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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ UM ELEMENTO DA DISCIPLINARIZAÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA: A MILITARIZAÇÃO DA JUVENTUDE (1920-1945) Curitiba 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

UM ELEMENTO DA DISCIPLINARIZAÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA: A MILITARIZAÇÃO DA JUVENTUDE (1920-1945)

Curitiba 2006

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HENRIQUE WITOSLAWSKI

UM ELEMENTO DA DISCIPLINARIZAÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA: A MILITARIZAÇÃO DA JUVENTUDE (1920-1945)

Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Licenciatura e Bacharelado em História, do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Dra. Judite Trindade.

Dezembro/2006

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Aos meus pais, ídolos, heróis e exemplos.

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AGRADECIMENTOS Aos meus pais, por absolutamente tudo de bom que fizeram e me ensinaram até hoje. Qualquer coisa que eu tenha feito, conseguido ou conquistado de bom na vida foi por vocês ou pra vocês. Vocês representam tudo que há de perfeito pra mim, amo vocês! Ao professor Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, pela imensa paciência com minha teimosia nas discussões do grupo, e atenção na supervisão da monografia e ao longo desses dois anos de projeto. Muito obrigado também pela grande amizade e pelas conversas no bar, além, claro dos churrascos e das feijoadas! À professora Judite Trindade, que acolheu meu trabalho no Departamento de História e foi sempre muito atenciosa na orientação. Obrigado pelos conselhos, pela atenção e pelos puxões de orelha, foram mais do que merecidos e necessários! Às quatro moças que me receberam muitíssimo bem no Colégio Estadual do Paraná: Márcia, Elza, Dona Maria e Aline. Sem a ajuda de vocês essa monografia dificilmente teria sido concretizada. E muito obrigado também pelo bom humor pela manhã, quando eu chegava pra mexer nos arquivos, isso com certeza melhorava, e muito, meu astral! À galera do projeto de pesquisa que, quinzenalmente, me ouvia discursando sobre qualquer coisa historiográfica e sempre me tratou muito bem mesmo assim! Devo agradecer pela contribuição com meu crescimento intelectual e pela atenção com que me receberam no projeto. Ah, não poderia deixar de citar nossos inenarráveis momentos de festa, no bar, nos churrascos e nas feijoadas, muito bom mesmo! Aos meus grandes e queridos amigos que fizeram esses quatro anos valerem a pena e que tornaram a faculdade um período inesquecível: Lú, Dany, Paulinha, Virgem, Roger, Baia, Cris, Má, Alfredo, Victor e Nati. Se fosse listar tudo que fizemos, o quanto e porque eu gosto tanto de vocês, precisaria de mais páginas do que tem nessa monografia. Aos amigos que estão junto comigo desde a boa época do colégio e que sempre me escutaram, riram, deram apoio, conselhos, broncas e não me deixam esquecer o quão importante são, mesmo que, às vezes, exista uma distância física (pela preguiça de ligar ou até pela falta de tempo da vida “adulta”): Rissatto, Lari, Dadá, Tábinha, Tuti, Dani, Dessa (e, claro, toda a família Smaniotto), Ceci, Sari e Adri. Valeu mesmo galera! À dupla Cleisy e Mari, que re-conheci por acidente no ano de 2003 e hoje são pessoas fundamentais na minha vida, por todas as conversas, risadas e por todas as situações que passamos juntos. Ah, e de quebra ainda me apresentaram Pamela e Denise, duas figuras que tornam as idas ao Café do Teatro e ao Empório sempre inigualáveis! Por último, agradeço novamente a pessoa que mais ouviu, mais agüentou mudanças de humor, mais incentivou, mais agüentou crises e lamentos, e sempre me colocou pra cima e me fez ver as coisas com bons e novos olhos: Lú, você é praticamente meu anjo da guarda, obrigado por você existir, não sei mesmo o que eu faria sem você!

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This is the end my only friend, the end

I wanna know

have you ever seen the rain?

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SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................................7

ABSTRACT..........................................................................................................................8

INTRODUÇÃO...................................................................................................................09

1. O CENÁRIO: CURITIBA, SEUS HABITANTES, IDÉIAS E CONFLITOS..........14

1.1 CURITIBA: O ESPAÇO URBANO E A NOVA ORDEM SOCIAL............................17

1.2 A QUESTÃO DOS IMIGRANTES: CONFLITOS E INFLUÊNCIAS.........................23

1.3 RELAÇÕES TRABALHO E EDUCAÇÃO...................................................................25

2. EM BUSCA DO OBJETO: AS NOVAS VISÕES, UTILIDADES E USOS DO

CORPO JOVEM A PARTIR DOS ANOS 20..................................................................29

2.1 NOÇÕES DE DISCIPLINA, EDUCAÇÃO E UTILIDADE DO CORPO NO

PENSAMENTO DE FOUCAULT.......................................................................................29

2.2 IDÉIAS EDUCACIONAIS E AMBIENTE ESCOLAR................................................33

2.3 APONTAMENTOS SOBRE EUGENIA NO PENSAMENTO BRASILEIRO............39

3. A MILITARIZAÇÃO DA JUVENTUDE: O DOMÍNIO DO CORPO COMO UM

ATO POLÍTICO E SUA REPRESENTAÇÃO PELOS ESTUDANTES......................47

3.1 QUESTÕES INTERNAS E O MÉTODO FRANCÊS NO EXÉRCITO........................47

3.2 A MILITARIZAÇÃO: BATALHÕES INFANTIS OU ESCOTISMO?........................51

3.3 A MILITARIZAÇÃO JUVENIL EM CURITIBA: EXERCÍCIOS FÍSICOS PARA A

ELITE OU DISCIPLINARIZAÇÃO PARA OS OPERÁRIOS?.........................................54

4. CONCLUSÃO.................................................................................................................63

5. REFERÊNCIAS..............................................................................................................66

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RESUMO

O presente trabalho se propõe a debater a militarização juvenil em Curitiba no período entre 1920 e 1945. Para compreensão total do assunto, foram levantadas questões relativas ao pensamento político-social do período como o nacionalismo, a influência dos pensamentos eugênicos e a importância da educação física como um meio de aprimorar fisicamente os jovens. O que tem destaque também neste trabalho é a concepção de educação para o trabalho industrial, corrente na capital paranaense desde antes da segunda década do século XX. Dentro desse âmbito político e social, ganhava força a concepção de educar o corpo jovem em um ritmo militar, para que a nação contasse com homens fortes e sadios, em condições tanto de trabalhar para conduzir o Brasil ao progresso, tanto para guerrear caso fosse necessário. Assim, a eugenia tem destaque no pensamento da época, por ser a ciência que cuidava de aprimorar o corpo, e mais que isso, a raça, entendida também como toda a sociedade brasileira. Tem destaque também o Método Francês de treinamento corporal, trazido pelo governo brasileiro no início do século para ser implantado no exército, mas que acabou dominando a educação física escolar a partir dos anos 20. Esse método buscava a disciplinarização do corpo individual e coletivo, com intuito de coagir os cidadãos a obedecer ordens e moldar seu comportamento de acordo com o que fosse estabelecido como “padrão”. As fontes trabalhadas foram garimpadas no Arquivo Geral e no Museu do Colégio Estadual do Paraná, por ser o locus da militarização explorado nesse trabalho. A principal fonte é um jornal escolar intitulado “Jornal do Ginásio Paranaense”, que contém artigos de alunos, o que possibilitou uma análise da visão dos discentes sobre a presença militar na escola e a prática da militarização. Palavras-chave: nacionalismo, eugenia, disciplinarização.

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ABSTRACT

This present paper intends to discuss the juvenile militarization in Curitiba in the period between 1920 and 1945. For total comprehension of the matter, there were raised questions related to the period’s social and political thought like nationalism, the influence of eugenic thoughts and the importance of physical education as a way to physical improvement of the young. What is also important in this research is the conception of education for the industrial work, usual in the capital of Paraná since before the second decade of 20th century. Inside this political and social ambit, the conception of educating the young body in a military rhythm gained strength, so the nation would count with strong and healthy men able to work in order to lead Brazil’s progress or to go to word, if needed. Therefore, eugenics has great significance in this period’s thought because it was the science responsible for the body’s improvement, and even more, the race, understood as all the Brazilian society. The French Method of corporal training is also important, brought by the Brazilian government in the beginning of the century to be introduced in the army, but it ended up dominating the scholar’s physical education from the 1920´s. This method sought the disciplinarization of the individual and collective body, with the intention of compelling the citizens to obey orders and adapt their behavior according to what was established as “pattern”. The sources worked were obtained at the Arquivo Geral do Colégio Estadual do Paraná and at the Museu do Colégio Estadual do Paraná, for being the locus of militarization explored in this paper. The main source is a school’s newspaper entitled “Jornal do Ginásio Paranaense”, that contains articles written by students which enabled an analysis of their thought about the military presence at school and the practice of militarization.

Key-words: nationalism, eugenics, disciplinarization.

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INTRODUÇÃO Tendo como foco principal de investigação a militarização juvenil, a presente

monografia tem como proposta estudar historicamente a relação entre disciplinarização do

corpo e o progresso1, a partir do estudo de uma prática escolar denominada “Batalhões

Escolares”. Pode-se entender essa prática de militarização da juventude como uma parte do

projeto político-ideológico governamental brasileiro, que visava educar o jovem intelectual,

moral e fisicamente.

As datas-baliza do trabalho são 1920 e 1945, devido a alguns aspectos, sociais e

políticos: a década de vinte do século XX é um momento histórico importantíssimo na

História do Brasil, principalmente pela efervescência do nacionalismo entre as elites e na

política brasileira. Esse nacionalismo foi notoriamente divulgado em discursos de revistas,

propagandas e também nas práticas escolares. No quadro social começou a ser depositada

nos jovens a esperança de progresso da nação. Na década de trinta o nacionalismo

continuou forte na sociedade brasileira e teve em todo o governo de Getúlio Vargas (1930-

1945) uma exploração talvez nunca feita antes. Em todo esse período, as práticas

disciplinadoras e nacionalistas foram bastante incentivadas. Fecho a baliza em 1945, ano

em que se encerrou o Estado Novo e o governo autoritário no Brasil, com a saída de

Vargas. Não que o pensamento nacionalista tenha desaparecido junto com o autoritarismo,

mas devido às circunstancias da época, pode-se dizer que as práticas escolares

militarizantes de cunho nacionalista caíram em “desuso”.

O trabalho de investigação de fontes foi feito primeiramente no Departamento

Estadual do Arquivo Público do Paraná (DEAP), entre 2005 e 2006. Desde abril do

presente ano busquei fontes no acervo do museu e do arquivo do Colégio Estadual do

Paraná (CEP), que foi o principal local para minha pesquisa, dado ao número e à qualidade

das fontes lá encontradas. Direciono minha investigação sobre os documentos produzidos

1 Farei uso, ao longo deste estudo, do conceito de Norberto Bobbio, para quem “a idéia de Progresso pode ser definida como idéia de que o curso das coisas, especialmente da civilização, conta desde o início com um gradual crescimento do bem-estar ou da felicidade, com uma melhora do indivíduo e da humanidade, constituindo um movimento em direção a um objetivo desejável. A idéia de um universo em perpétuo fluxo não basta, pois, para formar a idéia de Progresso; é necessária também uma finalidade, um objetivo último do movimento. É na concretização deste objetivo na história que se acha a medida do Progresso”. Acredito que essa definição se encaixe também no entendimento dos autores citados que utilizaram este conceito. (BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 2004).

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pelos alunos do Colégio Estadual do Paraná, em especial um jornal escolar escrito e editado

exclusivamente por discentes, intitulado “Jornal do Ginásio Paranaense”.

A educação é um aspecto indissociável da cultura de uma sociedade. Não que a

cultura seja determinada apenas pela educação de seus membros, mas é uma parte

importante na construção de novos saberes de uma sociedade. Assim, analisar educação e

cultura em uma região específica, no caso deste trabalho, a cidade de Curitiba, supõe uma

abordagem bastante complexa. Tal complexidade, em muito, deriva do fato de, por largo

espaço de tempo ter havido uma associação direta entre “educado” e “culto”. Se hoje as

noções de cultura que indicam modos de vida e pensamento são bastante aceitas, este

consenso nem sempre existiu. Tradicionalmente, a historiografia, ao referir–se à cultura,

remetia ao conjunto das instituições religiosas, educacionais e eruditas de uma sociedade.

Neste caso, a solidez de uma cultura era garantida pela sofisticação e perenidade de suas

instituições, remetendo à falsa idéia de que cultura necessariamente seria apanágio

exclusivo de seu segmento letrado e erudito. Esse pressuposto da historiografia tradicional

eliminava de seu horizonte investigativo preocupações que fossem além do resgate dos

marcos culturais eruditos2. Desde os anos 60, ou até antes, questiona-se esse

“enquadramento” das investigações históricas em estudos econômicos, sociais, políticos e

culturais. As experiências culturais e intelectuais de uma sociedade não constituem um

nível separado da vivência social, mas são partes integrantes de uma mesma realidade

histórica. Foi necessária então uma mudança na abordagem dos estudos históricos, onde

todos os aspectos sociais fossem mostrados como influentes e influenciáveis e, dessa forma,

seria construída cada cultura, cada particularidade, de cada região. Sob esse ponto de vista,

tentarei fazer um estudo sobre a militarização juvenil, uma história cultural da sociedade,

onde utilizo diversos elementos para entendimento do funcionamento da máquina social,

agregando diversos fatores para construção de um conhecimento.

A Primeira República foi um período estratégico para a formação do Estado

Brasileiro, não constituindo um interregno entre duas “fases áureas” – o Império e o pós-

trinta (GOMES, 2002). O conjunto de evidências para sancionar tal afirmação foi

2 Refiro-me aos historiadores da escola metodológica, chamados por alguns de positivistas, cuja ênfase foi impor uma investigação cientifica afastando da história qualquer especulação filosófica e visando à objetividade absoluta neste domínio do conhecimento, propondo a aplicação de técnicas rigorosas ao inventário das fontes, à critica aos documentos e à organização das tarefas.

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cuidadosamente tratado por historiadores e sociólogos que destacaram, basicamente: 1) a

ampliação e especialização do aparato burocrático estatal, com destaque para as

transformações ocorridas no Exército; 2) o aumento da sua capacidade de extração de

recursos fiscais da sociedade; 3) o processo de centralização de poder então ocorrido e

sancionado pela reforma constitucional de 19263. O estabelecimento da República e a

entrada do século XX, com o capital acontecimento que fora a abolição da escravatura, não

alteraram uma já instituída estratégia “semi-liberal” dos industriais com relação ao mercado

internacional. Politicamente, e principalmente sob significativa influência do positivismo,

realiza a disjunção entre os direitos políticos e desenvolvimento econômico e social do país

(GOMES, 2002). A República seria altamente excludente quanto à participação política, o

trabalho rural continuaria sendo garantido por altas doses de coação física e simbólica e, ao

mundo da economia urbana, estariam dedicadas as maiores parcelas da escassez de

recursos4.

Num esforço “modernizador”, as elites se empenhavam em reduzir a complexa

realidade social brasileira ao ajustamento em conformidade com padrões de gestão social

baseados nos modelos europeus ou estadunidenses. Fossem esses modelos da missão

civilizadoras das culturas da Europa do Norte, do urbanismo científico, da opinião pública

esclarecida e participativa ou da crença resignada na chegada inevitável do progresso. Era

como se a instauração do novo regime [a República] implicasse pelo mesmo ato o

cancelamento de toda a herança do passado histórico do país e pela mera reforma

institucional ele tivesse fixado um nexo co-extensivo com a cultura e a sociedade das

potências industrializadas. Prevaleceu na sociedade um sentimento de vergonha em relação

ao passado, aos grupos sociais e rituais da cultura que evocassem hábitos de um tempo que

se julgava para sempre superado.

3 Sobre a política na Primeira República e as oligarquias dominantes ver: REIS, E. P. Interesses agro-

exportadores e construção do Estado: Brasil de 1890 a 1930. In: SORJ, B; CARDOSO, F.H; FONT, M (org). Economia e Movimentos Sociais na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1985. REIS, E. P. O Estado

Nacional como ideologia: o caso brasileiro. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.1, n. 2, 1988. REIS, E. P. Poder privado e construção de Estado sob a Primeira República. In: BOSCHI, R. (org). Corporativismo e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo/IUPERJ, 1991. 4 Para maior aprofundamento no assunto ver: GOMES, A M. de C. A republica não-oligárquica e o

liberalismo dos empresários. In: SILVA, S.S.; SZMRECSANYI, T. História econômica da Primeira República. 2a ed. Revista. São Paulo: Hucitec/Edusp/Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica, 2002, pp. 91-101.

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A Curitiba da Primeira República era uma cidade longe de ser considerada uma

grande metrópole. Apesar de capital do estado do Paraná e do desenvolvimento de um bom

número de indústrias, o ambiente nas ruas era de uma cidade que hoje em dia seria

considerada interiorana, com poucos prédios e ruas estreitas. A cidade era, no período

analisado, mais uma idealização que uma realidade. No início do XX, Curitiba era uma

cidade de aparência bem discreta. Os historiadores e cronistas que se ocuparam em

biografar aquele momento se esforçaram no sentido de nos passar a imagem de uma cidade

que, de sonolenta, pacata e provinciana, transformou-se, graças à ação benfazeja de seus

governantes e índole de seu povo, numa “urbs” moderna, higiênica e ordeira, apresentada

como cidade ideal e harmônica. As novas concepções de administração pública foram

tomando feições mais nítidas à medida que o regime republicano foi se sedimentando em

todo o país, apontando para a necessidade de se adequar a sociedade à nova razão de um

estado industrial e capitalista. As cidades, nas primeiras décadas do século XX, tiveram no

geral um impulso de crescimento, justificado por vários fatores: o forte afluxo de

imigrantes, sobretudo na região sul; o implemento industrial com destaque para São Paulo,

Rio de Janeiro e Minas Gerais e as novas atribuições político-administrativas das cidades

capitais dos estados e das cidades portuárias5.

O discurso dos governantes se apóia na idéia do moderno, do progresso, e,

principalmente, na cientificidade. Existe claramente uma vontade de se integrar ao

republicanismo, e contribuir para o ingresso do Brasil no século civilizado e, se possível,

estar presente na frente ampla a favor da República6. No momento dessas grandes

mudanças cresce a expectativa de que o povo conquiste um grande destaque na vida

política. A cidade, local privilegiado para o desenvolvimento da cidadania, passa a ser

depositária das esperanças redentoras do povo. (Trindade, 1998, p. 116). Apontou-se, então,

o Estado como meio de consolidar a República. Tratava-se de um Estado forte e capaz de

viabilizar o progresso, incluindo ali a implementação da política social, necessária à nova

sociedade. Estado, lei e ordem passam a ser o trinômio constante na Primeira República e

será esse tripé em que se buscará construir o cidadão.

5 TRINDADE, J. M. B. Metamorfose: de criança para menor (Curitiba, início do século XX). Curitiba: Departamento de História, UFPR, tese de doutorado, 1998, p. 108. 6 BENKENDORF, C. A. Embriaguez, Desordem e Controle Social em Curitiba (1909-1912). In: Projeto: O

viver em uma sociedade urbana – Curitiba 1890-1920. Série monografias n. 1. Curitiba. Departamento de História. UFPR. 1989. p. 73-74.

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Na segunda década do século XX, o discurso dos republicanos paranaenses se

adequava ao pensamento positivista, que fora difundido em várias regiões do território

nacional e encontrava igualmente uma via de expressão aqui no Paraná. Nas cidades

paranaenses, alguns avanços não ligados diretamente ao campo tecnológico, tomavam

igualmente parte no clima de modernização, entre eles, a instrução que procurava atingir o

maior contingente possível da população.

É nesse âmbito político-ideológico-social que está inserida a militarização juvenil.

Para melhor aprofundamento do tema, este trabalho será dividido em três capítulos, de

acordo com temas e discussões que julgo pertinentes para melhor desenvolvimento do

estudo: no primeiro capítulo, tratarei da cidade de Curitiba. Como era a “urbs”, sua gente,

seus problemas, suas mudanças, suas idéias e correntes de pensamento. Dentro desse

capítulo há também a análise das relações educação-trabalho e imigrantes-brasileiros.

