ufsc picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfpactomedíocre...

23
A dinastia , BiHencourt .ameaçada depois de 63 anos de desmandos CENTRAL, 14 e 15 Medoe tensão no dia-a-dia da comunidade de pescadores Pa�re Rafael, adversário do esquema, perseguido e jurado de morte N!! ANO XI FLORIANÓPOLIS 19 DE NOVEMBRO DE 1993 CURSO DE JORNALISMO DA UFSC UFSC Urgente A picaretagem entre professores e alunos 3 Falta segurança no Campus e até tarados agem 5 Florianópolis Cresce consumo de cocaína e cartéis se organizam 6 & Cultura No palco do TAC, o sucesso da peça "A Bofetada" 18 Os 80 anos do poeta Vinícius de Moraes 22e23 .___----------------------------- Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Upload: others

Post on 21-Jan-2021

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

A dinastia,

BiHencourt.ameaçada depoisde 63 anos dedesmandos

CENTRAL, 14 e 15

Medoetensão no

dia-a-dia dacomunidade depescadores

Pa�re Rafael,adversário doesquema,

perseguido e

jurado de morte

N!! 3· ANO XIFLORIANÓPOLIS19 DE NOVEMBRO DE 1993CURSO DE JORNALISMODA UFSC

UFSC UrgenteA picaretagementreprofessorese alunos 3

Falta segurançano Campuse até taradosagem 5

FlorianópolisCresceconsumo decocaína e cartéisse organizam 6&

Cultura

No palco doTAC, o sucesso

da peça"A Bofetada" 18

Os 80 anos dopoeta Viníciusde Moraes

22e23

.___----------------------------- - -

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 2: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

MlIurício Oliveir" m"nteve , trlldicio do Cursoem reportllgens. Ab"ixo li Clip" do'Jornll/ GuillVê, dlls lI/unlls MlIrli Heinicko e AndresslI FlIbrisclImpeis nll c"tegorill Perll Gróficll Jorn,,/ismo

It It * *... * * * >+--_"'-'-...

>+- >+- * *c>+->+- >+- >+-

� * * "� >+- "

'+- "..

libração na Bandeirantes

Quasecinco da tarde e a ansiedade dofechamento dojornalse acelera.

Giba (Gilberto Golzani, da segunda turma dojornalismo da UFSC),editor do Jornal Cidade da n Bandeirantes, começa a fechar o

jornal Do outro lado Valmeron de Bona (da primeira turma) calcula o

tempo de cada tela de serviço que entra e sai de cada bloco. Uma arte, umaimagem emmovimento e um texto emalle bem humorado. "O conserto dasua Enxutaficapor tanto... assim suaEnxutapode virar uma Brastemp".Entra serviço útilpara o espectador e até indicativos agropecuários. Temerprepara seus textos de defesa do consumidor e dicas de economia, enquantoJoséPaulo deAndrade vai comentar as reivindicações dos telespectadores.Sílvia, com seu sorriso sedutor tipo maeuma; apresenta as notícias.

Enquanto isso, do outro lado da redação, no Nacional, ElianeArdnt(da segundo turma), como chefe de redação, começa a cobrar as matériasdos redatores e dos repórteres. Tudo feito ainda em máquina de escrever,nõo existe computador nas duas redações da TVBandeirantes.

A cabeça damatéria de apresentaçâo do PCFarias está muito longa.Dou um palpitepara cortar o resumo da história de crimes do PC, Elianefica ofendida e mepergunta: "A minhamãe vai se lembrar de tudo isto".A mãe, quemora emAgrolãndia - SC - éoparlimetro do espectador comum.Um erro de avaliaçã», penso.

PCnãoprecisa deapresemação: Oque importa équedepois de 100diasacharam o homem em Londres. O correspondentefala no telefone ediz quetem apenas dois minutos de imagem. "Quem falOu que era somente doisminutos?". Chico Pinheiro, editor e apresentador, quer saber quem foiPede todo omaterial bruto. PC é a grandenotici« do dia. Da redaçdoparaa técnica.

Dante Matiussi comando ao lado de Giba o Jornal Cidade. Greve dosprofessores em Sdo Paulo, matéria editada e ao vivo. "Vamos conferirprimeiro bloco, entra a u'!', dois, tris... Vamos conferir o segundo bloco.Corta a cinco, deixa a. .. Ultimo bloco. Corta a matéria da Madonna. Ndopode cortar, a Sílvia chamou antes do comercial Corta as telas de serviço.Não vai dar tempo. Vai assim mesmo, a gente corta o final",

Entra matéria dos seguranças da Madonna, em Sdo Paulo. Comhumor, gente simples, seriam seguranças? O que fariam? Traçavam a

Madonna? Humor, puro humor. Riso geral, terminou o jornalLTm olho no monitor e outro na discussdo dapauta do dia seguinte.

Durante, do inicio aofinal, ummonitormostra a variaçõo da audiência. OCidade termina com sete pontos. Começou com dois.

- Nós concorremos com o AquiAgora e com as novelas da Globo.Todos vibram com os setepontos, um universo imensoparaSdoPaulo.

O jornal está no ar há pouco mais de uma semana. Na tela da Globo o

Cabrini começa a contar como descobriu o PC em Londres. Faz suspensee pede comerciais. A redação comenta: "Parece minissérie". Segue a

entrevista autorizada, não autorizada. Termina com o PC indo pegar umtáxi O Giba grita.

- Pega ladrão!Voltopara casa com o Giba. Ficopensando como é dificil reproduzir

o ritmo, a ansiedade, as vitóriaseas derrotas do redação deumjornalde TV.O ritmo alucinante da direção, de quando o jornal está indo para o ar,editores, diretor e apresentadores. O ponto, as mudanças pelas falltasexcessivas dos apresentadores. E a satisfação de ter visto três ex-alunos doCurso como responsáveis por tudo aquilo.

Masfui dormir com uma indagaçdo. Quem usou quem? OPC usou a

Globopara que osfilhos viajassemp'ara aEuropa ou aGlobo usouPCparamostrar sua competência epoder?Ebom lembrar que a dona Elma tentou

viajarmas ojuiz demenores deMaceió nãopermitiu o embarque dosfilhossem autorização do pai, que se encontrova em lugar incerto e não sabido.Graças àGlobo donaElmapoderia viajar. Dormi com a dúvida: quem usou

quem?

Jornalismo e PeçaGráfica é com a UFSCCurso ganha três prêmios na sexta edição do Set Universitário

o Curso de Jornalismo daUFSC se destacou no 6° Set Uni­versitário de Comunicação. Dossete prêmios distribuídos para a

categoriajornalística, ganhou três.Ficouem 3° lugaremparticipação,com 62 trabalhos inscritos. Evoltou de PortoAlegre como vice­campeão do festival.

O Set Universitário é o con­curso mais bem conceituado na

área de comunicação no Brasil.São 25 prêmios disputados por es­tudantes da Argentina, Brasil,Chile, Paraguai e Uruguai. Esteano 914 trabalhos concorreram

nas áreas de Jornalismo, Publici­dade,RelaçõesPúblicaseTurismo.

Outra vez aUFSCganhou nacategoria PeçaGráfica Jornalismo.Só que agora o Zero (pentacam­peão do Festival) perdeu para o

"GuiaVê",jornalparavestibulan­dos feito pelas formandas MarliHeinicka e Andressa Fabris. Nacategoria vídeo-jornalismo a

vencedora foi Kátia Klock com

"Ele não deixava eu rir", que falada violência contra as mulheres.A reportagem em texto foi bemrepresentada porMauricioOlivei­ra com amatéria "Por um pedaçode chão", que fala da situação dossem-terra em Santa Catarina. É a

terceira vez que o jornalismo daUFSC ganha essa categoria.

A organização do festival semostrou superior aosanos anterio­res, mas ainda pecou pela falta decertificado aos participantes. No­vidades não existiram. AFamecos(faculdade organizadora) mante­ve a hegemonia e ganhou metadedos prêmios, 13. Os "gringos" fi­caram cornos troféus de "consola­ção", apesar dohom desempenho,e oencerramentovoltou a serumamonótona "babação de ovo".,Mesmo assim o 6° Set serviu pantconfirmar que jogo fora de casa édificil de ganhar. E se não se trou­xe muitas novidades nos work­shops, pelomenos ficamos saben­do daDiléiaFrateo que terndentroda caneca do JÔ.

Diógenes Borelho

Jornal-laboratório do Curso de Jomalismo daUniwrsidade Federal de Santa Catarinaeditado pelo I.aboratório de Infografia

CapaAlexandra BaJdisserotto e Victor Carlson

ColaboraçãoProfessores Paulo Brito e Consuelo Lins,

estudantesAlessandra Pereira, Daniella Bassani e SandraNebelungCopy-writer

Professares Carlos Locatelli, Gilka GirardelloIlusáação

Alessandro da Silva, José da SilvaJúnior,Michelson Borges e Rodrigo Pissetti

DiagramaçãoAlexandra Baldisserotto,Angelita Corrêa, Diógenes Fischer,

Giancarlo Proença, Jaime Luccas, josema« Sehnem, José da SilvaJúnior, Luciane Lemos, Manano Senna,Meire Benotti, MônicaLinhares, PatriciaMárcia, Sérgio Severino e Victor Carlson

EdiçãoAlexandra Baldisserotto, Alessandro da Silva, CarlitoJúnior, DiógenesBotelho, Diógenes Fischer, Flávia Rodrigues, Giancarlo Proença,

Jaime Luccas, José da SilvaJúnior, [osemar Sehnem, Luciane Lemos,

••) OA·8' ,M

A PRIMEIRA AVENTURA V' '\L_ ...... ,._.

DO ESTUDANTE QUANDO '

MUDA DE CIDADE É PROC"URAR,.�.•....': .•UMA VACUINHA NUM APE (!!!!7',OU CASA DE AMIGO.

. '\o PREÇO DOS ALUGUEIS

E A FALTA DE ALTERNAnVAS

Paulo BritoJornalista e professor do Curso de Jornalismo da UFSC

Mauricio Oliveira, Mariano Senna,Meire Bertotti, Mônica Linhares,Paulo de Tarso, PatriciaMárcia, Sérgio Severino e Victor Carlson

FotografiaAlessandro Silva,]osiane Laps, LauroMaeda, Paulo de Tarso,

PedroMello, Yan Boechat e Vtctor CarlsonLaboratório Fotográfico

Jaime Luccas, Marcelo Santos, Paulo de Tarso, Vsctor CarlsonPrvjeto Gráfico eEditoração Eletrônica

Victor CarlsonSupervisão do LaboratDrioProfessorRicardo Barreto

TextosAlessandra Pereira, Alessandro da Silva, Alexandra Baldisserotto,

Ana Paula Pinho, CarlitoJúnior, Cláudia Repsdd, Diógenes Botelho,José da Silva,]osemar Sehnem, Luciane Lemos,Mariano Senna,Mauricio Oliveira, Meire Benotti, Mônica Linhares, Patricia Már­cia, Paulo de Tarso, Suyanne Quevedo, Victor Carlson e Yan Boechat

Acabamento e impressão: JornalANotíciaRedação: Curso de Jornalismo (UFSC-CCE-COM),

Trindade, CEP 88040-900, FIorianópolis/SCTelefones: (0482) 31-9215. Telex e Fax: (0482) 34-4069

Distribuição gratuita. Circulação dirigida

2," ,

_ .'

'" .,ZERO ,'.",

,

' «Ó'Ó;

, •

' :NOVEM'B�O:;�:93�

lar,docelar

"""'"''''''''''''''''''''''''''''''''"",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,'"11\1 "10'"

1111''''''''11''''''''''''''",1>,,,,,,,,,,''',,,,,,,,·"""'"'''''"'''''"111111'''''''''''''''''''''''''

�_�,,_,,",,:::::,"","","","""m","---�

1I1"'.. ""IIIIIUM .....'"

''''''''''"'10'''1>''''''''''

""'"11l1lUllllllU'"'"I""I",,"11..... '"1111.."" ....... 11' .."",,,,,,,,,,,,"",,,,",,,,,,,,,,.'".".....""""......"' ... ., ...'"'''''''''''''''11''''''"''''''''',"11'"111111111"'''''''' ..

.. J�ll:l!:��:lll:!lili

Melhor Peça GráficaI, II, III, IV e V

Set UniversitárioMaio88

Setembro 89, 90 e 91Outubro 92

�2ANOXI

OUTUBR093CURSO DE JORNAUSMO

CCE-COM

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 3: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Pacto medíocre

DP e Procuradoria batem cabeças

Na Computação háquem finja ensinar equem finja apr,ender

s estudantes que forem

O aprovados no próximo ves­

tibular para o curso de com­

putação podem se preparar. De­pendendo da disciplina, é possívelque o professor chegue na sala no

primeiro dia de aula, passe um tra­

balho e nunca mais apareça. Nãoque todos os professores do De­

partamento de Informática e Esta­tística (INE) façam ISSO, mas no

último semestre três professoresforam acusados de inassiduidadee da falta de qualidade em suas

aulas.O caso mais grave é do pro­

fessor Paulo Roberto Gomes deCarvalho. Na metade do segundosemestre de 1986 ele abandonousuas atividades na universidade pa­ra participar de um campeonatode pesca de arremesso no Chile.De um total de 44 aulas, PauloCarvalho deixou de ministrar 24."Ele deixou os alunos a ver naviosdurante um mês e meio", lembrao professor Júlio Szeremeta, chefedo INE.

A UFSC tomou providências.No início de 1987 foi aberto um

inquérito administrativo que cul­minou com a demissão do profes­sor PC. Ele então apelou na 2� Jun­ta de Conciliação do Trabalho ale­

gando perseguição do departa­mento.

O juiz Humberto Rufino, res­ponsável pelo julgamento, deter­minou a reintegração do professorem 30 de agosto de 1990, com o

direito a receber salário, 13� e fé­rias pelo tempo que o processo es­

teve em andamento. O total da dí­vida é de aproximadamenteUS$ 12 mil. A universidade recor­reu ao Tribunal Regional do Tra­balho, mas o juiz Câmara Rufinonão mudou a sentença do irmão.

De volta à UFSC, Paulo Car­valho continuou na sua rotina defaltar aulas. Em 1992 os alunos vol­taram a se queixar das faltas, mas

É sempre a mesma histó­ria. O caso do professor PauloRoberto Gomes de Carvalho,assim como o de AdautoBeckhauser (Ver edição IIano XI) também emperrou nájustiça do trabalho. A alega­ção para inocentar os dois acu­sados foi a mesma: "erro no

inquérito administrativo".

Para os departamentos

a chefia do departamento "deuuma prensa em PC" e conseguiucontornar o problema.

Mentiroso - No primeiro se­

mestre de 93 nova confusão. Na

disciplina de Cobol, ministrada nas

quartas-feiras à noite, PC não

compareceu no primeiro dia de au­la. Quando se encontrou com os

alunos, j:i na terceira semana leti­

va, disse que não estava preparadopara dar aquela disciplina. "Ele re­

clamou que fazia dez anos que nãotrabalhava com Cobol e que o de­

partamento o havia obrigado a dara aula", conta Letícia Tomelin,aluna da 6� Fase da Computação.

O que Letícia e os seus cole­

gas de aula de Cobol não sabiamé que Paulo Carvalho me!ltl.u: .em1991 ministrou a mesma disciplina.Pior, antes do início das aulas PCvendeu 15 dias de suas férias sobo pretexto de prepara� a �a�éri�.

O cúmulo da di spl icê nciaaconteceu em setembro passado.No dia 16 desse mês Paulo Carva­lho entrou com um pedido de li­

cença prêmio de três meses. Curio­samente, esse tipo de licença é umdireito exclusivo dos docentes coma assiduidade reconhecida pela ins­tituição. Mas como a justiça do tra­balho tratou o professor como um

funcionário exemplar, ele teria di-

envolvidos a culpa pela impu­nidade é da procuradoria daUFSC. "O advogado daUFSC estava mal preparado" ,

acredita Júlio Szeremeta, che­fe do INE se referindo ao pro­cesso do professor PC.

A procuradoria se defen­de com base na experiênciados seus advogados. "Isso é

besteira, o Dr. João Leonel

Machado, responsável pelocaso na época, tem mais de30 anos de advocacia", afirmaMarco Aurélio Moreira, pro­curador da universidade. Aomesmo tempo o procuradorjoga a culpa na Justiça Traba­lhista e no Departamento Pes­soal.

"O DP semprelibera os

documentos em cima da hora.Junta-se a isso a tendência da

reito a essa folga prolongada. Te­ria! Porém só no semestre 94, jáque o regimento interno da UFSCdiz que pedidos de licença prêmiodevem ser feitos com um semestrede antecedência no mínimo.

