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UM BALANÇO DA REFORMA AGRÁRIA E DO VI CONGRESSO NACIONAL DO MST Secretaria Nacional do MST São Paulo, fevereiro de 2014.

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UM BALANÇO DA REFORMA AGRÁRIA E DO VI CONGRESSO

NACIONAL DO MST

Secretaria Nacional do MSTSão Paulo, fevereiro de 2014.

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Sumário

I- Análise do MST ...........................................................................................3

1. Entrevista Gilmar Mauro para Revista CartaCapital..........................................................4

2. Entrevista João Paulo Rodrigues, para Agência Repórter Brasil. ........................................................................................... 7

3. Miguel Enrique Stedile - Sete pecados do agronegócio Jornal Sem Terra Especial, Brasília fevereiro 2014..............................................................18

4. Entrevista João Pedro Stedile, para jornal Brasil de Fato ...............................................20 5. Entrevista Kelli Mafort, jornal Sem Terra .............................................................................. 23

II-Posições de entidades e apoiadores .............................................................271. Posição da CNBB .............................................................................................................. 28

2. Posição de Ivo Poletto ....................................................................................................... 30

3. Posição da ABRA, por Gerson Teixeira - Página Unisinos ............................................... 33

4. Jean Pierre Leroy, da Fase ................................................................................................. 37

5. Guilherme Delgado - Os 30 anos do MST e a luta rela reforma agrária - Correio de Cidadania .............................................................................................................................. 38

- Os 30 anos do MST e a luta pela reforma agrária .................................................................. 43

6. Um fenômeno na democratização do Brasil, Cândido Grzybowski .................................... 45

III-Relações com o Governo Federal ...............................................................47

1. Carta a Presidente Dilma Rousseff .................................................................................... 48

2. Manifesto dos Sem Terrinhaà sociedade brasileira ............................................................. 50

3. Respostas do Governo ...................................................................................................... 51

4. Gilberto Carvalho admite problemas na Reform agrária .................................................... 52

5. Dilma promete assentar 35 mil fámílias ............................................................................ 53

IV- Balanço do VI Congresso ..................................................................................... 55

1.Balanço do Congresso em entrevista por Alexandre Conceição - Página MST ............................................................................. 56 2. Balanço do VI Congresso do MST ..................................................................................... 59 3. Orientações para ajutes organizativos no MST .................................................................. 66 V- Anexos .................................................................................................................... 69

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1. Entrevista Gilmar Mauro

- CartaCapital -

2. Entrevista João Paulo Rodrigues- Agência Repórter Brasil -

3. Miguel Enrique Stedile Sete pecados do agronegócio, Jornal Sem-Terra, fevereiro 2014

4. Entrevista João Pedro Stedile- Jornal Brasil de Fato -

I- ANÁLISE DO MST SOBRE A SITUAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL

5. Entrevista Kelli Mafort- Jornal Sem Terra -

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1. Em entrevista Gilmar Mauro

“O governo Dilma não fez nada em termos de reforma agrária”

Em entrevista aCartaCapital, 10-02-2014, o dirigente do MST Gilmar Mauro fala sobre os trinta anos do movimento, que começou nesta segunda o seu VI Congresso.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST chega aos seus trinta anos buscando novos caminhos diante da paralisia da reforma agrária no movimento e a

diminuição da sua mobilização no campo. O movimento começa nesta segunda-feira 10 o seu VI Congresso, logo após o encontro que o estabeleceu completar três décadas.

Diante da paralisia da reforma agrária no governo de Dilma Rousseff, o movimento critica a presidenta e buscar traçar os caminhos para o seu objetivo, uma reforma agrária

popular. Gilmar Mauro, dirigente do MST, fala sobre o que aconteceu com o movimento

neste período, os seus desafios daqui para a frente, a importância da agroecologia e explicar o que é a ideia de uma reforma agrária popular.

Eis a entrevista.

O MST acaba de completar trinta anos. Quais as maiores vitórias do movimento neste período?

Foi ter construído uma organização de camponeses que resgatou a história da luta pela terra no Brasil. E ter durado tanto tempo: é a organização camponesa que mais tempo de vida tem. O MST ainda se transformou em uma referência internacional por causa dessa história, e nós conseguimos manter a unidade interna nesses anos.

Talvez o ingrediente mais importante, olhando para alguém que foi acampado um dia, foi que o MST resgata seres humanos que um dia não tinham nada, não tinham terra e não tinham sequer dignidade. Ele não só resgata esse sujeito como protagonista da sua luta por terra, mas resgata com dignidade e autoestima, o transforma num sujeito crítico. Nós temos muitas conquistas, mas a reforma agrária como um programa de alteração da estrutura fundiária brasileira ainda não aconteceu no nosso país.

Desde que o MST se organizou, o Brasil se tornou um país ainda mais urbano. As mobilizações da esquerda têm acontecido cada vez mais na cidade. Neste quadro, o campo ainda é um espaço importante de mobilização? Por que a luta pela reforma agrária ainda é importante em um país cada vez mais urbano?

O tema da reforma agrária interessa a toda sociedade, por isso ele é um tema urbano também. E acho que um dos desafios do MST é precisamente isso: colocar para a sociedade algumas questões. Por exemplo: que uso nós queremos dar à terra, à água, à eletricidade, a todos os recursos naturais? Se for esse uso que o capital está dando, não precisa de reforma agrária. Que tipo de comida você quer comer? Que tipo de alimentação a humanidade vai querer? Que tipo de paradigma de produção tecnológica nós queremos? Agora, nós temos que ter consciência de uma coisa: da forma como está, isso gera um profundo impacto ambiental, vai destruir os recursos naturais, provocar o aquecimento do planeta, envenenar o céu, a água e a população. Tem uma mobilização que precisa ser feita pelo campo e pela cidade, para nós construirmos outro jeito de se produzir e distribuir os alimentos.

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O senhor concorda com a avaliação de que o MST não tem mais a capacidade de mobilização que teve nos anos 90? Quais as razões para isso?

Há uma mudança inegável. Nos anos 80 e 90, houve um processo de ascenso da luta social no campo muito grande. Vivia-se uma situação de desemprego gravíssimo, e uma situação em que o acampamento era uma alternativa de vida. A partir do incentivo do governo Fernando Henrique à produção de commodities, que passa também por Lula e Dilma, há também um processo de redução do desemprego e alguns programas sociais, e também uma ofensiva do capital contra os movimentos sociais. Não é que a demanda pela reforma agrária diminuiu, mas agora uma grande parte dos trabalhadores tem possibilidade de algum emprego precário, e ele não fica no acampamento como ficava na década de 90. A partir dos anos 2000 há um descenso da luta pela reforma agrária. Mas não se perdeu de vista a perspectiva dela, o que pode nos levar a qualificar muito mais a luta nos próximos anos.

Qual a avaliação que o movimento faz do governo Dilma?

Uma avaliação ruim. O governo Dilma, em termos de reforma agrária, não fez nada. Tem avanços, programas sociais, e nós não podemos ser ignorantes de falar que tudo é uma porcaria. Do ponto de vista da construção de perspectivas de alterarmos esse modelo agrícola, é péssimo também. Este modelo atende às necessidades do grande capital, e o capital investe na agricultura como forma de ganhar dinheiro, uma forma de valorização.

E como tem sido o diálogo com a presidenta?

Não fizemos nem uma reunião do MST com ela até hoje. Com o Fernando Henrique, reunimos várias vezes. E com o Lula também. Claro que vamos para Brasília, vai ter quinze mil, vamos fazer uma marcha. Mas que a nossa turma está muito brava, está.

Apesar de “a turma estar muito brava” e de o movimento fazer críticas diretas ao governo, o MST é chamado de “chapa-branca” pela direita e também por setores da esquerda e da direita. A que se devem essas críticas?

É uma disputa ideológica. Eu gostaria que tivéssemos força para fazer a reforma agrária por conta própria, mas isso é irreal. Então o MST tem que fazer luta, e tem que negociar. Porque ele representa uma categoria, e essa categoria se vê representada à medida que se colocam as suas necessidades nas pautas. Aí de repente se juntam meia dúzia, leem quatro livrinhos, empinam o nariz, se acham todos revolucionários. Mas não tem relação nenhuma com a vida real da classe trabalhadora. E eu não estou fazendo isso a propósito de xingar ninguém, estou fazendo isso como parte de um diagnóstico. Como movimento social, nós temos que responder as necessidades da nossa categoria.

O dinheiro que o MST ganha com as cooperativas e em programas governamentais, como a compra de alimentos, também é lembrado nessas críticas.

Nós estamos dentro do sistema capitalista. E só tem três formas de a classe trabalhadora se manter dentro do sistema capitalista: produzir e vender; vender o que os outros produziram; e vender a própria força de trabalho. O que fazem as nossas cooperativas? Estão inseridas no mercado. O que faz um camponês? Produz, e vende para comprar coisa, sobreviver. Até no socialismo a gente vai ter que trabalhar, mas talvez menos, porque todo mundo vai trabalhar. No capitalismo, se você não trabalhar, não tem outra alternativa. Quando você conquista uma área, você institucionaliza aquela conquista, legaliza essa conquista. E na medida em que você institucionaliza, evidentemente há um processo de desmobilização. Mas não é o caso, porque nós trabalhamos com a ideia de consciência política. Vamos

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vincular a luta econômica com a luta política. E até que exista uma família sem-terra no Brasil, nós somos todos sem-terra.

O MST tem defendido nos últimos anos não somente a reforma agrária, mas a ideia de uma reforma agrária popular. O que esse adjetivo significa?

Nós estamos lutando por uma reforma agrária, mas não a do tipo distributivo e produtivista, embora a reforma agrária seja igual feijoada. Para fazer uma boa, você tem que ter ingredientes: linguiça, carne de porco, bacon, o que quiser. Mas sem feijão não tem feijoada. A reforma agrária é a mesma coisa. A reforma agrária que nós queremos tem que ter terra, informação, cultura, mudar o modelo agrícola. Mas, sem distribuição de terra, não tem reforma agrária. Então é evidente que tem uma parte de distribuição de terras, mas não é só isso. É pensar a reforma agrária que prepare um novo modelo agrícola para produzir de uma forma diferente, que respeite o meio ambiente. Uma reforma cujo protagonista seja o trabalhador, que não seja dádiva de algum governo. E eu espero até que não tenhamos mais trinta anos pela frente. Que a gente consiga fazer a reforma agrária antes de completar os 60 anos.

Movimentos sociais com formas de organização distintas conseguiram fazer grandes mobilizações nos últimos anos, como foi em junho do ano passado. Eles são mais descentralizados e sem lideranças tão claras. A organização do MST ainda dá conta da atual conjuntura? O movimento precisa buscar outras formas de se organizar?

Essa pergunta não cabe só ao MST, mas ao conjunto das organizações da classe trabalhadora. A minha impressão é essa também. Todas as construções organizativas são frutos de um tempo histórico. Os partidos políticos foram criados numa época em que o desenvolvimento do capitalismo permitia ganhos para a classe trabalhadora. O que nós estamos vendo na Europa é o contrário disso, são perdas históricas. No caso brasileiro, há uma particularidade que chamam de pleno emprego, onde há um tipo de conquista. Entretanto, as organizações concebidas pela classe trabalhadora também não dão mais conta de organizar o conjunto da classe. E esse é um desafio que está posto para nós e todo mundo, o desafio de construir organizações de um novo tipo.

Esse formato organizativo do MST é uma espécie de camisa apertada para um menino que cresceu bastante, já está criando dificuldade para seus movimentos. Então é preciso refazer a camisa, não o contrário. Não é colocar o MST numa camiseta pré-estabelecida, é construir outra organização. É um desafio para a esquerda: construir organizações mais horizontais, mais participativas.

Mas não é para começar do zero alegando que o que existe não serve mais. Se fosse assim, não existia história. O que nós produzimos é o que melhor nós podíamos produzir. É preciso ir além do que a gente produziu. E esse é um desafio principalmente da juventude: mudem tudo, virem à mesa, construam novas formas, experimentem. Isso não vai surgir do laboratório, de meia dúzia de intelectuais sabidos. Vai surgir da experimentação cotidiana com erros e acertos, é preciso tomar a iniciativa e fazer. E isso é um desafio para a juventude brasileira, sem jogar na lata de lixo o que a classe trabalhadora produziu até hoje.

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2. Entrevista João Paulo RoriguesMST 30 anos: ‘Estamos no canto do ringue’

O 1º Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aconteceu em 1985, em Curitiba, no Paraná. No embalo das Diretas Já e do fim da

Ditadura Militar, o grito escolhido pelos integrantes do movimento fundado um ano antes foi “ocupação é a única solução”. Mais de 30 anos depois, em meio às celebrações de aniversário do que se sagrou como o principal movimento de camponeses do país, a

ocupação passou a ser considerada pela direção do movimento uma das soluções, não mais a única, nem a principal.

Quem explica a nova estratégia e comenta o momento em que o movimento se encontra três décadas após sua fundação é João Paulo Rodrigues, um dos

coordenadores nacionais do MST diretamente envolvidos com as mudanças em curso. Ele defende que, mais do que ocupação para forçar desapropriações para reforma agrária, o movimento precisa estrategicamente priorizar melhorias nos

assentamentos existentes, com mais qualidade de vida e maior produção, além de adoção de agroecologia e agroindústria. O movimento chama a nova estratégia de

“Reforma Agrária Popular”.

Em entrevista conduzida por Daniel Santini e publicada pela Agência Repórter Brasil, 12-02-2014, João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores do MST, fala dos

desafios relacionados à conjuntura do país. No que classificou como “pior dos mundos para o MST”, o dirigente desabafou sobre as críticas que o MST recebe por parte do

Governo Federal e da esquerda, falou sobre a “hegemonia dos ruralistas”, lamentou o desmantelamento do Código Florestal e o avanço dos transgênicos, temas que, na sua avaliação, dividiram os camponeses do país. “Nós estamos no canto do ringue. Nós e

todas as forças populares, ambientalistas e movimentos sociais. O agronegócio tem muita hegemonia”, desabafou.

São temas que estão sendo debatidos nesta semana em Brasília, no encontro que começou no dia 10 e vai até 14 de fevereiro. Nesta entrevista dividida em três partes,

João Paulo não só apresentou as questões que mais preocupam a Direção Nacional hoje, como falou ainda sobre Bolsa Família, megaobras, eleições, movimento indígena, Copa

do Mundo, rolezinhos e manifestações de junho.

Eis a entrevista.

Em que momento o movimento se encontra hoje para a realização do Congresso?

O Congresso de agora tem três grandes elementos. O primeiro é o aniversário de 30 anos. É fácil partidos e organizações políticas completarem 30 anos, mas para movimento social sem-terra é motivo de comemoração. O segundo é a de avaliação do que foi feito nestes 30 anos. Queremos fazer um balanço da nossa capacidade de produção, organização e desenvolvimento dos assentamentos. Como está nossa capacidade de luta? Neste período, o movimento conseguiu conquistar latifúndios improdutivos. A marca registrada do MST foi a ocupação. Ela ainda dá conta de pautar reforma agrária na sociedade, de brigar com o governo, ou tem limitações? E o terceiro elemento é olhar para frente. Temos desafios grandes, que não são nossos, mas da classe trabalhadora. Qual a perspectiva real de transformações da sociedade? Tivemos 12 anos de governo do PT e nossa avaliação é muito crítica dessa experiência. O que fazer daqui para frente? Aonde a reforma agrária se encaixa nesse desenvolvimento do capitalismo brasileiro? Tem espaço para ela ou não tem? Qual a tarefa de uma organização política camponesa neste reascenso das lutas

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sociais no Brasil, em que a juventude vem para rua, em que a população está crítica a uma série de fatores. Qual a parte que nos cabe neste momento?

Sobre a reforma agrária, o João Pedro Stedile [também da coordenação nacional] tem defendido que o movimento foque em uma luta que não seja só pela reforma agrária, mas contra o agronegócio. Qual a estratégia para os próximos anos?

Do ponto de vista clássico da reforma agrária, ela se deu na história por dois longos processos. Um em períodos pré-revolucionários ou revolucionários, em que as massas foram para rua, como em Cuba, China, Vietnã, México e Chile. Outro, pela via institucional, em que houve uma demanda da classe dominante e do modelo capitalista de se desenvolver o interior para produzir matéria-prima para a indústria. Não temos nenhuma dessas duas situações hoje, nem força organizada e muito menos uma burguesia que defenda que é necessário distribuir terra. O agronegócio resolveu a demanda por matéria-prima.

No capitalismo brasileiro, não há espaço para reforma agrária clássica e não podemos cair no idealismo de dizer que por nossa vontade vai ter. Se a sociedade está dizendo que o agronegócio resolve as demandas principais da agricultura e a esquerda não tem força suficiente para impor um novo modelo, precisamos manter uma luta tática pela reforma agrária, um modelo que estamos chamando de reforma agrária popular.

O que é essa luta tática? É acumularmos força suficiente para ir arrancando do governo conquistas que possam garantir a organização de um território com produção agroecológica, agroindústria e um conjunto de medidas na área de educação e de saúde que sejam referências para a sociedade. É garantir e resgatar a identidade camponesa a partir de um território, uma determinada região, com uma força que não é só distribuir terra, que seja mais que isso. É construir uma nova sociedade, um novo referencial de como se pode viver bem na sociedade rural. Nós achamos que podemos pelo menos atravessar esse deserto com essa tática nova. Aí todo mundo diz, pô, mas isso é a mesma coisa que você estava dizendo antes. Não. Antes você tinha a possibilidade de o capitalismo distribuir terra, hoje não tem mais. Nós não vamos viver no Brasil uma situação de assentar 100 mil famílias por ano, 200 mil famílias por ano.

Isso se foi?

Pela vontade do estado e da classe dominante, esse ciclo se encerrou. Vamos ter que impor a derrota pela produção agroecológica, produzindo comida boa de qualidade. E isso passa a ser uma prioridade tão importante quanto conquistar latifúndio.

Em uma entrevista ao Brasil de Fato você comparou o número de desapropriações do governo de Dilma Rousseff com as do general João Baptista Figueiredo (ditador que governou o Brasil de 1979 a 1985). Temos acompanhado o que Governo Federal fez no Incra, as reclamações dos servidores de desmonte no órgão e a posição do Governo é de que a prioridade é estruturar os assentamentos em vez de desapropriações e criação de novos assentamentos, que tem a ver com o que você está falando.

Claro.

E como vocês avaliam isso? Está havendo um investimento do Governo Federal na estruturação dos assentamentos? Existem ações concretas sendo tomadas no levando em conta essa estratégia?

Muito pouco. Hoje ainda temos médios e pequenos agricultores, inclusive assentados de reforma agrária, sem energia elétrica. Temos problemas na área de moradia, de acesso a crédito. Vamos brigar por isso. Não existe agroindústria nos assentamentos do MST, é uma

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ou outra. Vamos ter que massificar a agroindústria e com quem vamos caçar briga? Com o BNDES, que pega todo recurso do banco e põe para as transnacionais. Não é o Incra, é o BNDES. Na comunicação, o plano de banda larga esquece a área rural. Não existe comunicação nos assentamentos. Não pega TV, não chega telefone, não chega internet banda larga de qualidade. Queremos que o jovem fique no acampamento, legal. Mas o cara não pode acessar um e-mail? Se você quer manter o jovem no campo, você tem que caçar uma briga com as grandes empresas de telecomunicação. Vamos intensificar a luta para que o assentamento seja um bom lugar para viver. Ele não pode ser só para resolver o problema dos pobres e enfrentar o latifúndio. Ele tem que ser mais que isso.

E aí para a luta por terra?

Não, continua.

Com ocupação de propriedades improdutivas?

Continua porque tem sem-terra e tem terra. Você tem hoje ocupados pelo agronegócio 160 milhões de hectares de um total de 400 milhões de terras agricultáveis. Uma pequena parcela, menos de 40 milhões, está com pequenos agricultores. O MST controla 8 milhões de hectares. Mas temos 150 milhões de terras agricultáveis improdutivas. Não são terras do agronegócio, são terras completamente ociosas, que poderiam ser destinadas para as lutas de reforma agrária.

Na expansão da fronteira agrícola vocês acompanham o que está acontecendo na Amazônia, certo? Na carta que foi tirada no último Congresso Nacional do movimento, uma das questões chaves era proteger florestas nativas, diminuir queimadas, assumir a defesa do meio ambiente, no entendimento de que o meio está ligado com a vida de quem vive no campo. Desde 2007 para cá aconteceram problemas sérios, com um pico que foi o desmantelamento do Código Florestal, quando a bancada ruralista mostrou muita força. Como você avalia isso?

Nós estamos no canto do ringue. Nós e todas as forças populares, ambientalistas e movimentos sociais. O agronegócio tem muita hegemonia. Você vê o desmantelamento do Código Florestal e não tivemos força política para pôr o povo na rua em defesa do código. No meio camponês, inclusive entre os pequenos, eles dividiram o movimento. Nós temos um problema real de falta de força política. E o outro lado ganhou nesse primeiro momento a batalha, alegando que o agronegócio é eficiente, que produz, que precisa desmatar mais um pouco para produzir e que isso é bom para o Brasil.

Se é verdade que perdemos essa disputa, nós precisamos, como força política – e o MST precisa ter essa paciência histórica no Congresso – recompor um campo, um bloco histórico, político, para pelo menos barrar o enfrentamento e pautar novos temas. Não é uma pauta de reivindicação econômica, não é uma luta de data base do movimento sindical, é mais do que isso. Precisamos discutir agroecologia com a sociedade. Não é a agroecologia para produzir bonito sem agrotóxico no vaso no fundo de quintal. Temos que produzir numa perspectiva agroecológica para abastecer um mercado consumidor de 200 milhões de habitantes. Esse debate tem que ser feito no nosso movimento, na sociedade. Porque senão é muito fácil a [senadora ruralista] Kátia Abreu dizer que os pequenos produzem sem veneno só para os ricos. Os pobres têm que ter escala. Nós temos que mostrar, nessa nova perspectiva que chamamos de reforma agrária popular, que nós podemos ter escala com qualidade e produzindo. E como se faz isso? Na prática. Hoje o MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Podemos ser os maiores produtores de feijão orgânico.

Sobre essa crítica que a Kátia Abreu fez, na época da Rio+20 noticiamos a parceria

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que o MST fez com o grupo Pão de Açúcar. Leitores reclamaram na época que assim os orgânicos ficariam só para quem tem dinheiro…

A gente quer produzir com qualidade para muita gente. A centralidade desse novo modelo é construir um bom lugar para se viver bonito, bacana, e que produz sentido. Não tem sentido um assentamento para produzir fumo, ele não cumpre sua função social. Igual em um assentamento para produzir soja transgênica.

Nos assentamentos essa ideia é bem recebida?

Ela é bem recebida do ponto de vista ecológico, do ponto de vista econômico tem problema. Todo mundo concorda com a ideia, mas dizem: o que eu vou ter de renda? O governo não tem incentivo para agroecologia. Não é tão simples chegar no mercado consumidor. Quem ganha com os preços de produto sem agrotóxico são as redes de supermercados, não o produtor. Então como equilibrar o ideológico, que é o que queremos, com a renda para a camponesada que vai produzir isso?

Como você vê as críticas em relação a essa parceria com o Pão de Açúcar?

