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Ano 26 • N° 13 janeiro/junho 2019 ISSN 2238-6807 Um certo olhar Fotografia ashaninka revela a alma de um povo

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Page 1: Um certo olhar - Senac · A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pela Assessoria de Comunicação do Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira

Ano 26 • N° 13

janeiro/junho 2019 ISSN 2238-6807

Um certo olharFotografia ashaninka revela

a alma de um povo

Page 2: Um certo olhar - Senac · A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pela Assessoria de Comunicação do Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira

Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Departamento NacionalAv. Ayrton Senna, 5.555, Barra da TijucaRio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004

www.dn.senac.br

Conselho NacionalJosé Roberto Tadros

Presidente

Departamento NacionalSidney CunhaDiretor-Geral

A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pela Assessoria de Comunicação do

Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em

qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita após consulta aos editores.

Contato: [email protected]

www.dn.senac.br/senacambiental

ExpEdiEntE

EditorFausto Rêgo

Colaboraram nesta ediçãoAna Mendes, Cristina Ávila, Elias Fajardo, Francisco

Luiz Noel, Lena Trindade e Pedro Kuperman

EditoraçãoAssessoria de Comunicação

Projeto gráfico e diagramaçãoCynthia Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(Maria Auxiliadora Nogueira - CRB-7/3773)

Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro: Senac/Departamento Nacional/Assessoria de Comunicação, 1992- . v. : il.

Semestral. Absorveu: Senac e Educação Ambiental. A partir do n. 8 (2016) passou a ser disponibilizada no endereço: www.dn.senac.br/senacambiental. ISSN 2238-6807.

1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente – Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.

CDD 574.505

ÂnimoEditorial

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Animar é dar alma, coragem e estí-mulo para enfrentar adversidades e desafios.

Não falta ânimo às quebradeiras de coco babaçu, no Maranhão. Elas choram quando veem uma palmeira cair, mas não desistem de seu modo de vida e suas tradições.

Da mesma forma, ali ao lado, no Pará, várias comunidades encontra-ram uma fonte sustentável de gera-ção de renda na coleta de sementes nativas.

É também da natureza que vem uma opção alimentar e fitoterápica ainda pouco explorada e de alto potencial nutricional: as plantas alimentícias não convencionais.

Enquanto isso, em um contexto de crise dos combustíveis fósseis, a sociedade começa a discutir mais seriamente as possibilidades de expansão do mercado de veículos elétricos.

E em meio ao debate sobre o futu-ro da mobilidade, uma viagem de apenas 50 quilômetros a partir do Centro do Rio de Janeiro remete ao passado: a Restinga da Marambaia guarda quase intacta a paisagem de um tempo em que o Brasil era exclu-sivamente indígena.

Indígena como os ashaninkas do Alto Juruá, no Acre, que usam a foto-grafia para reafirmar sua identidade e sua cultura. Um olhar que traduz o que vai na alma de um povo.

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24Alimentação

Um tesouro nutricionalConheça o ainda pouco explorado potencial das plantas alimentícias

não convencionaisElias Fajardo

52Conservação

Que beleza!A Restinga de Marambaia, no Rio

de Janeiro: uma paisagem que permanece quase intocada

Lena Trindade

44Comunidades tradicionais

Palmas pra elasQuebradeiras de coco

movimentam economia e combatem degradação das

palmeiras

Ana Mendes

34Fotografia

Olhares da floresta Usando as lentes de uma câmera,

tribo indígena do Alto Juruá fortalece sua identidade

Pedro Kuperman

42Notas 62

Estante Ambiental

Sumário

4Extrativismo

Sementes do ParáColeta de uma variedade de

espécies é opção sustentável de geração de renda

Cristina Ávila

12Mobilidade

Eletricidade no arCarros elétricos chegam de vez ao

Brasil. Mas será que cumprem o que prometem?

Francisco Noel

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Extr ativ iSmo

Sementes do Pará

Herança de povos tradicionais da região, a coleta de uma

variedade de espécies é opção sustentável de geração de

renda

Cristina Ávila (texto e fotos)

As ondas banham a orla e se esti-cam, empurradas pela maré, inva-dindo a floresta. Ao regressarem, trazem frutos que encontram aos pés das árvores. As enxurradas do inverno amazônico ainda os arras-tam até igarapés que desembocam no oceano. Assim, o mar engole toneladas de sementes e depois as lança novamente nas praias. É hora de as mulheres fazerem a colheita.

“Comecei a trabalhar com 10 anos. Pegava andiroba com a mãe. Mas nasci já colhendo castanhas; só não colhi quando estava no bucho dela. O pai enchia a canoa e passava três dias à vela pela baia do Marajó para chegar em Belém”, conta Xica Fran-cisca dos Santos, 65 anos, moradora de Salvaterra, no Pará. A embarca-ção levava também ucuuba, pracaxi, murumuru, tucumã e outros alimen-tos que servem para consumo in na-tura ou para extração de essências usadas na culinária e na medicina caseira.

Os povos tradicionais dominam o conhecimento sobre incontáveis es-pécies da Amazônia, e alguns empre-endedores paraenses transformaram em negócios as receitas de sabões e unguentos herdadas da família,

Vendedora de castanha no mercado Ver-o-Peso, em Belém (PA)

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incrementando-as para chegarem a cosméticos e insumos com a quali-dade exigida pelos novos mercados, cada vez mais exigentes e atrativos. Mesmo sem políticas públicas espe-cíficas que ofereçam suporte, essas iniciativas tiveram sucesso, mas os resultados são muito pequenos se

comparados ao gigante poten-cial ofertado pela natureza

da região. O momento, porém, é de expectati-

vas, pois em novem-bro do ano passado o então Ministério da Economia, In-dústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) reconhe-ceu o setor no Pará

como um Arranjo Produtivo Local (APL).

Uma força coletiva que promete mudanças.

“Esse reconhecimento signifi-ca que temos um grupo articulado

de empresas, agora com representa-tividade nas relações com governos, com associações empresariais, pro-dutores, instituições de pesquisa, de crédito, enfim, um instrumento que abre muitas possibilidades”, afirma a engenheira química especializada

em óleos vegetais e gestão ambien-tal Georgiane Titan. Ela é coordena-dora do Projeto de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva de Cosméticos do Pará, do Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/PA). Orientou um trabalho de três anos, que agregou empresários, órgãos de governo e instituições patronais, de trabalhadores e da sociedade civil. Um dos principais resultados foi um amplo estudo de mercado que ser-virá de base para o planejamento de estratégias de desenvolvimento.

São 19 empresas de cosméticos no Pará e 20 no Amazonas, frente a cerca de 2.600 no Brasil. Uma des-proporção gigantesca, levando-se em conta os dois estados de maior biodiversidade do país, onde comu-nidades tradicionais e mesmo po-pulações das cidades mantêm vivo o hábito de usar os mais valorosos recursos da flora – puros, naturais, apreciados em todo o mundo –, mas que muitas vezes vêm sendo substituídos até por produtos infe-riores produzidos no resto do país. “Minha mãe fazia sabão da massa da andiroba”, conta Xica. “A casta-nha é cozida na água. Quando fica cheirosa, se coloca num canto, em-palhada por cima. Depois de uns dias, de manhã cedo, tira a casca e

bate a massa com a mão, do mesmo jeito de um pão. Ao meio-dia, torna a bater de novo. O óleo sai limpo que é uma beleza! Serve para o cabelo, a garganta, pra nariz entupido, pra repelente de carapanã, pra amaciar a pele e pra massagem, se tiver dor de um baque”, ela ensina.

Em Água Boa, comunidade de pes-cadores artesanais onde mora Xica, no arquipélago de Marajó, como em muitos outros lugares de toda a Ama-zônia, é comum também as pessoas comerem “banha de bicho”, produzi-da a partir de uma larva que nasce, cresce e engorda no caroço do tucu-mã, um fruto de palmeira típica. “O tucumã, quando cai, a gente deixa ficar no chão. Depois cata e quebra. Dentro tem um bichinho branquinho que é só gordura. Bem sadiozinho. A gente frita no óleo dele mesmo, es-poca e solta toda a gordura. É igual à andiroba, se despacha pra tudo”. Os moradores da ilha substituem a manteiga e comem com pão, refo-gam carnes, verduras e também con-somem as larvas cruas ou fritas, com farinha. Há aplicações para controle de asma, inchaços, luxações e para aliviar terríveis picadas de formigas tucandeiras. A comunidade também se beneficia do óleo de pracaxi para dar brilho e evitar queda de cabelo. Estudos atestam a capacidade inseti-cida do óleo especificamente contra o Aedes aegypti, vetor da dengue. “Tirava piolho de moleque”, relata a senhora. “É bom pra soltar lênde-as”. A espécie contém a mais alta concentração conhecida de ácido beênico, empregado na indústria de maquiagem por suas excelentes pro-priedades umectantes.

“Em janeiro, fevereiro, a água come-ça a encostar. Tudo isso o mar traz depois para a praia”, conta Xica. As mulheres fazem a coleta na areia para ficarem perto de casa. Geral-mente, não entram por muito tempo nas matas para buscar mais semen-tes, por causa dos afazeres domés-

Dona Xica. O mar começa a devolver sementes em janeiro e fevereiro. No auge da colheita, ela consegue catar sozinha quase uma tonelada em uma ou duas semanas

ticos. Mas Xica é capaz de catar quase uma tonelada sozinha em uma ou duas semanas, no auge da safra. Os homens conseguem muito mais. Saem em canoas pelos igarapés, ficando muitos dias em áreas onde há abundân-cia de espécies. Um dos compra-dores da colheita é o engenheiro químico Luiz Roberto Barbosa Morais, que criou uma indústria de extração de óleos a frio, ide-alizada quando a curiosidade o fez investigar as fórmulas da co-zinha da avó, na histórica cidade da Vigia, município do interior do estado fundado em 1698. “Minha avó foi erveira por mais de meio século. Eu era apaixona-do por aquilo. Ficava observan-do, curioso com o jeito como ela tirava óleo de tantas espécies”.

A empresa de Luiz Morais, a Amazon Oil, é fornecedora de matéria-prima para a indústria de cosméticos. São mais de duas dezenas de óleos, resinas, ceras, extratos, manteigas e ti-pos de argilas para tratamentos de saúde e estética, capazes de combater reumatismos, sinu-sites e ainda trazer resultados para a beleza do rosto por causa de ativos importantes para a re-novação celular, por exemplo. Já são 30 anos de experiência, começando em pesquisas na Universidade Fede-ral do Pará (UFPA), onde se formou e trabalhou no início da carreira. “Mo-rei dois anos num barco”. Da beira do rio, deu continuidade a estudos de campo até chegar à empresa de médio porte que tem sede em Ananindeua, na Grande Belém, com maquinário desenhado pelo pró-prio dono, pois o que encontrou no mercado foram modelos adequados para extrações industriais de oleagi-nosas amazônicas, que não se adap-tam às suas necessidades. A energia é produzida pela queima de resíduos de sementes, com economia susten-tável: menos lixo e menos emissões

A andiroba é um dos óleos mais vendidos na Amazônia. Fortalece e embeleza os cabelos. Em sabonete, combate acnes. Usado para aliviar baques, luxações, artrite e reumatismo. É eficaz como repelente

O buriti é a mais rica fonte natural de betacaroteno.

Excelente para confecção de hidratantes

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de gases de efeito estufa, por evitar combustíveis fósseis.

O APL de Cosméticos do Pará conta-biliza 19 empresas com sedes locais. A maioria são micro ou pequenos fabricantes de sabonetes, xampus e condicionadores – e alguns produ-zem perfumes. Segundo o estudo de mercado do Sebrae/PA, em geral os empreendedores necessitam desen-volver melhores controles operacio-nais, financeiros e estratégicos, além de planos de negócios. O próprio questionário aplicado para levan-tamento de dados revela lacunas importantes a serem trabalhadas. Poucos responderam as perguntas sobre seus próprios negócios, ge-ralmente por falta de informações consolidadas disponíveis. Grandes empresas, no entanto, estão presen-tes na região, como é o caso da Na-tura Cosméticos, uma das maiores multinacionais brasileiras fundada em 1969, em São Paulo. Ela utiliza in-gredientes vegetais em 84% de seus produtos, que entre 2010 e 2017 acu-mularam R$ 1,2 bilhão em volume de negócios sustentáveis na Amazônia, contribuindo para a renda familiar de comunidades e a conservação de 257 mil hectares de florestas, segun-do estimativa da própria empresa.

“Uma das reivindicações dos empre-sários do setor é, a partir desse re-

conhecimento pelo MDIC, negociar políticas públicas diferenciadas de acordo com o tamanho da empresa”, afirma Georgiane Titan. A gestora do Sebrae/PA cita que as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sa-nitária (Anvisa) para a fabricação de produtos são tão complexas para as microempresas como para as gran-des. Esse é um dos pontos nevrál-gicos, considerando as dificuldades para chegar a um consenso que não ponha em risco a saúde pública.

Outra preocupação é atender exi-gências relacionadas ao acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. Para isso, o Sebrae tem reunido especialistas do Governo Federal, da iniciativa privada e da so-ciedade civil organizada dos estados do Pará, Acre, Roraima, Rondônia, Tocantins, Amazonas e Amapá sobre a Convenção da Diversidade Biológi-ca e o marco regulatório que trata da repartição de benefícios da biodiver-sidade. Também são realizadas ro-dadas científicas para, por exemplo, descobrir demandas que possam fo-mentar projetos acadêmicos.

Na opinião de Luiz Moraes, a política nacional despreza o potencial da flo-ra amazônica, que “poderia ser uma fatia importante do PIB” (Produto In-terno Bruto). Em 2019, ele pretende

esmagar 10 mil toneladas de oleagi-nosas. “Ao preço médio de R$ 1.000 a tonelada de sementes, a empresa calcula a geração de R$ 10 milhões em renda para as famílias produto-ras, o que é um diferencial significa-tivo para as comunidades, com con-servação do meio ambiente e divisas para o Brasil. Isso é desenvolvimento sustentável”, acentua.

Para esclarecer o que representa a exploração desses recursos, ele cita o caso do “super-hidratante ucuu-ba”, árvore nativa de várzea comum em toda a Amazônia, com ocorrên-cia no Maranhão e em Pernambuco. É conhecida também como virola. “Uma árvore adulta é comercializada por R$ 5 para fabricação de cabos de vassoura. Entretanto eu compro as sementes por R$ 1,50 o quilo. E uma árvore é capaz de produzir de 30 a 50 quilos de sementes por ano. Isso significa que cada uma gera, por safra, entre R$ 30 e R$ 75. De seis a 15 vezes o valor da venda de um tronco, que mata a árvore em uma única comercialização e empobrece a floresta”, explica o químico.