O professor PC passou por ci­ma do regimento interno daUFSC, do colegiado do INE e do

Departamento Pessoal. Em 24 desetembro o colegiado negou o pe­dido de licença do professor. PC

apelou para o DP, que demorou25 dias para reafirmar a decisãodo INE. Muito antes disso, no dia

primeiro de outubro ele simples­mente desapareceu. "110 alunosficaram sem aulas por causa dele.Ele disse que iria abandonar as tur­mas, mas ninguém levou a sério",conta o chefe do INE.

Até o início de novembroPaulo Carvalho não havia retor­nado ao trabalho. Por isso o chefedo INE encaminhou outro proces­so à reitoria pedindo a demissãodo professor por abandono de em­

prego. Segundo sua mulher, LindaCarvalho, ele está na região Nortedo país resolvendo problemas par­ticulares. "Se ele vier é só no finaldo ano. É bem provável que a gen­te se mude para lá", diz ela.

Aluno medíocre - O caso

descrito é só o mais grave. O de-

partamento de Informática têmoutros dois docentes problemáti­cos. Um deles é Paulo Pinto, pro­fessor de Análises de Algorítimos."Ele já foi dar aula bêbado váriasvezes", garante uma aluna do INE

que prefere não se identificar. O

professor PP foi suspenso por trêsdias no semestre passado por inas­sidiíidade. A reportagem do Zerofoi ao INE várias vezes em uma

semana e o professor nunca estavano departamento.

É interessante notar que os

alunos do curso de computação sócomeçaram, a se preocupar com

a qualidade das aulas de PP quan­do veio o resultado na primeira'prova desse semestre. A média ge­ral da sala foi 1,5. "Ele está se

vingando", esbravejava uma alunaque não quis dizer o nome. "Nin­guém entende nada e o professornão quer saber", conta outro alunoque também preferiu ficar no ano­

nimato. Agora o Centro Acadê­mico prepara um abaixo assinadopara pedir o afastamento do pro­fessor Paulo Pinto. "No próximoano não queremos que ele conti­nue a dar aulas", diz Luiz Fernan­do Fausto, presidente do C.A.

Outro professor tido como

inassíduo pelos alunos é Luiz Fer­nando Jacinto Maia, responsávelpelas disciplinas de MUMPS e Pro­

gramação Funcional. "Depois dagreve ele deu um trabalho e su­

miu", lembra um aluno anônimo.Os alunos já fizeram reclamaçõesinformais e temem que uma de­núncia oficial possa invalidar umamatéria do semestre. "Pra que re­

clamar? Todo mundo sabe queaquilo não serve para nada", justi­fica uma aluna. O professor Maiase defende dizendo que "um míni­mo de alunos pensam que a univer­sidade tem que ter qualidade. Amaioria fica quieta dentro da saladormindo" .

Alguns professores do INEtêm uma explicação melhor paraessii). simbiose "medíocre". A dife­rença entre Paulo Pinto e LuizMaia é que com Maia ninguém tem

problema de nota", teoriza outro

professor que como quase todosdo INE preferiu ficar no anonima­to.

Mar/anil SennaCII/abllfllU Victor Emmanue/

justiça em favorecer sempre o

empregado", emenda.

O DP admite as suas fra­gilidades. "Existe falta de in­formações nos arquivos do DP

, e por coincidência foi na fichado professor Paulo Carva­lho", diz João Santana, chefedo DP. Ele se refere ao fatode a ficha pessoal de PC nãoter anexo o processo de 1987.

Foi por causa disso que o DPlevou 25 dias para decidir so­bre a licença prêmio do' pro­fessor em outubro desse ano.

"Levamos 16 dias para conse­

guir uma cópia do processocom a procuradoria", justificaJoão Santana. (Um detalhe: Areportagem do Zero conse­

guiu a cópia do processo em

apenas um dia com o procu­radorMarco Aurélio Moreira),

NOVEMBRO - 93 ZERO 3

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 4: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

SUITE 1

o aniversário do rouboConfirmada afalsidade doCatharinense

Ohistoriador Jali Mei­rinho confirmou a

falsidade do exem­

plar do jornal "O Cathari­nense" encontrado no co­

meço deste ano na seção deObras Raras da BibliotecaUniversitária. O parecer doprofessor de História daUFSC diz que a cópia serviucomo convite para a Expo­sição Comemorativa dos 87anos de fundação do próprio"O Catharinense", um

evento que reuniu na capitalosprincipa�nomesdapo�tica catarinense em julho de1918. Embora tenha manti­do o formato (15,3x21,Scm), a cópia apresenta in­dícios de fotomontagem quenão aparecem na única fotoconhecida do original, pu­blicada pelo IBGE na Enci­

clopédia dos MunicípiosBrasileiros, de 1959. Alémdisso, o falso "O Cathari­nense" é uma reproduçãoapenas da capa do jornal,que tinha ao todo quatro pá­ginas.

O procurador-geral daUFSC José Márcio Mar­

ques Vieira.acha que o pro­cesso do caso "O Cathari­nense", que já tem mais decem páginas, pode se encer­

rar por aqui mesmo "se não

aparecerem novidades vin­das de fora da UFSC". Háalgumas possibilidades: o

original teria sido visto re­

centemente numa feira de

antigüidades em Belém doPará e há cerca de três anos

num curso sobre história daImprensa em Santa Catari­na promovido pelo DiárioCatarinense. Mas são sóboatos; ninguém assume a

responsabilidade por essas

informações.A principal causa da es­

tagnação do processo é a fal­ta de registro da passagemdo Catharinense verdadeiropela seção de Obras Raras.O problema não é exclusivodesse jornal: a maioria dasobras raras foram doadas,mas não se sabe por quem.Quando a microfilmagemdos jornais antigos foi feita,em 1987, já era a cópia queestava lá.

o QUE MUDOU - Areforma na seção de ObrasRaras foi interrompida porfalta de verbas. As únicasmudanças foram a instala­ção de cortinas "black-out",compradas com o dinheirodas multas por atraso na de­volução de livros, e de sete

aparelhos exterminadoresde ácaros e fungos, doadospelo fabricante.: A fechadu­ra da porta da sala foi troca­da e a chave, que costumavaficar pendurada num pregoà disposição de qualquerfuncionário, agora fica o

tempo todo com a respon­sável do setor. Por falta depessoal disponível a recon­

tagem do acervo, previstapara o período em que a se­

ção ficou interditada, nãofoi feita.

:J!!i::- \---

_ ':'tT� ...... - ta. o,. 'o... =, ,n, . 1'''1''.6•. CJ,

---�-=.--- - -----

c:zz:a;;a:=�·eAJlIAR]NENSE

..

SUITE 2

Rádiosde SCainda amargamcalote do governo

Nove meses depois da es­

tréia 'do "Bom dia, governa­dor", Vilson Kleinübing final­mente fez o primeiro pagamen­to às 190 emissoras de rádio queretransmitem o programa em

troca da quitação da contas deluz. O montante de CR$ 10,4milhões, referente apenas atéjulho, é dez vezes menor queo devido, já que não foi aplica­da correção monetária.

Conforme publicado com

exclusividade no último Zero,o acordo feito entre Kleinübinge a Associação Catarinense dasEmissoras de Rádio (Acaert)previa que, em troca da veicu­lação do programa, as rádios te­riam as contas de luz pagas pelogoverno. De todas as emissorasdo estado, apenas as quatro FMda RBS não aceitaram retrans­mitir o "Bom dia, governador"."Seria como na Voz do Brasil:todo mundo desligaria o rá­dio", justifica o gerente-geralda RBS Rádio de Santa Cata­rina, Armando Appel.

De fato, parecia um bomnegócio para as rádios, que con­tinuariam pagando normal­mente as contas de luz à Celesce seriam imediatamente reem­

bolsadas pelo governo. Mesmocom o não cumprimento doacordo, o prograrnaque é trans­mitido aos domingos das sete

e. meia,às oito da manhã, con­

tmuará no ar. "O governo não

paga nada com correção mone­

tária, mesmo", consola-se o

presidente da Acaert, CarlosAlberto Ross. Já a AssociaçãoSul-brasileira das Emissoras deRádio Independentes (Asberi),uma dissidência da Acaert com27 associadas no oeste de SantaCatarina que também partici­pou do acordo, está planejandouma visita ao governador paraexigir o pagamento da correçãomonetária.

Maurício Oliveira

4.' ZERO

.93 • NOVEMBRO

� ......... fi.. __:a:t:: ==-

II�:":"-r"" UI �..,,.. fi". I"''''' .." c..", tit, It..eIM .... ,_ �...�,"",-''''.. •• 1111'11•• d., J0I4 r.... ,1tu .!'t.",.,. "., � • I ,.,..ao;

�'I."L'H"If"'" nu """"'''''' ..... "nJ 1,,;. '-to M,i�",. �."..,..;J..�. r..I.. .,..',., "...�." Jc, .sw" .. ". """".... I·,� ,._lit \ tfN.:g... ,r:". "'.:;pc.x.u ,...1'01' vlflk;un'.

� • •.�......... :...

, '.---_.. -

...,._ __ _.......-.,-�_._ -a.,._...- .......

_". .sr • c�·""ont.I='.,,,curn " ""''''''r'';�1'Q".,.. ....d ...,..,cl flfC.· J.'.'�.I"""·'..�:,_",_-r--- _�-__,,�. �

É interessante contar o

que aconteceu com os per­sonagens dessa história nes­

tes últimos doze meses. Va­ladares Oliveira, alegandomotivos particulares, se

transferiu para a Universi­dade Federal do seu estadonatal, Ceará. Laudelino

Sardá deixou a editoria de

opinião do Diário Catari­nense e está trabalhando na

UFSC como assessor do rei­tor Antônio Diomário deQueiroz. Sua mulher, Nar­cisa de Fátima Amboni,

continua a pós-graduaçãoem Administração de Em­presas e se prepara para vol­tar à Biblioteca no ano quevem "como diretora".

Itfaurfclo OIl"BII'II

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 5: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

A videoteclI dll iisk«já foi visitlldll dUllsvezes pelos /lIdróes

.

Crime e violência no Campus da UFSCNo ano passadoforam 132 casosde assaltos

Nanoite de 24 de setem­

bro um rapaz de aproxi­madamente 22 anos de

idade invadiu a sala 247 doCentro de Comunicações e Ex­

pressão da UFSC armado com

um revólver. Trancou a portada sala e assaltou os alunos e

a professora Sônia BredaZannete, do Curso de Dese­nho e Pintura, promovido peloDepartamento de Apoio à Ex­tensão. Muito nervoso, o assal­tante pediu apenas o dinheirodas pessoas, levando cerca de3 mil cruzeiros reais. Saiu dasala às 21 horas sem que os fun­cionários da portaria do Cen­tro percebessem.

Este é apenas mais um dosvários casos de violência sofri­dos por quem estuda, trabalhaou apenas passa pela Univer­sidade. O Campus é aberto e

qualquer pessoa pode entrar ecometer um crime. Desta ma­

neira vários carros foram rou­

bados, dois alunos seqüestra­dos ao saírem da BibliotecaCentral por três fugitivos daPenitenciária, e uma senhorade aproximadamente 65 anos,estuprada quando estava inter­nada no Hospital Universitá­rio.

Só em 1992, foram regis­trados 132 ocorrências pelaCentral de Segurança do Cam­pus. A reportagem do Zero te­ve acesso aos arquivos da Cen­tral e achou entre os roubosde 92, doze automóveis, oitoalto-falantes, sete assaltos em

bancas de revistas e bares, cin­co bicicletas, dois videocasse­tes, um computador, um proje­tor de slides e um motor debetoneira.

.

Visita - Entre os muitoslocais da UFSC já assaltadosestá o Departamento de Física,que já foi "visitado" mais 'deuma vez por ladrões. O pro­fessor João José Piacentin,conta que na primeira vez leva-

ram um videocassete e algunsdrives de computador. Na se­

gunda vez, toda a Videotecado Departamento foi roubada.Dois videocassetes, uma filma­dora com todos os equipamen­tos, um teclado de micro, umcontrole remoto de telão (quenão funciona sem o controle),entre outros equipamentos fo­ram levados.

O responsável pela Video­teca, Maurício Justino, diz queos ladrões roubaram várias fi­tas VHS, mas tiveram o cuida­do de levar apenas as fitas vir­

gens. "Os ladrões conseguiramentrar e sair porque as janelasdos blocos modulados do Bási­co são removidas facilmente",diz o professor Piacentin. O

Departamento já enviou váriosprojetos à Reitoria e alguns ór­gãos financiadores de :<lesquisapara conseguir uma nova Vi­

deoteca, mas até agora nadafoi resolvido.

O coordenador de Segu­rança Física e Patrimonial daUFSC, Sálvio José Vieira, citaalguns problemas que dificul­tam a ação do seu setor: faltade pessoal, vigilantes com maisde cinqüenta anos trabalhan­do, falta de treinamento ade­

quado, iluminação precária emgrande parte doCampus, por­teiros dos Centros desprepara­dos para o serviço. Acha ainda

que existe muita burocracia pa­ra conseguir melhorias junto àReitoria. Foratudo isto, "osfatos são abafados e a mídianão fica sabendo dos crimesque ocorrem na UFSC", revelaum funcionário da Segurançaque preferiu não se identificar.

Menino de rua - Alémdestas deficiências, a Seguran-

ça seria prejudicada pelos pró­prios alunos da Universidade.Várias vezes os policiais uni­versitários tentaram deter os

meninos de rua que estavam

perturbando no Campus, masforam impedidos por alunos

que diziam estar defendendoos direitos do menor. Quandoeventualmente são detidos, es­tes menores nem são levadosà Polícia que não os aceita, jáque são muitos casos e os poli­ciais não sabem o que fazercom eles,

O coordenador de Segu­rança também indica os even­

tos culturais como o "Rock no

Bosque" e o "Talento Univer­sitário" como causadores docrescimento da violência den­tro da universidade. "Os estu­dantes não deixam a polícia en­trar para nos auxiliar e, porcausa disto, já ocorreu um ar­

rastão num destes shows",completa Sálvio.

O professor Ivo Zimmer­

mann, diretor da ComissãoPermanente do Vestibular

(Coperve), disse em uma reu­

nião sobre segurança no CCE,

A segur"n!" do Cllmpus registrou o rouho de doze lIutomóveis e sete IISSII/tos em 92

que também acha tais eventos

perigosos à segurança do Cam­pus. Para ele, estes showsatraem gente de fora, aumen­tando o tráfico e o uso de dro­gas. Zimmermann lamentatambém que o serviço nas por­tarias dos Centros seja defi­ciente. "Nos finais de semana,qualquer pessoa entra no CCEsem identificar-se e os vigilan­tes não perguntam nada".

Mas os crimes não são co­metidos apenas por gente defora da Universidade. A cornu­

nidade universitária que é a

responsável direta pela patri­mônio da UFSC, rouba muitomaterial da Universidade, des­de canetas hidrográficas atécomputadores.

Base de Operação - Asdrogas também estão no coti­diano do Campus. O uso e o

tráfico acontecem entre fun­cionários, alunos e professo­res. Apesar de existir um pontode venda de maconha na PraçaSantos Dummont (em frenteao Departamento de Adrninis­tração Escolar, na entrada daUFSC), um membro da segu-

rança do Campus disse na mes­

ma reunião do CCE, que 90%do uso deste tipo de droga di­minuiu dentro da UFSC.

O pró-reitor de Adrninis­

tração, Mário Cesar Bitten­court, diz que o problema exis­te mas que, comparando com

o de outras Universidades Fe­

derais, é pequeno. Ele cita co­

mo exemplo a Federal Flumi­nense onde, em pleno Cam­

pus, o Comando Vermelho

possui uma base de operações.A contratação de pessoal

e um melhor aparelhamentodas equipes de segurança, de­

pendem de verbas do Ministé­rio da Educação. "Mas a Rei­toria faz algumasmelhorias aos

.•poucos", diz Mário César, e dácomo exemplo o treinamentodos seguranças, que será reali­zado agora em novembro aquina UFSC pela Polícia Militardo Estado.

Alessandro Silva

Tarados agem na UniversidadeMas nem só de assal­

tos e roubos vive a UFSC.Os tarados também atacamna Universidade. Só em 92,três "se mostraram" peloCampus. Mas existem tara­dos que a Segurança nem

fica sabendo, alguns agemnos laboratórios, outrosnos vestiários do Centro deDesportos e, outros ainda,nos banheiros dos Centros.

É o caso do Centro deComunicação e Expressão,onde os banheiros mascu­

linos recebem, constante-

mente, a visita de um

Voyeur. O detalhe interes­sante, é que este Voyeur éum homem. Sobre este as­

sunto existem várias ver­

sões e poucas pessoas que­rem falar, já que o taradoé um Professor do Centro.Um outro professor doCentro, que não quis iden­tificar-se , contou que "to-

.dos no Centro sabem quemé o tarado, mas nada é feitoe, quando você vai ao ba­nheiro ele tá lá te olhan­do".