Não somos apaixonados por vender nas grandes redes de supermercado, em especial as internacionais, mas temos poucas alternativas de comercializar nossos produtos. O sonho do MST, e temos feito esforços para isso, é que o Estado compre toda nossa alimentação para abastecer hospitais, restaurantes universitários, escolas, presídios, creches. O problema é que não tem política pública, ou se tem é muito pouco. Aí somos obrigados a entrar nas grandes redes, que é um mercado como qualquer outro. Isso é uma vitória nossa, não estamos sendo cooptados por eles. Estão tendo que colocar a marca de um produto feito por sem-terra, que eles tanto atacaram. Esses dias, no Walmart vi uma pilha de leite produzida pelo laticínio Terra Viva, de Santa Catarina, e em cima um televisor com propagandas, uma delas com a [revista] Veja atacando o MST. Em cima aparecia “baderna, fogo” e, embaixo o leite, o produto da reforma agrária. Quer propaganda melhor do que entrar na rede e produzir?

Há uma tentativa de colocar nossos produtos em redes de comércio justo para venda internacional, mas achamos que é um nicho de mercado delicadíssimo, cheio de complexidades. Nós preferimos vender para a merenda escolar brasileira do que entrar nessa de produto exportação com um selinho bonitinho que agrega valor. Isso é vender para os ricos, para classe média da Europa, e não resolver o problema dos nossos pobres que comem alimento de péssima qualidade nas merendas escolares do Brasil afora.

Sobre isso, e os transgênicos? Nos últimos dez anos, desde que a comercialização do primeiro organismo foi liberada, O Brasil tornou-se um dos países que mais usa transgênicos. Uma das determinações do último Congresso do MST é lutar contra empresas que colocam licença na comercialização de sementes. Como você avalia o que foi feito desde então?

Essa é mais uma derrota que o campo popular teve, uma derrota que custou caro porque nos dividiu. Metade importante de setores que sempre defenderam bandeiras de esquerda passou a defender os transgênicos. É o caso da militância do PCdoB, que hoje está convencida de que os transgênicos são importantes. E eles são nossos aliados em uma série de bandeiras. Na bancada petista há defensores assíduos dos transgênicos. Mesmo na academia, muitos intelectuais na área de agronomia e genética foram ganhos. Todos esqueceram de olhar que essa pesquisa foi patenteada pelas grandes transnacionais, que quem ganha com soja transgênica continua sendo a Monsanto. Mesmo nas pesquisas envolvendo a Embrapa, houve problemas [leia mais a respeito]. E não é verdade que o Brasil conseguiu fazer grandes investimentos para empresas brasileiras avançarem em

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tecnologias de pesquisa de transgênicos em áreas que poderiam ser importantes. Pelo contrário. O Brasil pode pagar caro em especial na produção de comida, em especial de arroz e de milho. Hoje 80% das variedades de milho no Brasil estão contaminadas por variedades transgênicas e é impossível conseguir resgatar variedades, como foi o caso do México.

É muito cedo para especular sobre impactos dos transgênicos na saúde animal ou humana. ‘Ah, tá dando coceira’. Não, é muito cedo ainda. Mas do ponto de vista ambiental não tenha dúvidas de que teremos problemas em médio prazo. À medida que aumenta o uso intensivo de agrotóxicos, aumentam os problemas na água e no solo. Essa foi uma derrota que custou muito caro aos camponeses brasileiros. E o MST reafirma: foi um equívoco do governo Lula, um equívoco do PT ter apoiado essa medida. O MST continua lutando contra os transgênicos. Ainda mais se eles conseguirem passar a medida que libera as sementes “terminator”, as sementes suicidas (leia mais a respeito). Aí seria tragédia para o nosso povo.

A PEC do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de propriedades em que for flagrado trabalho escravo, está para ser aprovada no Senado. Agora, a bancada ruralista tenta alterar a definição do que é trabalho escravo. Apoiar a luta contra trabalho escravo é uma das determinações da Carta de 2007. Qual a posição do MST?

Esse é um tema que vai estar no Congresso e nós compartilhamos da ideia que as terras têm que ser para reforma agrária. Somos contra utilizar multa ou dizer que era problema do gato ou de terceirizado. O imóvel tem que ser para reforma agrária. E somos contra fazer nova definição, essa é muito clara. Eles acham que é normal as pessoas ficarem presas, não ter alimentação, dormir no chão.

Em doze anos de governo do PT houve avanços em políticas sociais. O índice de desemprego caiu, o salário mínimo aumentou, teve o Bolsa Família… Isso dificulta na mobilização do campo?

O que dificulta para o MST fazer luta e aumentar a base social acampada não é programa social do governo, é a demora em sair terra. Desestimula não só quem está acampado, mas as pessoas em volta, primos, amigos, a família. Como eu vou acampar se não tem perspectiva nenhuma de sair terra? O que dificulta mobilização, e nisso o governo acertou na mosca, é não desapropriar. Esse é o primeiro componente.

O segundo é a geração de empregos, desenvolvendo áreas como o Nordeste do Brasil. Pessoas que eram acampadas no Piauí foram trabalhar na transposição do Rio São Francisco. Famílias acampadas no Maranhão foram trabalhar na cana em São Paulo. O desenvolvimento da agroindústria e de grandes projetos sociais do Governo alterou o perfil do sem-terra típico que nós tínhamos. No governo [do presidente] Fernando Henrique [Cardoso], com o desemprego em alta tinha uma quantidade grande de pessoas sem possibilidade de emprego. Hoje o mercado está aquecido. Se você perguntar se a pessoa quer trabalhar como tratorista ou pedreiro, ou quer um lote de reforma agrária, todo mundo vai querer o lote, não tenha dúvidas. Mas não tem lote, não tem terra.

O terceiro componente que pegou na nossa base, e a gente não tinha dimensão disso, é a criminalização do movimento e da luta. Imagina como é para uma família o filho, o marido, a companheira irem para um lugar onde só tem “bandido”, “ladrão”, “ponhador de fogo”. A campanha ideológica de criminalização causou impacto. Quem está dentro do movimento não sai, mas quem está fora não entra. Em cidades que não tem assentamento próximo, onde as pessoas não conhecem o MST de verdade, é muito difícil montar acampamento.

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O Bolsa Família atrapalhou? Para gente, em nada. Onde tem mais bolsa família no Brasil? No Nordeste. E aonde está a maior base acampada do MST? Bahia, Alagoas, Sergipe, Ceará, 60% da nossa base fica no Nordeste. Tem gente acampada com Bolsa Família, feliz da vida. Não é um problema para nós. A crítica nossa não é o que as pessoas recebem, é outra. Como você tem 40 milhões de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família e somente 6% desempregados?

Você citou a transposição do Rio São Francisco. O movimento tem posição sobre as megaobras?

Não. Pouca posição, são questões bastante complexas. O MST da Bahia e de Pernambuco é favorável à transposição. Os outros estados que não estão lá são contra. Mas a conta não fecha porque quem vai ser beneficiado é quem está lá. Qual o valor da posição dos gaúchos sobre o assunto? O cara do Rio Grande do Sul é contra e os baianos que são os beneficiados são favoráveis. E aí?

Nossa crítica é que as águas da transposição não vão ser usadas para resolver o problema dos camponeses. A transposição vai ser para fruticultura de grande escala e criação de camarão dos grandes produtores. Se a obra pudesse ser rodeada de assentamentos ao longo do leito do rio, a gente era a favor. Tem que ter formas de levar água para a camponesada. A cisterna resolve questões imediatas, mas não resolve o problema da produção.

E as hidroelétricas? O MST é contra Belo Monte?

Esse é um assunto bem resolvido. Temos críticas ao tamanho, ao valor, e ao impacto ambiental. Não é crítica a toda obra grande, nós somos contra Belo Monte e seus impactos significativos. Com o dinheiro que se vai gastar em Belo Monte você poderia produzir trocentas formas de energia no país das melhores formas possíveis. É uma cagada clássica. Agora, é importante fazer ferrovias? É importante. Não dá para cair na lógica de muitos setores da esquerda de que com obra só quem ganha são empresas, que tem corrupção. Se for cair nessa vala comum, não se faz mais nada. A crítica é de que existem projetos que são só para atender o capital, que se tivessem função social poderiam ser importantes. O problema não é a obra, é o fim da obra.

Hoje o MST mantém postura de diálogo e negociação com o governo, sem fazer oposição. Muitos críticos defendem um rompimento, um questionamento mais intenso. Se no Congresso integrantes pressionarem, existe possibilidade de novos rumos nos próximos anos?

Não, pela natureza do MST. Isso é muito fácil de ser resolvido nos partidos, onde você é base ou oposição. O movimento social tem uma lógica completamente diferente, que é como a do sindicato. Como é que um sindicato vai dizer que rompeu com o governo? Romper o que, cara-pálida? Se você precisa negociar com o governo, bater no governo, sentar com o governo. Quando fala em romper é montar uma guerrilha ou um estado autônomo a la Chiapas, quando se tem base constituída para romper com o Estado. Fora isso, é um bonito idealismo que joga para cima do movimento social. É diferente do partido, que não tem que negociar, que pode romper com o Estado, dizer tchau, nos vemos na próxima eleição. O partido pode fazer isso, o movimento social e sindical não tem como. A natureza é bater e negociar, negociar e bater. Mesmo com o Fernando Henrique o MST sentou trocentas vezes.

No caso do MST é mais complexo ainda. Qual o nosso problema? Não é com o governo, é com as esquerdas. A nossa tragédia é que na medida em que você rompe com o governo, você rompe com um importante campo popular que dá sustentação a esse modelo, que tem base social. A Dilma não é uma coisa do além, que não está ligada à vida real do país. Quando eu falo vida real, falo da base do MST inclusive. Os quadros do MST têm uma

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crítica ferrenha a esse governo. Agora, se esticar muito a corda da crítica fica sem base social. Porque a base foi beneficiária de um conjunto de políticas públicas desse governo que é uma porcaria. Ele comprou a tal da televisão, está endividado, mas comprou o carro, comprou a moto. Ele não conseguiu terra, mas ele aposentou, um filho está no Prouni. A base nossa, por mais que tenha ideologia, diz que a reforma agrária não saiu por causa do Incra, não por causa do Lula. O Lula fez a parte dele, a Dilma fez. Nós temos um problema do movimento. Nossa base diz que, se rompermos, vamos ficar sós.

E o campo popular que dá sustentação a esse governo são os aliados mais próximos que temos. São os petistas, as centrais sindicais, os movimentos de moradia. É um conjunto de forças políticas que defendem esse projeto. Quem está fora desse projeto que chamamos de neodesenvolvimentismo é um importante campo que estava na esquerda e migrou para centro/centro-direita, a Marina Silva, o Eduardo Campos. E tem uma parcela do esquerdismo, que, em parte, é formada por importantes companheiros militantes, lideranças de movimento, da Igreja, e em parte por uma maioria absoluta da pequena burguesia. Isso é terrível, porque são os que ganham um ótimo salário. “Ganho R$ 8 mil na academia, sou bem resolvido na vida, e faço a crítica para o governo.” Na medida em que a pequena burguesia faz isso deixa a vida real. Eu, entre ficar com eles, e ficar com a nossa base, prefiro ficar com a nossa base. Para nós do MST é muito complexo este momento. Não vamos romper, mas também não vamos levar nem o Lula nem a Dilma ao nosso Congresso para justamente demonstrar nossa posição de independência.

Não existe o risco de o movimento acabar assumindo posicionamento em favor de transgênicos ou do desmantelamento do Código Florestal por entender que isso é o que quer quem está no campo?

Não, porque a nossa posição política não é só de resolver os problemas da base. A nossa posição política não é de atender ou ir de encontro com pautas do governo. Ela está voltada à pergunta anterior. A natureza não é romper ou ser governista, nossa posição é de independência, que permite fazer críticas ao governo. Temos que trazer conquistas econômicas para essa base que necessita de diálogo com governo. Se a gente rompe, não é só com o centro do palácio, com a cúpula, é com aliados históricos, com a CUT, com o PT, com os governadores com quem poderíamos ter algum tipo de acesso e resolver políticas públicas, com um conjunto de ONGs parceiras ou primos da Igreja que concordam com o governo. Não podemos achar que acertamos sozinho, falar “vocês estão todos errados, só nós estamos certos”. Isso é um risco muito grande. Um partido pode fazer isso, um movimento social não. Primeiro porque vamos chamar a repressão. Segundo porque ficaríamos isolados em uma posição que não é majoritária. Por isso, nossa posição é negociar quando possível, mas ao mesmo tempo manter uma autonomia muito tranquila.

E o movimento indígena, que é um movimento social e foi um dos mais ativos na oposição ao governo no ano passado?

Eles mantiveram uma posição de independência, mas em nenhum momento saiu rompimento ou adesão dos indígenas ao governo. Crítica, mobilização, mas em nenhum momento fecharam a possibilidade de negociar. Até usaram avião do governo para ir para Brasília.

Sim, mas teve episódios de protestos, como o da cobrança ao ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, em Brasília.

É da natureza do movimento social fazer aquilo. Isso deveria ser regra e não exceção. Agora qual o problema? Para nós do MST, se fazemos uma crítica como essa, o governo já acha que somos inimigos e nos coloca como antigoverno. Quando fazemos o inverso, falam em governismo. Sentou com o governo em alguma reunião, já é governista. Por isso,

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o MST está no pior dos mundos. Nós recebemos críticas pela extrema-esquerda, que nos bate como governista. E com os governistas, com setores petistas, dizendo que estamos no esquerdismo por fazer críticas ao governo.

Por isso a simbologia de não convidar Dilma e Lula, mas fazer um ato político trazendo do [senador Roberto] Requião ao Zé Maria [dirigente do PSTU]. Queremos mostrar que em defesa da reforma agrária reunimos todo mundo. Somos movimento social. Queremos aliança com o MTST [Movimento dos Trabalhadores Sem Teto]. O Passe Livre vai no nosso ato, a [deputada Luiza] Erundina, os quatro governadores do PT. Queremos demonstrar para a sociedade que não estamos isolados. Entre a ideologia e a vida real tem a mediação que é feita pela política. Se você só segue a doutrina como um professor universitário, como faz? A política que faz a mediação exige essa flexibilidade de se ajustar. Mas daí a mudar os rumos, entrar para dentro do governo, entrar para institucionalidade, fundar um partido, é outra história.

Tem um caminho político institucional para o MST? Existe a possibilidade de lideranças se candidatarem?

Existe uma pressão muito grande para cima do movimento. No retrovisor da história, a única luta revolucionária que foi vitoriosa foi a cubana e todas as demais foram pela institucionalidade. Isso nos leva à crítica simplista de que estamos perdendo tempo. A institucionalidade tem um espaço grande para acumular força. Tem exemplos como o do [presidente da Venezuela, Hugo] Chávez, do [presidente da Bolívia] Evo Morales. Então isso vai para nossa base também. Uns querendo ser vereador, uns prefeito, mas há uma posição política por ora do movimento de resistir e se manter na luta social.

Isso muda para as eleições agora?

A tendência é não mudar. Vai depender da conjuntura dessa próxima.

Existe possibilidade de o movimento declarar apoio para Dilma no primeiro turno?

Não acredito. Nossa posição é de neutralidade. A Dilma nem sequer recebeu o MST para uma audiência, nunca fomos recebidos pela presidenta. Tentamos todo dia.

Recentemente, dois protestos foram desautorizados pela direção do MST, a ocupação da Secretaria Nacional da Presidência da República e a ocupação do Instituto Lula por acampados do assentamento Milton Santos. Isso gerou críticas contra o movimento.

Uma crítica fundamental é que as ocupações foram decisões isoladas em que grupos agiram por conta própria sem nenhuma discussão em nenhuma instância do movimento. Nosso posicionamento foi de ressaltar que não foram ações do MST. Ocupar o Instituto Lula é um equívoco tático, mas não foi esse o motivo central da nossa posição. Fomos críticos porque usaram as bandeiras e a estrutura do movimento sem combinar com o movimento. O Zé Rainha foi afastado por esse motivo, mais do que por ações radicalizadas. O problema é fazer por conta. Qualquer organização pode fazer. O MST não critica outros movimentos por ações com radicalidade. A crítica é que usaram a bandeira do MST.

Um dos pontos dos movimentos urbanos em ações é a horizontalidade. O MST não é horizontal, ele tem uma estrutura diferente?

Nós achamos que do ponto de vista da natureza do nosso movimento ele é o mais descentralizado possível. Somos uma organização com 2 milhões de pessoas na base e autonomia nas decisões políticas em todo canto do país. Só é possível fazer um congresso

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com 16 mil delegados assim. O que achamos difícil é um movimento que nega a organização política. Como enfrentar a polícia, o latifúndio e o Estado sem ter o mínimo de organização política? A chance de um inimigo atacar, dividir, reprimir e cooptar é muito forte quando não tem um mínimo de organização possível.

Aquela linda mobilização de junho e julho, se tivesse tido o mínimo de organicidade, teria mudado a correlação de forças no Brasil. Não mudou. Quem era antes continua sendo, quem não era nada continua não sendo. Desde o tempo do Maquiavel, da Igreja, toda estrutura que for fazer enfrentamento tem que construir um mínimo de organização, ou militarizada, ou institucionalizada ou como partido ou como Igreja. Esse negócio de fazer luta de classes sem organização é correr o risco de ser dizimado. Tanto faz as formas de organização, presidencialista, soviet, descentralizado, pelo Facebook. Mas tem que ter. E nós não abrimos mão da nossa porque avaliamos que é necessária para o enfrentamento. Agora não pode ter o centralismo sem ter o democrático.

E qual a forma de organização do MST?

Optamos por um formato que não é partidário, que nos permite ter uma organização nacional, com centralismo nas linhas políticas e descentralizada no comando. No comando do MST no Pontal do Paranapanema, a Secretaria Nacional, a direção nacional tem zero de influência. Quem influencia são os próprios dirigentes, são decisões coletivas. Mas a linha política é contra transgênico. E isso serve para o MST do Ceará, como serve para o MST do Pará. A linha política é centralizada.

Nesses casos da Secretaria da Presidência e do Instituto Lula houve quebra da linha política?

Não, não foi isso. Eram grupos que não pertencem a nada do MST. A direção do MST no acampamento Milton Santos e a direção nacional do movimento não foram consultadas. Como é que um grupo que tinha inclusive saído do MST vai e ocupa o Incra, a Presidência e o Instituto Lula? Não faziam parte da estrutura do MST e isso não dá para aceitar.

No Milton Santos existe um trabalho de agroecologia onde antes era um latifúndio de cana. Ao desautorizar, mesmo não sendo integrantes do movimento, o MST não enfraquece essa mobilização?

Mas porque eles não foram como assentamento e sim MST? Aí não haveria problemas. O que não podemos deixar é que cada grupo saia com bandeira do MST porque sai muitas coisas boas, mas sai muita loucura. Imagina se outro grupo decide apoiar transgênico. O problema é o método. Nós tivemos juntos todo tempo no assentamento Milton Santos, mas um belo dia eles saem de noite, ocupam e não avisam ninguém. A desautorização é pelo método. Na ocupação da fazenda do Fernando Henrique Cardoso foi muito parecido, mas qual a diferença? Os dirigentes do MST estavam lá dentro. Então fui um dos primeiros a ir para lá, mesmo sabendo que foi uma ação equivocada. Uma ação de uma região pequena sobre a cesta básica de um acampamento virou um problema nacional. A ação da Cutrale foi no mesmo nível de radicalidade, mas era o MST. Fez certo, fez errado, tem que decidir, tem que apoiar. Agora, grupelhos que saem por aí usando o nome do MST, a causa pode ser a mais justa possível, mas não fez o combinado… Isso é parte de manter a unidade nacional do MST preservada.

Hoje acontecem nas ruas ações de grupos com horizontalidade radical, sem organização, em atos de protesto, que, por vezes, saem de controle ou são reprimidos de maneira violenta. As críticas que surgem são no mesmo tom que os ataques que o MST sofreu, de criminalização de tais grupos. Se antes PT e PSDB se posicionavam de maneiras distintas, hoje os dois partidos têm se posicionado

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contra tais mobilizações. Como vê isso?

Primeiro, temos que reconhecer que há um déficit organizacional da esquerda e isso é o mais grave. Existe essa pulverização de pequenas organizações e grupos fazendo luta porque a esquerda abandonou a perspectiva de organizar a sociedade. Então, os grupos se organizam por conta própria. A nossa crítica maior não é somente pela fórmula da criminalização, mas pelo abandono da organização social, que é igualmente grave.

Segundo, achamos que há uma crise significativa de problemas sociais não resolvidos na sociedade brasileira. É um absurdo que apenas 12% da juventude tenha acesso à universidade. É um absurdo que tenhamos no Brasil os problemas que nós estamos vendo na segurança pública contra negros pobres na periferia. Os levantes populares são formas de resistência, não é nem crítica ao sistema. “Estamos aqui morrendo pela polícia.”

O MST é contra a criminalização e defendemos toda e qualquer forma de luta. E achamos que o governo do PT, do [prefeito de São Paulo, Fernando] Haddad, da Dilma erra todas as vezes que não dialoga e não fortalece a luta social. É a classe trabalhadora se manifestando. Os governos passam, sobram só as manifestações. O próprio Lenin ensinou que as massas aprendem em dois dias de luta o que não aprendem em 20 anos de vida ou de universidade. Houve um debate na esquerda de que as mobilizações de junho eram contra esquerda, fim da esquerda. A mobilização foi pelas bandeiras da esquerda. Ninguém estava ali pelo fim dos pobres, contra os gays. Não, era uma mobilização contra corrupção, pela educação, transporte. Por que não vamos defender aquilo? E a mobilização é um curso de mobilização massiva. A juventude que está participando vai aprender o que é agitação e propaganda, o papel da Globo, da Igreja, da polícia. Por isso, o movimento é solidário, defende. E achamos que é um equívoco da esquerda criminalizar lutas espontâneas, apesar de todas as debilidades organizacionais que estão colocadas, suas fragilidades, seu capuz, ou jogando pedra. Nossa crítica não é ao que estão fazendo, é porque não foram construídas formas organizativas por parte do movimento social, sindical e assim por diante.

O MST é um movimento pacífico?

É pacífico, não pacifista. Não temos problema com o conflito para resolver problemas sociais. Temos problemas e somos contrários ao uso da violência contra a pessoa. Contra patrimônio não temos nenhum problema de usar violência. Se for necessário arrancar uma cerca do latifúndio, se o trator for símbolo de uma destruição ambiental, podemos fazer uma ação contra ele. A violência contra a pessoa nós condenamos, mas acreditamos que o conflito é elemento central no enfrentamento. Somos pacíficos. Não defendemos violência contra pessoas, seja militar, sem-terra ou fazendeiro. Não pregamos e não concordamos com isso.

O que acha do movimento contra a Copa?

Isso é complexo. É uma aberração o que a Fifa está fazendo no Brasil. O pacote de leis e normas que foram constituídas é grave. O papel que a iniciativa privada ocupa. Os preços cobrados nos estádios, deixar o povo sem conseguir ver os jogos. Ter uma Copa no Brasil é um boa. Os usos são terríveis, mas é parte da cultura do povo brasileiro gostar de futebol. Ter uma disputa mundial de futebol no nosso território é importante. E não é nem circo. Não, o esporte é um elemento importante. Qual a inhaca? São esses elementos, o Brasil não ter autonomia, os valores cobrados. Contem com o MST para fazer luta contra isso que está colocado, mas se nós pudéssemos ter um jogo da Copa nos nossos assentamentos, isso seria fantástico. Queria ver Alemanha e Espanha. Não teria problema nenhum. Agora, o ingresso mais barato sair por R$ 300, R$ 600? E o valor que vai ser gasto? Com R$ 40 bilhões a gente resolveria o problema da reforma agrária no Brasil.

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E dos rolezinhos?

Muito bom! É uma boa forma de a juventude se organizar e fazer críticas às formas tradicionais do uso de shoppings. Defendemos e estamos juntos. Fizemos alguns em shoppings. Fizemos em Salvador um dia desses, em Alagoas, no Rio no ano passado. A novidade é esse nome agora. Tem que fazer, tem que ter rolezinho em plantação de transgênicos, nas plantações de agrotóxicos.