Valorizar os frutos da Amazônia é um meio de proteger a biodiversida-de. Um bom exemplo é o açaí, que foi grandemente devastado por cau-sa da exploração do palmito (com

corte do caule e morte da palmeira). Depois que passou a ser apreciado no mundo inteiro, começou a ser mais protegido, e hoje existem não apenas os nativos, mas até mesmo impactos causados por monocultu-ras. Segundo alguns estudos da Em-presa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa), produz-se no Pará cerca de 1 milhão de toneladas de açaí por ano.

Luiz Morais considera a estimativa pequena para o estado. “Se for 1 milhão de toneladas de polpa, isso equivale a 10 milhões de toneladas de fruto, o que equivale a aproxi-madamente 715 mil latas de açaí em preço médio de 20 reais, gerando uma renda de mais R$ 14 milhões. Porém é muito mais do que isso: somente em 2015, uma única em-presa comprou 70 milhões de latas de 14 quilos”. Os números são gran-des porque o açaí ganhou o Brasil e o mundo. Na gastronomia, além de saboroso, é rico em substâncias que favorecem a saúde, inclusive no combate ao colesterol ruim e aos ra-dicais livres. O óleo de açaí contém fitoesteróides muito utilizados pela indústria cosmética na prevenção ao envelhecimento cutâneo.

As florestas amazônicas são excên-tricas, surpreendentes. Pelo olhar

Luiz Morais na Amazon Oil

Ao centro: saboroso e de polpa farta, o bacuri é muito procurado

nas feiras em Belém. Mas retirar o óleo em casa é difícil tarefa. Precisa

ficar de molho um ano em água, que depois deve ser fervida

Acima: Jaime da Costa e a palmeira do tucumã. É a segunda

colheita que faz para indústria de cosméticos que lançará xampu

para cabelos afro

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conhecedor do nativo se desvendam milagres como o breu branco, cujo tronco exsuda resina de feminino perfume que o protege quando ma-chucado, um remédio do sistema imunológico contra infecções de fungos e bactérias. Os paraenses convivem com esses mistérios, que não permanecem escondidos nos profundos do bioma, mas podem estar em qualquer lugar, mesmo na metrópole, no mercado Ver-o-Peso, para onde tudo converge, chegan-do de viagem pelos rios até o cais do imenso Guamá. O complexo co-mercial é constituído por edificações tombadas como patrimônio histó-rico e artístico, com detalhes para edificações em ferro que remetem à cultura cosmopolita da france-sa Belle Époque, que durou de fins do século 19 até a eclosão da Pri-meira Guerra Mundial, no período em que a economia amazônica era impulsionada pela borracha. Hoje é um gigantesco entreposto onde se negocia R$ 1 milhão todos os dias, entre 5 mil trabalhadores diretos e indiretos e uma clientela circulante de 20 mil pessoas.

O Ver-o-Peso é o resumo fiel do Pará. Ao som de carimbó, se bebe cerveja gelada mesmo nas religiosas tardes de chuvas torrenciais. Ou se come peixe frito acompanhado de

açaí. Um lugar onde a imensidão da floresta chega à palma da mão, em sua enorme variedade de frutas, se-mentes, nos impressionantes tem-peros, como o jambu, que provoca instigante anestesia na boca e nas deliciosas comidas inventadas por índios e caboclos, como a maniço-ba, o tucupi, o tacacá, a tapioca. É onde a encantaria paraense se mani-festa em suas maravilhosas formas. E onde há soluções mágicas para todos os males, nas consultas com dezenas de erveiras, filhas de ge-rações de homens e mulheres que nasceram na cultura dos rios e ma-tas amazônicas.

“Faço trabalhos pra quem não tem sorte no amor, banho cheiroso, perfumarias para passar no corpo e atrair namorado. Faço garrafadas de copaíba, andiroba, essências. Tem remédios pra fígado, pra câncer, Via-gra natural: resultado garantido”, se-duz Socorro, a Loura, como se iden-tifica a mulher chamando freguesia para a banquinha em que fica clara a presença de antepassados. “Me criei aqui. Naquele tempo, não tinha ban-ca. As ervas chegavam de tudo que é canto deste Pará, e se vendia no chão, aqui mesmo”, aponta ela.

Não é por acaso que os empreen-dedores da cadeia produtiva de cosméticos do estado têm algo em

comum: o conhecimento é legado familiar. É desse mesmo jeito que começa a história contada pela far-macêutica Dâmares Gusman, sócia da Juruá Natural da Amazônia, uma fabricante de alta qualidade hoje comandada principalmente por mu-lheres, oficialmente com 40 anos de existência. “Nossa história tem início há 100 anos, com meu bisa-vô, Francisco Fillizzola, italiano que veio se refugiar da Primeira Guerra Mundial nos arredores do rio Juruá, o importante afluente da margem direita do Amazonas. Ele se apai-xonou pela natureza do lugar, e vis-lumbrou a possibilidade de conciliar seus conhecimentos científicos de farmacêutico com aquela natureza exuberante”.

Assim começou a fazer sabonetes, cremes e loções que dava de presen-te a familiares e vizinhos ribeirinhos. Os seus cadernos de anotações fo-ram encontrados pela filha Izabel, que começou a testar as receitas nos anos 1970, depois de aposenta-da. Ela se identificava como artesã e decidiu abrir uma empresa, que seria o embrião do que é hoje a Juruá, lo-calizada no antigo bairro São Braz, na capital paraense. Dinâmica e com noção da necessidade da propagan-da para o sucesso dos negócios, presenteava damas da sociedade com os genuínos produtos amazôni-cos que fazia, até conquistar o gosto de mulheres famosas da televisão, como Tônia Carrero, Vera Fischer, Fafá de Belém e até a glamorosa Princesa Diana, que fizeram a marca brilhar na mídia nacional. Para isso, desde aquela época, a empresa in-veste em aprimoramento, em parce-ria com instituições como o Sebrae, a Federação das Indústrias do Pará e a Universidade Federal do Pará. Dâ-mares Gusman menciona que uma das mudanças que devem acontecer devido à sua participação no APL dos Cosméticos está relacionada a embalagens e marketing.

Açaizeiros nativos em comunidade ribeirinha

A geração de renda para comunidades tradicionais, com uso susten-tável dos recursos naturais amazônicos, se encaixa no que o Cader-no de Tendências 2019/2020 (do Sebrae Nacional e da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos) indica como oportunidade de inovação no planejamento de novos rumos para o segmento empresarial. A publicação faz balanço eco-nômico e prognóstico: “Em 2017, o Brasil terminou o ano como oi-tava economia do planeta, enquanto o mercado nacional do setor, movimentando US$ 32,1 bilhões em consumo, segundo a Euromo-nitor, figurou em quarto lugar mundial. Somos grandes e podemos ser ainda maiores. É certo que a nossa indústria ainda se ressente da crise dos últimos anos. Até 2015, vínhamos de um ciclo de 23 anos de crescimento ininterrupto. Mas, como praticamente todos os setores da economia, sofremos pesadamente os efeitos da recessão, além de termos sido atingidos por aumentos de impostos, o que fez as nossas vendas caírem 15,6% em dois anos, em termos reais. Em 2017, recuperamos uma pequena parte do mercado perdido, com o aumento de 2,8% em nossa receita – quase o triplo do crescimento do PIB (1%)”.

O documento enfatiza a capacidade de criatividade e atenção às ten-dências para competitividade e sucesso.

À direita: Socorro, a Loura, erveira do Ver-o-Peso

Dâmares e a tia Sonia. Receitas de 100 anos na família

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mobilidadE

Eletricidade no ar

Com potencial para substituir os combustíveis fósseis, veículos elétricos podem

acabar sendo um negócio da China

Francisco Luiz Noel Sonho de ambientalistas desde que a poluição do ar se tornou crítica nos centros urbanos, na segunda metade do século 20, o carro elétrico chega de vez ao Brasil. O mercado dispõe de modelos 2019 de várias montadoras, no rastro de uma tendência consoli-dada em países da Europa, América do Norte e Ásia, combinando apelo ecológico e autonomia capaz de fa-zer da inovação uma alternativa real nas cidades e estradas. Os preços, porém, ainda são proibitivos, asso-ciados a uma pergunta recorrente: os elétricos cumprem mesmo a pro-messa de solução sustentável para os desafios da mobilidade?

Em todo o mundo, os veículos a pro-pulsão elétrica somam mais de 3,1 milhões, estima a Agência Interna-cional de Energia (IEA) em seu últi-mo balanço sobre o tema – o Global Electric Vehicle Outlook 2018. Além do automóvel exclusivamente elétrico (BEV, do inglês Battery Electric Vehi-cle), fazem parte dessa frota o carro híbrido (HEV), com tração elétrica ali-mentada por energia gerada em mo-tor a combustão, e o híbrido plug-in (PHEV), que roda com baterias carre-gadas na rede urbana ou combustível líquido. Somente em 2017 – contabi-lizou a IEA – 1,1 milhão de modelos desses três tipos foram comercializa-dos no planeta.

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A China é o maior fabricante da ino-vação, produzindo mais do que todo o resto do mundo. Em 2017, o país tinha em circulação frota superior a 1,2 milhão de veículos elétricos. Em toda a Europa, eram 820 mil, Nos Es-tados Unidos, 760 mil. Mas, compu-tada pela IEA a participação desses automóveis verdes nas frotas nacio-nais, a liderança é da Noruega, que concede incentivos fiscais e planeja banir o motor a combustão em 2025. Os elétricos, que correspondem a 6,4% da frota norueguesa, represen-taram 39,2% das vendas de veículos novos no país em 2017. Na Islândia, elas chegaram a 11,7%; na Suécia, a 6,3%.

O avanço da propulsão elétrica vai ao encontro da preocupação cres-cente com a poluição atmosférica e o aquecimento global. Desde 2018, por decisão da União Europeia, as montadoras estão obrigadas a re-

tica Científica e Tecnológica, Flávia Consoni, que acompanha os movi-mentos da indústria automobilística mundial rumo à eletromotricidade.

Se essa evolução tecnológica seguir no caminho atual, prevê o estudo da AIE, o mundo terá entre 125 mi-lhões e 220 milhões de automóveis elétricos em 2030. A margem entre a projeção mais modesta e a mais otimista é grande porque, destaca a agência, tudo vai depender das polí-ticas públicas de estímulo ao carro verde para a melhora da qualidade do ar nas cidades e a mitigação do aquecimento da Terra. Na previsão menos otimista, os veículos híbridos plug-in formarão maioria, totalizan-do 49,8 milhões em 2030. Na outra, os elétricos puros serão mais nume-rosos, alcançando 98 milhões.

Projeções à parte, o paradigma da eletro-motricidade se fortalece em meio a mudanças de hábitos de des-locamento conectadas à consciên-cia ambiental. Essas transformações são flagrantes em cidades europeias, onde a valorização da qualidade de vida estimula também a opção por bicicletas e patinetes – elétricos, inclusive – e seu compartilhamen-to, além do transporte público. Em diversos lugares, o carro elétrico é usado em regime de carsharing – em que o motorista “aluga” por algumas horas o veículo. O novo hábito dá flexibilidade ao usuário, evita con-

gestionamentos e reduz a poluição causada pelo trânsito.

No Brasil, a frota elétrica é de pouco mais de 10 mil automóveis, mas cres-ce ano a ano. De 117 emplacados em 2012, o país passou a 3.970 emplaca-mentos de carros verdes em 2018 e, segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), fechou o ano com 10,7 mil automóveis do gê-nero – 0,03% da frota nacional, com 36 milhões de veículos. A expansão da quantidade de elétricos atingiu a marca dos mil emplacamentos anuais em 2016 e saltou no ano se-guinte, em que chegaram às ruas 3,3 mil novos, aos quais somaram-se os quase 4 mil elétricos zero quilômetro de 2018.

Atrações no último Salão do Auto-móvel de São Paulo, em novembro do ano passado, os modelos elétri-cos disponíveis no mercado brasilei-ro exibem as marcas de pelo menos sete fabricantes – Audi, BMW, Caoa Chery, Chevrolet, JAC, Nissan e Re-nault. Em comum, além da tração exclusivamente elétrica dos BEV, das promessas de autonomia na faixa de 300 quilômetros e da economia pro-porcionada pelo uso da eletricidade, eles têm o preço ainda pouco aces-sível. Na média, cada unidade custa entre R$ 170 mil e R$ 180 mil – mais de três vezes o valor de um básico convencional.

duzir em 15% o volume de emissões nos novos veículos até 2025 e em 30% em 2030, sob pena de multas. Entre as fabricantes que se apres-saram a aderir à exigência estão a sueca Volvo, que a partir desde ano fabrica apenas modelos com eletri-ficação, e a alemã Volkswagen, que promete começar a vendê-los em 2020 e lançar a última geração de motores a combustão em 2026.

“É como se os veículos a combus-tão interna movidos a combustíveis fósseis tivessem alcançado um certo limite para suas emissões. Reduzi--las ainda mais, com investimentos em novas tecnologias e sistemas, passa a ser bastante oneroso para as empresas, o que direciona os in-vestimentos para outras alternativas, como a eletro-mobilidade”, resume, no Instituto de Geociências da Uni-versidade de Campinas (Unicamp), a chefe do Departamento de Polí-

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Batizado como Vamo, o serviço de compartilhamento de veículos elétricos em Fortaleza (CE) funciona desde 2016. A frota, com 20 veículos, foi importada da China e é distribuída em 12 estações

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Pontos comuns na publicidade das montadoras são o giro silencioso do motor elétrico e seu torque instantâ-neo, já que a transmissão imediata da energia às rodas proporciona a velocidade de 100 quilômetros por hora em menos de 10 segundos. Dis-pensável na vida urbana, a arrancada poderosa é trunfo no automobilismo de competição, que tem na Fórmula-E o principal certame dos elétricos. A quinta temporada desse campeona-to, iniciada em dezembro, mobiliza 11 marcas e 22 pilotos – incluídos os bra-sileiros Felipe Massa, Lucas de Grassi e Nelsinho Piquet –, que até julho terão disputado provas em 11 países.

Ganhos e perdasA mobilidade responde por um quar-to das emissões globais de gases de efeito estufa (GEEs), de acordo com relatório apresentado na 24ª Con-ferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 24), em dezembro do ano passado, na Polô-nia. O estudo, baseado em dados de

40 países, quantificou em 7,5 giga--toneladas as emissões do transpor-te em 2016 – 29% a mais do que em 2000. Os automóveis participaram com 45% das emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal GEE, seguidos pelos caminhões (21%), na-vios (11%), aviões (11%), ônibus (5%), motocicletas (4%) e trens (3%).

Além do CO2 e outros GEEs, vilões do aquecimento global, várias subs-tâncias liberadas pelos motores a combustão poluem o ar nas cidades – entre elas, monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e de enxofre (SOx), hidrocarbonetos e material particulado (fumaça preta). Os carros a eletricidade livram des-ses poluentes a atmosfera urbana, além de zerar a poluição sonora, já que não produzem ruído. Sua fabricação e a recarga das baterias não deixam, contudo, de acarretar a emissão de GEEs, pois a geração de energia inclui fontes sujas como carvão mineral e derivados de pe-tróleo.