NOVEMBRO·93 . ZERO -.

5

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 6: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

está na repressão. "É claro queé preciso cabeça. Mas se eu

percebo que o cara é viciado

mesmo, boto na cadeia", diz.Os critérios de bom senso sãodefinidos pela classe social."Quanto a gente vê que a pes­soa é de família, sabe que qua­se sempre ela está só experi­mentando � só chama os pais" ,

coloca.O pres.dente do Conen

não concorda e acredita que a

solução para o consumo está

longe da repressão da polícia."Quando o presidente Bush

quis combater a produção decocaína nos países andinos, em1991, gastou 58 bilhões de dó­lares e não conseguiu diminuirnem a produção nem o consu­

mo", compara. No Brasil, a

verba usada para repressão deusuários e combate ao tráficoé superior aos 900 mil dólaresdestinados aos dez milhões defumantes e trinta milhões dealcóolotras do país. Mesmo as­

sim, o consenso entre médicose profissionais do ramo é o de

que pouco tem sido feito paraconter o aumento dos usuários.

Sem política

Cocaína invade morros de Florianópolis

Atéa polícia reconhece:

o tráfico de cocaína to­mou conta de Florianó­

polis e está quase fora de con­

trole. Mesmo longe de se equi­parar aos castelos do narcotrá­fico do eixo Rio-SP, a dissemi­nação da droga é assustadora:

alguns morros da cidade come­

çam a configurar cartéis en­

quanto o consumo de cocaína

está prestes a destronar o damaconha. As facilidades no

transporte e lucro imediatoatraem um número de trafican­tes cada vez maior - a estima­tiva da Delegacia de Tóxicosda DEIC é de que mais de cem

pontos de vendas estejam ins­talados em apenas seis morros

da Ilha.A pnmeira apreensão de

cocaína na capital foi feita em

1980 ..Desde então o tráfico e

o consumo não pararam decrescer: nos últimos dois anos

225 pessoas foram autuadas em

flagrante por tráfico da drogae desde 92 cerca de 70 trafi­cantes foram presos. Passada

pouco mais de uma década o

narcotráfico caminha para uma

consolidação semelhante a doRio de Janeiro. "Alguns mor­

ros da Ilha estão formando car­

téis" , alerta o delegado Acionide Souza, que trabalha há dozeanos na repressão as drogas.Os principais pontos de venda,segundo ele, estão localizadosno Morro da Caixa, Morro do

Mocotó, Morro do 25, Morrodo Horácio e Morro do NovaTrento. A Delegacia de Tóxi­cos estima que em cada um

existam dois ou três patrões(donos do negócio) e seis pas­sadores principais (encarrega­dos de vender a droga), além I'

de traficantes menores.

O tráfico absorve todo o

tempo dos policiais da Dele­

gacia de Tóxicos do Departa­mento de Investigação Crimi­nal - DEIC: são três batidas

por dia em cada um dos morrosonde a venda da droga já virourotina. Não há estatísticas sa­

bre o número de usuários mas

o delegado Acioni de Souza,arrisca uma avaliação: segundoele no último ano, o aumento

de consumidores foi de 40%.Nas dez clínicas de tratamentode Florianópolis o número deinternados por uso de drogaspassa de 300.

o consumo da droga na capital tem crescido tanto

que cartéis estão articulando o�role do tráfico.Há cerca de 100 pontos de venda na cidade

Negócio seguroA consagração da cocaína

como droga preferida pelos jo­vens não é privilégio da cidadede Florianópolis. Em todomundo a "branca" - como éconhecida pelos usuários - ga­nha adeptos. A produção e o

consumo mundial estão esti­mados entre 700 e 1000 tonela­das ao ano, segundo o relatório<10 Programa das Nações Uni­das para o Controle Interna­cional de Drogas, divulgadoem setembro. No Brasil o con­sumo anual está avaliado entre10 e 20 toneladas.

As razões para o aumentodo tráfico e do conseqüenteconsumo estão na própria na­

tureza da coca. O volume me­

nor, a facilidade de transporte,o fato de não ter cheiro e deser solúvel em água tem levadotraficantes de todo país a aderirao negócio da "branca". Se­

gundo o presidente do Conse­lho de Entorpecentes de SC

(CONEN), Jairo Brincas, o

Brasil é um dos maiores produ­tores dos componentes da co­

caína - éter e acetona - o

que consolida seu lugar nas ro­tas do tráfico internacional.

Aqui em Florianópolis a drogachega pelas rodovias, trazidasprincipalmente do Mato Gros­so do Sul. O trajeto é seguro:enquanto a maconha precisaser transportada por caminhão

e em toneladas - com granderisco de ser apreendida - a co­

ca viaja em quantidades pe­quenas, por estradas secundá­rias e bem longe dos olhos da

polícia.

Lucro certoO retorno financeiro na

venda da cocaína também é

responsável pelo interesse dostraficantes na droga. Isaac Bar­reto, presidente do ConselhoFederal de Entorpecentes(COFEN), estima que 60% dofaturamento de 150 bilhões de

dólares, provenientes do nar­

cotráfico na América Latina,venha da venda de cocaína.Nos morros da Ilha a situaçãonão é diferente. Enquanto um

baseado (cigarro de maconha)é vendido a CR$ 300,00, umgrama de cocaína custa em mé­dia CR$ 1.500,00. "Os trafi­cantes obtém a droga por con­signação e tem direito a trinta

por cento do que for vendido",informa Acioni. Ms a porcen­tagem não satisfaz os "passa­dores" e leva a disseminaçãoda cocaína falsa, ou suja, maisconhecida como "loque". Elesmisturam a droga pura com póde giz, mármore, e conseguemdobrar o lucro da venda", colo­ca o delegado.

O fato não impede que o

número de usuários aumente

cada vez mais. Ao contrário do

"amolecimento" causado pelamaconha - droga que mareoua década dos hippies e que em

Florianópolis continua sendo a

mais consumida - a geraçãode hoje procura o efeito dosestimulantes. Jairo Brincas,que há 11 anos trabalha com

dependentes, diz que "o jovemquer drogas que ativem o me­

tabolismo e não causem ressa­

ca nem dor de cabeça". O Co­nen recebe três a cinco usuá­rios de drogas por semana e

·faz o encaminhamento de cadaum a uma das dez instituiçõesde tratamento de Florianópo­lis. Segundo Jairo Brincas a

maioria deles é de classe po­bre, tem idade de 15 a 25 anos

e todos são dependentes de ál­cool. Ele frisa também o fatodos jovens terem informaçãosobre os males da droga, ao

contrário do que aconteciaanos atrás, quando as pessoasse drogavam sem imaginar as

dimensões dos danos ao orga­nismo.

RepressãoA prisão de usuários de

drogas é uma prática comum

nas delegacias de capital. Ape­sar de não revelar os númerossob a alegação de que "sâo pre­judiciais para a cidade e paraos jovens", o delegado Acioniadmite que a melhor maneirade conter o consumo. de drogas

Jairo Brincas acredita queo aumento no consumo tam­

bém tenha ligação com as polí­ticas nacionais de prevenção,meramente informativas e ine­ficazes. "O Ministério da Saú­de concede ao Confen uma

verba anual de CR$ ummilhãoe nem por isso o número deusuários tem diminuído", en­fatiza. Para Brincas a única for­ma de atuar decisivamente sa­

bre o problema está no traba­lho feito nas comunidades. "Épreciso criar conselhos locais,que trabalhem com os doentesde cada região", coloca.

Até o ano passado 21 con­selhos como estes funcionavamem Se. Hoje, por falta de ver­bas das prefeituras, apenas seisestão atuando. O maior pro­blema está na centralização do

orçamento para o combate as

drogas. "O dinheiro não cheganos municípios" coloca Jairo.E completa: "O mais absurdoé que estes conselhos quasenão exigem gastos. Apenasuma sala e o pagamento deuma pessoa para trabalhar jáseriam suficientes".

Miln/ca Linhares

6 ZERO 93 - NOVEMBRO

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 7: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Quem com fogo fere...Jovens queimamhomem e dançamna Cadeia Pú�ica

Na madrugada do dia 26de outubro, no terminalde ônibus Rita Maria,

três jovens atearam fogo no

jardineiro Luiz Carlos Travisk,38 anos, que dormia próximoao bar onde eles trabalhavam.José Adélcio Fernandes, 21

anos, Róbson da Rosa, 18 anose o menor L.R.S., 17 anos fo­ram presos em flagrante pelopolicial militar Luciano HélioGarcia e encaminhados à Cen­tral de Plantão Policial, no Es­treito. Luiz Carlos foi socor­rido e levado ao Hospital deFlorianópolis.

O crime ocorreu por voltadas três horas e vinte minutosda madrugada. Luiz Carlos foiesticar as pernas no chão e aca­

bou dormindo. "Acordei pe­gando fogo", lembra Travisk,que foi prontamente socorridopelo cabo da PM Gilberto e

por um funcionário do RitaMaria. "Foram gastos dois ex­

tintores de incêndio de gás car­bônico para conter as cha­mas", conta o chefe de opera­ções do terminal, José Rober­to.

Em depoimento prestadoao delegado Pedro Mendes,José Adélcio e Róbson da Ro­sa culparam o menor L.R.S.de ser o autor do crime. Peloque consta no auto de prisãoem flagrante n� 125/93, Róbsonteria apenas acompanhado o

menor e José Adélcio chegadoao local no instante em que L.R.S. ateavafogo no jardineiro.Primeiro a depor, Adélcio con-

Atendimento éfeito por alunos doCurso de Direito

Desde julho, os moradoresda Grande Florianópolis que ga­nham até três salários mínimos

podem resolver suas pequenasencrencas no Juizado de Peque­nas Causas da Universidade Fe­deral de Santa Catarina. O aten­

dimento é prestado pelos alunose professores do curso de Direito

que trabalham em conjunto com

o Fórum instalado na UFSC.O Juizado de Pequenas Cau­

sas atende a reclamações de pe­quenos estragos, de pessoas queforam lesadas em até três saláriosmínimos. Durante este semestre,um senhor procurou o Juizado daUFSC porque o bode do vizinhoinvadiu a sua casa e comeu todaa plantação de alface. Casos co-

tou que o menor os convidoua irem tocar fogo em um men­

digo que dormia do lado de fo­ra da rodoviária, e que ele vi­nha fazendo isso a semana todapara correr com os indigentesdo local. Segundo ele, L.R.S.pegou um copo com álcool e

acompanhado de Róbson foi

para fora do terminal, onde a

vítima dormia. José Adélciodisse que foi depois para ver,pois não acreditava que os doisteriam realmente coragem deatear fogo em uma pessoa. Eledeclarou que viu, de longe, omenor acender o isqueiro e bo­tar fogo, e que Róbson estavacom o copo com o álcool namão, mas não viu quem derra­mou o líquido em Luiz Carlos.Róbson confirmou o depoi­mento do companheiro e ne­

gou ter jogado álcool no jardi­neiro. Depois de prestar depoi­mento, os dois foram condu-

mo este não precisam ser levadosa um tribunal tradicional, a nãoser que as partes envolvidas não

entrem em acordo. Se as partesconcordarem o caso está encer­

rado. Se não aceitarem, o Juizadoentra com uma ação e o caso vaiser resolvido pelo juiz do Fórumda UFSC. Em casos mais comple­xos, como separação e busca demenor é impetrada ação na Jus­

tiça. •

Mais de mil pessoas já procu-raram o Juizadoda UFSC desdea sua inauguração. "Atendemoscerca de vinte pessoas por dia.Já temos 1.500 processos em an­

damento", revela o aluno de Di­

reito, Ronaldo Salum Jr. A pro­cura tem sido intensa na área deDireito de Família: separação de

casais, pensão alimentícia, inves­tigação de paternidade e guardade menor. Até 04 de novembrohavia cerca de 80 pedidos de pen­são alimentícia, 12 de investiga-

Lu;z C"rlos sofreuqueim"dur"s de2! e 3! gr"us

zidos à cadeia pública. O me­

nor foi encaminhado à 6� Dele­gacia de Polícia (proteção àmulher e ao menor).

A vítima, Luiz Carlos Tra­visk, está internada no isola­mento do Hospital Florianópo­lis, e sua situação é estável.Travisk teve trinta por cento

da sua área corporal atingidapor queimaduras de segundo e

terceiro graus. Foram atingi­dos suas pernas e o escroto. Pa­ra o diretor clínico do hospital,dr. Jairo Vieira, o maior riscoque Luiz Carlos corre é de uma

infecção, pois Santa Catarinanão dispõe de serviço especia­lizado para o atendimento a

queimados. "Ele ainda sofre

ção de paternidade, três de guar­da e cinco de busca de menor.

De acordo com a estagiáriado curso de Direito Ana PatríciaPereira, a maior parte dos casos

é de assistência social. "Muitasvezes o problema está na estru­

tura familiar. Algumas pessoasnos procuram uma vez e não vol­tam mais", diz Ana Patrícia. Bri­gas entre casais levam a popula­ção a procurar o Juizado. Há pelomenos 15 casos de maridos quebatem nas mulheres e nos filhos.

Os 274 alunos entre a sétimae a décima fase de Direito quetrabalham no Juizado acompa­nham algumas causas estranhas.Semestre passado, uma senhora

procurou o Juizado da UFSC por­que o seu marido mantinha rela­

ções sexuais com a cadelinha docasal. "Ela disse que não sabiao que fazer, pois tinha pena da

cadela", conta a estagiária Carla

outros riscos, como desidrata­ção aguda e problemas renais,devido à grande quantidade de

água perdida pelos ferimen­tos", alerta Jairo. Os médicos

41 que cuidam do jardineiro sãoo urologista Sílvio Schmidt e

o cirurgião plástico OsvaldoJoão Pereira Filho. Não há

previsão para a saída de LuizCarlos do hospital.

Travisk é natural de SãoBento do Sul, e veio para Flo­rianópolis há cinco anos, de­

pois de passar parte de sua vidaem Rio Negro (PR). Inicial­mente vendia pastéis na praiados Ingleses, mas desde que se

fixou no bairro de Coqueiros,há dois anos, na rua Desem­

bargador Pedro Silva sin, tra­balhava como jardineiro. Ele

ignora o motivo do crime. "Decerto pensaram que eu tinhadinheiro. Só que eu tinha ape­nas o dinheiro da passagem doônibus para voltar para casa".Reclamando das dores, Tra­visk acredita que poderá sairdo hospital em duas ou três se­

manas para voltar a trabalhar.Os autores do delito tra­

balhavam nas lanchonetesTet's e Numenga, localizadaslado a lado no terminal RitaMaria e que pertencem ao mes­

mo dono. O menor L.R.S.,após a prisão e o encaminha­mento ao sexto DP, foi levadoà Justiça da Infância e da Ju­ventude e recebeu representa­ção da promotoria, ou seja, fi­cará em liberdade condicionalaté que seja julgado pelo juizda Infância e Juventude. A au­

diência não tem data certa paraser realizada. "Pela gravidadedo crime, L.R.S., poderá atéser internado no Centro deReeducação São Lucas por umperíodo máximo de três anos,

segundo o Estatuto da Criançae do Adolescente", explicou o

.*'

Seeman.O fórum da UFSC agiliza o

andamento dos processos. Sepa­rações que antes levavam mais deum ano para serem resolvidas po­dem ter fim em dois meses. Sefor consensual, quando há um

acordo entre o casal, é feita em

menos tempo. Um casal entroucom o pedido de separação con­

sensual no último dia 14 de setem­bro e vinte dias depois o processoestava concluído. Desde julho, 14processos, incluindo causas de

despejo, busca de menor, divór­cio e pensão alimentícia, já ti­nham sido solucionados. A pres­tação de serviços do fórum daUFSC abrange as questões cíveis,como a posse de imóveis, e fami­liares, excluindo causas criminaise trabalhistas.

Júlio César Machado deMello, o novo juiz do fórum daUFSC assumiu há três semanas

professor de Direito da Crian­

ça e do Adolescente da UFSC,, Nuno de Campos.

