coaching psicológico um estudo de casos

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE PSICOLOGIA COACHING PSICOLÓGICO: UM ESTUDO DE CASOS António Jaime Carvalho Ferreira da Silva MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA (Secção de Psicologia dos Recursos Humanos, do Trabalho e das Organizações) 2012

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Coaching

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA

    COACHING PSICOLGICO: UM ESTUDO DE CASOS

    Antnio Jaime Carvalho Ferreira da Silva

    MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

    (Seco de Psicologia dos Recursos Humanos, do Trabalho e das Organizaes)

    2012

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA

    COACHING PSICOLGICO: UM ESTUDO DE CASOS

    Antnio Jaime Carvalho Ferreira da Silva

    Dissertao orientada pela Professora Doutora Maria Eduarda Duarte

    MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

    (Seco de Psicologia dos Recursos Humanos, do Trabalho e das Organizaes)

    2012

  • Agradecimentos

    Professora Maria Eduarda Duarte, pela forma estimulante, experiente e esclarecida com que me orientou na realizao desta dissertao.

    Ao Professor Samuel Antunes, meu amigo e colega de trabalho desde h muito, pelo apoio incondicional e encorajamento neste projecto.

    Xana, minha mulher, pelo carinho, amor e conselhos sbios, que me motivaram a prosseguir mesmo quando isso no parecia possvel.

    Aos nossos filhos Afonso e Leonor, pelo sentido e estmulo que a sua existncia representa.

    Aos meus pais, pelas condies de base proporcionadas que permitiram tornar-me a pessoa que sou.

    Ana Horta, Frederico Kellen e Joana Duarte, meus colegas da empresa, pelo apoio disponibilizado.

    Aos mestres Taisen Deshimaru e Shunryu Suzuki, pelos ensinamentos zen sobre transitoriedade e impermanncia, essenciais na compreenso do processo de mudana e da sua universalidade.

  • Resumo

    A questo de investigao nuclear procura integrar a anlise da estabilidade das mudanas produzidas e os factores facilitadores e inibidores envolvidos no processo de coaching. A reviso de literatura circunscrita ao tema, bem como a apresentao de dois estudos de caso explicitam a importncia e significado do coaching psicolgico. O Coaching consiste num processo orientado por objectivos, em que o coach trabalha com o coachee/cliente, ajudando-o a identificar e a construir solues possveis que lhe permitam alcanar os objectivos por si delineados (Grant, 2006). Trata-se de uma relao de ajuda, desenvolvida com populao no-clnica e focada em solues e resultados (Grant, 2003). Ao lidar com pessoas no mbito da sua complexidade biopsicossocial, ajudando-as a obter mudanas sustentveis (Palmer, 2010), considera-se o Coaching uma rea da Psicologia, designando-se por Coaching Psicolgico a abordagem que enquadrou este trabalho. Foi baseado em 2 estudos de caso, enquadrados teoricamente por um modelo integrativo de coaching psicolgico, baseado na evidncia e focado em solues (Green & Grant, 2003; Skiffington & Zeus, 2003), ancorado na teoria de auto-determinao de Deci & Ryan (2000) e em modelos humanista, cognitivo-comportamental, motivacional e psicocorporal. Os dados recolhidos 12 -18 meses depois da finalizao do processo de coaching (follow-up), apontam como triggers da mudana, a motivao, a obteno de pequenas mudanas iniciais (quick-wins) e a prtica de exerccio fsico. A qualidade da relao de coaching e as competncias intra e interpessoais do coach parecem ser um pilar essencial do processo bem como a possibilidade de abordagem de emoes e sentimentos difceis, pela assumpo prvia de um compromisso de confidencialidade. O prazer, o humor e o divertimento parecem funcionar como estimuladores da curiosidade e motivadores da aco, alavancando a sada da zona de conforto. Ferramentas de coaching como a metfora parecem funcionar como facilitadores da compreenso por parte do coachee, e orientadora da aco. As caractersticas do local das sesses parece aportar, igualmente, uma funcionalidade facilitadora ao processo. Este trabalho abre caminho ao aprofundamento destas questes atravs de uma maior diversificao de casos estudados, apontando vrias linhas de investigao a desenvolver, futuramente.

    Palavras-chave: Coaching Psicolgico, Coach, Coachee, Autoconhecimento, Desenvolvimento, Self-management, Mudana.

  • Abstract

    The nuclear research matter intends to integrate the analysis of the stability of the changes made and the facilitating and inhibiting factors involved in coaching. The literature review related to this thematic, as well as the presentation of two case studies clearly demonstrate the importance and significance of coaching psychology. Coaching is described as a goal oriented process, where the coach works with his coachee/client, helping him or her to identify and create possible solutions which allow them to achieve the objectives they outlined for themselves (Grant, 2006). Its a relationship based on cooperation and developed with the non-clinical population and focused on solutions and results (Grant, 2003). By dealing with people within their biopshycosocial complexity, helping them to obtain sustainable changes (Palmer, 2010), Coaching is considered a Psychology subject, designated Coaching Psychology the approach that framed this paperwork. This, was based on two case studies, framed by a theoretically integrative model of coaching psychology, evidence-based and focused on solutions (Green & Grant, 2003; Skiffington & Zeus, 2003), grounded in the theory of self-determination of Deci & Ryan (2000) and humanistic, cognitive, behavioural, and motivational and mind-body models. Data collected 12 -18 months after the completion of the coaching process (follow-up), indicate as triggers of change, motivation, obtaining small initial changes (quick-wins) and physical exercise. The quality of the coaching relationship and the coachs intra and interpersonal competences seem to be a key element of the process as well as the possibility to approach emotions and tough feelings, by the assumption of a prior confidentiality commitment. Pleasure, humour and having fun seem to work as enhancers of curiosity and action stimulators, leveraging the output from the comfort zone. Coaching tools as metaphor seem to be perceived as understanding facilitators and action oriented by the coachee. The characteristics of the location of the sessions seem to also anchor a feature facilitating the process. This paperwork leaves the way for further development of these issues through greater diversification of cases studied, aiming several lines of investigation that can be developed in the future.

    Keywords: Coaching Psychology, Coach, Coachee, Self-knowledge, Development, Self-management, change.

  • ndice Introduo ..................................................................................................................... 1 1.Coaching: enquadramento terico ............................................................................. 4 2.Metodologia ............................................................................................................. 16

    2.1.Instrumentos utilizados ...................................................................................... 16 2.1.1. MBTI .......................................................................................................... 16 2.1.2. Questionrio de follow-up .......................................................................... 17

    2.2. Participantes .................................................................................................... 18 3.Estudo de casos ...................................................................................................... 19

    3.1.Caso I ................................................................................................................ 19 3.2.Caso II ............................................................................................................... 31

    4. Discusso ............................................................................................................... 42 Referncias Bibliogrficas .......................................................................................... 46

  • Coaching Psicolgico: Um Estudo de Casos

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    Introduo

    Iniciei a minha carreira profissional em 1985 e, desde ento, tenho desenvolvido a minha actividade em 2 reas, a das Organizaes e, cumulativamente, desde 1996, a da Psicoterapia. Para efeitos do presente trabalho, focar-me-ei na rea das Organizaes onde tenho desenvolvido diferentes tipos de intervenes, como Consultor e Coach de Executivos e de equipas de Management. Como Psiclogo, considero-me um estudioso do comportamento humano nas vertentes intrapessoal, interpessoal e organizacional, com a misso de produzir conhecimento partilhvel que permita aos indivduos, equipas e organizaes, a obteno de nveis mais elevados de sucesso e bem-estar1. Como Consultor, tenho intervindo nos domnios da Formao e Treino de Competncias, Recrutamento e Seleco, Coaching, Assessment, Estudos e Projectos2 tendo trabalhado com a generalidade dos sectores de actividade3, abrangendo desde quadros tcnicos e chefias intermdias, a directores e administradores de empresas. Adicionalmente e desde 1998, assumi funes de gesto geral4 que me possibilitaram uma viso global e integrada da actividade econmica, das suas exigncias e respectivo impacto nos indivduos e equipas. A questo da mudana sustentvel de comportamentos, capaz de aportar aos indivduos, nveis superiores de bem-estar e eficcia na interaco consigo prprios e com os outros, tem sido o fio condutor da minha actividade ao longo do tempo. Desde 1985, tenho podido acompanhar a transformao das expectativas dos decisores empresariais, relativamente aos factores-chave, potencialmente, geradores de mudana5 nos indivduos, capazes de garantir a sustentabilidade e o desenvolvimento dos negcios e das empresas. Se no incio, subjazia a crena de que a formao tradicional6 asseguraria a replicao de saberes e a sua aplicao efectiva

    1 admitindo uma ampla gama de significados possveis para ambos os constructos.

    2 p.e. clima organizacional, avaliao de desempenho, satisfao com as condies laborais.

    3 Banca, Farmacutico, Comrcio e Servios, Indstria.

    4 Director Geral da Associao Nacional das Farmcias (1998-2001) e Managing Partner da Think People (desde

    2002). 5 Atitudes, crenas e comportamentos.

    6 O professor/formador transmite o conhecimento aos alunos/formandos, esperando, dessa forma, a replicao desse

    saber.

  • Coaching Psicolgico: Um Estudo de Casos

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    nas situaes prticas que o solicitassem, a evidncia da realidade no o tem demonstrado. De facto e tal como referem Amaral e Pedro (2004), a informao, ao surgir como uma contextualizao de valor dos dados, exigir do indivduo, dar relevo ao que importante, i.e., filtrar de acordo com o valor acrescentado potencial a partir do contexto que o rodeie. Ora a informao veiculada na formao tradicional no pode assegurar, per se, a sua transformao em conhecimento por parte do receptor (formando) dado exigir deste, envolvimento, inteno e aco7. O alcance limitado da formao tradicional na produo de mudanas comportamentais (e das atitudes e crenas que lhes do suporte), abriu espao para outros modelos de interveno com maior componente experiencial e de monitorizao dos adquiridos, de que o Coaching , porventura, o expoente mximo actual. O meu interesse pelo Coaching comeou a consolidar-se a partir de 2001, fruto deste tipo de evidncias e de solicitaes crescentes para ajudar executivos a pr em prtica mudanas que, racionalmente, entendiam necessrias sem que, tal consciencializao bastasse para as efectivarem. Em 2003 filiei-me na ICF International Coach Federation, a mais representativa associao de coaches ao nvel mundial, congregando mais de 18 000 profissionais (Survey ICF, 2011) e recebi, deste ento, formao acreditada pela ICF em duas escolas de referncia, o CTI The Coaches Training Institute e o CRR Center for Right Relationship, desenvolvendo, consequentemente, intensa actividade neste domnio8. Os mltiplos contactos internacionais que fui estabelecendo ao longo desta dcada, revelaram-me um mosaico diversificado de concepes de Coaching, assegurado por uma comunidade de coaches de provenincias acadmicas e profissionais muito distintas, desde donas de casa reconvertidas em life coaches a livre-pensadores, advogados, engenheiros, executivos, consultores e professores universitrios, entre outros.