A Guarda Municipal de São José dos Campos (SP) utiliza 30 veículos elétricos desde 2018. Cada automóvel tem a bateria abastecida em 90 minutos e autonomia de 300 quilômetros

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Do ponto de vista das mudanças cli-máticas, precipitadas pelo aumento da temperatura do planeta, o ganho ambiental da eletro-mobilidade está condicionado à configuração da ma-triz energética de cada país. “O Bra-sil tem uma vantagem: grande parte de nossa geração elétrica provém de fontes limpas, que não emitem gases de efeito estufa”, assinala, na Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ), o engenheiro químico Alexandra Szklo, professor do Pro-grama de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Enge-nharia (Coppe).

De toda a energia elétrica ofertada aos brasileiros, segundo a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), do Ministério de Minas e Energia, 80,3% foram gerados por fontes renová-veis em 2018 – hidráulica (65,2%), biomassa (8,2%) e eólica (6,9%). As fontes sujas – gás natural, carvão mineral, diesel, óleo combustível e energia nuclear – tiveram peso de apenas 19,7% na matriz elétrica do país. No caso da biomassa, qua-se toda composta por resíduos do setor sucroalcooleiro, as emissões na queima são compensadas pela captura de CO2 durante o cultivo da cana, lembra Alexandre Szklo.

Na contramão da rota brasileira, observa o professor da Coope/UFRJ, as nações europeias e países como Estados Unidos, China e Ín-dia possuem forte dependência dos combustíveis fósseis em suas matri-zes elétricas – situação que subtrai benefícios ambientais dos veículos verdes, por conta da origem da ele-tricidade utilizada na produção e na recarga das baterias. No balanço ge-ral, como quantifica a EPE com base em dados da Agência Internacional de Energia, 76% da geração elétrica do mundo procede de fontes sujas, com destaque para o carvão mine-ral (38,3%), o gás natural (23,1%) e a energia nuclear (10,4%).

A dimensão das vantagens ecológi-cas da eletro-motricidade também sofre arranhões por conta da fabri-cação. No fim de 2018, a Agência Eu-ropeia do Ambiente (AEA) concluiu, no relatório Veículos elétricos, ciclo de vida e perspectivas de economia circular, que o processo de produ-ção dos novos carros acarreta mais impacto no meio ambiente do que o dos carros convencionais, devido ao uso de cobre, níquel, terras raras (elementos químicos latanídeos) e outras matérias-primas requeridas pelas baterias. A AIE destaca, po-rém, que a vantagem comparativa dos elétricos é inconteste, crescen-do em proporção direta com o tem-po de uso.

Mas, mesmo com os problemas ambientais decorrentes da fabrica-ção e da recarga, os benefícios dos automóveis elétricos para o meio ambiente sinalizam o fim dos carros a combustão nas próximas décadas. Até porque, salienta o professor Ale-xandre Szklos, “é muito mais fácil fazer o controle da poluição atmos-férica numa geração centralizada do que na tubulação de escape de um veículo”. E, afora as emissões de GEEs, é indiscutível a vantagem dos elétricos no plano local. “Para

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muitas metrópoles, a questão da poluição urbana é mais urgente do que a da poluição global”, diz Szklos, lembrando cidades chinesas.

Flávia Consoni, da Unicamp, ressalta que a melhora do ar por conta dos elétricos vai reduzir a ocorrência de doenças respiratórias. Ela também cita a China, onde a Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou, em 2016, poluição urbana 20 vezes acima do limite saudável de 25 mi-crogramas de partículas suspensas em metro cúbico de ar. “O problema não é somente chinês: estudo da Organização para Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE), de 2012, mostra que a poluição at-mosférica deve se tornar a principal causa ambiental de mortalidade no mundo em 2050”.

Os números globais que relacionam poluição e mortalidade são, de fato, alarmantes. A cada ano, das sete mi-lhões de mortes associadas em todo o planeta ao ar poluído, quase meta-de está relacionada à má qualidade da atmosfera nas cidades, estimou a OMS, ano passado, no relatório Poluição do ar e saúde infantil: pres-crevendo ar limpo. O estudo alerta

que 543 mil crianças com menos de 5 anos morreram de doenças res-piratórias que provavelmente foram ocasionadas pela poluição ambien-tal e doméstica, gerada pelo uso de lenha ou estrume em fogões nos pa-íses pobres.

Desafios do BrasilO tema do carro elétrico não é novo no país, tendo emergido nos anos 1970, após a primeira crise do pe-tróleo. Mas a opção pelo etanol de cana-de-açúcar freou as pesquisas sobre a eletro-mobilidade. Com o Programa Nacional do Álcool (Proál-cool), lançado em 1975 para reduzir a demanda por gasolina importada, o Brasil se tornaria referência mun-dial em biocombustíveis, incluído o biodiesel, fabricado desde a década anterior. No caso do etanol, a ofer-ta de 29,7 bilhões de litros em 2018 respondeu por 51,5% do consumo da frota de passeio, liderada pelos mo-delos bicombustíveis (flex fuel).

Mais de duas décadas e meia de-pois da criação do Proálcool, a pro-pulsão a eletricidade voltou à agen-da nacional, a exemplo do que já ocorria em outros países, como al-ternativa frente à preocupação am-biental. Uma das primeiras iniciati-vas brasileiras nesse campo foi, em 2002, a criação do Programa Brasi-leiro de Sistemas de Célula a Com-bustível, conduzido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Graças ao programa, a Coppe/UFRJ lançou em 2012 um ônibus híbrido, movido a bateria carregada na rede elétrica e complementada com energia ge-rada a bordo por pilha combustível alimentada com hidrogênio.

O país avançou em marcha lenta, po-rém, em pesquisas aplicadas ao car-ro elétrico. “O que se percebe no Bra-sil são ações e atores desarticulados, com falta de direcionamento para a promoção dessa indústria”, constata a chefe do DPCT da Unicamp, Flávia Consoni. Ela coordenou o Estudo de

Governança e Políticas Públicas para Veículos Elétricos, elaborado pelo Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico (Leve) e lançado em 2018 pelo Projeto Sistemas de Propulsão Eficiente (Promob-e), do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e da Agência Alemã de Coo-peração Internacional (GIZ).

O trabalho do Leve/Unicamp para o Promob-e analisou a organização público-privada pró-eletromobilida-de em seis países – Alemanha, Chi-na, Estados Unidos, França, Japão e Noruega, líderes da corrida global dos veículos verdes. Sobre o Brasil, os especialistas atribuem à falta de uma “situação problema” a carência de objetivo e metas em favor dos carros elétricos. “Não existe um fato social ou ambiental latente que pro-mova, por si só, um direcionamento das ações tanto públicas quanto privadas na vertente da eletro-mo-bilidade semelhantes às existentes nos casos internacionais”, constata o estudo.

Enquanto Estados Unidos e nações europeias e asiáticas apostaram nos resultados ambientais da eletro-mo-bilidade, o Brasil preferiu o caminho do aperfeiçoamento tecnológico no terreno dos combustíveis líquidos, valendo-se de trunfos nacionais como o motor flex e o biodiesel. “O país conseguia e consegue cumprir, com tecnologia local, os requisitos de emissão de poluentes”, assina-la Flávia Consoni. Mesmo em face da poluição do ar que afeta a saú-de pública nas grandes cidades, ela acrescenta, a gravidade do problema não é considerada suficientemente alarmante para impulsionar políticas e investimentos dedicados ao carro elétrico.

Embora não conte com plano na-cional de eletro-mobilidade, o país dispõe de incentivos fiscais aos elé-tricos desde 2014, quando a Câmara de Comércio Exterior (Camex) redu-ziu o Imposto de Importação dos híbridos sem recarga externa (HEV) de 35% para 7%. No ano seguinte, o

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A Companhia Paranaense de Energia (Copel) mantém 12 estações de recarregamento.

Foram registrados 330 atendimentos no primeiro

ano, completado em março

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tributo foi zerado para os híbridos com carregamento externo. Em de-zembro de 2018, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos híbridos flex fuel foi baixado em pelo menos três pontos percentuais pela Lei nº 13.755, que instituiu novas re-gras de eficiência energética para o setor automotivo e o programa de mobilidade Rota 2030.

Outra medida, indispensável para o avanço da mobilidade verde, foi a regulamentação da recarga pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em junho do ano passado. De acordo com a Resolução Nor-mativa 819/2018, o serviço pode ser prestado a preços de mercado por distribuidoras de eletricidade, pos-tos, shoppings e empreendedores. Para que a atividade não interfira na operação da rede convencional e nas tarifas das companhias elétricas, a resolução determina que a infraes-trutura da recarga fique fora da base de ativos levada em conta nos pro-cessos de reajuste tarifário.

Diante da tendência global de con-solidação dos elétricos em grande escala, observa a especialista da Unicamp, o Brasil precisa decidir o tipo de inserção de sua indús-tria automobilística nesse cenário. Embora ressalte que a propulsão elétrica compartilhará por muito tempo as ruas com outras tecnolo-gias de transporte, Flávia Consoni afirma que, como veículos elétricos estão chegando para ficar, “caberia ao Brasil ocupar um espaço nesse mercado, com o desenvolvimento de soluções tecnológicas”, com a pers-pectiva de vir a atuar como protago-nista desse mercado ao menos na América Latina.

A exemplo de outros especialistas e de autoridades, Flávia Consoni pre-coniza que o país não deve abrir mão dos biocombustíveis, combinando o etanol com a eletro-motricidade em veículos híbridos e híbridos plug-in. A combinação produziria vantagens

no balanço de emissões atmosféri-cas, na comparação com o uso da gasolina, e favoreceria a tecnologia nacional, com ganhos para a cadeia produtiva do setor automobilístico “Devemos olhar os veículos elétricos como alternativa para modernizar nossa indústria, sem ignorar o que temos de expertise e capacidades locais”, defende a professora.

A combinação eletricidade-etanol, testada atualmente pela Toyota, que anunciou investimento de R$ 1 bilhão no projeto, foi tema de destaque em seminário da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre as opções energéticas da mobilidade, em fevereiro. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, en-cerrou o evento defendendo o uso combinado de etanol ou gás natu-ral e eletricidade, em vez do veículo exclusivamente elétrico. “Temos que conciliar a nossa realidade com a inovação”, disse, lembrando a diver-sidade da matriz energética do país.

A rota brasileira para a eletro-mobili-dade passa pela convivência entre os três tipos de elétricos, com destaque para o híbrido flex fuel, alternando preferencialmente o etanol no motor a combustão com a tração elétrica. O caminho é defendido também pela ABVE, integrada por montado-ras, fabricantes de autopeças, com-panhias de energia e universidades. “É extremamente importante que mantenhamos a indústria do etanol, com os benefícios que traz para o meio ambiente e a economia brasi-leira”, diz o presidente da entidade, Ricardo Guggisberg, invocando a geração de empregos e de renda no setor sucroalcooleiro.

Os veículos exclusivamente elétricos são, para a ABVE, a melhor solução ambiental para o transporte coleti-vo. “Não há tecnologia eficaz para o transporte público com o etanol. Nos grandes centros, onde a con-centração das emissões é muito

forte, a prioridade seria dos elétricos puros”, diz Guggisberg, para lembrar a vantagem adicional da ausência de ruídos nos motores a bateria. “Mas no transporte de passeio e de longa distância teríamos os veículos híbri-dos”. No Brasil, os ônibus movidos apenas por motor elétrico começam a chegar, em regime experimental, a algumas cidades, como a paulista Campinas.

O avanço da eletro-mobilidade no Brasil tem pela frente, porém, desa-fios que vão além do preço elevado dos veículos. Outra barreira a vencer é a carência de infraestrutura para o recarregamento: enquanto as cida-des e rodovias brasileiras possuem mais de 42 mil postos convencio-nais, os eletro-postos ainda são menos de 100 – cerca de 0,2% dos 430,1 mil existentes no mundo. A for-mação de uma rede capilarizada de estações de recarga, assim como de pontos de manutenção e conserto acessíveis, são consideradas indis-pensáveis para dar segurança aos potenciais compradores de elétricos.

O presidente da ABVE sintetiza o quatro atual da eletro-mobilidade no país: “Temos de criar um ambiente propício de consumo dos veículos elétricos. O que há é, ainda, inves-timento sem demanda”. Otimista, no entanto, com o futuro da inovação, Ricardo Guggisberg assinala que a entidade espera posicionamento mais explícito do governo federal em favor dos veículos eletrificados, incluída a adoção do Plano Nacio-nal de Eletro-mobilidade. “Existe também a necessidade de os gover-nos tomarem partido e iniciar o uso desses veículos em seus serviços”, cobra, citando São José dos Campos (SP) como exemplo.

Elétricos nas ruasNaquele município, a Prefeitura uti-liza 30 modelos BEV desde julho de 2018, empregados pela guarda mu-nicipal nas rondas de proteção de

equipamentos públicos e patrulha-mento de vias públicas, em apoio à Polícia Militar. A frota é mantida pela filial brasileira da fabricante chinesa de elétricos BYD, vencedora de licita-ção para a prestação do serviço, que inclui quatro estações de recarga, onde cada automóvel tem a bateria abastecida em 90 minutos, para au-tonomia de 300 quilômetros. A Pre-feitura gasta R$ 117 mil mensais com a eletro-mobilidade da guarda, feita nos modelos e5 (sedã) e e6 (hatch) da montadora.

Outra iniciativa com veículos elétri-cos está nas ruas de Fortaleza, que saiu na frente no compartilhamento de VEBs como alternativa de deslo-camento urbano. O serviço, batiza-do de Vamo, funciona desde setem-

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bro de 2016 e dispõe de 20 veículos, operado pela empresa Serttel, licen-ciada pela Prefeitura com patrocínio do plano de saúde Hapvida. A frota, importada da China, está distribuída em 12 estações de retirada, recarga e devolução espalhadas pela cida-de, proporcionando a escolha entre 15 carros do modelo compacto da montadora Zhidou, para duas pes-soas, ou um dos cinco do tipo cross-roader, de cinco lugares, da BYD.

Com 4,2 mil cadastrados até feve-reiro, o Vamo somava 122,5 mil qui-lômetros rodados em 5 mil viagens, que teriam resultado na emissão de 6,1 toneladas de CO2 se tivessem sido feitas a gasolina. Trabalho e la-zer são as principais motivações de uso, que dura em média duas horas, a uma tarifa de R$ 30. A operação do serviço não cobre, entretanto, o cus-to de operação. “Se não houvesse patrocinador, o modelo de negócio teria que ser muito diferente”, diz, na Secretaria de Conservação e Servi-ços Públicos da Prefeitura, o coorde-nador do Vamo, Renan Carioca.