Apesar de parecer um pouco deslocada, essa análise mostra-se fundamental na

compreensão da mentalidade em que aparecerão os jovens militarizados, assim com é

fundamental a aproximação do contexto local com a ordenação dos corpos em benefício da

sociedade; no segundo capítulo, farei uma discussão sobre a educação no período estudado,

atentando para o momento político-social, para as mudanças de pensamento, ideologia e

atitudes dos governantes e da sociedade em geral, além de destacar a importância da

educação física e do pensamento eugenista no Brasil; por fim, no terceiro capítulo, tratarei

da militarização propriamente dita, a disciplinarização do corpo dentro das novas

ordenações do espaço e das novas necessidades sociais, a colocação de “bons valores” na

mente do jovem, em busca da ordem para atingir o progresso, a formação de novo homem,

um novo cidadão, as questões militares entre 1920 e 1945, onde ocorria, como ocorria, qual

a legitimidade. Vale destacar que esse estudo será abordado tanto no Ginásio Paranaense,

como na Escola de Aprendizes Artífices, locais da cidade onde havia a prática da

militarização. Porém, vale ressaltar que o trabalho com fontes restringi-se ao Ginásio, pois

o acesso às fontes da segunda escola foram bastante dificultados, permanecendo minha

análise embasada em dois recentes estudos sobre aquela instituição.

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1. O CENÁRIO: CURITIBA, SEUS HABITANTES, IDÉIAS E CONFLITOS.

Fazer uma pesquisa que tenha como espaço temporal 25 anos não é simples, ainda

mais quando se trata do século XX. Este foi, sem dúvida, o século onde o mundo mudou

mais rapidamente e mais drasticamente em um período curto de tempo. Empresto de

Hobsbawm a divisão desse século em 3 eras: a Era da Destruição (1914-1945), a Era de

Ouro (1946-1973) e a Era da Crise (1974-1992)7. Ainda seguindo este autor, penso o século

XX como o século em que a tecnologia foi, em boa parte, desenvolvida pela/para a

indústria bélica, e, ao mesmo tempo, a História ganhou uma nova relação com o espaço

público8, estabelecendo-se assim uma relação direta entre a vida política e a vida privada.

As datas-baliza deste trabalho (1920 e 1945) estão dentro do período classificado

como a Era da Destruição. Foi nessa metade de século que aconteceram duas guerras

mundiais, a Revolução Russa e sua incontestável importância e impacto em todo o mundo

ocidental, o derradeiro colapso dos grandes impérios coloniais com a descolonização da

África e a Índia, por exemplo, o início da ascensão dos Estados Unidos como a principal

potência sócio-econômica mundial9 e a efervescência de nacionalismos por todo o mundo.

Comumente entende-se a década de 20 como um momento revolucionário, de

grandes mudanças sociais e a década de 30 como um momento conservador. Karl

Polanyi10, ao pensar a política dessas duas décadas, inverte essas idéias. Para ele, a década

de 20 representa o conservadorismo e a década de 30 o aspecto revolucionário. O autor

defende que “o colapso do padrão-ouro internacional foi o elo invisível entre a

desintegração da economia mundial na virada do século e a transformação de toda uma

civilização na década de 1930, pois este [o padrão-ouro] era o único pilar remanescente da

economia mundial tradicional, quando ele ruiu [1929], o resultado teria que ser imediato”.

Seguindo o raciocínio do autor, a Primeira Guerra Mundial e as revoluções pós-guerra

ainda faziam parte do XIX, e o conflito entre 1914 e 1918 apenas precipitou e agravou uma

crise que ele não havia criado (POLANYI, 2000, p. 37).

7 HOBSBAWM, E. A Era dos Extremos. São Paulo: Cia das Letras, 1996. 8 Essa relação vai desde os nomes de ruas e praças com nomes de grandes heróis nacionais até os espaços existentes em diversos locais do mundo para manifestações políticas legais e comícios/explicações dos políticos. 9 Para Hobsbawm, os Estados Unidos iniciaram sua ascensão no fim da Primeira Guerra Mundial, mas a era de real influência norte-americana como a principal potência sócio-econômica se consolida a partir de 1945. 10 POLANYI, K. A Grande Transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

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Então, nem o sistema econômico, nem o político pareciam funcionar e a explicação

parecia estar no sofrimento infligido pela guerra, mas na realidade os obstáculos à paz e à

estabilidade no pós-guerra derivavam das mesmas fontes de onde brotara a própria guerra,

no caso a dissolução do sistema econômico que se processara desde 1900 foi responsável

pela tensão que explodiu em 1914. No início da década de 1930, a mudança deu-se

abruptamente. Seus marcos foram o abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha, os Planos

Qüinqüenais na Rússia, o lançamento do New Deal nos Estados Unidos o colapso da Liga

das Nações em favor de Impérios autárquicos. Enquanto no final da guerra os ideais do

século XIX eram predominantes e sua influência dominou a década seguinte, já em 1940

havia desaparecido qualquer vestígio do sistema internacional e, à parte enclaves, as nações

viviam uma conjuntura internacional inteiramente nova.

Mesmo que no Brasil o estreitamento entre a vida política e a vida privada tenha

grandes ressalvas na Primeira República, como observa Gomes (2002, p.93), como a

limitação do voto aos alfabetizados, ainda sim é possível notar algumas mudanças na

conjuntura política nacional: o esforço dos republicanos em difundir escolas pelo território

brasileiro, com a intenção de alfabetizar e educar os cidadãos, um “entusiasmo pela

educação”11 é um exemplo dessa mudança ideológica. Através da educação popular

esperava-se ter um povo bem preparado para conduzir a pátria ao progresso, e esses

cidadãos educados teriam acesso aos direitos políticos, como o voto. A segunda década do

século XX foi um período de criação de uma nova identidade nacional para o povo

brasileiro. Essa identidade que surgiu rompeu com valores estéticos, ideológicos e

intelectuais utilizados até a Primeira Guerra Mundial, com forte influência européia, em

especial francesa12. Com o fim do conflito mundial, em 1919, esgotou-se o modelo liberal

de política e começaram a ascender os modelos nazi-facistas de governo, totalitarismos

nacionalistas e racistas, pelo mundo. Paralelo a isso ouve a consolidação do regime

comunista na Rússia, que representava o contraponto ao totalitarismo fascista.

Esses conflitos político-ideológicos mundiais obviamente refletiam no Brasil. Aqui,

a classe operária começou a ter destaque e a classe média começou a ser mais notada, com

11 NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU, 1974. 12 Pode-se apropriar o termo usado por Sevcenko, ao tratar da Primeira República antes da Primeira Guerra Mundial, onde afirma que a sociedade era denominada por belle époque. (SEVCENKO, N. O prelúdio

republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: História da vida privada no Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1990, volume 3).

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a crise cafeeira e com o crescimento das cidades, dos serviços (como bancos, escolas, etc) e

até com o crescimento militar. É nessa sociedade conturbada, cheia de ideais republicanos e

modernistas que centro minha investigação. A militarização juvenil existiu nesse cenário de

ordem, patriotismo e obediência. Essas noções são o que, hoje em dia, associamos ao

exército, mas naquela época deveria valer para a sociedade como um todo. Antes de tratar

da militarização especificamente, vale apontar como o ensino era nacionalizado e como se

manifestava a preocupação com a educação pátria.

No Brasil republicano, a indiferença popular em relação ao regime estabelecido

criou a urgência de sua legitimação. E, na sua necessidade de impressionar favoravelmente

o imaginário popular, os republicanos engendram uma série de estratégias destinadas a

consolidar, pela via racional, o novo momento sócio-político do país. Daí a utilização do

discurso nacionalista, acompanhado pela manipulação do mito das origens e dos heróis,

pela alegoria feminina e pela valorização dos símbolos pátrios13. Nesse contexto, a escola

foi utilizada como veículo de reprodução dos objetivos maiores da nação: era transmissora

da mensagem patriótica a todos os cidadãos14.

Sem dúvida as cidades mudavam e isso podia ser percebido pelo crescimento dos

estabelecimentos comerciais e industriais bem como pelo esforço de manutenção e pelo

aumento das instituições escolares e recreativas. Mas isso tinha um preço, uma

contrapartida, representada pelas contradições da moderna sociedade de classes, requerendo

um novo gerenciamento. O discurso dos governantes se apóia na idéia do moderno, do

progresso, e, principalmente, na cientificidade. Existe claramente a vontade de se integrar

no republicanismo, contribuindo para o ingresso do Brasil no século civilizado e, se

possível, estar presente na frente ampla a favor da república15. No ensejo de afirmação de

uma nova concepção de governo, vemos, no final do século XIX e inicio do XX, a

constituição e/ou ampliação de um conjunto de práticas sociais levadas a cabo pelos

governos estaduais, com o objetivo de promover uma intervenção direta sobre o social, uma

variedade de preocupações são preferidas pelos governos visando adequar a administração

pública às novas exigências de uma sociedade em formação. Seus discursos e mesmo as

13 CARVALHO, J. M. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.9-15. 14 TRINDADE, E. M. C. Clotildes ou Marias: as mulheres em Curitiba na Primeira República. São Paulo: Usp, Departamento de História, tese de doutorado, 1992, p. 82. 15 BENKENDORF, C. A. Op. Cit, p. 73-74.

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medidas práticas tomavam por base as concepções racionais de progresso, ciência,

civilidade. Procurava-se um povo ativo e organizado e com referência à proclamação da

república, transparece nos cronistas da época uma atitude paternalista que lamente a

ausência do povo e da cidadania. (TRINDADE, 1992, p. 115-116).

No momento da grande mudança, com a passagem de monarquia para república,

cresceu a expectativa de que o povo conquistasse um grande destaque na vida política. A

cidade, locus privilegiado para o desenvolvimento da cidadania, passou a ser depositaria

das esperanças redentoras do povo. Apontou-se, então, o Estado como meio de consolidar a

República. Tratava-se de um Estado Forte, capaz de viabilizar o progresso, incluindo ali a

implementação da política social, necessária à nova sociedade.

1.1 CURITIBA: O ESPAÇO URBANO E A NOVA ORDEM SOCIAL

Curitiba tinha cerca de 50.124 habitantes e era a sétima capital de estado em termos

de população em 1900. Transitavam pelas ruas da cidade um número considerável de

veículos procedentes das colônias agrícolas que cercavam a cidade. Essas colônias hoje se

tornaram bairros16. A cidade já possuía serviço telefônico, ruas e praças arborizadas. Em

1920 o número de pessoas que aqui residiam pulou para 78.98617 e em 1940 a cidade

alcançou 142.185 pessoas18. A economia paranaense no período estudado tinha como base

a exportação de erva-mate e de madeira, além de atividades de pecuária. Mas, além da

predominante atividade primária, essencialmente extrativa e voltada para a exportação,

encontrava-se uma nascente indústria19. Curitiba era, no início do XX, uma cidade de

aparência bem européia, e na imprensa apareciam com freqüência os poloneses, os polacos,

os alemães, russos, franceses, italianos e suíços. São comuns os anúncios de cozinheiros

(as) franceses, amas estrangeiras, cozinheiras espanholas. Os historiadores e cronistas que

se ocuparam em biografar aquele momento se esforçaram no sentido de nos passar a

imagem de “uma cidade que, de sonolenta, pacata e provinciana, transformou-se, graças à

ação benfazeja de seus governantes e índole de seu povo, numa “urbs” moderna, higiênica e

16 MARTINS, R. Quantos somos e quem somos. Curitiba: Empreza Gráfica Paranaense, 1941. 17 Sendo: homens brasileiros 34.527, mulheres brasileiras 32.847, homens estrangeiros 6.232 e mulheres estrangeiras 5.380 18 Todos os dados apresentado aqui foram retirados de MARTINS, R. Op. Cit. 19 Sobre as atividades produtivas a evolução é a seguinte: 1918 existiam 112 fábricas com 2240 operários; 1920 existiam 225 fábricas com 3488 operários. In: MARTINS, R. Op. Cit.

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ordeira, apresentada como cidade ideal e harmônica”20. Mas era, na verdade, uma sociedade

e uma cidade em vias de formação. Formação, em primeiro lugar, urbana, pelos novos

conceitos e arranjo dos espaços; em segundo, política, cultural e intelectual, marcada pelo

momento republicano em sua pretensão de estabelecer novos parâmetros à convivência

social.

Para BONI21, a pequena “urbs” progredia, mas o progresso esbarrava em

contradições que sua estrutura provinciana não podia comportar. O ambiente tornou-se,

então, propício para a ação de agentes controladores caracterizada pelas evidências da

preocupação na manutenção da ordem. Como capital do Estado, a cidade era, no período

analisado, mais uma idéia, um discurso, que propriamente uma realidade. Essa idéia deve

ser pensada no âmbito de uma cidade não-metrópole, mas que se modificava e que tinha

atributos específicos, exigindo políticas, bens e serviços apropriados, tornando-a diferente

das demais vilas e cidades. Ela reunia algumas categorias ocupacionais específicas como,

por exemplo, funcionários públicos, com destaque para militares e demais forças de

segurança e também cronistas com olhares atentos à realidade e aos boatos, sem nos

esquecermos dos estudantes que afluiam para os cursos superiores recém-criados22.

Curitiba era uma cidade onde se tornavam cada vez mais evidentes os sinais de

“modernização”. Por todo o plano urbano, ruas se abriam e se pavimentavam; edificações

se elevavam, ostentando uma arquitetura inovadora; o traçado se tornou mais compacto. A

rua XV de Novembro, artéria central da cidade, recebeu nivelamento e a simetria de

passeios em mosaico; ao perder seu antigo aspecto provinciano, a cidade passou a oferecer

uma perspectiva de sobrados mais leves e elegantes. Efetivamente, por toda a urbe, e até

fora do seu quadro, valorizavam-se os terrenos e surgiam novas construções. Expandiram-

se algumas fábricas23 e instalam-se outras24. O governo aprimorou os serviços: higienizou o

centro urbano com irrigação, limpeza pública, água e esgotos; implementou a arborização e

20MARTINS, R. História do Paraná. Curitiba: Editora Guairá Limitada, 3a edição. 21 BONI, M. I. M. de. O espetáculo visto do alto: vigilância e punição em Curitiba (1890-1927). São Paulo: USP, departamento de História, tese de doutorado, 1985, p. 3. 22 TRINDADE, J. M. B. Op. Cit, p. 14-15. 23 Por exemplo: o engenho de mate de David Carneiro, a cervejaria Leitner, as massas alimentícias Todeschini, a fábrica de fósforos Mimosa, a fundição Muller, entre outros. 24 ALMANACH DO PARANÁ, 1912. Curitiba: Typ da Livraria Econômica, 1912. p 283-315.

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instalou iluminação pública; criou, inclusive, uma guarda civil25. Segundo TRINDADE, a

cidade diversificou, ainda, espaços públicos com cafés e salas de espetáculo; parques e

praças. Nas ruas principais, agências bancárias e casas comerciais abriram suas portas. Era

uma população que crescia e se modificava, apresentando uma feição levemente européia

que a presença significativa do imigrante ajudava a construir.

Mas a exemplo de outras cidades médias para o período, como Porto Alegre ou

Florianópolis, Curitiba refletia o mesmo problema das cidades grandes. Ela se projetava

para o futuro e reafirmava o que pretendia. Porquanto, se a aspiração de crescer estivesse

explicitada, era também ressaltado que se queria a “metropolização” procurando evitar os

“problemas” das metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, a despeito da fraca estrutura

policial e do judiciário. A influência de higienistas se fez sentir, desde então, nos vários

campos da vida e mais especificamente nas práticas de higiene e saúde pública, das quais a

puericultura26 é um bom exemplo. Essa influência, somada às propostas dos juristas,

introduziu, embora de forma não radical, mudanças no trato com as pessoas. (TRINDADE,

1998, p. 34). Higienizar implicava em drenar pântanos, alinhar e calçar ruas, retificar cursos

de rios, instalar água encanada e rede de esgotos, arborizar praças, prevenir focos potenciais

de enfermidades onde estivessem (prédios, fábricas, cemitérios), adotar medidas

preventivas, como vacinas e, principalmente, combater hábitos anti-higiênicos. Em suma,

ordenar o espaço, disciplinar usos, controlar e regular hábitos. (BONI, 1985, p. 30). É

necessário cuidar, entretanto, com algumas possíveis confusões: re-urbanizar, comumente,

confunde-se com higienizar, mas para isso requeria não só a renovação estética, requeria,

principalmente, limpar a cidade e expulsar para longe do espaço, que se pretendia

purificado, toda uma forma de existência miserável que se amontoava com o lixo nos

velhos casarões. Re-urbanizar implicava, também, em afastar do espaço refinado, dos

“olhos e narizes” das senhoras e cavalheiros a população pobre e suja27. Re-urbanizar

25 VICTOR, N. A terra do futuro: impressões do Paraná. Rio de Janeiro: Typ do Jornal do Commercio, 1913, p. 174. 26 Conjunto de meios médico-sociais usados no cuidado das crianças. (ROCHA, R. Minidicionário. São Paulo: Scipione, 1996) 27 Segundo BONI, “nessa população suja enquadravam-se indistintamente ao olhar os trabalhadores pobres “ligeiros e vergados” a caminho da estação; os cegos e aleijados “desfilando seus farrapos”, vendedores ambulantes, cocheiros, colonos descalços, condutores de bondes “cheios de lama e com roupas rotas”, menores abandonados, “criadas polacas”, serventes, meretrizes, cáftens, bicheiros, vagabundos, gatunos, desocupados, desordeiros, “classes perigosas ou potencialmente perigosas”, enfim, hóspedes habituais das estatísticas de prisão e notícias policiais” (1985, p. 48).

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implicava, finalmente, em disciplinar o espaço ordenado, normatizar a circulação de

veículos e a higienização de serviços. Assim, além dos casarões de residência coletiva,

hotéis, pensões e bares de baixa categoria foram expulsos do centro da cidade; casas de

jogos de azar e “pensões de mulheres” foram fechados, e os espaços de sociabilidade

reprimidos.

Uma das faces dessa intervenção é revelada pelas medidas higiênicas de saneamento

das normas médicas. Introjetou-se de forma sutil um re-ordenamento às famílias em torno

da conservação e educação das crianças. Isto, somado à filantropia e assistência social,

garantiu o sucesso da higiene como instrumento de ordenação social. (TRINDADE, 1998,

p. 35). A remodelação da estética urbana incluiu, ainda, o que LOUREGA28 chama de “um

processo trágico”, que foi a remoção das famílias pobres do perímetro central, em razão do

que, na cidade remodelada, não era mais possível o convívio com a miserabilidade,

transferida para não “manchar” uma sociedade tida como “civilizada e liberal”. O domínio

público se revestiu de mediações grotescas, o engenho humano esteve voltado na cidade

curitibana em consagrar o “progresso” por meio de cruéis discriminações, sendo que estes

mecanismos estiveram também presentes no discurso higienista dos médicos da época.

As cidades se mostravam, como pode-se perceber pelas descrições postas,

“inquietas”, mas ao mesmo tempo fieis à tendência do urbanismo moderno, pois tentavam

encontrar soluções para seus problemas. Curitiba agia da mesma forma, pois tinha uma

tarefa urgente: deveria ordenar definitivamente seu quadro social, sobretudo a sua parcela

mais visível que freqüenta os espaços públicos e, para tal, se propôs a identificar os focos

de desordem para em seguida, estirpá-los. As preocupações maiores eram com a nova

organização racional do espaço e dos comportamentos, buscando, dessa forma, enquadrar

os indivíduos. A disciplinaridade do urbano que se abateu sobre o contingente de

despossuídos resultou em normas de enfrentamento para as questões centrais da nova

ordem urbana. Ao aparelho policial se impôs uma tarefa: identificar a parcela da população

a ser controlada29. (Ibid, 1998, p. 112)30. Chamava-se a atenção para o número de crimes

28 LOUREGA, M. J. M. A criança sob o olhar vigilante do adulto (Curitiba, 1909-1927). São Paulo: USP, Departamento de História, tese de doutorado, 1991. 29A redefinição de elementos constituintes de ordem social levava em conta, principalmente, fatores determinantes de uma ordem urbana, pequenos crimes, divertimentos populares, brigas e desordens urbanas, como também comportamentos antes tolerados e tidos como suportáveis, serão tolhidos, vigiados e

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ocorriam na capital. Logo são buscadas explicações para tal fenômeno, pois, habitada por

cidadãos “pacatos e ordeiros”, como se explica, em Curitiba, o índice de criminalidade,

noticiado pelos jornais?

