não tiver uma alteração tão específica em seu ECG, é

alocado para a Rota 2. Ainda considera-se que tem alta probabilidade de ter

infarto. Para a Rota 3, é alocado um paciente com um ECG normal e uma dor tipo

C (dor provavelmente não anginosa). A probabilidade de se ter uma doença

coronariana assim como a complexidade da intervenção decresce de rota para

rota.

Para completar o diagnóstico de infarto, é fundamental uma análise de

sangue que detecte a elevação dos níveis de 2 enzimas42 do miocárdio. Num

infarto, as células mortas do miocárdio liberam estas 2 enzimas. Um exame

positivo que acusa a presença destas enzimas joga a probabilidade pós-teste de

infarto próximo a 100%; um exame negativo, a próximo de 0%. Portanto, este

exame de sangue é muito bom tanto para excluir como para confirmar a

ocorrência de um infarto agudo de miocárdio43. Na ausência das enzimas,

41 Em linguagem médica: Supra de ST. 42 Estas enzimas são conhecidas como os marcadores de necrose do miocárdio: troponina e creatinofosfoquinase 43 Isto se dá porque o teste das enzimas tem um alto valor preditivo positivo e um alto valor preditivo negativo. O valor preditivo positivo é a probabilidade da doença em um paciente cujo resultado do teste foi positivo. O valor preditivo negativo é a probabilidade de o paciente não ter a doença quando o resultado do teste é negativo

Page 111: Um estudo de casos sobre a aplicação de

98

submete-se o coração a uma estratificação funcional que verifica sua capacidade

de suportar as atividades diárias. Conforme o resultado, o paciente ou é

submetido ao cateterismo ou é liberado.

De maneira semelhante, conjugando os diversos testes e exames de

acordo com seus valores de razão de verossimilhança se procura atingir um alto

nível de certeza sobre a presença ou ausência das outras doenças (Síndrome

Aórtica Aguda na Rota 4A e embolia pulmonar na Rota 4B) e assim encaminhar o

tratamento através do cateterismo ou a liberação do paciente. O Quadro 4.3 ilustra

o protocolo de atendimento da dor torácica.

O diagnóstico e o tratamento de problemas oriundos de dor torácica exigem

intervenções tempo dependentes. O fator tempo é crítico para a resolutividade dos

problemas e está incorporado em todos os processos. Na rota 1, por exemplo, o

tempo percorrido para efetivar o diagnóstico e o tratamento (realizar a angioplastia

na artéria) é de 60 minutos.

Já para a rota 2 ou 3, o diagnóstico demora 8h, pois faz-se necessário

esperar os resultado dos exames. Para garantir a pronta disponibilização dos

exames o hospital Pró-Cardíaco trabalha em parceria com o laboratório Lâmina

Medicina Diagnóstica. Este laboratório tem uma rotina com tempos bem

especificados para cada etapa do exame. Para o exame de sangue que detecta a

presença de enzimas liberadas pelo miocárdio, por exemplo, o Lâmina tem 50

minutos para apresentar o resultado dos exames: 3 minutos para atender a

chamada, 10 minutos para a coleta de sangue, 10 minutos para a centrifugação,

20 minutos para o processamento, 4 minutos para a análise dos resultados, 3

minutos para a liberação dos resultados.

Page 112: Um estudo de casos sobre a aplicação de

99

Quadro 4-3: Protocolo de Dor Torácica do Hospital Pró-Cardíaco

Legenda Exames ECG: Eletrocardiograma

ECO: ecocardiograma

transtorácico

TE: Transesofágico

MNM: marcadores de necrose

miocárdica

TC: Tomografia computadorizada

RM: Ressonância Magnética

Cint Pulm: Cintilografia Pulmonar

Sintomas DT: Dor torácica

BRE: Bloqueio do ramo esquerdo

Doenças

SAA: Síndrome Aórtica Aguda

EP: Embolia Pulmonar

Encaminhamento AR: Alto Risco

Internação CAT: Cateterismo

Liberação Ausência de SIA: Síndrome isquêmica aguda

Page 113: Um estudo de casos sobre a aplicação de

100

4.2.6 Melhoria Contínua

O protocolo de dor torácica de 10 anos atrás é bem diferente do atual. A

experiência e o aprendizado levaram a sucessivas alterações e melhorias no

protocolo. Há 10 anos, por exemplo, o exame de sangue detectava a presença de

4 enzimas e era realizado 4 vezes: no momento da admissão, 3 horas depois, 6

horas depois e 9 horas depois. O primeiro passo foi perceber que uma enzima, a

mioglobina, não contribuía para aumentar a precisão no diagnóstico. Esta enzima

foi eliminada dos exames.

Num segundo momento, ao passar de 4 para 3 enzimas foi estabelecido

que seriam feitos 3 exames: na admissão, com 3 horas e com 9 horas. Estudos

mostraram que até a 8ª hora as enzimas já eram detectadas. Como a maioria dos

pacientes chegam ao hospital pelo menos 2 horas após o início da dor, bastaria

fazer o exame na 6ª hora após a entrada no hospital. Hoje só é necessário colher

2 exames, no momento da admissão e 6 horas depois, e basta a análise de 2

enzimas para diagnosticar o infarto. Reduziram-se o número de exames, a

quantidade de enzimas analisadas e o tempo para tomada de decisão.

Dada a complexidade do protocolo e a necessidade de atingir altos níveis

de confiança nos resultados dos exames, qualquer alteração envolve muita

discussão e a obtenção de consenso de todos os envolvidos. Trata-se, portanto,

de um processo longo. Atualmente, a unificação da rota 2 e 3 é percebida como

uma oportunidade de melhoria. Em termos de investigação não há muita diferença

entre as duas rotas. A rota 2 incorpora o ecocardiograma, a rota 3 não. Os

doentes da rota 2 e 3 diferem entre si também pela abordagem farmacológica. A

vantagem desta unificação consistiria na redução de complexidade do protocolo e

maior padronização na investigação dos pacientes. Segundo o chefe da

emergência do Pró-Cardíaco: “Através de bom senso, de uma coleta detalhada de

informações, de muita discussão com as pessoas envolvidas se aperfeiçoa este

protocolo.”

Uma análise de custo-efetividade para os eventos intra-hospitalares mostra

um real progresso no protocolo atual em comparação com o primeiro de 10 anos

Page 114: Um estudo de casos sobre a aplicação de

101

atrás. No entanto, como frisou o chefe da emergência, é preciso incorporar uma

medida de efetividade do tratamento após a alta hospitalar. Ainda não existe uma

ferramenta para fazer este acompanhamento.

Page 115: Um estudo de casos sobre a aplicação de

102

4.3 O processo de atendimento no Hospital Dr. Badim

4.3.1 Introdução

O Hospital Dr. Badim (HDB) entrou em operação no ano 2000. Está

localizado na Tijuca, possui 85 leitos (28 na CTI, 3 na emergência e 54 nos

andares), opera com um corpo clínico aberto, conta com 400 funcionários e tem

como filosofia “o paciente em primeiro lugar44”. Sua proposta é oferecer um

serviço de alta capacidade técnica, seguro e, ao mesmo tempo humanizado. Será

estudado como esta filosofia se traduz em seu processo de atendimento.

O processo de atendimento de um hospital tem um grande impacto tanto do

ponto de vista do paciente que consome um serviço de saúde como do ponto de

vista das operações do hospital que provêem este serviço. Para o paciente, o

atendimento corresponde ao primeiro “momento da verdade” da sua relação com

o hospital e estabelece uma primeira impressão da qualidade do serviço prestado.

Para o hospital, o processo de atendimento fornece uma série de informações que

disparam outros processos como reserva de vagas, autorização do convênio,

faturamento, transferência do paciente para outro hospital, marcação de exames

internos e externos, entre outros.

Primeiramente, será apresentada a maneira como o processo de

atendimento afeta o Hospital Dr. Badim (HDB). Em seguida, serão descritos os

problemas com os quais o hospital se deparava derivados deste processo e a

solução adotada. Finalmente, será dado um exemplo da reformulação de um

processo de atendimento implementado no hospital.

44 Extraído do site: http://www.badim.com.br/filosofia.htm Acesso em: 11 de agosto de 2006

Page 116: Um estudo de casos sobre a aplicação de

103

4.3.2 Atendimento no Hospital Dr. Badim

O Hospital Dr. Badim (HDB) trabalha com a máxima de que “a primeira

impressão” é a que fica. Se num primeiro momento de interação com o paciente

ocorre alguma falha que cause certa frustração (demora no atendimento, falta de

uma orientação adequada, informações imprecisas, etc.), há grande probabilidade

de o paciente ter uma predisposição de enxergar os outros processos de forma

negativa. A reversão desta impressão é muito custosa.

No HDB há quatro maneiras distintas de acesso ao hospital, cada qual

obedecendo a um fluxo e um tipo de interação diferente: 1) o paciente chega para

a emergência; 2) o paciente chega para um procedimento eletivo (pré-

programado); 3) um acompanhante ou uma visita quer ter informação/ver o

paciente; 4) via telefone. Os colaboradores que compõem a recepção são os que

se responsabilizam por este primeiro atendimento.

Emergência Ao receber um paciente para a emergência é necessário esclarecer duas

informações importantes: a) o que o hospital pode oferecer; b) se o que o hospital

oferece ele pode comprar. Qualquer ruído na comunicação envolvendo estas duas

informações gera frustração para o paciente, ineficiência para o hospital e

constrangimento para ambos. Se uma paciente precisa dos cuidados de um

ginecologista e não há ginecologista de plantão, se necessita de uma tomografia e

o tomógrafo por algum motivo não está disponível no momento, não adianta dar

entrada no hospital (será necessário dar o primeiro atendimento ao paciente e

encaminhá-lo a outra unidade assegurando a continuidade da assistência). Se um

paciente possui determinado plano de saúde é preciso, antes de aceitar o

paciente, saber de que tipo é e se o hospital é coberto por este plano.

No caso de não haver vaga no hospital para um paciente de emergência é

preciso garantir o suporte à vida, a continuidade no tratamento e sua transferência

para outro hospital. É a recepção que buscará uma vaga em outro hospital. No

caso inverso, outro hospital quer transferir um paciente para o HDB, é a recepção

Page 117: Um estudo de casos sobre a aplicação de

104

que se encarrega de todo o trâmite legal para a transferência (autorização do

convênio, solicitação de vaga, contato com médico).

Uma vez que o paciente é aceito no hospital é a própria recepção que se

responsabiliza por gerenciar cada etapa de atendimento:

o gerar o formulário de atendimento, que alimenta o sistema de

faturamento;

o conseguir do convênio a autorização e a senha para cada exame

médico a ser realizado;

o se for necessário fazer algum exame fora do hospital, contatar a

ambulância;

o no caso de internação, é preciso obter uma vaga dentro do hospital

o fechamento da conta do cliente.

Por gerar os formulários de atendimento, a recepção tem um papel

fundamento no sistema de faturamento do HDB. Cada atendimento, cada

convênio tem um formulário de atendimento específico. O preenchimento tardio ou

incompleto do formulário de atendimento gera glosa, isto é, não pagamento do

atendimento e, consequentemente, afeta diretamente o fluxo de caixa do hospital.

Cirurgias eletivas As cirurgias eletivas são procedimentos pré-programados cuja realização

bem-sucedida depende da coordenação de várias partes: a fonte pagadora, que

precisa autorizar o procedimento; o médico externo, que precisa programá-lo com

antecedência; o cliente, que precisa ter toda a documentação em ordem para

internação. Sem um conhecimento de cada parte do processo, sem um

responsável por integrar todas as partes, introduz-se a falta de sincronização entre

pessoas, informações e materiais o que gera frustração para todos os envolvidos.

O processo de atendimento das cirurgias eletivas deve impedir que isto aconteça.

O último item deste caso descreve como o HDB redesenhou seus processos para

criar sincronia entre estes elementos.

Page 118: Um estudo de casos sobre a aplicação de

105

Clientes acompanhantes Sem a devida orientação, os clientes que acompanham os pacientes podem

causar um transtorno à operação do hospital. Cabe à recepção coordenar a

chegada, a entrada, a permanência e a identificação destes clientes. O cuidado

em fornecer a informação precisa ao cliente acompanhante – em que quarto se

hospeda o paciente, se já saiu ou se permanece da CTI, seu estado de saúde – é

fundamental para suavizar expectativas e evitar “choques” inesperados (que

podem inclusive gerar processos judiciais).