José Adélcio e Róbson daRosa foram indiciados no arti­

go 121, parágrafo 2�, item 7 do

código penal, pelo crime detentativa de homicídio qualifi­cado, e podem pegar uma penaque varia de doze a trinta anos

de reclusão. Eles foram enca­

minhados à Cadeia Pública de

Florianópolis no início da ma­

nhã do dia 26 e colocados no

cubículo D-1, galeria D. Osdois estavam na cela juntamen­te com outros treze detentos,que não sabiam o motivo da

prisão de Róbson e Adélcio.Quando souberam, através deuma reportagem de televisãono dia 27, à uma e meia datarde, espancaram os dois vio­lentamente. Róbson foi o mais

atingido. Teve vários cortes norosto e nos lábios e perdeu cer­

ca de dez dentes. José Adélcio,por não ter tido participaçãodireta no crime, foi poupado:sofreu apenas um corte na ca­

beça. Eles foram encaminha­dos ao Hospital Universitárioe retornaram ao presídio apósatendimento médico. Róbsonfoi levado ao Manicômio Judi­ciário, para se recuperar, e

Adélcio foi transferido para o

"local seguro", que é como o

chefe de segurança do presídioSílvio Agostinho chama o lugaronde ficam os criminosos con­

siderados de risco, como estu­

pradores. "Ele está lá apenaspara não apanhar mais dos pre­sos", conta Sílvio. Já foramidentificados cinco presos queespancaram Róbson e JoséAdélcio. Quando perguntadosobre o que aconteceria a estes

detentos, Sílvio respondeu:"Isto cabe à justiça decidir".

UFSC presta assessoria jurídica à comunidade

NOVEMBRO-93 ZERO 7

Paulo de Tarso

e já promete modificações quantoà prestação de serviços deste ór­

gão. De imediato ele pretende al­terar o horário de funcionamentodo fórum. Atualmente, funcionadas 13 às 19 horas. Agora, poderáfuncionar das 8h30min às 20 ho­

ras, com intervalo para o almoço.

Outra mudança prevista é a

participação dos estudantes na

audiência. Hoje os estagiáriostêm acesso a arquivos e a compu­tadores para o cadastramento e

acompanhamento das causas,mas quem defende os clientes no

fórum são os professores. "É im­portante que os alunos possam fa­zer perguntas aos clientes. Elesnão podem ter medo do juiz ou

do promotor, pois precisam sairda Universidade preparados parao mercado de trabalho", alertaJúlio César.

Alessandra PBreira

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 8: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Hemosc corre atrás de novos doadores'Estoque de sangue não chegapara atender nem a metade dospacientes do hemocentro

O projeto "agendamentode doadores", desen­volvido pelo Hemocen­

tro de Santa Catarina há um

ano, não está dando certo. O

preconceito e a desinformaçãotêm sido fortes barreiras para a

doação de sangue, fazendo com

que o número de "agendados"não passe de 30 por mês. O ob­

jetivo inicial do projeto serianão perder as pessoas que apa­recem no hemocentro paraeventuais doações e depois so­

mem. Através do agendamento,a cada três meses o doador rece­be em casa uma carta lembran­do do compromisso assumido e

só terá trabalho de ir até o He­mosc para a triagem e a coleta,que dura apenas 10 minutos.

A corrida atrás de gente pa­ra as doações faz parte do dia-a­dia do hemocentro. O estoquede sangue ideal, capaz de supriras necessidades da população,é de 30 mil coletas por ano, masa realidade fica bem distante dis­so: 14.400, nem ametade do quese precisa. O problema é quea maioria das pessoas só se dis­

põe a dor sangue quando um pa­rente ou amigo precisa de trans­fusão. Do total de bolsas coleta­das por ano, 70% são consegui­das dessa forma. Apenas 6%dos doadores tomam a iniciativa

espontaneamente, sem que o

sangue vá especificamente paraalguém. Os restantes 24% do

sangue são conseguidos atravésde campanhas e convênios queo Hemosc mantém com institui­

ções como o Exército, a PolíciaMilitar, a Universidade Federale os bancos. :,

No primeiro semestre desteano, foi feita uma campanhajunto ao Besc. Vestidos com ca­

misetas que traziam o slogan"deposite saúde, doe sangue",funcionários do banco distribuí­ram panfletos explicativos à po­pulação na tentativa de mobi­lizar doadores. Mas o esforçonão rendeu grande coisa: duran­te todo o dia em que a unidademóvel do Hemosc ficou estacio­nada no calçadão da Felipe Sch­

midt, no centro de Florianópo­lis, ,foram colhidas apenas 50bolsas - 22,5 litros de sangue."Poderia ter sido mais, não fos­se a demora do atendimento",justifica a assistente social GeniBeiró dos Santos. Com o cadas­tramento de doadores feito ma­

nualmente e uma unidade mó­vel mal equipada, foi inevitávelque filas enormes se formassem.A pressa falou mais alto do quea vontade de ser solidário, fa­zendo com que muitos fossemembora.

O medo de doar- Numasociedade onde ainda existe o

preconceito contra o uso da ca-

II

misinha, não é de se estranhar

que as pessoas tenham medo dedoar sangue. Elas não são devi­damente educadas e a desinfor­

mação é geral. "Os própriosfuncionários do Hemosc têmcertos preconceitos", confessaGeni Beiró. E se quem convivecom esta realidade tem receios,imagine-se então o quanto um

funcionário público como Antô­nio João de Oliveira pode ser

desinformado sobre o assunto.

Em 1986, a esposa Rute Basíliode Oliveira, com quem já estava

casado há 21 anos, precisou deuma transfusão. Mas Antôniorecusou-se a doar o sangue "O

positivo" de que ela precisavado mesmo tipo que o seu. "Nãosei por que, mas tenho muito

p• "

medo desse troço", explica. O !econce.tos e ter us.máximo que ele conseguiu fazer. SflO umfl lorte "flrrelfflpela mulher foi juntar dez cole-> pllrll dOllfio de sllnguegas de trabalho para as doações.

Durante as campanhas,funcionários do hemocentro ou­vem coisas do tipo "eu tenho

pouco sangue para doar" ou "jánão basta o que exploram da

gente e ainda querem o nosso

sangue". Mas, no meio de tan­

tos tabus, o medo mesmo é o

da Aids. Uns acham que podemser contaminados através domaterial de coleta, embora ele

seja totalmente descartável.Outros têm medo de descobriro que não querem. Como? Toda

pessoa que faz uma doação temo seu sangue submetido a uma

série de exames que testam a

=ua qualidade, e um deles pro-

cura detectar o vírus HIV.Quinze dias depois da coleta, odoador tem acesso ao resultado.

·Apenas tabus-Geni Beirógarante que muitos dos tabus

que giram em torno da doaçãonão. têm o mínimo fundamento."Não enfraquece, não engrossao sangue, não traz nenhum riscode contaminação e não tornanovas doações obrigatórias". Seo doador tiver alguns requisitosbásicos exigidos, os riscos são

praticamente inexistentes. Bas­ta que a pessoa tenha entre 18e 60 anos de idade e pese maisde 50 quilos. Mulheres grávidasou que tenham dado à luz hámenos de seis meses não devemdoar sangue, assim como aque­las que estiverem no períodomenstrual. Também não é aeon-

selhável que pessoas com pro­blemas cardíacos ou pulmona­res graves não façam doações.As restrições também servem

para quem já tenha tido hepa­tite, sífilis ou doença de Chagas.

A idéia de que se tem pou­co sangue para doar é uma outrabesteira. Esse risco ninguémcorre: a quantia retirada em ca­

da coleta é de 450 mililitros (umdécimo do nosso volume total),nada que vá fazer falta ou preju­dicar a saúde de alguém. Quemestiver ciente disso e resolver fa­zer uma doação, na verdade,não vai estar ajudando a uma

só pessoa: seu sangue será fra­

cionado, podendo favorecermais de três receptores.

ARB PBulB Pinho

Medo e desinformllfiolizerllm Antônio recusllr

sllngue .fé parer esposa

Você pode doar sangue se:- tiver entre 18 e 60 anos de idade;- não estiver gripado ou tomando algum medica-mento;- não tiver doado há menos de três meses'

-não ter contraído hepatite, sífilis, malária ou doençade Chagas;- não tiver hábitos homossexuais ou bissexuais'- não tiver contato com viciado em drogas ou suspeitode Aids;- não ingerir bebida alcoólica há menos de 24 horas'- não estiver no período menstrual;

,

- não for anêmico;- não tiver feito cirurgia importante há menos deseis meses;- pesar mais de 50 quilos;

Antes de fazer a triagem do sangue, o doadorresponde um cadastro e passa por uma pequena entre­vista. Depois, são feitos alguns exames laboratoriaispara identificar peso, altura e pressão.

O doador não deve fazer a coleta em jejum, mastambém não.pode comer alimentos pesados ou gordu­rosos. Depois da doação, é servido um lanche.

Quinze dias depois, o Hemosc entrega os resul­tados dos exames.

B.

ZERO 93 - NOVEMBRO

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 9: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

H.U. faz a primeiraconstrução total debexiga do mundoM.E.D. tinha extrofiade bexiga e usavauma bolsa artificial

O, professor titular deCirurgia da UFSC,Doutor Paschoal Fe­

lippe, acompanhado de uma

equipe de seis médicos, maisanestesistas, enfermeiros e

psicólogos, realizou no dia 29de outubro a primeira cirur­

gia de construção total da be­xiga urinária e uretra domundo. A operação foi reali­zada no Hospital Universitá­rio e começou às oito horasdamanhã, estendendo-se atéas onze e quinze da noite.A paciente, M.E.D., de 33anos, veio de Goiânia parase submeter à cirurgia. Elapassa bem e ficará internadadurante todo o mês de no­

vembro.para que os médicospossam acompanhar o fun­cionamento da nova bexiga.

M.E.D. nasceu com ex­

trofia da bexiga - quandoo órgão fica aberto na super­fície da pele, não permitindocontinência urinária - asso­

ciada a problemas nos órgãosgenitais. De acordo com

diagnósticos anteriores, elatinha agenesia de vagina (au­sência congênita da vagina).A paciente já tinha se subme-

tido a oito cirurgias, que de­vido à falta de técnicas ade­

quadas, visavam apenas darcondições para que ela vives­se. Antes da operação, a pa­ciente portava uma bolsaplástica junto ao abdôme�,com a função de coletar un­na, fazendo o papel da be­

xiga.A cirurgia empregou

uma nova técnica, desenvol­vida na Universidade deMainz, na Alemanha, e quehavia sido testada apenas emcinco simulações com cadá-'veres na Universidade deFrankfurt. A técnica consisteem construir uma texiga uri­nária artificial com o auto­

transplante de cerca de 30centímetros dos intestinosdelgado e grosso, utilizando­se o apêndice como uretra.No caso deM.E.D., a opera­ção não se resumiu apenasà construção da bexiga, poisa paciente apresentava mais

problemas.Além de extrofia da be­

xiga, ela tinha a fusão totaldos pequenos lábios - e não

agenesia de vagina, como se

acreditava anteriormente -,

seus dois rins em funciona­mento ficavam do lado es­

querdo do corpo, com um

rim atrofiado do lado direito,útero bicorno (duplicação do

útero), duplicação completado intestino grosso e um cistode ovário. Para agravar a si­tuação, haviam as aderênciasdas operações anteriores,que levaram cinco horas paraserem desfeitas pelos médi­cos para que se pudesse ini­ciar a cirurgia propriamente ,

dita."O abdômen da pacien­

te foi fechado às seis da tar­

de, e então iniciou-se a cirur­

gia plástica no local, para re­

tirar as cicatrizes anteriorese refazer o umbigo, que desa­pareceu nas outras cirur­

gias", conta o dr. Paschoal.A construção da bexiga deM.E.D. começou às oito damanhã, com a marcação daregião a ser cortada. Em se­

guida, foram marcadas as ci­catrizes e abriu-se o abdô­men. Retirou-se então as

aderências e descobriu-se umcisto gigante no ovário, quefoi prontamente removido.Após esta parte de cirurgia,

Opertl!io nio se resumiu "pentls à hex;g" pois " p"ciellte t;n"" pr06lem"s II0S órgios gen;t,;s

a equipe médica fez o inven­tário da cavidade abdominalda paciente e isolou-se a no­

va bexiga.Reconstruído o tubo di­

gestivo e feita a bexiga, fe­chou-se o abdômen, passan­do então para a parte genitalda cirurgia, comandada peloginecologista Edson Fedriz­zi. Nesta parte da operaçãoocorreu a reconstrução esté­tica e funcional da vagina.

"As doenças dos órgãosurinários e genitais acome­

tem um número muito maiorde indivíduos do que se ima­gina, mas os comentários pú­blicos são restritos por se tra­tarem de órgãos íntimos",alerta o dr. Paschoal. A pri-�meira cirurgia de reconstru­

ção de bexiga que se conhecedata de meados do séculoXIX, e foi realizada por SirSimon, na Inglaterra. Elanão teve sucesso pois na épo­ca não haviam antibióticos."Mas o método utilizado foio correto", lembra Felippe.Os primeiros sucessos foramalcançados após a segundaguerra, com os avanços daciência, como a descobertade antibióticos e o domíniodas técnicas de anestesia.

A operação do dia 29,realizada totalmente de gra­ça, aproveitou a semelhançaentre as musculaturas parafazer o apêndice desempe­nhar o papel da uretra. O dr.Paschoal calcula que se a ci­rurgia fosse paga, entretan­to, custaria até 300 mil (M­Iares.

Operação inédita - Anova bexiga de M.E.D. tema capacidade de 600 ml, du-

A cirurg;" contoucom sete médicos

e demorouquinze "ortls

zentos a mais do que as bexi­gas normais, e foi testadacom sucesso no dia 8 de no­

vembro, data em que a pa­ciente foi transferida da UTIpara um quarto na enferma­ria. Foi neste dia tambémque o dr. Paschoal Felipperevelou ao Zero o ineditismoda cirurgia. Anteriormenteele afirmava que as outras

operações haviam sido reali­zadas em pacientes vivos.

Paschoal Felippe espe­ra, com a realização de uma

cirurgia deste porte no Hos­pital Universitário, obter ummaior apoio das instituiçõesgovernamentais brasileirasde fomento à pesquisa. O di­retor clínico do HU, dr. Car­los Eduardo, revela que a in­tenção é tornar uma cirurgiainédita em cirurgia de rotina,e espera que o hospital se tor­ne centro de referência paraestudantes e médicos do Páise do mundo.

A equipe médica querealizou esta cirurgia inéditacontou com o urologista Pas­choal Felippe, o ginecologis­ta Edson Fedrizzi, o procto­logista Felipe Felício, o uro­

logista Osvaldo Vieira, o ci­rurgião vascular Edson Car­doso e os cirurgiões CláudioOliveira e Márcio Cunha.Participaram da intervençãotambém quatro anestesistas,uma equipe de enfermageme dois psicólogos.

Textos II fotus'Bulo TB"O

NOVEMBRO - 93 ZERO 9

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 10: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Devastação reduz Mata Atlântica

Mais tie 28%tia MatllA t/intiClI

"rllsileira estáem SIIntll

(IItllrina, milso estatlo IIintlll

nio tlecitliu'"zer o

toma"amentotill árell

Descaso do governo faz com quese deixe de ganhar US$ 6 milhõesdo Banco Mundial em três anos

Odescaso de sucessi­vos governos esta­duais fez Santa Ca­

tarina perder boa parte desuas maiores riquezas. Doscinco estados que forma­ram em 1988 um consórciopara proteger a MataAtlântica, Santa Catarinaé o único que não concluiuo tombamento da floresta.Sem uma proteção legalefetiva da floresta, o esta­do não foi incluído no Pla­no Nacional de Meio Am­biente (PNMA) e está dei­xando de receber 6milhõesde dólares do Banco Mun­dial para programas am­

bientais no período1991-94.

O tombamento é ain-.

da condição essencial paraque a mata catarinense se­

ja reconhecida pela Unes­co como patrimônio da hu­manidade. Esse reconheci­mento permite a criação deuma Reserva da Biosfera,estabelecendo formas deexploração racional da flo­resta e centro de pesquisae monitoramento. A reser­

va inclui ainda programasde educação ambiental e

de interação das comuni­dades locais com o ecossis­tema. Os estados do Riode Janeiro, Espírito Santo,São Paulo e Paraná já con­

seguiram o reconhecimen­to da Unesco. O mesmo

aconteceu ano passadocom Minas Gerais, queaderiu ao consórcio em

1989.Atraso - O processo

de tombamento em SantaCatarina dependia de um

parecer técnico da Funda­ção de Amparo à Tecno­logia e Meio Ambinte(Fatma) concluído em de­zembro do ano passado.Iniciados em 1987, os estu­dos sofreram um atrasoconsiderável em relaçãoaos outros estados. SãoPaulo e Paraná já haviamtombado a mata em 1985e 1986, respectivamente.No Espírito Santo o pro­cesso foi concluído em

1989, no Rio de Janeiro em1991 e no Rio Grande doSul em 1992. A Gerente deEstudos e Pesquisas da

Fatma, Selma Mattos Di­niz, atribui a demora a

"problemas políticos". Di­niz acredita que há um te­

mor de que o tombamentoprejudique a atividade ma­

deireira no estado, que em92 foi responsável por 7%do PIB catarinense.