    Na linha de autores como Grant (2003), Palmer e Whybrow (2010), considero o Coaching uma relao de ajuda focada em objectivos de desenvolvimento profissional e pessoal dos clientes/coachees. Ao lidar com pessoas no mbito da sua complexidade biopsicossocial, ajudando-as a obter mudanas sustentadas9, o Coaching , de facto, uma rea da Psicologia pelo que vejo, com estranheza, tantos

    7 Citando Nonaka e Takeuchi (1995) para quem conhecimento, contrariamente, informao, refere-se a aco.

    sempre conhecimento com um objectivo. 8 Contabilizando mais de 800 horas de coaching individual e de equipas no final do 1 trimestre de 2012.

    9 Flexibilizando e reformulando atitudes e pensamentos, tomando conscincia da ressonncia emocional produzida e

    decidindo que aces efectuar.

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    no-psiclogos a exercerem esta profisso, aplicando tcnicas psicolgicas10 com fraco enquadramento terico das mesmas. Apesar de existirem bons coaches que no so psiclogos e psiclogos que no renem as condies necessrias para se tornarem coaches, acredito que coaches com formao em Psicologia estaro melhor munidos, conceptual e instrumentalmente, para a prestao de servios de Coaching. A criao da Ps-Graduao em Coaching Psicolgico na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, de que sou co-coordenador, conjuntamente com os Professores Maria Eduarda Duarte e Samuel Antunes, foi uma decorrncia da reflexo feita sobre esta matria. A afirmao profissional dos Psiclogos foi uma causa que sempre defendi ao longo destes 27 anos de carreira. Fui Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APOP Associao Pr-Ordem dos Psiclogos e aps a constituio da Ordem dos Psiclogos Portugueses (OPP) em 2010, Presidente do Conselho Fiscal, cargo que mantenho, actualmente. Possuindo uma licenciatura em Psicologia anterior ao modelo de Bolonha e mais de 5 anos de experincia profissional relevante, propus-me, com este trabalho, reflectir sobre o processo de coaching psicolgico, incidindo sobre a natureza do processo, as suas implicaes para a mudana individual e para a estabilidade, a prazo, das mudanas conseguidas. Esta reflexo permitir, tambm, levantar hipteses sobre os factores potencialmente facilitadores e inibidores da mudana. O trabalho est organizado em 4 captulos. O primeiro captulo faz o enquadramento terico do tema, abordando os antecedentes histricos, os modelos que fundamentam a interveno, terminando com a apresentao dos objectivos da investigao. No segundo captulo, apresentada a metodologia e os instrumentos utilizados. O terceiro captulo apresenta os casos, quer ao nvel das necessidades que conduziram ao processo, ferramentas e tcnicas de interveno e resultados do estudo de follow-up. No quarto captulo, faz-se uma reflexo sobre os resultados obtidos, abrindo caminho a novas questes de investigao.

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    p.e. empatia, reformulao, etc..

  • Coaching Psicolgico: Um Estudo de Casos

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    1.Coaching: enquadramento terico

    Esta dissertao est enquadrada por um modelo integrativo de Coaching psicolgico, baseado na evidncia e focado em solues (Green & Grant, 2003; Skiffington & Zeus, 2003), ancorado na teoria de auto-determinao de Deci e Ryan (2000) e em modelos e abordagens psicolgicas11. Encontrar resposta para as questes essenciais da existncia, tem sido uma constante da espcie humana ao longo dos tempos. Nessa demanda, existe um consenso alargado sobre a salincia da trilogia:

    Quem sou eu? At onde poderei ir? Qual o sentido de tudo isto? (universo, vida, morte, carreira, etc)

    A procura de respostas a estas questes basilares tem assumido muitos formatos e variaes, materializveis numa infinidade de escolas de pensamento, secular e religioso. A paideia dos gregos como processo de educao e de aperfeioamento pessoal, inscrita nos prticos do Orculo de Delfos12 ou a mxima romana de Mens sana in corpore sano13 tornaram-se aforismos populares, fornecendo uma orientao para a procura de autoconhecimento, equilbrio e superao de limites, caractersticos do ser humano. Sobre as origens do Coaching, h autores que referem Scrates (469 a.c.-399 a.c.), o filsofo ateniense, como precursor da estrutura desta prtica, dadas as similitudes com o mtodo por si criado da maiutica que, ao invs de dizer o que deveria ser feito, estimulava a reflexo de quem o ouvia, propondo temas e instigando ideias com perguntas que levassem descoberta de respostas com significado para esses seguidores (Chiavenato, 2002; Rego et. al., 2004). Como em qualquer outro movimento humano, poderemos ter neste pensador da antiguidade, um pater familiae desta actividade e profisso! Etimologicamente, Coaching parece provir de kcsi, termo hngaro que designa uma carruagem de 4 rodas, com suspenso feita de molas de ao, puxada por cavalos, que ter sido desenvolvida na cidade hngara de Kcs, no sc. XV (Correia & Santos, 2011). A expresso internacionalizou-se e, no sc. XVI no Reino Unido, coach passou

    11

    humanista, cognitivo-comportamental, motivacional, psicocorporal. 12

    homem, conhece-te a ti mesmo e conhecers os deuses e o universo. 13

    Mente s em corpo so; expresso latina atribuda ao poeta e retrico romano Decimus Iunius Iuvenalis (n.55-60 m.127) autor das Stiras.

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    a designar o acto de transportar pessoas e objectos. J no sc. XIX, coach passou a designar quem ajudava os estudantes a prepararem-se para os exames. Ascama (2004) refere o alargamento da utilizao da designao coach na vertente desportiva, a partir da gria estudantil utilizada nas universidades, sendo essa porventura, a utilizao mais frequente na actualidade, dada a salincia assumida pelo desporto como fenmeno meditico. A sua (quase) omnipresena na comunicao social poder dar uma imagem errada do papel e funo do coach num processo de Coaching, dado ser frequente vermos coaches (treinadores desportivos) indicando aos seus atletas aquilo que devero fazer (em campo) e, muitas vezes, atravs de gestos e gritos expressivos, precisamente o que um coach (no-desportivo) nunca dever fazer! O artigo de C. Gorby Everyone gets a share of the profits, publicado em 1937 na Factory Management & Maintenance (Grant, 2003), designa como Coaching, o apoio mtuo e partilha de conhecimento entre os trabalhadores, iniciativas promotoras da produtividade e que deveriam, segundo este autor, ser integradas na filosofia de trabalho das Organizaes. Tratava-se de uma poca em que este tipo de pensamento e aco divergia do que era mainstream, em que as pessoas tendiam a ser vistas como commodities na senda das concepes de F. Taylor (1911, cit. por Sherman & Freas, 2004), que previa para o futuro, o predomnio do(s) sistema(s) sobre os indivduos. Se no sc. XIX, a grande questo andou em torno de como gerir o factor humano, com o advento da industrializao, no sc. XX, a reflexo centrou-se na distribuio da riqueza, tornada possvel pela produo em massa, sobretudo aps a 2 Guerra Mundial (Ridderstrale & Nordstrom, 2005, 2006). sobretudo a partir dos anos 80 do sc. passado, que o Coaching conhece a sua carta de alforria em relao vertente desportiva, assumindo-se como processo de desenvolvimento profissional (e pessoal), direccionado para ajudar os executivos (inicialmente, no mercado norte-americano) a aperfeioarem as suas competncias de liderana e gesto de pessoas e corporaes (Berton, 2004; Chiavenato, 2002; Gallwey, 2003). Foi uma dcada marcada pela consolidao do Management como rea nobre da actividade humana, ligando as melhores universidades e a investigao a realizada actividade das corporaes e empresas. Peters e Waterman (1982), aps uma investigao exaustiva de vrios anos sobre empresas norte-americanas de referncia, identificaram 8 princpios de excelncia que mantm, ainda hoje, plena actualidade, sendo muito solicitados no Coaching de equipas de management: 1. Tendncia para a aco.

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    2. Permanecer junto ao cliente. 3. Autonomia e empreendedorismo. 4. Produtividade pelo envolvimento das pessoas. 5. Envolvimento dos executivos no negcio com foco na produo de valor. 6. Foco no que a Companhia sabe fazer melhor. 7. Estrutura hierrquica simplificada e magra. 8. Dedicao aos valores da Companhia e tolerncia para com quem os segue e

    aplica.

    A dcada de 80, marcada de incio, por um crescimento assinalvel da economia mundial, foi pautada, igualmente, pelos excessos habituais dos perodos expansionistas. A necessidade massiva de executivos para funes de top e middle management confrontou-se com a escassez de oferta que trouxe, consequentemente, desequilbrios vrios - inflao salarial, ascenso vertiginosa na estrutura hierrquica das corporaes de jovens executivos ambiciosos mas imaturos, lderes mal preparados para as exigncias dos cargos. Assistiu-se ao aparecimento de uma nova identidade social, a yuppie14 generation, imortalizada na literatura e no cinema15, geradora de dinmicas sociais tanto estimulantes (juventude no limits) como fracturantes (erros no limits) com impacto sistmico. Em 19 de Outubro de 1987, acontece a black Monday, com o crash das principais bolsas mundiais e uma tomada de conscincia de que as coisas tinham ido longe de mais em matria de empoderamento de executivos mal-preparados, carentes do saber-de-experincia-feito, que tantas vezes, ao longo da Histria, temperou com sabedoria a impetuosidade dos jovens tigres. A crise econmica que se seguiu, lanou no desemprego muitos executivos que, ao repensarem as suas carreiras, encontraram na consultoria organizacional um novo palco onde aplicar o seu capital conhecimento. A constatao da impreparao de muitos lderes empresariais criou um mercado apetecvel para que muitos destes executivos tornados consultores, focassem a sua actividade no Coaching dos seus pares. Tratava-se afinal de uma rea profissional que conheciam e em que havia enormes necessidades de desenvolvimento de competncias de liderana e gesto. E desse modo, a actividade de Coaching comeou a ganhar expresso e dimenso, alavancada por consultores, managers e executivos de empresa reconvertidos em coaches. Nos anos 90 do sculo passado, o Coaching conhece um assinalvel

    14

    Yuppie young urban professional (jovem profissional, executivo, habitante das grandes metrpoles fazedoras de tendncias de moda). 15

    Referncias icnicas dessa poca e dos seus excessos, foram o filme Wall Street realizado por Oliver Stone (1987), o livro de Tom Wolfe The Bonfire of the Vanities (1988) e, numa perspectiva literria dark version, American Psycho, de Breat Easton Elis (1991), posteriormente, transposto para o cinema.