No transporte coletivo, a mobilidade elétrica é realidade na paulista Cam-pinas desde 2015, ano em que a fa-bricante BYD instalou-se na cidade, a 96 quilômetros da capital. Em 13 coletivos a bateria produzidos pela empresa e operados pelas conces-sionárias Itajaí e Padova, 2,1 mil pas-sageiros são transportados por dia, em trajetos que somam 1,7 mil quilô-metros – percurso que demandaria o consumo de 700 litros de diesel. Diariamente, contabiliza o secretário Municipal de Transportes, deixam de ser emitidas 2,3 toneladas diárias de CO2 na atmosfera.

Com autonomia para rodar de 250 a 300 quilômetros, os coletivos elétri-cos foram incorporados à frota gra-ças a uma parceria entre a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec), a BYD e a CPFL Energia, responsável pela infraestru-tura de carregamento, que é efetua-

do durante a madrugada, nas gara-gens. A quantidade de elétricos em circulação corresponde a 1,2% da frota local, de 1,1 mil ônibus, e trans-porta 0,3% dos 560 mil passageiros diários do sistema de ônibus, mas a experiência gera informações para a ampliação do uso dos ônibus verdes em Campinas.

A Prefeitura planeja ampliar a esca-la de uso dos elétricos até o fim do ano, prevendo a circulação de mais 200 – puros e híbridos –, no contex-to da remodelação do sistema de transporte público. Uma das inova-ções previstas no plano é a criação de uma zona na região central da cidade, chamada de “área branca”, reservada exclusivamente para os coletivos elétricos. No transporte individual, Campinas também está avançada: dispõe de 10 eletro-pos-tos e já tem três carros elétricos no serviço de táxis.

As estradas brasileiras também co-meçam a dispor de oferta de recar-ga. O maior corredor rodoviário com eletro-postos é a BR-277, que cruza o Paraná. Ao longo dos 730 quilô-metros entre a litorânea Paranaguá e Foz do Iguaçu, no oeste do estado, a Companhia Paranaense de Energia (Copel) mantém 12 estações de recarregamento, que efe-tuaram 330 atendi-mentos no primeiro ano, completado em março. A eletro-via oferece recarga gra-tuita, por fazer parte de projeto de pesquisa que integra também Itaipu Binacional, ao custo de R$ 5,5 milhões.

Cada eletroposto da BR-277 possui potência de 50 quilovoltamperes (KVA), equivalentes à energia que 10 chuveiros consumiriam ao mes-mo tempo, e dispõe dos três tipos de conectores usados pelos carros elétricos em circulação no Brasil. Para

recompor em até 80% as baterias, os motoristas esperam de 30 a 60 minu-tos nas estações, dotadas de sistema de recarga rápida. “Estamos saindo na frente em relação à mobilidade ur-bana e à descarbonização”, afirma o presidente da Copel, Daniel Pimentel Slaviero. O eletro-posto mais procu-rado é o de Curitiba, que fez 230 re-carregamentos no primeiro ano.

Outra rodovia com recarga elétrica é a Presidente Dutra, que liga as cida-des do Rio de Janeiro e São Paulo. Desde julho de 2018, seis postos da Ipiranga contam com estações de recarregamento rápido e ainda gra-tuito ao longo dos 430 quilômetros da estrada, em parceria com a em-presa de energia EDP e a BMW. “A demanda está acima de nossa ex-pectativa”, diz, sem revelar números, o gestor de serviços para o consu-midor da EDP, Nuno Pinto. O valor da recarga, ele compara, correspon-deria a um quinto do que seria gasto com gasolina.

Seja com estímulos pontuais, seja com a venda dos modelos verdes,

a eletro-mobilidade é caminho sem volta no Brasil, incluídos os

três tipos de elétricos disponíveis no mercado global. Para o futuro, outra aposta é carro a célula de combus-tível, na qual a eletricidade é gerada por hidrogênio produzido a bor-do com etanol – a tecnologia Solid Oxide Fuel Cell (SOFC), que tem na dianteira a japonesa Nissan. Na Co-ppe/UFRJ, Alexandre Szklo ressalva, porém, que “o carro a hidrogênio com reformador de etanol ainda não é viável economicamente e deman-da tempo de pesquisas e desenvol-vimento”.

Szklo observa que nem sempre a melhor tecnologia tem lugar cativo no futuro, recordando que a tração elétrica esteve na origem do auto-móvel, no século 19, para ser su-plantada pelo motor a gasolina. “A questão passa pela estratégia em relação à tecnologia, que pode en-volver um grande agente cobrindo o custo inicial”, explica. Exemplo é a vitória do petróleo sobre a eletricida-de, há um século, graças a pesados subsídios dos Estados Unidos. No caso atual da eletro-mobilidade, ele arrisca, “talvez caiba à China bancar a partida”.

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alimEntação

Um tesouro nutricionalConhecidas como PANCs, as plantas alimentícias não

convencionais têm um enorme potencial a ser explorado

Elias Fajardo (texto e fotos)

As plantas alimentícias não conven-cionais (PANCs) são folhas, verduras, frutos, talos e raízes normalmente não consumidos em grande escala, mas que podem fazer parte do nos-so cardápio.

Constituem um valioso tesouro ali-mentar e fitoterápico que há séculos participa da vida brasileira, principal-mente nas áreas rurais. Mas as mu-danças na vida nacional e as imposi-ções do grande mercado, que tende a oferecer apenas os alimentos bem conhecidos, criaram a tendência a que seu cultivo e o consumo fossem abandonados.

Elas são, de alguma maneira, um fe-nômeno regional, ou seja, aquilo que não é conhecido numa região pode ser de uso comum em outra. A taio-ba, por exemplo, é muito apreciada em Minas Gerais e no estado do Rio de Janeiro, mas pouco vista e usada em outras regiões.

A classificação PANC não é rígida, assim como não há uma lista com-pleta das plantas comestíveis no mundo. Alguns estudos apontam que há cerca de 300 mil espécies de plantas descritas, das quais 12.500 são potencialmente comestíveis,

Da capuchinha se aproveitam como alimento as flores, folhas, frutos, sementes e ramos

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mas apenas cer-ca de três mil (ou no máximo 7 mil) são usadas na alimentação humana. Calcula--se que apenas 20 são responsáveis por 90% da nossa alimentação e têm sido usadas há cerca de 10 mil anos.

Segundo Valdely Ferreira Kinupp e Harri Lorenzo, em seu livro Plantas alimentícias não convencionais no Brasil, muitas são consideradas da-ninhas, mato ou invasoras, elimina-das com foices, enxadas, tratores e herbicidas. Assim, maravilhosos nu-trientes alimentares são postos fora.

É preciso distinguir ainda entre as plantas propriamente não conven-cionais e o uso não convencional de plantas conhecidas. O mamoei-ro é abundante e nasce espontane-amente em roças, principalmente depois de queimadas. Mas o talo dele pode ser descascado e proces-sado em doces e farinha.

PotencialO engenheiro agrônomo João Bar-cellos Xavier, doutor em Fitotecnia e Agronomia pela Universidade Fe-

deral de Lavras (UFLA) fez sua tese de doutorado sobre uma delas, o caruru (Amaranthus). “Buscamos trabalhar com estas espécies para resgatá-las e pesquisar a qualidade nutricional que possuem”, explicou.

Estudos como o de João e outros pesquisadores têm verificado que elas apresentam uma atividade an-tioxidante muito grande e ajudam, por exemplo, na luta contra o câncer. Ele afirma: “Muitas são nutracêuti-cas: tanto nutritivas como terapêu-ticas. Nossa equipe, orientada pela professora Luciane Vilela Resende, verificou que elas têm um potencial maior do que as hortaliças comuns. Com o atual modelo de produção agrícola, temos reduzido cada vez mais o que consumimos”.

Mas por que um pesquisador se in-teressou pelo caruru, uma hortaliça popular e resistente que cresce até nas calçadas e nos buracos do as-

falto? “Eu já conhecia o caruru e tinha comido por

curiosidade. Começamos a me-lhorá-lo para ser cultivado em maior escala. Escolhemos sete espécies e selecionamos as características importantes delas. Tanto as folhas como os grãos são comestíveis, mas priorizamos os grãos, onde está o maior teor de proteína. Eles têm também aminoácidos como o trip-tofano, essencial para a alimentação animal, e poucos grãos o têm tanto quanto ele.

Em seguida, foram escolhidas três espécies; depois uma, comercial-mente plantada em muitos países, e comparada com duas espontâneas que ocorrem naturalmente no Brasil. “Verificamos fibras, cinzas, gorduras, nutrientes e sementes. Sementes e grãos são diferentes: semente é para plantar, grão é para ser comido. Uma delas, a espécie amaranthus hybridus, que dá uma flor averme-lhada, tem uma quantidade de ferro maior que a da cultivar comercial e superior ao feijão e à própria couve, considerada muito rica nessa subs-tância. O ferro nos ajuda a produzir hemoglobina e hemácias”.

Segundo João, o mercado orgânico brasileiro tem

crescido cerca de 30% ao ano. E as PANCs devem ser cultivadas or-ganicamente para manterem suas propriedades originais. Ele conclui: “O resgate das PANCs só tem a en-riquecer a sociedade. Quanto mais a gente restringe a alimentação, pior é o funcionamento do corpo. Restau-rar e resgatar estas plantas é recupe-rar a saúde e nossa forma de viver”.

Alimento funcionalLuciane Vilela Resende é professora titular do Departamento de Agricul-tura da UFLA na área de Olericultura, responsável pelo banco de germo-plasma da instituição, que hoje culti-va entre 50 e 60 espécies de PANCs. Os bancos de germoplasma conser-vam material genético de uso imedia-to ou com potencial de uso futuro. A professora é uma estudiosa e entu-siasta do assunto, e muitos de seus alunos seguem este caminho.

“A principal característica dessas plantas é ser um alimento funcional. Têm compostos relacionados a altos valores nutricionais e podem reduzir atividades do metabolismo que cau-sam doenças, ajudando, por exem-plo, a controlar diabetes. São fáceis de cultivar e podem ser plantadas com baixo custo. Ao serem coloca-das no mercado, vemos que existe uma demanda, as pessoas têm sau-dade do que comiam quando crian-ças e hoje não encontram mais”.

Acima, o caruru roxo, de folhas e grãos comestíveis. Ao centro, a dália, cujo potencial para alimentação está sendo estudado

Suspiro, ou celósia, é boa

fonte de cálcio e iodo

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Uma das alunas está estudando o potencial das flores da dália na ali-mentação e Luciane aponta tam-bém a novidade das mini-hortaliças, chamadas de babies. As PANCs poderiam entrar no mercado como babies.

A professora considera que não é possível voltar a consumir tantas PANCs como se fazia antigamente, mas é viável mostrar que existem e quais seus benefícios. Ela informa que a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), a maior central de dis-tribuição de hortaliças da América Latina, comercializa cem espécies, a maioria cultivada com muitos adubos e defensivos. E adverte: “As PANCs vão fazer diferencial se forem plantadas de forma alternativa, com cultivo orgânico ou uso racional de aditivos. Caso contrário vão continu-ar sendo substituídas pelas conven-cionais, que são chamativas e têm tradição de consumo”.

Luciane tem um projeto de produ-zir PANCs, levar para as feiras livres para serem degustadas e distribuí-das com cartilhas informativas so-bre como cultivar e preparar, mas sua equipe ainda não conseguiu

financiamento para implantá-

A araruta pode ser utilizada para aproveitar o fim do cultivo da man-dioca. Ela é plantada na entressafra, quando a mandioca está parada. Um projeto no Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq) propõe misturar araruta com farinha de mandioca para usar na merenda escolar. Por meio do Pro-grama de Aquisição de Agricultu-ra Familiar (Penaf) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Penae), o governo viabiliza que as prefeituras comprem diretamente do produtor e forneça a comunidades com necessidades alimentares. Mas ingressar nesses programas exige uma documentação que os produ-tores rurais não têm condição de providenciar sozinhos. Lavras, por exemplo, não compra hortaliças no município, mas em Formiga, pois lá existe um sindicato que provê todos os documentos.

Douglas está iniciando um experi-mento com cinco PANCs para ve-rificar qual delas absorve melhor o zinco. Esse metal é essencial ao ho-mem e sua deficiência no organismo pode provocar retardamento mental, sobretudo em recém-nascidos.

Luis Felipe Lima e Silva é doutor em fitotecnia e pesquisador do Depar-tamento de Agricultura da UFLA. Ele diz que o Brasil ainda carece de estudos científicos sobre as PANCs. “No exterior já se pesquisam mui-tas delas. Percebi um mundo muito grande a ser explorado. Começamos a trabalhar com cerca de dez es-pécies na minha tese. Fizemos um banco de germoplasma e desenvol-vemos a genética, com a contagem do DNA. Estudamos também as técnicas de cultivo. Depois do meu trabalho, foram surgindo outros vin-culados de forma direta ou indireta a ele e o universo foi se ampliando. Cinco anos depois, temos muito mais informações sobre elas. É im-portante continuar pesquisando e ter mais investimentos na extensão, que significa, entre outras coisas, informar sobre sua importância na alimentação e na biodiversidade e procurar resgatar as espécies.

O biólogo Eridani Isaacs, mestrando de Desenvolvimento Sustentável e Extensão na UFLA, trabalha em uma tese de mestrado sobre agroecologia nas escolas e tem um projeto de re-vitalizar a horta de uma escola rural,

-lo. “Falta divulgação na mídia. Existe um interesse da população em consumi-las, estão sempre nos pedindo sementes, mas não temos produção suficiente para atender. É preciso mais incentivo do governo e da iniciativa privada para pôr proje-tos como este em prática”.

Faltam estudos científicos

Douglas Correa de Souza é doutor em Fitotecnia e pesquisador do De-partamento de Agricultura da UFLA. Iniciou seu mestrado em 2013 e, a princípio, pensou em trabalhar com tomate. A partir de uma sugestão da professora Luciane, escolheu a araruta. “Foi uma surpresa, pois eu nem tinha ouvido falar dela. E também um desafio interessante descobrir novas tecnologias para produzi-la”.

A araruta produz rizomas (caules subterrâneos com propriedades nutritivas) com grande quantidade de um amido sem glúten. Também contém inulina e pode servir como alimento para diabéticos. “Meus trabalhos procuram obter maior produtividade dos rizomas e ver como se pode aumentar a quanti-dade de amido e melhorar suas ca-racterísticas”.

ArarutaHerbácea com rizomas bran-cos e ricos em amido. Nativa da América Central e natu-ralizada em todo o território brasileiro. Os rizomas são triturados e lavados para ex-trair o polvilho. São muito di-gestivos e usados em cremes, mingaus, biscoitos e pão de queijo. Secos, são ricos em amido, fibras e proteínas.