Além disso a falta derecursos impediu a Fatmade levar os trabalhos adian­te. A principal dificuldadeera o zoneamento da flo­resta, que exigia a comprade imagens de satélite. Se

dependesse das verbas dogoverno do estado, os estu­dos nunca seriam termina­dos. Apenas em 1990 a

Fatma conseguiu, empres­tado pelo Ibama, um estu­

do da Fundação SOS MataAtlântica baseado em ima­

gens do sistema Landsat.O parecer técnico da Fat­ma foi entregue em janeirodeste ano a Fundação Ca­tarinense de Cultura, quedeveria proceder o tomba­mento.

Abuso da lei - Maso processo ainda esbarrouem problemas legais. A leiestadual 5.846, de22/12/80, que regulamentaa proteção ao patrimôniocultural, não reconhecebens ecológicos como pas_­síveis de tombamento. "Eum absurdo que só existeem Santa Catarina", afir­ma Dalmo Vieira Filho, di­retor de Patrimônio Cultu­ral da Fundação Catari­nense de Cultura. O gover­nador já encaminhou à As­sembléia Legislativa, um

projeto de alteração da lei.Segundo Vieira Filho, a

Fatma sugeriu que o tom­bamento fosse promulga­do mesmo antes da apro­vação do projeto de lei."Nós preferimos não fazerdesse modo para evitar re­cursos da justiça".

Outro problema é co­

municar a todos os pro­prietários da área a ser

tombada. São 24.661 qui­lômetros quadrados, abra­gendo 106 municípios e mi­lhares de propriedades.

10 ZERO 93 - NOVEMBRO

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 11: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Trata-se de um corredor de500 quilômetros de exten­são e até 250 de largura so­

bre as Serras Geral, doMar e regiões costeiras on­de moram 2,2 milhões de1-ssoas. A lei obriga que

os proprietários sejam no­

tificados para em 15 diasaceitarem ou impugnaremo tombamento. A Funda­ção ainda não sabe nem o

número de pessoas que de­vem ser comunicadas e es­

tá estudando o problema.Enquanto questões

políticas e burocráticas nãosão 'resolvidas, a floresta e

o estado saem perdendo.,

Em 1985, Santa Catarinaera o estado que continhaos maiores remanescentesde Mata Atlântica no Bra­sil. Entre 1985 e 1990, fo­ram desmatados 6,11% dafloresta, ou 99.412 hecta­res, uma área maior que o

parque estadual da Serra, do Tabuleiro (90.000 ha),a maior reserva do estado.Os ecossistemas associa­dos, como restingas e man­

gues, perderam 1.789 ha,cerca de 2% do que haviaem 85. O que restou hojeda Mata Atlântica no esta­do equivale a 1.530.000 ha,um pouco menos do quehá em São Paulo.

Madeira clandestina- A partir de 1990 um de­creto federal proibiu qual­quer desmatamento em

área de Mata Atlântica. Odecreto 99.547, assinadoem setembro de 90 pelo en­tão presidente interino daRepública, Itamar Franco,deveria ter vigência curtaaté que fosse regulamenta­da a exploração da flores­ta. A inflexibilidade da leiacaba estimulando cortesclandestinos. O superin­tende estadual do lbama,Sérgio El'Kouba, admite

E"tre '5 , 90 forllmtlesmlltlltlos 95 mil"ectllres till Mlltll,

comprometentlo II vitlll ti,corujlls, gllrflls e micos­leões. Pllisllgens, como

estlls tio Pflrque tiorflhuleiro, estio sentlo

tlestruítlfls

palmiteiro. Cortando ape­nas as plantas maiores,Reis conseguiu uma pro­dutividade de 17 kg por[hectare ao ano, o que equi­vale a 57 vidros de palmito.Como o palmiteiro demora,IS anos para se recuperar,; o corte indiscriminado em.

uma área igual produziria.

14 quilos por hectare ao

ano, ou 46 vidros -, O méto-do de manejo de rendi­mento sustentado de Reistem uma produtividade24% maior, sem destruir amata.

Plantas que curam- A Mata Atlântica é a

floresta mais rica em espé­cies do mundo e uma dasmais ameaçadas. Das espé­cies já conhecidas peloscientistas 10% estão na

Amazônia e na MataAtlântica. Muitas plantas

sequer foram estudadas e

podem guardar segredosvaliosos para a cura demuitas doenças. Reduzidaa5% de sua cobertura ori­ginal, as áreas mais preser-

,

vadas da Mata Atlântica,

formam um corredor con­tínuo do Espírito Santo ao

Rio Grande do Sul. São re­manescentes que cobremas Serras do Mar, Geral eda Mantiqueira em escar­

pas de difícil acesso. Nosdomínios da floresta estãoas maiores cidades do país,onde vivem 80 milhões depessoas, mais da metadeda população do Brasil. Osmaiores pólos industriaistambém estão nessa regiãoe são responsáveis por80% do PIB nacional.

Santa Catarina é o es­

tado que possui informa­ções mais detalhadas sobre

a floresta. Graças aos botâ­nicos Raulino Reitz e Ro­berto Miguel Klein, queestudaram a Mata Atlân­tica catarinense por trintaanos, hoje nenhum estado

I t�m informações tão minu­CIosas. O padre RaulinoReitz classificou 500 novas

espécies, até então desco­nhecidas. Essas informa­ções foram publicadas peloHerbário Barbosa Rodri­gues, desde 1951, nos 250volumes da coleção "FloraIlustrada Catarinense".Segundo a Fatma, SantaCatarina detém 28% do to­tal de remanescentes da

-floresta no país.Enquanto a Reserva

da Biosfera não sai do pa­pel, o Conselho Nacionaldo Meio Ambiente (Cona­ma) aprovou a regulamen­tação. do decreto que vaiperrmtrr a exploração eco­

nômica da Mata Atlântica.O decreto 750 de 10/02/93foi aprovado em outubroe deve entrar em vigor ain­da em novembro substi­tuindo a lei que' proíbequalquer corte na floresta.Pela nova legislação, se­

gundo EI'Kouba, o Ibamavai autorizar cortes quenão excedam o limite decrescimento natural da ma­ta. Sem o tombamento eos recursos do BancoMun­dial porém, vai ficar maisdifícil deter os desmata­mentos clandestinos.

que há dificuldades de fis­calização. No ano passadoforam encontradas árvorescaídas na Reserva Índige­na de Ibirama. Os fiscaisdo lbama precisam de au­

torização da Funai e da Po­lícia Federal para entrarem reseryas indígenas. Se­gundo El'Kouba, a fiscali­zação deve passar a ser fei­ta nas madeireiras, onde épossível reconhecer a ori­gem da madeire- pelo tipode árvore extraída da flo­resta.

Esses desmatamentosclandestinos podem darmenos lucro do que um uso

racional dos recursos daMata Atlântica. O biólogoAdemir Reis, da Univer­sidade Federal de Santa'Catarina, estudou por qua­tro anos um método de ex­

ploração sustentado do

As queimfltllls sio ,.

principfll CGUSII tilldestruifio till Matll

Tem Callito JúniorFotos VicfDl Car/son

; -; :.;,w _��",•• _ ••._,"'_�.. ,_

� ,_,

��{,. c••�:.��,. :�� s:t�';'::-:<' � ��.� jl-' ,e;{11t.7 . ,�.¥f,;:�;1o'

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 12: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

��,,�\¥

o prefeito (esqllerdaJ e o seeret.rio daadministrafio mllnicipal nio aceitam o

resilltado da última.eleifio da associafio

Oligarquia de Imaruldomina pescad res

há seis décadasGrupo de oposição ameaça poder da famíliaBittencourt ao vencer eleição para Colônia de Pesca

Pela primeira vez na história deImaruí, a Colônia Z-17 -asso'ciação que reúne amaioria dos

pescadores da região - escapou docontrole da família Bittencourt. Con­trolar a entidade significou, durantemuito tempo, manter sob domínio os

pescadores filiados, e como conse­

qüência, uma parcela expressiva da

população. Afinal, a pesca é � prin­cipal atividade econômica de Imaruí.Desde o dia 16 de outubro, a Z-17é presidida por Jânio Torres, ex-ban­cário e um dos líderes da oposiçãodo município. "Achei que alguémprecisava fazer alguma coisa pelospescadores porque até ago� eles sóeram usados para encher os bolsos da

oligarquia local", diz.

Jânio tomou posse na associaçãoao vencer uma eleição conturbada,cujo resultado ainda não foi oficial­mente reconhecido pela prefeitura."A eleição não foi correta porque a

Colônia estava sub júdice e o Jânionem pescador é", afirma o prefeitoAirto Fernandes, do PPR. Jânio Tor­res se defende afirmando que já traba­lhou na Estação de Pesca do Governodo Estado e mostra a carteirinha de

pescador, devidamente providencia­dameses antes da eleição. "A Colônia

sempre foi o caixa-dois da prefeiturae encobriu o enriquecimento ilícito demuita gente". Para ele, a prova da

ligação é o fato da prefeitura ter cedi­do a sala do Mercado Público ondefunciona a associação, além demóveise dois funcionários. Jânio acrescenta

que a Z-17 é subordinada à Fepesc(Federação dos Pescadores do Estadode Santa Catarina) e não ao muni­cípio. "Acredito que a Colônia tenhasofrido um rombo em torno deCR$ 15 milhões. Os recursos federaise estaduais mandados para cá eram

desviados. Foram transformados em

cabeça de gado e carro de luxo".

Atirando em todas as direções,Jânio faz uma denúncia ainda mais

grave. "O dinheiro da campanha doAmin em 82 passou todo pela prefei­tura de Imaruí. Eram malotes e maismalotes que chegavam do Besc Cen­tral nos porta-malas dos táxis. Na épo-

o município produz1440 toneladas de peixee eamario por ano

ca, o Epitácio Bittencourt era o presi­dente do Tribunal de Contas e eu era

gerente da agência do Besc daqui. Vidinheiro grosso. "Jânio conta que des­de essa época já era perseguido porfazer parte da oposição. "QuandoKleinübing foi eleito, a primeira coisa

que fizeram foi me transferir para o

norte do estado porque eu havia

apoiado o governo Pedro Ivo Cam­

pos".

Jânio Torres, nascido em Imaruíe atualmente filiado ao PDT, diz queassumiu uma entidade em total desor­dem. "Não tenho condições nem deinformar 'o número de associados daColônia. Para se ter uma idéia o anti­

go presidente, Manoel Brás Pereira,tomava umas quinze cervejas por diacom o dinheiro dos pescadores"

. Jâ­nio acrescenta que antes nem haviaeleição, os editais não eram publica­dos e bastava um quorum de 77 pesca­dores para, em assembléia, confirmaro candidato único que se apresentas­se. "Que, aliás, era sempre aliado dosBittencourt", emenda.

O presidente da Colônia tambémacusa os "poderosos" de Imaruí deterem tentado comprá-lo. SegundoJânio, o CeI. Afonso Henrique For­

tes, militar reformado e atual assessordo prefeito, teria the oferecido saláriocomo funcionário da prefeitura paraser presidente sem eleição. "Mas comcondição de eu esquecer o passadode Imaruí". Nessa época, Jânio en­

viou um documento à Polícia Federal,queixando-se das perseguições que es­

tava sofrendo e relatando as irregula­ridades verificadas na administraçãoda Colônia.

Ataques pelo rádio - As eleiçõesdeste ano para diretoria da Z-17 fo­

ra!" polêmicas. Além de Jânio, tam­bém concorreu o pescador AntônioSouza da Silva, o Niquinho, cujas sa­

bras do material de campanha aindase encontram na prefeitura. A vota­

ção estava marcada inicialmente parao dia 7 de agosto. Durante três sema­

nas antes desta data, o radialista Eli­seu Martins, da Rádio 26 de Abril

(de propriedade dos Bittencourt),atacou o candidato da oposição, JânioTorres. "O Eliseu me caceteou na rá­dio dizendo que eu nao podia ganharporque não era pescador". Na vés­

pera da eleição, o radialista ameaçourevelar "podres" do passado de Jânio

em seu programa. .

Eliseu não imaginava que a rea­

ção dos aliados de Jânio pudesse ser

tão rápida. Um grupo de quinze pes­cadores cercou a emissora e tentou

impedir à força a continuação do pro­grama. A situação ficou tensa. Foramchamados o delegado, o promotor e

o juiz. Este último expediu uma limi­nar proibindo Eliseu de citar o nome

do candidato nas transmissões. "Eleficou tão nervoso que entrou no ar

gaguejando", lembra Jânio. Eliseu,que tem 25 anos de profissão, tambémnão esquece aquele dia e ameaça em

'_

A tensão aumentou com a apro­ximação da nova data. Eliseu conti­nuou divulgando pelo rádio que nãohaveria eleição. "Eles queriam evitara concentração de pescadores no cen­

tro da cidade", diz Jânio. No dia mar­cado, o presidente da Fepesc, Ivo Sil­va, chegou a Imaruí com a urna. Jâniopediu a ele que chamasse os pesca­dores pelo alto-falante. "Estávamos

dispostos a realizar a eleição de qual­quer jeito". Na versão do radialista,o presidente da Fepesc foi trancadodentro de um carro e obrigado a con­

vocar a votação: "e�es fizeram tudo

tom de blefe: "o que eu sei do passadodele vou contar na hora certa. Minhabriga com esse pessoal ainda nem co­

meçou".

Depois do tumulto, as eleiçõesforam adiadas para 12 de outubro,através de decisão judicial. O juiz,que já foi transferido de Imaruí, ale­gou "inexistênca de clima" para a vo­

tação. Porém Jânio acredita que hou­ve interferência por parte do depu­tado estadual Pedro Bittencourt Netoe de seu tio, Epitácio Bittencourt,conselheiro do Tribunal de Contas doEstado. "Eles vieram a Imaruí naque­le dia para pressionar' as autoridadese garantir o cancelamento das elei­ções '.

Antônio Frflncisco doNascimento pesca desde

os 1S e apóia Jan;o

sozinhos, à revelia da Justiça, e aindasaíram em festa pelas ruas da cidade".

Muitos pescadores deixaram devotar porque era feriado e não tinhamcomo chegar ao centro. Jânio afirmaque a Colônia havia pago CR$ 13.500para garantir o transporte dos eleito­res e acusa novamente o poder localde ter bloqueado os ônibus que tra­riam os pescadores até a sede da Z-17 .

Mesmo assim, o quórum de 197 pre­sentes foi alcançado e Jânio acaboueleito. Foram 216 votos para ele, 14

para Niquinho e 'um em branco.

O deputadoPedro Bittencourt Netotambém não reconhece a validade daeleição. Segundo ele, Imaruí tem cer- ._@)ca de doismil pescadores e esse núme­ro de votos é inexpressivo. Pelos cál­culos de Jânio, apenas 400 ficaramsem votar. A chapa derrotada aindatentou impedir a posse.mas o juiz de J'"Laguna, que está respondendo porImaruí, garantiu que ele assumisse a

.

presidência da Colônia.

Briga política - Para Jânio, 1"""",;,;"""";""""""",,,,;,,,,,,,;,;,;,,"",'"Imaruí é diferente de qualquer outrolugar do estado. "Aqui, se você é con-tra o esquema, não botam nem luz

.

na sua casa. Mas isso está diminuindo. I.·.··O povão não quer mais saber dessa :gente". Já para os integrantes da si- .'

tuação, o que a nova diretoria da Co- I, '.lônia quer é dominar a cidade. "Eu

'.

não admito uma eleição feita na mar- ....

ra, como eles fizeram", diz o prefeitoI..

'.

Airto Fernandes. Jânio acha que con­

quistou o cargo porque mostrou a

"verdade" aos seus eleitores: "os Bit­tencourt não sabem nem embarcarnuma canoa. Só sabem explorar peS-Icadores" .

Texto Alexandra BaldlssBfOtlD I.Reportagem Josemaf Sehnem \.;

e Luclane Lemos .

fotos Victor Carlson .,

,1,2.'''''" ' ..� . . ,

. .

. ZERO .