Para finalizar, no Mato Grosso a Kátia Abreu recentemente citou que a bancada ruralista demorou “15 anos para derrotar o MST” e que agora tinha que derrotar os indígenas. Falou como se o movimento tivesse acabado.

Vindo da Kátia Abreu não dá para levar muita coisa a sério. A representatividade dela hoje é da UDR, da antiga União Democrática Ruralista. O setor produtivo e as grandes corporações do agronegócio não têm a Kátia Abreu como representante. Um movimento que conquistou 8 milhões de hectares de latifúndios e hoje é um dos maiores produtores de cacau, arroz, feijão e leite não pode ser considerado derrotado. Um movimento que formou nas suas bases mais de 130 médicos, que tem mais de 6 mil dirigentes com nível superior não pode ser considerado derrotado. E ademais o MST é talvez uma das maiores organizações do mundo em termos de base social, diferente da CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, organização presidida por Kátia Abreu]. Os índios não foram derrotados, lutam há 500 anos. Não será com um mandato de quatro ou cinco anos e uns palavrões que a Kátia Abreu vai derrotar uma luta milenar.

O MST acredita na luta de massa como um elemento central. Não é uma condição na colheita do arroz, alfabetização, isso é importantíssimo, mas o que altera a correlação de forças é a luta de massa. Continuaremos confiantes nisso e é o que faz com que o movimento seja referência. Agora, é difícil ser revolucionário em um período em que poucos são, é difícil fazer luta de massa em um período em que poucos acreditam nessa forma de resolver a situação. Estamos passando por uma crise forte da esquerda ou por um revisionismo – vamos revisar tudo-, ou por um pós-modernismo sem fundamentação, a ideia de que acabou tudo, acabou a classe, acabou o coletivo, acabou a organização, agora cada um vai no Facebook e protesta do seu jeito. Nós achamos que a vida real tem contradições, tem que ter organização.

Colaboraram com sugestões de temas a serem abordados na entrevista Carlos Juliano Barros, Guilherme Zocchio, Igor Ojeda, Maurício Hashizume, Stefano Wrobleski, Thiago Casteli e Verena Glass.

Nota - A imagem acima que ilustra a entrevista é Marcelo Camargo/Agência Brasil.

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por Miguel Enrique Stedile, Jornal sem-terra, fevereiro 2014

Está enganado quem pensa no agronegócio e imagina uma grande fazenda, produzindo alimentos que vão para a geladeira do brasileiro. O que a televisão não mostra é que

o agronegócio é uma forma de produzir na agricultura baseada no uso de grandes quantidades de agrotóxicos, sem produzir comida e ainda exportando o que produz,

mesmo usando recursos públicos. Pior: a maior parte das terras estão nas mãos de empresas estrangeiras e bancos internacionais. Conheça quais as verdadeiras

conseqüências do agronegócio para a sua vida.

Envenena a terra

Por causa do agronegócio, O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2009. Mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras, de acordo com dados oficiais. Estes agrotóxicos contaminam a produção dos alimentos que comemos, a água (dos rios, lagos, chuvas e os lençóis freáticos) e permanece no nosso organismo, inclusive no leite materno.

E mais: dos 50 venenos mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos na União Europeia, o que faz com que o país seja o maior consumidor de agrotóxicos já banidos em outros locais do mundo.

Não produz comida

A produção do agronegócio não é voltada para alimentar o povo brasileiro. Pelo contrário. As empresas do agronegócio produzem principalmente soja para ser transformada em ração para animais na Europa e combustível; pinos e eucaliptos para fazer papel e cana-de-açúcar para o álcool etanol.

Como são grandes propriedades, latifúndios, esta produção toma o lugar dos alimentos. Segundo pesquisas, a cana e a soja já tomaram o lugar de 31% das lavouras de arroz, 26% de feijão e 35% do trigo.

Diminuindo a produção de alimentos, os preços ficam mais caros, como aconteceu com o tomate e a cebola em 2013. Além de importarmos alimentos que poderíamos produzir, como o feijão que compramos da China.

A agricultura familiar e camponesa, incluindo os assentamentos de reforma agrária, produz 70% de toda comida que chega à mesa do trabalhador brasileiro.

Não gera empregos

O agronegócio não gera empregos, pelo contrário, acaba com eles. Em São Paulo, o aumento das lavouras de cana-de-açúcar para exportação acabaram com 700 mil postos de trabalhos, segundo a UNESP. Ou seja, quase um milhão de pessoas que saíram do campo para disputar empregos e tentar a vida na cidade.

Já a reforma agrária e a agricultura camponesa, geram em torno de 4 empregos a cada 1 hectare (o tamanho de um campo de futebol). Por isso que, no Brasil, a agricultura familiar é responsável por 77% dos empregos diretos no campo.

3. Sete pecados do agronégocio

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Usa trabalho escravo

A Escravidão acabou há quase dois séculos, mas não para o agronegócio. Muitos latifúndios do agronegócio usam o trabalho escravo para aumentar os seus lucros através do trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva ou trabalho degradante. Mais de 44 mil pessoas foram libertadas de situações de trabalho escravo no Brasil desde 1995.

Um dos acusados de escravizar os trabalhadores em suas fazendas é o irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-Tocantins), que é também presidente da Confederação Nacional da Agricultura, entidade do agronegócio.

Sustentado pelo governo

O agronegócio gosta de dizer que sustenta o Brasil, mas a verdade é o contrário. Graças a ajuda dada pelo governo é que o agronegócio consegue tanto dinheiro.

Só os produtores de cana, em 2013, receberam mais de R$ 6 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Do crédito rural disponibilizado pelo governo, o agronegócio pegou 85% dos R$111,4 bilhões disponíveis. Com juros amigos e longo prazo.

E graças a Lei Kandir, criada pelo Presidente Fernando Henrique, o agronegócio não precisa pagar imposto quando exporta, ou seja, não deixa nada no país.

Manda as nossas riquezas para o exterior

Além de não produzir alimentos e nem gerar empregos, envenenando nossas terras, o agronegócio ainda manda o que lucra para o exterior. Isso, porque as principais empresas do agronegócio são européias ou americanas, que recebem os lucros do que é produzido aqui.

Só em 2013, estas empresas enviaram 18 milhões de toneladas de milho para se transformado em combustível nos Estados Unidos.

Está entregando nossas terras

Com tanta facilidade para ganhar dinheiro às custas do povo brasileiro, comprar terras no Brasil virou um bom negócio. Com isso, terras que poderiam ser destinadas para a reforma agrária estão sendo compradas por estrangeiros. Muitas vezes usando “laranjas” para driblar a lei brasileira que limita a compra de terras. Nem o governo sabe exatamente quantas terras já passaram para as mãos dos estrangeiros, mas em 2008, empresas estrangeiras já haviam adquirido um território do tamanho de 4 milhões de campos de futebol.

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“O capital está impondo o agronegócio como única forma de se produzir”

Para João Pedro Stedile, da direção nacional do MST, esse cenário se completa com o governo Dilma, que é hegemonizado pelo agronegócio

Brasil de Fato- 04 fevereiro de 2014

Por Joana Tavares,

De Minas Gerais (MG)

O Brasil nunca teve um programa de reforma agrária que de fato se propusesse a democratizar o acesso a terra e garantir terra aos pobres do campo. Assim, João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), avalia o atual cenário no campo. Segundo ele, de acordo com a correlação de forças, “às vezes avançamos e conseguimos mais assentamentos e outros períodos o capital avança e impede que tenhamos desapropriações. E essa é a situação atual”.

Frente a esse cenário, nos dias 10 a 14 de fevereiro, mais de 15 mil militantes do MST estarão reunidos em seu VI Congresso, em Brasília. Passados 30 anos da fundação do MST, as configurações do campo brasileiro sinalizam para a agudização das contradições sociais que se acumulam como uma dívida histórica.

“Diante dessa situação adversa, nós passamos os últimos dois anos debatendo com nossa base, nossa militância e construímos a ideia da necessidade de um programa de reforma agrária popular”, afirma Stedile. Segundo ele, nesse programa foi colocado a necessidade de fazer amplas desapropriações dos maiores latifúndios, começando pelas empresas estrangeiras.

Nesta entrevista, Stedile fala sobre o atual cenário da reforma agrária e sobre os principais desafios para a classe trabalhadores neste ano. “Apesar dos avanços que houve nos últimos dez anos em relação ao neoliberalismo, porém, os trabalhadores enfrentam ainda graves problemas, que afetam também a juventude”, afirma. Ele acredita que as mobilizações, mais do que bem-vindas, são necessárias, para seguirmos mudando o país.

Brasil de Fato – Qual a situação da reforma agrária no país hoje?

João Pedro Stedile – O Brasil nunca teve um programa de reforma agrária que de fato se propusesse a democratizar o acesso a terra e garantir terra aos pobres do campo. Então, de acordo com a correlação de forças, às vezes avançamos e conseguimos mais assentamentos e outros períodos o capital avança e impede que tenhamos desapropriações. E essa é a situação atual. Nem temos reforma agrária, e mesmo os processos de conquistas de novos assentamentos estão parados. E isso se deve a que há uma especulação dos preços das commodities agrícolas, que aumentou o lucro dos fazendeiros e jogou o preço das terras nas nuvens. O capital está impondo o agronegócio como única forma de se produzir. E se completa com o governo Dilma, que é hegemonizado pelo agronegócio. Os que defendem a reforma agrária dentro do governo são minoritários. E pior ainda, há uma incompetência administrativa do Incra impressionante, que não consegue resolver os mínimos problemas, mesmo de quem já está assentado.

Como as mudanças projetadas pelo MST no campo impactariam as pessoas que vivem nas cidades?

Diante dessa situação adversa, nós passamos os últimos dois anos debatendo com nossa base, nossa militância e construímos a ideia da necessidade de um programa de

4. Entrevista com João Pedro Stedile

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reforma agrária popular. Que representasse mudanças necessárias para todo povo e não apenas para os sem terra. E no nosso programa colocamos a necessidade de fazer amplas desapropriações dos maiores latifúndios, começando pelas empresas estrangeiras. Precisamos priorizar a produção de alimentos. Precisamos produzir sem agrotóxicos para que o povo da cidade tenha saúde. Precisamos adotar a agroecologia como uma nova matriz de produção em equilíbrio com a natureza. Precisamos instalar agroindústrias na forma cooperativa, para dar emprego aos jovens do campo, estancar o êxodo e distribuir renda. E finalmente precisamos democratizar o acesso a escola em todos os níveis. Essa é, na essência, nossa proposta de reforma agrária.

Você esteve recentemente na Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano, a convite do papa Francisco discutindo a questão da fome no mundo. Que impressões teve desse encontro?

Causou a todos surpresa, pois pela primeira vez o Vaticano convocou dois movimentos sociais, o MST e o movimento dos Cartoneros (catadores de material reciclável) da Argentina, para debater com bispos, intelectuais e cientistas que fazem parte da Academia, qual é a causa dos pobres, dos excluídos e de tantos problemas econômicos. Colocamos nossa visão sobre a etapa atual do capitalismo financeiro e internacional, que está dominando o mundo e que são os principais responsáveis. As 300 maiores empresas do mundo controlam 60% de toda a riqueza. Um por cento dos ricos controlam metade de toda a riqueza da humanidade. Sem combater a esse sistema, não teremos uma sociedade mais igualitária, mais justa e democrática. O seminário agora terá certamente outros desdobramentos, com outros encontros promovidos pelo papa Francisco, que está nos surpreendendo a todos.

O MST foi o principal movimento social do Brasil nas últimas décadas. Agora, surge como principal ator social a juventude. Qual sua opinião sobre os movimentos de juventude da atualidade?

As mobilizações da juventude, em qualquer sociedade, são sempre uma espécie de termômetro, que indicam a temperatura de indignação de toda a sociedade. E aqui não foi diferente. Apesar dos avanços que houve nos últimos dez anos em relação ao neoliberalismo, porém, os trabalhadores enfrentam ainda graves problemas, que afetam também a juventude. E a juventude foi para a rua dizer em nome de todos nós que precisamos de mudanças sociais. Mudanças no regime político, que não representa a ninguém. Mudanças na política econômica. E mais. Estado e poder público atendendo às necessidades do povo, na saúde, educação e transporte públicos de qualidade.

Como o MST está pensando em dialogar ou se articular com essa juventude?

Em todas as mobilizações, nós procuramos participar com nossa militância, apesar de que nossa base social está longe das capitais. Seguimos incentivando a que juventude se organize, se mobilize. E ao mesmo tempo, contribuímos na construção de plenárias estaduais e nacionais de todos os movimentos sociais, que envolvem todos os setores, desde o movimento sindical até as pastorais, para discutirmos os rumos do país e a necessidade de uma reforma política.

Você acha que as manifestações de junho protagonizadas por esses jovens foram uma surpresa pela proporção e impacto que tomaram?

Foram surpresa pela forma e rapidez como aconteceram. Mas todos os militantes sociais sabiam que os problemas que o povo está enfrentando nas grandes cidades estavam aumentando e latentes. A situação dos transportes públicos é um caso; perde-se horas no trânsito e é caro. Enquanto o governo isenta IPI e incentiva o transporte individual, que as multinacionais automobilísticas agradecem. O atendimento da saúde pública é uma

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vergonha. E isso pelo menos destravou o Programa Mais Médicos, que é uma coisa boa. E na educação, temos graves problemas, desde elevada taxa de analfabetismo, que atinge 18 milhões de trabalhadores adultos, até o fato de 88% da juventude em idade universitária não conseguir entrar na universidade. Por outro lado, a política institucional no Brasil foi sequestrada pelos financiadores de campanha, que transformam os eleitos em reféns do capital. E o povo, a juventude, não se sente mais representado nos parlamentares, no sistema político. Então, dia mais, dia menos, esses problemas apareceriam. E apareceram no melhor lugar possível: nas ruas! Que é o melhor lugar da juventude praticar a democracia.

Qual o saldo das mobilizações de junho para a luta política no país?

Em termos de conquistas reais, foi ainda pequeno, porque barraram apenas o aumento das tarifas. Mas o saldo político é fantástico. Recolocou a política nas ruas. Recolocou o debate das mudanças necessárias. E colocou na pauta a reforma política e a necessidade da convocação de uma Assembleia Constituinte. E o processo está ainda em curso, tende a aumentar.

No balanço de 2013, os movimentos levantaram alguns retrocessos na política econômica nacional. A que se deveu esse retrocesso?

A política econômica do governo federal é um dos palcos centrais da luta de classes da sociedade brasileira. Pois é através dela que as classes dividem a riqueza produzida todos os dias pelos trabalhadores. E há uma pressão permanente dos bancos e das grandes empresas, para abocanharem os recursos públicos, na forma de juros. Na forma de empréstimos favorecidos no BNDES, na forma de emendas parlamentares, na forma de isenção de impostos. E, dos lados dos trabalhadores, precisamos disputar para que esses recursos, que são públicos, que são de todo o povo, sejam priorizados nos investimentos da educação, da saúde, da reforma agrária e dos transportes públicos nas grandes cidades. E nessa luta, acho que em 2013, a classe trabalhadora saiu perdendo. Os bancos abocanharam 280 bilhões de reais do tesouro em juros. O Banco Central, dominado pelos bancos, aumentou a taxa de juros. O cidadão comum, o comércio e a indústria pagam taxas de juros que variam de 40% a 144% ao ano. Isso é uma afronta. E o governo ficou administrando, sem coragem e força para brecar o poder econômico, porque parte do governo está impregnada por esses interesses.

A direita e a esquerda estão apostando que as mobilizações voltarão no período da Copa do Mundo. Há risco de as mobilizações, que são um sinal de desejo de mudança, contribuírem com as forças conservadoras? Isso pode ser usado no jogo eleitoral?

Mobilizações massivas sempre ajudam a fazer debate político na sociedade. A direita brasileira não tem nem base social, nem discurso, nem proposta para mobilizar milhões. Porque seria mobilizar contra os interesses do povo. As mobilizações, mais do que bem-vindas, são necessárias, para seguirmos mudando o país, para termos mais o Estado a serviço do povo. Mais recursos para a educação, saúde. Os que têm medo do povo é porque já estão longe de seus interesses. Nenhuma mudança social ocorreu, na história da humanidade, sem que tenha havido mobilização popular. Nenhuma mudança acontece pela “vontade generosa” de algum governante ou guru. Em relação ao calendário, torço para que as mobilizações de rua comecem logo, pois no período da realização da Copa vai confundir a cabeça do povo, que quer ver a Copa, e pode reduzir as mobilizações como se fossem apenas protesto pelo dinheiro gasto nas obras. O dinheiro que foi gasto nos estádios, em torno de 8 bilhões, claro que poderiam ser melhor aplicados, porém, eles representam apenas duas semanas do volume de recursos que o governo passa para os bancos. Então, a cada duas semanas temos uma Copa do tesouro nacional para os

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bancos. E esses são os nossos inimigos principais, que precisamos denunciá-los e derrotá-los, dentro e fora do governo.

O que esperar das eleições de 2014?

Pessoalmente, acho que não teremos grandes mudanças. Nem nos eleitos, nem nas propostas que os eleitos defendem. Então, as verdadeiras mudanças não dependem mais do calendário eleitoral, vão depender da capacidade da classe trabalhadora desconstruir um programa unitário de medidas que a sociedade precisa para poder resolver os problemas do quotidiano do povo.

O MST e outros movimentos sociais pretendem lançar alguma bandeira política e construir mobilizações neste ano?

Já está posta na rua, desde o segundo semestre do ano passado. Nós participamos de uma ampla frente popular, desde a CNBB, OAB, ABI, CUT e movimentos populares, para juntos lutarmos por uma reforma política. Uma reforma política que mude as regras do jogo, devolva ao povo o direito de escolher seus verdadeiros representantes, altere a correlação de forças na sociedade e abra portas para que ocorram as outras reformas necessárias: a reforma urbana, a reforma agrária, a reforma educacional garantindo 10% do PIB para educação, a ampliação dos recursos para saúde, e o controle dos juros e do superávit primário.

Em quais outras reivindicações você apostaria como as principais para 2014?

Esse é o salto político que nós, os movimentos populares, vamos precisar dar. Mais do que pautas específicas de reivindicações, que cada setor social vai continuar lutando para atender as necessidades de sua base, agora é fundamental construirmos uma unidade programática em torno dos temas políticos. Unidade para fazer um grande mutirão nacional e fazermos trabalho de base para discutir com o povo quais mudanças políticas queremos. E a partir desse debate, organizar um Plebiscito Popular na semana de sete de setembro, para que o povo vote na possibilidade ou não da convocação de uma Assembleia Constituinte, eleita de forma soberana, sob outras regras, e exclusiva, para fazer a reforma política do país. Tenho esperanças de que poderemos mobilizar milhões de brasileiros nessa missão, e com isso aglutinar forças para pressionar os Três Poderes da República para convocar a Assembleia Constituinte em 2015.

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“Precisamos radicalizar a luta pela terra”

O VI Congresso do MST foi um momento de debates e lutas, que alinharam as linhas políticas do movimento para o próximo período, além de colocar em pauta o debate da Reforma Agrária Popular”, afirma Kelli Malfort, da coordenação nacional do MST e do

setor de gênero do movimento.

Nessa entrevista, Kelli avalia o Congresso e de suas ações; a importância do contato entre a base e a coordenação do movimento e como o que foi acumulado durante o evento vai contribuir para o futuro do MST.

Confira a entrevista:

Como você avalia o VI Congresso do MST? Fazer um balanço Congresso passa pelo olhar entrelaçado das mulheres, homens, crian-

ças, jovens e idosos envolvidos nos 30 anos de existência do MST. Entre esses sujeitos da luta, destacaram-se ainda a juventude, que quer participar mais

intensamente do MST, debater a luta pela terra, o assentamento e a Reforma Agrária Po-pular, e as mulheres, com 50% de participação entre as delegações.

Em termos orgânicos, esse Congresso teve mais gente debatendo e entendendo o debate, debate que vinculou direção e base.

A cultura organizativa criada no MST é um legado dos nossos 30 anos. Isso ficou eviden-te na organização das cozinhas coletivas, nas equipes de trabalho, na Feira da Reforma Agrária e no todo do Congresso.

Isso é importante para pensarmos num método de direção que permita ter a participação de muita gente, com divisão das tarefas combinado com estudo e debate coletivo.

Como você vê o contato que a base tem entre si e a direção do movimento durante o congresso?

O Congresso provoca uma retomada dos princípios do movimento, combinando coleti-vos e métodos de direção. O MST não será um movimento de cúpula, e muito menos será uma Organização basista; é isso que o Congresso nos mostra.

Apesar dos limites que a formação política tem encontrado no último período nas Organi-zações Populares de esquerda e no próprio MST, percebemos no Congresso o quanto os processos existentes têm sido fundamentais para a elaboração teórica coletiva. Isso ficou evidente na qualidade dos debates, nas intervenções das mesas e na própria plenária. Nossa militância se qualificou nos cursos e nos processos formativos.

Na construção de nosso Programa Agrário, houve um processo de amadurecimento e internalização, através de um intenso debate a partir das nossas diferenças políticas e das contradições da realidade.

Temos uma teoria formulada a partir da prática e a verdade dessa teoria é a sua própria prática. Essa é uma questão complexa, pois a Reforma Agrária Popular depende de mu-danças estruturais na sociedade para sua plena efetivação.

No entanto, essas mudanças prescindem de uma prática que, por um lado, demonstre o que queremos construir, e por outro, tensionem por bandeiras de luta que não são possíveis nos marcos do capital, mas que são necessárias para o povo sem terra e para a sociedade.

O Congresso também nos mostra que o trabalho de base deve ser permanente e precisa vincular-se com questões que realmente sejam pertinentes para o nosso Movimento, dia-logando com as realidades regionais e com a diversidade de reflexões políticas.

5. Entrevista com Kelli Mafort

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Como a Feira da Reforma Agrária e a Ciranda Infantil fazem parte dessa formação?

A Feira da Reforma Agrária foi uma prova da resistência do povo Sem Terra e mostrou como estamos avançando na produção como uma ferramenta de contraposição ao mo-delo do agronegócio.

A Feira ajuda nosso Movimento a enxergar o potencial político em torno dos alimentos e a enorme diversidade cultural envolvida nas relações sociais de produção. Incorpora a distribuição de sementes como um legado importante e reafirma o desafio de organizar a produção nos nossos Assentamentos.

A Ciranda Paulo Freire evidenciou nosso acúmulo político na Educação e a organicidade que fomos desenvolvendo para visibilizar o protagonismo da infância sem terra. Como desafio, precisamos ter essa como uma questão estratégica no trabalho com nossa base.

Qual o impacto que as lutas realizadas durante o Congresso tiveram? Nas lutas o elemento da radicalidade massiva foi o grande diferencial. Uma radicalidade

que retoma a própria origem do MST e dialoga com as lutas populares que historicamente tem ocorrido no país.

Uma radicalidade com direção política e como tática de um projeto estratégico transfor-mador. Temos que combater no âmbito da esquerda a negação da radicalidade como expressão da luta. Nossa tarefa é organizar as lutas e o caráter que elas podem e devem assumir.

Com nossas ações recolocamos a luta pela Reforma Agrária no Governo, no Judiciário e principalmente, na sociedade. O Ato Político e a Marcha deram visibilidade política sobre o caminho que o MST tem que trilhar.

A ocupação do MEC foi um espaço de formação das nossas crianças na luta, que tomaram a palavra para pautar a infância na luta por Reforma Agrária.