Para fazer o biscoito de pol-vilho de araruta, junte duas xícaras de polvilho, três xí-caras de açúcar cristal, três ovos e duas colheres de sopa de manteiga em temperatura ambiente. Misture até a mas-sa ficar homogênea e soltar das mãos. Numa assadeira untada com manteiga, leve ao forno por cerca de 15 mi-nutos.

Douglas Souza (à esquerda), pesquisador da Universidade de Lavras. Ariana e Jeferson (centro),

mestrandos em Horticultura

Tomates de árvore: ricos em fibras, vitamina A e

antioxidantes

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plantando PANCs nela. “É necessário va-

lorizar essas plantas. O modelo de educação que temos hoje nas esco-las e faculdades é simplista, tende a reduzir as variedades de alimentos. Devemos tentar colocar as PANCs nas casas e escolas e mudar nosso jeito de ver as coisas. Ainda há pre-conceito de comer o que dizem ser mato. O ideal é trabalhar as PANCs para que deixem de ser PANCs e também que se descubram outras plantas em processo de desapare-cimento para que sejam resgatadas”.

O banco de germoplasma da UFLA, um espaço democrático e verde, é muito frequentado. Entre os vários canteiros ao ar livre e as duas estufas onde são feitas mudas, há sempre estudantes interessados. Jeferson Carlos de Oliveira Silva e Ariana Le-mes da Costa, alunos de mestrado em Horticultura, são alguns deles. Em 2018 eles testaram 1.700 genóti-pos (sementes de diferentes tipos) de batata-doce em meio hectare, para verificar suas aptidões para alimen-tação humana, animal e produção de etanol. A batata-doce tem vitamina C e antocianina (também presente na uva), que previne a presença de radicais livres no organismo.

AzedinhaHerbácea de hastes ocas, nativa na Europa e do norte da Ásia, cultivada desde a antiguidade. As folhas são usadas em saladas cruas ou refoga-das e sucos. Das sementes se faz farinha e dela o pão. É rica em ácido oxálico, o que lhe dá o sabor levemente azedo, mas deve ser evitada por quem tem problemas nos rins. Também contém vitaminas A e C.

Lave e pique as folhas bem finas para fazer um refogado. Doure alho, cebolas, pimenta e sal na manteiga ou no azeite. Refogue rapidamente e sirva pura, com carnes ou arroz cozido.

LaboratórioLuiz Gonzaga do Carmo, o Luizinho, é técnico em educação do Setor de Olericultura da UFLA. Ele cuida do banco e do laboratório. O banco de germoplasma se destina ao plantio em campo para pesquisa, demons-tração e multiplicação das PANCs. Já o laboratório serve para guardar sementes e matrizes para serem usadas que devem ser armazenadas em condições ideais. No equipa-mento Bod (uma estufa incubadora) são mantidas as sementes em dez graus e em boas condições de umi-dade. “A ideia é resgatar o conheci-mento de mães e avós para que as PANCs retomem o lugar delas. Faze-mos intercâmbio com produtores e pesquisadores, trocamos espécies e ampliamos o cultivo”.

Luizinho adora comer serralha com angu, taioba e tomar suco da bata-ta da tiririca, mas recomenda: “Não se deve misturar várias plantas sem orientação e é preciso saber de onde vêm antes de consumir”. Na sua prá-tica de horticultor, ele aprendeu que algumas são rústicas, independen-tes, não aceitam ser cultivadas. “A serralha, por exemplo, tem de deixar nascer como ela é na natureza. Ou-tras gostam de tratos, de matéria or-gânica no solo. A adubação é essen-cial, solo úmido, sem encharcar. Os insetos a gente combate com uma calda feita pela própria planta. Não usamos veneno. Fazemos homeo-patia: elementos da própria planta combatem o que a está atacando”.

Finalmente, ele recomenda fazer pi-cles de jurubeba. “É preciso ferven-tar o fruto três vezes para eliminar o amargo. Também se faz com ele um chá que ajuda a equilibrar o coleste-rol e os triglicerídios no organismo”.

O dia já vai alto no campus, uma chuva molhou os canteiros e até os pássaros parecem contentes com a presença de tantas plantas.

A feiraÀs terças-feiras, na Praça Doutor Jorge, é realizada uma feira de produtos agrícolas. Produtores da cidade e de distritos próximos vendem frutas e legu-mes em pequenas bancas. Em meio ao burburinho de feirantes e fregueses, são co-mercializadas hortaliças comuns e vários tipos de PANCs. Não há uma política oficial para estimular que trabalhem com PANCs, eles as co-nhecem por uma tradição cultural e familiar e dizem que têm boa acei-tação.

Maria das Dores Lima tem um sítio em Ijaci. Na feira ela costuma vender oito a dez molhos por semana de al-meirão, serralha e taioba.

Valéria Silva, por sua vez, oferece azedinha, serralha e peixinho da sua horta no sítio Boca do Mato. In-forma, contente, que vende de 20 a 30 molhos de azedinha por semana.

Luciane do Carmo Maculan Pereira tem, entre verduras convencionais, a cambu-quira, ou seja, brotos e folhas de abóbora. São vendidos cinco a seis molhos a cada semana.

Donizete da Paixão é o único que tem umbigo ou coração-de-ba-naneira, vindo de seu sítio. Gosta de comê-lo e diz que dá trabalho preparar a receita que aprendeu com sua mãe. Cultiva também taioba, al-meirão, catalona e azedinha. “Gosto de plantar de tudo, um pouquinho de cada coisa”, diz, sorridente.Taioba

Herbácea com folhas ricas em proteínas, potássio, cál-cio, fósforo, ferro e zinco. Devem ser colhidas novas. Para diferenciá-la das fo-lhas venenosas é bom lem-brar que a taioba tem uma grande linha que circunda toda a superfície da folha, que tem formato de cora-ção. Não deve ser consumi-da crua.

Para refogar, lave bem as folhas, retire o pecíolo e a nervura principal e corte em tiras finas. Aqueça o óleo e refogue até murchar totalmente, deixando que se inicie um leve cozimento.

Umbigo-de-bananeira

Uma erva de caule sucu-lento e espesso, originária do Sudeste Asiático. É uma planta bem conhecida e de frutos apreciados, mas o uso do umbigo do cacho é não convencional. O umbi-go é rico em carboidratos, proteínas e minerais.

Use as flores de cor roxa que ficam no meio do um-bigo. Deixe-as de molho em água, sal e limão. Ferva bem com água e sal e es-corra pelo menos três ve-zes para diminuir o amar-go. Doure alho, sal, cebola e temperos na manteiga ou azeite. Junte as flores e re-fogue bem. Pode-se juntar creme de leite ou leite de coco para amenizar o leve amargor delas.

Taioba

Peixinho

Valéria Silva

Donizete e o umbigo-de-bananeira

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NunoUma das grandes referências no trabalho com PANCs é a Embra-pa Hortaliças, de Brasília (DF), que editou o Manual de Produção de Hortaliças Tradicionais e publica folhetos sobre elas. Lá, a coleção de germoplasma de hortaliças não convencionais cultiva 250 varieda-des de mais de 70 espécies. A ins-tituição também realiza palestras, encontros e dias de campo sobre o cultivo, em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e com associações rurais.

“Trabalhamos com manutenção e resgate de plantas que foram caindo em desuso em função das mudan-ças na sociedade, com a globaliza-ção, a urbanização verticalizada e a perda das referências dos quintais produtivos”, explica o engenheiro agrônomo Nuno Madeira, pesqui-sador em Fitotecnia e Olericultura

da Embrapa. O objetivo é preservar o germoplasma das PANCs, diver-sificar a dieta das comunidades e criar oportunidades de renda para as famílias envolvidas. “Uma parcela da sociedade quer ter uma alimen-tação diversificada. As PANCs são alternativas sem contaminação, mesmo num cenário de mudanças climáticas e pressão de pragas e do-enças”, observa.

O pesquisador acha importante es-timular o diálogo entre comprador da cidade e produtor. Às vezes o produtor não tem alface, mas pode oferecer caruru e ora-pro-nóbis. Alguns exemplos de iniciativas de-senvolvidas na Embrapa Hortaliças: recomenda-se o cultivo adensado e podas sucessivas da ora-pro-nóbis por causa dos espinhos. Assim, cada poda é uma colheita. A Em-brapa também trabalha a moringa, cujas folhas produzem farinha. Com plantios adensados é possível fazer seis a oito colheitas por ano.

A cidade e a universidadeLavras é uma cidade do sul de Minas Gerais com cerca de 120 mil habitantes, tradicional produtora de leite, café, soja, milho e feijão. No centro histórico, em torno da praça dos bancos, fica a bela Igre-ja do Rosário, de fachada austera e belos ornamentos no interior.

A Universidade Federal de Lavras (UFLA) tem importante presença cultural e econômica na vida do município. É uma das mais impor-tantes universidades mineiras e brasileiras na área de agricultura. Reúne cerca de 15 mil estudantes e conta com mais de 20 cursos de graduação.

A UFLA tem um selo de universidade sustentável e é referência em gestão ambiental. Recebe alunos de países como Moçambi-que, Guiné Bissau, Cabo Verde, Bolívia, Colômbia, Peru e Chile. O moçambicano Antonio Taulo é um deles. Trabalha no Ministério da Agricultura em seu país e em Lavras estuda Fitotecnia. Conhece e aprecia o caruru, que na sua terra é preparado fervendo as folhas sem deixar secar a água e depois refogado com sal, azeite ou óleo de coco.

A universidade fornece de duas a três mil refeições diárias a estu-dantes e funcionários. As sobras de comida são decompostas e delas se faz adubo orgânico usado na jardinagem e em experimen-tos. O campus de 500 hectares tem cerca de 15 nascentes.

Nos laboratórios há coifas que filtram o ar com os resíduos quími-cos exalados nas experiências. Também se recolhe a água de chu-va dos telhados dos prédios para uso na jardinagem. Os dejetos dos experimentos são tratados, reciclados e recebem destinação adequada.

Manual de Produção de Hortaliças Tradicionais, da Embrapa

Universidade Federal de

Lavras

Nuno Madeira: PANCs são alternativas sem contaminação

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Fotogr aFia

Olhares da

floresta Comunidade indígena busca

na fotografia um meio de fortalecer sua identidade e se

comunicar com o mundo

Pedro Kuperman (texto e fotos)

Durante as três horas de viagem de barco subindo o rio Amônia, a sen-sação é de estarmos atravessando um portal para um tempo ancestral. Conforme o município de Marechal Thaumaturgo vai ficando para trás e vamos nos aproximamos da aldeia Apiwtxa, os sinais da cultura ribeiri-nha ficam escassos e a floresta ga-nha mais corpo.

Aos poucos, surgem crianças em cima das árvores, vestindo uma túni-ca longa e colorida, e ao longe ouvi-mos o som de uma língua desconhe-cida. Ao chegarmos à comunidade indígena dos ashaninkas do rio Amô-nia e presenciarmos a intensidade com que vivem sua cultura tradicio-nal, notamos também uma caracte-rística distinta desse povo: sua habi-lidade em incorporar ferramentas e saberes de fora de sua sociedade.

Originários do Peru, os ashaninkas vieram para o território brasileiro no século 19 e se estabeleceram no es-tado do Acre. São aproximadamente 100 mil no Peru e por volta de 2.500 no Brasil. O maior desses grupos se localiza na aldeia Apiwtxa, na região do Alto Juruá. Lá se estabeleceram por ser uma área tradicionalmente

Ashaninkas observam imagem na câmera obscura que construíram, no primeiro ano da oficina de fotografia. Processo remete ao desenvolvimento da câmera fotográfica e trabalha os princípios da formação da imagem na fotografia

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abundante de caça e recursos natu-rais e pela distância da exploração selvagem do látex.

A aldeia Apiwtxa do rio Amônia é a principal da etnia. Além do maior tamanho, suas lideranças desen-volvem há anos iniciativas impor-tantes em defesa de seu território, pela preservação de sua cultura e da mata amazônica. Depois de um intenso trabalho para recuperar suas florestas, implementar um manejo sustentável dos recursos naturais, retirar da região traficantes e ma-deireiros e demarcar suas terras, os ashaninkas hoje trabalham em proje-tos de capacitação das comunidades do entorno. Eles replicam sua expe-riência em outras áreas, permitindo que a floresta seja uma alternativa de subsistência para essas pessoas. A capacitação promovida pelos indí-genas cria alternativas econômicas sustentáveis ao desmatamento, ofe-recendo possibilidades de renda por meio do plantio correto na floresta.

Partindo da necessidade de forta-lecer os conhecimentos tradicio-nais do seu povo e de proteger seu território, os ashaninkas criaram a Escola Samuel Pyiãko, desenvolvi-da sob uma filosofia de educação diferenciada e integrada. A escola conta com material didático próprio adequado à realidade da população indígena. Trabalha com o conheci-mento tradicional da etnia, a alfabe-tização bilíngue (aruak e português), os valores e direitos do povo, mas também utiliza ferramentas do mun-do exterior que auxiliam no fortaleci-mento de sua identidade.

Os ashaninkas são porta-vozes da agrofloresta e da preservação ama-zônica no mundo. O líder espiritual Benki Piyãko é símbolo das políticas ecológicas da aldeia e viaja pelo pla-neta representando o povo e suas ideias, fazendo o papel de embaixa-dor da etnia. Em setembro de 2017, Benki recebeu o Prêmio Equador, do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD), na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.

Este povo indígena é notável por sua habilidade em tecer parcerias estratégicas para o fortalecimento e desenvolvimento de suas lutas e projetos. “Hoje é uma necessidade buscar lá fora o que os não índios desenvolveram, que é para garantir e proteger o que a gente tem”, reforça Moisés Piyãko, pajé da Apiwtxa.

Um exemplo disso é a construção de uma fábrica de polpa de frutas e sucos que está sendo viabilizada pela comunidade com verbas do Fundo Amazônia*, do Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com doações da Petrobras, do governo da Norue-ga e do banco de desenvolvimento alemão KfW. A fábrica vai permitir a comercialização de frutas produ-zidas pelos ashaninkas, bem como por outros grupos indígenas e não indígenas do entorno. E é mais um exemplo de como esses indígenas são importantes agentes de transfor-mação social e ambiental na Amazô-nia, promovendo desenvolvimento não só para sua comunidade, mas para toda a região do Alto Juruá.

Crianças na Aldeia Apiwtxa. As brincadeiras e a interação com a natureza fazem parte da educação ashaninka

Thokiriyari Piyãko manuseando uma das câmeras digitais

entregues à comunidade na oficina de fotografia de 2018

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As lideranças da aldeia Apiwtxa também buscam ampliar seu esco-po de atuação na política. Em 2016, Issac Piyãko, professor da Escola Samuel Piyãko, foi o único indíge-na eleito prefeito de um município no estado do Acre, o de Marechal Thaumaturgo. Francisco Piyãko, ou-tro integrante do grupo de líderes da comunidade, já foi secretário de Povos Indígenas do governo do Acre (entre 1999 e 2007) e é hoje o diretor da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá.