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    desenvolvimento nos EUA, gerador de sinergias para os demais pases de lngua inglesa e, progressivamente, para o resto do mundo. A procura crescente de servios de Coaching facilitou o predomnio de programas de formao com uma vertente comercial preponderante, com fraco enquadramento terico das tcnicas e ferramentas utilizadas16. Um pouco semelhana do que aconteceu nos anos 60 e 70 com o Movimento do Potencial Humano, um melting pot ontolgico, demasiado aberto, carecendo de rigor e enquadramento cientfico (Palmer & Whybrow, 2010). Este movimento expansionista do Coaching contribuiu para o tornar mainstream no sem os problemas associados falta de regulao e credenciao da actividade (ibidem). Em 1995, criada a ICF International Coach Federation, que vem a tornar-se uma das organizaes de referncia mundial, com mais de 18 000 membros em todo o mundo, intervindo em diferentes domnios de aplicao desde o executivo ao life Coaching. Num estudo desenvolvido por Grant e Zackon (2004, cit. por Palmer & Whybrow, 2010) envolvendo 2 529 coaches profissionais sob a gide da ICF International Coach Federation, apenas 4,8% desta amostra tinha formao em Psicologia. Em Portugal, um estudo exploratrio realizado por Barosa-Pereira (2007) com 33 coaches, evidenciou, igualmente, uma grande profuso de reas de formao acadmica17, sendo todavia maioritria, a Psicologia (41% dos inquiridos). neste panorama de grande ecletismo e diversidade relativamente formao acadmica dos coaches que importa situar os Psiclogos e o contributo que podero dar ao desenvolvimento das teorias e prticas do Coaching. Como referem Palmer e Whybrow (2010), o Coaching surge ainda, mais como uma indstria do que como uma profisso, o que tem aberto espao para muitas propostas de formao e interveno, pouco fundamentadas18, teoricamente, e de alcance duvidoso do ponto de vista dos resultados prticos obtidos pelos clientes/coachees. Esta dinmica de afirmao do Coaching, alm de trazer diversidade e riqueza de perspectivas, voltou a colocar o cerne da questo na formao e certificao de coaches, assente em critrios cientficos e na evidncia de resultados. Segundo este autor, os Psiclogos no souberam enquadrar, devidamente, o Coaching como uma das suas reas de interveno, criando condies favorveis para que esse espao se tornasse uma no mans land profissional. Todavia, ao existir um claro consenso de que a Psicologia, como cincia do comportamento, fornece aos 16

    One size fits all (Palmer & Whybrow, 2010). 17

    Psicologia, Cincias da Educao, Comunicao, Economia, Contabilidade, Educao Fsica, Engenharia, Gesto de Empresas e Histria. 18

    com maior salincia no domnio do life coaching, onde as exigncias de resultados concretos so, tendencialmente, menos escrutinadas do que no executive coaching.

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    seus profissionais, qualificaes e treino exigentes, enquadrado por um cdigo de tica e uma deontologia rigorosos, os Psiclogos tm uma oportunidade de divulgar as suas competncias para o Coaching, fornecendo outras perspectivas possveis da sua interveno junto da populao no-clnica. Um dado no despiciendo, citado por Palmer e Whybrow (2010) prende-se com o nmero significativo de pessoas que procuram atravs do Coaching (em vez da Psicoterapia), solues para os seus problemas psicolgicos, dada a maior aceitao social daquele. Numa investigao mais abrangente (Cavanagh, et. al., 2005), cerca de 20% da populao em geral, ter nalgum momento da vida, problemas de sade mental; 10% a 15% da populao sofrer de alguma forma de desordem de personalidade, o que constitui de per se, um forte argumento em prol da existncia de coaches certificados com formao acadmica em Psicologia, melhor preparados para separar o que clnico do que no . No sc. XXI, as questes sociais emergentes tm vindo a assumir contornos humanistas19, dado o incremento de complexas assimetrias promotoras de desigualdade, na produo e distribuio dos recursos, no acesso ao conhecimento, ao mercado de trabalho e ao emprego, na demografia e na sustentabilidade do contrato intergeracional que enquadra as polticas e sistemas sociais das naes. Num mundo multicntrico, ligado em redes, individualista e tribalizado por muitos ismos, as questes ligadas ao saber-ser e saber-estar reassumiram a relevncia perdida nos anos de boom econmico e consumismo desenfreado (Ridderstrale & Nordstrom, 2005, 2006). Para um nmero crescente de indivduos, nomeadamente, executivos de empresas, a procura de caminhos que faam, realmente, sentido, luz de valores e perspectivas pessoais, tornou-se um leitmotiv essencial. Num mundo em mudana acelerada, eivado de incerteza e volatilidade, copiar as boas prticas dos outros j no chega para se atingir o topo, sobretudo quando a prpria noo de topo assume inmeras declinaes possveis (ibidem). Para Drucker (2000, 2005), o alargamento da esperana de vida nas sociedades mais desenvolvidas veio colocar novos desafios, nomeadamente, o da extenso do tempo de vida til e, com isso, a necessidade da generalidade das pessoas20 terem de aprender a gerir-se a si mesmas. Na linha deste pensamento, o conceito de life-design explorado em trabalhos recentes (e.g. Duarte, 2010) reafirma a importncia do indivduo assumir o protagonismo na construo do seu percurso de vida, nas suas vrias dimenses, vendo-o como uma long term journey. 19

    ligados problemtica do ser e do estar. 20

    Especialmente, os trabalhadores do conhecimento, conceito cunhado por si em 1959, definindo quem desenvolve e usa o conhecimento como principal ferramenta de trabalho.

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    Ainda segundo Drucker (2000, 2005), nas sociedades desenvolvidas, a maioria dos indivduos ter, em mdia, uma vida activa mais longa do que o tempo mdio de vida da generalidade das empresas21, pelo que o conceito gesto de si-prprio responsabilizador destes na construo do seu prprio devir que, por inerncia, ter graus mais elevados de incerteza e possibilidade.

    Para Drucker (2000), emergem questes pertinentes que devero ser processadas pelos trabalhadores do conhecimento, maioritrios nas economias desenvolvidas:

    Quem sou eu? Quais so os meus pontos fortes? Como trabalho? Como aprendo? Quais so os meus valores? Qual o meu lugar? Qual o meu contributo? Que tipo de responsabilidade assumo nos meus relacionamentos? Como desejo que seja a 2 metade da minha carreira?

    Drucker (2000) salienta a importncia do feedback como ferramenta essencial de anlise destas questes, dado permitir aos indivduos, estabelecerem pontes entre expectativas/objectivos e resultados, obtendo as respostas necessrias para uma gesto mais eficaz de si prprios. Como consultor, investigador e acadmico no domnio do management22, a valorizao que faz do feedback reportava-se ao quotidiano das organizaes mas as suas recomendaes so, igualmente, transferveis para o contexto do Coaching, dada a relevncia desta ferramenta na monitorizao dos adquiridos23 por parte dos coachees. Numa linha de pensamento anloga, Peters (1997) refere a necessidade de cada indivduo como agente econmico de um mundo em mudana, gerir-se a si prprio como uma marca24, alertando para as mltiplas declinaes que as carreiras profissionais estariam a assumir25, distanciando-se da matriz tradicional da escada, ascendente e previsvel26, com degraus previamente estabelecidos e conhecidos. Para Peters (1997), h questes essenciais a ter em conta e que devero nortear o tipo de trabalho, projecto ou oportunidade em que investir:

    Em primeiro lugar, a necessidade de reinveno peridica das intenes dos indivduos sobre as suas carreiras (viso, misso, objectivos, estratgia, valores).

    21

    Drucker estimou em 50 anos, o tempo de vida activa dos trabalhadores do conhecimento e em 30 anos, a esperana mdia de vida de um negcio com sucesso, sem alteraes estruturais significativas (p.e. fuses, aquisies). 22

    Conceito cunhado por si na dcada de 50 do sc. XX. 23

    Antes, durante e aps a concluso de um programa de coaching. 24

    Peters cunhou a expresso tornar-se CEO (Chief Executive Officer) de ME Inc.. 25

    Trabalho por conta de outrm, por conta prpria, descontinuidades (p.e. desemprego, pausa sabtica), projectos temporrios, mudana de negcio, funes com chefia, sem chefia, etc. 26

    Como foi usual na generalidade dos contextos profissionais durante dcadas.

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    10

    Identificao dos factores motivacionais ligados actividade profissional. Definio do significado pessoal de sucesso.

    Este autor defende ainda que este tipo de questionamento dever ser feito, periodicamente, como forma dos indivduos obterem feedback directo sobre o grau de alinhamento entre aquilo que fazem e aquilo em que acreditam e, sobre isso, tomarem decises mais conscientes. A reflexo e o questionamento de Drucker (2000, 2005) e de Peters (1997), formulados no contexto mais geral das organizaes, apontam com grande clareza, o que dever ser feito pelos executivos, de forma a assegurarem uma gesto mais eficaz de si-prprios e, consequentemente, do seu prprio devir. Mais recentemente, Duarte (2011), reitera este desiderato ao afirmar a necessidade de, no sculo XXI, a psicologia das organizaes dar uma maior importncia ao desenvolvimento de competncias individuais e aquisio de novas aprendizagens, trazendo o estudo de outras dimenses psicolgicas, como a qualidade de vida em funo dos contextos socioculturais em que se vive, para a psicologia da construo da vida. Estes contributos so uma importante mais-valia para o Coaching de executivos, dado o profundo conhecimento destes autores sobre os desafios e exigncias colocados a estes profissionais. Para alm destes autores, as investigaes de Senge (2006) sobre as Organizaes Auto-aprendentes/Learning organisations, de Cunha, Cunha e Rego (2007) sobre as Organizaes Positivas, de Martins e Lopes (2012) sobre a importncia estratgica do capital intelectual como activo intangvel das Organizaes, de Collins (2007) sobre a identificao de variveis conducentes excelncia empresarial e de Penn e Zalesne (2008) sobre as tendncias transformacionais do mundo em que vivemos, fornecem uma matriz de compreenso da complexidade organizacional e das dinmicas que criam o pano de fundo das sociedades onde decorre o jogo econmico de que todos somos, de uma forma ou de outra, parte integrante. consensual nestes autores, que o desenvolvimento profissional e pessoal dos executivos deva traduzir-se em mudanas que aportem valor s Organizaes, na dupla vertente dos resultados e do bem-estar de todos os stakeholders27 e que, isso reverta em benefcio para a sociedade em geral. A partilha de um quadro de referncia deste tipo entre coach e coachee, permitir o mapeamento e a compreenso das dinmicas e exigncias que a montante e a jusante, influenciam a actividade dos indivduos, articulando dessa forma, o processo de Coaching e as razes que o justificam com estas variveis macro.