A orientação completa sobre exatamente o que o plano de saúde cobre em

relação ao acompanhante e ao paciente (pernoite, refeições, TV, etc..) precisa ser

dada antecipadamente ao cliente e deve orientar a hotelaria para que prepare o

quarto devidamente.

Todo aspecto de gestão da informação está incluído neste processo de

atendimento e fica a cargo da recepção.

Atendimento Telefônico Novamente, informações precisas e conhecimento de todo o processo são

fundamentais para impactar positivamente o cliente que chama por telefone. Não

basta ter uma telefonista. Quem se responsabiliza por este atendimento precisa

um conhecimento mais aprofundado do negócio: escala de ambulatório, tipos de

convênio, o que cada convênio atende, etc..

4.3.3 Problemas no processo de atendimento

O processo de atendimento no HDB evidenciava uma série de problemas

cujos sintomas eram a insatisfação do paciente, as reclamações constantes do

corpo clínico, glosa (não pagamento) e práticas anti-éticas por parte das

recepcionistas, sendo que estes dois últimos afetavam diretamente o fluxo de

caixa do hospital.

A insatisfação do paciente era gerada pela descortesia no atendimento,

pelos longos tempos de espera entre as diversas etapas, pelas “surpresas”

Page 119: Um estudo de casos sobre a aplicação de

106

desagradáveis no decorrer do processo. Era freqüente o paciente descobrir (numa

hora inadequada) que tal exame não era coberto pelo convênio, que o pernoite do

acompanhante deve ser pago pelo cliente, que o médico por quem aguardava não

estava nem estaria no hospital, etc..

As reclamações do corpo clínico incluíam a demora na chegada do paciente

e, consequentemente, atrasos na cirurgia, a falta de informação precisa sobre a

localização do paciente, a falta de aviso da autorização do procedimento pelo

convênio gerando ociosidade da equipe médica ou o aviso muito em cima da hora

da autorização exigindo a convocação imediata da equipe já envolvida em outras

atividades.

A glosa era ocasionada pela falta de autorização dos convênios para os

procedimentos médicos, pelo preenchimento indevido dos formulários de

atendimento, pela má gestão da informação.

Não é incomum nos hospitais a existência de esquemas ilícitos nos quais

os empregados se engajam em benefício próprio. Existe “tráfico” de pacientes, por

exemplo, quando há um conluio entre alguém da recepção com outro hospital.

Este hospital oferece uma gratificação para a recepcionista que diz não haver

vaga no hospital que representa e “transfere” o paciente para o hospital “pagador”.

Pode ocorrer também uma combinação extra-oficial entre a recepção e a empresa

de ambulâncias. Quando o paciente precisa ser transportado nem sempre se

aciona a ambulância que presta o melhor serviço, mas a que oferece uma

bonificação ao funcionário que a privilegiou. Outra possibilidade é ganhar dinheiro

indicando serviços de funerária. Por este motivo que o HDB coloca uma forte

ênfase no controle e na transparência do processo.

As causas destes sintomas assentavam-se num tripé: falta de formação

adequada dos empregados de linha de frente, falta de um processo padronizado

de atendimento e baixa remuneração.

Page 120: Um estudo de casos sobre a aplicação de

107

4.3.4 Solução adotada

Foco na formação dos empregado. O mercado de recepcionistas de

hospitais tem como perfil pessoas com formação de nível médio e baixa

remuneração, o que gera uma alta rotatividade dos colaboradores por não

aprendizagem. O eixo sobre o qual se reconstruiu o processo de atendimento no

HDB foi a formação dos colaboradores. Segundo o gerente administrativo: “O

sucesso de tudo são as pessoas. O sucesso de tudo chama-se treinamento. Na

hora que resolvemos buscar a pessoa certa e potencializar esta pessoa, entramos

no caminho certo”.

Foi contratada uma equipe de recepcionistas que não tinha nenhuma

experiência no setor de saúde para evitar a introdução de vícios e

comportamentos antiéticos. Estruturou-se um plano de treinamento de três meses

que buscava não apenas ensinar as tarefas e rotinas de responsabilidade própria

da recepção, mas também de fazer entender em que contexto cada rotina se

inseria. Estimulava-se o entendimento dos porquês de cada atividade. Com o

passar do tempo, o hospital passou a contar com uma equipe de empregados de

linha de frente muito mais capacitada que a anterior. O gerente administrativo do

HDB afirma que “o diferencial das minhas recepcionistas é que entendem muito do

processo de saúde, sabem da complexidade de um paciente para o CTI e o

significado de uma vaga negada a ele, sabem o que é monitorizar um paciente,

entendem do procedimento de urgência que estão marcando”.

O conhecimento do processo de saúde faz com que a participação das

recepcionistas se estenda além das fronteiras estritas da sua função. O seguinte

incidente exemplifica o conhecimento do processo e o grau de iniciativa da

recepcionista. A direção do hospital recebeu um telefonema de uma recepcionista

nestes termos:

- Aquela vaga que foi liberada para o paciente no CTI foi negada pelo

doutor e pela enfermeira. Eles afirmavam que o cabo do aparelho de monitoração

não estava disponível. Fui ao CTI e vi qual era o monitor. Sei que na emergência

Page 121: Um estudo de casos sobre a aplicação de

108

tem um aparelho semelhante. Este não estava sendo usado, peguei o cabo,

coloquei na CTI e dei a vaga.

A interação da recepcionista com o paciente, os médicos e os funcionários

do hospital é constante de maneira a impedir interrupções desnecessárias no

processo. Se um paciente precisa fazer um exame é necessária a justificativa do

médico para obter a autorização do convênio, a recepcionista busca o que falta

com o médico responsável. A falta de coordenação entre paciente, médico e

convênio pode levar a tempos de espera excessivos. A recepcionista assume o

papel de sincronizar as partes e catalisar o processo. A meta é marcar o exame no

mesmo dia em que foi requisitado.

Outro exemplo do papel decisivo da recepção na sincronização das partes

ocorre no processo de exames externos ao hospital. Local do exame, liberação do

convênio, ambulância e familiares exigem ser coordenados. O conhecimento do

passo a passo deste processo pela equipe da recepção evita os seguintes

problemas que antes eram bastante comuns: agendamento do local sem verificar

se o plano cobria, acerto do local e do exame mas sem marcar a ambulância, a

ambulância chegava sem estar presente o familiar, exame marcado com a

ambulância na porta e presença do familiar sem a documentação em ordem.

Padronização do atendimento. A formação da equipe foi acompanhada

da padronização de todos os procedimentos. O hospital trabalha com 4 turnos de

recepcionistas. Padronização e criação de pontos de controle são fundamentais

para garantir a continuidade na informação. No caso dos exames externos, por

exemplo, os controles levam a: dar retorno à equipe médica do exame marcado;

registrar local, data, ambulância, horário de saída, horário do exame, pessoa da

família contactada; dar baixa nos exames feitos, etc.. Ao trocar o turno da

recepção não se interrompe o fluxo do paciente no hospital.

Remuneração. No que diz respeito à remuneração foi estabelecido um

plano de carreira com a criação de líderes de plantão permitindo salários

diferenciados além de oferecer oportunidades de crescimento em outras áreas do

hospital. Estas iniciativas reduziram a rotatividade das recepcionistas. No entanto,

a rotatividade continua alta. De acordo com o gerente administrativo, “as

Page 122: Um estudo de casos sobre a aplicação de

109

recepcionistas são potencializadas de tal forma que recebem propostas de outras

instituições para ocuparem cargos de supervisão”. O HDB tem lidado com esta

situação mantendo pessoas-chave capazes de serem multiplicadores de

conhecimento e do modo de trabalho no processo de atendimento neste hospital,

evitando perdas na qualidade.

4.3.5 Fluxo do consumo e provisão de uma cirurgia eletiva

Antes da reformulação do processo Por definição, a cirurgia eletiva é programada antecipadamente entre o

médico e o paciente. Do momento da consulta em que o médico e o paciente

combinam a data da cirurgia e a cirurgia propriamente dita ocorrem uma série de

etapas cuja coordenação não é trivial: o médico precisa reservar a data e o horário

da cirurgia no centro cirúrgico do hospital, o hospital precisa obter a devida

autorização do convênio para realizar o procedimento, o material a ser utilizado na

cirurgia deve ser solicitado ao fornecedor, a sala cirúrgica e o quarto precisam ser

aprontados, a documentação do paciente preparada.

Por ser marcada com antecedência e por falhas no processo de

atendimento, o paciente nem sempre lembrava o horário certo em que devia se

apresentar no hospital, nem os documentos necessários. Ao chegar no hospital

iniciava-se o processo de obter a autorização do convênio. Um paciente que

chegasse às 7h00 da manhã precisaria aguardar o horário de abertura do

funcionamento do convênio mais todo o trâmite burocrático de liberação do

convênio, mais o tempo de preparação do próprio hospital para então ser

encaminhado para o quarto.

O Quadro 4.4 descreve as etapas necessárias para resolver o problema de

saúde do paciente desde a marcação da cirurgia até a liberação do paciente.

Cada caixa representa uma etapa e sua dimensão está em função do tempo gasto

nela. A parte de cima do quadro representa as atividades do ponto de vista do

paciente, isto é, o processo de consumo do serviço de saúde. A parte de baixo

representa as atividades a serem realizadas do ponto de vista do hospital para

Page 123: Um estudo de casos sobre a aplicação de

110

prover o serviço. Para o consumidor este processo demandava 464 minutos e

para o hospital 447 minutos, gerando aborrecimento para o paciente e transtornos

para a equipe médica.

Quadro 4-4: Cirurgia eletiva* antes do redesenho dos processos

*Os tempos foram calculados para uma cirurgia de artroplastia de quadril.

Page 124: Um estudo de casos sobre a aplicação de

111

Ponto de vista do paciente min Ponto de vista do hospital min

Chegada ao hospital Chegada ao hospitalEspera para atendimento 3Cadastro 5 Cadastro 5Espera para ser encaminhada ao consultório 10Consulta 15 Consulta 15Levar o pedido de internação 5Sub-total Consulta 38 Sub-total Consulta 20

Chegada ao hospital Chegada ao hospitalFazer check-in 2 Fazer check-in do paciente 2Aguardar autorização do convênio 185 Ligar para médico para obter detalhes 5

Esperar abertura de funcionamento convênio 50Ligar para convênio 10Esperar autorização do convênio 120Falar com médico 5

Assinar documentos 15 Obter assinaturas 15Aguardar liberação do quarto 16 Pedir para aprontar o quarto 1

Arrumar o quarto 15Levar paciente ao quarto 3 Levar paciente ao quarto 3Preparação para cirurgia 15 Preparação para cirurgia 15Cirurgia 180 Cirurgia 180

Aviso de alta 1Fazer pagamento 10 Fechar conta do paciente 5

Sub-total Cirurgia 426 Sub-total Cirurgia 427Total 464 Total 447

Cirurgia Eletiva Antes da Pré-Internação

Depois da reformulação do processo O processo foi reformulado para minimizar o tempo de espera do paciente e

fornecer a informação à equipe médica com a necessária antecedência. Quando o

paciente chega no hospital para a intervenção, o atendimento é mais rápido e

sistemático. Muitas etapas podem ser cumpridas antes do dia da cirurgia e não

requerem o envolvimento do paciente. Foi criado um setor de pré-internação para

antecipar a obtenção das autorizações e senhas dos convênios. A recepção entra

em contato com o paciente na véspera da cirurgia para relembrar o horário, dar as

orientações pertinentes e fazer um pré-cadastro. Também na véspera a recepção

reserva o quarto do paciente. Quando o paciente chega no hospital, precisa

apenas assinar os documentos e já é encaminhado ao quarto. O tempo

despendido do paciente no processo é de 289 minutos, uma redução de 38%. O

Page 125: Um estudo de casos sobre a aplicação de

112

tempo despendido pelo hospital no processo é de 302 minutos, uma redução de

32%.