A oficina: documentando a própria história

Seguindo essa prática de agregar ferramentas externas, os ashaninkas decidiram se empoderar com mais um saber não tradicional à sua cul-tura. As lideranças da comunidade enxergaram na fotografia um po-tente instrumento de comunicação, defesa de seus direitos e afirmação de sua cultura e notaram que os fotógrafos que vêm de fora não en-xergam a realidade da mesma forma que eles. Os ashaninkas querem contar sua própria história.

“Na fotografia, muitas vezes, vemos trabalhos que pessoas fizeram aqui e que não alcançam aquele senso que está dentro do nosso olhar. O olhar deles é diferente. Para nós,

aquilo que é importante nem sempre é fotografado. Por isso estamos bus-cando a tecnologia para documentar aspectos que as pessoas não enxer-gam”, conta Moisés Piyãko.

Foi a partir dessa demanda da comu-nidade que surgiu o projeto Oficina de Fotografia Ashaninka, realizada em parceria com o Instituto-E, em cooperação com a representação brasileira da Organização das Na-ções Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e com o apoio da aldeia Apiwtxa.

A metodologia do projeto foi desen-volvida para que o conhecimento ad-quirido pelos alunos sobre fotografia fosse incorporado culturalmente. O modelo de ensino foi voltado para uma educação do olhar, além da compreensão dos princípios básicos da luz e da formação da imagem, por meio das experiências construídas e vividas pelos próprios indígenas.

O projeto teve início em 2016 e con-tou com três oficinas, sendo a última realizada em 2018, viabilizada por uma campanha de financiamento coletivo. As dinâmicas incluíram construção de câmeras obscuras artesanais utilizando elementos da cultura ashaninka, iniciação fotográ-fica com câmeras pin-hole (artesa-nais, feitas com material rudimentar e sem lentes), revelação em labora-tório, análise crítica e descrição das imagens produzidas. O trabalho foi conduzido e aplicado em campo em 2017, com a colaboração do fotógra-fo e educador Miguel Chikaoka.

Na oficina de fotografia digital, em 2018, os alunos trabalharam com os processos da mídia e aprende-ram fluxos de trabalho a partir de pautas definidas pela comunidade. Foram doados equipamentos como câmeras fotográficas digitais e lap-tops. A oficina contou ainda com o auxílio do fotojornalista João Ro-berto Ripper, colaborador da Senac Ambiental.

Antônio Piyãko, cacique da aldeia e pai das lideranças ashaninka, criando seu desenho facial com urucum. As tradições ashaninka se mantêm com o passar do tempo

Benki Piyãko toca tambor e canta na festa anual em que comemoram a demarcação de

suas terras

Julieta Piyãko, também durante os festejos

Tayri Piyãko manipula câmera pinhole de médio

formato construída por Miguel Chikaoka na oficina

de 2017 - processo de transição entre a fotografia

analógica e a digital

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Recurso de sobrevivência

Os ashaninka do rio Amônia nunca tiveram uma produção fotográfi-ca feita pela própria comunidade. Eles consideram que o olhar de um ashaninka fotografando sua própria realidade é algo extremamente po-deroso, que reforça sua identidade e muda o caráter etnocêntrico da his-tória conhecida sobre os indígenas. Com essa capacitação, pretendem criar um acervo de imagens que po-derá ser utilizado na formação cul-tural de jovens, na sua comunicação com o mundo não indígena e com outras etnias.

A documentação fotográfica realiza-da pelos fotógrafos da Apiwtxa terá um papel importante tanto no forta-lecimento e na preservação de sua cultura tradicional como pelo regis-tro e pela divulgação de suas ativida-des culturais – tecelagem, técnicas de pintura, festas, rituais e relatos.

Em uma época em que os jovens têm um contato mais intenso com a tecnologia e com a vida na cida-de, o registro das tradições é de grande importância, e será cada vez mais relevante para as próximas gerações. Ao fotografarem uma ma-nifestação de sua cultura, eles es-tarão sublinhando o valor daquele elemento e criando seu próprio re-corte. Além disso, a fotografia será mais um instrumento de denúncia e de defesa dos direitos humanos. A aldeia Apiwtxa se localiza em região de fronteira, onde pressões preda-tórias são frequentes e obrigam as lideranças a estarem em constante estado de alerta e de monitoramen-to de seu território.

Os ashaninka pretendem incluir os conhecimentos absorvidos nas ofi-cinas de fotografia nas disciplinas da Escola Samuel Piyãko, ensinan-do às novas gerações da Apiwtxa essa linguagem visual e aproprian-do-se dela como ferramenta de ex-pressão e trabalho.

Benki Pyiãko res-salta a importância de os ashaninka comunicarem o que lhes interes-sa para o mundo fora da aldeia: “A fotografia vai tra-zer uma riqueza muito grande para um conhecimento que a gente busca mostrar ao mundo. E com nossos pró-prios olhares”.

Veremos, no futuro, de que forma esse saber será incorpo-rado à sua cultura. A linguagem foto-gráfica representa para os ashaninka, além de uma forma de expressão artís-tica, documentação e denúncia, um meio de tecer a própria narrativa de sua cosmologia, de sua origem e costumes.

A fotografia torna-se, assim, um recurso de sobrevivência física e cultural, ao fortalecer sua identida-de de grupo, ampliando suas pos-sibilidades de comunicação com o mundo globalizado e interconecta-do a partir dos olhares que vêm da floresta.

*Em maio, o Ministério do Meio Am-biente afastou a chefe do departamento responsável pelo Fundo Amazônia, ale-gando ter encontrado indícios de irre-gularidades. A atitude gerou uma série de protestos de organizações ambienta-listas. Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o fundo é um projeto de co-operação internacional para preservar a floresta amazônica e tem a maior parte dos recursos proveniente da Noruega e da Alemanha. Em carta enviada ao Minis-tério do Meio Ambiente, os dois países manifestaram insatisfação com a medida.

Acima, a escola Samuel Piyãko trabalha os conhecimentos tradicionais com material didático próprio, alfabetiza as crianças em aruak e português e incorpora saberes de fora da comunidade

Abaixo, crianças ashanika a caminho da escola passam na exposição montada na aldeia, mostrando o trabalho

fotográfico realizado pelos alunos da oficina de fotografia

Os alunos da escola Samuel Pyiãko

aprendem sobre seu território, a natureza e

a vida na floresta

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notaS notaS

Menos verdeAcervo histórico

Tudo azul

Um milhão de espécies ameaçadas

De 1985 a 2017, o Brasil perdeu 18% de sua área florestal. As perdas maiores foram na região amazônica, com 61,5%. O Pantanal (11%) e a Caatinga (9,5%) também registram redução. Os Pampas e a Mata Atlântica, porém, viram suas florestas aumentarem.

As informações são do projeto Mapbiomas (www.mapbiomas.org), iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima produzida por uma rede de universidades, empresas de tecno-logia e organizações não governamentais. Foram analisadas todas as imagens registradas nesse período pelos satélites internacionais Landsat.

O fotojornalista João Roberto Ripper, colaborador desta Senac Ambiental, está organizando, catalogando e digitalizando todo o seu imenso ar-quivo. O acervo será doado para a Fundação Biblioteca Nacional e fica-rá disponível para consulta pública e pesquisa. São quase 50 anos de do-cumentação – com mais de 140 mil fotogramas – sobre um Brasil muitas vezes ignorado: comunidades tra-dicionais, pessoas em situação de escravidão, movimentos sociais e populações indígenas.

Ripper fez uma bem-sucedida cam-panha de financiamento coletivo para cobrir os custos iniciais do projeto. Para saber mais, acesse www.benfeitoria.com/bemquererobrasil.

Na edição passada, mostramos o projeto de reintrodução em território bra-sileiro da ararinha-azul, ave considerada extinta no país. Pois temos novas notícias: 50 exemplares da espécie, vindos da Alemanha, chegam ao Brasil até novembro. O anúncio foi feito durante a assinatura de acordo de coope-ração técnica entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiver-sidade (ICMBio) e a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), que é responsável pelas aves. As ararinhas serão encaminhadas para um centro de reintrodução e reprodução no Refúgio de Vida Silvestre (Revis), unidade de conservação criada no ano passado, na Bahia.

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Relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistema da Organização das Nações Uni-das revela que um milhão de espécies de animais e plantas estão ameaça-das de extinção. Produzido por 145 cientistas de 50 países, o estudo é um dos mais extensos já realizados sobre perdas ambientais e aponta a ação humana como uma das principais responsáveis pelo problema. Acesse bit.ly/1miesp para ler o relatório (em inglês e francês).

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Mais agrotóxicos

No dia 24 de junho, o Diário Oficial da União publicou de-cisão do Ministério da Agri-cultura liberando o registro de 42 agrotóxicos no Brasil. A pasta informou que o objeti-vo é aumentar a concorrência no mercado e diminuir o pre-ço dos defensivos agrícolas. Desde janeiro, o Governo Federal já autorizou a comer-cialização de 239 defensivos agrícolas.

Diversas organizações am-bientalistas revelam preo-cupação, pois várias dessas substâncias são banidas pela União Europeia por serem perigosas tanto para o meio ambiente quanto para a saú-de humana.

Meta: carbono

zeroDepois de divulgar há dois anos, a intenção de eli-minar o uso de produtos descartáveis de plástico, a Costa Rica anunciou que pretende se livrar dos com-bustíveis fósseis, zerando suas emissões de carbono até 2021. Dono de enorme biodiversidade, o país tem uma matriz energética for-temente baseada em fontes renováveis.

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ComunidadES tr adiCionaiS

Palmas pra elas

Cerca de 400 mil mulheres vivem do coco babaçu.

Elas combatem a degradação das palmeiras e movimentam

a economia

Ana Mendes (texto e fotos)

Depois de algumas horas de con-versa, Satuca, quebradeira de coco, olha nos olhos dos ouvintes atentos e diz: “Ninguém nunca vai entender por que a gente chora vendo uma palmeira cair”.

A frase é um misto de apelo e de-monstração de amor incondicional por uma árvore. Isso pode soar um pouco raro para quem entende a natureza como um mero recurso. Entretanto, para as quebradeiras de coco que vivem nos estados do Maranhão, Piauí, Pará, Tocantins e Ceará, os babaçuais, como são chamadas as grandes extensões de floresta onde ocorre a palmeira ba-baçu, são muito mais do que isso.

É bem verdade que as cerca de 400 mil quebradeiras tiram parte do sustento familiar do extrativismo do coco babaçu, que é transformado em fubá, azeite e leite e utilizado para venda e consumo, mas o que está em jogo na luta pela proteção da palmeira é um conjunto mais complexos de porquês. E as razões não se justificam somente no mun-do objetivo, isto é, na subsistência. “Porque nem todas as quebradei-ras de coco quebram coco porque

Quebradeira de coco em Viana (MA): atividade tem conotações que envolvem o sustento da família, o papel social da mulher e o senso de comunidade

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têm de botar comida na mesa. Nós temos um jeito de quebrar coco, temos um jeito de lidar com os ba-baçuais, e isso ninguém vai tirar da gente. Nós não quebramos coco só pra comer ou porque estamos mise-ráveis. Senão a gente não chorava, a gente não brigava quando estão derrubando as palmeiras”, conta Rosenilde Gregória dos Santos.

A degradação dos babaçuais atin-ge diretamente as quebradeiras de coco. Pois essa população tradicio-nal, majoritariamente composta por mulheres, vive a cultura do coco babaçu de maneira integral. O tra-balho com o coco tem conotações amplas que perpassam a religio-sidade, o senso de comunidade, a reconstrução dos papéis sociais da mulher e a emancipação econômi-ca de famílias inteiras. Diferente de outros povos tradicionais, que habi-tam só um tipo de território, as que-bradeiras vivem nas cidades, nos assentamentos rurais, nas unidades de conservação e mesmo em terri-tórios étnicos de outros povos, tais como quilombos e terras indígenas.

Em 2005, o Movimento Interestadu-al de Quebradeiras de Coco Baba-

çu (MIQCB) fez uma parceria com o Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, da Universidade Fe-deral do Amazonas (UFAM), para cartografar o território das quebra-deiras nos quatro estados onde o movimento atua: Pará, Maranhão, Tocantins e Piauí. Intitulado Guerra Ecológica nos Babaçuais, o mapa identifica o processo de devastação do coco, os atos delituosos contra as quebradeiras, as formas como elas se organizam e, fundamen-talmente, dá a dimensão do espa-ço ocupado por elas. Na época, o mapa apontou cerca de 18 milhões hectares de terra descontínua, nú-mero que já cresceu cerca de 28%.

Onde há coco há quebradeira. E, mesmo vivendo junto a outros po-vos, as quebradeiras não perdem a coesão. Muito pelo contrário, os laços entre elas são muito fortes, pois o a dia a dia dessas mulheres é sempre em conjunto. Existe uma es-pécie de interdependência entre as quebradeiras, visto que costumam estar sempre em grupo para coletar, transportar, quebrar e fazer azeite e fubá. As incursões nas matas para o extrativismo normalmente contam com outros membros da família das

quebradeiras. Além delas, é bastan-te comum que as crianças também façam os percursos da coleta junto com mães, tias e avós. Nessas cami-nhadas, adultas e crianças batizam as árvores com nomes de pessoas e conversam com elas. “A gente não é doida, mas conversa com as palmeiras”, conta Rosenilde. Talvez more aí uma das justificativas para o choro e o desespero quando uma palmeira é violentada. Na morte de cada uma delas há luto e dor, tal como na despedida de um parente. “A palmeira é como nós mulheres: resistente. Mas tem vezes que ela sofre”, dizia Dijé, uma quebradeira de coco ícone na luta pela preserva-ção do babaçu que morreu no final de 2018, vítima de um infarto.

As principais ameaças que recaem sobre os babaçuais são o cerca-mento das áreas para a implemen-tação de monocultura extensiva com a utilização de agrotóxico e o arrendamento para a retirada de palmito e do coco inteiro para pro-duzir carvão vegetal. Guardiãs dos babaçuais, as quebradeiras, no en-tanto, não estão sozinhas nessa ta-refa. Ao contrário, encontram alicer-ce em algumas leis. No Maranhão,

a lei estadual nº 4.734, promulgada em 1986, proibiu a derrubada da palmeira. E em 1997 a Lei do Baba-çu Livre foi implementada pela pri-meira vez no município de Lago do Junco, também no Maranhão, fruto da luta das quebradeiras na Câmara Municipal. O texto legal, no entan-to, não detalhava as reais ameaças aos babaçuais. Três anos depois, Maria Alaídes, hoje coordenadora--geral do MIQCB, se elegeu vere-adora e levou a pauta novamente para votação, gerando uma lei complementar. “Depois que estava escrita a minuta, fui eleita em 2000 e levei essa proposta para a Câma-ra”. A nova lei, sancionada em 2002, proibia a derrubada das palmeiras, tal qual a primeira, e acrescentava o livre acesso aos babaçuais. “Não foi fácil, porque existiam vereadores que eram fazendeiros. Teve um que disse: ‘Não voto nessa lei porque ela é inconstitucional, imoral e inde-cente’. Mas a gente ganhou”, lembra Alaídes.