    27

    Refere-se s partes interessadas e envolvidas na Organizao, directa e indirectamente (accionistas, lderes, colaboradores, fornecedores, clientes e a comunidade em geral).

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    Para isso, o coachee dever assumir, progressivamente, um controlo mais consciente da sua vida e dos recursos internos e externos de que dispe. Com a ajuda do coach, dever sair da zona de conforto, abrindo-se, gradualmente, mudana e experimentao, processando o feedback recebido, prosseguindo o re-mapeamento da sua realidade e agindo sobre ela. Faz-lo de forma auto-dirigida implicar o aprofundamento do conhecimento de si-prprio num processo com 3 fases - auto-avaliao (self-assessment), consciencializao (self-awareness) e gesto de si-prprio (self-management). Na realizao dos processos de Coaching aqui reportados, o conceito de desenvolvimento foi entendido no como uma progresso linear mas antes um processo fluido, em movimento, com remoinhos, correntes, espirais e ondas e, ao que parece, um nmero quase infinito de mltiplas modalidades (Wilber, 2005). Foi ainda considerado, tal como refere Gardner (1981) sobre o desenvolvimento humano, que o mesmo pressupe a diminuio do narcisismo/centrao sobre si prprio e a tomada (progressiva) de conscincia de uma realidade mais vasta28 com a qual o indivduo mantm uma relao de interdependncia e sobre a qual se reflectiro as suas decises. No modelo integrativo de coaching psicolgico que enquadra a presente dissertao, o indivduo/coachee percebido como naturalmente criativo, pleno de recursos e completo (Whitworth, et. al., 2007), vivendo num contexto civilizacional, assente na globalizao, na incerteza e na mudana, que o solicitam a uma gesto mais consciente e auto-dirigida do prprio devir. De acordo com Deci e Ryan (2000), os seres humanos perseguem, activamente, metas de desenvolvimento que se traduzam num sentido unificado de si-mesmos (self) e na possibilidade de interaco com estruturas sociais mais latas. Segundo estes autores, indissocivel da natureza humana, o envolvimento em actividades percebidas como interessantes, que permitam a satisfao de 3 tipos de necessidades psicolgicas inatas de competncia, autonomia e conexo relacional. A privao ou a insuficincia na satisfao destas necessidades trar consequncias na vitalidade e sade mental dos indivduos. Das inmeras definies existentes de Coaching, optou-se pela de Grant (2006) que o define como um processo orientado por objectivos em que o coach trabalha com o coachee, ajudando-o a identificar e a construir solues possveis que lhe permitam alcanar os objectivos delineados. Tal como definido por Grant (2003), o facto de se tratar de uma relao de ajuda, desenvolvida com populao no-clnica e focada em solues e resultados, foi, igualmente, includo na definio de Coaching adoptada. 28

    Pessoas, interesses,valores, consequncias imediatas e mediatas, etc.

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    Este modelo integrativo de Coaching psicolgico tem uma base humanista, assente nos trabalhos de autores como Maslow (1970), Rogers (1980) e Goleman, et al. (2002), defendendo que os indivduos tm uma tendncia natural para o desenvolvimento visando um funcionamento optimizado e que as emoes tm uma influncia efectiva na actividade econmica e na liderana de pessoas e equipas, sendo parte integrante fundamental de qualquer processo de desenvolvimento profissional e pessoal. Aplicado ao contexto do Coaching, o coach dever aceitar, incondicionalmente, o coachee nas suas caractersticas e idiossincrasias, interagindo com ele de forma autntica, emptica, genuna e congruente, potenciando assim a plena mobilizao dos seus recursos. Uma viso holstica do outro, sem clivagens mente-corpo (Grant, 2006), facilitar o estado de mindfulness29 (Passmore & Marianetti, 2007) e de flow30 (Csikszentmihalyi, 1990), permitindo ao coach danar com o coachee, momento a momento, mobilizando a sua intuio31 e criatividade, para abordar qualquer assunto, mudar de tpico e lidar, harmoniosamente, com eventuais dificuldades ou bloqueios (Whitworth et. al., 2007). Nesta perspectiva, no haver duas formas iguais de abordar e gerir uma relao de Coaching; o que funciona bem num processo, poder no funcionar de forma idntica, noutro.

    Em matria de escolha e responsabilidade, a agenda do processo de Coaching trazida pelo coachee (Whitworth, et. al., 2007) as escolhas a fazer e os planos de aco a executar entre sesses, so igualmente escolhidos e validados por si, assim como os critrios de avaliao dos resultados. A definio dos objectivos segue os princpios formulados por Locke e Lathan32 (2002). Dessa forma, o coachee assegurar o controlo do seu processo de auto-realizao/self-actualisation, conceito-chave essencial dos modelos humanistas. O desenvolvimento da aco e a obteno de solues segue uma matriz cognitivo-comportamental, com nfase no conceito de auto-eficcia (Bandura, 1982, 1997) utilizando um mix dos modelos ABCDE de Albert Ellis, (remasterizado em ABCDEF por Palmer (2002)) e PRACTICE (Palmer, 2007). 29

    Com razes nas prticas budistas de meditao, mindfulness no contexto do coaching, envolve a ateno consciente do coach, a sua capacidade de focar a ateno no aqui e agora, de uma forma emptica e neutra (sem julgamento), sentindo as emoes em presena (suas e do coachee), sem se deixar dominar por elas. 30

    Flow refere-se ao estado mental de total absoro na actividade que est a fazer, retirando um profundo prazer da actividade em si. Segundo Csikszentmihaly (1990), os indivduos experienciam o estado de flow quando as exigncias da actividade esto em perfeita sintonia com as suas competncias. 31

    Damsio (2010) define-a como um processo de raciocnio no-consciente na mente subterrnea, que produz resultados sem que os passos intervenientes sejam conhecidos. 32

    Objectivos SMART (specific, measurable, attainable, relevant, timely especficos, mensurveis, atingveis, realistas e situados no tempo).

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    No decurso do processo de Coaching so usadas de forma combinada, tcnicas cognitivas, comportamentais, imagticas e de resoluo de problemas, visando a concretizao de objectivos SMART por parte dos coachees (Locke e Lathan, 2002). O modelo ABC33 de Ellis fornece aos coachees um racional das interaces existentes entre A (o acontecimento desencadeador), B (os pensamentos gerados pelo coachee a esse respeito) e C (as consequncias emocionais, fisiolgicas e comportamentais). Este racional complementado por D (o confronto entre as cognies iniciais do coachee a respeito de A e a reformulao por si feita, na decorrncia das perguntas relevantes colocadas pelo coach), E (uma nova atitude para lidar com A, assente em pensamentos mais realistas e focados na obteno do resultado pretendido) e F (foco em objectivos profissionais e pessoais futuros, que podero beneficiar da aprendizagens verificadas com o processo de Coaching). A componente prtica do Coaching, centrada em ajudar o coachee a encontrar as solues para os problemas por si colocados, sem aprofundar demasiado as variveis psicolgicas em jogo, encontra aplicabilidade no modelo PRACTICE que est estruturado em 8 etapas:

    Perguntas do coach (exemplos)

    P Identificao do problema Qual o problema/necessidade? O que pretende mudar?

    R Definio de objectivos realistas34 Quais so as metas a atingir?

    A Solues alternativas Que outras opes existem?

    C Consequncias possveis O que poder acontecer? Como avalia isso?35

    T Meta ou alvo mais exequvel Qual a soluo mais vivel?

    I Implementao da soluo escolhida

    C - idem

    E Avaliao Qual o grau de sucesso obtido? O que aprendeu neste processo? Qual a nota subjectiva que d?

    As tcnicas de questionamento deste modelo seguem as orientaes do modelo de entrevista motivacional, um mtodo no-directivo de comunicao centrado no

    33

    A activating event; B beliefs; C emotional, physiological and behavioral consequences. 34

    e.g. Objectivos SMART (Locke & Latham, 2002). 35

    Utilizao de escalas subjectivas de avaliao (e.g. 1-10; 0-100).

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    indivduo, desenvolvido por William Miller e que visa activar a motivao intrnseca deste para a mudana (Palmer & Whybrow, 2010). No processo de Coaching, estas tcnicas permitem um foco mais preciso na identificao de valores e objectivos do coachee bem como das suas resistncias e ambivalncias face mudana, permitindo uma melhor consciencializao do grau percebido de auto-eficcia para ultrapassar impasses. Os objectivos, mtodos e prticas de suporte mudana pretendida tero de ser formulados pelo coachee de forma a assegurar a sua sustentabilidade a mdio-longo prazo, na linha do que foi j anteriormente, referido (Whitworth, et. al, 2007). Este tipo de questionamento d condies ao coachee para diferenciar o seu eu-real do eu-ideal (e.g. Coach: Onde considera estar, actualmente? O que ser preciso fazer para atingir o ponto x que pretende?), mapeando com maior clareza os prs e contras da posio em que est, comparativamente, com os prs e contras da mudana pretendida. Neste modelo integrativo, o processo de mudana do coachee concebido como resultante de uma interdependncia de 2 tipos de factores (Grant, 2003): mudana de perspectiva (changing the viewing) mudana na aco (changing the doing). A mudana de perspectiva envolve 5 passos: 1. Especificao do resultado desejado. 2. Identificao de possveis excepes face resoluo do problema. 3. Amplificao dos recursos existentes. 4. Consciencializao da auto-eficcia (por parte do coachee). 5. Reconhecimento dos progressos feitos at ao momento.

    A mudana na aco radica nos seguintes passos: 1. Transformar os problemas em plataformas para a sua resoluo. 2. Perguntar mais como? do que porqu?. 3. Produo de alternativas (de sada/soluo) que sejam congruentes para o

    coachee. 4. Seguir uma estratgia de pequenos passos. 5. Encontrar formas de facilitar a mudana.