Mesmo com a cobertura da mídia criminalizando o movimento, através da velha tese do repasse dos recursos públicos para supostamente financiar o conflito, isso não pegou na sociedade e o que ficou mesmo foi a simbologia da luta e o posicionamento político do MST.

Qual foi a importância da reunião com a Dilma? A audiência com a presidenta não estava prevista e nem era nossa reivindicação principal

naquele momento. Em 2012 ficamos três meses em Brasília com o Acampamento Nacio-nal Hugo Chávez, exigindo a audiência, e não fomos atendidos. No Congresso, a pressão dos 15 mil pautou a presidente.

O resultado da audiência não se diferenciou muito do que tem sido o compasso de espera em relação à nossa pauta. Mais do que a audiência em si, o mais importante foi a simbo-logia do contexto em que ela se desenvolveu. E desse processo, reafirmamos a histórica lição: só se negocia com o povo na rua.

Como o MST vai dialogar com outros setores da esquerda após o Congresso? Temos uma tarefa de contribuir com a aglutinação do projeto de esquerda, superando

as diferenças. Isso não está restrito à vontade da Organização, mas tem relação com a referência na classe. Não temos o direito de recuar, pois tivemos a capacidade de nos posicionar.

Durante a preparação, e no Congresso em si, contamos com a presença de muitos aliados e muitas aliadas do MST, defensores da Reforma Agrária. Valorizamos todas essas contri-buições e entendemos que isso deve estar ligado a um projeto estratégico, mesmo com todas as dificuldades e fragmentações existentes.

Entre os aliados, também tivemos uma participação expressiva de parlamentares: 45 par-lamentares passaram pelo nosso Congresso, o que representa 10% do parlamento brasi-leiro.

Dialogamos na luta e no posicionamento político, com as criticas de governismo e es-querdismo, apontando para o fortalecimento de uma esquerda social. O MST tem respon-

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sabilidade de participar e construir a esquerda social e popular.E como o movimento vai encarar a luta pela terra neste próximo período? É necessário lutas massivas, com novas famílias, recriando as formas de luta e resignifican-

do as bandeiras de luta. O Congresso reforça nossos desafios históricos de continuar sendo um instrumento orga-

nizativo dos trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra na defesa intransigente da Reforma Agrária, vinculada a um projeto estratégico de mudança estrutural da sociedade.

O internacionalismo vivenciado no Congresso materializa que esse compromisso está para além das nossas fronteiras. Através do facão da nossa bandeira, reforçamos a impor-tância da solidariedade entre os povos em luta.

O MST reafirma seu compromisso com o legado das lutas de classes e suas lições extraí-das das vitórias e mesmo das derrotas, que nos ajudam a acertar o passo da grande mar-cha. Que a força do Congresso nos coloque em permanente Movimento!

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II- POSIÇÃO DAS ENTIDADES HISTÓRICAS QUE LUTAM POR REFORMA AGRÁRIA

1. Posição da CNBB

2. Posição de Ivo Poletto, fundador da CPT

3. Posição da ABRA

4. Jean Pierre Leroy - Fase

5. Os 30 anos do MST e a luta pela Reforma Agrária - Guilherme Delgado

6. Guillherme Delgado - Fase

7. Um fenômeno na democratização do Brasil - Cândido Grzybowski

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Discurso de Dom Guilherme, responsável pelas pastorais sociais da CNBB, no VI congresso nacional do MST, dia 13 de fevereiro de 2014.

1. A CNBB tem, desde sua criação, o princípio de se posicionar profeticamente e de forma firme e propositiva sobre temas pertinentes da realidade brasileira. A reflexão sobre a questão agrária segue este viés. Tem, reiteradas vezes, se manifestado sobre a problemática agrária considerando que a Igreja, com sua presença pastoral em todos os recantos de nosso país, procura estar atenta à realidade dos povos do campo e das florestas. Nestes mais de trinta anos, tempo da história do MST, sua palavra se fez solidária e, ao mesmo tempo, crítica, reafirmando os valores fundamentais contidos nas sagradas escrituras e no magistério eclesial.

2. Há mais de 30 anos, em 1980, a XVIII Assembleia Geral da CNBB aprovou o 1º documento da Igreja no Brasil sobre a questão agrária: “A Igreja e os Problemas da Terra”. Já bem antes, bispos individualmente publicavam cartas pastorais onde exigiam a reforma agrária. A difícil situação em que viviam os trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro interpelava a Igreja e exigia seu compromisso e sua palavra. Assim, aos 22 de junho de 1975 foi criada a Comissão Pastoral da Terra. Desta, nasceram diversos Movimentos Sociais relacionados com a questão agrária. Por meio da CPT, voz profética no Brasil, a justiça social na terra e o combate à violência no campo passaram a ser denunciados diante do Estado brasileiro e em órgãos internacionais. Foi ainda por meio da mesma CPT que o MST e outros Movimentos Camponeses encontraram o apoio necessário e solidário da Igreja, embora seja necessário registrar que sempre respeitando a independência e liberdade de ambas as partes, tanto nos métodos, ideologias ou princípios evangélicos e doutrinais.

3. De lá para cá a sociedade brasileira passou por muitas transformações. Foram importantes mudanças políticas, como o fim do regime da ditadura militar e o processo de redemocratização do País, que culminou com a promulgação da Constituição Federal, em 1988.

4. Na próxima Assembleia Geral da CNBB a ser realizada no mês de maio temos a firme intenção de aprovar um novo e atualizado documento oficial da CNBB: “Igreja e Questão Agrária no Início do Século XXI”. O documento é uma palavra dos Bispos para o Povo de Deus e a sociedade em geral, elaborada em comunidade de fé, tendo em vista profeticamente animar e anunciar, como também denunciar graves injustiças ainda vigentes sobre os “povos da terra, das água e das florestas”. A sempre prometida reforma agrária não foi prioridade de nenhum dos governos democráticos. Ter no Brasil um limite máximo da propriedade ainda é um sonho quase utópico e que somente acontecerá por lei de iniciativa popular.

5. Este 6º Congresso Nacional do MST que celebra seus 30 anos de criação e seus aliados é significativo e ocorre em um momento grave para a nossa nação. A propriedade da terra continua concentrada nas mãos de poucos; O novo Código Florestal está muito aquém do desejado pela Igreja e pequenos agricultores; nossa população está ingerindo veneno no lugar de alimentos e água. No ar respiramos agrotóxicos. Empresas transnacionais estão se apropriando da nossa biodiversidade e das sementes. Toda a cadeia produtiva está na mão de poucos grupos transnacionais a serviço do grande capital. A violência no campo tem aumentado e diante dessa o Estado é ágil em punir os pobres, criminalizar

1. Posição da CNBB

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os Movimentos Sociais e muito lento para punir os grandes proprietários e mesmo os mandantes de assassinatos de líderes camponeses, indígenas e quilombolas.

6. Nossos irmãos indígenas, quilombolas e das comunidades tradicionais passam por situação difícil, pois seus territórios não estão sendo reconhecidos e seguidamente tenta-se solapar as garantias constitucionais de posse destes territórios. Faz-se um jogo teatral ao demarcar as terras desses povos sem, no entanto, legitimar a posse para os mesmos. Tenta-se agora mudar a Constituição passando para o Congresso o poder de novas demarcações de terras, Congresso esse sob o domínio da Bancada Ruralista. Se por um lado houve alguns avanços na afirmação de direitos, de outro, sente-se que os conflitos aumentam. É uma realidade que preocupa a todos nós, Igrejas e Movimentos Sociais. Não é este o Brasil que queremos. Conforme a CNBB junto com a sociedade brasileira refletiu na 5ª Semana Social Brasileira, temos que reconstruir o Estado para que este esteja a serviço dos cidadãos e cidadãs e não do capital e de seus detentores.

7. O MST pautou a história do Brasil nos últimos trinta anos, pela resistência e teimosia e denunciar um modelo injusto e anunciar outra possibilidade de relação com a terra e relação entre os entes sociais. Temos a alegria de saber que muitos agentes leigos de pastoral, religiosas, religiosos, padres e bispos ajudaram a construir a história do MST e de outros Movimentos Sociais, movidos não por ideologias, mas pela fé e palavra do Evangelho e ainda hoje continuam sua militância. Esta trajetória não será esquecida. Ela está escrita na mente e nos corações daqueles e daquelas que fizeram parte deste movimento ou que com ele dialogaram. Mesmo que a história de viés elitista desconheça e rejeite, esta marca fica assentada na mente dos que sonham com um Brasil melhor para todos e todas.

8. Pedimos que os companheiros e companheiras do MST tenham a ousadia e coragem de continuar esta luta. E, neste caminho se abram em diálogo aos novos atores sociais, outros protagonistas que buscam um Brasil melhor. Tenham a humildade de reconhecer que também houveram erros metodológicos, o que em nada diminui as conquistas e o idealismo da luta. Aproximem-se dos aliados históricos na perspectiva de unirem forças no processo. O pensar diferente não é sinal de rompimento, mas a condição de exercitarmos a tolerância e o espírito democrático. Lutar pela justiça no campo implica em lutar pela democracia, e no dia a dia somos instados a mostrar esta convicção cidadã.

9. Manifestamos o apoio e solidariedade ao MST nestes trinta anos de história, embora em dados momentos não tenhamos assinado todos os métodos e posturas e agradeço pela contribuição dada a luta pela partilha e justiça social, princípio da fé cristã e do pleno exercício da cidadania. Em tudo o que for justo segundo os princípios do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, caminharemos juntos na construção de um Brasil democrático, livre e sem corrupção.

Dom Guilherme Antônio Werlang, MSF

Bispo Diocesano de Ipameri-GO

Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço, a Caridade e a Paz

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MST – 30 anoS de luTa por uM paíS juSTo e para TodoSIvo Poletto1

1. Quero começar agradecendo. Em primeiro lugar, pelo convite para esta mesa de comentadores, no início do VI Congresso. Em segundo, porque este convite foi oportunidade para retornar aos meus anos de juventude, os melhores anos da vida, segundo a sabedoria popular. Ainda estudante, senti grande simpatia pela ação da Juventude Agrária Católica, provavelmente por ter nascido numa família camponesa, dedicada a todo tipo de alimento, das frutas ao queijo, do milho ao vinho. Aprendi com aqueles jovens que era necessário lutar por justiça no campo, pela valorização do nobre trabalho da produção de alimentos, pelo direito de acesso à terra de todos que desejassem dedicar sua vida ao cultivo dela, pela libertação integral do povo brasileiro.

2. Mais tarde, depois de dedicar três anos à educação e pastoral popular em bairros de minha cidade de Caxias do Sul, no sul do país, fui atraído para viver e trabalhar como membro de uma equipe de formação de lideranças eclesiais e populares na diocese de Goiás, do bispo de todos nós, dom Tomás Balduino. Para conhecer a cultura e a religiosidade popular vivi e atuei quatro anos no município de Itapuranga, participando ao mesmo tempo da equipe em âmbito diocesano. Foi aí que tomei contato com a dura realidade dos sem-terra e lavradores superexplorados: os meeiros e os peões. E o trabalho de formação de lideranças de sindicatos e movimentos sociais nos levou a favorecer a organização do que se chamou Movimento dos Trabalhadores. Estávamos convencidos que eles tinham o direito de organizar-se autonomamente, tendo, no caso, o trabalho eclesial em seu apoio e assessoria.

3. Em meados dos anos 70, como fruto da busca coletiva de formas eficazes para enfrentar a dura perseguição da ditadura a todo tipo de pastoral e educação popular, nasce a Comissão Pastoral da Terra. Como seu primeiro Secretário Executivo e em todo o tempo que atuei nela como assessor, procurei manter como ponto essencial permanente de sua atuação o apoio às formas de organização dos diferentes tipos de camponeses existentes, bem como o estímulo a diferentes formas novas de organização, adequadas à realidade local e às necessidades concretas de luta por direitos.

4. Nada disso foi fácil nos últimos dez anos da longa ditadura, entre 1975 e 1985. Menos ainda foi fácil depois da ditadura, por força da capacidade de dominação das elites, que se expressou em figuras como José Sarnei, Color de Melo, Fernando Henrique Cardoso, em organizações como a UDR e a bancada ruralista no Congresso, e na própria subordinação dos governos Lula e Dilma aos interesses do agronegócio. Com diferentes justificativas ideológicas, sempre houve quem desejasse manter as iniciativas e as organizações dos camponeses sob tutela. Posso afirmar com alegria, contudo, que a CPT em que atuei sempre defendeu e fez o possível para apoiar a organização autônoma dos camponeses. Só assim eles poderiam defender-se dos que, à direita, à esquerda e ao centro, os queriam

2. Posição de Ivo Poletto, um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra e que acompanhou o MST desde o nascedouro

1 Filósofo e Educador, atualmente assessor do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social. Palestra durante o VI congresso nacional do MST

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como força dependente. Só assim eles poderiam dar sua contribuição original e livre ao processo político e cultural de transformação da sociedade brasileira.

5. Vale recordar que os anos de gestação do MST coincidem com os primeiros anos do PT e da CUT. Em outras palavras, estão nas origens do MST também as lutas dos camponeses para ter lugar e direito igual ao dos trabalhadores urbanos tanto no “novo sindicalismo”, em luta pela liberdade da tutela do Ministério do Trabalho, como para ter lugar e direito igual de ator político na construção do partido de massas que se anunciava como “dos trabalhadores”. Quem participou desse tempo da história, testemunha como nada disso foi fácil. Pelo contrário, muitos esqueceram ou preferiram negar a longa, persistente, sofrida e criativa contribuição camponesa na luta contra a ditadura e em favor de uma sociedade democrática e socialista. Que o digam os mártires do povo camponês e os mártires das igrejas e entidades que os apoiaram destemidamente! Como foi e como continua sendo difícil estas organizações assumirem de fato as bandeiras dos camponeses, mobilizando a sociedade por transformações na estrutura da propriedade da terra, via reforma agrária popular, e por políticas de produção de alimentos saudáveis para toda a população; ainda hoje, estas lutas aparecem como bandeiras exclusivas dos camponeses. Basta verificar o que aconteceu com a reforma agrária nos governos liderados por políticos eleitos pelo PT.

6. Quero destacar, então, a alegria que vivi com o nascimento do MST. Alegria esperançosa, com nada garantidamente definido, como quando nasce um filho ou filha da gente. Finalmente, nascia uma organização dos sem-terra para lutar pela terra. Mal visto, temido e até odiado, já ao nascer, pelos que percebiam nele uma ameaça à dominação de séculos da população do campo pelos coronéis, antigos e modernos, ou que percebiam nele o retorno das revoltas camponesas que desafiaram a violência genocida da colonização e a farsa da independência e da república implantadas no Brasil elitista, e que foram dizimadas pelo poder político, das armas, da ditadura. Ameaçado e negado pelas forças do atraso e da modernização conservadora, foi certamente a teimosia dos camponeses e o amor de muitos por eles que tornou possível sua existência até hoje. Que o digam as mulheres e homens sem-terra, os advogados, os educadores, os agentes pastorais, todos e todas que pagaram com sua vida a continuidade da luta pela terra dos povos indígenas, dos quilombolas, das comunidades tradicionais e de todos os sem-terra do Brasil!

7. Quero destacar, e mais uma vez com alegria e admiração, alguns processos políticos que contaram com a contribuição dos sem-terra, de modo especial através do MST:

- o princípio e a prática da luta direta pelo direito dos sem-terra à terra de trabalho: as ocupações, os acampamentos, os assentamentos – luta legítima e necessária, de modo especial porque os falsos representantes do povo no Congresso Constituinte de 1988 se negaram de incluir na Constituição Federal a proposta popular de reforma agrária, apresentada por 1 milhão e 500 mil cidadãos e cidadãs, e preferiram manter a propriedade privada e sem limites como princípio mais importante do que a própria vida do povo brasileiro;

- a localização das terras griladas, junto com a constante denúncia da grilagem, afirmando o direito dos povos sem-terra a elas;

- a afirmação de que a transformação do campo é de interesse de toda a sociedade, e que, para isso, os sem-terra participam de lutas gerais, como as organizadas contra a sangria da dívida externa e interna, contra a Alca, e lutas pelos direitos das populações urbanas, em especial as que se ligam com o monopólio da terra nas cidades;

- a luta prioritária pelo educação no campo, em todos os níveis, sinalizando que a transformação do país depende da educação verdadeira de seu povo;

- a busca inteligente de recuperação da vitalidade dos solos conquistados e a passagem de uma produção quantitativa de alimentos para a visão qualitativa da produção, assumindo e promovendo a agroecologia;

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- a luta pelo direito à semente como bem comum e como direito camponês, combatendo as sementes artificializadas, especialmente as transgênicas, por serem estratégia de exploração do trabalho agrícola e do próprio solo por parte dos grandes laboratórios e empresas agroindustriais que controlam o mercado mundial de agrotóxicos e de grãos;

- a incorporação da consciência de que, no período neoliberal do capitalismo, a luta contra a concentração da propriedade da terra e da agroindústria pelas grandes empresas capitalistas está diretamente ligada ao enfretamento do próprio sistema mundial capitalista, hegemonizado pelo capital financeiro, já que ele objetiva a incorporação de tudo, inclusive os bens comuns, aos processos de reprodução, centralização e concentração do capital.

8. Quero concluir indicando, despretensiosamente, algumas dimensões que o MST dos próximos 30 anos poderia assumir ou destacar:

- incorporar com maior profundidade e firmeza na luta pela reforma agrária popular a afirmação de que a grande propriedade e a grande empresa de agronegócio com monoculturas é uma ameaça para a vida da Terra e na Terra, seja pela negação de lugar de trabalho para muitas famílias e comunidades, e especialmente porque, com o uso de sementes artificiais e adubos nitrogenados quimicamente para provocar sua germinação, esse tipo de produção gera e emite para a atmosfera quantidade crescente de óxido nitroso, o gás que mais guarda calor e aumenta o aquecimento global;

- afirmar com maior insistência que só há um tipo de cultivo da terra que evita a emissão de gases de efeito estufa e, pelo contrário, absorve este gás da atmosfera, ajudando a Terra a recuperar seu equilíbrio: a pequena unidade de produção agroecológica, que é também o único caminho para produzir alimentos verdadeiramente saudáveis;

- afirmar com toda a segurança que o sistema mundial de commodities de alimentos, assentado sobre o agronegócio e a especulação de preços, leva ao desequilíbrio da disponibilidade de água, contamina tudo, e já é responsável pelo aumento e agravamento da fome no mundo, e deve ser responsabilizado judicialmente pelas morte de milhões de pessoas, especialmente crianças e idosos, pela fome;

- assumir a crise ambiental, com aquecimento constante provocado pela emissão cada dia maior de gases de efeito estufa e com mudanças climáticas, como um dos argumentos críticos ao capitalismo neoliberal globalizado, já que ele criou, mantém, reproduz e amplia a apropriação privada e a exploração da natureza para manter e expandir um mercado assentado sobre o desperdício, uma vez que se afasta cada dia mais das reais necessidades da humanidade e produz em função do aumento de lucros já terrivelmente concentrados;

- assumir com firmeza a necessidade de mobilização da sociedade como agente de democratização real da sociedade, mantendo os movimentos sociais autônomos em relação aos governos e demais instituições estatais e buscando com criatividade formas capazes de fazer que o povo, como multidão, possa expressar-se e exigir, com sua pressão de massa, que tudo, inclusive a economia, seja decidido com sua participação;

- lutar pela terra, hoje, é mais do que conquistar reforma agrária; é lutar para que ela seja um lugar e um bem comum, espaço e fonte de vida de e para todos os seres da sociobiodiversidade; é a luta em favor do reconhecimento da Terra como ser vivo, como Pacha Mama, superando a visão moderna de que ela seria uma fonte inesgotável de recursos para o uso e abuso dos seres humanos; é a luta pela superação do antropocentrismo, relacionando de forma adequada os direitos da Terra e os direitos de todas as pessoas, das comunidades e dos povos.

Muito obrigado!

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Reforma agrária assume dimensão estratégica no século XXI.

Entrevista especial com Gerson Teixeira

“Nos dias atuais, qualquer avaliação isenta e atenta da realidade brasileira, pautada pelos maiores interesses do país, conclui pela relevância ainda mais

superlativa da reforma agrária”, pontua o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.

Os avanços no acesso à terra, proporcionados pelas políticas públicas dos governos FHC e Lula, não afetaram a “estrutura da posse da terra” no Brasil. Pelo contrário, a aquisição de “terras públicas” pelo agronegócio “passou a ameaçar, inclusive, áreas institucionalmente protegidas, como unidades de conservação, áreas indígenas e quilombolas”, assinala Gerson Teixeira em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail. Ele informa que a concentração fundiária poderá ser ampliada por conta da Medida Provisória nº 636, a qual liberaliza “a aquisição em definitivo dos títulos de domínio dos lotes dos beneficiários do programa de reforma agrária nas condições dadas de carências materiais de toda ordem nos assentamentos”. E acrescenta: “O fato é que condições concretas e subjetivas nas quais se darão a medida tornam viável a transferência de milhões de hectares de terras que estão sob controle dos assentados”.

Para Teixeira, diferente do que ocorreu no final do século passado, quando a reforma agrária se impunha pelas “dimensões relacionadas à superação das inomináveis anomalias sociais, políticas e econômicas decorrentes da extrema concentração da posse da terra”, hoje ela se impõe como estratégia para garantir a soberania nacional. “No período recente, por impulsos produtivos ou especulativos do capital internacional, tem aumentado o controle externo da terra no Brasil e em outros países do Sul. O controle da terra pelo capital externo é a via da apropriação das nossas imensas riquezas naturais do subsolo, do solo, e agora do ar, com os mercados intangíveis (tipo carbono), definidos pela Lei de Mudanças Climáticas e pelo Novo Código Florestal”, esclarece.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Na sua avaliação, houve algum progresso na política agrária brasileira nas últimas décadas?

Gerson Teixeira - Houve o avanço no acesso de camponeses às terras públicas por meio das políticas de assentamentos, notadamente, nos governos FHC e Lula. Contudo, além de não ter afetado a estrutura da posse da terra, o agronegócio também avançou na apropriação de terras públicas, e nos anos recentes passou a ameaçar, inclusive, áreas institucionalmente protegidas, como unidades de conservação, áreas indígenas e quilombolas.

Na resultante, tem-se a manutenção da extrema concentração da terra no Brasil, que poderá ser ampliada ainda mais a depender das repercussões práticas dos dispositivos da Medida Provisória nº 636, de dezembro de 2013, que liberalizaram a aquisição em definitivo dos títulos de domínio dos lotes dos beneficiários do programa de reforma agrária nas condições dadas de carências materiais de toda ordem nos assentamentos. Ainda que obviamente não seja este o propósito do governo, que aposta em consequências socioeconômicas virtuosas para um assentado exercendo na plenitude a propriedade da terra, o fato é que

3. Posição da ABRA - Associação Brasileira de Reforma Agrária

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condições concretas e subjetivas nas quais se darão a medida tornam viável a transferência de milhões de hectares de terras que estão sob o controle dos assentados.

Também houve a inclusão dos agricultores familiares nas políticas agrícolas, mas sem as devidas diferenciações no fomento produtivo, com vistas a preservar as condições clássicas da produção camponesa, e assim incentivar padrão de consumo diverso do padrão fordista derivado do modelo agrícola produtivista. Considero como as principais conquistas nesse campo, o Programa de Aquisição de Alimentos e as compras da agricultura familiar para a merenda escolar. Esses dois programas precisam ser fortalecidos e ampliados, pois são fundamentais para o processo de resistência dos camponeses no ambiente de mercado. Inclusive, a depender do alcance desses programas, poderíamos alcançar um objetivo absolutamente fundamental para agricultura familiar e camponesa, que é “desbancarização” do crédito que poderia ocorrer via autofinanciamento como decorrência dos efeitos dos programas em consideração.