Hoje existem 13 municípios nos estados do Pará, Maranhão e To-cantins que já sancionaram a Lei do Babaçu Livre. A resistência, po-rém, ainda é grande. Em Matinha,

Quebradeiras de coco atravessam cerca para acessar um babaçual já bastante degradado. O fazendeiro deixou sobreviverem apenas as palmeiras mais velhas, que já não estão dando coco. As árvores medem cerca de 30 metros de altura

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na região da Baixada Maranhense, a tentativa de implementar a lei foi frustrada. Elas esbarraram no veto do prefeito, depois de ganharem dez votos favoráveis dos 11 verea-dores. A não aprovação, para Alaí-des, significa dizer que “querem que nós morra, que nós não exista” (sic), referindo-se aos políticos de modo geral e recordando o arquivamento do Projeto de Lei 231/2007, que pre-vê uma Lei do Babaçu Livre federal.

De qualquer modo, as ferramentas legais já existentes para proteção e preservação surtiram efeito. Não é à toa que a cobertura vegetal de babaçu cresceu nos quatro estados. Há cerca de três anos, os mesmos pesquisadores que fizeram a carto-grafia social das quebradeiras em 2005 realizaram um novo levanta-mento e apontaram um crescimen-to de cerca de 28% nos babaçuais. “Em 2008, a gente tinha 18 milhões de cobertura de babaçu. Nessa úl-tima pesquisa, temos 25 milhões de hectares”, observa Ana Carolina

Magalhães Mendes, coordenadora Técnica do MIQCB.

Para as comunidades, a palmeira em pé é tal qual o ditado popular diz: “garantia de casa, comida e roupa lavada”. Maria Alaídes conta que da palmeira tudo se aproveita. “O babaçu, pra nós, foi porta, foi janela, foi casa. É estrume, azeite, sabão”. Portas, janelas e o telha-do são feitos utilizando a pindoba, como são chamadas as folhas da palmeira em fase de crescimento. É delas também que se fazem ces-tarias e abanos. Da casca do coco fazem carvão e uma mistura para deixar o barro mais consistente para a construção de casas e for-nos. Da amêndoa, o leite e o azeite. E do mesocarpo, que fica entre a casca e a amêndoa, se faz o fubá de coco ou a farinha. Este último conhecido é um importante com-plemento alimentar para crianças e bebês e foi regionalmente difundido em campanhas contra a fome, en-tre as décadas de 1990 e 2000, para combater a desnutrição. Em 2009, a

Orbignya speciosa, nome científico da palmeira, foi uma das 71 plantas medicinais incluídas na Relação de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Sistema Único de Saúde), ela-borada pelo Ministério da Saúde.

Na tentativa de valorizar mais ain-da o trabalho das quebradeiras e colocá-las no mercado formal do babaçu, sem atravessadores, o MIQCB, criou, em 2009, a Coope-rativa Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco (CIMQCB). A cooperativa já logrou incluir os produtos derivados do babaçu na merenda escolar e nos Centros de Referência (CRAS) por meio do Pro-grama Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Além disso, exporta mensalmente fubá e azeite para pelo menos cinco esta-dos brasileiros. Com oito fábricas em atividade e 36 grupos produti-vos, o que equivale a cerca de 500 mulheres, a cooperativa trabalha a partir do que Maria do Rosário, presidente do CIMQCB, denominou como política da liberdade.

A liberdade à qual ela se refere é a existência de opções de comprado-res no mercado. Antes quem impu-nha as regras à venda do coco eram os atravessadores, donos de peque-nos comércios. Não raras vezes, as quebradeiras trocavam o coco por mercadoria e não por dinheiro. “O comerciante só comprava o coco se a quebradeira levasse a mercadoria dele. E como ela não tinha outra sa-ída, levava a mercadoria pelo coco. Hoje eu tenho a minha liberdade de dizer não”, afirma Rosário, que tam-bém é quebradeira.

O ramo alimentício já não é o úni-co mercado que o CIMQCB está conquistando. Rico em vitamina E, o azeite bruto é vendido no varejo para clínicas médicas, fisioterapeu-tas e massoterapeutas autônomos. Mas a primeira grande encomenda

Maria Elaídes, coordenadora-geral do MIQCB, onde nasceu a cooperativa que é presidida por Maria do Rosário (abaixo) e produz azeite e farinha de babaçu

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a granel para o ramo de cosméticos será entregue este ano. Três tone-ladas de mesocarpo foram pedidas por uma empresa mineira que pro-mete utilizá-lo em cremes, batons e xampus. Independentemente do comprador, entretanto, os produ-tos do MIQCB seguem as diretrizes da economia solidária, praticando preços justos e não excludentes. “O nosso produto poderia ser vendido em um valor bem maior, contudo temos uma política de que o ali-mento da cooperativa e do MIQCB é para todos”, explica Fávia Aze-redo, assessora-geral da CIMQCB. Considerando também a importân-cia nutricional dos derivados do ba-baçu, Flávia complementa: “Temos um produto para as pessoas que estão em vulnerabilidade alimentar. Hoje chega aqui uma quebradeira de coco que vem comprar nosso produto e chega o empresário e também compra”. O mercado cres-ce a passos largos. Para o CIMQCB, entretanto, a exportação para o ex-terior ainda é um projeto de futuro. “Não é falta de oportunidade”, ex-plica Flávia, “mas as fábricas ainda têm de crescer”. No Maranhão, po-

rém, há quem já viva essa realida-de. Desde 1996, a Cooperativa dos Pequenos Produtores do Lago do Junco (COPPALJ) exporta anualmen-te 300 toneladas de óleo de babaçu bruto orgânico para Estados Uni-dos, Inglaterra, Alemanha e Itália, para uso cosmético.

O reconhecimento da força organi-zativa das quebradeiras se eviden-ciou no fim de 2018 em duas con-quistas importantes. A primeira foi a aprovação do projeto Floresta em Pé, financiado pelo Fundo Amazô-nia e pelo Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico e Social (BNDES), que prevê a construção de um centro de formação e a criação de um fundo. É o Fundo Babaçu, que pretende aplicar, por meio de editais, mais de 2 milhões de reais em projetos de comunicação, so-cioambientais e formação de jovens até 2022. Com essa conquista, o MI-QCB, que compõe o comitê gestor do fundo, torna-se o primeiro mo-vimento social a gestar um fundo oriundo do Fundo Amazônia. Outra boa notícia foi o primeiro lugar no Prêmio BNDES de Boas Práticas para Sistemas Agrícolas Tradicio-nais, que a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Lago do Junco e Lago dos Rodrigues (AMTR), composta somente por quebradei-ras, ganhou por conta do trabalho de conscientização para preser-vação das pindobeiras (palmeiras típicas do Nordeste e do Centro--Oeste). A associação, quando foi fundada, tinha o intuito de agrupar mulheres para fortalecer a autono-mia feminina. Por meio da recupe-ração de práticas tradicionais para feitura de sabão com extrato de plantas, as quebradeiras passaram a arrecadar verbas para viajar. Pre-cisavam fazer intercâmbios, firmar parcerias ou simplesmente des-cansar. Maria Alaídes, que antes de coordenar o MIQCB fez parte da AMTR, afirma que a ideia de fazer

sabão foi uma saída para participar das reuniões do movimento de que-bradeiras do qual as mulheres de Lago do Junco, sua comunidade, já faziam parte. “Quando você tá na chuva, tem que se molhar. Mas pra se molhar a gente tem que caçar um jeito”, brinca ela.

E é “caçando jeito” que as quebra-deiras de coco travam, pelo menos, duas lutas. Uma privada, dentro de casa, com os maridos e a família, e outra pública. Para se libertar das regras dos maridos e conquistar a liberdade de lutar por sua autono-mia, as mulheres têm ao seu lado a união. “Diversas mulheres passaram pela situação de o marido dizer: ‘Ou o movimento ou os teus deveres de casa’”. Só que elas articulam a luta

política com os afazeres domésti-cos. “Lá em casa, agora, só aviso: ‘Vou viajar’. Mas foi uma luta con-quistar isso”, completa.

Enquanto ensinam os homens a varrer, cozinhar e cuidar das crian-ças, as quebradeiras – do lado de fora de casa – fazem história. As conquistas no âmbito legal, com a implementação da Lei do Babaçu Livre, passaram, desde 2015, a co-adjuvar com uma demanda ainda maior. Sob a máxima “Não existe babaçu livre em terra presa”, o mo-vimento de quebradeiras passou a reivindicar terra e território como outros povos e comunidades. “Por-que não adianta abrir só o portão, agora vai ter de tirar a cerca”, afirma Rosário, apontando para o futuro.

Flávia Azeredo, assessora-geral da cooperativa, vende os produtos para uma moradora do bairro

Construção coletiva de casa com a utilização

de pindobas (folhas de palmeira) para fazer

o teto

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ConSErvação

Só vendo que beleza!Em pleno Rio de Janeiro, um lugar que parece ter parado no tempo dos colonizadores

Lena Trindade (texto e fotos)

“Eu tenho uma casinha lá na MarambaiaFica na beira da praia, só vendo que beleza”

(Henricão e Rubens Campos)

Experimentar ainda hoje, cinco sé-culos depois do Descobrimento do Brasil, a mesma emoção e o mesmo impacto que os colonizadores eu-ropeus tiveram ao chegar à Baía de Guanabara ou à costa da Bahia e se deparar com um cenário de belíssi-mas praias cercadas de luxuriante vegetação é algo difícil de acreditar que seja possível. Mas é. E não nos rincões do Brasil profundo, mas em um dos estados mais populosos: o Rio de Janeiro. O lugar que ainda nos permite tamanha emoção é a Restin-ga da Marambaia.

Distante apenas 20 quilômetros da Barra da Tijuca e a aproximadamen-te 50 do Centro, a Marambaia guarda até hoje as características ambien-tais encontradas pelos primeiros navegadores. Hoje até esquecemos que esses bairros cariocas eram verdejantes matas que ofereciam numerosas espécies frutíferas, como pitangas, araçás, goiabas, muricis, pitangobaias, cambuís e muitas ou-tras já desaparecidas ou em vias de extinção. E flores como variadas bromélias, orquídeas, abaneiros e sempre-vivas. A variedade da flora e também da fauna de nossas res-tingas – que na Marambaia ainda se

Restinga de Marambaia, no RJ: a contínua ação das correntes marinhas foi determinante para a construção de um esporão arenoso chamado de Ponta da Pombeba

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encontram preservadas – impres-siona e surpreende. Quantos sa-bem, por exemplo, que a aroeira, planta abundante nas restingas, é usada como pimenta rosa em finís-simos pratos da culinária francesa e por isso é exportada? Ou ainda que várias plantas da restinga são importantes na fabricação de medi-camentos. Há também uma sabo-rosa fruta popularmente conhecida como bapuana, ou Eugenia copa-cabanensis, outrora abundante em Copacabana e hoje extinta. Pode-mos conhecê-la no arboreto do Jar-dim Botânico do Rio, onde existem alguns exemplares, ou na Restinga da Marambaia.

Ainda bastante preservada até al-guns anos atrás, a região sofre, atualmente, igual processo de de-gradação pela ocupação urbana de-sordenada. Grande parte da vegeta-ção original de restinga foi alterada pela ação humana. A maior ameaça é de fato a interferência humana, que transforma as extensas matas em áreas urbanas sem vegetação e bastante poluídas. O desconheci-mento das leis por grande parte da população, a falta de fiscalização,

os interesses políticos e econômi-cos e a ocupação desordenada são os fatores que contribuem para a destruição das áreas de restinga.

A Restinga da Marambaia está in-serida no bioma Mata Atlântica, que, apesar de toda a reconhecida diversidade, é o mais ameaçado de todos, restando não mais do que 8% de sua cobertura original. A Ma-rambaia representa um dos últimos refúgios para a flora e a fauna no Rio de Janeiro. São orquídeas, bro-mélias, madeiras de lei, aves migra-tórias, borboletas, lagartos e muitas outras espécies que, antes comuns às restingas fluminenses, hoje só encontram refúgio nessa estreita faixa de areia que guarda relevantes informações do que seja esse rico bioma. E justamente por isso pode nos fazer conhecer, compreender e recuperar outras áreas modificadas pela ação humana ao longo do lito-ral brasileiro.

Geólogos e biólogos definem res-tingas como cordões arenosos marinhos formados pela ação das vagas e depositados paralelamen-te à costa, separando a laguna do

oceano. Distribuem-se não de for-ma contínua, mas em pontos es-pecíficos na extensão de mais de 5 mil quilômetros por todo o nosso litoral. E formam estreitas faixas de areia, como, por exemplo, aquela que vai da Lagoa Rodrigo de Freitas (que originalmente era bem maior), na zona sul do Rio, ao oceano – uma planície arenosa coberta por densa vegetação. Ocorrem no litoral dos estados de São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Alagoas e Sergipe.

“As dunas, por outro lado, são mon-tes de areia depositados pelo vento; dominam a costa brasileira semiári-da entre o Maranhão e o Rio Grande do Norte e são comuns no Rio Gran-de do Sul”, diz a bióloga e botânica Dorothy de Araujo. “Mas é na costa úmida entre o Recôncavo e o estado do Rio de Janeiro que as extensas restingas e largas planícies arenosas atingem sua maior expressão”.

A Restinga de Marambaia é o aci-dente geográfico de maior expres-são da Baía de Sepetiba, mesmo sendo baixo, arenoso e pouco re-costado. Alguns trechos são bem estreitos, não ultrapassando 20 ou

30 metros de areia entre o oceano e a Baía de Sepetiba. Muitas vezes, em épocas de altas marés, a água do oceano atravessa esse cordão arenoso e se junta às águas da Baía de Sepetiba.

A Restinga pertence aos municípios de Mangaratiba, Itaguaí e Rio de Ja-neiro. Está incluída na Área de Pro-teção Ambiental de Mangaratiba, criada em 1987 pelo então governa-dor Leonel Brizola. De propriedade da União, tem aproximadamente 42 quilômetros de extensão e é subdi-vidida em três partes:

– Próxima ao continente (na região de Guaratiba), pertence ao Exército (lado leste).

– No extremo oposto (oeste) está a área de propriedade da Marinha (Ilha de Marambaia). Aí fica o Pico da Marambaia, ponto mais elevado, 480 metros acima do nível do mar. Nos demais pontos, o relevo é bem plano; aí fica a entrada da Baía de Sepetiba, de frente para a Ilha Gran-de.

– Entre as duas fica a área que per-tence ao Comando da Aeronáutica.