    Aqui as competncias de comunicao do coach sero fundamentais, reformulando o que o coachee diz de forma a criar novas perspectivas (percepo e aco) possveis de lidar com os tpicos em causa. Neste modelo integrativo de Coaching psicolgico, o coachee no percebido apenas, como uma talking head inteligente mas como uma totalidade mente-corpo na linha dos trabalhos de Damsio (2010) quando refere que entre corpo e crebro decorre uma dana interactiva contnua. Os pensamentos implementados no crebro podem induzir estados emocionais que so implementados no corpo, enquanto que o corpo pode

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    alterar a paisagem cerebral e, dessa forma, alterar o substracto dos pensamentos.A mente conhece o mundo exterior atravs do crebro mas igualmente, verdadeiro que o crebro apenas pode ser informado atravs do corpo.Por ltimo, o crebro capaz de fazer mais do que mapear estados corporais que esto de facto a ocorrer, com mais ou menos fidelidade; pode tambm transformar estados corporais e, o que ainda mais impressionante, simular estados corporais que ainda no aconteceram. Para alm dos dados de investigao de Damsio, a dimenso psicocorporal deste modelo integrativo de Coaching, sustentou-se ainda, nos trabalhos de Lowen (Lowen & Lowen, 1990; Lowen, 1993), de Ledgerwood (2003), de Meekums (2005), de Fridjhon & Fuller (2005), culminado no delineamento de exerccios de respirao, de conexo mente-corpo-espao, visando o incremento da capacidade de awareness dos coachees no decurso do processo36. Na interaco com o coachee, a dimenso corporal deste assim integrada e processada, conjuntamente com o teor e contedo das verbalizaes. Se, por exemplo, o coachee estiver muito tenso37 na sesso, essa tenso poder lev-lo a um impasse, bloqueando a fluidez e a evoluo do trabalho. Numa situao destas, poder fazer-se um trabalho sobre a respirao e a tenso psicocorporal no sentido de aumentar o fluxo energtico, incrementar o mindfulness38 e aliviar tenses, produzindo um remapeamento corporal39 mais consentneo com a prossecuo do trabalho de Coaching. Adicionalmente, poder questionar-se o coachee sobre o modo como percepciona e sente o seu corpo, com propsitos idnticos de maior e melhor self-awareness. As deslocaes no espao fsico da sesso so utilizadas como gerador de insights no coachee da ligao existente entre cognies e emoes e o territrio em que as mesmas ocorrem. (Fridjhon & Fuller, 2005; Meekums, 2005).

    A prtica do Coaching: estudos de caso

    O Coaching uma relao de ajuda prestada por um coach, que tem como objectivo disponibilizar os meios necessrios e suficientes para que os clientes/coachees mobilizem de forma mais plena os recursos40 de que dispem, e possam, assim, encontrar as solues que procuram para os problemas reportados.

    36

    Alguns exemplos: Exerccios Silncio 1-3 (Lowen & Lowen, 1990); Geografia (Meekums, 2005; Whitworth, et al.,2007) e Lands Work (Fridjhon & Fuller, 2005). 37

    Fsica e/ou psicologicamente. 38

    A pesquisa sobre a prtica de mindfulness tem demonstrado a sua eficcia na reduo de sintomas e queixas de stress e ansiedade, com impacto igualmente positivo em pessoas saudveis (Passmore & Marianetti, 2007). 39

    Feito pela mente. 40

    Envolvendo conhecimentos, memrias, experincias, competncias, desejos, sentimentos, idiossincrasias, etc.

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    Nesse sentido, o Coaching um gerador de mudana que se pretende, temporalmente, sustentvel, i.e. que as aprendizagens obtidas pelos coachees resistam prova do tempo e se mantenham operacionais na gesto que faro das suas vidas e carreiras, aps a finalizao do processo. O impacto mediato dos resultados do Coaching e dos factores responsveis por esse efeito tem sido pouco explorado na literatura cientfica sobre o tema, sendo, todavia, um aspecto essencial na anlise das vantagens deste tipo de processos de desenvolvimento comparativamente com outros (vide formao tradicional, etc). Neste pressuposto, o objectivo central da presente dissertao contribuir para esta reflexo, analisando a estabilidade a prazo, da mudana produzida pelo Coaching, conduzido de acordo com o modelo integrativo apresentado. Pretende-se ainda, explorar quais os factores facilitadores e inibidores do processo, com base em 2 estudos de caso.

    2.Metodologia

    Com o objectivo de contribuir para a anlise da estabilidade das mudanas produzidas por um processo de Coaching baseado no modelo integrativo apresentado no captulo 1, optou-se por uma metodologia baseada no estudo aprofundado de 2 casos, desde a avaliao das necessidades apresentadas pelos coachees at ao follow-up entre 12 e 18 meses depois.

    2.1.Instrumentos utilizados

    2.1.1. MBTI

    O MBTI Myers-Briggs Type Indicator (Myers, et. al, 2003) um questionrio psicomtrico baseado na Teoria de Jung dos tipos psicolgicos, reformulada e desenvolvida por Katharine Cook Briggs e Isabel Briggs Myers. Com mais de 50 anos de investigao e desenvolvimento, o MBTI uma das ferramentas mais utilizadas no mundo inteiro no domnio do autoconhecimento, desenvolvimento de lderes e de equipas, estando traduzido em mais de 30 lnguas e contabilizando, anualmente, mais de 3,5 milhes de aplicaes. O MBTI avalia preferncias individuais e no traos de personalidade, aptides ou competncias (Myers, 2000; Myers & Kirby, 2000; Myers, et al., 2003; Passmore, et al., 2006). O conceito de preferncia refere-se ao modo que as pessoas privilegiam na

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    execuo de uma determinada actividade ou tarefa. luz da teoria de suporte ao MBTI, existem 4 dimenses dicotmicas de expresso das preferncias individuais:

    O modo como os indivduos preferem dirigir a sua ateno e recarregarem-se, energeticamente (extraversion vs introversion).

    O modo preferencial de recolher informao (sensing vs intuition). O modo preferencial de tomar decises (thinking vs feeling). O modo preferencial de interaco com o mundo exterior (estilo de vida)

    (judging vs perceiving).

    O modo como os indivduos usam as preferncias nestas dimenses da sua vida possibilita o desenvolvimento de tipos psicolgicos. Cada indivduo ter um tipo psicolgico, de entre um total de 16 tipos, ao qual est associado um conjunto de comportamentos e atitudes preferenciais na sua interaco consigo e com o mundo exterior. O racional do MBTI num processo de Coaching, incrementa a awareness do coachee sobre as suas preferncias, as funes dominantes do seu tipo psicolgico bem como as menos utilizadas, criando espao para que possa utilizar estas de forma mais consciente, enriquecendo assim o seu repertrio de comportamentos e atitudes.

    2.1.2. Questionrio de follow-up

    Este questionrio foi construdo para este estudo, com o objectivo de identificar as mudanas obtidas com o Coaching que se mantiveram efectivas no mdio-prazo, entre 12 e 18 meses, aps a concluso do processo, bem como dos factores facilitadores e inibidores dessas mudanas. constitudo por 10 questes abertas, centradas nas seguintes dimenses.

    Necessidades que motivaram a realizao do programa de Coaching. Especificao das mudanas obtidas no decurso do processo de Coaching

    face s necessidades reportadas no incio. Especificao das mudanas mantidas, volvidos 12-18 meses aps o trmino

    do processo de Coaching. Especificao dos contributos para essa mudana, dos vrios

    intervenientes/factores no processo de Coaching (coachee, coach, tcnicas de coaching, outros).

    Factores facilitadores do processo de mudana e sua provenincia (coachee, coach, local e espao fsico onde decorreram as sesses, outros).

    Factores inibidores do processo de mudana e sua provenincia (coachee, coach, local e espao fsico onde decorreram as sesses, outros).

    Identificao de um factor primordial, facilitador da mudana ocorrida. Identificao de um factor primordial, inibidor da mudana ocorrida.

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    Avaliao do nvel de satisfao do coachee com o programa de Coaching atravs de uma escala de 10 pontos (1 nada satisfeito; 10 totalmente satisfeito).

    Sugestes de potenciao dos resultados do Coaching baseadas na experincia havida.

    A opo por questes abertas justifica-se porque, no sendo um estudo quantitativo mas sim um estudo de caso, as respostas poderiam dar maior informao sobre as mudanas, efectivamente, percebidas pelos sujeitos e os factores facilitadores e inibidores das mesmas, sem os condicionar a uma checklist com itens previamente definidos.

    2.2. Participantes

    2 quadros executivos de empresa, com funes de Direco Geral, com mais de 20 anos de carreira profissional e sem experincia prvia de Coaching.

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    3.Estudo de casos

    3.1.Caso I

    A.B., 50 anos, Director Geral Ibrico de uma empresa multinacional europeia do sector da indstria qumica, com fbricas em Portugal e em Espanha. A.B. reporta directamente ao CEO Chief Executive Officer. Durao do Programa de Coaching: 23 sesses de 1,5h cada com incio em Julho 2010 e trmino em Julho 2011. As necessidades que o motivaram a fazer um Programa de Coaching Executivo envolveram desmotivao, dvidas sobre a sua capacidade de liderana e a necessidade de criar uma viso (e aco) para o seu futuro profissional. A.B. tem formao superior em Engenharia, fez psicoterapia no passado, demonstrando abertura e interesse nos processos de desenvolvimento pessoal. Manifestou um conhecimento prvio do que o Coaching e do que o diferencia da Psicoterapia. Os resultados de uma avaliao 36041 em que A.B. recebeu feedback da sua chefia directa, o CEO da empresa, dos seus pares (Directores Gerais de outras filiais) e colaboradores directos (6 Directores) apresentaram como competncias a desenvolver: Desenvolver os talentos individuais. Agir. Dar orientao. Trabalhar eficientemente.

    Estas competncias enquadram-se, respectivamente, nos agrupamentos de competncias Desenvolvimentos dos Outros, Produtividade, Liderana e Gesto de Actividades e a necessidade do seu fortalecimento est em linha com as necessidades reportadas por A.B. para o seu programa de Coaching. As restantes 14 competncias foram consideradas como pontos fortes do desempenho de A.B., a saber:

    Inspirar confiana. 41

    A avaliao 360 dos quadros dirigentes uma poltica da empresa e independente dos programas de coaching. Todavia, dada a relevncia desta avaliao, os resultados foram partilhados com o coach. No caso em anlise foi utilizado o Checkpoint 360 da Profiles International, Inc. .que est estruturado em torno de 8 agrupamentos de competncias, desdobrveis em 18 competncias profissionais: Liderana (inclui Inspirar confiana, Dar orientao, Delegar responsabilidades), Adaptabilidade (inclui Adaptar-se s circunstncias, Pensar criativamente), Relaes Interpessoais (inclui Construir relaes pessoais, Facilitar o sucesso da equipa), Gesto de Actividades (inclui Trabalhar eficientemente, Trabalhar com competncia), Produtividade (inclui Agir, Atingir resultados), Desenvolvimento dos Outros (inclui Desenvolver os talentos individuais, Motivar com sucesso), Desenvolvimento Pessoal (inclui Mostrar comprometimento, Procurar melhorar), Comunicao (inclui Escutar os outros, Processar informao, Comunicar eficazmente).

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    Procurar melhorar. Trabalhar com competncia. Construir relaes pessoais. Pensar criativamente. Atingir resultados Escutar os outros. Adaptar-se s circunstncias. Delegar responsabilidades. Facilitar o sucesso da equipa. Comunicar eficazmente. Motivar com sucesso. Processar informao.