“A ampliação da participação dos camponeses na ocupação do território rural do Brasil passou a ser fundamental para a soberania nacional”

IHU On-Line - Qual é a necessidade de reforma agrária hoje? Gerson Teixeira - Até quase o final do século XX, a reforma agrária se impunha no Brasil

pelas suas dimensões clássicas relacionadas à superação das inomináveis anomalias sociais, políticas e econômicas decorrentes da extrema concentração da posse da terra com as suas repercussões no processo de desenvolvimento brasileiro.

A sociedade continua pagando o ônus da continuidade dessas anomalias em pleno século XXI, agora agravadas pelos desdobramentos da hegemonia do chamado agronegócio.

Nos dias atuais, qualquer avaliação isenta e atenta da realidade brasileira, pautada pelos maiores interesses do país, conclui pela relevância ainda mais superlativa da reforma agrária em nosso país.

Aos valores históricos clássicos, em si, já condicionantes do processo de desenvolvimento brasileiro em todas as suas dimensões, agregam-se novos e irrefutáveis atributos estratégicos para a reforma agrária.

A ampliação da participação dos camponeses na ocupação do território rural do Brasil passou a ser fundamental para a soberania nacional. No período recente, por impulsos produtivos ou especulativos do capital internacional, tem aumentado o controle externo da terra no Brasil e em outros países do Sul. O controle da terra pelo capital externo é a via da apropriação das nossas imensas riquezas naturais do subsolo, do solo, e agora do ar, com os mercados intangíveis (tipo carbono), definidos pela Lei de Mudanças Climáticas e pelo Novo Código Florestal.

Além desse argumento, somente com a ampliação das áreas camponesas teremos possibilidade de evitar a destruição absoluta da biodiversidade, a principal vítima do modelo agrícola dominante baseado na homogeneidade e escala, o que projeta ameaças à segurança alimentar. Não obstante, também está dado, como reconhecem altas autoridades da ONU, que a evolução do processo de aquecimento global deverá resultar em profunda crise alimentar em escala global caso mantido o atual padrão de agricultura. Não há dúvidas sobre a maior capacidade de resiliência da agricultura camponesa às adversidades desse processo, o que requer políticas para a vasta ampliação da base produtiva camponesa. Ou seja, a reforma agrária passa a assumir essa dimensão absolutamente estratégica no presente século.

“Por 80 bilhões de dólares aceitamos que dois produtos nobres do agronegócio respondam por 88% da nossa safra de grãos”

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IHU On-Line - Como a afinidade entre MST e PT influencia a luta pela terra? Gerson Teixeira - No caso específico dessa relação, o MST se encontra basicamente isolado.

Estou convencido de que a maior parte da militância e das lideranças petistas mantém vivos os compromissos programáticos históricos do PT pela reforma agrária. Contudo, a tradução desses compromissos em ações práticas mais arrojadas pela reforma agrária tem sido sobrestada pelas circunstâncias de um governo do PT partilhado ‘além da conta’ por forças muito conservadoras.

Além disso, contraditória e compreensivelmente, o próprio MST teve que reposicionar o nível das lutas sociais pela terra que vinha em um crescente até 2002 para evitar confronto maior com um governo controlado por um aliado histórico, porém pouco diligente na matéria por temor de danos à governabilidade.

Acho, inclusive, que a experiência da difícil sobrevivência nesse ambiente de tensão política já por mais de dez anos refletirá fortemente nos debates e resultados do VI Congresso do MST, que ocorrerá a partir do dia 10 de fevereiro. E não se trata apenas de um reposicionamento na intensidade das lutas de massa, mas, sobretudo, de mudanças conceituais que serão decisivas para o futuro do MST e da luta pela própria reforma agrária em nosso país. Luta essa que por certo conta com outros atores sociais importantes, todavia, no período histórico recente, sem o peso da atuação do MST.

Afinal, precisamos decantar bem e refletir mais ainda sobre os desdobramentos políticos práticos daquilo que o Movimento vem pregando e que será objeto do Congresso, que é a chamada reforma agrária popular.

Não tenho acúmulo nesse debate do Movimento, portanto, não teria condições de opinar a respeito. Mas entendo que somente teremos êxito no objetivo estratégico (para o país) de enfraquecer o agronegócio, com a ampliação do controle da terra pelos camponeses, combinada com formação e organização desse segmento social. Sublinho tanto a terra como a formação e a organização política, pois só assim haverá condições de lutas, por exemplo, por outra matriz tecnológica na agricultura; conquista essencial para a população brasileira e fatal para os interesses dos capitais que controlam o agronegócio. Camponês com terra, mas sem algum nível de formação e desorganizado, é agricultor familiar do agronegócio (agronegocinho).

A estratégia em consideração exige capacidades pensantes e de mobilização para a luta, o que o MST tem de sobra. Resta discutir se cuidados em excesso na luta pela terra para a preservação de uma boa sincronia com o governo não acabam, inclusive, prejudicando o próprio governo, por limitar o salto, para um plano estruturante, dos avanços sociais inaugurados desde 2003.

IHU On-Line - Como a participação do agronegócio na balança comercial brasileira impacta a luta pela terra?

Gerson Teixeira - Em que pese as manipulações nesse cálculo, a balança comercial do agronegócio, turbinada pelo boom dos preços das commodities agrícolas desde meados da década anterior, tem sido a “joia da coroa” dos discursos oportunistas dos ruralistas. Junto com as receitas cambiais do mineronegócio, temos a equação que sustenta a opção questionável de uma economia primário-exportadora. Por 80 bilhões de dólares ficamos reféns políticos de um segmento que envenena os brasileiros, destrói o meio ambiente, viola direitos; que retira do país as enormes vantagens econômicas de se tornar território livre dos transgênicos. Por 80 bilhões de dólares aceitamos que dois produtos nobres do agronegócio respondam por 88% da nossa safra de grãos. Por via de consequência aceitamos as pressões inflacionárias, fruto das elevadas vulnerabilidades da oferta interna de alimentos que integram a dieta básica da nossa população. Enfim, por 80 bilhões de dólares mantemos o Brasil entre os líderes da concentração da terra em todo o mundo. Conseguiremos ser desenvolvidos nesses termos?

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IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algo?

Gerson Teixeira - Sim, gostaria de desejar muito êxito ao VI Congresso do MST, e que a partir de então as lutas pela chamada reforma agrária popular tomem o rumo e a intensidade adequados numa relação de parceria com o governo, ainda que mais tensa, contudo construtiva para o bem do próprio governo e do país. Afinal, se os ruralistas, que “têm tudo e mais alguma coisa”, ainda assim encurralam o governo o tempo todo na defesa da ampliação dos seus ganhos seccionais, chegando mesmo a constranger publicamente ministros na Câmara dos Deputados, por que os trabalhadores não animariam a relação com o governo com um upgrade nas lutas em defesa de interesses que, no fim das contas, são de toda a nação?

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Os caminhos percorridos e o futuro do MST

Companheiras e companheiros do MST,

Na impossibilidade de estar presente no VI Congresso nacional do MST, quero parabenizar o Movimento pelos seus 30 anos de lutas e de vitórias.

A conjuntura atual, em que o domínio do grande capital produtivo e financeiro subjuga até os governos progressistas, colocando em cheque no curto prazo a possibilidade de mudanças reais em direção a maior igualdade e democracia e à construção de um país e de uma sustentáveis, a realização do Congresso lembra para todos nós quanto caminho foi percorrido graças ao MST e quanto ele nos diz sobre o futuro.

O MST soube ao longo do tempo enfrentar o latifúndio e se colocar na vanguarda de um projeto de redefinição do rural no Brasil e da agricultura, projeto que buscou implantar com todas as forças possíveis. Frente à crise climática mundial, à erosão da biodiversidade, a começar pelas sementes e matrizes animais, à falta de águas e de água de qualidade, ao empobrecimento e à destruição dos solos, à desertificação ambiental e humana do meio rural, frutos da concentração fundiária e do modelo agroexportador, o MST propôe à sociedade brasileira e mundial a agricultura do futuro, ancorada na agroecologia, acompanhada da desconcentrenção urbana e da mudança do paradigmo desenvolvimentista neoextrativismo, com a revitalização das economias locais e retgionais. Ele mostra na prática que outra economia que a economia do mercado capitalista é possível.

O MST sabe que o desafio é imenso, mas sabe também mobilizar ao redor desse Projeto outros setores do campesinato, povos tradicionais e povos indígenas para além do Brasil. A presença do MST no mundo é motivo de orgulho e de ânimo para nós.

Enfim, num tempo em que boa parte da esquerda parece que renunciou à educação popular, à busca das profundas transformações que necessitamos e ao desenho das necessárias utopias que motivem a humanidade na sua marcha para um mundo mais justo e fraterno, O MST continua envolvendo a juventude na ação e na formação. Eu quero saudar o enorme esforço que a construção de um Projeto de vida para o campesinato hoje e de um Projeto de sociedade par todas e todos amanhã, na ausência de Projetos pre-existentes e com desafios absolutamente novos, significa de coragem, de generosidade, de humildade e de criatividade.

Companheiras e companheiros, quero ser mais um ao seu lado na sua marcha.

Viva o campesinato do mundo e do Brasil

Viva os Sem terra!

Viva o MST.!

Jean Pierre Leroy

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2014

4. Mensagem de Jean Pierre Leroy, da Fase

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O Que Significa a Economia política do Agronegócio no Brasil Atual (Anos 2000)

1 – Introdução

Duas situações recentes no âmbito do legislativo – a tramitação da revisão do Código Florestal e a votação da PEC 215/2000 (transfere ao Congresso as funções de identificação-demarcação das terras indígenas), seriam ininteligíveis numa democracia de massas, sem a devida compreensão sobre os arranjos de economia política que conformam atualmente o poder político no Brasil, praticamente desde a estruturação de virtual pacto de economia política no início dos anos 2000. Nos dois casos citados, a denominada bancada ruralista (Frente Parlamentar da Agropecuária) dominou e impôs seu texto, à revelia parcial do Executivo. No caso da terra indígena, embora assunto ainda em aberto, a Ministra Gleise Hoffman da Casa Civil, já se apressou em prometer aos ruralistas a retirada da FUNAI do processo de demarcação e sua remessa ao Ministério da Agricultura e Pecuária, tradicionalmente vinculado aos ruralistas. Não obstante evidências óbvias de que a posse, propriedade e uso da terra (recursos naturais) e sua concentração são hoje uma estratégia essencial ao estilo de acumulação de capital, que se reforçou no Brasil na última década, os arautos dessa economia (do agronegócio), com complacência dos desinformados, negam a situação real, para justificar interesses. Neste texto vou propor uma leitura da economia do agronegócio como pacto de poder, com estratégia fundamental de captura da renda da terra, à revelia dos interesses mais gerais do País que ai não cabem. Esse pacto de poder, contudo, é uma construção hegemônica moderna e não uma dominação clássica ao estilo ‘latifúndio improdutivo’. Apresenta simultaneamente um caráter de economia política, no sentido das alianças de classe social para captura do excedente econômico; política econômica explícita de Estado (ver a generosidade dos Planos de Safra há mais de uma década); e projeto de hegemonia ideológica.

2 – Reestruturação da Economia do Agronegócio nos anos 2000

Aquilo que se reestrutura, reafirma uma estrutura anterior em processo de adaptação às novas condições situacionais. Isto é precisamente o que ocorreu com a economia do agronegócio - um sistema de relações de produção das cadeias agroindustriais com a agricultura, alavancado pelo sistema de crédito público e pela renda fundiária (mercado de terras).Colocado de forma como realmente o é estruturalmente, e não da maneira superficial – (agronegócio é empiricamente definido como soma dos negócios no e com o agro), a economia do agronegócio requer ação concertada do Estado, sem o que essa estrutura não existiria, na acepção de estratégia de economia política. Neste sentido, a construção histórica da atual economia do agronegócio vem lá da época dos militares, aliados aos tecnocratas da “modernização conservadora”, que esculpiram a partir de 1964, particularmente desde 1967, um Sistema Nacional de Crédito Rural e um mercado de terras completamente desregulado do Estatuto da Terra (Lei 4504/dez de 1964) e do Código Florestal (Lei n. 4771/ de set de1965). (1) Em contrapartida, forja-se a acumulação de capital no âmbito desses setores amalgamados pelo dinheiro público - complexos agroindustriais-agricultura, sistema de crédito e mercado de terras, como novo estilo de capitalismo agrário, à margem da função social e ambiental da propriedade fundiária, conceito criado pelo Estatuto da Terra e complemento ignorado pela política agrícola do período.”Observe-se que a ‘modernização conservadora” dos militares ocupou a cena “manu-militari”, e exerceu esse projeto impondo pela força bruta suas estratégias de poder. Reservou aos grupos sociais não atendidos – os

5. Posição de Guilherme Delgado, professor e membro da Comissão de Justiça e Paz

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vários campesinatos excluídos e expelidos da terra e os trabalhadores assalariados, a violência das armas das forças de terra - policiais e militares.O fim do regime militar, sucedido por período de transição, que reorganiza o Estado e suas ações políticas depois da Constituinte, dá vez às novas demandas sociais (Ordem Social). Afetaria este projeto, desorganizando-, de certa forma.Por outra via, a emergência de uma orientação neoliberal nas relações internacionais também iria afetar a modernização conservadora da agricultura, sem, contudo abrir espaço político para uma reforma profunda da estrutura agrária. De maneira muito sintética, podemos caracterizar esse período dos meados dos anos 80 ao final dos anos 90, como período de transição entre duas grandes alianças do poder agrário com o Estado: 1) 1965-85 (Modernização Conservadora) e 2) “Economia do Agronegócio” (anos 2000). Nossa análise neste texto concentra-se neste segundo período.

2.1 – Reestruturação como Hegemonia Política voltada à ‘Reprimarização’ do Comércio Externo

No final dos anos 90, passada a inviável experiência do primeiro governo FHC - de acumulação de déficits externos crescentes e contínuos, o Brasil vira “bola da vez” da especulação financeira internacional em 1999 - (crise cambial), o que forçaria o segundo Governo FHC a reorganizar sua política econômica externa, tendo em vista gerar saldos comerciais de divisas a qualquer custo. Aqui começa a reestruturação econômica da economia do agronegócio, diretamente vinculada à expansão mundial das “commodities”. Em pouco mais de uma década, 1999-2012 o País quintuplica em dólares suas exportações – passando de 50,0 bilhões a 250,00 bilhões. Nesse “boom” exportador, os produtos primários – “básicos” e “semi-elaborados”, ganham posição protagônica, enquanto as manufaturas vão saindo das “exportações” e ingressando paulatinamente nas “importações”- (entre os anos 1995/99 e 2008/10 os produtos ‘primários’ pulam de 44,0% para 54.3 % da pauta exportadora, enquanto os ‘manufaturados decrescem proporcionalmente). O processo de reestruturação econômica é conhecido, não necessitando maiores detalhes. Menos conhecido é o papel do Estado pelo lado do Sistema Nacional de Crédito Rural (fortemente expansivo) e pela política fundiária (completamente desregulada), que darão pela via estatal o beneplácito à acumulação e à especulação fundiária. (2)É importante constatar as similitudes e diferenças da articulação econômica das cadeias agroindustriais, sistema de crédito público, e propriedade fundiária ora sob análise, comparativamente ao arranjo econômico da época dos militares no poder. Nos dois processos persegue-se lucro e renda fundiária propiciados pelas “vantagens comparativas naturais”, que se tornam atrativos explorar. Mas o arranjo político atual é diferente do anterior.A economia do agronegócio vai além da estratégia econômica, para construir ideologicamente uma hegemonia pelo alto – da grande propriedade fundiária, das cadeias agroindustriais muito ligadas ao setor externo, e das burocracias de Estado (ligadas ao dinheiro e à terra), tendo em vista realizar um peculiar projeto de acumulação de capital pelo setor primário. Essa estratégia tem agora certa centralidade no sistema econômico, diferentemente da subsidiariedade à industrialização, como fora no passado.A esse projeto, fortemente assentado na captura e super exploração das vantagens comparativas naturais ou de sua outra face da moeda - a renda fundiária, organizam-se vários aparatos ideológicos e de Estado, ausentes na “modernização conservadora”:

• Uma bancada ruralista ativa, com ousadia para construir leis casuísticas e desconstruir regras constitucionais;

• Uma Associação de Agrobusiness, ativa para mover os aparatos de propaganda para ideologizar o agronegócio na percepção popular;

• Um grupo de mídias – imprensa, rádio e TV nacionais e locais, sistematicamente identificado com formação ideológicas explícita do agronegócio;

• Uma burocracia (SNCR) ativa na expansão do crédito público (produtivo e comercial), acrescido de uma ação específica para expandir e centralizar capitais às cadeias do

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agronegócio (BNDES);

• Uma operação passiva das instituições vinculadas á regulação fundiária (INCRA, IBAMA E FUNAI), desautorizadas a aplicar os princípios constitucionais da função social da propriedade e de demarcação e identificação e da terra indígena;

• Uma forte cooptação de círculos acadêmicos impregnados pelo pensamento empirista e completamente avesso ao pensamento crítico.

3 – Limites e Implicações ao Desenvolvimento do Pacto de Poder pelo Setor Primário

Se analisarmos com a devida atenção o desempenho recente (anos 2000) da economia brasileira, identificaremos uma característica peculiar. Os setores e atividades que se expandem com maior velocidade, puxados pela demanda externa e pelos investimentos públicos - a economia do agronegócio, a mineração, a exploração petroleira e a hidroeletricidade, apresentam a dotação (monopólio) de recursos naturais como causa primeira da mais elevada competitividade externa das “commodities”, produzidas ou produzíveis por esses setores e atividades. Mesmo nesses “setores” dependentes dos monopólios naturais há diferenças qualitativas naquilo que é o motor causal da expansão econômica - a produtividade do trabalho. Mas aqui, há uma controvérsia importante sobre o vetor que a impele: o progresso técnico ou a vantagem comparativa natural. No caso específico do petróleo, “commoditie” cujo preço externo vai de quinze a 100,00 dólares/barril - do início ao final da década, é, sobretudo o progresso técnico (tecnologia da exploração em águas profundas), com fortes conexões com demandas interindustriais (mecânica, eletrônica, química, etc), o fator de desenvolvimento que propicia a extração do petróleo, e portanto a captura das vantagens internacionais de País detentor de reservas naturais. Por outro lado, para o gênero das “commodities” agropecuárias e minerais, em forte expansão no período recente – soja, milho, carnes, açúcar-álcool, celulose de madeira, café, minério de ferro, bauxita-alumínio, etc., o fator causal da expansão é a dotação natural de recursos, extensiva e intensivamente explorados conforme padrão de uma tecnologia pré-existente, largamente disseminada à escala internacional, há décadas. Em tais condições, a expansão econômica das “commodities” puxada pelo setor externo, que por sua vez conduz à especialização primário-exportadora, gera um processo vicioso de crescimento econômico. Isto porque tal forma de inserção especializada no comércio externo, associada ao binômio vantagens comparativas naturais – renda fundiária e apenas secundariamente ao progresso técnico (industrial), limita fortemente o desenvolvimento econômico e social de um País industrializado, com mais de 80% de população urbana. Acresce observar que esse estilo da expansão reforça a concentração fundiária, visto ser a captura da renda fundiária um dos seus motores. Ademais, expelido a progresso técnico à condição lateral da expansão econômica, praticamente o sistema industrial e de serviços ficam marginalizadas do comércio externo (“locus” de aferição da produtividade), tornando-se fortemente deficitários, com é o caso atual.Observe-se que é a especialização na “produtividade” dos recursos naturais e não o seu aproveitamento racional o fator de atraso, que ora estamos apontando. Isto fica ainda mais grave quando a essa especialização corresponde no mesmo período histórico um processo visível do enfraquecimento do setor industrial, cujos investimentos declinam ano a ano, provocando perda de produtividade do trabalho no conjunto do sistema econômico.

3.1 – Consequências Sociais e Ambientais

A especialização primário-exportadora, da forma como vem sendo construída, interna e externamente, requer super exploração de recursos naturais, extensiva e intensiva, como resposta aos requerimentos crescentes de solvência das transações externas. Estas, de longa data, geradoras do déficit nos “Serviços” - (juros, lucros e dividendos, turismo, transporte, etc), ora superdimensionados, agravam-se pelo emergente déficit comercial das manufaturas.Em tais condições o setor primário fica escalado para superexplorar recursos naturais com

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exportação de “commodities”. Provoca evidentemente consequências ambientais, que são custos sociais não internalizados na conta do empreendedor, mas completamente detectáveis na conta da sociedade – desmatamentos e queimadas por um lado, com inegáveis contribuições ao efeito estufa; e intensificação do pacote técnico agroquímico, expandido fortemente, à taxa de 15% a.a. na utilização de agrotóxicos. As contaminações de solos, água superficiais e subterrâneos, alimentos e principalmente pessoas são um caldo de cultura desse estilo de agricultura de monocultivos. O agravante no caso é a relativa desarticulação dos órgãos públicos de prevenção e fiscalização (ANVISA), que não escapam ao crivo de controle político do agronegócio.Por sua vez, as relações agrárias e trabalhistas criadas e recriadas por esse estilo de expansão, promovem forte concentração da produção e da propriedade e baixa densidade de incorporação do trabalho humano. Recente artigo publicado pela “Revista de Política Agrícola”, do Ministério da Agricultura – “Lucratividade na Agricultura” (3), informa, com certa jactância, que segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, cerca de 27,0 mil grandes estabelecimentos, dos 4,4 milhões existentes, são responsáveis por 51% do Valor de Produção Bruta daquele ano. O mesmo Censo Agropecuário de 2006 revela duas outras informações muito preocupantes: 1) não melhorou a concentração da propriedade fundiária no período intercensitário 1996/2006, cujo Índice de GINI é respectivamente de 0,856 e 0,854,;2) cai o “Pessoal Ocupado” na agropecuária (–) 8,9% não obstante crescimento de 83,5% das “Áreas de Lavouras” (mais 41,8 milhões de Há no período.).

4 – Crise do Projeto e as Articulações Contra Hegemônicas

Diferentemente de “Modernização Conservadora” dos militares, suportada pelo crescimento industrial e pelas Armas da República, a economia do agronegócio se estruturou ao abrigo da inserção primário exportadora de uma economia mundial em ciclo de forte expansão do comércio internacional de “commodities”. Mas forjou-se internamente como bloco hegemônico, manipulando com grande competência a arma ideológica do consenso político. Atravessa já quatro mandatos presidenciais – FHC II, Lula I, Lula II e Dilma, com completa aderência do Poder Executivo Federal a essa estratégia de acumulação de capital, cuja pretensão é de autolegitimar-se, submetendo toda política agrária, ambiental e externa ao seu estilo. E isto vem sendo feito de maneira tácita ou ostensiva há mais de uma década, sem que tenhamos atentado para os ingredientes perversos desse projeto, que aparentemente somente se discutem nas crises.O primeiro sinal visível de crise desse projeto é precisamente a seiva que o alimentou - o “boom” das “commodities” agropecuárias e minerais a serviço do equilíbrio externo. Mas no último triênio cresceram as evidências de declínio dos preços das “commodities”, agravado pela deterioração crescente do déficit em Conta Corrente (seis anos de déficit crescente).Um segundo sinal visível de crise do Projeto Hegemônico, malgrado sua invisibilidade nos espaços públicos, é certa articulação de vários setores excluídos ou expelidos desse pacto de poder. Movimentos campesinos, a exemplo da “Articulação dos Povos da Terra, das Águas e das Florestas”, povos indígenas, grupos quilombolas, assentados de reforma a agrária e agricultores familiares em geral, tentam se articular, numa perspectiva contra hegemônica.De outra parte, iniciativas, tipicamente urbanas como a “Campanha contra os Agrotóxicos”, fustiga, pelo lado de saúde pública, com denúncias sobre as implicações epidemiológicas do agronegócio.Por sua vez, do lado das políticas públicas há claramente redutos de proteção da contra hegemonia no campo – a educação popular, a saúde pública, o meio ambiente, a previdência social, segurança alimentar etc, e uma política de governo – O Programa de Aquisição de Alimentos de Agricultura Familiar. Mas tais campos da ação do Estado não são articulados para estabelecer limites à estratégia do agronegócio, mas o contrário. Falta um projeto estratégico de desenvolvimento da agricultura familiar, com autonomia relativamente à economia do agronegócio.Dependendo da evolução da crise externa, o(s) projeto(s) de desenvolvimento contra hegemônicos tornar-se-iam viáveis ou não, a depender da

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mobilização social e das respostas políticas do governo. Até o presente temos tido respostas no sentido negativo, qual seja o de aprofundar o pacto do agronegócio.