A região é importante refúgio para diversas aves migratórias. Aqui, um bando de maçaricos-brancos

O cordão arenoso da restinga, com sua densa e preservada vegetação,

separa o oceano da Baía de Sepetiba

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É graças à essa proteção militar que esse rico patrimônio natural vem sendo preservado, pois ali são proi-bidas a caça, a pesca predatória, a retirada de areia e a especulação imobiliária.

Importantes estudos científicos são desenvolvidos na região pelas uni-versidades do estado. A Restinga da Marambaia, em todos os seus pon-tos, não é aberta à visitação. Não fosse a presença militar, certamente estaria toda ocupada por condomí-nios de luxo, hotéis e resorts. A es-peculação imobiliária só não invade com suas construções onde há for-te vigilância das áreas preservadas. Todos querem seu quinhão próximo ao mar.

Foi o que aconteceu com Cabo Frio, Búzios e as belíssimas restingas flu-minenses, além das já citadas res-tingas cariocas. Alguns dos viajan-tes naturalistas que andaram pelo Brasil no século 19 (Charles Darwin e o príncipe Maximiliano de Wied, entre outros) fizeram interessantes

ama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Saquarema e São Pedro d’Aldeia). Dessa forma é possível conhecer os variados as-pectos e os diferentes habitats das restingas.

As primeiras plantas são as herbá-ceas, bem rasteiras, próximas ao mar, altamente resistentes aos for-tes ventos e à salinidade. Não ultra-passam 30 centímetros de altura. Em seguida, já um pouco afastadas do mar, plantas como o coco guriri (Allagoptera arenaria) ou a palmeira--anã, que não ultrapassa 1,5 metro de altura. Em seguida vem a vegeta-ção arbustiva, em que predominam bromélias, cactáceas e mirtáceas como pitangueiras, araçazeiros e os abaneiros-da-praia, que podem chegar a 6 ou 7 metros de altura. Finalmente, as formações flores-tais onde algumas espécies podem atingir 20 a 25 metros, como o gua-tambu (Aspidosperma parvifolium), a guapeva (Pouteria grandiflora) ou o pau-pombo (Tapirira guianensis), en-tre outras. De modo geral, as res-tingas se apresentam como moitas densas de vegetação entremeadas por espaços com solos cobertos por ervas.

A bióloga Dorothy Sun de Arau-jo, especialista em restingas, tem vários artigos publicados sobre o tema. Ela é autora, juntamente com Luís Fernando Tavares e Aria-ne Luna Peixoto, do livro História Natural da Restinga da Marambaia (Editora da Universidade Rural, 2005). E cita como exemplo uma samambaia (Polystichum adiantiforme) de folhas recortadas e rígidas que foi coletada na restinga do Leblon (registro nos herbários) e hoje é en-contrada apenas na vegetação den-sa da Restinga da Ilha Grande.

Quanta informação importante per-demos por não termos feito coleta, não registrarmos em fotos e dese-nhos, já que a destruição foi inevitá-

vel! Contamos com alguns relatos e poucas coletas desses naturalistas viajantes e ainda pesquisas de estu-diosos brasileiros no século passa-do que hoje podem ser consultadas nos herbários. Daí a grande impor-tância dessa parceria, iniciada em 1980, da Universidade Rural (UFRRJ) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) com os comandos militares da região da Marambaia. O livro História Natural da Restinga da Marambaia foi editado graças a essa parceria e reúne trabalhos so-bre o clima da região, a origem mor-fológica da restinga, a fitogeografia, os aspectos florestais, os estudos arqueológicos (inclusive dos sam-baquis) e os de fauna e flora.

Em uma restinga de fauna bem preservada, é segura a presença da maria-farinha, da coruja-buraqueira, do exuberante tiê-sangue e de varia-das espécies de pererecas. Na flora, a aroeira, as pitangas, os araçás, as lindas bromélias e orquídeas, o cac-to-coroa-de-frade etc. Na Maram-baia, como em outras restingas bem preservadas, encontramos lagoas, manguezais, dunas e um solo areno-so que absorve bem a água, o que reduz os riscos de enchentes.

HistóriaA história oficial da Restinga da Marambaia está fortemente asso-ciada a um nome: Joaquim Breves, proprietário, em 1856 – no período imperial, portanto –, do primeiro documento formal de posse. Por fidelidade ao imperador D. Pedro I, ele recebeu o título de Comen-dador da Ordem da Rosa. Breves foi o maior escravagista do Brasil Império, dono de aproximadamen-te 90 fazendas de café no Vale do Paraíba, onde 6 mil escravos traba-lhavam sob seu comando. Era cha-mado de Rei do Café.

Na Marambaia instalou um centro de entreposto de escravos originários

observações sobre essa original ve-getação litorânea. Em Ponta Negra, litoral fluminense, Maximiliano de Wied observou e escreveu: “Há um intrincado mato de várias espécies de árvores mofinas, de crescimento tolhido pelos ventos vindos do mar e pelas tempestades”. A vegetação de restinga forma uma barreira ve-getal que dá esse aspecto de ve-getação de baixo porte – por isso mesmo, pouco valorizado. E assim a ocupação do litoral pelos cida-dãos “civilizados” vem destruindo quase que totalmente esse belo ecossistema.

A natureza é quase sempre vista como mercadoria, sem vida própria, onde o que importa é como lucrar. Algumas Unidades de Conservação foram criadas para que não seja tudo destruído. Assim, ainda exis-tem no Rio de Janeiro a Reserva Bio-lógica da Praia do Sul, na Ilha Gran-de, município de Angra dos Reis, e o Parque Estadual da Costa do Sol, que abrange seis municípios (Araru-

Marambaia, na língua indígena tupinambá, quer dizer “cerco do mar”. Os moradores locais vivem principalmente da pesca e hoje mantêm amistosa convivência com os militares

Fábio Marçal, filho, neto e bisneto de africanos, nasceu e mora na região. É o atual

presidente da Associação dos Remanescentes

dos Quilombolas da Marambaia, onde vivem aproximadamente 200 famílias de quilombolas

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da África. A região sempre foi re-conhecida como estratégica para a defesa do Rio de Janeiro desde o tempo de Mem de Sá (governador--geral do Brasil e tio de Estácio de Sá, que fundou a cidade do Rio), que para lá levou índios aliados para fiscalizarem a costa, avisando tão logo navios inimigos fossem avistados.

Foi local de abrigo e reposição de víveres para piratas no século 17. Era ponto de difícil fiscalização, pois não tinha acesso fácil. Joaquim Breves era dono da única entrada por terra e também dos chamados “navios negreiros” – assim controla-va a entrada por mar.

Fábio Alves Marçal, presidente da Associação dos Remanescen-tes dos Quilombos da Marambaia (Arquimar), é filho, neto e bisneto de africanos trazidos para a Ma-rambaia. Os escravos chegavam exaustos e aí ficavam em quaren-tena para, depois de recuperados e fortes, serem vendidos para as fa-zendas de Mangaratiba e arredores, além de trabalharem nas fazendas da família Breves.

A situação perdurou até mesmo após a Abolição, em 1888. Breves morre um ano depois e deixa a Marambaia para sua viúva. Algum tempo mais tarde, a família entrega a Marambaia para a União. Os es-cravos, literalmente ilhados, foram abandonados à própria sorte e, sem qualquer alternativa, por lá conti-nuaram vivendo de plantar, caçar e pescar. Posteriormente, em 1908, a Marinha do Brasil se torna oficial-mente proprietária da Restinga da Marambaia e ali instala a Escola de Aprendizes de marinheiros.

Na década de 1930, no governo de Getúlio Vargas, foi instalada a Escola de Pesca Darcy Vargas, um colégio interno que recebia alunos de várias partes do país. Foi um período de prosperidade e muitos empreendimentos na ilha, como fá-brica de gelo, fabricação de redes, de embarcações etc. Mas durou até a década de 1970, quando, sem mais recursos, a escola fecha. Du-rante todo o tempo, segundo Fábio Marçal, os quilombolas estavam presentes, mas sem participar de nada.

A partir dessa época (1970) come-çam os conflitos entre os militares e os descendentes de escravos. O comando da Marinha entendeu que a comunidade não tinha direitos e deveria sair da ilha. Muitos obede-ceram e saíram. Mas começou uma luta intermediada pelo Ministério Público para regulamentar o terri-tório dos quilombolas, o que por fim acontece em 2004. Eles não possuíam o registro das terras, mas tinham direitos, o que foi confirma-do pela Fundação Palmares. O Incra se dispõe a titular, mas a Marinha pede reintegração de posse e mui-tas famílias acabam indo embora.

Posteriormente, a Marinha propõe à comunidade um acordo, que é homologado em 2015. Hoje os qui-lombolas têm título de propriedade. Atualmente, 375 moradores estão cadastrados. “Vive-se um período de paz”, diz Fábio.

DivisãoA ilha é dividida entre diferentes interesses: o ambiental, o da co-munidade e o dos militares. Os jo-vens – tanto os descendentes dos

quilombolas como os descendentes dos que ficaram na ilha com o fim da Escola de Pesca –têm a opção de servir à Marinha. Na ilha há uma escola, a Escola Municipal Levy Miranda, dedicada ao ensino fun-damental. Há também uma igreja católica – de Nossa Senhora das Dores.

Em 1981, foi instalado o Centro de Adestramento da Ilha da Maram-baia, uma organização militar sub-metida ao comando dos fuzileiros navais e cuja principal missão é re-alizar atividades de adestramento. Nesse local executam-se testes de armamentos. Algumas edificações se destacam, como a igreja, a antiga Escola de Pesca Darcy Vargas (hoje prédio do Comando) e o Hotel de Trânsito. Existem ainda várias casas para os militares e seus familiares. É esse local que os presidentes da República eventualmente escolhem para seus dias de descanso.

Segundo o Comandante do Centro de Avaliação da Ilha da Marambaia, Max Guilherme de Andrade Sil-va, a Marambaia é importante por ser uma área estratégica de defesa

Abaixo, a Igreja Nossa Senhora das Dores. Ao centro, antiga senzala que pertenceu ao comendador Breves e foi transformada em hotel de trânsito para os visitantes. À direita, a Escola Municipal Levi Miranda, que vai até o 9º ano e atende à população local

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nacional. E outro viés muito impor-tante é a preservação ambiental. São muitas as famílias que ali vivem e colaboram para os estudos cien-tíficos desenvolvidos pela Universi-dade Federal Rural do Rio de Janeiro e por outras instituições juntamen-te com os militares.

A Marinha garante à comunidade o transporte para Itacuruçá, que é fei-to duas vezes ao dia, em aproxima-damente uma hora e meia. Todo o esgoto da Marambaia é tratado, de modo a não poluir o meio ambien-te. O lixo gerado é recolhido para o continente.

Na área do Exército, são realizadas operações de adestramento pelo Batalhão de Blindados do Corpo de Fuzileiros Navais.

resultou no livro História Natural da Marambaia, 2005 (organizado por Luiz Fernando com Dorothy Sue Dunn de Araújo e Ariane Luna Peixoto), do qual Marcelo partici-pou. Na época dos estudos do seu próprio mestrado (2003) “encontrei na praia da Armação, área da Mari-nha, uma planta que não consegui identificar. Sabia que era uma mir-tácea, mas não batia com nenhuma planta conhecida. Depois de mui-tas comparações com outras mir-táceas nos herbários, vi que efeti-vamente se tratava de uma espécie desconhecida. Uma novidade para a Restinga”, comemorou.

Depois de reconhecida e descrita pela ciência, ganhou o nome de Eugenia marambaiensis, pois, além de ser uma nova mirtácea, era en-dêmica da Marambaia – ou seja: não existe fora daquele ambiente. É algo surpreendente, visto que a Marambaia, em um curto trecho de terra, apresenta uma enorme diversidade de espécies. O conhe-cimento dessa biodiversidade traz inúmeros benefícios para o ser hu-mano, como, por exemplo, desco-bertas de novos óleos essenciais cujas propriedades são antioxidan-tes e antibióticas. As mirtáceas são riquíssimas em óleos essenciais muito utilizados em perfumaria e farmácia.

Daí a grande importância de a pre-servação continuar a ser garantida pela presença dos militares, res-salta Marcelo. Essa preservação impede uma ocupação sem plane-jamento, embora a atividade militar possa interferir nessa diversidade com pistas para carros, testes de tiros, construções e manobras de tropas etc.

Marcelo é hoje coordenador do convênio da UFRRJ com a Marinha. Outras atividades de pesquisa são mantidas, e não só na flora. Há gru-

pos estudando mamíferos, insetos e répteis. Ele chama atenção para a importância da continuação des-sas pesquisas, já que a Restinga da Marambaia tem uma formação ge-ológica e uma história evolutiva ím-par em relação às outras restingas conhecidas. Isso porque a Maram-baia é uma ilha, não tem conexão direta com o continente, além de ter uma diversidade de formações vegetais muito grande em uma fai-xa estreita de terra.

E assim vamos descobrindo por que o Rio de Janeiro não perde o eterno nome de Cidade Maravilho-sa. A Restinga da Marambaia é um patrimônio natural que não pode acabar.

O professor de Botânica Marcelo Costa Souza descobriu uma nova espécie de mirtácea que só existe na ilha

Presente em todas as restingas e muito abundante na Marambaia,

a aroeira é fruto admirado pelas aves e usada como especiaria

na culinária. Conhecida como pimenta-rosa, dá um sabor

especial a carnes e peixes

Ainda muito a descobrir

Com tantos biólogos, botânicos e cientistas, em geral, estudando o pouco que sobrou da Mata Atlân-tica, parece impossível que ainda existam plantas ou animais novos para a ciência. Parece, mas a cada dia, a despeito das tristes notícias de espécies ameaçadas de extin-ção ou mesmo extintas, registram--se surpresas como a descoberta de novas espécies. É o caso de uma planta nova da família das mirtáce-as (que reúne milhares de espécies de árvores e arbustos nativas de regiões tropicais e subtropicais) descoberta em 2012 pelo professor de Botânica Marcelo Costa Souza, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Embora ainda ocorram, porém, uma descoberta como essa não é comum nem fácil. É quase como ganhar o Nobel. Uma planta nova, para a ciência, pode significar a produção de novos remédios e a ampliação do conhecimento so-bre o bioma. No caso específico da mirtácea da Marambaia, são muitas razões para comemorar. O gênero é um dos mais estudados, ricos e representativos na flora do Brasil. E na Marambaia ele é bem abundante. Só em um trecho de floresta de duna, na área do Exér-cito, havia mais de 15 espécies, de acordo com o professor.

Tudo aconteceu depois de muito trabalho de campo, observações e comparações. Marcelo começou seus estudos na UFRRJ e, por meio do convênio que existe desde 1970 com a Marinha para o estudo da flora da Marambaia, se interessou pelas mirtáceas. Foi estagiário do professor Luís Fernando Tavares, que trabalhava no mestrado com a vegetação da Marambaia – o que

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