    Como avaliao prvia ao programa de Coaching, foi aplicado o MBTI a A.B., sendo o seu tipo psicolgico ENTP. Para os indivduos deste tipo, a funo dominante a Intuio/Intuition (N), a funo auxiliar o Pensamento/Thinking (T), a funo terciria o Sentimento/Feeling (F) e a funo inferior a Sensao/Sensing (S). Conforme a teoria subjacente ao MBTI (Myers, et. al., 2003; Passmore, et al., 2006), trata-se de um instrumento com 4 escalas dicotmicas que avalia o modo preferencial como as pessoas focam a sua ateno e se recarregam energeticamente, obtm a informao de que necessitam, tomam decises e qual o estilo de vida que preferem levar. O MBTI avalia preferncias e no competncias e/ou aptides. No caso de A.B., trata-se de um executivo que prefere usar a sua intuio (iNtuition) como ferramenta de obteno de informao, tendendo a negligenciar o plo oposto da escala (Sensing; a funo menos preferida e qual menos recorre). Mais do que o aqui e agora, tpico de quem prefere usar o Sensing em detrimento de iNtuition, A.B. tende a valorizar os insights criativos, a procura de padres explicativos para o que factual e concreto. H uma preferncia por consideraes mais abstractas e tericas, um gosto marcado pela argumentao e contra-argumentao, centrada mais no que poder ser do que naquilo que . Uma das caractersticas dos indivduos com o tipo psicolgico ENTP (Myers, et. al., 2003), a possibilidade de negligenciarem tarefas rotineiras, descurando o lado factual e terra-a-terra, sobretudo em situaes geradoras de stress intenso e prolongado, como foi o caso quando se iniciou o programa de Coaching. De acordo com a teoria dos tipos psicolgicos em que o MBTI se fundamenta, o papel da funo auxiliar (Thinking) o de equilibrar a expresso da funo dominante, que tende a sobrepor-se a todas as outras, em situaes em que, de forma mais ou menos duradoura, o indivduo se sinta ameaado (e/ou diminudo) na sua capacidade de lidar, eficazmente, com os stressors em presena (Myers, et. al., 2003). No caso de A.B., a deciso de fazer um programa de Coaching decorreu da sua percepo de que no estava a ser capaz de lidar, adequadamente, com os desafios

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    em presena. No concreto, a principal fonte de problemas que foi reportada teve a ver com a sua falta de segurana (e de assertividade) como lder, com a sua desmotivao com a sua funo e ausncia de uma viso para os prximos tempos. Um estado continuado de stress elevado, estava a lev-lo a procrastinar decises de gesto do dia-a-dia e de liderana da sua equipa; A.B. reportou vrias vezes ao longo do processo, as suas dvidas sobre a sua competncia para o cargo de Director Geral, sentindo-se, muitas vezes, diminudo ou autodesvalorizando-se, sobretudo em relao a dois dos seus reportes directos. Enquanto coach, o ponto de partida da minha interveno ancorou-se nos seguintes dados da realidade:

    A.B. possua uma carreira slida e consistente, tendo trabalhado em 2 grandes empresas multinacionais, a primeira de origem americana e a segunda, de matriz europeia, onde estava h 6 anos. Em qualquer das duas, a sua carreira foi ascendente, com assumpo de responsabilidades acrescidas em diferentes pases.

    Os resultados operacionais das filiais espanhola e portuguesa lideradas por si, estavam alinhados com os objectivos definidos pela comisso executiva (mediante aprovao dos accionistas) da empresa. A.B. referiu, inclusive, que a empresa na Pennsula Ibrica era considerada, internamente, um benchmark42.

    Os resultados da avaliao 360 de A.B. indicaram que ele possua um conjunto de competncias robustecidas, tanto hard (p.e. Atingir resultados) como soft (p.e. Inspirar confiana).

    A.B. no encaixava no esteretipo do lder-macho-alfa destemido, seguro de si, exigente e competitivo e estava consciente disso. Na interaco com dois dos seus Directores (acima referidos), provavelmente mais alinhados com esse esteretipo, a sua insegurana e dvida quanto sua capacidade de liderana, aumentavam.

    A.B. considerava que o seu estilo de liderana, ao privilegiar uma atitude humanista e aceitante, encorajava de alguma forma, na generalidade dos seus colaboradores directos, uma postura excessivamente opiniosa (e crtica) sobre o modo como os outros Directores lideravam as respectivas reas, criando-se um clima pouco saudvel entre eles.

    42

    um exemplo de boas prticas a seguir.

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    Tal como reportado pelo MBTI, indivduos ENTP podem, sob stress intenso, ruminar sobre detalhes sem importncia, tomando a nuvem por Juno, o que parecia ser o caso aqui.

    Num processo de Coaching, o foco da aco dever incidir na soluo e no no problema, pelo que a estratgia seguida ao longo das 23 sesses, foi a de ajudar A.B. a tomar conscincia de que possua os recursos necessrios para construir, momento a momento, as solues que precisava. E nesse sentido, considerou-se desde o primeiro momento, A.B. como uma pessoa naturalmente criativa, plena de recursos e completa, cabendo ao coach ajustar o processo s caractersticas e necessidades do coachee, em cada momento, sem rigidez metodolgica. A dinmica da relao de Coaching deveria proporcionar a A.B., uma tomada de conscincia mais abrangente do seu enquadramento profissional e pessoal, dos recursos de que dispunha, realmente. O delineamento e tomada de conscincia destes 2 vectores (recursos pessoais e recursos oriundos do enquadramento profissional e pessoal) ocupou uma parte significativa das primeiras sesses. Como parte integrante do programa de Coaching, clarificaram-se as prticas do coachee em matria de alimentao, sono e exerccio fsico, bem como prticas habituais de celebrao (p.e. sucessos), hobbies e prazeres. A informao de enquadramento sobre o estilo de vida bem como das estratgias activas de promoo do bem-estar e sade, permitiu avaliar o jogo de foras entre factores facilitadores e inibidores (extrnsecos) do processo de mudana (Servan-Schreiber, 2003, 2011). A existncia de hobbies (preferencialmente activos) confere um interessante campo de possibilidades de anlise das estratgias e competncias que o coachee pe em prtica, bem como de identificao de metforas/analogias, potencialmente, transferveis e aplicveis ao contexto profissional deste. A.B. reportou ter praticado rugby durante 20 anos e, actualmente, a sua actividade fsica envolvia passear e brincar com o seu co (considerado como um membro da famlia, com direito a foto como wallpaper do seu telemvel) e a prtica de BTT43 com amigos. O rugby um desporto, fisicamente, exigente, com uma componente combativa forte, em que o trabalho em equipa essencial na construo do sucesso. O BTT exige destreza fsica, resilincia, orientao, gesto de recursos e liderana (quando praticado em grupo). Mutatis mutandis, so ingredientes transferveis para o contexto profissional, podendo ser elucidativo compreender o modo como o coachee

    43

    BTT Bicicleta Todo-o-Terreno.

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    se comporta, habitualmente, nesses contextos e de que forma essa evidncia poder ser til como alavanca da mudana que quer operar na sua vida. A ligao emocional ao co, a cumplicidade nas brincadeiras, traz para o Coaching a vertente ldica que pode matizar o negativismo e a descrena (Servan-Schreiber, 2003). No passado tinha tocado saxofone, referindo que era algo que lhe dava muito prazer e que o relaxava mas que, fruto das responsabilidades profissionais, tinha deixado de praticar. A estratgia inicial seguida foi a de dar espao e tempo a A.B. para poder partilhar a sua perspectiva das coisas, para ser ouvido e ouvir-se. A curiosidade e autenticidade do coach na compreenso dessa narrativa criariam condies favorveis para o aprofundamento e tomada de conscincia por parte de A.B., das solues que soube encontrar para os desafios enfrentados (Whitworth, et. al., 2007). No trabalho de Coaching com executivos, tenho verificado que o ritmo acelerado das suas vidas, retira-lhes, frequentemente, espao, tempo e silncio para o necessrio processamento das vivncias e tomadas de deciso ponderadas. Na sesso de feedback do MBTI (anterior ao incio do Coaching) apercebi-me que esse era uma das queixas de A.B. Na 1 sesso, propus-lhe o exerccio Silncio 1-344. Aps o exerccio, A.B. reportou ter sentido a cabea cheia de coisas, nem sempre identificveis, o corpo pesado e cansado, estranhando a dificuldade sentida em parar, fechar os olhos e respirar. A paragem por 1e 3 permitiu-lhe conectar-se com a sua insatisfao profissional e as muitas dvidas que o assolavam sobre a sua competncia para o cargo e os desafios inerentes bem como sobre o futuro. A preocupao com o dinheiro e o medo de que esse recurso lhe faltasse, surgiu com a fora de algo muito temido, porventura de forma hiperbolizada. A.B. aproveitou para falar um pouco da sua vida passada uma infncia difcil, a morte prematura do pai que levou a que assumisse o papel arquetpico de protector dado ser o mais velho da fratria. Fez referncia a ter trabalhado esses tpicos na sua psicoterapia, pediu conselho sobre o que fazer e como coach, aproveitei para relembrar o meu papel de facilitador maiutico, colocando-lhe algumas perguntas sobre os tpicos que A.B. pretendia trabalhar no Coaching45: O que A.B. queria fazer acontecer na sua vida? Que viso gostaria de elaborar para o seu futuro? Quais os valores pelos quais gostaria de nortear a sua vida?. 44

    O coachee fecha os olhos, concentra-se na sua respirao, aprofundando-a durante 1 dando, seguidamente, feedback ao coach sobre a vivncia, descobertas e dificuldades. O exerccio repete-se, depois, durante 3seguido de feedback. 45

    A narrativa passado do coachee vivncia psicoteraputica pedido de soluo ao coach manteve-se activa ao longo do coaching, sobretudo nos primeiros 2/3 do processo mas com uma tendncia decrescente da sua frequncia. Na ltima parte do processo, o coachee passou a referir-se-lhe como um hbito antigo mas a perder fora, dado conhecer as restries do coach sobre esta matria.