Advertia-se, no entanto, que, se o crime evoluiu, deviam as autoridades preocupar-

se com o alcoolismo, com o uso de armas proibidas, e com a vagabundagem31, bem como a

jogatina, os bailes e os bordéis, que eram consideradas causas latentes da prática de crimes,

e que representavam alto índice no movimento das prisões. Seguiam-se a essas causas, a

insuficiência da força pública para dar-lhes combate, e a impunidade da maioria dos

criminosos pelas absolvições do júri, ou o apoio incondicional que o delinqüente com

dinheiro encontra da parte dos advogados. Mesmo com essa preocupação, pensava-se que o

crime não tinha, no Paraná, achado meio propício ao seu desenvolvimento, e que o Paraná,

era o Estado do Brasil onde enorme era o respeito à vida e à propriedade dos habitantes. Na

explicação das causas, e na procura de justificativas para incidência dos crimes e sua

natureza, evidenciava-se o descompasso entre as qualidades que eram conferidas à

população, e o desenvolvimento econômico, a educação e as instituições. (BONI, 1985,

p.72). As descrições de época32 apresentavam a cidade com um ar harmônico, linear33. Mas

controlados, por nocivos ou ameaçadores de “colapso social iminente”. (TRINDADE, 1998, p. 113; BONI, 1985, p. 64-65). 30 No Brasil, o projeto político – com base na ideologia liberal – via na manutenção da paz e preservação da ordem elementos indispensáveis para se atingir o objetivo último do Progresso, e legitimava a existência de um órgão supervisor encarregado de controlar os comportamentos inadequados à idéia de civilização. Curitiba, no período estudado inseria-se nesta conjuntura de redefinição liberal da ordem pública, donde emerge um novo paradigma de subordinação e disciplina social. A manutenção da “ordem pública” como meio de atingir o objetivo mais amplo, qual seja, o “progresso” da região. 31 A noção de vagabundagem ou vadiagem era ligada à ausência de ocupação “honesta e proveitosa”, ausência de família e de domicílio, mas principalmente, à ociosidade, pecado infinitamente mortal numa sociedade dedicada ao trabalho. O pensamento liberal, que norteava a elite dirigente em sua crença no progresso e na ciência, não podia admitir e existência de pessoas que vivessem sem se dedicar ao trabalho. Permitia-se, sim, outro tipo de ocioso, aquele que possuía família e dos bens desta auferia sua sobrevivência, mas ao homem pobre, não, este deveria dedicar-se a alguma ocupação honesta e não viver como peso para a sociedade. Vadios seriam, portanto e principalmente, aqueles que se recusam ao trabalho: vagabundos, mendigos, inválidos, jogadores, cáftens, meretrizes, etc. (KARVAT, E. C. Discursos e práticas de controle: falas e

olhares sobre a mendicidade e vadiagem (Curitiba 1890 – 1930). Curitiba, UFPR, Departamento de História, dissertação de mestrado, 1996.) Trabalho aqui é entendido com uma ocupação dentro de fábricas, lojas, marcenarias, ou qualquer ocupação “braçal”, com horas diárias dedicadas a esse esforço. 32 MARTINS, R. Op. Cit. 1939. 33 “As indústrias se estabeleceram, expandiram o mercado de trabalho, a cidade cresceu, teve suas ruas alargadas e calçadas, os edifícios públicos e parques a embelezam, foi saneada a iluminada, os bondes e carros circularam com sempre crescente número de passageiros. Os pobres e necessitados eram atendidos pelas entidades assistenciais. Os estrangeiros contribuíram para o progresso através do trabalho, como também pelo congraçamento moral. A cidade possuía entidades educacionais importantes, jornais diários e

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o discurso dominante utilizava como aval das suas intromissões no contexto social, uma

explicação com conotações de cientificidade e racionalidade, e acabou por resguardar com

legitimidade as operações voltadas ao condicionamento da conduta do individuo e, em

nome do bem da coletividade, aplicou seus desmandos. O temor e a preocupação estiveram

presentes na sociedade curitibana quanto à possibilidade de ocorrência de desordens que

lesassem a propriedade privada e pública, estando a punição vinculada à normatização do

indivíduo quando da sua inserção no contexto urbano. Com isso, a participação dos

moradores da cidade se deu de maneira diferenciada, a classe pobre sendo banida das áreas

centrais e discriminada em seus hábitos com a conseqüente punição nas mãos da polícia

que não via com bons olhos o transitar dessas pessoas pelas ruas. (LOUREGA, 1991, p.20).

Com esta perspectiva, aponta-se ainda que a cidade acabou dividida em três zonas na forma

de anéis concêntricos, situando pobres e ricos em espaços diferentes: a elite habitava o batel

e o Alto da Glória, enquanto as ruas Botiatuvinha, Cabral e Saldanha Marinho eram

ocupadas pelos pobres. (Ibid, 1991, p. 16-17).

Atribuiu-se o fenômeno ao crescido número de elementos de perturbação e

desordem fornecido pelas classes inferiores da sociedade, ao avultado número de

estrangeiros, na sua maioria proletários, a população ignorante, sem instrução suficiente

como guia, a ausência de sentimento religioso que refreia as paixões dos homens de baixa

classe, à falta de escolas primárias, à falta de policiamento para conter uma população que

crescia dia a dia e à falta de leis apropriadas à policia na prevenção dos crimes. Com

salvaguarda da ordem preconizada pelo Estado Liberal, as autoridades policiais assumiram

a idéia de que a elas cabia a prática administrativa que incorporava o controle e a direção da

vida social. Para melhor exercerem tal controle necessitavam diferenciar o homem honesto,

trabalhador, do marginal, vagabundo, como também estabelecer o grau de periculosidade

dos indiciados em processos34. Assim, as pessoas não teriam o que temer, pois para os

honestos era garantia de segurança individual, e para os acusados de algum delito, se

um intenso movimento cultural. Seu povo, possuidor de espírito cívico, e suas leis, liberais”. (MARTINS, 1939, p. 30). 34 Objetivando racionalizar a diferenciação, os convencionais determinaram a “identificação” de todas as pessoas detidas, independentemente de idade, sexo ou condição social, sem exceção de crimes, contravenções e motivos, como também determinam que identificariam as pessoas que necessitassem provar seus bons antecedentes. No entender dos convencionais, identificar-se como trabalhador, era obter cidadania, sendo que o passado político não tornava o indivíduo necessariamente perigoso, donde sua exclusão da permuta. Isso, no entanto, não significava que se pudesse anular registro ou queixa. (BONI, p.83-84).

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absolvidos, garantia do silêncio sobre o fato delituoso. E como se tratava de um convênio

puramente administrativo, haveria absoluta reserva sobre os antecedentes permutados,

restritos exclusivamente para uso de fins policiais e judiciários. Como medida de exemplo,

as polícias signatárias procederiam à identificação de todos os seus funcionários, ou

autoridades civis e militares35.

A ação policial contra a vadiagem e a mendicidade, e o apelo à caridade pública

ocultavam, na verdade, as contradições vividas em uma sociedade, que se queria liberal e

descentralizada, mas que, ao mesmo tempo, reivindicava uma ação eficiente do Estado no

combate a seus males, objetivando a garantia de seus privilégios. O trabalhador pobre

torna-se visível, mas desagradável aos olhos de uma elite que se pretendia “civilizada”.

1.2 A QUESTÃO DOS IMIGRANTES: CONFLITOS E INFLUÊNCIAS

Entre todos os elementos que contribuíram para marcar em Curitiba uma época de

grandes transformações, onde seu ar tipicamente “pacato e ordeiro”, ainda mal conhecido,

se alterou profundamente a instalação de novos habitantes, imigrantes, principalmente

italianos, alemães, poloneses, é um fator indiscutível. O urbano causava um estranhamento

levando as pessoas a se precaverem, vendo o perigo onde ele nem sempre existia. O

crescimento populacional, o afluxo de pessoas muito diferentes, nas aparências, na cultura e

nas formas de viver, que eram os imigrantes, povoavam a realidade e o imaginário das

pessoas que se punham em constante alerta. (TRINDADE, 1998, p. 103).

A população imigrante era composta, inicialmente, por franceses e alemães foi

acrescida de novos contingentes: italianos, poloneses e também alguns suíços passaram a

residir em colônias agrícolas nos arredores da cidade. É preciso não esquecer que a

imigração no Paraná não teve por objetivo suprir a carência de mão-de-obra para a grande

lavoura de exportação, mas sim, o de criar-se uma agricultura de abastecimento, uma vez

que a economia da Província e depois do Estado, em grande parte, girava em torno da

atividade ervateira e do comércio de gado. A par desta agricultura de abastecimento, a mão-

de-obra imigrante foi demandada para a realização de grandes obras como a construção de

35 Tornou-se obrigatório o atestado de “bons antecedentes” aos candidatos às forças armadas. Como o objetivo era garantir a segurança dos cidadãos, esse procedimento foi se estendendo progressivamente a toda a população. (BONI, 1985, p.85).

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estradas de ferro, principalmente a Curitiba-Paranaguá, a instalação de linhas telegráficas e

alguns outros serviços públicos. (BONI, p.11-12).

Nesse momento, a presença dos imigrantes foi também propulsora da criação de

escolas: protestos e reclamações sobre o descaso das autoridades com o ensino nas colônias

resultaram em mais de trinta escolas no perímetro dos núcleos coloniais. Instituições

sujeitas à regulamentação maior do ensino público do Estado, elas também apresentam uma

orientação nacionalista e laica, como a desejava a República. Dentre as instituições

particulares laicas, o decorrer do tempo assistiu, igualmente, à multiplicação das escolas de

imigrantes, sustentadas por diversas entidades representativas das comunidades étnicas, as

escolas alemãs, polonesas, ucranianas ou italianas, atingiram mais de duas dezenas, em

todo o período. Nas colônias, elas eram, segundo TRINDADE, construções precárias de

tábua-lascada, enquanto funcionavam no centro da cidade em condições muitas vezes

privilegiadas – caso da Escola da Communa Allemã, classificada, em 1908, pelo delegado

da primeira circunscrição escolar, como um “estabelecimento de primeira ordem”36.

Situavam-se a maioria nas proximidades dos núcleos imigrantes: as alemãs, mais

numerosas, no centro urbano e nas imediações da rua Treze de Maio; as ucranianas nas

proximidades do bairro das Mercês; a polonesas em Abranches, Nova Orleans e nos

arredores da rua Aquibadan, e as italianas em Santa Felicidade e na Água Verde.

(TRINDADE, 1992, p. 15).

Todos os esforços da administração pública no Brasil voltaram-se, nesse momento,

para a formação do patriota tentando impedir a emergência de interesses outros que não os

da construção da Nação brasileira. Mas, na Curitiba do período – ponto de conjunção de

numerosas etnias – alemães, poloneses, ucranianos e italianos, entre outros, povoavam as

colônias de seus arredores ou ocupavam zonas determinadas em seu centro urbano.

Tornava-se assim, praticamente impossível a imposição da ideologia republicana brasileira

a todos os seus habitantes. A doutrinação escolar nacionalista adotada em todo o país

sentia-se barrada em Curitiba pela resistência do imigrante a esse tipo de aliciamento; as

escolas estrangeiras constituíam centros dessa resistência nos núcleos coloniais37.

36 D’Albuquerque. B. B. L. Inspector Escolar da Capital. In: CERQUEIRA, A P. Relatório do Director Geral da Instrucção Pública do Paraná. Curitiba: S. Ed, 1908, p. 46. 37 A fundação de escolas nas colônias pelo grupo de imigrantes foi favorecida, em parte, à ineficiência governamental em atender à população escolar dessas localidades. As igrejas coloniais, de qualquer confissão,

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Por outro lado, o pensamento republicano via na escola o veículo ideal para atingir o

desejado nivelamento dos elementos culturais adversos ao projeto nacionalista. Daí o

desencadeamento do processo da “nacionalização das escolas”, manifesto, principalmente,

pela oposição acirrada aos estabelecimentos estrangeiros. Processo desenvolvido fora das

fronteiras familiares, a educação pretendia inculcar elementos de permanência na vida dos

indivíduos, repelindo, no ambiente escolar, tudo que fosse representativo das forças

políticas das outras nações – língua, cultura e tradições. A questão da língua é crucial nessa

polêmica, aparecendo a escola como núcleo tanto de manutenção quanto de substituição do

idioma38. Decorrem daí as exigências da ênfase no ensino da história, geografia e hinos

pátrios, na escolha de livros didáticos e, sobretudo, no ensino no português, incluindo-se a

obrigatoriedade da condução de todas as práticas do ensino nessa língua.

1.3 RELAÇÕES TRABALHO E EDUCAÇÃO

A proclamação da República foi o momento em que se introduziu o desejo se

transformar o indivíduo em parte ativa do progresso nacional e da prosperidade pública

utilizando-se a escolarização como fator dessas mudanças. Embalados por essa utopia, os

ideólogos do período olharam com esperança o sistema escolar enquanto veículo de

disseminação da instrução e regulador da oferta de mão-de-obra no mercado nacional. Daí a

necessidade de multiplicação das escolas primárias para a alfabetização das massas e da

escola profissional, de orientação utilitária. De acordo com esse pensamento buscava-se,

em todo o país, e em Curitiba, a elevação do nível da educação popular e a modificação dos

padrões do ensino. Dessas propostas advém, além da proliferação das escolas primárias, a

reformulação dos cursos secundários e normal e a valorização das escolas profissionais, às

uniram-se também às iniciativas dos imigrantes na promoção do ensino, mantendo escolas comunitárias dentro do seu território. (TRINDADE, 1992, p. 93). 38 Em 1924, o Inspetor Geral do Ensino, César Prieto Martinez, faz ainda eco dessas observações: “Impressionam bem aqueles rostos corados, de linhas bonitas, com os olhos quase sempre azuis e os cabelos dourados da cor dos trigais, em novembro. Dir-se-ia, que são todos irmãos, tal a uniformidade do conjunto. Seu olhar curioso parecer inquirir qual o fim da visita. E se esta lhes dirige a palavra, continuam calados, como se nada entendessem. E, de fato não entendem uma só palavra do que se lhes diz, por mais usual que seja. Comumente, uma freira atende a visita e em péssimo brasileiro presta as informações que se deseja. As outras que passam, ou aparecem, apenas curvam a cabeça em saudação, pois não sabem uma palavra em português. Dentro, na sala de aula, nota-se invariavelmente a presença de mapas, cartas, murais e livros em polaco. Se por ventura uma das crianças sabe falar e se lhe pergunta qual a sua nacionalidade, invariavelmente responde: ‘polaca’“. (MARTINEZ, C. P. Relatório do Inspector Geral do Ensino. Curytiba: Typ. Da Penitenciaria do Estado, 1924, p 79-80).

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quais se atribui um papel significativo na regeneração e formação das categorias menos

abastadas. Na tentativa de resolver a carência educativa da população curitibana a partir

desses novos preceitos, procura-se ainda estabelecer uma situação limítrofe às escolas

profissionalizantes, com a criação das escolas noturnas e dos cursos comerciais. A Escola

Noturna da Câmara Municipal e a Escola Noturna Republicana buscavam atender aos

trabalhadores que desejavam um aprimoramento intelectual e profissional. (TRINDADE,

1992, p. 69-70). Como a idéia de dar a uma criança a possibilidade de ascensão social pela

instrução não chegava a permear a sociedade da época de forma significativa, no que

respeitava aos trabalhos manuais reserva-se aos alunos pobres atividades de feição

utilitária. Já as aplicações das práticas mais elaboradas destinavam-se aos egressos das

camadas mais favorecidas, visando à aquisição das noções de ordem e precisão, com vistas

ao desenvolvimento da personalidade. Nessa circunstância, deu-se uma revalorização

ideológica do trabalho, que passa a adquirir um cunho educativo39.

As cidades, na entrada do século XX, tiveram um impulso de crescimento, justificado

por vários fatores: o forte afluxo de imigrantes, sobretudo na região sul; o implemento

industrial com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e as novas

atribuições político-administrativas das cidades capitais dos estados e das cidades

portuárias. Em Curitiba, a preocupação em educar as crianças e tirá-las das ruas ressoou na

segunda década do século XX, apontando como solução imediata e definitiva a educação

para o trabalho, que poderia transformar um futuro exército de anti-sociais: “vagabundos,

bêbados, jogadores, ladrões e assassinos em legião de operários, agricultores, etc, úteis à

família, à pátria e à sociedade”40. É no contexto dessas preocupações e propostas que se

estabelece aqui, em 1910, a primeira Escola de Aprendizes41, oferecendo habilitação de

marceneiro, sapateiro, alfaiate, entre outras. (TRINDADE, 1998, p.187)42.

39 COSTA, A.H.C.I. da. A educação para trabalhos no Estado de São Paulo. In: Revista de Estudos Brasileiros. São Paulo: 1982, p. 6 e 7. 40 Jornal A Republica, 19 de março de 1909, p. 2. “Infância abandonada”. 41A Escola de Aprendizes e Artífices será trabalhada mais adiante, mas desde agora é válido ressaltar constituía um símbolo importante da mentalidade educativa da época. Além das já citadas habilitações, havia a militarização infantil na forma de batalhões, assim como no Gymnásio Paranaense, como forma de disciplinarização dos corpos. 42 Para se ter idéia da ligação entre indústria e educação, o Código Penal estabelecia, desde 1890, a responsabilidade penal aos menores a partir de 9 anos completos. Esses menores, quando inculpados e condenados, por terem agido com discernimento, numa faixa entre 9 e 14 anos, deveriam ser recolhidos a estabelecimentos industriais ou de regeneração. O cumprimento da pena disciplinar poderia se estender até os 21 anos, caso o menor fosse considerado vadio. Essa determinação reflete o encaminhamento que se dá à

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O Estado não ficava alheio às tensões provocadas pela expansão das cidades e

conseqüente aumento de desocupados e outros tipos que povoavam as ruas. É nesse

contexto, tendo como pano de fundo o avanço das formas industriais de produção, que se

solidificou a intervenção controladora do espaço social policiando qualquer indício de

perturbação da ordem física e moral43. Como justificativa dessa intervenção ordenadora,

foram criadas técnicas, assimiladas teorias e leis em instituições que, no seu conjunto,

formaram a política social adequada para aquele momento século XX. As novas

concepções de administração pública tomaram feições mais nítidas à medida que o regime

republicano foi se sedimentando e apontando para a necessidade de se adequar a sociedade

à nova razão de um estado industrial e capitalista. Os procedimentos disciplinares que

visam essa nova ordem tratavam de esmiuçar a vida dos indivíduos, impondo sutilmente

uma “docilização” e o aumento da produtividade desses corpos, estabelecendo uma série de

medidas e organizações dos espaços físicos da cidade: a intervenção direta do poder

público na constituição de dispositivos táticos, na criação de instituições, contando em

alguns casos com a colaboração de particulares; a modificação nos hábitos dos indivíduos;

a redefinição da ordem, dentre outras práticas. A aplicação da disciplina remetia à ordem e

a aplicação de determinadas regras em se manter a ordem. Por sua vez, a ordem

transformava técnica e mentalmente o indivíduo, e os constitui em corpos dóceis e

rentáveis.