.'NOVEMBRO - 93

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 13: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Ex-vere"tlor AtlemirR"imuntlo: "t"e"tlo qu"ntloimpetli" compr" tie votos

E/iseu M"rtins "git" " politic"/oe,,/ noprogr"ml q'"

"present" nl Rá"io 26 tie Abri/

Violência cresce e

toma conta da cidadeem época de eleição

Acada ano eleitoral a ci-

.

dade de Imaruí ferve.De acordo com o de­

legado Amilton Manoel Ra­mos, em época de eleição o

movimento da delegacia au­

menta. No ano passado, a

oposição acusou a existênciade fraude nas eleições muni­

cipais e pediu recontagem dos

votos; o prefeito eleito mor­

reu antes de tomar posse; umex-vereador da oposição foi

espancado por quatro 00-mens e a rádio da família Bit­tencourt foi incendiada na

noite de Natal.Em Imaruí há apenas

duas facções políticas. De umlado está o PPR, respaldadopela oligarquia Bittencourt.De outro, aUDI (União parao Desenvolvimento de Ima­

ruí), frente de oposição for­mada pelo PMDB, PDT e

PL. A UDI não aceitou o re­

sultado final das últimas elei­

ções, quê deu a vitória ao can­

didato da situação por apenas75 votos, de um total de cercade 12.400 eleitores. Isto signi­fica uma vantagem de aproxi­madamente 0,5% para o can­

didato eleito. "Reconheçoque foi uma vitória diffcil,mas não há motivo para re­

contagem. Eles devem estar

incoformados por terem per­dido por uma pequena dife­

rença", diz o atual prefeitoAirto Fernandes, do PPR.

Voto a cabresto - O pedidoda recontagem dos votos ain­da não foi julgado. "O cor­

reto seria a realização de no­

vas eleições", defende o pre­sidente da Colônia Z-17, Jâ­nio Torres, de olho na cadeirado prefeito. Os integrantes da:oposição acusam os escruti­nadores e os presidentes dasmesas de conhecerem todosos macetes para fraudar a vo­

tação. "Em Imaruí, ainda

Impasse na votação do anopassado para prefeito ainda nãofoi solucionado e gera polêmica

funciona o esquema de voto

e cabresto: o eleitor já chegacom a cédula preenchida e sótem o trabalho de depositá-lana urna" , conta Ademir Rai­mundo, 40 anos, ex-vereador

pelo PMDB.O prefeito Airto Fernan­

des concorreu como vice deLúcio Carlos Faust, que teve

uma crise hipertensiva e mor­

reu antes de assumir a prefei­tura. Eu, como médico possoafirmar que ele faleceu porcausa da pressão da oposição.Foram váhos telefonemasanônimos e ameaças de mor­

te", garante Fernandes. Ape­sar disso, os Faust ainda estãorepresentados na prefeiturade Imaruí. O filho de LúcioCarlos, Sérgio Faust ocupa o

cargo de Secretário de Admi­

nistração Municipal. "Elemanda mais que o prefeito",afirma o ex-vereador AdemirRaimundo. "Pode nomear e

demitir quem ele quiser, pro­tegido por uma lei municipalque the dá amplos poderes".Barganha - O ex-vereadorAdemir foi agredido duranteas eleições do ano passado."Eu estava tentando impedirque cabos eleitorais da situa­ção comprassem votos, quan­do quatro capangas me ataca­ram", diz mostrando as cica­trizes no rosto. "Por causa

disso, tive que fazer duas ci­

rurgias no nariz". Ademiracusa a oligarquia local de terinstalado a "indústria da mi­séria" em Imaruí. "Aqui opovo vive humilhado e repri­mido. Os políticos adoramque os pobres peçam coisasna prefeitura. Assim, eles po­dem barganhar os votos da

próxima eleição". O ex-ve­

reador registrou a agressãona delegacia local, mas é co­

nhecido por se meter em en­

crencas. Ele tem passagem na

polícia por tentativa de homi­cídio e assédio sexual.

Outro registro na dele­

gacia local é do incêndio que.

destruiu parte da Rádio � ��

Abril na noite de 24 de o ....

zembro do ano passado. Atéhoje, ninguém foi responsa­bilizado pela polícia por faltade provas. O diretor da emis­sora, Epitácio BittencourtSobrinho, não falou sobre o

assunto, mas o radialista Eli­seu Martins acredita que foi"obra da oposição". Eliseuconta que tanto ele próprioquanto seu patrão vinham re­

cebendo ameaças de morte e

telefonemas anônimos. "Li­

garam pro Pita e avisaram

que ele ia receber um presen­te na noite de Natal".

De fato, naquela noite,o fogo destruiu 80% dos dis­cos, todo o equipamento de

gravação e um transmissor darádio, que existe há 26 anos.

Há três meses, houve novo

princípio de incêndio no lo­

cal, porém dessa vez, só algu­mas fitas foram queimadas. Apolícia encontrou indícios de

sabotagem mas continua sem

provas. "O lugar é muito de­serto e o serviço foi bem fei­to", diz o delegado AmiltonRamos. Para ele, é natural

que houvesse revolta depoisda polêmica criada pelo pro­grama de Eliseu. "Afinal queraio de imprensa é essa quesó beneficia um lado?

Briga Política - O radialistaEliseu Martins define seu es­

tilo como crítico e tem cerca

de 40 processos nas costas.Mesmo trabalhando há ape­nas um ano na 26 de abril,ele já atraiu para si toda brigapolítica do município. "Per­

guntem ao Dr. Odimar Pa­checo (ex-candidato a prefei­to da oposição) como foi queele chegou em Imaruí. Nãotinha nada, se fez aqui coma ajuda dos Bittencourt e ain­da diz que sofreu persegui­ção". O ex-candidato é médi­co e foi expulso do corpo clí­nico do hospital de Imaruí,que é controlado pela dinas­tia local.

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 14: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

tização dos padres Rafael e Luiz foi

apoiado pela Igreja. Em 15 de outubrodo ano passado o Conselho Diocesanode Tubarão emitiu uma nota manifes­tando seu repúdio diante dos aconteci­mentos e se solidarizou com eles. Anota afirmava que os padres foram inti-

e midados e por isso impossibilitados de� transitarem livremente pelas estradas

i quelevavam às comunidades da paro­

.. quia, contrariando a Constituição, que� dá plena liberdade de ir e vir a todos.oS A nota destacava ainda as acusações� injustas levantadas e creditadas aos pa-dres, como as manifestações de indig­nação e inconformismo da populaçãocom o resultado das eleições munici­pais.

O vigário geral da Diocese de Tu­barão, padre Valdemar Carminati,alertou que "padre Rafael assumiu umaposição de defesa dos oprimidos, ampa­rado pelo Evangelho. Além disso, Ima­ruí é um caso típico. E o padre, naquelemomento, teve que assumir uma posi­ção partidária porque era o único meiode transformação da sociedade.

Atuação política - Mas o prefeito da

época, Epitácio Bittencourt Sobrinho,insistia em acusar os padres e atacava

principalmente o padre Rafael. "Eletomou uma atitude partidária e como

político teve que ser tratado". E co­

mentou ao jornal A Notícia que "deve­ria ser criada uma lei determinando a

desincompatibilização dos padresquando atuassem politicamente".

O atual prefeito, Airto Fernandes(PPR), é outro que não hesita em alfi­netar os padres. Mesmo antes de ser

perguntado a respeito do assunto, o

prefeito fez questão de afirmar que "a

Igreja precisa ter uma posição neutra".E garantiu que "a própria populaçãofez pressão e expulsou os padres."

Contrariando o argumento do pre­feito há quem garanta que, se depen­desse da população, padre Rafael esta­ria em Imaruí até hoje. Após o fecha­mento da igreja completar duas sema­

nas, a população se organizou e tentouconversar com o bispo de Tubarão paraque o decreto do Conselho Diocesandofosse revogado e as atividades religiosasretf':alldas. Por conta da oposição, en­cabeçada por Odimar Pires (PL), can­didato derrotado nas eleições munici­pais, ficou o compromisso de reunir"um grande número de católicos" parair a Tubarão tentar convencer o bispoa manter os padres Rafael e Luiz na

paróquia de Imaruí.A igreja foi reaberta depois de 40

dias, mas apesar dos esforços ficou de­terminada a ida do padre Carlos Weekipara Imaruí. O padre esteve no local

por 7 meses e depois foi substituído pe­lo padre Adernar Fauer, a dois meses

na igreja.O pouco tempo de permanência

em Imaruí já rendeu ao padre Adernara visita das autoridades locais. O atual

prefeito deixou de lado sua agenda de

compromissos e resolveu dar as boas­vindas ao novo padre. Acenando com

uma proposta de amizade e convivênciapacífica, o prefeito questionou os ser­

mões do padre por denunciarem a ex­

ploração da população. Padre Adernarafirmou que só estava dizendo a verda­de e que se a Igreja se subordinar aogrupo, denominação dos Bittencourt,vai virar Satanás.

Padre denuncia coronéis e sofre ameaçasC

orno todos os que ameaçaram os

interesses dos Bittencourt, o pa­dre Rafael Schlickmann, 31

anos, foi neutralizado. Depois de de­nunciar o sistema coronelista de Imaruídurante as eleições municipais, ele co­

meçou a receber telefonemas anônimose ameaças públicas de morte. Sua resis­tência e determinação em "levar adian­te as coisas em que acredita e se faznecessário defender frente as injusti­ças", conforme está registrado no livro­

tomo, irritou a oligarquia local.A morte do prefeito eleito, Lúcio

Faust, anunciada publicamente pelopadre, serviu como desculpa para um

tumulto do lado de fora da igreja. Emais ameaças foram feitas. Rafael sónão foi morto porque conseguiu esca­

par pelos fundos, pegar o carro e deixara cidade junto com o padre Luiz. De­pois de passar por Florianópolis, foi pa­ra a Chapada dos Guimarães, onde estáaté hoje.

Nas páginas 233 e 234 do livro de

registros da igreja o padre descreveuo que havia acontecido. "Eu, padre Ra­fael e meu irmão no sacerdócio e traba­lho, padre Luiz, após muitas intimida­ções, censura, boicote do nosso traba­lho e ameaças, eles atentaram contraa minha vida. Mas Deus na sua bonda­de, livrou-nos das mãos dos assassinos.Tivemos porém de retirar-nos da cida­de no dia 11 de outubro de 1992".

Expulsão - Padre Rafael foi o décimosegundo a sair de Imaruí debaixo deameaças e calúnias diante da popula­ção. Antes dele, nos últimos nove anos,10 padres sofreram calados e foram ex­

pulsos. A relação é a seguinte: padreEdigio (1983); padres Ludgero e Celso

(1984); padres Samiro, Antônio Lean­dro e Marcos Rech (1986); José LimaBuin e Pedro Debiase (1988); José Cí­frano (1991) e padre Lucas (início de1992).

Padre Rafael classificou à épocaa prática utilizada pelo grupo dominan­te de ditadura. "Eles mandam no hospi­tal, nas escolas, na rádio e querem guiaros passos da igreja". O padre apontouaté mesmo o ex-prefeito, Epitácio Bit­tencourt Sobrinho, como uma das pes­soas que o ameaçaram no rádio 26 deabril, de propriedade da família Bitten­court. E foi além, responsabilizando o

ex-prefeito pelo corte da transmissãoda missa dominical e do programa da

igreja que ia ao ar às 18h.Mesmo 12 dias depois das eleições

municipais, e com os padres Rafael eLuiz fora da cidade, a Diocese de Tuba­rão decidiu cancelar as celebrações reli­giosas na matriz e nas capelas por moti­vos de segurança. O padre ValdemarCarminati decretou, na ocasião, a proi­bição de todas as celebrações dos sacra­mentos na paróquia de Imaruí por tem­po indeterminado. Segundo o decretodo padre Valdemar, autorizado pelobispo de Tubarão, D. Hilário Moser,casamentos e batizados poderiam ser

realizados nas paróquias vizinhas deImbituba e Cabeçuda.

Segundo os jornais da época, en­quanto os 12 padres da Diocese de Tu­barão anunciavam o fechamento da

igreja o clima nos bancos se dividia.A população chorava. E no mesmo ins­tante alguém acusava os padres pelamorte do prefeito eleito, Lúcio Faust.

Repúdio - O trabalho de conscien-

D"rllnte O sermio,'"ire Rllillel IIlertllVII OSliéis pllrll liS inj"sti!IIScometiills em Imllr,,;

o vigário de Imarui teve que fugir dacidade depois de se envolver na IlQlíticalocal. A igreja ficou 40 dias fechada

o livro-tomo gUllrill oreillto illS pressõesso/riills e mais pllrece"m boletim ie ocorrência

Luc/ane Lemos

NOVEMBRO -93' ZERO 15

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 15: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

� L 11

Agua de poço é melhor que a da CasanA população do interior reclama daqualidade da água e bUsca saídasconstruindo poços particulares

exato. "Eu não tenho 15 tor­

neiras em casa, eles devem tervindo aqui e falaram: essa ardeve ter umas 15 e foram em­

bora sem nem entrar na minhacasa", reclama ela. A Casanafirma que o preço cobrado éusual. "Existe um valor médioestipulado pelo Banco Mun­

dial, meio dólar por metro cú­bico", afirma o engenheiroAndré Labanovsky. O que Ali­ce não entende é como se cal­culam os metros cúbidos atra­vés do número de torneias.

Água da Fonte - Bem

perto de toda esta confusãoexiste um oásis. E a Fortalezada Barra que fica às margensdo Canal da Barra. Lá nin­

guém recebe água distribuídapela Casan. "Eu nem quero,a Casan aqui só ia me dar dorcabeça", diz Telmo Gentil o

proprietário de um pequenobar na beira do Canal. Toda

.

a fortaleza é abastecida poruma água.de ótima qualidadeextraída de fontes e poços.

Getulio Jorge é um dos

que conhece os dois lados damoeda. Ele mora bem na en­

trada da Fortaleza e ainda re­

cebe a água que é distribuídapela Casan na Barra da Lagoa.Segundo ele, a água só serve

para regar a grama e tirar a

areia do corpo. "Nem para la­var o carro serve, come a pintu­

!�;:�.�;WI1!11•••••••! ra toda", garante ele. Getúlio_-,....--

,.� tem uma fonte nos fundos do·-_·'W�··_"_._=N.

quintal. Com ela abastece a ca-

sa e a de mais dez vizinhos."Isso aqui é que é água de pri­meira qualidade, não aquelaporcaria da Casan", diz ele le­vantando um copo de águacristalina.

Soluções distantes -

!

Pra tentar resolver estes pro­blemas a Casan tem um pro­jeto para abastecer a costa sule leste usando a Lagoa do Pericomo manancial. Mas apesarde estar no papel há vários

.

anos, nem o levantamento decustos foi feito ainda. SegundoAndré Labanovsky tudo estápronto, o que falta é o dinhei­ro. A Casan diz não ter recursoalgum para investir em obras.A principal financiadora, a

Caixa Econômica Federal nãoempresta enquanto o estado

Há cerca de vinte anos

Alípio Duarte, o seu

Alípio, montou uma

rede alternativa de distribuiçãode água na Praia da Armação.Como desde aquele época a

Casan ainda não levou água atélá, a família Duarte aproveitapara faturar cerca de 350 milcruzeiros reais por mês. É quea cachoeira de Quincas Duar­te, o filho de seu Alípio queagora controla o negócio, abas­tece cerca de 80% das casas daArmação. O verão é o únicoproblema: A população au­

menta, a chuva diminui emuitagente fica sem água.

O caso da Armação é pe­culiar, porém não é o único.A rigor quase todas>- ,muni­dades do intern 'ia deSanta Catarina n _v �aU servi­das por água encanada. Comona Armação, moradores de In­gleses, Tapera, Ribeirão daIlha e Barra da Lagoa precisamencontrar meios alternativospara conseguir água. Na maio­ria das vezes a solução encon­

trada é a perfuração de poçosartesianos. Mas nem sempre os

poços dão água de boa quali­dade. E fácil encontrar águasalgada no subsolo, o que se

constitui num dos principaisproblemas para aqueles quedependem de poços.

Água ruim - A Casantambém usa técnicas de captarágua no subsolo para abasteceralgumas áreas. E, conseqüen­temente, muitas vezes não con­segue água de boa qualidade.Na Barra da Lagoa existem vá­rios poços artesianos que abas­tecem quase toda a região. Po­rém, a água é muito rica em

ferro e mesmo as sete bandejasde carvão que existem no local

para filtrar, não conseguem ti­rar a ferrugem. A conseqüên­cia é uma água de sabor fortee amarelada. Praticamenteninguém toma a água que é dis­tribuída pela Casan na Barra.