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    A.B. optou por focar a sua ateno nos seus valores de vida, referindo-os como um pilar fundamental. Surgiram como valores essenciais, a sua famlia nuclear e amigos mais chegados, poder contar e confiar nas pessoas de quem se sente prximo, ter dinheiro e obter sucesso e, com isso, reconhecimento social, poder ajudar os outros e ser justo na justa medida das possibilidades. A.B. referiu que tinha uma excelente relao com o CEO a quem reportava, de quem era amigo. Com este depoimento, tomou conscincia da felicidade no como uma circunstncia, mas uma deciso, referindo-se a si como obreiro essencial dessa felicidade. O tnus muscular e emocional de A.B. alterou-se com estas declaraes na 1 sesso postura mais direita, respirao mais ampla, olhar mais brilhante. Aproveitei a circunstncia para lhe perguntar sobre os seus prazeres. A.B. disse, inicialmente, que no sabia; ao manter-me atento e em silncio, A.B. acabou por referir:

    Estar com a mulher e os amigos num jantar, em amena conversa, a rir. Estar com o seu co numa montanha. Estar com o irmo e sobrinhos. Viajar para lugares que o surpreendessem mesmo que fossem feios. Estar num bar numa ilha grega, ao p do mar. Ver pessoas, sentindo-se capaz de imaginar o que esto a sentir.

    Perguntei-lhe, seguidamente, como achava que era visto pelos outros tendo-se reportado ao contexto profissional. Segundo ele, seria visto como uma boa pessoa, razoavelmente inteligente e sensvel, podendo, tambm, ser visto como fraco/indeciso. Com excepo de um dos Directores que lhe reportavam, que segundo ele, ambicionaria o seu lugar, os demais ach-lo-iam a pessoa certa no lugar certo, a comear pelo CEO. A.B. disse sentir-se, muitas vezes, como um bombeiro/personal trainer, com maus hbitos de comunicao com os colaboradores directos, dado privilegiar as conversas 1 para 1, pela segurana que lhe davam, em detrimento de conversas com vrios interlocutores ao mesmo tempo. O conforto (transitrio) dessas conversas de 1 para 1, faziam-no perder a viso global, podendo torn-lo refm de compromissos assumidos, individualmente, com potencial impacto sistmico na Organizao. Este trabalho na 1 sesso, de tomada de conscincia dos seus recursos internos e externos, dos seus valores, da imagem de si elaborada e projectada nos outros significativos, activou a sua energia e motivao tendo tornado possvel, que A.B. conseguisse visualizar objectivos e uma trajectria possvel para os prximos 5 anos que envolveu a possibilidade de expandir a sua actividade na actual empresa a 5 pases.

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    No final da 1 sesso, A.B. referiu-se surpreendido com a quantidade de informao de que tomou conscincia e, ao mesmo tempo, algo cptico sobre a sua (real) capacidade de fazer mudanas sem conselhos do coach. Foi-lhe relembrado que o coach, quanto muito, poderia dar exemplos/sugestes, nunca conselhos e, nesse sentido, sugeri a metfora do maestro como uma alternativa a que A.B. poderia recorrer, em detrimento da metfora do bombeiro / personal trainer, por si referida como dominante no tocante liderana da sua equipa de Directores. O conceito de perspectiva em Coaching (Whitworth, et. al, 2007) refere-se ao modo ou ngulo como a realidade percepcionada e representada, sendo um referencial e uma partilha importantes no processo46, tendo como objectivo ajudar o coachee a expandir o seu horizonte de possibilidades, evitando cair em simplismos dicotmicos do tipo tudo ou nada. Quando foi perguntado a A.B. que aco/aces47 iria pr em prtica, respondeu que iria reflectir sobre a redefinio de regras e limites na interaco com os 6 Directores que lhe reportavam bem como sobre a sua viso para os prximos tempos, alinhada com os seus valores. Na 2 sesso, foi proposto a A.B. um exerccio de descentrao em que ele olharia para a empresa onde trabalha, para a sua funo e as outras 6 que lhe reportavam, atravs dos olhos de um consultor externo. A.B. foi capaz de fazer uma descrio mais objectiva de si prprio e dos seus colaboradores directos, identificando pontos fortes e pontos fracos em todos eles. Essa tomada de conscincia, a partir de uma perspectiva distinta da sua de Director Geral, permitiu-lhe relativizar o modo como se auto-avalia (e desvaloriza) face aos demais. A tomada de conscincia do seu cansao em ser o tal bombeiro-personal trainer foi reforada, comeando a surgir uma ideia mais precisa do tipo de Organizao onde mais lhe interessar trabalhar (uma empresa de rosto humano e no uma grande Corporao, fria e impessoal). Com estas clarificaes, A.B. props-se desenvolver este tpico at sesso seguinte, focando a sua ateno na definio de limites para si e para os outros, trabalhando 3 perguntas poderosas: A que que eu digo sim e a que que digo no? Como colocar a equipa a funcionar como uma equipa? Como melhorar a minha liderana? Nas sesses 3 e 4, comeou a ficar mais claro para A.B., o direito a poder dar-se mais tempo para tomar decises (deixando de o fazer no calor do momento a metfora do 46

    do coach para o coachee. 47

    inspiradas no que pde descobrir na 1 sesso.

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    bombeiro) e a relativizar as boas ideias que os seus colaboradores directos lhe do (Uma boa ideia nem sempre a ideia adequada!). Gradualmente, A.B. comeou a mapear de forma mais autodirigida e consciente, possveis cenrios para o seu futuro, articulando as suas preferncias e valores com tipologias de empresa e negcio. Entre as sesses 5 e 7, a figura do sabotador interno48 ganhou nitidez, tendo A.B. identificado e relacionado o medo de desagradar aos outros se fosse assertivo e o medo de desfrutar e celebrar, com o seu pendor (excessivamente) compreensivo e malevel na sua funo de Director Geral. Adicionalmente, houve tambm a tomada de conscincia da competio que travava, internamente, com os seus colaboradores directos, exigindo-se (irrealisticamente) um nvel de conhecimento e domnio superior aos deles nas reas por eles tuteladas. A metfora do maestro comeou a ser referida por A.B. como um significante possvel de uma nova forma de estar enquanto Director Geral mais assertivo, capaz de dizer Eu (e no somente Ns, diluidor da sua autoridade). A.B. foi verbalizando a importncia por si conferida relao de amizade que tinha com o CEO, enfatizando que, numa corporao mais fria e impessoal, as suas hipteses de sobrevivncia estariam muito reduzidas. Nas sesses 8 a 10, A.B. foi exprimindo mais convico nos seus direitos e exigncias como Director Geral, definindo objectivos claros para si, para a equipa de Directores e para a empresa no seu todo. Assumiu que a lgica belicista dos machos-alfa no lhe dizia nada (Sermos o n 3, passarmos a n 2 para atingirmos, depois a liderana do mercado). Os seus objectivos foram definidos da seguinte forma: Termos um grupo de pessoas entusiasmadas e felizes com o que fazem. Termos sucesso econmico e financeiro, slido e sustentado, acima da mdia do mercado. Que as pessoas queiram vir trabalhar connosco e que a concorrncia reconhea isto. Sermos inovadores, capazes de surpreender interna e externamente. Desenvolvermos o conceito de customer intimacy clientes e fornecedores so nossos parceiros. O xito tem de ser um objectivo a 3! Desenvolver novos negcios em mercados emergentes.

    Na sesso 11 foi trabalhado o futuro de uma forma mais profunda, com a realizao do exerccio do Eu-Futuro (Whitworth, et. al., 2007). A.B. visualizou-se com 61 anos, livre de medos. Recolheu dessa vivncia os seguintes ensinamentos:

    Aprender a desfrutar mais do dia-a-dia. Viver de forma mais descontrada. Que o medo no o impea de fazer coisas.

    48

    Conjunto de cognies (pensamentos e imagens) potencialmente desvalorizadoras e inibidoras da aco conducente mudana (Whitworth et. al., 2007).

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    Actividades como tocar saxofone, fazer meditao, yoga ou BTT foram referidas por A.B. como prticas que o poderiam auxiliar na concretizao destes ensinamentos. De todas, o BTT a nica que mantm activa, semanalmente. Na sesso 12, o leque de possibilidades quanto ao seu futuro alargou-se com A.B. a ponderar a possibilidade de deixar o mundo das multinacionais, voltar Universidade e aprofundar os seus conhecimentos de Matemtica. Revelou, igualmente, um pensamento mais relativista, menos tudo ou nada, procurando equilbrios nas zonas intermdias entre extremos. Nas sesses 13 e 14 trabalharam-se os exerccios Geografia e Lands Work49 e a sua ligao com a produo de viso para o futuro. Deslocando-se no espao fsico das sesses de Coaching, A.B. teve insights importantes para o seu projecto de expanso da actividade da empresa noutros mercados, ao mesmo tempo que valorizou a importncia da felicidade e do prazer associado aos pequenos gestos e aces do dia-a-dia. O seu co voltou a surgir como um smbolo e fonte de realizao nesse domnio. Ficou mais consciente para A.B. a interdependncia e articulao entre a dimenso profissional e a dimenso pessoal da sua vida, e de como algo que acontece numa delas, poder tambm, exprimir-se na outra. A clivagem inicial que A.B. fazia dessas suas duas identidades (como lder e como pessoa), comeou, de facto, a perder salincia. Ficou mais claro para A.B. que a sua aparente brandura e humanismo como lder empresarial, poderia ser uma tentativa de refrear mpetos mais agressivos que, na sua vida pessoal, surgiram quando p.e. teve de defender a sua mulher perante um automobilista mais irascvel. O medo de passar a linha50 foi reportado por A.B.. Gradualmente, A.B. foi tomando posse51 de maior amplitude dos seus recursos, nomeadamente em matria de defesa de direitos e da integridade dos que lhe esto prximos e de si-prprio. A explorao do tipo de actividades de BTT que gostava de fazer, forneceu uma imagem de si mais confiante, de um lder que assume em mos a conduo do grupo de ciclistas de montanha, definindo rotas, procurando trilhos, resolvendo avarias. Esta tomada de conscincia permitiu estabelecer pontes com a dimenso profissional onde so possveis transferncias de atitudes e comportamentos. As sesses 15 e 16 foram de aprofundamento do work-life management com A.B. consciente da necessidade de reservar mais tempo para si.

    49

    Exerccio Lands Work (Fridjhon & Fuller, 2005) A minha terra/praia, a tua terra/praia, a nossa terra/praia. 50

    Equivalente de acting-out, p.e. agredir o interlocutor. 51

    Tomar posse tem aqui o significado de tomar conscincia e usar de forma mais plena, os recursos existentes.