Em 1920, quando da realização do recenseamento, este acusou a existência, no

município, de fábricas têxteis, couros, madeiras, metalurgia, cerâmica, produtos químicos,

alimentação, vestuário e toucador, mobiliário, edificação, aparelhos de transportes,

construção da “sociedade civilizada” intimamente ligada à idéia de progresso e de trabalho, e se ajusta à realidade da emergência do trabalho livre, quando crianças, ainda em pouca idade, passam a fazer parte da força de trabalho nas fábricas e oficinas. Determinado que o menor infrator fosse “corrigido” através de pena disciplinar do trabalho, a lei deixa implícita a preocupação de seus autores com os “meninos pobres” e sua inserção na sociedade como força de trabalho (BONI, 1985, p.144). 43 Até o advento da industrialização, o trabalho é uma ocupação relativamente livre, sujeito às intempéries do tempo e à diversidade das tarefas que cabem aos membros dos grupos familiares; ele possui um caráter irregular e cíclico, alternando períodos de intensa diligencia com o mais completo ócio. Em função dessa descontinuidade e dessa amplitude, a sociedade se organiza com base em uma cultura popular, vigorosa e livre abrindo-lhe espaços que abolem praticamente as diferenças nos papéis sociais. Já com o início da economia industrial, o trabalho torna-se bem mais disciplinado e rígido, aumenta e aguça a divisão sexual, seccionando-se em uma face interna, doméstica, feminina e não remunerada, e uma externa, masculina e paga. Em todo o mundo ocidental, como no Brasil, a sociedade industrializada passa a dar especial atenção à educação e ao adestramento das massas populares para os novos mercados de trabalho, preocupando-se igualmente com a possível inserção da mulher nos meios profissionais. (TRINDADE, 1992, p. 69).

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produção e transmissão de forças físicas, relativas às ciências, letras e artes, indústrias de

luxo e outras, que empregavam 8.017 dos 78.986 habitantes, e, dentre elas, as de vestuário,

toucador e edificação, eram as que maior número de operários empregava, sendo 2.967 e

1.359 respectivamente. O restante da população diluía-se nas demais atividades, sendo que

o item “profissão não declarada” e “sem profissão” abarcava 29.465 na faixa até 14 anos e

21.184 de 15 anos e mais, perfazendo a impressionante cifra de 50.649, além das 2.931

pessoas com profissão mal definida. (MARTINS, 1941, p. 29). Mas essa relação de fábricas

apresenta-nos uma realidade onde os sistemas produtivos foram basicamente de estrutura

com tecnologia rudimentar, constituindo-se de oficinas artesanais com dimensões pequenas

e sem a possibilidade de oferecer muitos empregos. Assim, havia empresas muito limitadas

e a absorção de trabalhadores era até inexpressiva, o que agravava as contradições no plano

social, uma vez que a população crescia, formando um contingente de desempregados cada

vez maior.

Portanto, apesar de encontrarmos no âmbito do discurso uma celebração da

industrialização em Curitiba e verificarmos sua distância das condições existentes, percebe-

se, contudo, um vínculo destas idéias com um projeto mais amplo, ou seja, em nome do

progresso a sociedade passava a ordenar valores e comportamentos justificadores desta

retórica. Deste modo, a modernidade acalentada em Curitiba, através das relações

produtivas e do Estado, levou à preocupação de normatizar o contexto urbano que já

apresentava uma tessitura permeada de diversos problemas sociais. (LOUREGA, p. 16-17).

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2. EM BUSCA DO OBJETO: AS NOVAS VISÕES, UTILIDADES E USOS DO CORPO JOVEM A PARTIR DOS ANOS 20.

2.1 NOÇÕES DE DISCIPLINA, EDUCAÇÃO E UTILIDADE DO CORPO NO

PENSAMENTO DE FOUCAULT.

Embora se possa notar a apropriação feita do pensamento de Michel FOUCAULT,

pela leitura do primeiro capítulo deste trabalho, julgo importante desenvolver, mesmo que

rapidamente, alguns aspectos pelos quais resolvi utilizar o pensamento deste autor como

teoria para pensar os novos usos e visões sobre o corpo, principalmente o jovem, no Brasil

da primeira metade do século XX. Primeiramente, o que me levou a tal apropriação foram

minhas próprias referências bibliográficas, pois os diversos autores que li e explorei para

construção do primeiro capítulo fizeram uso das noções foucaultianas, principalmente ao

tratar da reordenação do espaço e as novas noções de disciplina na educação e no trabalho.

Assim, me senti bastante à vontade para fazer uso dessas mesmas noções para tratar da

disciplinarização corpo, que virá mais fortemente nesse segundo capítulo. É válido ressaltar

que as idéias apropriadas neste trabalho são da obra Vigiar e Punir. Em segundo lugar, é

muito utilizada a diversidade com que o autor trata a noção de disciplina. Esta é relatada de

várias formas, assim como também é apropriada de diferentes maneiras por historiadores.

No período estudado, ocorria uma nova concepção de disciplinarização na sociedade como

um todo, representado nesse trabalho principalmente no viés da educação, e mesmo na

aproximação da escola com a fábrica. Por último, tal apropriação foi feita porque o autor

trabalha no âmbito de uma nova exploração do corpo e do indivíduo, um momento de

descoberta do corpo como objeto de poder: manipulação, modelagem, treinamento,

obediência, habilidade e multiplicação de forças. O nascimento das noções de

adestramento, de docilidade, feitas pelas/nas instituições como escolas, hospitais e quartéis.

Para controlar e corrigir esse corpo individual, a noção de disciplina confunde-se com

dominação44.

44 Importante considerar que Foucault trabalha essas noções na Europa do século XVIII, tanto as novas visões do corpo como sua utilidade para a sociedade como um todo, mas devido ao momento político-social brasileiro do período estudado, acredito ser plenamente possível apropriar os conceitos e idéias, pois no Brasil da primeira metade do XX, o corpo estava sendo descoberto e sua educação tinha novas finalidades. Então, a aproximação feita pelo autor entre a educação na escola, no quartel e na fábrica é valida, com algumas ressalvas é claro, para a educação desejada e implantada no contexto histórico deste trabalho.

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Assim, seria importante não apenas cuidar do corpo, mas trabalhá-lo

detalhadamente visando uma economia e eficácia dos movimentos, além da necessidade de

organização interna das instituições responsáveis pela educação.“Esses métodos que

permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante

de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar

de ‘disciplinas’”. (FOUCAULT, 2002, p. 118). Essas disciplinas surgem em um “momento

histórico em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de

suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação

que no mesmo mecanismo o torna mais obediente quanto mais é útil”45. (Ibid, 2002, p.

119).

O corpo humano foi colocado, então, numa maquinaria de poder que o

esquadrinhava, o desarticulava e o recompunha. Esta nova disciplina dissociava o poder do

corpo, fazendo dele aptidão, uma capacidade aumentada; invertia a energia e a potência

resultante disso e fazia uma relação de sujeição estrita, logo, com a aptidão aumentada, o

indivíduo se tornava bem mais educado, no sentido de “útil”. A disciplina pode ser vista

também como distribuição do espaço, o que grosso modo, chamamos de “cercas”, que

seriam os colégios, os quartéis e as fábricas, por exemplo. Essas instituições acabaram

tendo destaque e importância devido a uma necessidade de educar pelo espaço, organizar os

corpos. Cada indivíduo ocuparia seu lugar e em cada lugar haveria um indivíduo46, também

relacionado à questão do horário: colégios, fábricas, hospitais e quartéis no Brasil. Para o

novo cidadão republicano desejado pelo governo, o tempo deveria ser completamente

utilizado, acabando com a ociosidade, dando mais rapidez e eficácia às atividades distintas.

A noção de disciplina que tem-se aqui é a disciplina como a reorganização do tempo, como

individualidade celular e orgânica, porém, em prol da nação brasileira47.

45 A necessidade de melhoramento do corpo, assim como a noção de utilidade do mesmo em favor da sociedade, será estudada mais detalhadamente neste mesmo capítulo. 46 Na escola, por exemplo, são as fileiras que dão ordem e individualizam. “A ordenação por fileiras, começa a definir a grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios. Colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova”. (FOUCAULT, 2002, p. 125-126). A organização de um espaço serial foi uma foi uma das grandes modificações técnicas do ensino elementar para o autor. As disciplinas organizando celas, lugares e fileiras criaram espaços complexos arquiteturais, funcionais e hierárquicos. 47 Foucault pensa a questão do tempo de uma forma mais ampla, mais sujeito à normas, quase que em um esquema “fordista”, pensando de maneira simplista e se é que tal comparação é possível. Para ele, o tempo deve ser analisado como “uma duração em segmentos, sucessivos ou paralelos. É fundamental então decompor o tempo em seqüências, separadas ou ajustadas, organizar essas seqüências combinando-as

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É na articulação combinada das peças elementares que a disciplina se compõe, pois

passa a somar forças para obter um aparelho eficiente. O corpo-segmento deveria ser móvel

e articulável, reduzido funcionalmente dentro de um conjunto, uma peça de uma máquina

multi-segmentar. A escola, por exemplo, “torna-se um aparelho de aprender onde cada

aluno, cada nível e cada momento, se estão combinados como deve ser, são

permanentemente utilizados no processo geral do ensino”. (FOUCAULT, 2002, p. 140). A

disciplina também pode ser entendida como uma coerção individual e coletiva dos corpos.

Disciplinar adquire em alguns momentos o significado de adestramento, que visava

aprimorar os indivíduos, que passaram a serem vistos como objetos e instrumentos de

poder.

Havia, nessa linha de pensamento, a necessidade de uma vigilância para melhorar

eficácia do aprendizado, a fiscalização dentro da sala pelos alunos, estabelecendo uma rede

de relações, com poder múltiplo, automático, anônimo e com olhares calculados, devido à

normas e punições dentro dos sistemas disciplinares. As repressões se transformaram em

micro-penalidades do tempo, da atividade, da maneira de ser, dos discursos, do corpo, da

sexualidade, enfim, processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações ligeiras e

pequenas humilhações. (Ibid, 2002, p. 149). A nova disciplina tem uma maneira específica

de punir, a punição moral: o sistema oferece sempre condições de aprendizagem e o castigo

disciplinar tem a função de reduzir os desvios, portanto, deve ser essencialmente corretivo,

onde castigar signifique causar arrependimento. Dentro da escola passou a haver um certo

maniqueísmo, pela separação dos bons e maus indivíduos, logo, as penalidades são

proporcionais a cada perfil do aluno, dentro de uma relação de recompensa e punição. A

arte de punir não visa nem a expiação, nem mesmo diretamente a repressão. O que se

objetivava era hierarquizar valores e níveis para alcançar a uniformidade, o normal. Quem

está fora dessa uniformidade, por conseqüência está fora do conjunto e é considerado

anormal.

segundo uma complexidade crescente e finalizar esses segmentos temporais, fixar-lhes um tempo marcado por uma prova. Deveria então estabelecer-se séries de séries para haver a probabilidade de um controle detalhado e de uma intervenção pontual. Utilizar os indivíduos de acordo com o nível que tem nas séries, acumular, distribuir e aproveitar o tempo e as atitudes. O poder se articula diretamente sobre o tempo. Realiza o controle dele e garante sua utilização”. (FOUCAULT, 2002, p. 136).

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Havia necessidade, para se alcançar um objetivo maior, o progresso, modificar o

comportamento, treinar e re-treinar os indivíduos. Tornar mais forte as forças sociais,

aumentar a produção, desenvolver a economia, espalhar a instrução, elevar o nível da moral

pública, aumentar a utilidade possível dos indivíduos, através da majoração de forças,

moralização de condutas, modelagem de comportamentos, como corpos em uma máquina.

Logo, disciplinas como técnicas para formar indivíduos úteis e acabar com problemas

sociais: a preguiça, a ociosidade e as tropas de mendigos. Então, necessidade de multiplicar

as instituições de disciplina e disciplinar os aparelhos existentes, da maior e melhor maneira

possível, “assim, a escola não deve simplesmente formar crianças dóceis. Deve também

permitir vigiar os pais, informar-se de sua maneira de viver, seus recursos, sua piedade,

seus costumes. A escola tende a constituir minúsculos observatórios sociais para penetrar

até nos adultos e exercer sobre eles um controle regular”. (FOUCAULT, 2002, p. 174).

A estatização dos mecanismos de disciplina ganhou força, passou então a ser vista

como uma urgência: o poder policial, sobre tudo, vigiava e controlava a massa dos

acontecimentos, das ações, dos comportamentos, das opiniões. Esse poder tornou-se

visível, mas o vigilante em si não precisava necessariamente ser visto, porque “a disciplina

não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho, ela é um tipo de poder,

uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de

técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos, ela é uma física ou uma

anatomia do poder, uma tecnologia”. (Ibid, 2002, p. 177). A sociedade não é mais de

espetáculos, mas de vigilância48. Disciplinas são, então, técnicas para assegurar a ordenação

das multiplicações humanas, ou, em exemplos: separação e verticalidade, redes

hierárquicas precisas e individualização.

Penso ser plenamente possível aplicar o pensamento de Foucault sobre o conceito

de disciplina e as técnicas disciplinadoras para o contexto histórico deste trabalho – o

Brasil, ou melhor, a sociedade curitibana da primeira metade do século XX. Aqui, foi nesse

48 Essa mudança de “espetáculo” para “vigilância” é descrita por Foucault ao longo de Vigiar e Punir. No início da obra, o autor descreve suplícios em praças públicas e a exclusão dos “anormais” como forma de exemplo para coerção da população. Com o passar do tempo, mudou-se a concepção de educação e utilidade: os indivíduos passaram a serem vistos como membros do corpo social, necessários para o meio onde vivem, logo, deveriam ser educados para contribuir com a sociedade. Logo, ao invés de simplesmente eliminá-los em caso de distúrbios, o governo passa a investir na reeducação dos indivíduos, para que estes se reintegrem e passem a colaborar com a sociedade onde vivem. Em virtude desse pensamento, surgem instituições como prisões e manicômios.

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momento que ocorreu a descoberta do corpo como instrumento útil pela sociedade em

geral. Além disso, com o grande crescimento urbano houve a necessidade de re-

organização do espaço e de seus moradores, e, juntamente com esse crescimento veio a

industrialização, aproximando a escola da fábrica, dando aos educadores a necessidade de

melhorar o corpo, principalmente o jovem, no sentido de treiná-lo para esse mercado de

trabalho e educá-lo para a utilidade em prol do desenvolvimento da nação. A educação (ou

a escola), descobriu o corpo e pelo seu domínio disciplinava/adestrava o indivíduo pelo

olhar e pela hierarquia. Por isto, paulatinamente se abandonou o castigo físico, como por

exemplo, a palmatória. Essa mentalidade era orientada pela noção de progresso vigente nas

correntes intelectuais vindas da Europa e dos Estados Unidos e que tiveram reflexos

particulares no contexto brasileiro, como será mostrado a seguir.

2.2 IDÉIAS EDUCACIONAIS E AMBIENTE ESCOLAR

No Brasil, a partir dos anos 20 do século XX reforçou-se a proposta educativa geral,

principalmente no caso dos meninos, futuros homens, explicitamente a da educação moral e

para o trabalho. Fazia-se referência às oficinas de sapateiros, chapeleiros, entre outras,

instaladas nas casas de recuperação, nos asilos somando-se a esses as escolas de aprendizes,

artífices ou marinheiros. (TRINDADE, 1992, p. 197). Essas instituições assumiram funções

diversas, como de educar, preservar e conservar, e, sobretudo, a tríplice função: de retirar o

jovem das más influências, ou dos meios deletérios; estimular e incutir o amor ao trabalho,

ao mesmo tempo que davam aos seus acolhidos uma consciência do que é correto, honroso

e salvador. Tudo isso feito com ordem e disciplina. A disciplina fortalecendo os corpos,

criando o que Foucault denomina de uma “política de coerção e manipulação calculada de

seus elementos, de seus gestos e comportamentos”.49 A salvação desses menores era

projetada via trabalho ou educação de duas formas, mostradas como únicas para se obter a

cidadania50.

49 FOUCAULT, M. Op. cit, 2002, Terceira parte: “A disciplina”. 50 Esta pensada não como prática política de defesa e conquista de direitos, mas como uma forma de acomodação social. A cidadania, como forma de acomodação e inserção social, está presente no discurso da República Nova e será paulatinamente substituída pela cidadania política. No entanto, a estratégia de obtenção continua sendo via trabalho ou educação. O resultado esperado é o mesmo, a acomodação dos indivíduos. A cidadania que se explica é baseada na noção positivista, por definição excludente dos direitos políticos e preocupada com os direitos civis e sociais, com destaque para o direito à educação primária e à proteção da família e até mesmo, em alguns casos, pregando a defesa do trabalhador. A exclusão dos direitos

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À propagação das escolas primárias, segue-se a valorização do ensino público

secundário de cunho propedêutico e dos cursos profissionalizantes51. Nesses ambientes

austeros, pretendia-se disseminar a moral, difundir a ética, enaltecer o progresso e o

trabalho; distribuir a disciplina e a ordem, incentivar o civismo e introduzir a saúde e a

higiene. O tempo escolar previa um mínimo de ociosidade e o máximo de eficiência. O

ambiente educativo será também função de um bom regime de estudos, do sistema

disciplinar, dos horários que permitam aos alunos trabalhar com método, com

tranqüilidade, com atenção em continuidade necessária para que o estudo seja fecundo,

feito em condições higiênicas, com intervalos de descanso necessário para conservar

íntegra a saúde, e, portanto, o otimismo, o estímulo para perseverar no esforço52. Os jovens

que estudavam no Ginásio Paranaense pareciam entender e concordar com essas idéias. No

jornal dos estudantes, em diversos momentos a educação era colocada como veículo que

transportava para o futuro. Cito um artigo publicado no jornal53, onde tem-se que:

A educação é a civilização dinâmica, civilização em marcha do passado, só o que existe para a história, só o que o homem sabe – porque o futuro é o que ele espera, ou teme, e o presente é apenas a ponta extrema desse passado. A educação olha esse futuro, nossa preocupação, tentando o aperfeiçoamento dos órgãos desse imenso e imortal organismo, que é a sociedade. Se é um problema a resolver na escola ativa da vida o futuro humano, ele só pode ser resolvido com a experiência anterior do passado humano.

A educação seria então responsável, de acordo com o aluno, pelo dinamismo da

civilização, que deixava um passado ruim, ou, no mínimo, desinteressante para ir em

direção a um futuro mais sadio, tomando a analogia da sociedade como um organismo.

Esse dinamismo não era concebido pelos trabalhadores das fábricas, ou em qualquer outro

lugar, mas sim dentro da escola, reduto de jovens. A escola era vista como o local onde esse

organismo ganharia efetivamente vida, onde esse organismo ganharia um sentido, pois

formaria cada um dos órgãos desse corpo. políticos deu aos direitos civis consentidos um aspecto de concessão e não resultado de reivindicações legitimas. Esse será um traço persistente e destacado da cidadania republicana, que legitima a ação paternalista dos governantes. (TRINDADE, 1992, p. 226-227). 51 Em 1909, um Decreto Federal determina a criação em cada capital do Estado, de uma escola de Aprendizes e Artífices, subordinada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, destinada a ministrar o ensino profissional e primário gratuito. (COSTA, A.M.T.A. A educação para trabalhadores no Estado de São Paulo

(1889-1930). In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo, 1982, p.8.) 52 COSTA, L. F da. A dimensão de um homem: Lysimaco Ferreira da Costa – O educador. 53 Jornal do Gymnásio Paranaense, número 1, ano 1, 15 de novembro de 1939, página 3. Escrito pelo aluno Eduardo Wal.

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Na escola, a formação do cidadão implicava, pois, numa série de princípios que se

colocavam em prática em todos os estabelecimentos de ensino. Calcada no sentimento e na

moral, na ética e no altruísmo, a transmissão desses princípios utiliza estratégias que

facilitam o ajustamento do indivíduo ao modelo pretendido: disciplina e ordem,

aprimoramento físico, moral e cívico. Pressupondo que a educação é algo capaz de adestrar

fisicamente a pessoa, com vistas à obtenção de determinado resultado, a disciplina escolar

no período republicano tende a organizar-se em moldes quase militares. Toma-se, para isso,

o exemplo do Exército, considerado uma verdadeira escola da ordem, da disciplina e da

coesão; o laboratório da dignidade; o reduto do asseio, da higiene e da regeneração

muscular e física54. Sob esse exemplo, o objetivo nacionalista da escola era fabricar

também corpos submissos e exercitados – dignos, asseados e fortes. A disciplina do corpo

induziria à do intelecto, à do espírito e até da alma. Ela é um exercício de poder que se

expressa em uma determinada tecnologia formada pelo conjunto de instrumentos, de

procedimentos, de níveis de aplicação e de alvos – através da disciplina constrói-se uma

sociedade55. Estreitamente ligada à disciplina, a ordem é a segunda estratégia utilizada na

configuração escolar, sob a forma de lei, regulamento ou programa.