Quadro 4-5: Cirurgia eletiva depois do redesenho dos processos

Page 126: Um estudo de casos sobre a aplicação de

113

Ponto de vista do paciente min Ponto de vista do hospital min

Chegada ao hospital Chegada ao hospitalEspera para atendimento 3Cadastro 5 Cadastro 5Espera para ser encaminhada ao consultório 10Consulta 15 Consulta 15Levar o pedido de internação 5Sub-total Consulta 38 Sub-total Consulta 20

Médico marca cirurgia no centro cirúrgico 5Médico passa fax para pré-internação 5Ligar para convênio 10Ligar para fornecedor 5Confirmação do convênio 5Falar com médico 5Ligar para fornecedor 5

Atender ligação 5 Confirmar com paciente 5Preparar documento 5 Sub-total pré-internação 45

Chegada ao hospitalFazer check-in 2 Fazer check-in do paciente 2Assinar documentos 15 Obter assinaturas 15Aguardar liberação do quarto 16 Pedir para aprontar o quarto 1

Arrumar o quarto 15Levar paciente ao quarto 3 Levar paciente ao quarto 3Preparação para cirurgia 15 Preparação para cirurgia 15Cirurgia 180 Cirurgia 180

Aviso de alta 1Fazer pagamento 10 Fechar conta do paciente 5Sub-total Cirurgia 251 Sub-total Cirurgia 237Total 289 Total 302

Cirurgia Eletiva Depois da Pré-Internação

Resultado final Ponto de vista do paciente

Antes da Pré-Internação Depois da Pré-InternaçãoSub-total Consulta 38 38Sub-total Cirurgia 426 251Total 464 289

38%

Ponto de vista do hospital

Antes da Pré-Internação Depois da Pré-InternaçãoSub-total Consulta 20 20Sub-total pré-internação 45Sub-total Cirurgia 427 237Total 447 302

32%

Redução

Redução

Page 127: Um estudo de casos sobre a aplicação de

114

4.4 Suprimentos no Copa D´Or

4.4.1 Introdução

O Hospital Copa D´Or foi inaugurado no ano 2000 oferecendo um

atendimento em nível terciário, adulto e pediátrico, abrangendo todas as

especialidades cirúrgicas e conta com um Setor de Emergência aberto 24 horas

do dia. Na definição do próprio hospital: “a preocupação com a qualidade do

atendimento está presente em todas as atividades exercidas. A padronização e o

treinamento contínuo estão incorporados ao dia a dia do hospital45”.

Este caso terá como enfoque a área de suprimentos do Copa D´Or.

Primeiramente será apresentada a pressão pela redução de custos que a área de

suprimentos recebe. Em seguida serão descritas três iniciativas adotadas para

aumentar a eficiência da cadeia de suprimentos do hospital: a consignação, o

dispensário eletrônico e algumas melhorias implementadas na farmácia.

4.4.2 Pressão pela redução de custos

Há uma diretriz estratégica do Hospital Copa D´Or que prioriza o

investimento nas áreas produtivas. A área de suprimentos não é considerada uma

área produtiva e recebe, portanto, uma forte pressão para reduzir custos em

termos de espaço, estoque e mão de obra. A questão do espaço é particularmente

crítica neste hospital, pois o prédio é uma adaptação de um hotel e está localizado

num bairro nobre cujo metro quadrado é bastante caro. A área de suprimentos

recebeu o desafio de reduzir custos sem afetar o nível de serviço.

Para alcançar esta meta, o hospital precisou trabalhar na redução da

complexidade e no aumento da eficiência da sua cadeia de fornecimento. Para

reduzir a complexidade da cadeia de fornecimento o hospital decidiu criar uma

lista de produtos de referência. Para os 20.000 itens de referência, a área de

45 http://www.rededor.com.br/hcd/index.htm - Acesso 11 de agosto de 2006.

Page 128: Um estudo de casos sobre a aplicação de

115

suprimentos garante disponibilidade imediata. Itens fora desta lista podem ser

requisitados, mas necessitarão de mais tempo para entrega. Junto com o

estabelecimento dos itens de referência houve um trabalho de racionalização dos

fornecedores. O hospital trabalha com cerca de metade do número de

fornecedores do que há 3 anos.

São várias as iniciativas para aumentar a eficiência da cadeia de

fornecimento. O desmembramento da cadeia de fornecimento do hospital em duas

conforme sugere Rivard-Royer (2002) facilita o entendimento do impacto destas

iniciativas:

o a cadeia externa, que abrange o fluxo dos medicamentos e materiais

desde os fornecedores ao estoque central do hospital

o a cadeia interna, que abrange o fluxo dos medicamentos e materiais do

estoque central do hospital, passando pelos almoxarifados satélites, até

chegar ao ponto de uso

A iniciativa da consignação refere-se à cadeia externa ao passo que a

iniciativa do dispensário eletrônico e as melhorias na farmácia se referem à cadeia

interna de fornecimento.

4.4.3 Consignação

O hospital trabalha com dois tipos de itens: itens ativados e itens

consignados. Itens ativados são aqueles itens comprados que ao serem entregues

no almoxarifado central pelo fornecedor passam a fazer parte como ativo do

balanço contábil do hospital. Itens consignados são entregues pelo fornecedor no

almoxarifado central, mas o estoque continua figurando nos ativos do fornecedor.

Independente do tipo de item, sua freqüência de reposição está em função de sua

criticidade:

o itens A: 1 vez/dia

o itens B: 1 vez/semana

o itens C: 2 vezes/mês

Page 129: Um estudo de casos sobre a aplicação de

116

A modalidade de relacionamento hospital-fornecedor denominada de

consignação não é nova. Itens de alto custo e baixo giro tradicionalmente se

utilizavam desta modalidade. Hoje a área de suprimentos busca incluir a maior

quantidade possível de fornecedores nesta modalidade.

O pivô desta reorientação foi a imprevisibilidade da demanda, que gerava

um alto nível de compras emergenciais. Compras emergenciais são mais caras

pela necessidade de acelerar todos os processos e pelo aumento nos custos

administrativos tanto para o hospital como para o fornecedor. Daí a tentativa de

estabelecer a consignação também para os itens de baixo custo e alto giro. Após

3 anos de reorientação, 40% dos fornecedores de itens A trabalham com a

modalidade de consignação. Neste tempo, o valor em estoque de todos os itens

consignados aumentou 375%.

A conversão de fornecimento tradicional para fornecimento consignado

implica uma mudança contábil e um aumento físico do estoque de produtos. O

volume de itens em estoque aumenta ao mesmo tempo em que sai do balanço do

hospital para o do fornecedor. O fornecedor prefere carregar um estoque maior

que o hospital carregaria para garantir a disponibilidade e, consequentemente, a

venda do produto.

A grande inovação deste relacionamento é que não se trabalha mais com

previsão de vendas. O contrato de fornecimento de um volume fixo de produtos é

substituído pelo fornecimento baseado no consumo real. Antes a área de

suprimentos fazia uma previsão do consumo baseado nos dados históricos e

comprava um volume para três meses. Agora, o fornecedor enxerga o consumo

que passa a ser o único ponto de pedido para regular todo o sistema de provisão.

O consumo funciona como o marca passo do sistema e melhora a qualidade do

estoque. O giro de estoque passou de 12 vezes ao ano para 21 vezes, o custo de

reposição emergencial foi reduzido significativamente.

O melhor conhecimento da demanda tem beneficiado tanto o hospital como

o fornecedor. O valor em dinheiro do estoque no hospital considerando itens

consignados e itens ativados foi reduzido em 30%. O fato de enxergar o consumo

Page 130: Um estudo de casos sobre a aplicação de

117

real melhora a capacidade de planejamento do próprio fornecedor o que lhe

permite reduzir seu estoque central.

A visão de consumo por parte do fornecedor ainda não é em tempo real.

Atualmente é o hospital que informa os níveis de consumo ao fornecedor. No

futuro, o hospital pretende oferecer ao fornecedor a possibilidade de enxergar o

próprio sistema e monitorar em tempo real o consumo de seus itens.

4.4.4 Projeto de Dispensário Eletrônico Este projeto possui dois objetivos principais: garantir a disponibilidade e o

controle de materiais e medicamentos de pronto-atendimento nos postos de

enfermagem. O dispensário eletrônico é um armário composto por gavetas e

portas cuja abertura é controlada por crachás eletrônicos.

Foram implementados um total de 5 dispensários eletrônicos contendo um

total de 625 itens imprescindíveis. São produtos para pronto uso e com alta

freqüência de uso.

Quando o atendimento ao paciente requer algum produto do dispensário, a

enfermeira que o atende se dirige ao dispensário e com um leitor de código de

barras se identifica pelo código de seu crachá, identifica o paciente para o qual o

produto será retirado e identifica o produto na própria gaveta em que se encontra.

Feita estas identificações, a gaveta se abre, a enfermeira retira o produto, a

informação do consumo deste produto é enviada para a conta do paciente e para

o almoxarifado dando baixa no estoque. Caso haja necessidade de devolução do

produto procede-se pelo caminho inverso.

Cabe, portanto, à enfermagem a retirada e a devolução dos produtos. A

área de suprimentos, por sua vez, se responsabiliza pelo reabastecimento dos

produtos e pela contagem dos itens no estoque. A reposição dos itens se dá 4

vezes ao dia.

Caso haja alguma falha no abastecimento e o produto não se encontra na

gaveta, a contingência consiste em dirigir-se ao dispensário mais próximo. Como

todos são exatamente iguais com os produtos armazenados nas mesmas gavetas,

Page 131: Um estudo de casos sobre a aplicação de

118

a enfermeira poderá rapidamente encontrar o que necessita. A ocorrência é

registrada e se busca chegar à sua causa. Desde que se implementou o projeto

em março de 2006, nunca houve falta destes produtos.

O sistema de informação que suporta todo o processo permite o registro do

consumo em tempo real que novamente marca o ritmo de todo o processo de

reposição. Tal informação é crítica para garantir a disponibilidade do produto. Este

sistema também permite o rastreamento do produto ao profissional que o

manipulou, evitando fraudes bem como falhas e retrabalhos no registro de

consumo. O processo de contagem de estoque ficou simplificado.

Este projeto significou uma simplificação na cadeia interna de fornecimento

do hospital em termos de controle, de processo para reposição, de integração com

o faturamento ao cliente. Foi possível a redução de 17 FTE´s. Antes do projeto,

por exemplo, havia um profissional designado por cada almoxarifado satélite. Com

a divisão de tarefas entre a enfermagem e a área de suprimentos este profissional

pode ser transferido a outras atividades.

A estratégia adotada para implementar este projeto foi iniciar pelas áreas

onde havia sobreposição de mão-de-obra entre a enfermagem e a área de

suprimentos. O critério escolhido foi almoxarifados intensivos em mão de obra

mesmo que o volume de dinheiro em estoque fosse menor. Prevê-se sua

expansão para os centros cirúrgicos, CTI´s, unidade de emergência e hemodiálise.

4.4.5 Melhoria contínua na farmácia

Todos os dias, os médicos visitam seus pacientes para monitorar sua

evolução, receitar os medicamentos e definir os horários que deverão ser

ministrados durante o dia46. As receitas dos médicos são encaminhadas por fax

para a farmácia e disparam o processo de preparação dos medicamentos.

A farmácia do Copa D´Or funciona como uma fábrica que produz kits

personalizados para os pacientes. Há uma linha de produção para manipulação de

46 No jargão médico do hospital este procedimento é conhecido como “passar visita”.

Page 132: Um estudo de casos sobre a aplicação de

119

medicamentos, outra linha para separação dos medicamentos em unidades

(unitização), há uma célula que embala os medicamentos nos kits individuais para

cada paciente. O controle de qualidade é bastante rigoroso uma vez que erros na

medicação afetam diretamente a recuperação do paciente.

Muitas iniciativas foram tomadas para melhorar a eficiência e a qualidade

dos processos da farmácia. Uma delas foi adequar a cobrança pelo resultado do

processo com a formação do profissional. Atribuía-se à farmacêutica-chefe a

responsabilidade pela qualidade na montagem dos kits individuais. A baixa

tolerância aos índices de erros levou à substituição de duas farmacêuticas-chefe.

Percebeu-se que os erros eram devidos ao processo e contratou-se um

engenheiro de produção para redesenhá-los. O engenheiro se responsabiliza pela

qualidade do processo e a farmacêutica-chefe se responsabiliza pela qualidade da

manipulação dos medicamentos.

O redesenho de processos permitiu atacar pela raiz possíveis fontes de

erros. Por exemplo, medicamentos com nomes ou formas semelhantes foram

realocados para evitar confusões. A disposição dos medicamentos nas prateleiras

foi refeita levando em consideração a freqüência de uso e a facilidade de

localização. Pontos de controle foram adicionados para evitar que um erro

prossiga no processo.