A maioria vai buscar águapara beber na Lagoa ou em al­

guma nascente por perto. A ca­

da dois dias Alice Pereira vaià casa da filha na Lagoa buscarum galão de água para sua ca­

sa. Ela conta que a água distri­buída pela Casan é ruim até

para tomar banho. "A gentefica com o cabelo todo duro,parece que saiu do mar. E

shampoo não adianta, fica du­ro do mesmo jeito". Outra re­

clamação de Alice é o preçoda água cobrada pela Casan.Segundo ela, o valor é calcu­lado através do .número de tor­neiras. Alice garante que nin­

guém da Casan esteve em sua

casa para verificar o número

Se" Alípio 10;0 primeiro"montllr "m" rede própri"p"r" distri6"ir igllllnIl Arm,,!io. Hoje, onegócio rende em "m

mês 'I""se CR$ 3S0 mil

Torneirlls vllzillssio tonstllntes em

"Ig"ns hirros

não rolar suas dívidas com a

União. POl isso quase todas as

obras estão paradas.A diretoria da Casan ex­

plica também que hoje mais de90% do que a empresa arre­

cada é gasto na folha de paga­mentos. A Casan tem 2956 em­pregados com um salário mé­dio de 48 mil cruzeiros reais.Para o vice-presidente do Sin­dicato dos Funcionários em Sa­neamento (SINTAE), GilmarSalgado, a empresa está en­

trando em um processo de ter­ceirização, contratando em­

preiteiras para fazer serviçosque os próprios técnicos pode­riam executar. E cita o exem­

plo da Casan ter contratadouma empreiteira para fazer lei­tura e entrega de fatura. "Es­tão entregando o caixa da em­

presa", afirma. A maioria dosfuncionários é contra a terceiri­zação: "Usar empreiteiras pa­ra obras tubo bem, é econo­

mia. Agora, para fazer leiturade relógio e entrega de faturaé piada. Está cheio de gente

aqui dentro que pode fazer is­to", disse um funcionário quenão quis se identificar.

Sobre o tempo necessáriopara concluir o projeto costasul e leste, os engenheiros daCasan têm uma resposta em

comum: "Dois, três, cincoanos, talvez". Segundo Laba­novsky, só por um milagre as

obras começariam. "Se o sena­

do aprovasse a rolagem da dívi­da do estado, se a Caixa libe­rasse o financiamento, e o esta­do entrasse com o restante,ainda assim só daqui a um ano

as máquinas começariam a

chegar na Lagoa do Peri" , dis­se. Enquanto isso, a populaçãoda maior parte da ilha vai con­tinuar tomando água salgada e

saindo do banho com o cabeloduro.

Tem e fotosran Boechat

16 ZERO NOVEMBRO. 93

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 16: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Papai, eu quero um livroCrianças e adolescentes salvam omercado de liwos da capital

oslivros didáticos e infantis

se transfojmaram nas ve­

detes do mercado livreirode Florianópolis. Hoje nos meses

que antecedem as aulas, 80% dofaturamento das vinte livrarias daIlha depende da venda de escola­res. No último ano, o consumo deinfantis aumentou em 15% segun­do o divulgador da distribuidoracatarinense, Rogério Espíndola.Na Livraria Catarinense, uma dasmaiores do Estado, dos 400 exem­

plares comprados por dia, mais dametade são infantis e didáticos.

Amparado na nova descoberta, omercado cresce: nos últimos doisanos seis novas livrarias foram cria­das e de 92 para 93 outras quatroeditoras foram fundadas.

O aumento do consumo des­ses títulos segue uma tendência na­

cional, que começou a se formarhá alguns anos no centro do país.Em 91 a Câmara Brasileira do Li­vro registrava 873 livros reeditadosno Brasil, nas áreas infantil e didática. O numero correspondia entãoa 40% da produção de pouco maisde dois mil títulos da época. Já nes­te ano o mercado livreiro apontavapara uma perspectiva de cresci­mento. Se em 90 o número totalde exemplares elaborados pelaseditoras do Brasil era de aproxima­damente 31 milhões, em 1991, che­gava a quase 40 milhões. Não háestimativas que trace o diagnósticodo consumo depois deste período,mas nesta data já ficava claro aos

profissionais do ramo que o filãodos infantis haveria de se conso­

lidar.A presidente da Associação

Catarinense de Editores e Livrei­rosMarta Martins da Silva, diz quea causa do fenômeno foi a reformu­lação pedagógica nos colégios."Há quatro anos não se vendiamuito, até que os professores resol­veram adotar de novo livros parao ensino", festeja. Odilon Lunnar­delli, proprietário da livraria e edi­tora Lunnardelli concorda: "O

preço dos infantis é bem mais infe­rior ao dos outros livros e os paistêm incentivado a leitura". Segun­do ele, o consumo de escolares éconstante, mas aumenta muito nos

meses de março e agosto. "É nessa

época que as livrarias conseguemas para se segurar no resto do ano"enfatiza.

A adoção dos livros didáticospelos colégios incentivou aindamais a leitura de infantis. Para Gra­

ça Silvano, gerente da filial da edi­tora Brasil em Florianópolis espe­cializada em infantis, esta área temcrescido principalmente por causadas indicações de leitura feitas nas

escolas. Por ano a filial distribui300 mil livros para os colégios deSanta Catarina. Marta, que é donada única livraria especializada em

literatura infantil de Florianópolisconfirma: "os jovens nunca leramtanto". Ela conta que quando fun­dou a Cuca Fresca, há dez anos,o mercado de infantis era total­mente inexplorado em Santa Cata­rina. Hoje o número de consumi­dores cresce sem parar: no mês desetembro a livraria vendeu mais de2.500 exemplares.

Enterrados - O sucesso dosinfantis acompanha o enterro daliteratura adulta. Em todos os pon-

tos de venda da Ilha o consumo

de romances, poesia e filosofia é

inexpressiva e o único setor queparece manter-se imune à criseeconômica é o de autores do centrodo país. Em Florianópolis este li­vros correspondem à mesma rela­

ção dos melhores do mercado",publicada pela revista Veja. Asvendas seguem a linha do eixo RioSão Paulo e consagram os escri­tores Lair Ribeiro e Paulo Coelho."Quando um livro vem famoso delá é colocado na lista dos mais ven­didos aqui porque é quase certo

que vai ter sucesso", diz o vende­dor Adélcio de Azevedo, da livra­ria catarinense, que garante que o

movimento da loja na seção deadultos se restringe a esta área.

Os sebos, pontos de venda al­ternativos que trabalham com li­vros usados, também sofrem com

a pouca desenvoltura do consumo

em literatura adulta. Apesar dos

preços que ficam a dez por centodó valor do mercado, a venda está

longe de ser representativa. A ex­

plicação é simples: todos os sebosda Ilha trabalham com setores na­

da em voga no mercado livreiro -

filosofia, poesia e romance em ge­ral. João Neto, responsável pelabanca de usados da Alfândega diz

que omercado de livros em Floria­

nópolis é pequeno e jamais pensouem expandir o negócio. "Em épo­cas de crise as pessoas têm que es­

colher entre a comida e a cultura.A cultura sempre dança" , reclama.

Na locadora Papa Livros, quetrabalha com empréstimos, a reali­dade não é muito diferente. Criadaem 86 com o intuito de servir de

pólo cultural do setor livreiro, a

locadora sofre com um faturamen­to que não ultrapassa os

CR$ 200.000,00. "Literatura é coi­sa ingrata em matéria de lucros"resume o coordenador RobertoMibielli. Os 300 associados da loca­dora têm acesso a livros literáriosem geral, esotéricos e filosóficos,além das publicações da Editora

Papa Livros. A mensalidade de 700cruzeiros dá direito a leitura detrinta livros ao prazo de um mês.O mesmo valor não seria suficiente

para comprar um exemplar em

qualquer livraria da cidade.

Leitores de Santa Catarina nãoconhecem os autores catarinensesLivros de autores catari­

nenses estão apodrecendo nas

livrarias de Florianópolis. En­

quanto o mercado de autores

nacionais, patrocinados porgrandes editoras, vive momen­

tos de relativo sucesso, os úni­cos livros de literatura local quetem saída são dois - os requisi­tados para o teste do vestibularda UFSC em 94. No mais a si­

tuação é de completo abando­no. Numa das maiores livrariasda cidade, a Catarinense, ne­

nhum dos quatrocentos exem­

plares vendidos por dia perten-.

ce a autores locais. Nos sebose na locadora Papa Livros, a

procura por publicações regio­nais se limita a dois exemplares.

"O catarinense não presti­gia o catarinense" resume Odi­lion Lunnardelli, o primeiroeditor da Ilha a publicar autoreslocais. Desde que fundou a edi­tora Lunnardelli em 71, ele edi­tou 180 títulos que somam maisde 360 mil exemplares. Todoslivros da terra. Mas a opiniãodo editor vem juntar-se à damaioria unânime dos profissio­nais do ramo livreiro: "A com­

pra de autores locais é baixíssi­ma", diz. O fato está explícitona tiragem de cada título edita­do na Lunnardelli, que normal­mente não passa de mil exem­

plares. Além disso, Odilon afir­ma que os lucros são insuficien­tes para cobrir os investimentos

da editora. "Em cada livro, osgastos são em média de 600 milcruzeiros reais. Sei que estou

botando dinheiro e não estoutendo retorno", reclama. Ape­sar de ser um dos pioneiros no

, rnercado editorial de Florianó-

Sóoslivrospara0

vestibularvendembem

polis, Odilon Lunnardelli nãoconseguiu estourar nenhum li­vro no grande mercado. Amaior tiragem que financiou atéhoje foi a de dez mil exempla­res, na Constituição"de SantaCatarina.

As dificuldades enfrenta­das pela editora Lunnardelli -uma das mais bem estruturadasde Florianópolis - crescem em

proporção geométrica no res­

tante do mercado editorial daIlha. "Falta patrocínio e a pro­dução de um título pode ser in­terrompida logo no início", dizMarta, da Cuca Fresca. Ela ex­

plica que o financiamento doslivros é feito pelas próprias editoras e que as coedições viraram

regra no mercado, uma alterna­tiva de dividir O investimento e

viabilizar a publicação. A inex­

periência das editoras, segundoMarta, é outro entrave paravendagem de novos títulos."Muitas fazem o livro e acham

que terminaram o trabalho. Es­

quecem da distribuição e da di­

vulgação", critica. M�} iessalvaque grande parte das editorasda Ilha ainda estão em fase de

estruturação, por isso "é com­

preensível que existam proble­mas", diz.

Se a história da produçãoliterária local está longe de um

final feliz parte da culpa podeser entregue ao mau desempe­nho da imprensa. Em todo mêsde setembro nenhuma matériade destaque sobre livros locaisfoi publicada no jornal de maiorcirculação na cidade. A atençãodada aos autores da Ilha se resu-

.miu a oito notas de pequenaproporção e ênfase. Em contra­

partida houve no mesmo mês,mais de 15 lançamentos. Paraa presidente da Associação Co­merciaI de Editores e Livreirosfatos como estes representam a

irresponsabilidade dos jornais."Não há muita preocupaçãocom a cultura da terra. 0$ jor­nais daqui só se preocupam em

noticiar o que acontece em SãoPaulo e fora do país", acusa.

M6n/a Llnhal'tlS

NOVEMBRO a 93.

ZERO 17

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 17: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

TEATRO

Os bofes da patifariaBaianos encenam "A Bofetada" e fazem o paísmorrer de rir

QUempensa que todo

baiano no fundo é um

painho, está engana­do. Longe do tédio dos amas­

sadores de cacau, a CIA baia­na de patifaria, há cinco anos,leva o público ao delírio com

a apresentação da peça A Bo­

fetada. Com muito humor e

axé, LeIo Filho, Moacir Mo­reno, Frank Menezes e Wil­son de Santos provam que os

bons espetáculos não nascem

só no eixo Rio-São Paulo. O

grupo, fundado há 7 anos porLeIo e Moacir despontou com

o sucesso da peça"Abafaban­ca", que ficou em cartaz du­

rante um ano em Salvador. Eao contrário do que se possaimaginar, em linguagem baia­

na, patifaria significa brinca­deira.

Mas fazer sucesso não é

brincadeira. Os irreverentes

rapazes juram que até estuda­ram a triologia dramática de

Stanislavisky , mas optarampor um humor rasgado, essen-

cialmente baiano. Com este

astral eles encantaram até a

platéia de Brasília, famosa pe­la frieza durante as comédias.Wilson conta que todos os es­

petáculos na cidade lotaram,tiveram sessão extra: "eles pe-'diam bis, tinha deputado no

dia seguinte no congresso di­zendo achei lindo, maravilho­so" .

A Bofetada é dividida emtrês esquetes, baseadas numa

releitura dos textos "Pedra, aTragédia" e "Quem tem me­

do de Itália Fausta". Duranteduas horas os quatro rapazesse transformam em 11 mulhe­res "O mulherio foi coinci­dência na hora de escolher os

textos", explica LeIo, quecom a personagem Fanta fazo público adquirir sotaquebaiano. "Isto acontece por­que a platéia participa da pe­ça, sobe no palro, joga avião­zinho e acaba pegando o jeitoda xente falar".

o qUllrtetobllillno optoupelll irreverêncille conquistou atéo público deBrasílill, fllmosopelll friezlIdillnte dllscomédills

Os cinco anos

de sucesso dllturnê deixarllmas -mulheres"dll pe!" mllisbonitas: "A

gente IIprendeua se ",aquillr"

Nos cllmllrins, muitllprodu!io, pllra

trllnstormllr MOllcirMoreno nil desvllirlldll I

"Plllomll"

Antes de cada apresenta­ção eles se concentram na ma­

quiagem, arrumando o figuri-'no. "Depois de cinco anos, asmulheres da peça ficarammais bonitas, afinal a xente

aprendeu a .re maquiar", dizWilson, enquanto cola os CÍ­lios postiços da personagemEleonora. LeIo é o DJ do gru­po, Frank brinca dizendo queele só não ficou no aeroportopor excesso de bagagem, pe­las dezenas de fitas que carre­

ga. Só porque a Varig é patro­cinadora da peça. Em cada ci­dade uma música vira a favo­rita do camarim, em Floripaa concentração dos atores foiembalada por Maria Bethâniaao som de "As canções quevocê fez para mim" de Ro­berto Carlos.

Quem se liga no SBT de-

ve ter se deparado com a CIA.Baiana de Patifaria no progra­ma da Hebe. "Nós fomos qua­tro vezes, ela é a entrevista­dora mais sincera e espontâ­nea, adoro a Hebe", confessaFrank. Com uma equipe téc­nica formada por pernambu­cano, Paraibano, Carioca e

até um irlandês com jeito nor­

destino, A Bofetada está na

terceira turnê pelo país, con­taminando o público com uma

ironia recheada de xinxim e

acarajé. E como reza a tradi­

ção eles encerram o ano se

apresentando em Salvador

para pedir a benção de NossoSenhor do Bonfim para a pró­xima temporada.

Texto e fotosCláudia Repsold

Baianês sem mestre·.··Quem pretendia aumen­

tar seu vocabulário de baianêsdeve ter saído satisfeito. Nadade "bichinho", "num sabe","visse?" ou outras baianicespadronizadas pela rrúdia. Ostextos da Cia Baiana de Pati­faria trazem expressõesmuitomais criativas eengraçadas doqueaquelasquecostumamsairdaboca do seujosé Inocêncio.

Os atores estão semprerenovando seu estoque de doi­dices. Quando não vão buscarinspiração no interior da Ba­hia, eles inventam seus bor­dões no meio do espetáculomesmo. Aí. não tem jeito. Ospatifes acabam caíndo na risa­dajunto comaplatéiaO suces­

so é tanto que mesmo depoisque apeça sai de cartaz, frases

...

como "Hoje eu tô tão, tão, quenem,nem!" demorampara sairda cabeça do público.

Fanta é o exemplo vivodisso.Tudo para ela é um "mo­mento lindo, maravilhoso!".Mas o que gruda mesmo na

memória é o debochadíssimo"Ê aminha caaaral", que sem­

pre faz o teatro desabar emgargalhadas, não importandoquantas vezes seja repetido.

Outros tiros certeiros dohumordospatifes (tudo,éclaro,com o devido sotaque baiano):"Oi,queéqueháaí,comoéquevai, tá boa?", "Adoreimilhõesí","Qui Naaadal". E a lista nãoacaba aí; até o tradicional "Oxente" soa como piada quandofalado por urna dessas figuras.

DIt:tI Flschllr

18 ZERO NOVEMBRO· 93

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 18: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

UFSC recebe Chico CarusoCaruSo ressuscitou a caricatura no país incentivado pelo avô

Chico Caruso, um dos mais

importantes cartunistasdo País, esteve na Univer­

sidade Federal de Santa Catari­na no final de setembro, ondecantou, representou e faidii so­bre sua profissão, sobre políticanacional e de seu livro Fora Co­

llor, editado no fim do ano passa­do. A palestra aconteceu atravésdo Projeto IBM Brasil- Encon­tro Marcado com a Arte. Coor­denando o debate esteve, ao ladode Caruso, o poeta e compositorGeraldinho Carneiro.