NOTAS

(1) – Para uma análise histórica da modernização técnica do período militar ver – Delgado, Guilherme C. –”Capital Financeiro e Agricultura no Brasil (1965-1985) – São Paulo – ÍCONE-UNICAMP – 1985 (cap. 1-3)(2) Para uma análise da reestruturação da economia do agronegócio nos anos 2000 - ver Delgado, Guilherme C. “Do ‘Capital Financeiro na Agricultura’ à Economia do Agronegócio – Mudanças Cíclicas em Meio Século (1965-2012) – Porto Alegre – Ed. UFRGS – 2012 (Cap. 5)

(3) Alves, Eliseu et alli – “Lucratividade na Agricultura” – in Revista de Política Agrícola – Ano XXI, n. 2 – Abril/Maio/junho de 2012, pag. 45-63

Correio da Cidadania, 10 de fevereiro de 2014

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Nesta semana de 10 a 15 de fevereiro o MST celebra os seus 30 anos de fundação, por ocasião do VI Congresso que realiza em Brasília. O momento é propício para uma reflexão em perspectiva sobre dois temas conexos – questão agrária e reforma agrária, ambos relacionados à estrutura de propriedade, posse e uso da terra. O próprio surgimento do MST no final do regime militar (1984) e primórdios da construção do Estado democrático (1988) é sinal do retorno da Questão Agrária, declarada ainda no início do ano 60 do século passado, sistematicamente negada pela ditadura militar mediante apelo explícito às armas, por um lado, e ao projeto econômico de “modernização conservadora” da agricultura, por outro. A questão agrária, politicamente concebida, contém uma proposta de mudança da estrutura agrária, construindo um novo regime de direitos agrários que a Constituição de 1988 adota: 1) princípio da função social e ambiental legitimando o direito de propriedade e toda a política agrária (Art. l84-186); 2); 2) designação do estatuto das terras indígenas (Art. 231); 3) normas de preservação ambiental e de designação das terras de reserva florestal (art. 225). Além dessas designações, remanesce um imenso patrimônio de terras publicas devolutas, relativamente descontroladas, correspondente a mais de 1/3 do território nacional (Cf. IBGE - Censo Agropecuário de 2006). Decorridos 25 anos da promulgação Constituição de 1988 e 30 anos da fundação do MST, o cerne do regime fundiário da Constituição de l988, qual seja a mudança da estrutura agrária, que é também o principal fundamento da reforma agrária, continua sistematicamente negado, agora não mais pelo regime militar, mas pelas forças políticas hegemônicas que construíram nos anos 2000 a nova “modernização conservadora”, autodenominada de economia do agronegócio. É bem verdade que, sob a égide da Constituição de 1988 e ainda sob pressão constante do movimento social, particularmente do MST, houve uma ação importante de distribuição de terras no nível do governo federal – o Programa de Assentamento de Trabalhadores Rurais, formalmente responsável pelo assentamento de cerca de 1 milhão de famílias em áreas para este fim destinadas, oriundas em sua grande maioria de terras devolutas públicas. Isto evidentemente é uma realidade importante, a ser aprofundada; mas que não toca ainda ao cerne da reforma agrária – uma mudança de toda a estrutura agrária nacional (direitos de propriedade, posse e uso da terra), coadjuvada pela ação de redistribuição fundiária, incidente sobre a propriedade fundiária que descumpre a função social e ambiental. A questão agrária em aberto no século XXI é bem mais complexa que aquela que o MST enfrentou nos seus primórdios. Àquela época, o sistema agrário dominante, em crise econômica e política (fim do regime militar), resistia às mudanças ao velho estilo (do apelo às armas privadas ou estatais). Hoje, sob a égide do pacto de poder dominante, o processo sistemático de negação à mudança da estrutura agrária, segundo o princípio do próprio regime fundiário constitucional, conta com estratégia concertada, por dentro e por fora do Estado, com vistas à completa ‘mercadorização’ das terras. Atualmente, são armas ideológicas das mídias e da cultura do agronegócio, apoiadas por forte aparato econômico das cadeias agroindustriais voltadas à ‘reprimarização’ do comércio exterior, as grandes inimigas da reforma agrária. Ademais, com controle sistemático do Congresso (bancada ruralista), do Executivo Federal há quatro governos sucessivos, e sob o silêncio obsequioso do Judiciário, ou da sua extremamente lenta manifestação, persegue-se um processo gradual de desmonte do regime fundiário constitucional, retroagindo-se á lei de terras de 1850. Diante deste quadro complexo, os desafios à reforma agrária são evidentemente

Os 30 anos do MST e a luta pela reforma agrária

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outros, que não há espaço aqui para comentar. Mas obviamente não eliminam, ao contrário, exacerbam a necessidade de mudança da estrutura agrária, ora submetida a invulgar cobiça do capital e do dinheiro mundiais, à revelia da função social e ambiental da propriedade da terra.

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

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Cândido GrzybowskiAdital - Sociólogo, diretor do Ibase

O MST tem muitas razões para celebrar os seus 30 anos. Primeiro, é um grande feito histórico e político a sua autoconstrução como movimento social, como sujeito coletivo, tendo por base uma grande fração de trabalhadores rurais composta por grupos sociais heterogêneos, mas tendo em comum a marca da exclusão, da insegurança econômica, da desestruturação sociocultural e da dominação imposta por séculos de domínio dos senho-res donos de terra e gente, do Sul ao Norte do Brasil. Ainda temos muitos assim, sem eira nem beira, migrando de um canto ao outro em busca de algum trabalho e renda, fora da cidadania elementar, condenados a viver como lumpesinato, nas terras degradadas, nas periferias das grandes propriedades e das cidades do interior. Devemos ao MST a trans-formação politicocultural de importante contingente dessa massa submissa, dependente do favor dos poderosos e seus mandantes, – tão presente até hoje no nosso ambiente rural do agronegócio modernizado – em gente com identidade social, "sem terra” mas visível, que se orgulha de si mesmo, confiante em sua própria cidadania e titularidade de direitos, coletivo que acredita ser possível mudar. Isto, em si mesmo, é uma marca, uma conquista a comemorar. Tão importante quanto a primeira razão, e a ela diretamente ligada, cabe destacar a relação entre MST e democracia no Brasil. Desde o início, até antes de virar o MST, tendo o Coronel Curió e outros truculentos no encalço lá em Encruzilhada Natalino, Rio Grande do Sul, e todo Oeste de Santa Catarina e Paraná, o nascente movimento torna-se parte do caldeirão social e político que leva ao fim da ditadura militar e nos permite conquistar a democracia. Mas mais do que isto, coube ao MST em particular radicalizar a democracia, trazendo ao debate público e ao processo de democratização a questão fundamental da tensão entre direito legítimo e direito legal. Não foi e não é a legalidade em si que move o MST, mas é a legitimidade da condição de cidadania, entendida como direito igual de todas e todos. Sua luta é por direitos legítimos de cidadania que não são reconhecidos, devido aos privilégios de classe que impregnam nossas leis, os tribunais, o Estado. A lei de terras, certidão de nascimento da sociedade excludente e desigual que somos até hoje, é para os donos de gado e gente, nunca foi para a cidadania. O que o MST sempre afirmou e praticou é que em nome de direitos de cidadania e contra privilégios, mesmo legais, é legítimo ocupar terras. Nisto reside o caráter de fermento do MST na democratização. Ele inspira outros grupos excluídos a se organizar e lutar por seus legítimos direitos, com insubordinação e desobediência civil, se necessário for. Neste aspecto fundamental para uma sociedade patrimonial como a brasileira, o MST merece celebrar mudanças que vem operando na cultura política democrática do país. O MST é imediatamente associado à Reforma Agrária. Fazendo um balanço dos 30 anos, sem dúvida o movimento vai lembrar muitas conquistas, outras tantas derrotas, com tragédias inclusive. Vai lamentar até o impasse em que nos encontramos hoje, num governo de origem democrática e popular, mas…dependente do agronegócio, de exportações primárias e da Bancada Ruralista. Erros políticos? Sim, ocorreram erros e são parte do processo de qual-quer movimento. O importante seria que o próprio movimento prestasse contas à socieda-de sobre seus aprendizados com os erros. Não vou lembrá-los aqui pois penso que, no seu todo e sobretudo pelas razões apontadas acima, o MST tem que celebrar seus feitos nesse seu aniversário de 30 anos. E, nós, organizações de cidadania ativa, devemos agradecer pelo que a própria existência do movimento provoca e obriga a mudar em termos de ideias, visões e possibilidades para a democracia. Por definição em lutas democráticas a gente

6. Posição de Cândido Grezyboski, do Ibase Um fenômeno na democratização do Brasil

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nunca consegue tudo, mas continua a lutar para tornar possível o que parece impossível. O MST é exemplo desta tenacidade em busca do legítimo. Distante, difícil, quase impossível, mas de esperança e busca de direitos legítimos. Na sua legitimidade reside a inspiração e a força política para se tornar possível. Mas qual é o legítimo, afinal? Não tenho dúvidas em responder que, do ponto de vista de cidadania e democracia, é legítimo radicalizar e querer transformar as estruturas da face agrária da sociedade brasileira. A luta do MST mostra que Reforma Agrária não é só desapropriar e distribuir terras por aí. Reforma Agrária é mudar estruturas agrárias e, mais do que isto, mudar a sociedade no modo como se relaciona, organiza e usa os recursos do território, um bem comum de todas e todos na sociedade. Claro que existe um confronto de paradigmas entre agronegócio e agroecologia, com impacto na soberania e segurança alimentar, no combate à fome e pobreza, no padrão de consumo e de saúde de toda a po-pulação. Existe o confronto entre, de um lado, as grandes explorações econômicas, com enorme concentração de terras e utilização de água, com máquinas, agrotóxicos, transgê-nicos, homogeneidade de cultivos e criações, com destruição da biodiversidade, voltada à produção de commodities e não necessariamente alimentos; e, de outro, a agricultura familiar, de pequena escala, com pouca terra, mas onde a terra em si não é tratada como negócio antes de mais nada, pois é meio de vida, estilo de vida familiar e comunitária, cul-tura alimentar e identidade social. Mas existe um confronto maior de que a Reforma Agrária faz parte: a disputa de territórios, tanto no campo como nas cidades, entre capital e cidadania. Aqui a dimensão da luta do MST se soma às lutas de povos indígenas, de quilombolas, de ribeirinhos e pes-cadores, de extrativistas dos frutos da floresta, de posseiros, de comunidades expulsas por grandes obras, atingidos por barragens, mineração e exploração do petróleo (terra e mar), favelados ameaçados de remoção nas grandes cidades, populações das periferias atingidas por obras de infraestrutura ou grandes empreendimentos industriais, mesmo os atingidos pelas grandes obras para Copa e Olimpíadas. As disputas territoriais, de que faz parte a Re-forma Agrária, estão no centro da grande questão para o avanço da democracia no Brasil hoje: como mudar de paradigma? Os territórios são para gente viver, em primeiro lugar, ou para o negócio, para acumulação privada? Para cidadãs e cidadãos que vivem e dependem do território local ou para capitais de fora, sem rosto, em busca de sua única e exclusiva valoração? Que modelo de sociedade, economia e poder queremos? Para promover justiça social, direitos de cidadania de todas e todos, participação democrática, sustentabilidade socioambiental, bem viver, enfim? Ou, o contrário, queremos continuar sendo terra de conquista, colonização e exploração, fazendo tudo para seremos uma potência capitalista emergente, território de especulação e negócio a serviço do cassino global que domina o mundo? Obrigado, MST! Obrigado por ser um real sujeito coletivo que nos aponta toda esta agenda cidadã e nos fazer ver que precisamos acreditar ser possível mudar. Incluo-me entre os muitos democratas de diferentes costados, que não temem ser solidários com o movimento, mas também críticos, sempre que considerarmos não legítimos seus passos em alguma frente de luta.

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III- RELAÇÕES COM O GOVERNO FEDERAL

1. Carta a Presidenta Dilma Rousseff

2. Manifesto dos Sem Terrinhaà sociedade brasileira

3. Respostas do Governo

4. Gilberto Carvalho admite problemas na reforma agrária

5. Dilma promete assentar 35 mil famílias

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Estamos aqui em Brasília (DF), com 15 mil militantes do nosso Movimento, o MST, vindos de 24 estados brasileiros, reunidos no VI Congresso Nacional.

Estamos discutindo os problemas sociais do campo, a realidade agrária e a necessidade urgente de fazer mudanças nas políticas agrárias do seu Governo.

Diante da grave situação que atinge a milhares de camponeses sem-terra em todo pais, resolvemos lhe escrever para denunciar e apresentar soluções emergenciais para os problemas que enfrentamos.

1. Há em todo Brasil mais de cem mil famílias acampadas debaixo da lona preta, organizadas por vários movimentos populares e sindicatos. Muitas famílias estão acampadas há mais de oito anos. O Governo foi incapaz de resolver esse grave problema social e político. A média de famílias assentadas por desapropriações foi de apenas 13 mil por ano, a menor média após os governos da ditadura militar. É necessário assentar, imediatamente, todas as famílias acampadas.

2. O Governo havia se comprometido de priorizar o assentamento de famílias Sem Terras nos projetos de irrigação do nordeste brasileiro. Sabemos que além dos vários projetos que estão sendo implantados, há mais de 80 mil lotes vagos, com água e a infraestrutura necessária para assentamentos. Basta cumprir a promessa feita e ter agilidade administrativa para assentar milhares de famílias de camponeses nesses lotes. Mas, até agora, nada foi feito.

3. O Governo, na Medida Provisória que encaminhou o problema das dívidas de créditos passados, incluiu a privatização dos lotes da Reforma Agrária. Essa decisão irá permitir e incentivar a venda dos lotes nos assentamentos. É tudo o que os inimigos da Reforma agrária querem para desmoralizá-la, através da compra e venda de lotes dos assentamentos. Defendemos o que está na Constituição: a terra distribuída através da Reforma Agrária não pode ser vendida! E os assentados devem receber um titulo individual de Concessão Real de Uso, com direito a herança. Sugerimos que o governo e os parlamentares alterem a Medida Provisória.

4. O Governo implementou, nos últimos anos, dois programas importantes para ajudar e incentivar agricultura familiar e camponesa, o PAA (Programa Aquisição de Alimentos) e o PENAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Porém, esses programas só atingiram 5% das famílias camponesas. É necessário que o Governo aumente os recursos para esses programas, desburocratize e amplie para o maior numero possível de municípios do Brasil.

5. Existe a necessidade de construir, aproximadamente, mais de 120 mil casas nos assentamentos da Reforma Agrária. As famílias conquistaram a terra, mas não têm moradias dignas. Reivindicamos que a Caixa Econômica Federal amplie os recursos, desburocratize os processos para que todos as famílias assentadas tenham acesso ao programa Minha Casa Minha Vida, sob controle das famílias e suas associações.

6. No Brasil persistem diferentes formas de trabalho escravo em todo o território nacional. A Policia Federal libertou mais de 50 mil pessoas em 566 fazendas nos últimos anos. Exigimos que o Governo puna essa prática criminosa e aplique o que determina a Constituição Federal: a expropriação dessas fazendas para fins de Reforma Agrária.

7. Apoiamos e exigimos a legalização imediata de todas as terras indígenas e as áreas de quilombolas.

8. Queremos denunciar que o atual coordenador da CTNbio, que julga a liberação de sementes transgênicas, até ontem fazia consultoria para empresas transnacionais que obtém vultuosos lucros com a vendas dessas sementes. Isso é, no mínimo, falta de ética. Exigimos que essa pessoa seja substituída. E, solicitamos que os movimentos populares

1. Carta à Presidenta Dilma Rousseff

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do campo e as universidades também tenham o direito de indicar cientistas para compor a comissão de analise das sementes transgênicas. Exigimos que o governo use sua base parlamentar para impedir o avanço dos projetos de lei que querem legalizar o uso da tecnologia que esteriliza as sementes. Nenhum pais do mundo aprovou a “tecnologia terminator”. O Brasil não pode ser essa exceção.

9. Há tempos apresentamos ao seu Governo algumas propostas que são muito importantes para resolver os problemas da população camponesa, como políticas estruturantes:

a) Propomos um grande programa de reflorestamento nas áreas dos pequenos agricultores e assentados. O Governo deveria incentivar e ajudar cada família camponesa a reflorestar 2 hectares de terra com árvores nativas e frutíferas.

b) Há ainda 14 milhões de trabalhadores analfabetos. Isso é inaceitável. Por isso, reivindicamos um programa nacional, num verdadeiro mutirão, de alfabetização de adultos em todo Brasil.

c) Precisamos garantir escolas de ensino fundamental e médio em todo interior do país. Não podemos aceitar que continuem fechando escolas no campo, como aconteceu com mais de 20 mil escolas nos últimos anos. Forçar as crianças e jovens a estudarem nas cidades, é um incentivo para promover o êxodo rural.

d) Reivindicamos que se ampliem os recursos do PRONERA, para multiplicar as possibilidades de acesso dos jovens do campo às universidades. Todos os anos faltam recursos orçamentários, impedindo a realização de muitos cursos.

11. O Governo avançou quando aprovou um plano nacional de agroecologia, discutido com as entidades e movimentos populares. Porém, esse plano continua na gaveta, sem recursos e sem programas efetivos. E, do outro lado, o Ministério da Agricultura afronta a ANVISA, ao liberar o uso de venenos agrícolas ainda mais perigosos para o meio ambiente e, sobretudo para a saúde das pessoas. Enquanto no mundo todo se aprovam leis para controlar e restringir o uso de venenos agrícolas, aqui vamos em direção contrária, facilitando a liberalização dos agrotóxicos. É um crime contra a população e uma vergonha para o país.

12. É preciso mudanças profundas na forma do Incra funcionar. É necessário e urgente contratar servidores, qualificá-los para a função especifica da Reforma Agrária e locar recursos suficientes para uma Reforma Agrária massiva.

A sociedade brasileira padece de graves problemas estruturais, na educação, no sistema tributário, na saúde e no transporte público, que precisam de soluções e que foram denunciados nas mobilizações populares do ano passado. Esses problemas não se resolvem com medidas paliativas.

É preciso mexer nos interesses dos bancos que se apropriam da maior parte dos recursos de nossos impostos. Por isso, nos somamos a dezenas de movimentos populares e organizações políticas para lutar por uma reforma do sistema político brasileiro, que hoje é refém dos interesses das empresas financiadoras. Defendemos a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Soberana e Exclusiva para fazer uma reforma política.

Esperamos que o Governo Federal perceba que o modelo de produção agrícola do agronegócio é um modelo perverso, concentrador da propriedade rural e da riqueza. Ele agride o meio ambiente, aumenta o uso de venenos e expulsa à mão de obra do campo. Serve apenas para uma pequena minoria de grandes proprietários rurais e, sobretudo, para gerar lucros para os bancos e as empresas transnacionais que exploram nossa agricultura. A alternativa é o fortalecimento de uma agricultura voltada para o mercado interno, a aplicação das técnicas da agroecologia e a realização de uma profunda Reforma Agrária, que democratize a propriedade da terra.

Atenciosamente,VI Congresso Nacional do MST

Brasília (DF), 12 de fevereiro de 2014.

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Texto foi lido pelas crianças ao Ministro da Educação José Henrique Paim

Em ocupação do prédio do MEC por 700 crianças do MST, daí 12 de fevereiro de 2014.

Nós somos Sem Terrinha de acampamentos e assentamentos de todo o Brasil e estamos participando do VI Congresso Nacional do MST e da Ciranda Infantil Paulo Freire. Viemos protestar pelos nossos direitos, por Reforma Agrária e lutar por um Brasil melhor.

Tem gente que tem preconceito com os Sem Terra e com os Sem Terrinha. Nos acampamentos e assentamentos do MST tem animais, pessoas, escolas, árvores e plantações. A plantação é muito importante para nós, não tem como viver sem alimentos.

O agronegócio é apenas uma monocultura, é uma coisa que só planta uma lavoura. Para que as plantas não estraguem é preciso usar muito veneno, que trazem doenças e perda da qualidade da comida. No agronegócio tudo é mercadoria!

Já nos acampamentos e assentamentos plantamos para comer e para vender para o povo da cidade. É uma policultura, há várias plantações e criações de bichos. Lá tem macaxeira, feijão, milho, melancia, galinha, bode, gado e suíno. E não precisa usar veneno, porque com a criação de bichos pode diminuir bastante os besouros e as lagartas que estragam as plantações. As terras são todas roçadas para poder plantar.

Mas queremos um assentamento melhor, que tenha saúde, divertimento e escolas. As atividades feita nas escolas tem que melhorar, pois não dá de ser assim. Existem muitas escolas que não estão dentro dos nossos acampamentos e assentamentos e que não têm transporte para nos levar. O transporte é muito difícil, porque quando precisa ir para a escola da cidade é preciso andar muito para conseguir chegar no ponto de ônibus. Quando chove não tem ônibus e faltamos na aula. Queremos que o transporte não vá para lugares muito longe.

Somos dos acampamentos e assentamentos e queremos que lá no campo tenha escola. Precisamos de uma educação melhor. Queremos que nossos professores sejam do assentamento para que não faltem muito. Como é difícil o transporte entre a cidade e o campo os professores acabam faltando e os alunos perdendo aula.

Queremos também uma alimentação saudável para que nós, os alunos, não passemos mal na escola. Em nossas escolas precisamos de atividades extra-curriculares, fazer da escola um lugar de lazer, aberta para a comunidade nos finais de semana. Precisamos de cursos de informática, piscina de natação, quadra esportiva e muito mais.

Nós, Sem Terrinha, estamos chamando os outros Sem Terra, os amigos do MST e o povo para ajudar a conquistar nossos direitos e cobrar isso do MEC. Como a luta não é fácil, precisamos de mais gente!

Sem Terrinha pelo direito de viver e estudar no campo!

2. Manifesto dos Sem Terrinha á sociedade brasileira

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Relato suscinto dos resultados da audiência com a Presidenta da República Dilma Rousseff

Data: 13 de fevereiro de 2014, das 9.30 as 11 hs

Presentes: Presidenta, Ministro da Secretaria Geral da Presidência, Ministro do MDA e o Presidente do INCRA.

Do MST: 30 dirigentes, um de cada Estado e dos espaços nacionais.

1. Foi feito uma apresentação histórica das reuniões que tivemos anteriormente com o Governo e os acordos que não avançaram.