Outra iniciativa em estudo para implementação é a prescrição médica

eletrônica. Ao invés de escrever à mão a receita para cada paciente ao “passar

visita”, o médico prescreveria os medicamentos, a dosagem e horário de

administração num aparelho eletrônico que transmitiria a informação diretamente

para a farmácia.

A prescrição médica eletrônica irá reduzir alguns desperdícios no processo.

Será eliminado o processo de transmissão das receitas por fax. As receitas dos

médicos ficavam se acumulando num escaninho aguardando a chegada de uma

enfermeira para enviá-las. Ao ser recebido pela farmácia, os dados do fax são

inseridos manualmente no sistema da farmácia. Dependendo da letra do médico

algum tempo era empregado para decifrá-la. Uma vez no sistema, eram geradas

as ordens de produção que iniciavam o processo de picking e embalagem dos

Page 133: Um estudo de casos sobre a aplicação de

120

medicamentos. Com a prescrição eletrônica todas estas etapas são

desnecessárias. A própria receita eletrônica é transmitida diretamente à farmácia e

gera a ordem produção. Elimina-se o tempo de espera para passar o fax, o tempo

para decifrar a letra do médico e o re-trabalho de digitar novamente os

medicamentos. Reduzem-se assim os erros na transcrição das informações do fax

para o sistema e o tempo entre a prescrição e a disponibilização do medicamento

no ponto de uso.

Page 134: Um estudo de casos sobre a aplicação de

121

4.5 A logística de suporte da Diagnósticos da América

4.5.1 Introdução

A Diagnósticos da América (DA) é a maior empresa de medicina

diagnóstica da América Latina. Tem como visão: “Proporcionar a todas as classes

sociais acesso a serviços e produtos relacionados à saúde, com qualidade e

tecnologia atualizadas”47. Está estruturada em 214 unidades espalhadas pelas

principais cidades do país e emprega 5.500 profissionais que atendem diariamente

20.000 pessoas e processam um volume diário de 90.000 exames de análises

clínicas.

Primeiramente, serão descritos alguns valores que norteiam a DA. Em

seguida será descrita a estratégia de marcas da empresa e o papel da logística

que a suporta. Finalmente, será apresentado o sistema de coleta domiciliar.

4.5.2 Valores da empresa A DA procura investir em pessoas e em tecnologia para potencializar o que

denomina do ciclo virtuoso da qualidade. Para a empresa, seu crescimento

sustentável exige o investimento em pessoas e tecnologia que desenvolvam

processos eficientes capazes de satisfazer clientes. Clientes satisfeitos geram

retorno financeiro e permitem investir novamente em pessoas e tecnologias.

Para alcançar este objetivo a empresa cultiva valores como foco no cliente,

capacidade de decisão de seus colaboradores (empowerment) e efetividade. A DA

quer se tornar o fornecedor preferencial do cliente (seja ele o paciente ou o

médico) atendendo suas necessidades com qualidade e no tempo adequado. O

mercado brasileiro de exames diagnósticos pode ser dividido em dois: 40% dos

exames são clínicos e 60% são por imagens. A DA também disponibiliza

equipamentos para realização de exames por imagem em suas unidades. Ao

47 http://www.diagnosticosdaamerica.com.br/quemsomos_visao.php - Acesso 11 de agosto de 2006.

Page 135: Um estudo de casos sobre a aplicação de

122

oferecer exames clínicos e por imagens, a DA torna-se capaz de ser de fato o

ponto único de contato para o paciente em termos de exames diagnósticos. Com

relação ao cliente médico, a DA possui um corpo clínico especializado que entra

em contato com o médico do paciente para alertar sobre possíveis complicações

identificadas a partir dos resultados exames. Dessa forma, agilizam-se os passos

do tratamento.

O ambiente de trabalho é propício para o desenvolvimento de seus

colaboradores que aprendem a delegar e a receber novas responsabilidades,

estruturando os processos de trabalho de forma a exceder expectativas com o

menor custo operacional possível. Todos os processos são documentados e

mantidos atualizados em meio digital. Há uma rotina que recomenda a revisão

anual dos processos. Evita-se assim que o dono e os usuários do processo

esqueçam de atualizar as modificações ocorridas.

4.5.3 Estratégia de marcas da DA

O crescimento da DA se dá de maneira dupla: orgânica, abrindo novas

unidades e por aquisição de novas marcas. A estratégia de marcas da DA nasceu

do desejo de proporcionar a todas as classes sociais acesso a exames de

qualidade e da constatação do forte valor que o brasileiro atribui à marca dos seus

serviços de saúde. A DA atua respeitando as marcas de cada região e os nichos

de mercado em que cada marca se posiciona. Há pequenas lojas com 64 m2 e

megaunidades com 2500 m2. Há marcas premium, marcas executivas e marcas

básicas. Atualmente, a DA tem um portfólio de 12 marcas.

No Rio de Janeiro, por exemplo, há 51 unidades que se dividem em 3

marcas. O Bronstein é a marca básica da região. É uma marca de efetividade

operacional, com custo baixo e preços melhores. No Bronstein, 80% da fonte

pagadora advém dos planos de saúde. O Lâmina é a marca executiva e por atingir

um público de melhor poder aquisitivo tem um percentual menor de pagamentos

oriundos dos planos de saúde, apenas 40%. O Clube DA é a marca premium que

se localiza em áreas exclusivas de algumas unidades Lâmina.

Page 136: Um estudo de casos sobre a aplicação de

123

Esta estratégia de marca permite oferecer um atendimento diferenciado. A

ambientação de cada local é feita de acordo com o perfil do público-alvo de cada

marca, o que permite cobrar um preço também diferenciado. O Quadro 4.6 lista as

diferentes marcas que compõem o portfólio da DA.

Quadro 4-6: Portfólio de marcas da Diagnósticos da América

4.5.4 O papel da logística

Se por um lado, devido à segmentação de mercado, o atendimento é

diferenciado, a qualidade dos exames é exatamente a mesma. A DA trabalha com

uma logística centralizada, corporativa, que atende indiscriminadamente as

diferentes marcas. A logística de suprimentos é a mesma, o processo de coleta de

exames é o mesmo, o processamento dos exames é realizado num mesmo local.

Hoje a DA possui 6 núcleos técnicos operacionais (NTOs) espalhados pelo

país. São os NTOs juntamente com o suporte da logística os responsáveis pelo

processamento e disponibilização dos resultados dos exames. Cada núcleo

atende determinada região. No Rio de Janeiro existe um NTO localizado em

Botafogo. A DA espera ser a empresa de menor custo de operação no mercado. À

medida que a empresa crescer e aumentar a escala de operação dos NTOs seu

custo de operação se tornará cada vez mais competitivo. Cabe à logística

viabilizar um sistema de coleta que otimize as operações dos NTOs e atenda às

exigências de tempo estipulados para cada exame.

Page 137: Um estudo de casos sobre a aplicação de

124

O sistema de coleta da DA transporta material biológico das unidades para

os NTOs. Trata-se de um material de alto risco na escala de periculosidade de

produtos e exige, além da aderência a uma série de requisitos legais, uma

especialização grande não só das pessoas como também dos equipamentos. São

mais de 3000 exames diferentes, cada qual com condições e tipos de

acondicionamento diferentes. Daí a necessidade de treinamento constante de

todos os envolvidos com este processo.

De acordo com a distância e o volume de exames processados por dia em

cada unidade define-se uma freqüência de coletas ao longo do dia. Existem

unidades, por exemplo, com 5 coletas por dia, outras com 4, algumas menores

com 1 coleta diária. No Rio de Janeiro, há 11 veículos que percorrem roteiros pré-

estabelecidos fazendo a coleta de exames nas 51 unidades da região. A

sincronização do trabalho na unidade e o sistema de coleta é crítico para atingir os

prazos estipulados, o que requer uma padronização dos procedimentos e

disciplina por cumpri-los.

Cada unidade sabe exatamente o horário em que o material será coletado e

precisa se programar para preparar o material, fazer o tratamento inicial (alguns

exames precisam passar por um micro-processamento na unidade, por exemplo,

uma centrifugação), acondicionar o material, fechar as caixas e disponibilizá-las

para a coleta. Da parte dos veículos de coleta, a tolerância de atrasos é de 10

minutos na unidade. Todo o processo está documentado com instruções de

trabalho bem detalhadas de maneira que a ocorrência de qualquer desvio é

analisada e corrigida. Todos os envolvidos no processo, inclusive os motoristas,

são equipados com aparelhos de comunicação por rádio que permitem a

localização do veículo.

Existem exames que por sua própria natureza exigem o processamento em

menos de 40 minutos. Nesses casos prevê-se uma coleta especial. Outros

exames exigem equipamentos tão específicos que só se viabilizam trabalhando

em escala nacional. Estes exames são encaminhados via aérea para a central de

processamento nacional. Cada uma dessas circunstâncias é levada em

consideração para precificar o exame.

Page 138: Um estudo de casos sobre a aplicação de

125

A preocupação com a rastreabilidade de todo processo é uma constante.

Cada tubo de ensaio recebe uma etiqueta com código de barras. As caixas

embaladas também são etiquetadas e contém a informação do material que leva,

a que pacientes pertencem, número de tubos de ensaio, etc.. Cada vez que há

uma mudança de pessoa que manipula o material, cada vez que uma etapa do

processo é concluída a informação é registrada. Como a informação é processada

em tempo real, diante de qualquer problema ou atraso é perfeitamente possível

rastrear onde e com quem se encontra o material e tomar as devidas providências.

Num segundo momento, analisa-se a causa do problema e se implementam

mudanças para evitar uma nova ocorrência.

Os principais desafios da logística na DA são localização e tempo. Em

termos de localização, a logística precisa apoiar a expansão da empresa

integrando as novas unidades às operações da empresa de maneira eficiente. Em

termos de tempo, todo o sistema logístico precisa garantir a disponibilização dos

exames no prazo prometido ao paciente.

4.5.5 Coleta Domiciliar

O serviço de coleta domiciliar dá mais um passo em direção à superação

dos desafios de localização e tempo. A aceitação deste serviço varia de região

para região. Em São Paulo, a adesão ao serviço é baixa, pois os pacientes

preferem não chamar a atenção com carros de coleta a sua porta e, portanto,

dirigem-se para as unidades para fazer os exames. Já no Rio de Janeiro, a coleta

em casa é percebida como sinal de status e o serviço é bastante acionado. A

maior freqüência de chamadas para o atendimento domiciliar concentra-se na

Zona Sul e na Vila Isabel, Zona Norte.

No Rio de Janeiro, a DA conta com uma frota de 29 veículos para realizar

as coletas domiciliares. Cada veículo realiza uma média de 6 coletas diárias que

somam aproximadamente 170 pacientes por dia. Este volume equipara este

serviço a uma unidade de porte médio.

Atender na casa do paciente na hora que lhe é mais conveniente abre o

leque às circunstâncias, necessidades e preferências mais díspares. Há um

Page 139: Um estudo de casos sobre a aplicação de

126

pequeno percentual de pacientes que demandam o serviço de madrugada (em

média, 5 por noite). Como o núcleo operacional técnico encontra-se fechado

nestes horários, os exames são enviados para algum hospital onde se encontram

unidades Lâmina que funcionam 24h por dia. O exame é processado na própria

madrugada e o resultado do exame é logo comunicado ao paciente e seu médico.

Todo o processo segue exatamente os mesmos padrões de uma coleta na

unidade. O agendamento pode ser feito com 24 horas de antecedência (ainda que

em casos de emergência, o agendamento é feito no momento da necessidade).

Um profissional qualificado é destacado para fazer a coleta que é realizada na

residência nos mesmos moldes que na unidade. O paciente paga uma taxa extra

por este serviço para cobrir os custos logísticos desta operação.

As mudanças de infra-estrutura logística para suportar a coleta domiciliar

ilustram a preocupação da empresa pelo contínuo aperfeiçoamento do processo

em relação a custo e ao mesmo tempo em relação ao nível de serviço. Utilizavam-

se como meio de transporte para este serviço três cooperativas de táxi que

cobravam as tarifas de táxi comum para cada viagem.

