um cotidiano guerra

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  • 8/18/2019 Um Cotidiano Guerra

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    Um cotidiano de guerra

    Apavorado com a expansão da violência, o brasileiro evita sair de casa e adotaestratégias para sobreviver à criminalidade nas grandes cidades

    O parque do Ibirapuera é um dos lugares mais tranquilos da cidade de São Paulo.Ou melhor, era. Na manhã da quarta-feira 9, o desembargador de usti!a "amilton#lliot $%el, &' anos, e a esposa, (aria #m)gdia Sil*eira, '+, foram roubadosenquanto fa iam sua caminhada matinal pelo parque. $rmado com um re* l*ercalibre /, um menor de 0& anos abordou o casal, le*ou seus rel gios e fugiu. Ocrime foi presenciado por uma multidão. Poucas horas depois, um tiroteio entretraficantes interrompeu um 1ogo de futebol disputado nas quadras poliesporti*as doparque e uma pessoa ficou ferida. O bairro do Itaim, pr 2imo ao Ibirapuera, éconsiderado uma região segura e concentra parte da elite da cidade. 3ei2ou de ser.Na quinta-feira , o delegado 4uciano "eitor 5eiguelman, 0 anos, foi perseguidopor tr6s ladr7es e assassinado com 00 tiros de metralhadora e pistola 9 mm. 8incodias depois, o empres rio :eorges :a ale, +0 anos, ligado a pol;ticos como Paulo(aluf e ecife, 5elém, (anaus,Porto Aelho e :oiEnia, o medo le*a muita gente a agir como se esti*esse *i*endonum campo de batalha. F# isso não é uma guerraGF, pergunta a pesquisadoraNanc) 8ardia, coordenadora do estudo. FOs n?meros de mortos são maiores do queos de muitas guerras. # a nossa não tem data para acabar.F #ntre mortos e feridos,o brasileiro é ho1e um po*o que adota estratégias para sobre*i*er.

    Pelas *ielas estreitas e tortas de uma fa*ela no ardim >osana, e2trema ona sul deSão Paulo, são poucos os que se arriscam a caminhar depois que o Sol se p7e. FHnoite é melhor não sair so inha. #spero meu filho chegar do trabalho no come!o darua para a gente descer a *iela 1untosF, di (arlene $ugusto >abelo, 'D anos, quemora h 0/ na fa*ela. $ dona de casa 1 perdeu a conta de quantas manhãsacordou e *iu cad *eres estendidos na soleira da porta. FO que a gente *6 e ou*ede noite, não comenta de dia. uem manda aqui são eles.F (arlene sabe que parasobre*i*er numa das regi7es mais *iolentas da cidade é preciso seguir um Fc digode éticaF a fim de não criar problemas com FelesF. FOs traficantes não me2emconosco, mas tenho medo de um deles desconhecer a gente.F

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    Neurose

    3o outro lado da cidade, o empres rio >aul :igante, '/ anos, também mede seuspassos ao sair de casa. FJenho a sensa!ão de que h sempre um predador Bespreita. Judo o que fa!o é uma estratégia para ficar a sal*oF, di o empres rio.FAi*o em uma neurose constante.F Nos ?ltimos 0/ meses, >aul blindou duas *e esseus dois carros. Faul fa compras somente em shopping centers, s p ra ocarro em estacionamento e não bai2a o *idro do autom *el nem em postos degasolina. #m sua casa, instalou sensor infra*ermelho e cerca com carga de oito mil*olts. 8ontratou uma empresa de seguran!a para monitorar sua rua durante K'horas. :astou no total mais de @SL /D mil. $inda intranquilo, mudou-se emsetembro com a fam;lia para um apartamento.

    5rasileiros de realidades opostas = a ta2a de homic;dio no bairro do ardim >osanaé de K&D mortes para 0DD mil habitantesM no Itaim, é de &D para os mesmos 0DDmil =, >aul e (arlene engrossam a lista das pessoas assustadas com acriminalidade. Segundo a pesquisa da @SP, 9 dos entre*istados constatam,preocupados, que a *iol6ncia est aumentando em sua cidadeM & ti*eram odespra er de ter assistido a uma agressão f;sica nos ?ltimos 0K mesesM 0testemunharam um assassinato. Por menos que isso, as pessoas se traumati am.F$cho que *ou procurar um psic logoF, di a engenheira :ean) io de aneiro = onde,segundo o I5:#, são assassinados K0& homens e 0 mulheres em cada 0DD milhabitantes, entre 0& e K9 anos =, '& dos pesquisados dei2aram de circular poralguns bairros ou ruas da cidade por temer uma agressão. Integrante daorgani a!ão não-go*ernamental >io com Pa , que luta contra a falta de seguran!ana cidade, a estudante 8laudia >amos, K+ anos, mudou seus h bitos. F(eu prédiofoi assaltado, eu 1 fui assaltada na portaria, assim como minha mãe e irmãF,

    desabafa. F(inha *ida noturna acabou. Se ando de nibus depois das 0/ horas,pe!o que alguém me acompanhe.F