Em seu sentido amplo, a ordem estruturava toda a “máquina de ensino” e as pessoas

dentro dela. Unir ordem e disciplina podia tornar-se uma prática muito eficaz. Era a ordem

que garantiria a obediência dos indivíduos e a melhoria de seu desempenho, além da

economia de tempo e trabalho, fazendo o espaço escolar distribuir-se não só como uma

“máquina de ensinar”, mas também de vigiar, hierarquizar e recompensar. Disciplina,

ordem e hierarquia eram recursos do discurso educativo que possibilitam a ênfase na

preparação da patriota, no planejamento escolar. Na tentativa de congregar o sentimento

patriótico de todos os brasileiros, o sistema escolar enfatizava, ainda, em seus programas os

aspectos formadores de um caráter nacional, aos quais não estava alheio nenhum conteúdo,

do perfeito conhecimento do idioma pátrio aos exercícios de trabalhos manuais.

Necessitando a pátria de corpos fortes e adestrados para sua defesa, o governo incentivava

os programas de desenvolvimento físico e agilidade motora. Completavam o elenco dos

54 NAGLE, J. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1974, p. 11. 55 FOUCAULT, M. Op. Cit, 2002, p.189-190.

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estudos que o patriota devia cumprir, as aulas de Moral e Civismo, cuja intenção era

despertar nos alunos o amor à República e a consciência patriótica56.

No início dos anos 30, a situação da educação em Curitiba era considerada

adiantada, ministrada em 300 escolas; 20 grandes colégios57. Até o final de 1934, a ação da

Inspetoria Geral do Ensino Secundário, no Paraná, se estendia pelos seguintes

estabelecimentos: Gymnásio Paranaense (Internato e Externato), Gymnásio Iguassú,

Collegio Nossa Senhora de Lourdes, Collegio Novo Ahteneu, Colégio Parthenon

Paranaense, Collegio Progresso, Lyceu Rio Branco, Instituto Santa Maria e Gymnásio

Regente Feijó. De todos eles, apenas dois eram públicos: o Ginásio Regente Feijó e o

Ginásio Paranaense. Portanto, a maior parte do ensino secundário no Paraná, no início da

década de 30, era da iniciativa particular, leigos ou religiosos58. Em Curitiba, o

aparecimento de estabelecimentos particulares leigos de ensino secundário remonta a

meados da década de 20. “Devido ao crescimento populacional da cidade, que nessa época

contabilizava aproximadamente 100 mil habitantes, a exigência de novos estabelecimentos

escolares, sobretudo de nível secundário ou profissionalizante, era cada vez mais

expressiva”59. Nos anos 30 e 40, algumas instituições católicas de ensino passaram a ofertar

o curso ginasial60.

A partir desses dados, nota-se que, na década de 20, a expansão do ensino

secundário em Curitiba teve como característica a criação de estabelecimentos particulares

56 Na verdade, há um grande debate entre o que se pretendia nos planos de ensino e o que realmente era efetivado dentro da sala de aula e do espaço da escola. Seria quase que ingenuidade acreditar que absolutamente todas as determinações governamentais eram prontamente atendidas sem nenhuma adaptação (devido a diversos fatores, como o fator econômico da escola, por exemplo), ou até mesmo que não fossem atendias ou debatidas entre professores, inspetores e diretores escolares. Como esse trabalho não visa propriamente essa discussão, para aprofundar o tema ver GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995; TABORDA de OLIVEIRA, M. A; MEURER, S. dos S. Tensões entre o prescrito e

o realizado na escolarização paranaense na década inicial do séc. XX: experiências de professores primários

a partir da análise dos relatórios de instrução pública. In: VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. Uberlândia: UFU, Anais, 2006. 57 Escola Complementar; Escola Normal Secundária; Ginásio com duas seções, internato e externado; Instituto de Música; Escola Agronômica; seis Escolas de Comércio; Patronato Agrícola; Escola Profissional Feminina; Escola de Aprendizes Artífices; Seminário e Conservatório de Música. (MARTINS, 2006, p.49). 58 MARTINS, C. R. K. A disciplina de história no ensino secundário público paranaense: 1931 a 1951. Curitiba: UFPR, Setor de Educação, tese de doutorado, 2006, p. 50. 59 BOSCHILIA, R. T. Modelando condutas: a educação católica em colégios masculinos (Curitiba – 1925-

1965). Curitiba: UFPR, Departamento de História, tese de doutorado, 2002, p. 60. 60 Como, por exemplo, o Instituto Santa Maria, em 1931; o Collegio Nossa Senhora de Lourdes, em 1933; o Divina Providencia e o Sagrado Coração de Jesus, em 1938, o Nossa Senhora de Sion, em 1940, o Bom Jesus, em 1947 e o São Jose, em 1949. (MARTINS, 2006, p.51-52).

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leigos. Já no decorrer dos anos 30 e 40, essa expansão teve como destaque a oferta de

cursos ginasiais por parte de instituições de ensino religiosas católicas. Nesse contexto,

quando foi criado o Ministério da Educação e Saúde e elaboraram-se novas reformas

educacionais, a educação era vista como a solução para os problemas do país, porém,

ideologicamente, existiam diferentes propostas educacionais, destacando-se as posições dos

católicos e aquelas que a historiografia educacional costuma designar como liberais, os

quais eram representantes do Movimento da Escola Nova61. Se, num primeiro momento, a

Igreja Católica se opôs à Revolução de 30, que seria “obra da Constituição sem Deus, da

escola sem Deus, da Família sem Deus”62, logo ela procurou encontrar o seu espaço no

novo regime e conseguiu que o governo promulgasse um decreto tornando o ensino

religioso facultativo nas escolas públicas, que foi mantido pela Constituição de 1934.

(MARTINS, 2006, p.53).

Essa grande expansão do ensino privado foi considerada como um problema no

período do ministério de Capanema, pois ficava mais difícil estabelecer um controle e

garantir que as funções do ensino secundário fossem cumpridas. “O caminho encontrado

consistiu em, por um lado, definir o currículo do curso secundário de forma bastante estrita,

e orientado para a formação cultural e de elite; e, por outro lado, criar uma estrutura

burocrática bastante complexa de inspeção e reconhecimento”. ”(SCHWARTZMAN;

BOMENY; COSTA, 2000, P. 207). Outra questão a ser lembrada é que a partir dos anos

30, economicamente, há uma expansão da industrialização no país, em oposição a uma

economia que até então havia sido predominantemente agro-exportadora. Em

conseqüência, tem-se uma diversificação da população brasileira e um aumento da

demanda por escolarização. Em 1933 havia 2036 alunos matriculados no ensino secundário

no Paraná. Nesse mesmo ano, o número de matriculas no Ginásio Paranaense era de 482

alunos. Ou seja, aproximadamente um quarto de todos os alunos secundaristas do Paraná,

ou 23,67% eram alunos do Ginásio Paranaense. Isso tudo indica o quanto o acesso ao

ensino secundário era restrito a uma pequena população. (Ibid, 2006, p.59).

61 Entre os liberais, destacavam-se nomes como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, os quais defendiam uma escola pública, universal, gratuita, laica e com co-educação dos sexos. Já o grupo católico, que se levantou contra o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, era a favor da expansão do ensino particular e contrário à laicização do ensino, à escola única, a co-educação, à gratuidade do ensino e ao monopólio estatal da educação. 62 SCHWARTZMAN, S.B; BOMENY, H. M; COSTA, V.M.R. Tempos de Capanema. Rio de janeiro: Cades/MEC, 1959.

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Tanto no Brasil como no Paraná, o número de matrículas no secundário era cerca de

30 vezes menor que no primário. Outro dado que merece ser destacado é que no ensino

primário era bastante baixa a freqüência em relação ao total de matriculas, tanto no Brasil

como no Paraná. Já no secundário, essa diferença, embora exista, não era tão grande,

também no Brasil e no Paraná. Já em relação ao número de unidades escolares, no Brasil

havia cerca de 70 vezes mais escolas primárias que secundárias, no Paraná havia 90 vezes

mais63.

Entende-se assim a posição do ministro em relação às finalidades da educação

secundária, a qual deveria ter um cunho meramente patriótico e nacionalista e ser

formadora das elites condutoras da nação – uma elite católica, masculina, de formação

clássica e militar. (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, P. 218). Nesse período,

a instrução cívica estava preocupada com os direitos e deveres civis e políticos do cidadão,

com a idéia do dever do voto e da fiscalização dos atos de governo. Ela era vista como um

conjunto de ensinamentos destinados a formar o homem de bem e o cidadão útil à pátria e

deveria tratar dos deveres e direitos do homem, particularmente, ou em relação à família e à

sociedade. (MARTINS, 2006, p.76). O projeto político para a educação, ao longo dos anos

30, passou a ser associado à idéia de engrandecimento da pátria e de preparação de uma

raça forte, brasileira. A partir de 1935, a fim de combater o grande inimigo que passou a ser

o comunismo, a educação passa a ser associada cada vez mais à questão do patriotismo.

Com a instauração do Estado Novo, em 1937, a educação teria o papel de ficar a serviço da

Nação, de formar o cidadão do novo regime que se impunha, e o ensino secundário passou

a ter uma finalidade muito clara: acentuar a consciência patriótica e humanística da

juventude brasileira. Inculcar cultura na juventude era algo considerado primordial também,

pois, segundo outra aluna, Glicínia França, do curso pré-médico, aprimorar a cultura é

concorrer para o engrandecimento da pátria, em todos os setores, pois, a cultura é uma

arma tão extraordinária que prudente e sabiamente manejada, conquista vitórias que

outras armas não conquistam.64 A referência da aluna à armas nesse caso acontece pelo

momento da Segunda Guerra Mundial, já desenrolada em novembro de 1939. Melhor

63 Brasil, 2.221.904 alunos matriculados no ensino primário e 66.420 no secundário; Paraná, 69.141 no primário e 2.036 no secundário. Brasil 1.411.595 no primário e 60.586 no secundário; Paraná, 38.801 no primário e 1.941 no secundário. No Brasil, 29.553 escolas de ensino primário, para 417 de ensino secundário. No Paraná, 1.081escolas de ensino primário para 12 de ensino secundário. (MARTINS, 2006, p. 59). 64 Jornal do Gymnásio Paranaense, número 01, ano 01, novembro de 1939.

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dirigir a cultura para o trabalho do que para a guerra propriamente dita. Em uma linha de

pensamento similar a essa, educava-se o corpo, com um discurso próximo do militarismo,

sem dúvida, mas até que ponto?

A constituição de 1937 já havia colocado o ensino cívico, ao lado da educação física

e dos trabalhos manuais, como obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e

secundárias, mas ainda daria preferência por uma educação para o trabalho do que para a

guerra propriamente dita. (MARTINS, 2006, p.78-79). Porém, formar e educar o corpo

passava, na época por um intenso debate sobre como deveria ser esse corpo, quais

características e formas deveria ter, etc. Assim, entrava em cena a eugenia na escola.

2.2 APONTAMENTOS SOBRE EUGENIA NO PENSAMENTO BRASILEIRO

O conceito de eugenia surgiu em meados do século XIX, formulado pelo inglês

Francis Galton, e representava uma ciência que interpretando a raça humana de forma una,

como um organismo, almejava atingir o ideal de saúde e beleza, e sendo assim, acreditava

na superioridade de algumas raças, em detrimento de outras65. Este ramo da genética

aplicada, nas palavras de HOBSBAWM66, “sonhava em criar uma super raça humana pela

reprodução seletiva e a eliminação dos incapazes”, foi apropriada no Brasil com

características diferentes da utilizada, por exemplo, pelo nazismo alemão67. Aqui, no

momento que surgem as teorias sobre a eugenia, já estava instaurado o debate sobre a teoria

do branqueamento da raça, inclusive, já sendo uma das soluções oficiais para o complicado

panorama racial brasileiro68. Tal fato impossibilitou a eugenia brasileira de acatar como

fundamento central o mito da raça pura e superior. Então, os eugenistas brasileiros falavam

em pureza relativa da raça que seria atingida através do seu aperfeiçoamento. Segundo

FLORES, a eugenia era tida como redentora da humanidade: como ciência, seu papel era

65 FERRAZ, M. V.M. Reflexões sobre a eugenia na educação física do Brasil. In: XII Congresso Brasileiro de Ciência no Esporte. Caxambu, MG, Anais...Caxambu, MG: DN CBCE: Secretaria Estadual de Minas Gerais, Secretaria Estadual de São Paulo, 2001. 66 HOBSBAWM, Op. Cit, p. 122. 67 No caso alemão adotou-se um programa de política racial que previa a castração de doentes e loucos, a proibição de casamentos entre judeus e alemães, a eutanásia de pacientes graves e o extermínio dos indivíduos que não pertencessem à raça ariana; tudo para evitar que as raças “impuras” contaminassem o sangue “puro” alemão. Para um maior aprofundamento sobre a questão da purificação racial na Alemanha nazista, ver LENHARO, A. Nazismo, o triunfo da vontade. São Paulo: Ática, 1998. 68 Boris FAUSTO afirma que os eugenistas brasileiros eram influenciados também por pensadores como Gobineau, Ratzel, Agassiz, entre outros. (FAUSTO, B. O pensamento nacionalista autoritário – 1920-1940. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001).

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investigar a geração para detectar, na genealogia familiar, a presença de elementos

degenerativos; como arte, ela aplicaria os meios para reproduzir a boa geração; enquanto

ramo da medicina social, ela seria medida eficaz contra os males causadores da

degeneração da espécie e do abastardamento da raça69.

Se a fealdade, traçada nas tintas e na escrita sobre Brasil por viajantes e cientistas

estrangeiros do século XIX, era representativa da nossa não-civilidade e de nossa

identidade às avessas, a eugenia continha os meios “para embelezar e aperfeiçoar nosso tipo

étnico de formação”(Ibid, 2000, p. 88). Com a passagem da monarquia para a república,

tentava-se inventar o povo brasileiro, e o mestiço seria o eixo simbólico da unidade

nacional70. Isto não significa que o negro, o índio, o mulato, os crioulos, mamelucos e

cafusos fossem alçados a tipos ideais na nacionalidade brasileira. A idéia de

homogeneidade como base da Nação era fundamental e definia a miscigenação como

pressuposto do branqueamento. O modelo de beleza que definia os estereótipos nacionais e

os contra-nacionais na Alemanha, Inglaterra ou nos Estados Unidos era o ideal almejado

pelos defensores da formação da nossa nacionalidade. Na comparação com os outros, a

nossa potencialidade residia na nossa juventude. Éramos um país em formação que, se por

um lado, nossa incompletude gerava nossa incapacidade de definir a nação, por outro,

desfrutávamos da possibilidade de intervir no processo, moldando o povo brasileiro na sua

melhor forma. Logo, no pensamento racial brasileiro, admitia-se a compatibilidade da

mestiçagem com o projeto de civilização, modernização e nacionalidade.

Foram amplos os estudos cujos resultados apresentavam os fatores empobrecedores

do povo brasileiro. Fatores geográficos, sociais, climáticos e, especialmente, étnicos

impediam a formação de um tipo único, mas sem dúvida havia um tipo em preparo, cuja

tendência era mesmo o branqueamento. Ou seja, os absolutamente efermos, alcoólatras,

loucos, epilépticos, não teriam outra solução a não ser sua separação da “parte boa” da

sociedade71. Esse desejo [de branqueamento] que percorria o ambiente intelectual da época,

69 FLORES, M. B. R. A política da beleza: nacionalismo, corpo e sexualidade no projeto de padronização

brasílica. In: Diálogos Latinoamericanos. Centro de Estudos Latinoamericanos, Universidade de Adrhus, 2000, p. 92. 70 Trato das tentativas mais “modernas” de invenção da identidade nacional brasileira e do caráter do povo. Porém, essas tentativas podem ser apontadas desde a época imperial, com a fundação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838. 71 Para maior aprofundamento na questão da exclusão social dos “diferentes”, ver: BONI, Op. Cit. e KARVAT, Op. Cit.

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apontava para a compreensão de que parte visível da etnia brasileira deveria ser constituída

e expressa na postura civilizada do corpo. Uma conduta modelada em relação à

sexualidade, uma boa aparência estética, hábitos de higiene, educação, trabalho, dariam o

índice classificador de homens e mulheres para uma taxonomia étnica brasileira. A etnia

seria inculcada na formação de um sentimento comum, unido da amálgama de nosso

caráter. Ou seja, o branqueamento dar-se-ia por um processo educacional do corpo que o

habilitasse para pertencer à parte boa da nação. O ser plástico procurado era dotado de

saúde, força e beleza, então, o projeto de padronização brasílica, ou unidade étnica, era

pautado no tripé saúde, trabalho, beleza. O belo era buscado na harmonia entre o ser

plástico e a ordem do corpo, na simbiose entre o racional e uma estética compósita de

beleza plástica e ética moralizantes. Recuperava-se, assim, a idéia clássica de beleza em

que a harmonia corporal refletiria a nobreza da alma. “Para os homens, eram comuns as

teses que enfatizavam a política exercida sobre o corpo, a qual deveria formar um homem

típico com as seguintes características: de talhe mais delgado que cheio, gracioso de

musculatura, flexível, de olhos claros, pele sã, ágil, desperto, viril, ereto, dócil, entusiasta,

alegre, imaginoso, senhor de si mesmo, sincero, honesto, puro de atos e pensamentos”72.

Dentro desse “momento das etnias”, época de criação e afirmação das nações

modernas, a nação confundiu-se com a raça e, esta, qualificada pela estética do corpo e do

caráter do individuo, qualificava o status do progresso e do desenvolvimento nacional. Se o

aperfeiçoamento das nações dependia do auto-aperfeiçoamento do indivíduo, um modelo

de beleza começou a atrair o interesse das elites políticas e intelectuais, e das classes

médias, em geral: a beleza clássica. A crise do liberalismo na primeira metade do século

XX, e especialmente a instalação dos regimes totalitários implicou na transferência da auto-

perfectibilidade individual para a perfectibilidade da nação como sujeito coletivo. Neste

quadro, no que se refere à vida cotidiana, ao modo de vida, o indivíduo viu-se contido em

sua potencialidade e expansão por estruturas rígidas e instituições disciplinares para centrar

a pessoa numa identidade corporal que se expressava no sexo, na cor, na classe, na idade,

na saúde, na forma e no movimento do corpo73. Para FERRAZ, é importante notar que a

72 LENHARO, A. Sacralização da política. Campinas: Papirus, 1986, p. 76. 73 Os fascismos, nos seus diversos matizes, com a política da imagem do corpo, adotaram como seus os tipos ideais que já existiam desde a criação destes estereótipos modernos. A noção de estética, que esteve no centro dos nacionalismos, dos regimes totalitários, não foi exclusividade do fascismo italiano nem do nazismo

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eugenia realizou uma leitura diferenciada do darwinismo social. Se, originalmente,

sobreviveriam os elementos que mais se adaptam ao meio ambiente, agora, nessa leitura, a

sobrevivência não estaria restrita a um organismo vivo, mas à raça, que estaria favorecida

pelos fatores hereditários, que por sua vez, poderiam ser passíveis de um planejamento e

organização das reproduções, intervindo, desta forma, no aperfeiçoamento da raça humana

(2001, p. 3).