Devido ao fato do táxi não estar à disposição em regime de exclusividade

para a empresa, o nível de serviço às vezes deixava a desejar. Por outro lado,

esta característica era precisamente a que permitia pagar apenas o custo variável

do transporte, que era coberto pelo preço premium cobrado pelo serviço. Havia a

percepção de que para aumentar o nível de serviço seria necessário transformar

um custo variável em custo fixo, encarecendo o processo.

A maior conta de fornecedores da empresa era a dos táxis, somando o

valor gasto com as coletas domiciliares com o uso corporativo. A equipe de

logística buscou desenvolver um fornecedor que concordasse em cobrar apenas

pelo custo variável e garantisse o nível de serviço exigido. Com o histórico do

número de coletas e dos valores envolvidos foi possível chegar a um acordo.

Hoje, o fornecedor mantém uma frota de 29 veículos que além de fazer o

transporte para as coletas domiciliares também realiza serviços de táxi cobrando

uma tarifa mais baixa que a do táxi comum.

Page 140: Um estudo de casos sobre a aplicação de

127

5 Análise dos Casos

Este capítulo buscará sublinhar as evidências da incorporação dos

princípios enxutos contidas nos casos estudados. Para comentar como os

princípios lean se aplicam aos casos estudados será utilizada como guia a

seqüência de princípios e ações resumidas no Quadro Conceitual (2.6).

5.1 Princípios da provisão enxuta

5.1.1 Reduzir os trade-offs de desempenho

Que a redução dos tempos de processamento juntamente com linhas de

produção flexíveis melhoram a qualidade e a produtividade também no âmbito dos

serviços de saúde pode ser verificado no Projeto do Pé Diabético. A redução dos

tempos de espera para marcar uma consulta, que antes da criação do pólo

secundário poderia demorar meses e agora com o pólo é marcada em no máximo

48h, teve um grande impacto na qualidade do atendimento. A rapidez de

atendimento impede a evolução da doença como demonstram a redução do

número de amputações altas após os 3 anos de funcionamento do projeto.

A questão de reduzir trade-offs de desempenho também aparece de

maneira explícita no Hospital Pró-Cardíaco através da meta de oferecer o

tratamento mais custo-efetivo possível. Faz parte da medicina baseada em

evidências, mentalidade com a qual o Pró-Cardíaco trabalha, buscar um processo

que otimize os benefícios e reduza os custos. Embora a meta esteja clara, sua

mensuração é difícil. A custo-efetividade é medida para os eventos intra-

hospitalares, mas não há uma estratégia definida para medi-la após a alta do

paciente.

Porter e Teisberg (2004) explicam como o tratamento de um grande volume

de pacientes com uma mesma doença gera melhores resultados no atendimento

com menores custos. A especialização do Hospital Pró-Cardíaco e do projeto do

Page 141: Um estudo de casos sobre a aplicação de

128

Pé Diabético em dor torácica e diabetes, respectivamente, contribui para um

rápido processo de aprendizagem, evita erros, alavanca a eficiência do processo

fazendo a qualidade e a eficiência do atendimento aumentarem simultaneamente.

A área de suprimentos no Copa D´Or recebeu o desafio simultâneo de

reduzir custos e manter os níveis de serviço. O caso ilustrou como a adoção de

práticas da mentalidade enxuta (reposição freqüente em pequenas quantidades,

reação da cadeia de suprimentos em função do ritmo de consumo,

estabelecimento de fluxo contínuo nos processos de reposição, localização dos

estoques próximos ao ponto de uso, melhoria contínua dos processos) contribuiu

para atingir estes dois objetivos.

O modelo de negócio da Diagnósticos da América também consegue

conciliar os trade-offs de desempenho. A premissa da empresa é oferecer exames

de qualidade, a estratégia de marcas diferenciadas permite flexibilidade no

atendimento aos diferentes públicos e o sistema único de coleta de exames

garante a produtividade do processo.

5.1.2 Eliminar as atividades que não agregam valor

Ao eliminar atividades que não agregam valor ao cliente, tem-se como

resultado um processo mais enxuto e uma melhora na relação (atividades que

geram valor)/(total de atividades do processo). Esta relação sempre pode ser

melhorada. Uma característica da mentalidade enxuta é buscar o processo

perfeito em que esta relação tende a 1, isto é, um processo composto por

atividades que só agregam valor e que não têm nenhum desperdício embutido.

Daí a preocupação constante de rever o processo e promover uma melhoria

contínua. Entre os casos estudados, esta preocupação está particularmente

presente no modo de operação do Hospital Pró-Cardíaco como demonstram as

sucessivas melhorias no protocolo de dor torácica.

Para evitar a reincorporação das atividades eliminadas, organizações

enxutas procuram explicitar o novo processo. O novo processo corresponde a

melhor forma de atingir determinado resultado naquela organização, portanto, é o

Page 142: Um estudo de casos sobre a aplicação de

129

novo padrão a ser seguido por todos os envolvidos. A preocupação pela

padronização do processo mostrou-se presente em todos os casos estudados.

No caso do Pró-Cardíaco, o protocolo de atendimento da dor torácica

representa o estado da arte deste processo não só na organização como também

no Brasil. O protocolo é seguido por centenas de organizações no país. Por isso, o

Pró-Cardíaco reconhece a responsabilidade que tem ao propor qualquer

mudança. Embora haja uma equipe de médicos constantemente buscando

aperfeiçoar o atendimento, mudanças no protocolo são implementadas mediante

evidências nítidas de que o processo realmente melhore.

O HDB também percebe a necessidade de padronização do processo. A

alta rotatividade de seus colaboradores de linha de frente exige o treinamento

constante de funcionários. No entanto, ainda não há no HDB a descrição por

escrito de todos os processos da recepção.

No Copa D´Or as melhorias implementadas pela farmácia são um indicativo

da orientação dos colaboradores para a redução sistemática dos desperdícios. O

projeto da prescrição médica eletrônica elimina uma série de atividades que não

agregam valor: tempos de espera, re-trabalhos, fontes de erro.

No caso da Diagnósticos da América, a empresa está orientada por

processos. Todos os processos estão descritos e disponíveis em meio eletrônico.

Cada processo tem o seu dono que se responsabiliza por mantê-lo atualizado.

Existe um rotina estabelecida que obriga os donos dos processos, com uma

freqüência no mínimo anual, a verificar se a descrição do processo corresponde à

realidade. A busca sistemática por reduzir os desperdícios foi ilustrada com o caso

do transporte domiciliar. Foi necessário desenvolver um novo fornecedor e ampliar

seu escopo de atuação (incluindo serviços de táxi para a corporação) para criar

uma alternativa às cooperativas de táxi que fosse mais eficiente e com melhor

nível de serviço. É o investimento nas pessoas preconizado pela DA que capacita

o empregado a melhorar o processo enquanto realiza seu trabalho.

Page 143: Um estudo de casos sobre a aplicação de

130

5.1.3 Estabelecer fluxo contínuo, puxado pelo cliente

O projeto do Pé Diabético desenvolveu uma estrutura de atendimento

original para criar um fluxo contínuo no tratamento oferecido. Numa linha de

produção enxuta, o bem produzido se desloca de estação em estação onde os

trabalhadores adicionam valor ao bem. No pólo de atendimento secundário, não é

o paciente quem se desloca de médico em médico para receber o procedimento

necessário; pelo contrário, como o paciente apresenta dificuldades de

deslocamento, é o médico que se desloca até o paciente.

Tanto no projeto do Pé Diabético como no Hospital Pró-Cardíaco há rotas

bem definidas para cada tipo de paciente, conforme sua classificação de risco. No

Pró-Cardíaco a rota garante rapidez e precisão no diagnóstico e tratamento da

doença. A preocupação por reduzir as esperas e estabelecer um fluxo contínuo

está presente.

O projeto de prescrição médica eletrônica do Copa D´Or é um exemplo de

como estabelecer um fluxo contínuo. Este projeto reduz os tempos de espera das

receitas médicas que se acumulavam até alguém tomar a iniciativa de enviá-los

via fax para a farmácia. A utilização da receita eletrônica evita a formação de lotes

de receitas nos escaninhos para serem transmitidas à farmácia. A receita

eletrônica evita também a espera pela re-inserção dos dados da receita no

sistema para então iniciar o processo de separação e embalagem dos

medicamentos. Cada receita é um lote unitário que passa a fluir melhor pelo

processo. Cabe a farmácia produzir os kits de medicamentos ao ritmo da

demanda.

O sistema logístico da Diagnósticos da América está estruturado para

estabelecer um fluxo contínuo. As rotas, a freqüência e o horário das coletas

estão pré-estabelecidos e todos os envolvidos sincronizam suas atividades para

fazer fluir o processo. A preocupação da empresa não é tanto de atingir o lote

econômico para o transporte e processamento do material coletado mas sim de

cumprir os prazos prometidos. Daí a freqüência de coleta de até 5 vezes ao dia

em determinadas unidades, daí a coleta especial de um único exame caso exija

Page 144: Um estudo de casos sobre a aplicação de

131

rapidez em seu processamento. Procura-se assim reduzir os tempos de espera do

material.

A DA também mostrou preocupação por aumentar a visibilidade do produto

e do processo. A visibilidade se torna possível com o sistema de código de barras.

O exame de cada paciente, cada tubo de ensaio é rastreável em tempo real.

Quaisquer atrasos, qualquer necessidade de conferir em que parte do processo se

encontra o exame, qualquer mudança de pessoa que manipulou o material

biológico é identificável. Ações corretivas para eventuais ocorrências podem ser

realizadas no momento que são detectadas. Posteriormente, verifica-se a raiz do

problema e se identifica uma solução para evitar sua recorrência.

5.1.4 Envolvimento do cliente

Os problemas decorrentes do diabetes exigem uma re-educação dos

hábitos do portador da doença. Para minimizar as complicações da doença é

fundamental o envolvimento do paciente e de seus familiares. Portanto, o sucesso

do projeto do Pé Diabético depende de sua capacidade de envolver o paciente no

processo de aprendizagem. Daí a importância da figura da enfermeira educadora

prevista no projeto e sua ênfase na educação continuada.

Em moldes semelhantes ao do Shouldice Hospital apresentado no capítulo

2, incentiva-se a interação dos portadores de diabetes entre si. O lay-out dos

“boxes” de atendimento no pólo secundário de atendimento, por exemplo, permite

a troca de experiências entre os pacientes e reduz o nível de ansiedade dos

pacientes.

O envolvimento do paciente também é uma das características da medicina

baseada em evidências. Assim, o Hospital Pró-Cardíaco que tem suas operações

estruturadas com essa mentalidade se preocupa em envolver o paciente. Este

envolvimento se dá principalmente na participação do paciente na tomada de

decisão. Os médicos procuram explicar ao paciente cada exame que é feito, os

resultados obtidos e os possíveis encaminhamentos. Leva-se em consideração as

preferências do paciente nas decisões clínicas.

Page 145: Um estudo de casos sobre a aplicação de

132

5.1.5 Delegar poder aos empregados

A preocupação pela formação dos colaboradores foi mencionada em todas

as entrevistas. No caso do projeto do Pé Diabético, a consciência de que quanto

melhor for a qualidade de atendimento na ponta, menor as complicações para o

paciente, menor o fluxo de pacientes para os demais níveis de atendimento e,

portanto, menores os custos totais de tratamento do diabetes levou a inclusão de

uma sistemática de treinamento constante e periódica. Os pólos intermediários

responsáveis pelo treinamento das equipes são de tal eficácia que, nas palavras

do idealizador do projeto, as equipes “passam a acreditar que é possível fazer

algo diferente no serviço público”.

No caso do Pró-Cardíaco, é da essência da medicina baseada em

evidências a atualização constante dos médicos. Além disso, um dos pilares sobre

os quais o hospital se apóia para atingir a excelência no atendimento é a

qualidade de seus colaboradores. As práticas clínicas são constantemente

confrontadas com a literatura e os casos mais difíceis são estudados

quinzenalmente.

No caso do Hospital Dr. Badim, nas palavras do gerente administrativo: “o

sucesso de tudo são as pessoas, o sucesso de tudo chama-se treinamento”. A

solução dos problemas na recepção enfrentados pelo HDB só foram resolvidos

com a qualificação dos seus colaboradores.