    $ socialite 8armen (a)rin% Aeiga mora na a*enida >u) 5arbosa, ona sul do >io, ete*e o apartamento saqueado em abril do ano passado. #la toma suas precau!7es.F"o1e, quem anda tranquilamente pela cidade em um carro con*ers;*elG uem usarel gio de ouro ou 1 ias nas ruasGF. 8armen tem o pri*ilégio de se proteger comrecursos indispon;*eis B maioria da popula!ão. Fecife, '0 dos habitantes tentam não esbarrar com a *iol6ncia. (udam otra1eto da casa para o trabalho ou para a escola. #m São Paulo, 0/ dosmoradores são adeptos dessa estratégia. @m deles é o comerciante 4incoln 3ias

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    Santos, KC anos, morador do Jatuapé, na ona leste da capital. F3epois das 00 danoite, des*io de um ponto onde ficam prostitutas e traficantes. (as o problema nãoé s l F, di o comerciante, assaltado duas *e es no ano passado. Sempre emfrente ao seu prédio. #scolado, 4incoln procede automaticamente. F$o chegar naminha rua, de noite, *e1o o mo*imentoM se a rua est *a ia, tudo bem. Senão, douuma *olta no quarteirão e guardo tudo na mochila para sair do carro rapidinho.F #leaprendeu a con*i*er com a inseguran!a. FNão uso mais rel gio. Se saio a pé Bnoite, não le*o nada - *ou de camiseta, bermuda e chinelo. $ carteira fica emcasaF, detalha. $ pesquisadora Nanc) 8ardia afirma que esse paran ico cotidiano éuma barreira ao e2erc;cio da cidadania. F8ada *e menos as cidades são daspessoas. # é imposs;*el não ficar frustrado ao se *er impedido de fa er algo pormedo da *iol6nciaF, aponta. O psic logo 8ésar $des, da @SP, di que con*i*er emeterna *igilEncia é e2tremamente desgastante. FO medo e2cessi*o fa com que aspessoas tenham pEnico de que a *iol6ncia sur1a até onde ela não est . Isso fa comque a qualidade de *ida despenque.F (as o medo tem seu lado positi*o. F#le facom que as pessoas tomem precau!7es para sobre*i*er. uma forma de prote!ãoF,contrap7e a antrop loga carioca $lba Qaluar.

    $ apresentadora $driane :alisteu, KC anos, pensa em morar nos #stados @nidos.#la te*e a casa in*adida e assaltada por dois homens em outubro do ano passado.Ai*e com medo. F@m ano antes, fui roubada no trEnsito. $pontaram um re* l*er naminha cara. #ra um dia de temporal na cidade, 1amais imaginaria que pudessesofrer aquilo.F $driane era daquelas pessoas que não espera*am sofrer uma*iol6ncia. F$ntes tudo era muito distante, mas ho1e todo mundo que conhe!o temuma hist ria dessas para contar.F $ apresentadora classifica o assalto a sua casacomo um dos piores pelos quais passou. F uma sensa!ão de impot6ncia total. (esenti pequena como um grão de areia.F (esmo acompanhada em suas andan!aspor um seguran!a particular, contratado depois do assalto no trEnsito, e protegidaem seu carro blindado, não consegue rela2ar. FNão paro para olhar uma r*ore,sonhar de olho aberto. :ostaria de ter até um olho na nuca.F (as ela tenta manter

    uma seguran!a aparente. FSe der para ser feli dentro de uma redoma de *idro,timo, me adapto. O que não d é dei2ar de *i*er e se di*ertir. Se eu ti*er de saircom um batalhão de seguran!as, é uma pena, mas *ou sairF, garante ela. FPoderiair para o >io, mas é complicado. Não sou contratada da :lobo.F

    O assessor especial da Presid6ncia da >ep?blica e e2-go*ernador (oreira

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    de*e ser habitado e2clusi*amente por pessoas da mesma classe social. O Enimo daNa!ão s costuma se e2altar mesmo quando estão em 1ogo *alores morais. NoPar , & da popula!ão acha 1usto agredir quem 2inga a mãe. Por outro lado, Ddos brasileiros refutam a aplica!ão da pena de morte em qualquer hip tese. F#mpesquisas anteriores, esse n?mero era bem maior. " um subestrato de tolerEnciamuito grande na sociedadeF, ressalta Nanc). O secret rio Nacional dos 3ireitos"umanos, osé :regori, reconhece que a popula!ão est assustada, mas resiste emaderir B *iol6ncia. F$ pesquisa mostra que os direitos humanos ganharam terrenono Pa;s nos ?ltimos anosF, obser*a :regori. O caminho para a pa continua aberto.

    Fonte#IQ, 5runo. @m cotidiano de guerra. Revista Isto É , nT 0.&/&, de 0C fe*ereiro de

    KDDD. 3ispon;*el emR UhttpRVVWWW.ne*usp.orgVportuguesVinde2.phpGoptionXcomYcontentZtas%X*ieWZidXC9 ZItemidXK9[. $cesso emR KD out. KDD/.

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