2. Entregamos a Carta do Congresso, sobre as propostas que temos para resolver os problemas emergenciais.

3. Depois falamos a ela, os dois problemas prioritários que precisamos solucionar: a questão dos acampados e os problemas dos assentamentos, que estão descritos na carta.

4. A presidenta demonstrou desconhecer a gravidade do ponto que está na última Medida provisória que permite a venda de lotes. E concordou e aceitou defender a nossa proposta de que os assentados terão título de CONCESSAO REAL DE USO, com direito a herança, sendo proibido vender a terra.

5. A Presidente se comprometeu a priorizar o assentamento nos 80 mil lotes vagos em projetos de perímetros irrigados na região Nordeste.

6. Foi denunciado a situação da seca no semi-árido e que muitas políticas do governo, como agua, carro pipa e credito de emergência da seca, não estão chegando a todos assentamentos. Ela se comprometeu a resolver o mais breve possível todos os problemas que existem na região do semi-árido, e disse que não sabia dos problemas. E nos pediu que apresentamos a relação de todos os assentamentos que tem problemas e quais os problemas. Ficamos de enviar os dados até a semana que vem.

7. A Presidente se comprometeu a determinar que o MDS coloque mais recursos para ampliar a ação dos programas PAA, para todos os agricultores familiares e assentados.

8. A Presidenta se comprometeu a ampliar os recursos do PRONERA. E ao mesmo tempo ofereceu a possibilidade de que apresentássemos propostas para o MEC financiar cursos de Pronatec, via universidades federais e Institutos federais.

9. A Presidente pediu que os ministros verificassem junto à CAIXA porque o programa Minha casa e minha vida não está chegando nos assentamentos.

10. A Presidenta se assustou com a denúncia que fizemos dos problemas causados pelo aumento de uso de venenos, e que inclusive o Ministério da agricultura liberou o veneno para a lagarta da soja, sem autorização da ANVISA. E disse que está preocupada com o aumento dos índices de câncer na população brasileira.

11. Propusemos que o governo organizasse uma comissão interministerial para fazer um mutirão, para ver como resolver a situação dos acampados, em cada estado. Ela ficou de dar uma resposta nas próximas semanas.

3. Respostas do Governo

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Ao concordar com as críticas de que o governo não conseguiu, nos últimos anos, avançar na reforma agrária, o ministro da Secretária-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse que os movimentos sociais que lutam pelo acesso à terra reconhecem que programas federais têm sido “essenciais para um salto de qualidade” do setor.

A reportagem é de Paulo Viktor Chagas, publicada pela Agência Brasil - EBC, 11-02-2014.

“O papel dos movimentos não é dizer ‘amém’ para o governo, é cobrar cada vez mais. Eles têm toda razão, tivemos muitos problemas [sobre a reforma agrária]. Mas se não fosse a política do governo federal, nada disso aqui estaria acontecendo do ponto de vista do financiamento que eles tiveram e têm”, disse o ministro, acrescentando que os bancos públicos têm financiado não apenas o grande negócio, mas também a pequena agricultura.

Gilberto Carvalho ouviu as reivindicações, durante o 6º Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de representantes de movimentos agrários. Para Jaime Amorim, da coordenação nacional do MST, a prioridade dos governos Lula e Dilma não tem sido a agricultora camponesa e nem a reforma agrária.

“Eles priorizaram o agronegócio, a agricultura de exportação. Do ponto de vista da reforma agrária e de atacar o latifúndio, na desapropriação [de terras] improdutivas, não houve avanço, houve retrocesso”, declarou.

Ao citar os estímulos do governo ao setor, o ministro disse que o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) vai “entrar para história do país” como um “programa de estímulo de cooperativização dos pequenos agricultores e os assentados”.

O PAA favorece o comércio de alimentos diretamente de agricultores familiares. Jaime acredita que o programa é um avanço importante, mas cobra a aplicação de mais recursos em ações como essa. Segundo Carvalho, é importante ouvir e entender os movimentos. “Por isso que eles vêm sempre aqui, a gente vai lá, a gente briga bastante, tensiona, faz parte dessa autonomia e independência dos movimentos”, disse.

Folha, 14.02.2014

4. Gilberto Carvalho admite problemas na reforma agrária

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Número é inferior aos 100 mil que MST pede até o fim deste ano; nos últimos 3 anos, 75 mil foram contemplados.

Sem-terra estiveram com a presidente um dia depois de confronto com a polícia em frente ao Palácio do Planalto.

Um dia depois de um confronto entre sem-terra e policiais em frente ao Palácio do Planalto, o governo prometeu assentar, ao longo de 2014, de 30 mil a 35 mil famílias por meio de sua política de reforma agrária.

O número é inferior às 100 mil famílias que o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) pede que sejam assentadas neste ano. Segundo o governo, nos últimos três anos, foram assentadas 75 mil famílias.

“ A nossa meta aqui é conseguir vistoriar 1 milhão de novos hectares. Nós avaliamos que dá para chegar, neste ano, a 30 mil, 35 mil famílias”, disse o ministro Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário), após a reunião entre representantes do MST e a presidente Dilma Rousseff.

Vargas rebateu que há paralisia por parte do governo na política nacional de reforma agrária. Dilma é criticada por movimentos ligados à terra por ter feito o menor número de assentamentos desde o governo Fernando Henrique Cardoso.

Para o ministro, o fato de o governo exigir um estudo de capacidade de geração de renda “qualifica” o processo. “Nós queremos quantidade com qualidade”, diz. Para o MST, a exigência burocratiza a reforma agrária.

“Esse estudo leva em consideração condições climáticas, clima, relevo, aptidão da terra, o que que é a produção média da agricultura familiar daquela região daquele assentamento, qual a infraestrutura já presente naquela região que permita que o assentamento seja viável”, afirmou Vargas.

Durante a reunião, Dilma prometeu a inclusão de famílias assentadas no Pronatec, programa de ensino técnico do governo federal. Também orientou o Ministério do Desenvolvimento Agrário a estudar a destinação de mais recursos ao PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

Lutar, construir, Reforma Agrária Popular!

VI Congresso do MST |10 a 14 de Fevereiro de 2014

Brasília/DF

5. Dilma promete assentar 35 mil famílias

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IV- BALANÇO DO VI CONGRESSO NACIONAL DO MST

1. Balanço sistematizado em entrevista, por Alexandre Conceição

2. Balanço do VI Congresso do MST, pela Direção Nacional

3. Orientações para ajustes organizativos no MST sistematização por Geraldo Gasparin

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Balanço sistematizado em entrevista por Alexandre Conceiçao19 de fevereiro de 2014

O 6º Congresso Nacional do MST, que ocorreu entre 10 a 14 de fevereiro, em Brasília, demarca a consolidação de um novo programa agrária do Movimento que pretende nortear a organização da produção no campo brasileiro, a chamada Reforma Agrária Popular.

Segundo Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, “o 6º Congresso não apenas pautou nossa proposta de Reforma Agrária Popular à presidenta Dilma ou para o governo, mas principalmente para nossa base e para a sociedade. Agora, nos cabe o desafio de fazê-la avançar com o conjunto da classe trabalhadora.”

Conceição ressalta ainda a importância da base acampada e assentada no processo, tanto de preparação para a realização do congresso quanto da construção e consolidação da proposta de Reforma Agrária Popular para o campesinato brasileiro.

Confira a entrevista:

Como você avalia o 6º Congresso Nacional do MST?

Podemos destacar três elementos cruciais desse momento após dois anos de debate e preparação com o conjunto do MST para realizarmos esse congresso.

Primeiro a comemoração dos 30 anos do MST, que concretizamos pela mística da luta em duas grandes mobilizações: a ocupação do MEC com 750 Sem Terrinhas, quando lutaram contra o fechamento das Escolas do Campo e por melhores condições na Educação do Campo; e a Marcha pela Reforma Agrária Popular, com 16 mil Sem Terra nas ruas de Brasília.

Também passamos por uma avaliação sobre as construções do MST ao longo desses 30 anos, e aprofundamos nossa discussão sobre os principais inimigos do campesinato: o agronegócio, as transnacionais e o latifúndio.

Nessa mesma linha, refletimos sobre nossa capacidade de pautarmos a Reforma Agrária na sociedade. O resultado desse processo é a consolidação do debate sobre a Reforma Agrária Popular. O que estamos propondo é mais do que uma política distributivista de terras. É uma proposta que representa uma nova organização da propriedade fundiária que perpassa pela mudança na organização da produção no campo.

E por fim, destacamos os desafios da classe trabalhadora para o próximo período. O congresso cumpriu com a tarefa de recompor um bloco histórico e político, no sentido de transpor o bloqueio que temos enfrentado e pautar novos temas.

Você acredita que a audiência com a presidenta colocou a Reforma Agrária na pauta do governo?

A Marcha parou o STF e fez com que a presidenta nos recebesse, assim como a ação dos Sem Terrinha fez com que o ministro da educação os recebesse.

1. “Congresso mostra a força e potencial político da Reforma Agrária Popular”

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Porém, acreditamos que o 6º Congresso não apenas pautou nossa proposta de Reforma Agrária Popular à presidenta Dilma ou para o governo, mas principalmente para nossa base e para a sociedade. Agora, nos cabe o desafio de fazê-la avançar com o conjunto da classe trabalhadora. E sobretudo nos estados prepararmos as lutas de massa, seja na retomada da luta pela terra, quando nos juntando com outras mobilizações da classe trabalhadora brasileira.

Qual a importância do apoio demonstrado ao MST pelas várias entidades e organizações na luta pela Reforma Agrária?

Durante o 6º Congresso realizamos um ato político em defesa da Reforma Agrária e contamos com a presença de vários representantes do campo popular que se solidarizam e se somam à proposta da Reforma Agrária Popular.

Foi extremamente significativo o fato de estarem presentes no mesmo espaço e em busca de um projeto em comum, basicamente todas as forças de esquerda do país, e que em muitos outros momentos tem dificuldade de se acertarem em relação a outras pautas. Isso demonstra a força e o potencial político que a pauta da Reforma Agrária tem para as organizações da classe trabalhadora.

Somado a isso, há a demonstração de que o modelo do agronegócio não atende aos interesses da classe trabalhadora brasileira, e que o acúmulo de forças é necessário para a construção de uma nova sociedade que reconhece e afirma a identidade camponesa como um referencial de desenvolvimento para o campesinato brasileiro.

A luta que temos aqui no Brasil é similar à de outros países que vieram demonstrar seu apoio?

Sem dúvida a nossa luta é muito similar a dos países que aqui estiveram conosco. Afinal de contas, o agronegócio e as transnacionais exploram os recursos naturais e minerais em todo mundo.

As consequências tanto para os que vivem no campo quanto na cidade, se agravam a cada dia. Por isso a identificação dos camponeses de todo o mundo com a nossa luta e com a nossa proposta política de construir a Reforma Agrária Popular, um projeto que distribua terra, produza alimento saudável e que proporcione oportunidades para a juventude se manter no campo. E ressaltamos que a participação das mulheres nesta construção é parte fundamental deste processo.

Como você avalia esse momento na perspectiva organizativa do Movimento?

Fundamental para nossa organicidade interna, uma vez que optamos por um formato de organização não partidário e que constrói uma linha política centralizada por meio de discussões coletivas.

A vida real tem contradições e para resolvê-las é preciso organização. Como movimento social do campo, o MST acredita na luta de massa como elemento central para enfrentarmos o capital.

Esse objetivo concreto se refletiu no Congresso a partir da consolidação do debate massivo da Reforma Agrária Popular, realizado com militância e com nossa base acampada e assentada durante todo o período de preparação desse momento.

Além disso, ressaltamos a importância da disposição e organização de mais de 2 mil militantes Sem Terra na preparação e condução diária do 6º Congresso. Foi um processo amplo, construído com a participação de 16 mil delegados, mais 750 Sem Terrinhas e

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250 delegados internacionais numa estrutura com 40 mil metros quadrados. Sem dúvida foi um dos maiores congresso camponês do mundo.

Tivemos toneladas de alimentos vindos de assentamentos. Isso reflete a proposta do Movimento em produzir alimentos saudáveis e sua viabilidade?

Não apenas mostra que ela é viável como demonstra na prática a construção da Reforma Agrária Popular, com produção de alimentos sem venenos voltados para o abastecimento do mercado interno e que promova geração de emprego e renda.

Portanto, a feira da Reforma Agrária durante o 6º Congresso demonstra ainda mais que a democratização da terra é urgente e necessária.

Quais as perspectivas de luta para o próximo período?

Com a proposta da Reforma Agrária Popular, temos o desafio de nos mobilizar junto à classe trabalhadora para consolidar as grandes jornadas de lutas unificadas em torno do projeto popular para o Brasil.

Seguiremos com as ocupações de latifúndios, das transnacionais, dos perímetros irrigados e vamos produzir mais alimentos para garantir a soberania alimentar de nosso país.

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“Crescemos somente na ousadia, só quando transgrido uma ordem

o futuro se torna respirável”Mario Benedetti

Lutar, Construir Reforma Agrária Popular! Logo no início do Congresso, um menino leu no seu boné o lema e perguntou pra sua mãe: “O que é lutar?”. Sua mãe lhe deu uma explicação rápida, mas mesmo assim, o menino ficou com muitas dúvidas. Como parte da programação do Congresso, o menino participou da ocupação do Ministério da Educação – MEC. Logo após, voltou a conversar com sua mãe e num tom decidido disse: “Mãe, quero lutar mais!”. Ainda na ocupação do MEC, uma menina se preparava para dar uma entrevista para um conhecido meio de comunicação. O repórter ajeitou o microfone e disparou a questão: você está aqui no MEC, mas nessa hora, você não deveria estar na escola? E a resposta da menina veio simples e rápida assim: “Mas pra estudar, a gente tem que lutar”. Disse isso e saiu pulando em direção às outras crianças que estavam imprimindo suas mãozinhas man-chadas de tinta na vidraça do prédio, em meio a cartazes que exigiam escolas do campo, cirandas e parques infantis. A vivência dessas crianças evidencia a existência dos sujeitos da luta e da construção coletiva que é o próprio MST. Fazer um balanço do nosso VI Congresso, passa, necessaria-mente pelo olhar entrelaçado dos diferentes sujeitos que se encontraram nessa grandiosa atividade: mulheres, homens, crianças, jovens e idosos envolvidos em relações sociais que são constitutivos dos 30 anos de existência do MST. Entre esses sujeitos da luta, destacaram-se ainda: a juventude - nós nunca tivemos tantos jovens num Congresso e com uma participação protagonista e implicada no seu tem-po histórico. Presença da juventude mostrou que querem participar mais intensamente do MST, debater a luta pela terra, o assentamento e a Reforma Agrária Popular. Outro destaque importante foi a presença protagonista das mulheres, com 50% de participação entre as delegações, e com uma mística trazida dos processos organizativos e de luta que tem sido empunhados pelo país afora. Foi a primeira vez que tivemos num Con-gresso, um espaço conjunto de debate sobre relações de gênero que buscaram evidenciar como o Patriarcado e o Capitalismo estão relacionados e precisam ser enfrentados por nossa Organização e pelo conjunto dos lutadores e lutadoras. Além disso, o MST vai incorporando no seu processo constitutivo, os olhares a partir da vivência dos idosos e também das pessoas que estão construindo relações homo afetivas.

1. O Congresso como processo Em 2007, houve a definição no V Congresso sobre a perspectiva da Reforma Agrária Popular. No entanto não tinha o mesmo sentido que agora, por questões objetivas da rea-lidade, mas também pela interiorização do tema no MST. No VI Congresso, ao contrário, houve um intenso debate sobre o tema e uma construção teórica coletiva. Nesse sentido, podemos afirmar que a preparação do VI Congresso teve início em 2007, mas isso se intensificou a partir de 2011. Nesse processo de preparação, foram en-volvidas cerca de 50 mil pessoas, através dos debates, da formação política e da construção projetiva do MST para o próximo período. O Congresso não se explica em si mesmo, ou seja, a preparação ajuda a entender o que foi o Congresso e sua contribuição histórica. Ao fazer este balanço, buscamos extrair as lições e os aprendizados necessários, nor-teando nossa análise a partir de três eixos fundamentais: teórico, organizativo e político.

2. Balanço do VI Congresso do MST Brasília, 10 a 14 de fevereiro de 2014

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Durante a preparação, questionava-se se seria necessário refundar o MST, mas com o processo de construção coletivo, fomos da refundação à recriação, reinventando o próprio MST.

2. A construção teórica da Reforma Agrária Popular O Congresso foi um espaço de construção teórica coletiva do Movimento. Temos que teorizar porque a natureza da luta é de classes. No processo de preparação do Congresso, elencamos alguns temas que contribuíram na construção do conceito da Reforma Agrária Popular (RAP): as tendências do capitalismo na agricultura brasileira, o estado burguês e os governos, a sociedade brasileira, a Reforma Agrária Popular, reflexões sobre o estágio atual da luta pela reforma agrária popular, as alianças necessárias para o desenvolvimento da luta, as nossas táticas para acumular forças e seguir a luta. Ao elevar os temas de fundo da RAP provocamos uma retomada massiva da forma-ção política, envolvendo de forma massiva, a militância e nossa base social. Essa é uma lição fundamental do Congresso para se pensar a retomada dos processos formativos para além do que acumulamos nos espaços sistematizados dos cursos, que tem sua importância, mas precisam estar articulados com uma estratégia de formação. Apesar dos limites que a formação política tem encontrado no último período nas Organizações Populares e de esquerda, e no próprio MST, percebemos no Congresso o quanto os processos existentes têm sido fundamentais para a elaboração teórica coletiva. Isso ficou evidente na qualidade dos debates, nas intervenções das mesas e na própria ple-nária. Nossa militância se qualificou nos cursos e nos processos formativos. O momento que vivemos não é de fácil compreensão. No entanto, sua compreen-são coletiva é vital pra traçar nossa estratégia política e as táticas de luta. Conseguimos que nossa militância compreendesse o salto necessário entre o esgotamento da Reforma Agrária Clássica e o significado da RAP. Na construção de nosso Programa Agrário, houve um processo de amadurecimento e internalização, através de um intenso debate a partir das nossas diferenças políticas e das contradições da realidade. No entanto, o Congresso não estava motivado pelas disputas in-ternas, teses e tendências; a preocupação central foi - e tem sido - a questão da mediação, ou seja, da ponte entre o esgotamento da Reforma Agrária Clássica e os desafios da constru-ção da RAP. Isso representa, é uma inflexão estratégica num sentido, mas ao mesmo tempo, um potencial estratégico na direção de reafirmar a relação entre nossos objetivos da Terra, Reforma Agrária e Transformação Social. Temos uma teoria formulada a partir da prática e a verdade dessa teoria é a sua própria prática. Essa é uma questão complexa, pois a Reforma Agrária Popular depende de mudanças estruturais na sociedade para sua plena efetivação. No entanto, essas mudanças prescindem de uma prática que, por um lado, demonstre o que queremos construir, e por outro, tensionem por bandeiras de luta que não são possíveis nos marcos do capital, mas que são necessárias para o povo sem terra e para a sociedade. A construção do Programa Agrário tornou-se uma grande ferramenta de trabalho de base coletivo e combinado. Essa é outra lição do Congresso que orienta a linha política: o trabalho de base deve ser permanente, e precisa vincular-se com questões que realmente sejam pertinentes para o nosso Movimento, dialogando com as realidades regionais e com a diversidade de reflexões políticas. Por fim, seguem alguns ajustes metodológicos sugeridos:- intervenções da plenária nas mesas de debate: é necessário fazer uma mediação entre as

intervenções das regiões pré combinadas e a metodologia “microfone do povo”;- estudos com a base: o debate mais teórico atingiu principalmente a militância, mas chegou

pouco na base; precisamos retomar e construir metodologias para trabalhar os conteúdos necessários.

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3.Cultura Organizativa

Em termos orgânicos, esse Congresso teve mais gente debatendo e entendendo o debate, devido a uma intencionalidade política no processo de preparação. O Congresso trouxe um debate que vincula direção e base. Na preparação, debatíamos os critérios da participação e o caráter do Congresso, em torno da polêmica: massivo ou orgânico? Essa questão foi resolvida por uma fórmula que combinou o massivo e o orgânico. Poderia ser um ótimo debate, mas se fosse com pouca gente, não alteraríamos nada. No Congresso éramos 15 mil delegados. Em termos de quantidade isso significa uma população maior do que muitos municípios do interior do país. Esse elemento exigiu que fôssemos mais organizados do que realmente somos, mesmo com todos os limites organiza-tivos que enfrentamos. A cultura organizativa criada no MST é um legado dos nossos 30 anos. Isso ficou evi-dente na organização das cozinhas coletivas, nas equipes de trabalho, na Feira da Reforma Agrária e no todo do Congresso. Isso é importante para pensarmos num método de direção que permita ter a participação de muita gente, com divisão das tarefas combinado com es-tudo e debate coletivo. O Congresso provoca uma retificação organizativa de nosso Movimento, em relação à retomada dos princípios, combinados coletivos e método de direção. O MST não será um movimento de cúpula, e muito menos, será uma Organização basista, essa é uma das sínte-ses orgânicas do Congresso. No período de descenso das lutas de massa, fomos capazes de acumular alguns ele-mentos organizativos que foram explicitados no Congresso. Na situação que enfrentamos de uma pessoa detida durante nossa marcha, tínhamos seis advogados na Delegacia e mais um batalhão de 150 advogados e advogadas populares participando do Congresso; tivemos dois feridos e 30 médicos nossos para atendê-los, além de todos combatentes do setor de saúde. Isso revela uma revolução silenciosa do povo sem terra nos seus processos orgânicos, nas áreas da formação, educação, saúde, comunicação, cultura, e segurança. Até a maior parte da tradução com a delegação internacionalista, foi feita por nossos militantes. O Congresso fez a gente se mexer coletivamente e nos empurrou pra frente. Somos grandes e pesados, mas quando o sentido da mobilização está incorporado pelo todo, o movimento é rápido e tem a força das guinadas históricas. Demoramos a incorporar o Congresso, é verdade, mas a partir da reunião da Coor-denação Nacional realizada em Brasília em agosto de 2013, acertamos o passo e o ritmo nacional. Ali, a mística em torno do Congresso pegou fogo! O Congresso mostrou a beleza e a grandeza do MST. Teve uma significativa diferen-ça entre o V e o VI Congresso (talvez até pelo momento histórico). Nesse último, o Congres-so de fato, ajudou a orientar a linha política. Houve uma boa cobertura de comunicação e um trabalho formativo através da rá-dio. Isso indica o desafio de manter e socializar esse acúmulo nos estados e na nossa base social. Outro destaque foi a participação da nova geração na execução e no processo de preparação em Brasília; no coletivo de trabalho, a média de idade era em torno de 30 anos. Auto sustentação: quando o povo participa da decisão, ajuda a conduzir. Essa foi uma im-portante lição do nosso Congresso, pois a maior parte dos custos foi assumida pela nossa base e por articulações políticas locais, principalmente em relação a deslocamento e ali-mentação. A Feira da Reforma Agrária foi uma prova da resistência do povo sem terra e como estamos avançando na produção como uma ferramenta de contraposição ao modelo do agronegócio. A Feira ajuda nosso Movimento a enxergar o potencial político em torno dos alimentos e a enorme diversidade cultural envolvida nas relações sociais de produção. In-corpora a distribuição de sementes como um legado importante e reafirma o desafio de organizar a produção nos nossos Assentamentos. A Ciranda Paulo Freire evidenciou nosso acúmulo político na Educação e a organici-

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dade que fomos desenvolvendo para visibilizar o protagonismo da infância sem terra. Como desafio, precisamos ter essa como uma questão estratégica no trabalho com nossa base.