Na Diagnósticos da América a delegação de poder aos empregados é um

dos valores explicitados pela empresa. O ciclo virtuoso da qualidade é iniciado

pelo investimento nas pessoas. Da capacidade que seus colaboradores têm de

assumir novas responsabilidades depende a expansão da empresa. A velocidade

da expansão aliada à orientação da DA para a efetividade nos processos exige

uma equipe de colaboradores flexível, inovadora e que assuma o processo como

próprio. A solução de transporte para a coleta domiciliar é um exemplo de como as

melhorias se originam dos próprios empregados. Processos eficientes satisfazem

os clientes e geram resultados financeiros que por sua vez podem ser re-

investidos nas pessoas.

Page 146: Um estudo de casos sobre a aplicação de

133

5.2 Princípios do consumo enxuto

5.2.1 Resolver o problema do cliente completamente

O projeto do Pé Diabético ilustra bem o princípio de resolver o problema do

cliente completamente uma vez que pretende dar uma atenção integral ao

paciente. O projeto nasceu da percepção de que o atendimento prestado aos

portadores de diabetes era falho por ser pontual e desconectado do contexto do

paciente. O atendimento era pontual, pois se resumia na interação do paciente

com o sistema de saúde num estágio da doença que lhe exigia uma amputação.

Era desconectado do contexto do paciente, pois, da parte do serviço de saúde,

não havia a menor preocupação pelo antes nem pelo depois da intervenção

médica.

Resolver o problema de diabetes, ou melhor, o tratamento desta doença se

encaixa na categoria de processo de consumo que se desenvolve ao longo do

tempo e envolve uma série de etapas: identificar o problema, aprender e adquirir

novos hábitos, realizar intervenção cirúrgica, adquirir acessórios (próteses,

órteses, bengalas, cadeira de rodas, etc.), realizar check-ups periódicos. O

Quadro 5.1 ilustra graficamente as etapas do processo. Em cada uma destas

etapas podem ocorrer falhas que acabam por prejudicar o portador da doença:

identificação tardia do problema, ausência de uma orientação adequada de como

lidar com a doença, atrasos desnecessários para intervenções cirúrgicas, falta de

acessórios adequados, falta de acompanhamento da evolução da doença.

O projeto do Pé Diabético foi elaborado para evitar estas falhas e atender

ao paciente em cada um destas etapas. O projeto pretende atuar na prevenção

das complicações oriundas do diabetes e por isso tem uma forte ênfase na

identificação precoce da doença na população e na promoção de uma educação

continuada aos doentes e seus familiares. No caso de complicações mais graves

há todo um procedimento pré-estabelecido para a solução do problema incluindo a

fabricação de um calçado sob medida para o paciente e uma orientação sobre os

novos hábitos a serem desenvolvidos.

Page 147: Um estudo de casos sobre a aplicação de

134

A alta qualificação dos profissionais que entram em contato com o cliente é

outra característica que contribui para este primeiro princípio do consumo enxuto.

A alta qualificação dos profissionais permite-lhes identificar a raiz das falhas e

eliminá-las. No caso do projeto do Pé Diabético, este papel é assumido pelas

equipes do pólo primário. Uma vez diagnosticada a doença, estas equipes são

treinadas para identificar hábitos, circunstâncias familiares, situações de trabalho

que podem impedir um bom acompanhamento da doença e propor soluções.

Quadro 5-1: Processo de consumo para o tratamento do diabetes

O caso do Hospital Dr. Badim (HDB) também evidencia como a qualidade

do atendimento melhorou sensivelmente com a qualificação dos colaboradores da

recepção. A equipe que forma a recepção do HDB não se restringe à função de

meros atendentes que executam mecanicamente um conjunto limitado de

atividades. A equipe tem um conhecimento do negócio de saúde, tem uma visão

Page 148: Um estudo de casos sobre a aplicação de

135

de processos e sabe identificar o impacto de sua ação ou omissão nos outros

processos do hospital. O grau de envolvimento da recepção para fazer o paciente

fluir pelo sistema de saúde é intenso.

5.2.2 Não desperdiçar o tempo do cliente

No que diz respeito a não desperdiçar o tempo do cliente, a primeira

característica de um processo de consumo enxuto é embutir no desenho do

processo a necessidade de otimizar o tempo do cliente. O projeto do Pé Diabético

foi projetado para otimizar não só o tempo do paciente como também o de seus

familiares. O pólo secundário ilustra até que ponto a economia de tempo do ponto

de vista do paciente é possível. O paciente marca uma única consulta e é atendido

em no máximo 48h, o que contrasta com os possíveis 6 meses de espera para

uma consulta não emergencial num hospital público.

A estrutura de “box” de atendimento no pólo secundário permite a

otimização do tempo tanto do paciente e de seus familiares como dos médicos. O

paciente pode ser atendido por até seis profissionais diferentes numa única

consulta. Sem esta estrutura o paciente teria que marcar seis consultas diferentes,

provavelmente em dias e locais diferentes. Dadas as dificuldades de locomoção

destes pacientes algum familiar teria que acompanhá-lo nesta seqüência de

consultas. Os médicos, por sua vez, são capazes de atender um número muito

maior de consultas por dia do que se tivessem num consultório.

O “box” também possibilita a sincronização de todos os elementos do

processo de atendimento: paciente, médicos, materiais e informação. Como num

“pit-stop” da Fórmula 1 todos os procedimentos necessários são ministrados

rapidamente ao paciente durante sua permanência no “box”.

Diagnosticar com antecedência o problema também ajuda a não

desperdiçar o tempo do cliente. O projeto do Pé Diabético está estruturado para

detectar a doença antes do surgimento das complicações, isto não só evita o

desperdício de tempo do paciente para resolver as complicações no futuro como

lhe garante uma qualidade de vida melhor.

Page 149: Um estudo de casos sobre a aplicação de

136

No caso do HDB foi o grau de insatisfação dos pacientes e dos médicos

com os excessivos tempos de espera que provocou a revisão do processo das

cirurgias eletivas. Houve uma redução média de 38% do tempo do paciente para a

realização de uma cirurgia eletiva (artroplastia de quadril). O novo processo

também reduziu em 32% o tempo empregado pelos colaboradores do hospital

para prestar o mesmo serviço.

A qualificação da recepção do HDB resultou em atribuir-lhe a

responsabilidade por sincronizar todos os elementos do processo que, ao evitar

atrasos desnecessários, reduz o desperdício de tempo no processo. A

sincronização é facilmente percebida no processo de cirurgias eletivas e no

processo de requisição de um exame externo para um paciente internado.

Para realizar uma cirurgia eletiva é preciso coordenar a vaga do hospital

com a disponibilidade do médico, a autorização do convênio e a documentação do

paciente. O processo está desenhado para garantir que cada um desses

elementos seja verificado no tempo certo. Para efetivar um exame externo, o

conhecimento de todo o processo auxilia a sincronização das diferentes

atividades: agendar o local do exame, obter liberação do convênio, chamar a

ambulância, avisar e preparar a documentação do acompanhante.

Tal como o exemplo da terapia trombolítica no Hospital Mãe de Deus e no

Hospital São Lucas citados no capítulo 2, o protocolo de dor torácica do Hospital

Pró-Cardíaco foi estruturado para lidar com doenças cujo diagnóstico e tratamento

são tempo-dependente, isto é, o fator tempo é crítico para a resolução do

problema. A rota 1 do protocolo, por exemplo, é a mais urgente de todas pois diz

respeitos aos pacientes que já apresentam infarto agudo do miocárdio. A

realização do cateterismo a tempo é uma questão de vida ou morte.

Obter o máximo de informações no primeiro contato é uma prática que evita

as sucessivas interrupções no fluxo do paciente. No Pró-Cardíaco a obtenção do

máximo de informações possíveis no primeiro contato (a anamnese rigorosa e

detalhada) está prevista pelo protocolo de atendimento e tem a função adicional

de ajudar a classificação da dor do paciente. Esta classificação juntamente com os

resultados dos exames levam a inserção do paciente numa determinada rota. A

Page 150: Um estudo de casos sobre a aplicação de

137

rota é a maneira mais rápida e objetiva de se resolver o problema do paciente.

Nesse sentido, as rotas também podem ser entendidas como os fluxos de trabalho

previsíveis na organização. Esses fluxos são recomendados para evitar o

desperdício de tempo dos pacientes. Tanto o Pró-Cardíaco como o Projeto do Pé

Diabético apresentam estes fluxos bem definidos.

A pronta disponibilização dos resultados dos exames também é crítica para

o diagnóstico das doenças. Para isso, os passos de descritos pelo protocolo de

diagnóstico da dor torácica são sincronizados com os procedimentos do

laboratório. As atividades e os tempos de cada atividade do laboratório são

rigorosamente monitorados. O exame que detecta a liberação das enzimas do

miocárdio, por exemplo, leva 50 minutos desde o atendimento da chamada até a

liberação dos resultados do exame.

O laboratório responsável pelos exames clínicos no Hospital Pró-Cardíaco é

o Lâmina, que pertence à Diagnósticos da América. Um dos pilares do modelo de

negócio desta empresa é atender as necessidades do cliente com qualidade e no

tempo adequado. Portanto, em todas as unidades da DA encontra-se a mesma

preocupação que a demonstrada no Lâmina do Pró-Cardíaco em atender os

prazos estipulados para disponibilização dos exames. O tempo gasto pelo cliente

é um dos elementos que se procura otimizar nesse processo de atendimento.

5.2.3 Oferecer exatamente aquilo que o cliente quer Na revisão de literatura foi apresentado exatamente o que um paciente

quer: um atendimento humanizado juntamente com a disponibilidade de materiais

e medicamentos. Foi demonstrado como estas duas necessidades podem ser

conflitantes. Um atendimento humanizado requer tempo dedicado ao paciente.

Processos ineficientes de gestão de suprimentos retiram este tempo precioso do

médico, das enfermeiras e dos auxiliares de enfermagem que ao invés de cuidar

do paciente, têm que remediar um processo ineficiente.

Todos os casos que trataram do atendimento ao paciente demonstraram de

alguma forma a preocupação pela humanização do atendimento, isto é, o

Page 151: Um estudo de casos sobre a aplicação de

138

atendimento de qualidade, voltado para a pessoa e para a construção de um bom

relacionamento com o paciente. O projeto do Pé Diabético demonstra a

preocupação pela humanização quando se propõe a criar confiança no paciente e

prestar-lhe uma série de serviços (cortar as unhas, lixar e hidratar o pé, etc.). No

Hospital Dr. Badim o atendimento humanizado aparece na filosofia do próprio

hospital. No Hospital Pró-Cardíaco, a preocupação pelo atendimento humanizado

se manifesta na prática de explicar ao paciente as diversas etapas do diagnóstico

e fazê-lo participar do processo de decisão.

No que diz respeito à disponibilização de materiais e equipamento, os

processos de suprimentos do Copa D´Or incorporam uma série de características

do pensamento enxuto. O comparativo de Rivard-Royer et al. (2002) entre o

método lean e o método convencional de suprimentos apresentado no capítulo 2

serve de base para afirmar que o processo de suprimentos no Copa D´Or caminha

em direção ao fornecimento lean. Houve um forte trabalho de redução de

fornecedores. Em 3 anos, o hospital reduziu pela metade o número de

fornecedores. As iniciativas de melhora na cadeia de suprimentos aumentou o giro

de estoque do hospital de 12 vezes ao ano para 21 vezes. Isto demonstra que a

qualidade do estoque melhorou. Houve também uma otimização na utilização dos

recursos para gerir este processo.

A iniciativa da consignação e do dispensário eletrônico exemplificam como

a reação tanto da cadeia externa como da cadeia interna de fornecimento caminha

para ser ditada por um único fator, o ritmo do consumo. Na iniciativa da

consignação, o fornecedor enxerga o consumo real e repõe os produtos no

hospital baseado neste fator. A freqüência de reposição é determinada pela

criticidade do produto, sendo diária para os itens A. Na iniciativa do dispensário

eletrônico o consumo do produto também dita a reposição. Os dispensários são

reabastecidos 4 vezes ao dia, o que está em linha com a recomendação da

mentalidade lean de repor freqüentemente em pequenas quantidade.

Ainda em relação ao dispensário eletrônico, o Copa D´Or também segue a

recomendação de localizar a distribuição dos materiais e medicamentos o mais

próximo possível do cliente. Há um dispensário em cada andar o que economiza o

Page 152: Um estudo de casos sobre a aplicação de

139

tempo de busca dos enfermeiros e aumenta o tempo disponível para dedicação ao

paciente.