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    Trabalhou-se o tpico da incerteza, na perspectiva do potencial de oportunidades que encerra, por contraponto ao paradigma da crise, negativista e drenador de recursos. A sesso 17 centrou-se num novo tpico. Segundo uma informao oficiosa do CEO, a empresa de A.B. iria ser vendida a um grupo americano. Para A.B., esse tipo de cultura no compatvel com aquilo que procura e valoriza na actual fase da sua carreira. Os gestores americanos so vistos por A.B. como autocrticos e, portanto, impossveis de serem aceites por si, o que o leva a considerar a possibilidade de sair da empresa. Na sesso 18, a deciso de compra oficial, tendo sido comunicado a A.B. que ele iria ter um novo CEO, novas regras de funcionamento e uma nova filosofia de gesto. Este facto produziu-lhe grande ambivalncia, por um lado o desejo de ficar e agarrar o desafio, por outro, uma certa inrcia, vontade de deixar cair as coisas, accionar o paraquedas dourado52 e procurar outras alternativas profissionais. Numa 1 instncia, A.B. falou das suas preocupaes e medos, da sua tristeza com este fim de ciclo, em que iria deixar de ter no CEO um amigo. A ventilao destas preocupaes articulada com o questionamento sobre a sua viso, permitiu-lhe definir 3 objectivos para os prximos 18 meses (prazo de tempo que os novos donos iriam dar filial ibrica para processar a transio): Manter o maior nmero possvel de empregos quer em Portugal quer em Espanha. Manter a sua equipa de management. Assumir o controlo e monitorizar os prximos 18 meses.

    A.B. falou dos pensamentos limitadores em relao s figuras de autoridade, nomeadamente s chefias no contexto profissional; trabalhmos o exerccio lands work (Fridjhon & Fuller, 2005), procurando ver esses recm-chegados (os novos donos) na perspectiva de um turista/viajante, de mente aberta face a estas novidades. Por associao de ideias, A.B. referiu uma terra no seu pas, que adorava, onde foi vrias vezes de frias, enquanto jovem. Em adulto, teve uma oferta para ir trabalhar l e, rapidamente, ao chegar, A.B. s viu os defeitos, esquecendo todas as suas memrias de juventude. A tomada de conscincia dessa dualidade de critrios consoante o contexto, pareceu t-lo ajudado a dar-se mais tempo antes de decidir o que fazer (ficar/partir?). A.B. est consciente do peso que tem em si esse fantasma do chefe que exige coisas impossveis; foi-lhe perguntado se encontrava aliados53 que lhe permitissem

    52

    Indemnizao a que tem direito caso seja despedido. 53

    Segundo Fridjhon e Fuller (2005), aliados so figuras inspiracionais, dotadas de caractersticas e/ou atributos capazes de ajudar o coachee a lidar, eficazmente, com um problema e/ou situao.

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    lidar com isso. No sendo evidente qualquer aliado, optou pela ideia de gerir esta fase de transio, ancorado em 3 perguntas: Como quero ser visto pelo meu novo chefe (CEO)? A que distncia (psicolgica) quero t-lo de mim? O que preciso fazer para isso? (tendo sido imediata a sua resposta: resultados).

    No final da sesso, A.B. verbalizou que iria gerir os prximos 18 meses como se fosse um MBA, mantendo-se no business as usual e trabalhando no sentido da expanso e crescimento dos negcios. Na sesso 19 aprofundmos este trabalho tendo A.B. detalhado um plano de aco assente no aprofundamento da relao com os novos donos, no conhecimento do que pretendem e na articulao das expectativas de ambos, de forma a assegurar o crescimento sustentvel do negcio. As sesses 20-23 foram de consolidao dos adquiridos e de aprofundamento do plano de aco de A.B. No final do programa de Coaching, A.B. mostrou-se capaz de uma utilizao mais plena dos seus recursos pessoais e externos, com um exerccio mais assertivo da sua liderana. A possibilidade de abandonar o barco com a vinda dos novos donos esfumou-se, dando lugar a uma atitude atenta e disponvel, focada em harmonizar perspectivas e garantir a consolidao e crescimento do negcio da empresa na Pennsula Ibrica. Foi por si reportado que se sentia mais seguro de si, mais capaz de encontrar fragilidades e incongruncias nos outros, nomeadamente, na equipa de 6 executivos que dirige, relativizando assim o modo como se via a si prprio. Referiu, igualmente, estar mais flexvel e aberto a outras possibilidades, mais tranquilo (e menos catastrofista), relativamente, incerteza do devir e ao clima de grande volatilidade nas economias e nos negcios. Follow-up

    Volvido um ano aps o fim do programa de coaching, foi solicitado a A.B. o preenchimento de um questionrio de avaliao do impacto mediato do coaching com o objectivo de saber que resultados tinham permanecido activos bem como quais os factores facilitadores e inibidores das mudanas verificadas. Aps a recepo das respostas, foi realizada uma sesso presencial de anlise e integrao desses dados cujas concluses se apresentam, seguidamente. Com o programa de Coaching, A.B. referiu ter obtido uma melhoria da sua autoconfiana e motivao e que esses adquiridos se tm mantido activos (apesar de algumas flutuaes). Como contributos para essa situao referiu o papel do coach

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    que o ajudou a tomar conscincia de recursos que sabia ter mas que no utilizava bem como a ver com maior objectividade os seus pontos fortes e fracos. A consciencializao da importncia de cuidar de si, contribuiu para uma prtica fsica mais activa que lhe trouxe ganhos em bem-estar, potenciando a sua capacidade de resposta face aos desafios. Como factores facilitadores das mudanas verificadas, destacou o interesse genuno do coach pelo coachee e pelos tpicos por si trazidos bem como o facto de ter comeado a aperceber-se que os seus colaboradores directos, apresentavam tambm, aquilo que designou como debilidades, e que isso o ajudou a reposicionar-se face a eles, em matria de capacidades e competncias. Aludiu ainda ao espao fsico onde as sesses decorreram, como potenciador de conversas agradveis. Como factores inibidores das mudanas verificadas referiu o facto de utilizar, muitas vezes, os seus recursos intelectuais contra si prprio (e no a seu favor). Relativamente ao coach, mencionou que o cuidado e ateno manifestados em relao ao coachee, o teria impedido, algumas vezes, de ser mais duro e directo quando necessrio. O elevado nvel de stress profissional por si vivido durante o processo de coaching, levou-o a abordar, por vezes, problemas pontuais, perdendo-se alguma continuidade na anlise e processamento dos problemas mais profundos. Sobre o factor facilitador mais importante da mudana verificada, A.B. referiu o interesse e a proximidade do coach, tendo destacado como factor inibidor mais importante, o seu cepticismo enquanto coachee, sobre a eficcia do processo. O seu grau de satisfao com os resultados do coaching foi avaliado em 7/8 (escala 1-10). Sobre a aprendizagem obtida com o processo, referiu ter descoberto com maior clareza, as suas prioridades pelo que, caso voltasse atrs, teria aprofundado ainda mais os tpicos. A.B. mantm-se na sua funo bem como 5 dos 6 Directores que lhe reportavam. Apesar das dificuldades decorrentes da conjuntura econmica, a sua empresa tem conseguido atingir as metas estabelecidas, aumentando a rentabilidade operacional e reforado a notoriedade das marcas que comercializa.

    MATERIAL DE SUPORTE DESCRIO DO CASO A.B.

    A.B. - Exerccios e Ferramentas de Coaching utilizadas MBTI (Myers, 2000; Myers & Kirby, 2000; Myers, et al., 2003). Silncio 1-3 (Lowen & Lowen, 1990). Perguntas relevantes/powerful questions (Catalo & Penim, 2010; Whitworth,

    et. al., 2007). Tringulo de auto-proteco e gesto das interaces (Lowen & Lowen, 1990;

    Meekums, 2005); Fridjhon & Fuller, 2005).

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    Escala 8-8054 (Palmer & Whybrow, 2010). Geografia (Meekums, 2005; Whitworth, 2007). Metforas (Catalo & Penim, 2010). Humor como metacompetncia (Whitworth, et. al., 2007). Eu-Futuro (Whitworth, et. al., 2007). Lands work (Fridjhon & Fuller,2005).

    3.2.Caso II

    C.D., 51 anos, Director Geral de um grupo econmico portugus do sector comercial, liderando uma equipa de 6 Directores e reportando ao Presidente do Conselho de Administrao; acumula a funo Director Financeiro (de onde proveio). Durao do Programa de Coaching: 9 sesses55 de 1,5h cada, que decorreram entre Maro e Outubro de 2010. As necessidades que motivaram C.D. a fazer um Programa de Coaching Executivo envolveram o desejo de melhorar o equilbrio entre a sua vida profissional e a sua vida pessoal, aperfeioando, se possvel, o seu desempenho enquanto lder executivo. Neste particular, C.D. considerava necessrio fortalecer as suas prticas de motivao da equipa de Directores e de celebrao dos xitos (independentemente da dimenso do resultado). O seu perfil exigente e combativo levava-o, muitas vezes, a desvalorizar uma meta alcanada, impondo logo outra, mais ambiciosa. C.D. tem formao superior em Gesto de Empresas, ingressou nesta empresa h 6 anos como Director Financeiro, tendo sido promovido, posteriormente, a Director Geral. Com um background profissional muito slido na rea financeira onde trabalhou durante cerca de 2 dcadas em empresas multinacionais, mostrou um conhecimento adequado do que era o Coaching e quais os seus propsitos. Referiu que essa informao tinha sido adquirida em revistas de gesto e leituras ocasionais. No fez, anteriormente, qualquer programa de desenvolvimento pessoal, referindo que foi atravs da formao profissional e da experincia, que foi tomando maior conscincia da importncia dos temas dos recursos humanos e das tcnicas associadas, dado ser de origem, um homem de nmeros. C.D. referiu acreditar que o Coaching poderia ajud-lo a fazer as mudanas que pretendia na sua vida profissional e pessoal. Como avaliao prvia ao programa de Coaching, foi aplicado o MBTI (Myers, et al., 2003), sendo o seu tipo psicolgico ESTJ. Para os indivduos deste tipo, a funo 54

    Exerccio 8-80: inspirado no erro de pensamento tudo-ou nada (Palmer, et. al. 2010); consiste em ajudar o coachee a relativizar a sua opinio/perspectiva sobre um assunto, tomando conscincia da existncia de uma escala com 72 pontos entre o 8 e o 80 e que, algures nessa graduao, poder estar uma zona de maior equilbrio/bem-estar, a ser descoberta no decurso do processo de coaching. 55

    Foram previstas 12 sesses, de acordo com as recomendaes internacionais, nomeadamente, da ICF International Coach Federation.

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    dominante o Pensamento/Thinking (T), a funo auxiliar a Sensao/Sensing (S), a funo terciria a iNtuio/iNtuition (N) e a funo inferior o Sentimento/Feeling (F). No caso de C.D., e sendo a sua funo dominante o Pensamento/Thinking (T), existe uma focalizao da sua parte, no desenvolvimento e implementao de planos eficientes visando o atingimento das metas que se prope alcanar. A sua preferncia pelo Pensamento/Thinking lev-lo- a privilegiar a tomada de decises mediante critrios lgicos, assentes em regras e princpios e num raciocnio causa-efeito que incremente a racionalidade dos mtodos e processos e reduza, ao mnimo, a ineficincia e a aleatoriedade no cumprimento