Pelo caso único de miscigenação racial em grande escala, o panorama racial

apresentado trazia dificuldades para o almejado processo de modernização sócio-

econômica e cultural do país, uma vez que, influenciado pelas teorias raciais européias,

causava uma visão pessimista. Daí surge o papel do intelectual brasileiro74 que deveria

justificar estas desigualdades sem inviabilizar o novo projeto político-econômico do país,

que pretendia entrar para o rol dos países “civilizados”. Assim, ao contrário de ver a

miscigenação como principal responsável pela degeneração histórica que impedia a

humanidade de atingir o ideal de beleza e perfeição, a miscigenação passou a ser a solução

para a degeneração já que aqui os mestiços participavam75, de forma indireta, do processo

alemão. Estes enfatizaram o modelo que existia como criação da modernidade civilizadora, havendo pouca diferença no comportamento ou na postura, masculino ou feminino, entre o homem novo de Mussolini, o ariano alemão, o perfeito cavalheiro inglês e o típico rapaz americano. O desejo de um padrão fixo de beleza estava profundamente arraigado nas classes médias européias, sendo a definição do belo, como o bom, o verdadeiro e o sagrado. O nacionalismo forneceu, assim, um dos mais constrangedores mitos de identidade do mundo moderno, por englobar o mais perverso de todos: a identidade étnica ou de raça. Podemos partir da pressuposição de que o nacionalismo e a nação não são apenas entidades idealizadas ou formas de política, mas devemos antes considerá-los como um fenômeno cultural de intervenção sobre o corpo do individuo para forjar o corpo coletivo da nação. Essas idéias foram embasadas pelas leituras de FLORES, Op. Cit, 2000 e LENHARO, Op. Cit, 1998. 74 FLORES destaca três intelectuais como exemplo: Hernani de Irajá, que produziu entre 1920 e 1940 extensa obra, ilustrada com sua própria arte – desenho e fotografias de corpos nus – para indicar os meios pelos quais a mulher brasileira poderia atingir os cânones da beleza clássica. Algumas obras: “Psicopatologia da Sexualidade”, “Sexualidade Perfeita”, “Tratamento para os Males Sexuais”, “Sexo e Beleza”; Renato Kehl, seu contemporâneo, grande defensor da eugenia no Brasil, no livro A cura da fealdade, diz que seu desiderato era oferecer a médicos e educadores os meios para “melhorar o corpo humano, corrigir defeitos, restaurar a saúde, alcançando assim o bem supremo que é a beleza e afastando o mal que é a fealdade”. Foi o fundador e diretor do Boletim de Eugenia, em 1929. Um dos organizadores dos Congressos de Eugenia no Brasil. Entre os livros de sua autoria, citamos alguns escritos entre os anos de 1920 e 1940: “Como escolher um bom marido”, “Como escolher uma boa esposa”, “Por que sou eugenista”, ”Aparas Eugênicas”; “Sexo e Civilização”; “A cura da Fealdade”; Afrânio Peixoto, médico jurista-criminal e educador relacionou a feição do corpo às taras, às degenerações, às bestialidades, à criminalidade, à heterogeneidade dos raquitismos e das deformidades físicas, males que poderiam ser eliminados se colocadas em prática regras de higiene sexual. Era escritor, médico e educador, escreveu tratados de medicina legal e de higiene, livros sobre educação, biografias, impressões de viagens, terras e países. (FLORES, 2000, p. 88 a 105). 75 Embora o mestiço esteja inserido aqui, em termos de participação, é sabido que esta participação atentava contra suas próprias origens, pois significava um processo de diluição de suas características negras, tanto

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de regeneração da raça. (FERRAZ, 2001, p. 4). Para constituir a nacionalidade brasileira,

tratava-se, pois, de curar um país doente, amputando a parte degenerada para que restasse

uma população possível de chegar à perfeição. A ação do Estado se fez sentir, concreta e

visivelmente, através da política educacional que priorizava os exercícios físicos, tidos

como meios para formar um homem estribado na idéia da unidade espírito-corpo, obtida

pela cultura dos predicados físicos, intelectuais e éticos. CAPELATO afirma que “os

liberais paulistas resistiram a qualquer tipo de interferência estatal, mas não vacilaram em

pedir ao Estado, políticas de adestramento do corpo e do espírito do trabalhador nacional,

com o objetivo de torná-lo apto para as relações contratuais”.76

A representação da educação física que tornou-se hegemônica, diretamente

associada às teorias eugênicas, associava-se a um projeto dos militares na educação

nacional. Notou-se uma mudança de política, que passou a apresentar-se mais apropriada ao

conceito de mobilização nacional, uma vez que entedia que a nação precisava se defender

tanto nos tempos de guerra, se fosse atacada, como também se manter em constante

preparo, em estado de pré-mobilização. Nesse sentido, a educação física passaria a se

constituir como um importante instrumento, não somente no robustecimento dos corpos

para eventuais chamados de guerra, mas, principalmente, como difusão do ideário via

produção de um sentimento de nacionalidade.

Não é coincidência o aparecimento de revistas especializadas em saúde, higiene e

educação física a partir dos anos 30. O corpo estava na ordem do dia e sobre ele se voltam

as atenções de médicos, educadores e professores, além de instituições como o exército, a

igreja, a escola, os hospitais. De repente, tomou-se consciência de que repensar a sociedade

para transformá-la passava necessariamente pelo trato do corpo como recurso de se

alcançar toda a integridade do ser humano. (LENHARO, 1986, p. 75). O temor à

degenerescência da raça e o robustecimento da força produtiva necessária ao

desenvolvimento da economia nacional evocam um maior controle sobre o corpo,

objetivando resguardar e canalizar suas energias. “Seja pela ótica do trabalho, seja pela do

lazer, o trabalho corporal é reconhecido como essencial ao desenvolvimento da nação por

ser capaz de mobilizar, simultaneamente, duas energias: a do corpo individual e a do corpo

físicas como culturais. Por isso, alguns autores preferiam denominar este processo de “desafricanização” ao invés de branqueamento. 76 CAPELATO, M. H. Arautos do Liberalismo. São Paulo: Brasiliense, 1996.

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social”.77 Tendo em vista os exemplos de nações civilizadas, principalmente européias e a

norte-americana, o desenvolvimento das qualidades individuais deveria concorrer para o

aperfeiçoamento coletivo e, ainda, contribuir para o processo de formação patriótica da

população. Estes eram os objetivos a serem alcançados pela prática da educação física.

Sobre a valorização da educação física, CHAVES JR78 aponta 3 pontos: em

primeiro lugar, o desenvolvimento físico, que sustentaria o desenvolvimento da moral, teria

também por objetivo preparar homens e mulheres para a economia e a defesa da pátria.

Estes eram objetivos condizentes com a realidade brasileira: desenvolvimento industrial

que começava a se tornar acentuado e rumores de iminentes conflitos bélicos. A formação

de “homens de ação”, conscientes de seus valores e responsabilidades (para com a Pátria),

indicava que estava estabelecida uma idéia de pessoa coletiva, que era própria da idéia de

Nação, na qual todas as pessoas deveriam submeter sua vontade individual em nome da

coletividade. Não se tratava de uma saúde individual, de cada elemento isolado da

população, mas de uma espécie de saúde coletiva, de forma que a saúde de um elemento

representava a saúde da nação. Era a saúde da raça brasileira. Nesse sentido, a educação

física proporcionava a saúde quando promovesse nos indivíduos força, robustez e

fidelidade à nação. Cada corpo forte, são, belo e obediente representaria toda a nação

brasileira. O segundo aspecto é o fato de que a educação física poderia contribuir para a

harmonia social, investindo e desenvolvendo qualidades individuais como a habilidade,

iniciativa, a coragem, além de sentimentos de lealdade e tolerância. Todos esses

concorrendo para a ordem social alcançável através da disciplina, da concórdia, da

colaboração e solidariedade. Este seria o elevado alcance social da educação física, o que

contribuía para a manutenção de uma ordem social, desde os anos anteriores apresentada

como reflexo da modernidade do povo. Então, “os objetivos dessa educação física racional

e metódica deixariam de ser aquela maneira de cansar as crianças antes das festividades.

Ela possuía agora um objetivo mais nobre: auxiliar no embelezamento e melhoria da raça

através de exercícios racionais, metódicos e, acima de tudo, científicos. Essa mudança de

77 GOELLNER, S. V. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na Revista Educação Física. Ijuí: Editora Unijuí, 2003, p.16. (Apud Chaves Jr, 2004, p. 30). 78 CHAVES JUNIOR, S. R. A educação física do Ginásio Paranaense ao Colégio Estadual do Paraná:

contribuições para a construção de uma história de uma disciplina escolar (1931-1951). Curitiba: UFPR, Setor de Educação, dissertação de mestrado, 2004, p. 33-34.

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foco estaria diretamente relacionada ao investimento nos discursos racionais e

científicos”.(CHAVES JR, 2004, p. 48).

Em diversos extratos de fonte do período percebe-se a ligação da educação física

com a eugenia; no caso, a primeira seria o caminho mais curto para a segunda. Esta, por sua

vez, conduziria o jovem à salvação, à regeneração, o que o possibilitaria conduzir a pátria

ao progresso. Acredito que se a noção de eugenia está tão ligada da educação do corpo, está

próxima também da militarização juvenil, devido a presença militar dentro da escola, além

da militarização ser uma forma de educar fisicamente o homem. Alguns pontos que ligam a

educação física à eugenia, acredito, podem ligar a militarização à essa ciência. Na visão dos

alunos, ou pelo menos de alguns que escreviam para o jornal, assim como dos editores, o

pensamento de que a eugenia era uma das soluções para o Brasil estava presente. Pode-se

atestar isso pela publicação de um artigo do aluno Antonio Darcle Ribeiro, no número 26

do periódico, em novembro de 1943, cujo título era “A Educação Física”:

A educação física, racional, metódica e cientifica é o processo mais completo de eugenia, o elemento mais profícuo para assegurar o aperfeiçoamento da raça, corrigindo as deficiências somáticas, prevenindo as más tendências atávicas, rebustecendo e virilizando a mocidade, criando nela hábitos sãos, higiênicos, disciplinando-lhe a vontade e elevando-lhe o espírito, preparando assim as sadias gerações do futuro, capazes de assegurar pelos séculos em fora o prestigio do povo e a imortalidade da nação. Platão já pensava que “o espírito, mesmo iluminado pelo conhecimento, deve habitar um corpo forte e sadio”. Por isto, que o vigor do corpo adquirido pelo harmônico desenvolvimento das formas, com a pratica de exercícios físicos metódicos, estimula o funcionamento orgânico, e, como conseqüência, facilita ao espírito maior vivacidade. “Um Estado constituído de homens fortes de corpo e espírito, está fadado a longa vida e boa compreensão entre os seus membros” – dizia o filósofo. A educação física abrange a prática de todos os exercícios que tornam o homem mais corajoso, mais intrépido, mais inteligente, mais sensível, mais forte, mais habilidoso, mais adestrado, mais veloz, mais flexível, mais ágil; não resta dúvida que ela será a colaboradora indispensável e valiosíssima para a preparação moral e social da mocidade. A força física de um povo é um dos elementos primordiais da vitória.

A imagem de que o homem precisava melhorar fisicamente para melhorar seu

espírito e, em conseqüência destes melhoramentos levaria seu Estado também a uma

melhora. Interessante ver a apropriação do pensamento de Platão pelo escritor. A

recorrência ao mundo clássico nesse momento, parece refletir que o conhecimento do

filósofo pode iluminar ainda o mundo atual. Talvez haja uma ligação entre essa busca pelo

conhecimento no mundo antigo e pela noção de beleza que tentava se impor ao corpo,

assim como foi feito nos regimes totalitários. Ao ler esse artigo, percebe-se uma

propaganda da educação física (como meio de eugenia) como viés para o crescimento

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moral e social da mocidade, que colocaria nela valores de disciplina e higiene, além de

qualidades físicas, como velocidade e flexibilidade e morais, como coragem, sensibilidade,

adestramento e inteligência. Todos esses bons elementos somados tornariam os indivíduos

mais capazes, assim como mais belos.

Além desse artigo destacado acima, havia em vários números do jornal, seções de

frases escritas e enviadas pelos alunos referentes tanto à guerra, quanto ao patriotismo, ou

em homenagem ao Dia da Mocidade (19 de abril). Essas frases obviamente eram

selecionadas pelos editores do jornal, de acordo com interesses ou de publicação, ou de

ideologia. Em algumas das frases publicadas79, percebemos noções de eugenia, ou da pátria

como um grande organismo, que só funcionava com todos os seus órgãos em pleno

funcionamento, como: Uma nação forte depende de uma mocidade sã; O tratamento físico

e intelectual da juventude espelha uma Nação sadia e forte; Sem mocidade sadia de

caráter e físico, um país jamais poderá progredir; Juventude bela, forte e sadia é o retrato

vivo e expressivo do progresso da Pátria. Através da divulgação dos padrões de beleza,

estavam sendo inculcados na população os tipos ideais tanto de homens brasileiros como de

mulheres brasileiras. Identificadas também como integrantes de uma política de saúde, as

atividades físicas eram recomendadas a homens e mulheres porque observadas como

possibilidades de normatizar costumes e disciplinar corpos ao aplicar sobre os indivíduos

mecanismos de autocontrole para fornecer o caráter e o físico e para sublimar seus

instintos, desejos e paixões. Fazem parte de um conjunto de medidas profiláticas que

objetivam definir, determinar, propor e impor um determinado estilo de vida saudável para

o qual são indicadas formas de ser, de se comportar, de comer, de trabalhar, de se

embelezar. (GOELLNER, 2003, p. 82-83). A importância da educação física na formação

da nação brasileira, então era: noções de eugenia, higiene, educação moral e cívica, ciência

aplicada ao desenvolvimento racional do homem e fortalecimento corporal como requisito

do refinamento espiritual. A educação física seria um elemento fundamental para essa

preparação física e moral da nação. (Ibid, 2004, p. 58).

79 Jornal do Ginásio Paranaense, número 11, ano 3, novembro de 1941. Os autores são respectivamente Walter Castelucci (1a série B, 4a turma), Nivaldo Nogueira, Durval A.T. Schult (1o complementar) e Aldo Luz (1o ano, pré-jurídico).

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3. A MILITARIZAÇÃO DA JUVENTUDE: O DOMÍNIO DO CORPO COMO UM ATO POLÍTICO E SUA REPRESENTAÇÃO PELOS ESTUDANTES 3.1 QUESTÕES INTERNAS E O MÉTODO FRANCÊS NO EXÉRCITO

A existência de uma oficialidade formada ainda jovem numa Academia Militar

estava relacionada com uma tendência internacional, consolidada na primeira metade do

século XIX, de profissionalização e burocratização da carreira militar. Um aspecto

fundamental desse processo, nas sociedades ocidentais, foi a profissionalização do corpo de

oficiais e a democratização dos mecanismos de ingresso no oficialato. Antes, os oficiais em

geral ou eram mercenários ou recrutados quase que exclusivamente entre a aristocracia –

casos em que ser oficial, mais que uma profissão, era, respectivamente, um negócio ou uma

ocupação secundária. Por outro lado, a tropa de soldados deixou de ser profissional com a

adoção generalizada, no período compreendido entre a guerra franco-prussiana de 1870 e a

Primeira Guerra Mundial, do serviço militar obrigatório dos cidadãos por um determinado

espaço de tempo. Após a vitória da Prússia na guerra, o sistema prussiano de prestação de

serviço, baseado no serviço militar obrigatório e considerado um dos fatores decisivos para

a vitória, generalizou-se pelas sociedades européias.

Dessa forma, disseminou-se a noção de “Nação em Armas”, segundo a qual todo

cidadão era um soldado em potencial, e as forças armadas, além de responsáveis pela

defesa nacional, uma espécie de “escola da nacionalidade”, já que idealmente recrutariam

elementos de todos os setores da população, de todas as origens sociais, dotando-os de um

sentimento de unidade nacional80. A hierarquia da instituição militar tendeu, então, a

desvincular-se da hierarquia social. Se nos exércitos pré-modernos o corpo de oficiais

estava “ancorado” na sociedade em virtude de sua origem aristocrática, com a

profissionalização desenvolveu um ethos específico. Tornou-se, dessa forma, um grupo

profissional dotado de relativa autonomia em relação ao restante da sociedade. A

aristocracia de berço foi progressivamente substituída pela aristocracia do mérito, aferido

através da educação. Por volta de 1870, esse processo de encontrava razoavelmente

consolidado na maioria dos exércitos ocidentais. (CASTRO, 1995, p. 19).

80 CASTRO, C. Os militares e a república: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

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CASTRO indica que há na produção acadêmica sobre os militares no Brasil, duas

visões básicas a respeito da importância da origem social para a compreensão do

comportamento político e da visão de mundo dos militares. Uma privilegia a posição por

eles ocupada na estrutura social, a partir da “classe”, “camada” ou do “estrato” de que

seriam originários – o que os tornaria de alguma forma “representantes” desses grupos.

Outra visão privilegia o peso da socialização profissional a que são submetidos os militares

e a rede de interações sociais em que vivem. O autor compartilha desta segunda perspectiva

teórica, e crê que a pergunta mais importante a respeito da origem social é como ela é

percebida e representada pelos indivíduos, e de que modo isso afeta suas ações. O assunto

fica, portanto, imerso no campo da cultura. (1995, p. 18). Uma questão que continua aberta

é a da origem social dos militares no final do Império: na falta de pesquisas empíricas,

alguns lugares-comuns estão sempre presentes, quase adquirindo o status de fato

comprovado. O principal deles diz que após a Guerra do Paraguai o exército ganhou o

perfil de “classe média”, passando a representar os interesses desse então nascente

segmento social. Há duas dificuldades principais nessa informação: a primeira, definir

sociologicamente o que seja “classe média”, a segunda, configurar esta idéia teoricamente.

(Ibid, 1995, p. 25).

No Brasil, a tendência de adoção de regras racionais e burocráticas de ascensão na

carreira também diminuiu a atração que a carreira militar poderia exercer sobre membros

da elite, já que reduzia as possibilidades de ascensão através de laços de parentesco ou de

apadrinhamento político. O exercito tornou-se, cada vez mais, uma instituição profissional

“meritocrática”, aumentando a importância dos vínculos estabelecidos dentro da própria

corporação e diminuindo o peso de fatores externos, como origem social e conexões de

parentesco. Apenas o desenvolvimento desse processo é que permitiria, futuramente, a

participação da instituição na política. Então, o exército no fim do Império,

esquematicamente: adoção crescente de critérios burocráticos de promoção e do sistema de

mérito, seus efeitos no sentido de abrir a carreira a pessoas não pertencentes à elite e, por

fim, separação em relação à formação acadêmica. (Ibid, 1995, p. 27-29).

O princípio organizador de todo esse drama social foi uma relação estruturalmente

ambígua e conflituosa entre militares e civis. A profissionalização e a burocratização dos

exércitos modernos levaram, através da relativa autonomização da instituição militar em

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relação à sociedade, ao surgimento de “questões” no relacionamento entre civis e militares.

Elas estão presentes, em maior ou menos número e grau, na história de todos os países.

Através de conflitos políticos e oposições simbólicas com os civis, a instituição militar de

cada país desenvolveu um ethos específico, embora mantendo elementos comuns a todos os

países. No Brasil, a proclamação da República foi um momento-chave desse processo: pela

primeira vez na história brasileira, grupos de militares afirmaram publicamente e com força

a existência de uma “classe militar” opondo-se ao governo. A questão da “honra”, tão

acionada pelos militares, revela as contradições de status que eles acreditavam viver no

Império: louvados em um plano por sua honra social específica – o sacrifício nos campos

de batalha – discriminados e inferiorizados em outro – a vida normal, cotidiana – através de

pouca importância atribuída pelo governo à instituição. (CASTRO, 1995, p. 97).

Ao longo das duas primeiras décadas do século XX, os militares obviamente

estiveram próximos à política e ao governo. Mas, acredito, começaram a ter uma

intervenção direta frente a população com a sua inserção dentro da escola, principalmente

quando tiveram acesso à disciplina da educação física. Através dela, puderam difundir

melhor suas idéias de disciplinarização, ordem e controle dos corpos, ligado a uma

ideologia governamental com um viés nacionalista cada vez mais forte. A aproximação do

exército com a escola deu-se, entre outros fatores, pela adoção do Método Francês para

educar fisicamente os jovens, e o ensino desse método seria de responsabilidade de um

professor militar.