O projeto da prescrição médica eletrônica aperfeiçoa o sistema de regular a

provisão a partir de um único ponto de pedido. No caso, o ponto de pedido é o

ponto de uso, no leito do paciente. Todo o sistema será integrado eletronicamente

otimizando o fluxo do medicamento desde sua prescrição até sua administração. A

farmácia responde sob demanda.

5.2.4 Oferecer o que o cliente quer exatamente onde ele quer

Um paciente com pé diabético quer ser atendido o mais próximo possível

de sua residência para evitar os incômodos do deslocamento. O projeto do Pé

Diabético conta com 108 ambulatórios espalhados pelo município do Rio de

Janeiro. Esta pulverização de ambulatórios permite oferecer ao portador de

diabetes uma efetiva conveniência espacial.

Para atender exatamente onde o cliente quer, Womack e Jones (2005)

propõem que as empresas ampliem sua oferta de canais e estruturem um único

sistema de provisão para estes canais. Estas duas características encontram-se

presentes nas operações da Diagnósticos da América. Por querer proporcionar

exames de qualidade a todas as classes sociais e adequar-se aos perfis dos

diferentes públicos-alvo, a DA trabalha com canais diferenciados. Cada segmento

de mercado encontra na DA um canal apropriado, isto é, uma marca com a qual

se identifica.

O modelo da DA se assemelha ao da varejista Tesco na medida em que

oferece diversas marcas e todas as marcas são atendidas por um mesmo sistema

de suporte logístico. Isso garante a homogeneização da qualidade nos exames e

uma maior eficiência do sistema pelos ganhos de escala no volume atendido.

O número de unidades (no Rio de Janeiro são 51 lojas) facilita o acesso ao

cliente que pode escolher fazer os exames numa loja próxima a sua residência ou

Page 153: Um estudo de casos sobre a aplicação de

140

ao local de seu trabalho. Existe também a opção da coleta domiciliar o que

minimiza o desperdício de tempo do paciente.

5.2.5 Oferecer o que o cliente quer onde ele quer exatamente quando ele quer

Nos problemas de saúde de modo geral, atender o paciente exatamente

quando ele quer implica poder atender quando ele necessita. Ninguém quer ter um

infarto agudo de miocárdio, no entanto, se vier a sofrer um infarto, o paciente

quererá ser atendido neste momento. Portanto, o dimensionamento da capacidade

da emergência define o quanto um hospital pode atender o paciente exatamente

quando ele quer (ou necessita).

A fronteira entre um problema que necessita de atendimento imediato e um

que pode esperar nem sempre é muito nítida. Womack e Jones (2005) propõem

um sistema de precificação dos serviços para ajudar a balancear a demanda por

estas duas circunstâncias do cliente. Os serviços “para atendimento imediato”

seriam mais caros do que os serviços que podem ser programados. No entanto, a

possibilidade de aplicar esta lógica para os serviços de saúde não se mostrou

muito viável nos atuais moldes do sistema de saúde.

O principal motivo é o fato de que os sistemas de saúde, conforme afirma

Wallace (2004), funcionam como um seguro contra faturas médicas não

esperadas. Isto significa que o grosso dos cuidados da saúde é pago por terceiros.

Quando surge um problema de saúde, o paciente que paga um plano de saúde

sente-se no direito de exigir atendimento imediato forçando o atendimento pela

emergência. Dado que é um terceiro que pagará a conta, não há espaço para

negociação e prevalece a exigência pelo atendimento imediato independente da

necessidade.

A cooperação com o paciente é fundamental para identificar as suas reais

necessidades, que, em relação ao tempo, ora serão de atendimento imediato, ora

de atendimento que pode ser planejado. No caso do projeto do Pé Diabético, suas

Page 154: Um estudo de casos sobre a aplicação de

141

unidades de atendimento estão estruturados para trabalhar com ambas as

necessidades.

Como o diabetes é uma doença que exige monitoramento constante, a

grande maioria dos atendimentos são pré-programadas e já entraram na rotina

específica do paciente. No entanto, emergências podem surgir e a diretriz para

todos os níveis de atenção é de atendimento imediato. Procura-se desenvolver um

relacionamento de confiança com o paciente. Assim, o ambulatório torna-se

referência para o paciente e ele confia na capacidade de atendimento do serviço

tanto para as consultas pré-programadas como nas necessidades que requerem

uma atenção imediata.

A coleta domiciliar de exames clínicos apresentada no caso da

Diagnósticos da América ilustra este princípio de oferecer o que o cliente quer

exatamente quando ele quer. O fato de ocorrerem coletas domiciliares de

madrugada sinaliza a prontidão da empresa em oferecer conveniência temporal ao

paciente. As coletas de madrugada tem um caráter emergencial e requerem uma

infra-estrutura de apoio considerável para realmente resolver o problema do

paciente. Não só a logística de suporte à coleta deve estar em funcionamento mas

também alguma unidade de processamento dos exames. Os núcleos técnicos

operacionais não funcionam de madrugada. A solução, portanto, passa por

processar os exames nas unidades localizadas em hospitais que precisam

funcionar 24 horas. Dessa forma se garante a disponibilização do resultado dos

exames a tempo fornecendo ao médico do paciente a informação necessária para

a tomada de decisão.

5.2.6 Agregar continuamente soluções para reduzir tempo e aborrecimento do cliente

Womack e Jones (2005) propõem uma estreita colaboração entre

consumidor e provedor do bem ou serviço para que as soluções oferecidas sejam

cada vez mais completas ao consumidor. Quanto mais completa a solução menor

Page 155: Um estudo de casos sobre a aplicação de

142

a necessidade do consumidor despender tempo e energia para integrar outros

bens e serviços e assim resolver seus problemas.

Os problemas de saúde são particularmente complexos e os consumidores

dos serviços de saúde precisam lidar com uma série de fornecedores para

resolver seu problema: médicos de diversas especialidades, planos de saúde,

farmácias, diversos canais de atendimento. Pensar num processo de consumo

enxuto de um serviço de saúde requer também oferecer soluções para minimizar o

número de interfaces entre o consumidor e os diferentes provedores que integram

a solução.

O projeto do Pé Diabético pretende ser este único ponto de contato do

paciente. O projeto foi concebido para resolver todas as complicações que podem

daí surgir. Para isto realmente funcionar é necessário um sistema de informação

que integre todos os níveis de atendimento. Este sistema integrado está previsto

na próxima fase do projeto. Com este sistema será possível rastrear todo

atendimento, disponibilizar a história clínica do paciente em qualquer ambulatório

e garantir a atualização constante das informações gerenciais.

Para que este projeto seja de fato o único canal de acesso às soluções para

as complicações decorrentes do diabetes precisa deixar de ser o projeto do Pé

Diabético. O pé não é a única complicação desta doença. Ela pode causar

disfunção de órgãos vitais como olhos, rins, coração, entre outros. Seria

necessário ampliar o escopo dos serviços oferecidos para se tornar simplesmente

o Pólo do Diabetes.

A preocupação por agregar continuamente soluções para o cliente aparece

claramente na proposta da Diagnósticos da América ao pretender ser o fornecedor

preferencial de seus clientes. Está em jogo a redução do número de fornecedores

necessários para diagnosticar uma doença.

As marcas que a DA adquiriu no Rio de Janeiro, Lâmina e Bronstein,

trabalhavam apenas com análises clínicas. Para algumas doenças faz-se também

necessário fazer alguns exames de imagem (ressonância magnética, tomografia,

etc..). A DA está equipando suas unidades com aparelhos que possibilitem

também a realização destes exames. Assim, oferecendo num mesmo lugar a

Page 156: Um estudo de casos sobre a aplicação de

143

possibilidade de realizar tanto exames clínicos como exames de imagem, reduz-se

para o paciente o tempo e o esforço necessários para resolver completamente o

problema de diagnosticar uma doença.

6 Conclusões e Recomendações

Este estudo buscou analisar como os princípios enxutos se aplicam nos

serviços de saúde. Para tanto, foi feita uma revisão de literatura para definir o

conceito lean e levantar quais os princípios que caracterizam a mentalidade

enxuta na gestão das empresas. Procurou-se fazer uma compilação tanto dos

princípios da provisão enxuta como os princípios do consumo enxuto de um bem

ou serviço. Por provisão se entende o conjunto de atividades necessárias para

disponibilizar o bem ou serviço ao cliente e por consumo entende-se o conjunto de

atividades que o consumidor realiza para resolver seu problema.

A revisão de literatura mostrou que o conceito lean é um conceito em

evolução. Sua carga conotativa aumenta progressivamente a ponto de ser usado

não só como adjetivo para qualificar determinado tipo de operação como para

designar uma mentalidade com a qual se encara um processo, uma operação,

uma empresa, uma solução para um problema de consumo. A aplicação do

conceito também tem migrado da produção de bens para a prestação de serviços

nas mais variadas indústrias. Os serviços de saúde podem ser considerados a

próxima fronteira de expansão do conceito.

As poucas referências bibliográficas tratando especificamente da

mentalidade lean nos serviços de saúde e a falta de exemplos específicos da

saúde para ilustrar todos os princípios lean demonstram como o assunto é

incipiente. Referências de estudos no Brasil são ainda mais raras. Neste sentido,

este estudo pretendeu oferecer uma contribuição. Daí o caráter exploratório do

estudo.

Page 157: Um estudo de casos sobre a aplicação de

144

A metodologia de estudo de casos foi considerada a mais adequada dada a

natureza do objeto em estudo: um assunto contemporâneo em que o pesquisador

não tem nenhum controle sobre os eventos e busca responder a uma questão do

tipo “como”. A pergunta central do estudo é: “Como se aplicam os princípios lean

nos serviços de saúde?”. Daí o caráter descritivo do estudo.

Foram escolhidas cinco organizações brasileiras para comporem os casos

do estudo. Nenhum dos casos foi escolhido por ser um exemplo bem sucedido da

aplicação de princípios lean. As próprias pessoas entrevistadas desconheciam o

termo. Portanto, as operações e os processos estudados não são conseqüência

de uma opção explícita e consciente de desenhar as operações baseadas nos

princípios lean. Os casos foram escolhidos por que pessoas com conhecimento

em gestão e em saúde reconheceram a aderência destes princípios nas

organizações estudadas.

A mentalidade lean está voltada para o processo. Em cada caso

selecionado buscou-se analisar um processo diferente. Assim, compõem o estudo

o processo de:

1. atenção integral ao paciente diabético no Projeto do Pé Diabético;

2. diagnóstico e atendimento de Emergência no Hospital Pró-Cardíaco;

3. recepção no Hospital Dr. Badim;

4. suprimentos do Copa D´Or;

5. coleta de exames da Diagnósticos da América.

A seguir serão apresentadas as conclusões do estudo.

6.1 Conclusões

A revisão de literatura comprovou que o estudo sobre a mentalidade enxuta

nos serviços de saúde ainda é muito incipiente. Existem algumas iniciativas que se

propõem aprofundar no tema, mas o assunto ainda é pouco explorado.

Foi encontrada pelo menos uma aplicação prática de cada princípio enxuto.

A aderência dos princípios nos casos estudados reforça a tese de que qualquer

Page 158: Um estudo de casos sobre a aplicação de

145

processo pode incorporar princípios lean (Womack e Jones, 1996 e 2005),

inclusive os processos que compõem os serviços de saúde (IHI, 2005). A

incorporação de princípios lean nas operações de serviços de saúde pode dar

uma importante contribuição para aumentar simultaneamente a qualidade e a

eficiência na prestação do serviço.

A análise dos casos permitiu verificar como os princípios lean se adaptam

às especificidades dos serviços de saúde. Percebeu-se a necessidade de

adaptação de dois princípios em particular: “oferecer exatamente o que o paciente

quer” e “oferecer o que o paciente quer exatamente quando ele quer”.

A razão de ser dos serviços de saúde e o seu fim específico singularizam

este serviço entre os demais. O enfermo é a razão de ser dos serviços de saúde e

a enfermidade é o estado intermediário entre a saúde e a morte (Stork, 1996). O

fim específico dos serviços de saúde é restaurar a saúde do enfermo ou prevenir

sua deterioração. É isto que torna este serviço único. Nestas circunstâncias, o

enfermo encontra-se física e psicologicamente fragilizado e é para uma pessoa

neste estado que os serviços de saúde são desenhados. Assim, “oferecer

exatamente aquilo que o cliente quer” não pode se resumir simplesmente na

disponibilização do produto ou serviço, mas deve incluir também um atendimento

humanizado em que a condição fragilizada do paciente é compreendida e

amparada.