Mística e Cultura A mística e a cultura mobilizam expressões da arte. A arte tem a capacidade de an-tecipar elementos que ainda não estão amadurecidos para o discurso, ou ainda, que não foram tomados pela ousadia revolucionária. No Congresso, a mística teve um sentido projetivo pra nossa Organização na pers-pectiva das transformações e rupturas. Retomou o enfrentamento e a radicalidade como ca-racterísticas fundamentais do MST, as forças populares e de esquerda na disputa de projetos de sociedade. As instâncias de direção de nossa Organização precisam ter a capacidade de inter-pretar a reação da plenária do nosso Congresso durante os processos místicos, seja através do encantamento, do envolvimento, da atenção e manifestações coletivas de gritos, aplau-sos, colocar-se de pé e indignar-se. A mística dialoga com nossos acúmulos: o enfrentamento da produção saudável, a agroecologia como contraposição ao alimento - mercadoria; a cultura do nosso povo e a lição de que Reforma Agrária, só com luta, pois não há concessões possíveis. A construção da mística foi um trabalho de base nos coletivos envolvidos nos esta-dos, do ponto de vista da pesquisa, da formação e da divisão de tarefas. Isso mostra a dimen-são orgânica, teórica e política que os processos místicos são capazes de mobilizar. Outra expressão de trabalho de base cultural foi o processo de elaboração do CD Plantando Cirandas 3. Nesse trabalho as crianças participaram ativamente nos estados da construção das letras e da composição das músicas num processo mobilizador que expres-sou a vivência e os sonhos da infância sem terra. Também teve destaque as intervenções culturais na Feira da Reforma Agrária, com-binando a contribuição de nossos militantes e outros lutadores e lutadoras da arte, aliados.

Ajustes organizativos:- no Congresso tivemos muitas atividades ao mesmo tempo, o que contribuiu para o esva-

ziamento da plenária; precisamos ajustar os tempos e manter as atividades;- o esvaziamento da plenária também está relacionado a uma debilidade orgânica e falta de

disciplina; precisamos garantir espaços na programação para que as brigadas discutam, avaliem e dividam tarefas;

- ainda não conseguimos resolver com nossa organicidade, a questão da limpeza e higiene; precisamos avançar nisso;

- fazer uma memória das equipes de trabalho.

4. A luta como mediação da Política

A Revolta das Cruzes

Naquela tarde vermelhaPor milhares de sem terraCansados por tanta espera

Pés nas ruas c´as bandeiras.Seguindo firme rumo à praçaLevando no peito a esperançaQue unidos ninguém se cansaQuando a gente luta com raça.

Brasília, Brasil dos fuzis!Na praça dos três poderesOnde se nega os saberes

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E se engendra dominação.Cruzes das vidas tombadasNas lutas por terra e pão

Revoltosas de mão em mãoMarcam a vitória esperada.

Levanta povo organizadoPra derrubar o agronegócio

O capital e seus sóciosQue nos deixam alienados.

Abaixo poder opressorToda praça seja do povo

Todo poder seja novoSem escravo e sem senhor.

Nossa luta é construirReforma Agrária PopularTodo latifúndio ocuparE com o povo resistir.

Cuidar da terra e da vidaProduzir na agroecologia

O alimento com sabedoriaPra todos terem boa comida.

Brasília, tarde vermelha de 12/02/2014Reneu Zortea

O Congresso elevou a moral da nossa tropa, reafirmou nosso projeto estratégico e recuperou o temor dos nossos inimigos. Dialogamos na luta e no posicionamento político, com as criticas de governismo e esquerdismo, apontando para o fortalecimento de uma esquerda social. O MST tem respon-sabilidade de participar e construir a esquerda social e popular. Com essas ações recolocamos a luta pela Reforma Agrária, no Governo, no Judiciá-rio e principalmente, na sociedade. O Ato Político e a Marcha, deram visibilidade política sobre o caminho que o MST tem que trilhar. A ocupação do MEC foi um espaço de formação das nossas crianças na luta e na construção coletiva do manifesto. As crianças tomaram a palavra pra pautar a infância na luta por Reforma Agrária. As lutas de calendário ajudam pouco e não alteram nada. Lutamos muito nesses 30 anos, mas a lição do Congresso é pra não dispersar as energias, ao contrário, precisamos reunir forças e concentrar pra alterar. No Congresso éramos 15 mil e a imprensa e a polícia noticiaram que tinha 20 mil na nossa marcha. Nesse caso, a tática da luta aumentou a visibilidade da luta e dessa vez, apanhamos pouco. A audiência com a presidente não estava prevista e nem era nossa reivindicação principal naquele momento. Em 2013 ficamos três meses em Brasília com o Acampamento Nacional Hugo Chávez exigindo a audiência e não fomos atendidos. No Congresso, a pres-são dos 15 mil pautou a presidente. O resultado da audiência não se diferenciou muito do que tem sido o compasso de espera em relação à nossa pauta. Mais do que a audiência em si, o mais importante foi a simbologia do contexto em que ela se desenvolveu. E desse processo, reafirmamos a histó-rica lição: só se negocia, com o povo na rua. A repercussão na mídia revelou a tentativa de, mais uma vez, criminalizar o MST, através da velha tese do repasse dos recursos públicos para supostamente financiar o confli-

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to. Isso não pegou na sociedade e o que ficou mesmo foi a simbologia da luta e o posicio-namento político do MST. Na luta do Congresso o elemento da radicalidade massiva foi o grande diferencial. Uma radicalidade que retoma a própria origem do MST e dialoga com as lutas populares que historicamente tem ocorrido no país. Uma radicalidade com direção política e como tática de um projeto estratégico transformador. Temos que combater no âmbito da esquer-da, a negação da radicalidade como expressão da luta. Nossa tarefa é organizar as lutas e o caráter que elas podem e devem assumir. Temos uma tarefa de contribuir com a aglutinação do projeto de esquerda, superando as diferenças. Isso não está restrito à vontade da Organização, mas tem relação com a refe-rência na classe. Não temos o direito de recuar, pois tivemos a capacidade de nos posicionar. Durante a preparação, e no Congresso em si, contamos com a presença de muitos aliados e muitas aliadas do MST, defensores da Reforma Agrária. Valorizamos todas essas contribuições e entendemos que isso deve estar ligado a um projeto estratégico, mesmo com todas as dificuldades e fragmentações existentes. Ainda no campo da relação política, foi muito importante a realização da atividade paralela do Levante Popular da Juventude. Os resultados dessa relação e convivência já podem ser vistos hoje, mas carregam principalmente uma perspectiva de futuro. Entre os aliados, também tivemos uma participação expressiva de parlamentares: 45 parlamentares passaram pelo nosso Congresso, o que representa 10% do parlamento brasileiro. Também teve muito destaque político a contribuição da Brigada de Agitação e Pro-paganda do MST Carlos Marighela: 40 jovens que chegaram 10 dias antes em Brasília e de-senvolveram atividades com a sociedade. Isso avermelhou o terreno, preparou a cidade pra receber a mensagem da Reforma Agrária Popular e da luta como única forma de conquista.

PERDER A PACIÊNCIA(construção coletiva)

Quando os trabalhadores e trabalhadoras perdem a paciência,

Rompem o silêncio, declamam, re-clamam.Quebram os potes

Se indignamSe revelam

Se mascaramSe rebelam

Transgridem os limites:Pés nos gradios

Pés na portaPés na estradaPés no mundo!

5. O VI Congresso, os 30 anos do MST e o legado das lutas de classes “É um prazer falar do Congresso!” Exclamava uma dirigente do MST durante o pro-cesso de balanço e com essas singelas palavras ela expressava o sentimento que os delega-dos do Congresso levaram pros barracos de lona, pras rodovias bloqueadas, pros latifúndios ocupados, pras terras semeadas, pra colheita da fartura e pras rodas de conversa iluminadas pelas fogueiras. O balanço do Congresso também é construção coletiva. Ele foi sendo feito durante o próprio Congresso, nas longas viagens de volta, na chegada e no encontro com os que não foram, mas que estavam lá de alguma forma. Por isso é que o balanço tem um caráter pro-

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jetivo de um período, pois o Congresso é portador da força necessária pra orientar a nossa caminhada. Definimos coletivamente qual a centralidade do MST. Nas regiões com maior con-centração de assentamentos e com uma realidade objetiva de esgotamento da luta pela terra pelos impactos avassaladores do agronegócio, o debate nos indicava a centralidade dos assentamentos como força política. O conjunto do MST nos apontou que isso é funda-mental, mas é necessário lutas massivas, com novas famílias, recriando as formas de luta e resignificando as bandeiras de luta. É verdade que a luta pela terra foi projetada pela mídia, mesmo criminalizando; ao contrário, a luta do assentamento, a produção e a agroecologia dificilmente terão esse mesmo espaço e projeção. Nós é que temos que projeta-la. Ter a sabedora de conjugar economia e política. O Congresso reforça nossos desafios históricos de continuar sendo um instrumento organizativo dos trabalhadores e trabalhadoras sem terra na defesa intransigente da Reforma Agrária, vinculada a um projeto estratégico de mudança estrutural da sociedade. O internacionalismo vivenciado no Congresso materializa que esse compromisso está para além das nossas fronteiras. Através do facão da nossa bandeira, reforçamos a im-portância da solidariedade entre os povos em luta. O MST reafirma seu compromisso com o legado das lutas de classes e suas lições extraídas das vitórias e mesmo das derrotas, que nos ajudam a acertar o passo da grande marcha. Que a força do Congresso nos coloque em permanente Movimento!

Direção Nacional do MST Guararema, ENFF, março de 2014.

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A síntese que estamos remetendo as nossas instâncias é o debate que realizamos no último período sobre os necessários ajustes organizativos do MST. São elementos extraídos principalmente no debate realizado na reunião da Coordenação Nacional em Brasília, no mês de agosto/13 e mais recentemente na reunião da Direção Nacional, realizada no mês de novembro na ENFF-Guararema. Reflexões que já vínhamos fazendo a pelo menos dois anos. A temática da organicidade torna-se fundamental nesse momento. Fundamental por-que precisamos ir fazendo os ajustes necessários da nossa forma organizativa. Os vários balanços que temos feito nos últimos dois anos apontam de que precisamos nos manter fiéis aos nossos princípios, e avançar sobretudo em três aspectos: a organização de nossa base social; a estruturação de nossos setores e a composição das instâncias. Essa é a intenção do documento: servir de subsídios para os debates nos encontros estaduais e de preparação ao nosso VI Congresso como parte dos acúmulos, reflexões e ajustes que precisamos fazer para fortalecer a nossa organização cuja tarefa principal no próximo período é “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular”.

1. Ampliar e garantir a participação efetiva das mulheres para além da representação numé-rica, mas incorporar a reflexão da temática em todas as instâncias e setores.

a. Assim como a questão de gênero garantir a participação efetiva da juventude que deve estar inserida nos espaços de decisão

2. Retomar os princípios organizativos como guia de nossa ação. Rever principalmente a partir destes princípios o método de direção. Estudo teórico e compreensão a partir da prática. Nesse momento precisamos de energia e inteligência para seguir firmes nos prin-cípios.

3. Ampliar a participação dos dirigentes em nível nacional, superando a visão e a concep-ção federalizada de nossa organização.

a. As decisões do MST devem ser tomadas nas instâncias e não em espaços paralelos.

b. Momento de retomar o deslocamento de quadros e militantes pelo Brasil, nos estados e regiões que tem demandas específicas, seja na produção, massificação, formação, etc.

c. Novo perfil de militantes – aprender fazendo; ser social que se forma na relação com o meio.

4. Garantir efetivamente o funcionamento das secretarias estaduais que possam ser referên-cia de articulação política, contato com a militância e com as demais organizações da sociedade.

5.Criar espaços de socialização das experiências organizativas entre os estados e regiões

a. Capacidade de retomar a prática, a contribuição, o intercâmbio e a solidariedade entre os estados, regiões e brigadas.

b. Sistematizar as nossas experiências organizativas que estão em curso. A sistematização é parte do método. O que não se elabora sobre a própria prática, experiência, cai no va-zio, não tem relevância. Há muitas experiências e processos organizativos sendo expe-rimentados e construídos a partir da produção, das políticas públicas, das necessidades políticas da cooperação, etc.

c. Há peculiaridades em cada região. Formas diferenciadas dos camponeses se relacionar

3. Orientações para ajustes organizativos no MST - Subsídios para o debate nos Encontros Estaduais -

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com a terra que devem ser consideradas no processo de organicidade, mas não perder de vista a unidade nacional. A unidade nacional é decisiva na forma organizativa ainda que se tenham características regionais próprias.

d. Precisamos levar em conta as realidades de cada região. Na região centro sul – a base é essencialmente assentada. No Nordeste e Norte os acampamentos ainda são formas de lutas preponderantes.

e. Temos acúmulo na produção; podemos discutir e avançar na solidariedade entre as regiões.

f. A questão dos assentamentos: precisamos passar de retaguarda para constituir força po-lítica de atuação contra o modelo do agronegócio e do capital.

6. Reitera-se que os Núcleos de Base ainda são instrumentos organizativos de participação de nossa base, na tomada das decisões. Porém precisamos ajustar a necessidade à reali-dade. Nos acampamentos o núcleo ganha centralidade, já nos assentamentos os grupos que se reúnem para debater a produção, passam a ser mais orgânicos e, portanto, mais decisivos na participação da base.

7. Consolidar a articulação/orientação política da base e consolidar a orientação política da militância que faz a articulação da estratégia organizativa. Nesse momento é fundamental pensarmos estratégias de como fazermos com que os assentamentos sejam a base real do MST.

8. É fundamental retomar nos assentamentos e acampamentos os núcleos de militantes. Hoje temos muito mais gente preparada que anos anteriores, mas é preciso que façamos esse movimento em nossa organização: criar um deslocamento da militância para a base.

9. Garantir o princípio de divisão de tarefas pelos setores. Manter em cada setor ou frente coletivos de referência para conduzir essas tarefas.

10. Apostar na formação ideológica de nossa base, militância e quadros. Intensificar os pro-cessos de formação.a. Priorizar a formação de base e fortalecer a pertença ao MSTb. Intensificar as nossas escolas de formação política e projetar novos militantes

11. Precisamos projetar um plano nacional de lutas e de fortalecimento das lutas unitáriasa. Construir unidade com as forças e sujeitos sociais que atuam e produzem a vida no cam-

po. Sozinhos não vamos conseguir responder a essa conjuntura opressora no campo.b. Em relação as alianças, percebe-se o desgaste das organizações clássicas: pastorais,

sindicatos etc. que muitas vezes não representa nem mesmo suas próprias categorias. Nossos movimentos da via campesina são bastante fragilizados nos estados, alguns nem existem. Precisamos construir formas de articulação com os trabalhadores que estão em luta no campo e na cidade em diferentes formas organizativas, muitas vezes ainda pou-co visível.

c. Precisamos fazer um melhor diagnóstico sobre o avanço do capital nos estados para projetar as lutas contra o capital/latifúndio. Atuar nas contradições do agronegócio, difi-culdades de identificar os alvos do agronegócio

d. Precisamos ter a capacidade de evidenciar a nossa autonomia a partir de uma atuação de confronto e questionamento ao projeto do governo.

e. Não se deixar cooptar e manter viva a memória da luta.12. Construir um processo de desgaste do agronegócio no campo e na cidade evidenciando

as contradições desse projeto e acumulando no debate sobre as formas de enfrentamento nos articulando com outras forças.a. Dialogar com a sociedade com os temas dos venenos e dos alimentos saudáveis. Mas-

sificar a campanha contra os agrotóxicos, ter a coragem de enfrentar na base o debate com os que usam venenos.

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13. Encontrar tempo/formas de luta dos assentados: trabalhadores precisam trabalhar e lutar; nossa base acampada está no mercado de trabalho.

14. Não se deixar cooptar pelo governo e agronegócio Compromisso internacionalista15. Massificação (organizar sistematização para debater nos encontros estaduais). Há uma

impressão de que nos conformamos com a situação em que está colocada a luta pela terra hoje. Este conformismo está presente nas instâncias e nos estados, de modo que o tema deixou de ser central em nosso movimento.

16. Tivemos momentos de unidade e demonstração de forças, como as marchas, mas neste período não conseguimos garantir a unidade das decisões políticas (ex: acampamento na-cional Hugo Chavez). As análises foram boas mas tivemos fragilidade na atuação contra nossos inimigos.

17. Temos problemas na condução das negociações, ajustar o caminho que percorre a ne-gociação da pauta; impressão de muita “amizade” nas negociações e ninguém se entende.

18. Direção política mais enxuta: Direção executiva – executar as ações, reuniões perió-dicas nas instâncias estaduais. Garantir que todos os estados tenham um planejamento quanto a reunião das instâncias e setores

19. Nossas tarefas são ainda mais desafiadoras do que nos primeiros anos do movimentoa. É preciso fazer chegar a formação política na base. Repensar qual o método de base que

dá conta de romper com este limite por isso ouvir mais os militantes/melhorar o diálogob. Repensar qual a forma organizativa principal que representa a luta de classe hoje e jogar

nossas energias nessa direção.c. Repensar a brigada nacional de formação para ajudar na organicidade nos estados e

regiões mais fragilizadosd. Romper com a institucionalidade/regra, dar uma guinada para a politica/articulação

políticae. Avaliar a possibilidade de estender o mandato das instâncias para três anos, dois anos

tem sido insuficientes para garantir o entrosamento do coletivof. Legitimar um grupo menor dentro da própria DN que assuma tarefas nacionaisg. Renovar os membros das instâncias para não deixar envelhecer a organização.h. Zelar pela saúde de nossos quadros e militantes

Sistematização: Geraldo GasparinDezembro, 2013.

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V- ANEXO

Outros artigos publicados na imprensa popular sobre o Congresso e seu significado

1. Palestra da profa. Maria Orlanda Pinassi, no Congresso do MST

http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9378:submanchete240214&catid=72:imagens-rolantes

2. Balanço da reforma agraria, em entrevista de Cedenir de Oliveira- MST-RS

http://www.sul21.com.br/jornal/aquisicao-de-terras-governo-dilma-e-uma-tragedia-lamenta-lideranca-mst-rio-grande-sul/

3. Palestra da profa. Maria Orlanda Pinassi, no Congresso do MST

http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9378:submanchete240214&catid=72:imagens-rolantes

2. Balanço da reforma agraria, em entrevista de Cedenir de Oliveira- MST-RS

http://www.sul21.com.br/jornal/aquisicao-de-terras-governo-dilma-e-uma-tragedia-lamenta-lideranca-mst-rio-grande-sul/

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ANEXO 1

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. Balanço da mídia Ninja: https://medium.com/p/a02e6d9b64dd/

- Brasil: MST e o novo ciclo de lutas (Igor Felippe Santos)- Brasil: Trinta anos depois, eles permanecem nas ruas (Pedro Tierra)- Brasil: MST: o que o faz necessário (Saul Leblon)- Brasil: MST, importante aliado da democratização da comunicação (Mayrá Lima)- Brasil: Em ato político, MST recebe apoio de diversas organizações (Pedro Rafael Ferreira)- Brasil: Os 30 anos de ódio ao MST nas páginas de Veja (Najla Passos)- Brasil: Em reunião com Dilma, MST recoloca a pauta da Reforma Agrária no governo (Luiz

Felipe Albuquerque)- Brasil: MST repudia projetos de leis antiterrorismo do Congresso (Ricardo Prestes Pazello , Luiz

Otávio Ribas)- Brasil: Organizações Sociais debatem desafios da classe trabalhadora no Brasil (Viviane Brígida)- Brasil:15 mil Sem Terra fazem protesto pela Reforma Agrária em Brasília (Alan Tygel , Márcio

Zonta)- Brasil: "Avanço da reforma agrária não depende só do MST", afirma dirigente (Joana Tavares)- Brasil: Bernardo Mançano: MST 30 anos, da terra à comida (Bernardo Mançano)- Brasil: Os 30 anos do MST e a luta pela reforma agrária hoje (Guilherme C. Delgado)- Brasil: MST 30 anos (MST)-BRASIL: Materia da revista istoé http://www.mst.org.br/node/15766-Brasil: Materia na revista carta capital, com Marina Santos http://www.mst.org.br/node/15698-Brasil- materia no portal carta maior, de Emir Sader http://www.mst.org.br/node/15733-Pagina do MST: sem-terra LGBT lutam por uma sociedade sem preconceitos. http://www.mst.

org.br/node/15752

ANEXO 2

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OS COMPROMISSOS DO MST COM A REFORMA AGRÁRIA POPULAR!

Durante a reunião, Dilma prometeu a inclusão de famílias assentadas no Pronatec, programa de ensino técnico do governo federal. Também orientou o Ministério do Desenvolvimento Agrário a estudar a destinação de mais recursos ao PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

Ontem à noite, integrantes de vários partidos participaram de um ato político pela reforma agrária dentro do Congresso Nacional que o MST realiza em Brasília. O campo deve ser um local bom de viver. Onde as pessoas tenham os seus direitos respeitados e condições dignas de vida. Por isso, nós militantes do MST seguimos firmes em nosso compromisso com a luta pela transformação social:1) A terra, água, florestas, fauna, flora, minérios, sol, enfim, todos os bens da natureza devem

estar a serviço do povo e preservados para as gerações futuras.

2) O acesso à terra precisa ser democratizado e sua função social cumprida. Todas as famílias camponesas devem ter o direito de nela trabalhar e morar.

3) Defendemos a demarcação de todas as áreas pertencentes aos povos indígenas e às comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e de pescadores artesanais.

4) Devemos priorizar a produção de alimentos saudáveis, assegurando a saúde dos produtores, dos consumidores e a preservação da natureza. Os alimentos são um direito e não devem ser apenas mercadorias, fontes de exploração e lucro.

5) Defendemos o princípio da Soberania Alimentar, para que cada comunidade e região produza os alimentos necessários para o seu povo.

6) A produção agrícola deve ser agroecológica, abolir o uso de agrotóxicos e de sementes transgênicas.

7) As sementes são um patrimônio dos povos a serviço da humanidade, e não se pode ter propriedade privada sobre elas.

8) Promover as diversas formas de cooperação agrícola e instalar agroindústrias no campo, sob o controle dos trabalhadores.

9) Combater os desmatamentos e reflorestar as áreas degradadas com árvores nativas e frutíferas.

10) Desenvolver, na forma de cooperativas, a soberania energética de cada comunidade, aproveitando as fontes de energia renováveis, para atender às necessidades do povo.

11) Todas as pessoas que vivem no campo têm o direito à educação pública, gratuita, de qualidade e em todos os níveis, no local em que residem.

12) Assegurar à população camponesa o direito de produzir e de usufruir dos bens culturais e o acesso aos diversos meios de comunicação social.

13) Os trabalhadores/as rurais assalariados/as devem ter todos os direitos sociais, previdenciários e trabalhistas garantidos e equivalentes aos trabalhadores/as urbanos/as.

14) As relações sociais de produção devem abolir a exploração, a opressão e a alienação. Os trabalhadores/as devem ter o controle sobre o resultado de seu trabalho.

15) Combater todas as formas de violência contra mulheres, crianças e idosos. Devem ser eliminadas todas as formas de discriminação social, de gênero, etnia, religião e/ou orientação sexual.

16) Combater todas as formas de trabalho escravo, expropriando as fazendas e empresas que o praticarem e punindo seus proprietários e responsáveis.

17) Garantir o acesso à formação técnico-científica e política, de forma permanente para todos/as que vivem no campo. O conhecimento deve ser um instrumento de conscientização, libertação e de permanente elevação cultural.

Lutar, construir, Reforma Agrária Popular!

VI Congresso do MST |10 a 14 de Fevereiro de 2014

Brasília/DF