A chegada do método francês no Brasil data do início do século, 1907, quando o

governo contratou uma Missão Militar Francesa para ministrar instrução militar à Força

Pública do Estado de São Paulo. Foi adotada oficialmente e tornada obrigatória em todo o

território nacional em 1931. Passou, de imediato, a nortear o ensino secundário, normal e

superior e em 1933 foi a matriz teórica da Escola de Educação Física do Exército,

formadora do pensamento pedagógico da época e fonte de inspiração para a criação da

Escola Nacional de Educação Física, em 193981. Os franceses tiveram grande influência

sobre a organização do ensino militar no período e, indiretamente, sobre a concepção que

tinham da educação os militares brasileiros formados sob sua influência. Para o governo e

81 GOELLNER, S. V. O método francês e a militarização da educação física na escola brasileira. In: FERREIRA NETO, A (ORG). Pesquisa histórica na educação física brasileira. Vitória: UFES, Centro de Educação Física e Desportos, 1996, pp 134.

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os chefes militares brasileiros, os militares franceses deveriam atuar na formação dos

oficiais. Mas o governo e a cúpula militar atribuíam também à missão a função política de

afastar os jovens oficiais das disputas partidárias. Para o governo, havia uma relação entre a

profissionalização do exército e o apoliticismo militar e melhor que quaisquer outros, os

franceses poderiam colocar esta relação em evidência82. Com efeito, uma das grandes

preocupações dos membros da missão militar francesa no Brasil, ao lado dos esforços para

modernização e o aperfeiçoamento profissional do exército, foi afastar os militares da

política. Na verdade, se os chefes militares esperavam que os franceses afastassem os

jovens oficiais da política, isto não significava que tivessem a intenção de também se

ausentarem dela. Pelo contrário, viam na ação da missão militar francesa a possibilidade de

atuarem no jogo político sem os riscos de uma politização das bases militares. (HORTA,

1994, p.16).

Na década de 20 houve no país uma preocupação muito grande com a educação.

Este entusiasmo refletiu-se na esfera da educação física mediante sua inclusão em várias

reformas de ensino onde, não raras vezes, sustentou o nome de “ginástica”. No entanto, foi

nos anos 30 e 40 que a educação física sofreu maior intervenção estatal e onde o método

francês adquiriu grande notoriedade83.

As atividades físicas apareciam, no método francês, como um meio de aprimorar a

saúde entendida como o perfeito equilíbrio das funções vitais, de onde a urgência de um

organismo bem preparado para manter este estado de equilíbrio. Esse incessante cuidado

com a saúde disseminou-se também com a possibilidade de controle sobre o corpo

individual e, a partir dele, o social. Incorporada ao discurso da regeneração e fortalecimento

82 HORTA, J. S. B. O hino, o sermão e a ordem do dia: a educação no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994, p. 15. 83 O Método Francês, expressão da Europa capitalista do século XIX, foi concebido absorvendo os cânones da ciência e pedagogia da época, cuja preocupação com a “formação integral” do ser humano desfilava como necessária a uma sociedade que buscava assegurar-se como porta voz de uma nova ordem social. Dom Francisco de Amoros y Ondeano (1770-1848), um militar espanhol naturalizado francês, foi seu precursor ao elaborar um método ginástico que teve enorme aceitação nos círculos franceses visto que não visava apenas formar o homem forte e sadio capaz de demonstrar as mais diferentes qualidades físicas e psíquicas de um bom militar, mas porque enfatizava a disciplina e a consciência do dever e serviços para com a Pátria. O caráter doutrinário imanente ao seu modelo ginástico não restringiu-se às instituições militares; adentrou a rede escolar francesa principalmente porque, na maioria das vezes, o ensino era ministrado por sub-oficiais do exército. A ginástica amorosiana, portanto, não tinha finalidade escolar, ainda que as crianças a praticassem. O método previa como qualidades a serem desenvolvidas a saúde, a força, a resistência, a destreza, a têmpera de caráter e a harmonia das formas.

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da raça estava a intenção de preparar o cidadão não apenas para vencer as guerras, mas para

empregar sua força produtiva em prol do engrandecimento da nação. No entanto, este

cuidado com a saúde não foi apenas ideológico. Refletiu também uma preocupação com a

precariedade das condições de vida que as pessoas tinham na época. Os aglomerados

urbanos em formação demarcavam-se como espaços cuja infra-estrutura não era condizente

com as necessidades de uma população que migrava do campo para reforçar o crescimento

da indústria e do comércio: faltava saneamento básico, as habitações eram insalubres,

faltavam métodos de conservação de alimentos, entre outros. (GOELLNER, 1996, p. 132).

Nesta época o país passava, também, por transformações significativas em decorrência da

transição de seu modelo econômico. Transição esta que passava a exigir, também, novas

posturas diante da vida, novos comportamento de homens e mulheres. Neste sentido, não é

muito difícil entender porque o método francês teve plena e oficial aceitação no governo

Vargas. Fazia-se premente assegurar a política emergente que contava com o apoio do

exército e o método francês continha elementos adequados para tal, na medida em que,

resguardadas as particularidades da França, privilegiava também um caráter nacionalista.

Ou seja, dentro dos limites de sua provável ação poderia exercê-la com eficiência ao

valorizar a ordem, a disciplina, o controle da população por meio do seu caráter higiênico,

eugênico e disciplinador. (Ibid, 1996, p. 135).

Apesar de exercerem grande força na orientação da Educação Física e do método

francês os militares não monopolizavam ao direcionamento das atividades físicas. Houve

grande influência dos higienistas que, desde o começo da República, ditavam normas e

cuidados para a sociedade. A educação física que vinha de uma tradição militar absorveu a

influência do pensamento médico-higienista reforçando aqueles valores grandiosos

presentes numa sociedade que buscava se legitimar.

3.2 A MILITARIZAÇÃO: BATALHÕES INFANTIS OU ESCOTISMO?

Quanto ao discurso pedagógico veiculado no período eleito foi possível perceber

como predominantes duas vertentes: uma oriunda do pensamento médico higienista que,

fundada na abordagem positivista da ciência, invadiu o contexto escolar em nome da

manutenção da saúde; outra transposta da caserna, que percebeu na escola mais um espaço

a ser ocupado no tocante a um trabalho com a disciplinarização, a manutenção da ordem e a

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imposição de determinados valores. Vertentes estas que apontavam para o fortalecimento

da raça brasileira, tão necessária à consolidação de uma sociedade que se modificava e que

poderia emergir como uma potência econômica, fruto do processo de industrialização que

se instaurava e se expandia. (GOELLNER, 1996, p. 125-126).

No programa de 1905 (do ensino na cidade de São Paulo – exemplo fornecido por

SOUZA), os exercícios militares compreendiam marchas, formaturas em filas e fileiras,

evolução da companhia sem e com armas. O ensino da ginástica e dos exercícios militares

fazia parte do currículo para os alunos do sexo masculino. Esses alunos tinham suas aulas

no contra-turno do horário regular em sala e normalmente apareciam para a sociedade em

desfiles cívicos e em eventos de grande importância de caráter nacionalista. Esses desfiles

faziam certo sucesso em suas cidades, impressionando a multidão de pais e curiosos que

admiravam a reprodução da ordem e da disciplina existentes no exército pelas crianças.

Assim, a escola tinha sucesso quanto a cumprir seu objetivo de mostrar crianças bem

educadas, disciplinadas e capazes de se comportar muito bem em locais públicos. Essa

disciplinarização do corpo era bastante valorizada naquele contexto, principalmente pela

aproximação com a disciplina exigida nas fábricas. Por isso, aproximar a noção de

educação fornecida a jovens em alguns tipos de escolas públicas84 com a noção de

educação necessária no mundo do trabalho parecia uma boa solução para fazer os jovens

“emendarem” os estudos com o trabalho. Havia, também, nesses desfiles, a representação

da ordem vigente no novo regime, a República. Essa representação de um novo momento,

voltado ao povo brasileiro estabelecia uma ligação entre as pessoas e a história do Brasil,

contribuindo significativamente para o desenvolvimento de uma memória popular e para a

formação de um sentimento de pertencimento à mesma pátria por todas as pessoas.

O desejo de evitar a acusação de “militarismo” e o medo de perderem o monopólio

do ensino militar, ameaçado pelos projetos de militarização da juventude existentes na

época, fizeram com que muitos militares preferissem a fórmula do escotismo como meio de

estender a “zona de influência” do exército até a infância. O escotismo permitiria criar a

mística da “criança-soldado” e possibilitaria ao exército buscar suas raízes na infância sem

a preocupação de um militarismo estreito. (HORTA, 1994, p.59). Por volta da Primeira

84 Como a Escola de Aprendizes Artífices, ou em algumas outras instituições de ensino direcionadas ao treinamento para o trabalho manual ou industrial. Deve-se tomar cuidado com o exagero de generalizar a idéia de que o ensino público necessariamente educava crianças para o trabalho industrial.

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Guerra Mundial, os exercícios militares entraram em franca decadência. Muitas escolas

primárias haviam abolido por completo a sua prática, mantendo apenas a ginástica. Os

batalhões escolares eram criticados em vários países da América Latina. Mesmo antes da

Primeira Guerra, muitos países vinham condenando qualquer ensino ou preparo de natureza

militar antes dos 19 anos, fosse do ponto de vista higiênico, quanto da cultura física e

moral. A questão vinha sendo discutida na França, na Alemanha e na Argentina. Em vez de

exercícios militares, era sugerido o escotismo85. Juntamente com a erradicação do

analfabetismo, grande ênfase foi dada à educação cívica, considerada elemento

fundamental para o soerguimento moral da nação, para a cultura do patriotismo e para a

defesa da nacionalidade. É nesse contexto que surge e se intensifica nos meios educacionais

e políticos a defesa do escotismo como fator de educação do caráter e de defesa da pátria.

Mas no início da década de 20, a educação militar se revitalizou, primeiramente no

estado de São Paulo, mediante a introdução nos currículos escolares do escotismo e da

linha de tiro. (SOUZA, 2000, p. 112). As linhas de tiro se dedicavam aos alunos maiores de

16 anos das escolas normais, ginásios ou escolas profissionais. A prática do escotismo

deveria ocorrer dentro e fora das escolas. As aulas de educação cívica, educação moral,

ginástica e evoluções faziam parte do horário regulamentar, enquanto as matérias referentes

ao escotismo propriamente dito seriam ministradas fora do horário das aulas. A apoteose

desse movimento nacionalista ocorreu no ano de 1922, por ocasião das comemorações do

centenário da independência do Brasil. A militarização da infância ressurgia de forma mais

sistematizada e racionalizada sob os auspícios dos órgãos da administração do ensino

público e a Associação Brasileira de Escotismo. As práticas cívico-militares em voga nas

escolas primárias atendiam, assim, a múltiplos propósitos: fosse a perpetuação da memória

histórica nacional, a exibição das virtudes morais e cívicas inscritas na obra formativa

escolar, a ação educadora da escola para o conjunto da sociedade ou a expressão do

imaginário sócio-político da República.

Os exercícios militares e os batalhões infantis poderiam estar fadados ao

esquecimento pela população com o passar do tempo, mas não o espírito militar inspirador

da educação física, moral e cívica que viria a se firmar durante muitas décadas na escola

85 SOUZA, R. F. de. A militarização da infância: expressões do nacionalismo na cultura brasileira. In: Cadernos CEDES. Campinas: Unicamp, 2000, pp. 109.

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mediante a prática do escotismo. As práticas de militarização da infância revelam mais de

uma das faces da configuração do currículo. Eles demonstram como as políticas de

educação popular aliaram a educação moral e cívica às políticas do corpo. Civismo,

patriotismo, nacionalização. Esses ideais expressam as tentativas inolvidáveis, porém nem

sempre bem sucedidas, de se transformarem as escolas em agências de civilização das

massas. (SOUZA, 2000, p. 118). Mas há, ainda, algumas outras possibilidades de

interpretação da militarização, como será mostrado agora, no caso curitibano.

3.3 A MILITARIZAÇÃO JUVENIL EM CURITIBA: EXERCÍCIOS FÍSICOS PARA A ELITE OU DISCIPLINARIZAÇÃO PARA OPERÁRIOS?

Este último tópico visa uma rápida comparação entre a militarização imposta a

jovens em dois locais de ensino da cidade de Curitiba: o Ginásio Paranaense e a Escola de

Aprendizes Artífices. No primeiro caso, um colégio secundarista e de ensino voltado para a

elite, onde a maioria de seus alunos vinham de famílias em uma situação econômica

confortável e que cursavam, além do ensino complementar, os cursos chamados pré-médico

e pré-jurídico, indicando uma preparação para o ensino superior nos anos seguintes à

passagem dos jovens pela instituição. O trabalho com as fontes referentes à militarização

será feito, principalmente, com base nos relatos feitos pelos próprios alunos no jornal

estudantil que circulava dentro do colégio, com artigos e matérias escritos pelos discentes.

Nesse jornal, podemos buscar elementos concernentes a todo o momento político-

ideológico do Brasil e da cidade, o que torna interessante a análise desse periódico como a

visão que se tinha, ou que se desejava passar aos estudantes sobre os exercícios militares.

Até o momento, levantei questões relativas a nova ordem social pela qual passava a

cidade de Curitiba, as questões entre ensino e trabalho, assim como as noções de eugenia e

a aproximação dos exercícios militares com a educação física. Todos esses pensamentos

amarrados podem dar a impressão de que nos colégios a militarização era vista como

importantíssima, fundamental para educar os corpos dos alunos e colaborar com a

construção da nação brasileira. No entanto, em um caderno que era utilizado como

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propaganda do Ginásio Paranaense tinha-se um relato um pouco diferente dos exercícios

militares86:

Todos os alunos maiores de 16 anos ou com essa idade, desde que sejam habilitados pelo exame médico, são obrigados ao exercício militar, no colégio, para a aquisição da caderneta de reservista. Essa imposição só redunda em benefício de cada um, pois, de posse da caderneta, obtida com trabalho muito suave, sem prejuízo dos estudos, ficará o aluno dispensado do sorteio militar. Esta instrução será ministrada por um militar nomeado pela Inspetoria dos Tiros de Guerra. Além desta instrução, haverá também, obrigatoriamente para todos os alunos, exercícios de ginástica, aos cuidados de um profissional. Nesse caderno a instrução militar era descrita como algo bastante benéfico, apesar

de imposta, mas não pelo seu caráter higiênico, disciplinador ou eugênico, mas sim por

dispensar o aluno futuramente de prestar serviço militar, pois esta já sairia do colégio com o

certificado de reservista em mãos. Não podemos perceber por essa fonte a importância

apontada pela literatura mostrada até aqui da eugenia ou da ideologia militar e seu interesse

de estar próxima da escola e do corpo jovem. Pode-se pensar que a importância dada à

instrução militar não era pelo seu viés “salvador” do jovem ou redentor da nação, mas, pelo

menos para esses alunos, pelo conforto de ser dispensado do serviço militar. A instrução era

ministrada duas vezes por semana no período da tarde, enquanto as aulas eram lecionadas

no período da manhã87. O local da prática dos exercícios era o pátio do Internato, local

diferente da sede do externado. Inclusive nesse prospecto, apenas esses três parágrafos são

destinados aos exercícios militares, o que representa um terço de página (de um total de

11), enquanto outras disciplinas ocupam lugar de maior destaque ao longo do caderno, caso

da ginástica e das descrições sobre os laboratórios de química e história natural, por

exemplo. Novamente surge a dúvida sobre a real importância dos exercícios militares na

vida escolar. E se fossem ministrados apenas por uma obrigação legal? Em uma época de

pensamentos nacionalistas e autoritários, onde o exército estava bastante em evidência,

inclusive por estar dentro da escola, por que o único bom motivo apontado para a presença

dos exercícios militares era a dispensa do serviço militar obrigatório?

86 Prospecto – Regulamento do Internato do Ginásio Paranaense de Curitiba, 1932. Sem grifo no original. 87 Regulamento do Gymnásio – Código do Ensino 1916, página 44, capítulos II e III.

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Dez anos depois da publicação desse prospecto, em 1942, já estava em circulação o

jornal dos estudantes do Ginásio Paranaense88. Percebe-se o quanto o jornal dos estudantes

procurava valorizar a defesa de ideais que estavam muito presentes durante esse momento

da nossa história, como o nacionalismo e o patriotismo. As reflexões com tal domínio de

linguagem que é perceptível nos textos podem induzir o leitor a pensar que talvez esses

textos fossem revistos pelos professores – ou quem sabe pelos próprios pais dos alunos –

para então serem publicados. Entretanto, no próprio jornal diz que tanto os textos como o

conselho editorial é composto apenas por alunos, sendo então uma publicação onde

nenhuma pessoa que tivesse um cargo ligado ao colégio poderia ser responsabilizada.

Segundo BENEVIDES89, “realizados, impressos e encadernados em edições especiais, os

jornais circulavam em datas cívicas para assinantes e correspondentes. As crianças

interessavam-se pela sua elaboração, embora não participassem de todas as etapas de sua

construção; os mestres impunham-lhes todas as normas de trabalho. A forma e o conteúdo

desses jornais eram definidos pelas próprias autoridades do ensino que presidiam a sua

edição. Não temos como afirmar se realmente todos os textos publicados no jornal eram

escritos pelos próprios alunos”. Talvez houvesse uma participação dos professores e dos

pais, mas não podemos afirmar tão categoricamente, como o faz o autor acima, que havia

tamanho controle sobre o que era produzido. Assim, concordo com MARTINS quando diz

que os jornais dos estudantes do Ginásio Paranaense serão analisados não como um órgão

de propaganda do governo, mas como uma forma de manifestação dos alunos, onde se pode

observar a imagem que eles foram construindo do governo e da sua época, de

acontecimentos importantes do período90. (2006, p.165).

No jornal dos estudantes a maioria dos artigos era escrita por alunos do então curso

complementar. Porém, havia uma seção exclusiva dos alunos do curso fundamental, com

redações mais curtas, mas em grande número. Os assuntos do jornal eram os mais variados.

Havia informações de caráter interno do colégio, como, por exemplo, o número de alunos 88 O jornal entrou em circulação no dia 15 de novembro de 1939, portanto já no regime autoritário de Vargas, o Estado Novo. 89 BENEVIDES, C.A C. Infância e civismo. In: Simpósio Nacional da Associação Nacional dos Professores de História: História em debate: problemas, temas e perspectivas, 16.., 1991, Rio de Janeiro. Anais...Rio de Janeiro: 1991. 90 A autora analisou esse mesmo jornal em sua tese de doutorado, já citada nesse trabalho. No entanto, sua análise segue outros caminhos, diferentes dos meus. MARTINS faz uma teorização bastante interessante sobre a imprensa escolar, destacando elementos de nacionalismo e patriotismo nesse jornal e no jornal escrito pelas meninas do colégio. Os artigos analisados por mim e por ela não são os mesmos.

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matriculados em cada ano, o total de transferências e trancamento de matrículas, artigos

sobre conteúdos de história vistos pelos alunos. Mas o que realmente se destaca é o grande

número de artigos de caráter cívico e nacionalista. (Ibid, 2006, p.171). Pode-se apontar

também que em algumas edições as ciências humanas ficam completamente esquecidas,

tendo destaque exercícios de matemática, física e química, além de curiosidades sobre os

mais diversos assuntos, textos em inglês e francês e homenagens à personalidades do

âmbito local e nacional.

Em alguns dos artigos publicados, há menções sobre militares, em sua maioria

enaltecendo o serviço prestado à nação pelos soldados e sua importância para a pátria. Um

único artigo é dedicado à instrução militar91:

Como é bela minha farda verde-oliva, e com que orgulho a visto e saio à rua, nos dias de instrução. Farda simples, é verdade, não tem as insígnias de um General. Porém, quando passo pelas ruas envergando minha rica farda verde-oliva, sinto-me mais alto que um gigante, um grande Marechal. Com esta farda verde-oliva, não represento um mero e humilde soldado, mas sim um pedaço desta grande terra, onde tudo é pez e liberdade. É envergando a farda verde-oliva, que eu e meus irmãos brasileiros, marcharemos para a vitória e o engrandecimento do nosso Brasil.