Em relação ao princípio de “oferecer o que o paciente quer exatamente

quando ele quer” percebeu-se que o modelo de financiamento dos serviços de

saúde nos moldes vigentes (onde um terceiro - plano de saúde ou o governo -

paga a conta) impede a adoção de um mecanismo de precificação para balancear

a demanda. Atender o “quando” passa a depender da capacidade da organização

lidar com os picos de demanda.

Para entender o modus operandi de um dos casos, do Hospital Pró-

Cardíaco, foi necessário aprofundar na medicina baseada em evidências (MBE),

um novo paradigma da prática clínica. A análise dos princípios que configuram

esta prática possibilitou estabelecer um forte paralelo entre a medicina baseada

em evidências e a mentalidade lean. Este paralelo pode oferecer um campo

Page 159: Um estudo de casos sobre a aplicação de

146

comum para se promover uma aproximação entre a linguagem médica e a

linguagem da gestão de processos. Este paralelo sugere que a MBE e a

mentalidade lean podem se reforçar mutuamente.

Por um lado, a expansão da mentalidade lean pode ser facilitada nos

serviços de saúde orientados pela MBE. Eventuais resistências da aplicação nos

serviços de saúde de princípios originários da indústria poderão ser vencidas se

vinculadas ao próprio desenvolvimento da prática clínica. Maior envolvimento do

paciente, desenvolvimento de um protocolo que maximize a custo-efetividade,

redução da taxa de erros e aleatoriedade na clínica, aperfeiçoamento contínuo da

prática, educação continuada, gerar experimentos são práticas próprias da

medicina baseada em evidências que servem de substrato para a incorporação de

outros princípios lean.

Por outro lado, a medicina baseada em evidências pode se aproveitar da

mentalidade lean na medida em que esta oferece uma visão de processos, uma

visão de gestão e aperfeiçoamento do processo rigorosa capaz de dar

sustentabilidade às reivindicações da MBE.

As organizações estudadas apresentaram uma forte preocupação pela

excelência nos processos selecionados como objeto do estudo de caso. Dado que

o conceito lean traz em si a busca pela perfeição do processo, foi possível

estabelecer um terreno comum para a análise dos princípios. Um bom critério de

seleção de um processo para começar a aplicar princípios lean é o processo que

se pretenda levar à excelência.

Nenhum dos casos estudados incorporou todos os princípios enxutos, o

que apóia a afirmação de Womack (2004) e Spear (2005) de que ainda não existe

a “Toyota” dos hospitais ou, por extensão, dos serviços de saúde. Isto significa

que há muito espaço para melhora. Mesmo que houvesse uma organização entre

as estudadas que aplicasse todos os princípios, isto não seria suficiente para

considerá-la uma “Toyota” uma vez que existem diversos graus de incorporação

destes princípios. Para surgir uma “Toyota” dos serviços de saúde, é preciso

adotar a mentalidade lean voltada para a geração de valor ao paciente, centrada

no processo, com foco na eliminação sistemática de desperdícios em todos os

Page 160: Um estudo de casos sobre a aplicação de

147

processos num esforço de aperfeiçoamento contínuo. Nenhum dos processos

estudados nas cinco organizações incorpora plenamente esta mentalidade.

Alguns princípios estão mais presentes nos casos estudados que outros.

Dos princípios da provisão enxuta, três aparecem em 4 organizações: reduzir os

trade-offs de desempenho, eliminar as atividades que não agregam valor,

estabelecer fluxo contínuo. Dos princípios do consumo enxuto, o princípio de não

desperdiçar o tempo do paciente foi o mais presente, encontrando-se em 4 das

organizações estudadas. No entanto, embora presente nas diversas organizações,

a adoção de cada princípio difere em grau, motivação, intensidade e extensão na

organização.

Dessa forma, o princípio de não desperdiçar o tempo do paciente, por

exemplo, encontra-se presente no Pró-Cardíaco por tratar de intervenções tempo-

dependentes em que o desperdício de tempo pode ser fatal. Encontra-se também

presente no Hospital Dr. Badim na introdução da pré-internação para acelerar o

processo das cirurgias eletivas em que está em jogo a experiência de consumo do

serviço médico. No primeiro caso, minutos fazem a diferença, no segundo, não.

Este princípio também se encontra no Projeto do Pé Diabético e na

Diagnósticos da América. Ambos levam em conta o tempo do paciente no

desenho de seus processos, contudo, com perspectivas diferentes. Na DA o

resultado do exame tem hora para sair, no projeto do Pé Diabético a perspectiva

de acompanhamento do paciente é de longo prazo. Portanto, não é possível

comparar as organizações entre si. Cada organização pode comparar-se a si

mesma ao longo do tempo e verificar se houve progressos na eliminação do

desperdício do tempo do paciente. O aperfeiçoamento contínuo é sinal da adoção

da mentalidade lean. O mesmo raciocínio vale para os outros princípios.

O princípio de reduzir os trade-offs de desempenho merece especial

menção. O nascimento do pensamento enxuto pode ser considerado como fruto

de uma síntese entre a produção em massa e a produção artesanal, o que

significa que consegue conciliar a eficiência de um, a flexibilidade e a qualidade de

outro. É interessante notar como o dilema entre qualidade e eficiência é

Page 161: Um estudo de casos sobre a aplicação de

148

minimizado nos casos em que este princípio aparece. Cada caso apresenta

determinado aspecto da redução do trade-off de desempenho.

No caso do Projeto do Pé Diabético, a melhor qualidade no atendimento

implica identificar e tratar o quanto antes o que significa menores tempos de

espera, menores complicações e maior eficiência no sistema. No caso do Pró-

Cardíaco, a busca da custo-efetividade no diagnóstico e tratamento está embutido

na sua filosofia de trabalho. No caso do Copa D´Or, através da utilização de

práticas lean nos processos de suprimento, o nível de serviço foi melhorado

juntamente com a eficiência. No caso da Diagnósticos da América, seu modelo de

negócio flexibiliza o atendimento conforme cada público, oferece a mesma

qualidade nos exames a todos os públicos e ao processar os exames de maneira

centralizada garante ganhos de eficiência. Estes exemplos demonstram o

potencial da mentalidade lean na superação dos conflitos entre estes indicadores

de desempenho.

Do ponto de vista das organizações estudadas, pode-se afirmar que cada

caso exemplifica e ilustra de maneira mais plena determinado princípio. O Projeto

do Pé Diabético exemplifica o entendimento do processo de consumo de um

serviço de saúde e como se estruturar para “resolver o problema do paciente

completamente”. O Hospital Dr. Badim demonstra como qualificar o pessoal da

linha de frente aumenta a eficiência do processo também contribuindo para

“resolver o problema do paciente completamente”. O Hospital Pró-Cardíaco com

sua estratégia de sistematização do atendimento ilustra o princípio de “não

desperdiçar o tempo do paciente”. O Hospital Copa D´Or incorpora bem em seu

processo de suprimento o aspecto de disponibilizar o produto, que é parte do

“oferecer ao paciente exatamente o que ele quer”. A Diagnósticos da América ao

oferecer marcas diferentes com um único sistema de reabastecimento, coleta de

exames e processamento de exames exemplifica o “oferecer ao paciente o que

ele quer exatamente onde ele quer”.

No que diz respeito à adoção mais plena do princípio de “não desperdiçar o

tempo do cliente” pode-se afirmar que os serviços de saúde encontram-se numa

situação privilegiada em relação a outras indústrias. Faz parte da realidade dos

Page 162: Um estudo de casos sobre a aplicação de

149

serviços de saúde se deparar com situações em que a solução do problema do

paciente é tempo-dependente, isto é, o fator tempo é crítico para a qualidade de

vida ou mesmo a sobrevivência do paciente (como foi exemplificado no caso do

infarto agudo de miocárdio do Hospital Pró-Cardíaco e na terapia trombolítica do

Hospital Mãe de Deus e no Hospital São Lucas).

O risco da morte pressiona o desenvolvimento de um processo mais

enxuto, exige a eliminação de tempos desnecessários, estimula a criatividade para

encontrar soluções mais eficientes. Esta situação cria na organização um

processo de aprendizagem que pode também ser aplicado em outros processos

que não sejam tempo-dependentes e que não tenham um desfeche fatal, mas que

consomem tempo inútil dos envolvidos. Por que não estruturar todos os processos

nos serviços de saúde como se fossem uma questão de vida ou morte?

No que diz respeito a dados quantitativos, o que se percebe nas

organizações estudadas é o desenvolvimento de uma cultura de medição que

ainda não atingiu sua maturidade. Existe a consciência da necessidade de medir

os resultados dos processos, mas as organizações estudadas ainda se deparam

com questões do tipo o que medir, como medir, que tecnologia usar, como obter a

aprovação orçamentária necessária para contar com pessoas para fazer as

medições. Sem o comprometimento com a obtenção e o acompanhamento

constante de dados quantitativos que refletem o desempenho dos processos é

impossível o aperfeiçoamento contínuo. Quantificar o desperdício de tempo,

dinheiro, movimentos, atividades, re-trabalhos, etc. é condição sine qua non para

implementar plenamente a mentalidade lean.

Todos os entrevistados mostraram interesse e abertura no sentido de

conhecer novas idéias e práticas mais eficientes de gestão. Verificou-se nas

organizações estudadas um real interesse pela melhoria dos processos, o que

torna promissora a possibilidade de aprofundar e expandir a incorporação de

princípios enxutos nestas organizações.

Page 163: Um estudo de casos sobre a aplicação de

150

6.2 Recomendações

Seguem algumas recomendações para futuros estudos nesta linha.

Ao se propor a estudar serviços de saúde, o pesquisador deve deixar claro

que não pretende fazer comparações entre instituições. No âmbito dos serviços de

saúde, percebeu-se uma tal sensibilidade em relação à exposição da organização

a comparações que a pretensão de fazer um estudo comparado pode inviabilizar a

pesquisa.

Uma possibilidade de pesquisa seria fazer um estudo mais aprofundado

numa única instituição. Escolher-se-ia uma instituição de referência para mapear

todos os processos e analisar a aderência dos princípios em cada processo. O

desafio está em entender os diferentes fluxos que os pacientes percorrem no

serviço de saúde e como os outros processos os suportam.

Faz falta uma pesquisa para definir um padrão de processos lean para a

área de saúde. A partir deste padrão seria possível medir o quanto uma

organização se aproxima ou se afasta dos princípios lean.

O processo de consumo de serviços de saúde ainda está por ser explorado.

Um estudo que levantasse todas as atividades que o consumidor precisa realizar

para resolver seu problema de saúde completamente e as possíveis fontes de

frustração em cada etapa contribuiria para um melhor entendimento do processo.

Seria possível enxergar o serviço de saúde através do olhar do consumidor,

indicando os diversos fornecedores com os quais o paciente precisa lidar e

apontando interessantes oportunidades de redução de desperdício.

Outra linha de pesquisa interessante é buscar entender qual a pressão que

mais propícia para a adoção de princípios enxutos: a pressão por redução de

custos ou a pressão por aumentar a qualidade. O pesquisador faria uma

segmentação de mercado posicionando os serviços de saúde nos diversos nichos

para avaliar em que segmento existe maior aderência aos princípios enxutos.

Daqui a alguns anos, seria interessante voltar às mesmas organizações

descritas nesta dissertação para verificar se houve alguma evolução em relação à

Page 164: Um estudo de casos sobre a aplicação de

151

incorporação dos princípios enxutos. Os princípios foram “transplantados” para

outros processos? Houve melhora nos processos estudados?

O princípio “oferecer exatamente aquilo que o paciente quer” merece maior

aprofundamento. Conciliar a promoção de um atendimento humanizado e ao

mesmo tempo eficiente é entender mais uma redução de trade-off de desempenho

no campo da saúde. Trata-se de estudar a possibilidade de humanizar a medicina

com processos eficientes.

Outra síntese interessante para pesquisa seria entre a medicina baseada

em evidências e a mentalidade lean. A questão de como integrar a prática clínica

baseada em evidências com uma gestão lean de processos poderá trazer uma

importante contribuição para uma medicina simultaneamente de qualidade e

eficiente.

Page 165: Um estudo de casos sobre a aplicação de

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