Pode-se pensar este artigo de duas maneiras, bem diferentes: a primeira, como um

retrato do que o autor pensava realmente. Um orgulho e um prazer de se exibir com a farda

e o prazer de ter instrução militar em seu currículo; por outro lado, podemos pensar no

texto como uma forma de incentivo aos alunos do colégio para que estes vissem com bons

olhos a instrução. Poderia servir como uma propaganda ideológica da presença militar

dentro da escola. Não há como afirmar nenhuma das posições categoricamente, visto que

não temos acesso à opinião do autor do texto, nem temos um outro artigo que contraponha

a opinião deste. No entanto, é uma análise perigosa se pensarmos que este texto foi enviado

a um jornal com forte teor nacionalista e que, obviamente poderia negar artigos que fossem

contra a ideologia dos editores, ou mesmo do colégio. Saber ao certo com que olhos eram

vistos os soldados pelos secundaristas é muito difícil. Uma pista pode ser vista em outro

artigo92:

91 Jornal do Ginásio Paranaense, outubro de 1942, ano 4, número 20. Artigo escrito pelo aluno Ademar Moraes, pré-médico – 2o ano. 92 Jornal do Ginásio Paranaense, agosto de 1942, ano 4, número 18. Artigo escrito pelo aluno Édio Mendonça, do 2o ano – pré-jurídico. Sem grifo no original.

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O soldado é o defensor da flâmula sagrada da pátria, da família e dos direitos que a ela pertencem. Ele luta, não por ser pago para este fim, não, ele se debate por ser bom filho, por ser patriota. Ao soldado devemos a integridade da nação, a paz a harmonia entre nossos irmãos. No entanto, ele é olhado com desdém e é tido como elemento da classe baixa, o que é errado. Muitas vezes o nome “soldado” é solto aos ventos no sentido de rebaixar alguém. Por que isso, o soldado não é um homem, não tem coração, não tem alma? Tem, mas todos fazem ignorar. O coração do soldado percebe a diferença de tratamento, mas não se recusa, aceita- o. E assim, partem comboios e comboios rumo ao front. Combate, cansa e morre, mas ao cair por terra, já nos últimos suspiros, ele pronuncia para si:”a pátria colheu de meu sangue a realização de um sonho, morro feliz”.

Quem olha o soldado com desdém não fica claro no texto. Se o autor se refere à

sociedade ou aos próprios alunos do colégio não há como saber. Porém, isso pode ser visto

como um indício de que a presença militar não era tão bem vista pelos alunos. Se chamar

outro de soldado era rebaixá-lo, será que os alunos teriam orgulho de sair às ruas com suas

fardas? Vale lembrar que ambos os textos tem um tom de valorização claro, um com os

soldados, outro com a instrução militar. O jornal, nesse momento, poderia ser mesmo um

veículo de propagação de idéias, como afirma BENEVIDES: a imprensa escolar também

era utilizada como uma forma de propaganda política e que os jornais dos estudantes eram

uma maneira de o Estado dirigir sua mensagem às crianças e aos adolescentes e, também,

às suas famílias. Segundo ele, “cabia ao jornal manter acesa a chama das atividades

incentivando o entusiasmo entre os alunos. Podia, ainda, aproximar a escola da sociedade

transformando-se em linhas básicas de comunicação entre ambas. Levaria, enfim, para o

interior da família as notícias da escola elaboradas de acordo com os interesses do Estado

Novo”.

Qual seria, então, a utilidade da instrução militar para os alunos? O que eles

pensavam sobre a militarização? Os ideais eugênicos e redentores do povo brasileiro

estavam mesmo presentes no pensamento escolar como se pretendia? A tensão entre o

prescrito e o realizado é algo complicado de se resolver nos exercícios de pesquisa

histórica. Levantarei agora alguns pontos sobre a Escola de Aprendizes Artífices do Paraná,

local onde também havia militarização na forma dos batalhões.

Nessa escola ingressava a infância pobre, os ditos menores. Embora entre eles

figurassem meninos que haviam incorrido em pequenos crimes, a maioria dos alunos era

oriunda de famílias pobres e também de imigrantes. Logo, os aprendizes que adentravam a

escola compunham um corpus diferenciado das outras categorizações de menores presentes

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na sociedade curitibana de então, não sendo possível afirmar igualdades de tratamento e

conceituação entre as mesmas. O principal foco da educação para os pobres situava-se na

educação moral e profissional. Criada com o fim de atender a infância proletária, a Escola

de Aprendizes Artífices (EAAPR) recebia aqueles menores vistos como oriundos de

ambientes perniciosos e degenerados e buscava assegurar o distanciamento da

delinqüência, criminalidade ou ociosidade, que supunham ser o destino natural da infância

carente, o oferecer-lhes educação formal e profissional concedendo-lhes a possibilidade de

“ganhar a vida pelo trabalho”. Anseios de instaurar uma identidade paranaense que se

revelasse peculiar frente aos demais estados brasileiros perpassavam a formação elementar

e profissional ali ofertada. Os discursos do diretor da escola e demais autoridades,

veiculados pelos jornais, denotavam a expectativa de fazer do Paraná o celeiro de homens

laboriosos onde os outros estados pudessem buscar mão de obra qualificada. À massa

heterogênea de menores aprendizes pretendia-se aplicar educação e disciplinarização

capazes de homogeneizá-los, transformando-os em hábeis operários aptos a construir o

Paraná do futuro, construir família disciplinada e engrandecer a pátria. Para tanto,

propunham reeducá-los93.

A presença das crianças nos locais de trabalho era algo importante, pois ocupá-las

era sinônimo de afastá-las da “ociosidade” e dos males que poderiam vir a cometer.

Ademais, era pelo viés da formação profissional que se instaurariam hábitos saudáveis de

trabalho, abnegação e moralidade. A criação das Escolas de Aprendizes Artífices atendia

aos propósitos de formação de mão de obra para as indústrias, contribuía para a

manutenção da ordem urbana e idealizava disciplinar e redimir os menores pobres

tornando-os aptos para uma vida produtiva, evitando que se entregassem a “parasitagem”

quando chegassem à “idade da ação”. (PANDINI, 2006, p. 128). A transmissão de uma

filosofia moral baseada na ética do trabalho e na crença do progresso através da técnica

adequava-se ao objetivo estabelecido pelo decreto de criação das Escolas de Aprendizes

Artífices de retirar das ruas os menores desvalidos e ensinar-lhes um oficio94. A retirada de

crianças da rua, problema crescente nos centros urbanos, seria complementada pelo

93 PANDINI, S. A Escola de Aprendizes Artífices do Paraná: “Viveiro de homens aptos e úteis” (1910-1928). Curitiba: UFPR, mestrado em educação, 2006. 94 QUELUZ, G L. Concepções de ensino técnico na República Velha (1909-1930). Curitiba: Editora CEFET, 2000.

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inculcamento em seus corpos e mentes de novos hábitos e costumes voltados para a

disciplina do trabalho, ou seja, passariam por um processo de disciplinarização. Era como

metamorfosear indivíduos potencialmente perigosos pela sua condição de classe, tornando

os menores desvalidos em menores aprendizes, em trabalhadores produtivos. (QUELUZ,

2000, p. 80).

O ensino profissional servia de metáfora para uma série de anseios: ascensão social,

formação de bons cidadãos, propiciar meios de subsistência, construir um futuro grandioso.

Ao formar o operário nacional as escolas de artífices pretendiam suprir a demanda por mão-

de-obra para as indústrias que se multiplicavam. Paralelamente, intentava formar o homem

brasileiro, os futuros chefes de família – responsáveis, laboriosos, disciplinados, pacíficos.

E aí se juntavam os três valores do trabalho manual: o físico, o intelectual e o moral e

social. Agregar saúde, fortificando a raça no indivíduo, aproximando normalidade física

com moral. Instaurar por meio do trabalho uma formação que se incrustasse no indivíduo,

regenerando seus hábitos, desfazendo-o de seus vícios e enquadrando-o nos padrões ditados

pela sociedade. Como tornar essa massa homogênea indivíduos tão diferentes? A resposta

para isso viria através da inculcação de padrões de civilidade. A homogeneização dos

aprendizes se daria pela homogeneização dos seus hábitos. Transformá-los de tal maneira

que neles pudessem ser reconhecidos os “cruzados do trabalho”. (PANDINI, 2006, p. 84).

A educação profissional subsidiaria a ocupação de um lugar no mundo do trabalho.

Afinal, por meio da instauração de hábitos de trabalho e preparo do corpo pretendia-se

formar também indivíduos mais aptos para a vida social. No caso paranaense a

possibilidade de os alunos empregarem-se nas pequenas indústrias apareceu já nos anos

iniciais. A tentativa de cristalizar uma identidade ao jovem estado aparecia também

vinculada ao ensino profissional, pois aventava-se a possibilidade de o Paraná fornecer

operários a outros estados e marcar esse feito como mais uma característica peculiar. Seria

um público bastante específico o alvo das escolas de artífices e dos postos de trabalho

manufatureiro ou fabril. A vinculação entre o ensino profissional e a possibilidade de

ascensão social soa, portanto, como pouco provável. Afinal, os alunos lá formados eram de

classes proletárias, em uma sociedade onde havia pouca mobilidade. (Ibid, 2006, p. 73).

Os rituais, associados ao caráter disciplinador dos tempos escolares, configuravam

diferentes recursos e métodos utilizados para assegurar os bons resultados da EAAPR.

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Logo, a doutrinação dos corpos e o delineamento de um operário útil careciam de

determinados recursos. Assim, os tempos de ginástica e dos exercícios militares no

programa escolar constituíam-se em recursos higiênicos e eugênicos, à maneira das teorias

vigentes no início do novecentos. Duas perspectivas de abordagens: uma delas refere-se ao

caráter disciplinador dos mesmos, pois configuravam um conjunto de práticas de

amoldamento dos corpos e atitudes, concernentes às tentativas de disciplinarização e

moralização da infância vigentes no início do século XX. A outra, refere-se à possibilidade

de construção de um lugar simbólico, uma identidade brasileira intimamente vinculada à

instituição de memória nacional, pois pensadas em conjunto, podem ser consideradas

responsáveis por incrustar um conjunto de práticas, hábitos e lugares vivificadores de

determinadas memórias. O escotismo, o patriotismo e a alfabetização participariam

intimamente do processo de construção da Nação, da formação do trabalhador, pois era

premente a necessidade de civilizar as massas e acionar práticas de ordenação,

disciplinarização e controle da força de trabalho. Em um momento marcado pela

insatisfação com o modo pelo qual as oligarquias vinham conduzindo os anseios

republicanos; diante da insatisfação com a massa de analfabetos que “aniquilava” o país,

frente à multiplicidade da sociedade brasileira, pela variedade de raças e imigrantes há

pouco instalados e ainda pela multiplicidade regional; a educação ocupava lugar estratégico

na grande obra de homogeneização e conformação das massas à ordem social burguesa

pois, tantas diferenças eram prejudiciais ao projeto de construção do Estado Nacional.

(PANDINI, 2006, p. 112).

Confluência da disciplina militar e o trabalho operário nas oficinas, bem como a

presença de idéias eugênicas e ordenadoras perpassando a formação dos aprendizes a fim

de que repetissem em suas futuras famílias as orientações que receberam ao longo da

formação na escola. O batalhão infantil existente na EAAPR também se voltava para a

disciplinarização do corpo, pretendia instituir tempos ritmados e controlados e almejava a

conformação moral dos aprendizes. À moda da prática de distribuição de prêmios às

crianças que participavam valorizava ainda mais os batalhões. (PANDINI, 2006, p. 118).

Através do batalhão escolar dirigido por um militar indicado pelo comando geral do

exercito da região, os alunos aprendiam o ritmo das marchas, com ordens unidas e

movimentos sincronizados; as noções sob a organização que regia o exercito e que, em

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diversos níveis, estava presente na sociedade. Os desfiles do batalhão em solenidades

comemorativas demonstravam a incorporação destas crianças pobres, e, portanto,

potencialmente degeneradas no imaginário das elites, ao mundo da ordem, ao mundo do

trabalho, e à própria nação, representada simbolicamente pelo oficial da instituição que

deveria garantir a unidade nacional, o exercito. Na Escola de Aprendizes Artífices as aulas

de ginástica sueca e os exercícios militares auxiliavam na precisão dos movimentos dos

corpos. Nas marchas aprendidas, nas formações treinadas, estabeleciam-se novos ritmos

que preparavam para a normatização social e para o trabalho uniformizado e cronometrado

da fábrica. E também através da higienização da alma pelos pedagógicos “conselhos de

persuasão”. (QUELUZ, 2000, p. 82).

A escola era o local de transformação de hábitos e aprendizado de novas maneiras

de ver o mundo. Era o local de transformação do próprio corpo, alvo de técnicas

disciplinares que procuram preparar o aluno para a existência na sociedade do trabalho. Aí

se dava o ajustamento “da multiplicidade dos homens e a multiplicação dos aparelhos de

produção”95. Lá, a filosofia moral que unificava o alfabetismo técnico surgiria como mais

uma técnica disciplinar, demonstrando ser um “processo técnico unitário pelo qual a força

do corpo é com o mínimo ônus reduzida como força política e maximizada como força

útil”96. Na escola efetuava-se a transformação do menor, de um potencial desorganizador da

ordem para um trabalhador construtor da ordem.

Nota-se a diferença entre os dois locais de ensino. Diferença, aliás, que já se

estabelecem pelos próprios públicos que freqüentavam as escolas. De um lado, uma elite

curitibana que se preparava pra ser médica ou exercer o Direito; de outro, meninos pobres

prontos para se adequarem ao mundo das pequenas e grandes indústrias. A militarização

ganha aqui uma relatividade em seu conceito: serviria para melhorar, higienizar, educar,

adestrar, civilizar, eugenizar e normatizar os que necessitassem de todas essas mudanças. E

essas mudanças deveriam ser impostas aos não civilizados, aos que não poderiam ter um

comportamento “fora dos padrões”. Enquanto os exercícios militares, para alguns era um

caminho mais curto para fugir do serviço militar obrigatório, para outros era a redenção

frente à sociedade, pela via de preparação para o trabalho.

95 Foucault, op. cit. p. 192. 96 Foucault, op.cit, p. 194.

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4. CONCLUSÃO

Ao investigar e analisar a sociedade curitibana dos 20 encontra-se uma cidade em

constante movimento, em uma agitação contínua, cada vez mais com novos elementos e

novas relações sendo estabelecidas. Uma sociedade que tinha a necessidade de se adaptar a

novos hábitos, novas pessoas, novas tendências, a um novo tempo que se estabelecia e que

exigia novas posturas. Dentro dessa sociedade em movimento havia de um campo de idéias

forjadas tanto por intelectuais quanto pelo governo (que não necessariamente atuavam de

modo separado) que tentava solucionar as questões desses novos tempos. Assim, havia um

intenso debate de idéias, influenciado por diversas correntes de pensamento, principalmente

o positivismo em suas mais variadas formas. Aliadas às idéias positivistas, perpassavam as

idéias de cunho nacionalista que viam os imigrantes como algo relativamente nocivo à

nação brasileira, mesmo que em diversas situações essas pessoas representassem força de

trabalho para grandes obras estatais, por exemplo. Um dos confrontos entre o governo local

e as colônias de imigrantes deu-se justamente no que tocava a educação: com um certo

descaso do governo para com a construção de escolas nas comunidades, os moradores das

colônias se organizaram e instituíram suas próprias escolas, com ênfase em seus costumes e

sua língua. Isso levou o governo a fechar diversas escolas com a alegação de ir contra a

pátria brasileira.

Essa era uma das expressões das idéias nacionalistas que ganhou força nos anos

próximos a 1920. Nesse contexto também começou uma busca pelo progresso do país, que

seria alcançado através de muito trabalho e de uma busca pela melhora da raça brasileira.

Essa tentativa de melhora ficou por conta dos teóricos eugenistas, que apropriaram idéias

européias e trataram de adaptá-las às formas da população brasileira. Buscar-se-ia um

branqueamento do povo através tanto da genética quanto da educação, e um

desenvolvimento físico bastante aprimorado, principalmente para os homens, defensores da

pátria em caso de guerra e trabalhadores viris, além de pais de família “exemplares”. Nesse

ínterim, a educação fornecida em algumas escolas públicas se aproxima da educação

desejada para que se trabalhasse dentro das fábricas. A aproximação entre a

disciplinarização corporal escolar e a fabril ocorreu no Brasil em um momento de busca

pelo progresso técnico e pelo desenvolvimento de uma esperança em cima do jovem, que

no futuro reuniria condições para avançar tecnológica e socialmente.

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A educação do corpo jovem dentro das escolas foi fortemente influenciada pela

concepção militar, no caso o adestramento físico de um cidadão-soldado, preparado para o

trabalho e para a guerra. Sua concepção foi bastante conduzida pelo Método Francês, que

visava justamente uma educação corporal completa que forjasse um cidadão bem

desenvolvido e acostumado a seguir ordens. Foi dado destaque a esse método ao longo do

trabalho, mas isso não quer dizer que foi o único pensamento militar em questão durante o

período estudado. Havia ainda uma aproximação com os métodos do exército alemão, por

exemplo, mas devido principalmente à condução dada pela literatura escolhida o método

francês acabou por se sobrepor nessa análise. A proximidade dos militares com a prática da

educação física, e desta com as idéias eugênicas de educação do corpo propiciaram um

debate bastante interessante. Em alguns momentos, pode-se pensar que o que era prescrito

pelo governo, ou pela diretoria escolar, ou ainda pelas idéias militares era plenamente

aplicada dentro das escolas. Porém, entender que absolutamente tudo que foi prescrito foi

também realizado consistiria em um erro. Primeiro, pela própria dificuldade que as escolas

poderiam ter em se adaptar a medidas impostas pelo governo, seja por falta de verba, seja

pela falta de profissionais capacitados para os exercícios militares, por exemplo. Em

segundo lugar, devido às diferenças de proposta pedagógica de cada instituição de ensino.

Foi mostrada nesse trabalho a diferença entre a concepção de ensino militarizado no

Ginásio Paranaense, local de estudos das famílias de alta renda da cidade, e da Escola de

Aprendizes Artífices, local de estudos das crianças mais pobres e de famílias operárias.

Nesses dois locais, a militarização assumia um caráter distinto, mas também pela

própria diferença das escolas. No Ginásio, talvez a preocupação da diretoria fosse fazer

seus alunos terem exercícios militares com a vantagem de livrá-los do alistamento no

serviço militar obrigatório. Esses exercícios, assim como a visão dos alunos sobre os

soldados em geral, eram relatados de diversas maneiras no jornal de circulação interna do

colégio. Na Escola de Aprendizes Artífices, o pensamento era educar o jovem pobre para

mantê-lo longe da ociosidade e da criminalidade. A militarização surgia, então, como uma

forma de disciplinarização que treinaria o jovem para ser disciplinado também dentro da

fábrica, local onde provavelmente ele trabalharia dali a alguns anos.

A militarização juvenil, na forma dos batalhões escolares ou até do escotismo, foi

um dos elementos de disciplinarização que surgiu como manifestação do pensamento

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nacionalista brasileiro. Inserida em meio a discussão sobre a presença militar dentro da

escola e sua real valia, assim como nas questões sobre a melhoria da raça e do

aprimoramento físico pelo método francês ou pelos cuidados da medicina eugenista, a

militarização pode ser vista como um elemento disciplinador com várias funções: nos

desfiles cívicos, poderia servir para a representação tanto da república como do governo

autoritário, mostrando os jovens em uma uniformidade e coesão que representariam a nação

e o povo brasileiros. Também pode ser analisada como uma disciplina fora do horário de

aula, imposta a alunos que cursavam um ensino secundário em um colégio elitista e que

usariam os exercícios militares para serem dispensados do alistamento obrigatório. Por fim,

a militarização também pode ser pensada como um elemento que treinava o jovem para

obedecer ordens e entrar em um ritmo de trabalho fabril. A análise sempre dependerá do

locus escolhido para a investigação. A variação de abordagens possíveis é uma

conseqüência da variação de debates que podem ser postos sobre as diversas idéias

intelectuais, governamentais e pedagógicas do período estudado.

Esse trabalho monográfico visou contribuir com alguns aspectos desse debate,

fazendo uma incursão pelas mudanças estruturais e ideológicas pelas quais passava a cidade

de Curitiba, além das idéias de eugenia e educação corporal vigentes nas três décadas

escolhidas. Porém, de modo algum as questões sobre as relações entre civis e militares,

entre intelectuais e o governo, sobre a educação do corpo, e, principalmente, entre o

prescrito e o realizado está perto de ser esgotado.

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5. REFÊNCIAS

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