Nascido em uma família deartistas, como o avô pintor e o

irmão cartunista Paulo Caruso,Chico começou sua carreira em

68 aos 14 anos, na Folha da Tar­de, em São Paulo. Depois passoupela Revista IstoÉ, Gazeta Mer­cantil, Jornal do Brasil e O Glo­bo, onde está até hoje. Apesardo vasto currículo, Caruso recla­ma que nunca conseguiu trabalhar nos lugares que realmente

queria. "Pensei na Veja, apare­ceu a IstoE, pensei na Folha,apareceu O Globo, essa é a mi­

nha imprensa alternativa".Caruso foi o responsável pe­

la ressurreição da caricatura no

Brasil. Incentivado pelo avô, o

pintor e caricaturista espanholFrancisco Málaga, Chico usou o

estilo para diferenciar seu traba­lho do de Henfil. "Foi a maneira

que eu encontrei de não confun­direm os meus desenhos com os

dele, principalmente porque eleera muito mais famoso que eu,aí a coisa deu certo e virou mo­

da" Nessa época Chico desenha­va para os jornais Pasquim, Opi­nião e Movimento, veículos al­ternativos. Com a imprensa em

ebulição, a caricatura acabousendo uma forma de fazer oposi­ção ao governo. "A ditadura es­

tava muito forte e foi aí que o

que eu fazia explodiu e se espa­lhou nos jornais em que eu traba­lhava".

Fora Collor - Trabalhandoquase sempre no Brasil, ele afir­ma que nunca teve dificuldadepara se pautar. Seu personagempredileto é o "que senta naquelacadeira", referindo-se aos presi­dentes da República. Seu livro

Fora Collor é todo dedicado à"ascensão e queda" do ex-presi­dente. Ele acredita que no Brasila tradição de humor é muito fortee por isso nunca faltará campopara seu trabalho. "Enquantohouver Brasil, haverá humor",brinca. O cartunista lembrou quequando Collor, seu "grande pau­teiro", saiu do governo) muitaspessoas perguntavam o que eleiria desenhar e acreditavam queele perderia espaço. "Bom, aíveio o Itamar com aquele topetee ficou melhor ainda" Chicoacha que a caricatura de pessoasfamosas é uma questão de cir­cunstância. "Hoje o barato é poraí, mas amanhã personagensanônimos podem ser o grande fi­lão".

Aos desenhistas em início decarreira ele aconselha que nunca

imitem ninguém, pois acreditaque o sucesso só se consegue com

originalidade. "Depois que se

consegue copiar perfeitamente o

traço de alguém, mesmo que debrincadeira, fica difícil de se li­bertar e isso é muito perigoso".Comenta que o melhor caminho

para fazer grandes trabalhos édeixar "a caneta pensar, pois a

Cllrtunistll do jornlll O Globoe revistll Veill 111111 sobre

políticlI nllcionlll e imprensllquantidade acaba gerando quali­dade".

Trabalhando hoje no jornalO Globo, Chico tem um espaçodiário na primeira página parapublicação de seus desenhos.Dentro da Rede Globo ele pro­duz ainda charges animadas paraalguns telejornais. Uma inova­ção de Caruso no Globo foramas charges coloridas que ele pu­blica na capa. Ele contou, na pa­lestra, que para conseguir todoesse espaço teve que fazer muitapressão ao presidente do jornal,o "temível" Roberto Marinho."Quando eu quis o espaço diário,comecei a mandar desenhos parao Estadão; depois quis as chargescoloridas na capa, aí mandei umacaricatura do próprio RobertoMannho para a Veja e, com jeiti­nho, consegui o que queria".Medo da Globo - Ao ser per­guntado sobre se é um constran­

gimento para ele ser chamado de

"pau-mandado" do Roberto Ma­rinho, Caruso é taxativo: "não

me ofendo, porque não sou". Elediz ainda que esse tipo de precon­ceito que as pessoas têm em rela­ção a quem trabalha no Globoé até um respaldo para ter maiorliberdade. "A vantagem é que to­do mundo pensa que tudo quesai no Globo é "coisa" do Ro­berto Marinho, isso evita coisaschatas como processos, tudo pelomedo que as pessoas têm dele.

Para Chico o público doGlobo é concentrado "até de­mais" no Rio de Janeiro. Ele dis­se que viu isso com clareza/quan­do foi para o Rio e tornou-se anô­nimo em São Paulo. "Depois queeu fui pro Globo, a minha filha

que mora em São Paulo, recla­mou por não ser mais reconhe­cida como filha de Chico Caruso,mas como sobrinha do Paulo Ca­ruso", seu irmão gêmeo cartunis­ta do jornal O Estado de S. Pau­lo.

Caruso foi o primeiro canca­

turista a comparar Itamar Francocom um palhaço, no episódio em

que o presidente abraçou o pa­lhaço Pirulito na Esplanada dosMinistérios. Depois do desenhode Chico, muitos caricaturistas fi­zeram o mesmo, o que gerou re­

volta na presidência. Itamar deuum� nota no Diário Oficial, a pri­meira em toda a história dos car­tuns brasileiros, reclamando dosdesenhos. "E a gente que espe­rava que o palhaço se ofendes­se ..

" ironiza.Aos 44 anos, Chico, além de

grande cartunista, também fazshows pelo Brasil, ao lado do ir­mão Paulo, onde canta e inter­

preta personagens da política na­

cional. Para isso, Caruso juntouvários humoristas de todo o Paíse montou uma banda que o

acompanha nos espetáculos. Du­rante � palestra ele deu uma palhi­nha de algumas partes de suas

músicas. Cantou "Itamar e Ita­

pior", o "Rock da Roseana" e

mterpretou Collor e PC Farias.Além de conhecer um pouco deseus dotes de cantor, a platéiateve a oportunidade de ver al­guns desenhos de Caruso e discu­tir com ele a elaboração de c<>.d')trabalho.

.

Suyanne Quertedo

HUMOR

NOVEMBRO - 93 _

. ZERO 1 9

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 19: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

;, COMPORTAMENTO

Carlos Konder Reis, e doempresário Walter Osli,representante dos em­

preendedores do shoppinganunciou do palanque@ .•

montado no pnmelro an-

dar aspalavras do Génesis:"E Deus disse: que faça se

a luz. E a luzes se fez..." Houve um jogo de luz

regado a papel brilhantepicado e a música clássicatocou em tom heróico.Emoções que apenasgran­des eventos artísticos e o

cinema podem provocar.O hino nacional tocou. Opadre abençoou o novo

templo do consumo queprega a religião do capita­lismo (logo agora que oPa­pa o condenou com tanta

veemência).Os canhões de laser

Festa de inauguração doBeiramarShopping

promove o separatismosocialsupetproduzido

extremos dominaram. Tu­ba bem. Talvez fosse uma

homenagem esportiva ao

antigo estádio doA vaíquereinou durante 50 anos na- .

quele "pasto de bode".Aliás, o lugarparece desti­nado a perverter cristãos:foi império do jogo e agoraé império do consumo. Asdamas, chiquérrimas, co­

mentavam: "finalmentepodemos passear longe dosol do calçadão, dos pive­tes, dos doleiros. O lugaré inegavelmente confortá­vel, inegavelmente seguro.Finalmente Florianópolisagora faz parte das capitais

mais modernas do País".Lá fora, o pessoal

contemplava os laser. Ládentro corriam vários tiposde frios, castanhas de caju,cervejas Heineken, vinhoPinot, whisky Johnnie

. Walker e outras bebidas fi­nas. Em cada andar, mesasde comida e bebida. Emcada loja, um cocktailpar­ticular.

Ilha tem novo templo de consumo

À meia luz, o mestrede cerimônia, Antunes Se:vera, acompanhado doprefeito Sérgio Granda,do governador do estadoem exercício, Antônio

o início da noite de

N 27 de outubro, Flo­rianópolis teve sua

noite de gala de capital daprovíncia. A inauguraçãodo Beiramar Shopping te­ve nuances que lembraramos velhos tempos de Holly­wood ou até uma entregado Oscar. Finalmente as

damas da ilha, puderam ti­rar do guarda-roupa o tra­

je finíssimo que esperavauma oportunidade paraaparecer.

Na esquina da MauroRamos com a Bocaiúva,muita gente se empoleira­va para ver os carros sendoabertos por impecáveismotoristas, as elegantessenhoras embrulhadas em

vestidos bordados, os ho­mens finissimamente vesti­dos. A primeira turma a

entrar, às 19h15min, era

especial: os convidadosdos proprietários da em­

presa Kobrasol, que con­

truiu a obra de quaseUS$ 50 milhões. Somenteàs 21h15min entraram os

lojistas e seus amigos. Opovão da rua ainda iria es­

perar até o outro dia.Os horários ditercn-

A IB'imônia dividiu OS

convidados em povão,burguesia e nobreza

tes acabaram por cristali­zar um separatismo social.Entre as panelinhas haviapessoas inconformadaspor terem sido convidadaspara·�horário das nove e

quinze. "Foi um erro daorganização. Parece quedividiram os convidadosem três classes: nobreza,burguesia e povão. Inclu­sive acho que opovo deve­ria ter participado de algu­ma forma, afinal são elesque vão sustentar o shop·ping. Não aquela meia dú­zia de convidados". A auto­ra da declaração éMaria deLourdes Ternes, protessorsde moda e contraditoria­mente uma das convidadasdo horário das sete e meia.

Na verdade, assim co­

mo havia gente vestida delongo bordado que malpermitia caminhar, encon­travam-se passeando peloscorredores convidadosdespojados que vestiamagasalhos de mole ton . Oconvite não definia o tipode trajemas certamente os

emitiam a claridade queera vista a grandes distân­cias. Alguns mais desavi­sados pensaram que fosseum disco voador pairandopela cidade. A base aéreae algumas empresas de co­municação receberam vá­rios contatos imediatosavisando o ocorrido.

No dia seguinte o po­vo finalmentepôde entrar.Havia filas para subir nasescadas rolantes e empur­ra-empurra no elevadorpanorâmico. Quarentemilpessoas foram conhecer onovo shopping. RobertoCosta, presidente daADVB em Florianópolistomou emprestada a voz

de Milton Nascimento: "avida aqui nunca será comoantes".

Omerendopúblico­o shopping dos pobres -

nunca vai deixar de ter a

cara da cidade. Tomaraque continue com seu pei­xe fresco, suas quinquilha­rias baratas, as cumbuqui­nhas de barro, o artesana­to da ilha. Seus pombos"bandas e bares. Inaugura­ção de shopping com cara

de entrega de Oscar seriamuito brega numa cidadecomo São Paulo, porexemplo. Se liga manezi­nho! Florianópolis pôs a

máscara mas a cara da ci­dade nunca vai negar a tra­dição.

'atrfcla Márcia

20. ZERO-

NOVEMBRO - 93

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 20: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

Projeto AIDS é discutido na UFSC

Programa da TVCultura tenta acabarcom o preconceito

TELEVISÃO

A repórter, editora e apre­sentadora daTVCulturade São Paulo, Maria

Lins, esteve no último dia 27 no

curso de Jornalismo falando sobreos programas especiais da emis­sora. Formada em economia pelaUFSC, mas jornalista por expe­riência, Maria Lins também con­

tou como é trabalhar numa redede televisão não comercial.

"A TV Cultura não tem com­

promisso de ordem econômica ou

política. A nossa preocupação nãoé com Ibope e nem com audiência.O nosso compromisso é com a

educação e com a prestação de ser­viços", explica Maria Lins. Paraa produção dos programas espe­ciais a TV recebe o apoio de em­

presas, e como não existe propa­ganda comercial, o nome dos pa­trocinadores aparece em forma de

legenda durante os intervalos ou

no fim dos programas.Um dos trabalhos mais im­

portantes realizados recentemen­

te pela TV Cultura e que teve a

participação de Maria Lins foi oProjeto Aids. O programa estreouem agosto de 92 e teve a duraçãode seis meses. Foram 61 boletinsdiferentes, de três a quatro minu­tos cada, transmitidos durante os

intervalos. Inicialmente eram vei­culados três boletins por dia, mascom o sucesso da campanha o nú­mero subiu para quatro por dia.

Eventualmente os boletinseram entrevistas com médicos es­

pecialistas, psicólogos e outras

pessoas relacionadas ao assunto.Grande apoio foi o dado pelo so­

ciólogo Betinho, portador do vírusda Aids e que atualmente dirige

a campanha contra a fome. Co­nhece bem os problemas biológi­cos e sociais da doença, já que doisirmãos seus morreram por causa

da Aids. Um deles foi o famosocartunista Henfil. Muitas das en­

trevistas com Betinho foram repri­sadas, a pedido do público.

Antes de ser iniciada a produ­ção do Projeto Aids, alguns cuida­dos foram tomados. O primeiropasso foi a criação de uma equipefixa, composta por Maria Lins,técnicos de gravação e um médico."Tive que ler e pesquisar muitosobre a doença", relembra Maria."Quando o programa começou a

ser transmitido, as pessoas me

procuravam para pedir orientaçãoe no fim me tornei especialista no

assunto".

M"ri" Lins deu p"'estr,, s06re seu tr,,6,,160 n" TV Cultur" de SP

OJnalZEROO programa procurou atingir

a todos sem falar em grupo de ris­co. "Isso não existe mais. Qual­quer pessoa está sujeita a contraira doença", afirma Maria Lins."Todos têm que se prevenir". Porcausa disso, os boletins tambémensinavam a usar camisinha, o mé­todo preventivo mais acessível à

população. "Se for colocada demaneira correta, as chances da ca­

misinha romper são mínimas", ex­plica Maria Lins.

Num dos boletins mais ousa­

dos, um médico com várias bolsasde sangue encenou uma rodada deuma droga injetável qualquer. Foipassando a mesma seringa a todosos participantes da roda e alertan­do que se uma única pessoa esti­vesse contaminada pelo vírus da

Aids, ao final, todas poderiam ter

contraído a doença. Em seguidao médico demonstrou a maneiracorreta de se fazer uma rodada,advertindo que cada pessoa deveter a própria seringa e ainda assimdescartável.

"Esse programa foi resultadode um trabalho muito complexo",revela Maria Lins. Todas as infor­

mações, todos os dados eram rigo­rosamente revisados por um médi­co especialista e pelo Gapa (Gru­po de Apoio e Prevenção à Aids)."Não podíamos correr o risco dedar alguma informação errada,ainda mais por se tratar de um as­

sunto tão sério, que diz respeitoà vida", conclui.

Disse também que foi a pri­meira vez que trabalhou com um

tema tão específico. "Foi muitodesgastante física e emocional­mente". Conta que corria o diatodo em busca de fontes, entre­vistas, enquetes. "Muitas vezes as

pautas furavam porque as fontes

portadoras do vírus passavam male tinham que ser hospitalizadas outransferidas para a UTI (Unidadede Tratamento Intensivo). O piorde tudo era quando ia entrevistaruma fonte e descobria que ela ti­nha morrido", lamenta.

Atualmente, Maria Lins traba­lha na produção do Escola Viva,um programa especial destinado so­

mente a professores. Com um for­mato mais jornalístico, o Escola Vi­va dava dicas de como fazer umaaula mais atraente e eficaz.

O Projeto Aids tinha como

meta informar sem agredir. A pró­pria vinheta do programa foi espe­cialmente elaborada: "nada devermelho sugerindo sangue e mor­

te e nada de letras grandes e assus­

tadoras", explica Maria. O resul­tado foi uma vinheta simples e

atraente: "aids, perguntas e res­

postas" grafado em caixa baixacom letras verdes e fundo violeta.

A linguagem também rece­

beu uma atenção especial. A pala­vra "aidético", por exemplo, foirigidamente proibida e substituídapor expressões como "doente deAids" ou "paciente de Aids". Ma­ria Lins explicou que todo esse cui­dado com a palavra "aidético" foipara evitar que se remontasse a

história da lepra. "No fim o com­

bate acabou sendo aos leprosos e

não à doença da lepra", justifica.

Quem decide?"Telefone para nós, a sua opinião é muito importante, porque

no nosso programa você decide! Seu voto é muito importante, nãodeixe de telefonar. Não esqueça, aqui você decide."

,

Estas são algumas das frases que o apresentador de "Você decide"da TV Globo repete incansavelmente ao longo desse programa. Oator Raul Cortez, atualmestre de cerimônia, simula, um tanto quantodesajeitado, um contato direto e íntimo com o telespectador e se esforçaem nos fazer crer que somos dotados de um livre e democrático arbítrio.

Mas vejamos uma das últimas histórias e como as alternativasse constroem: um pesquisador recebe uma bolsa de estudos de 4 anos

para desenvolver seu trabalho em Paris. Seus pais são velhos e doentes.Ele sofre com a idéia de deixá-los. Você decide: ele vai ou fica?Primeiracena dos velhos: eles tocam no piano e cantam "Você se lembra dacasinha pequenina ... ", Em seguida, assistimos ao choque dos dois ao

saber da notícia. A namorada decide que não vai junto por causados pais dela. Os elementos favoráveis a sua viagem são os seguintes:seu chefe estimula, sem grande ênfase, pois afinal ele não será oprimei­ro cientista a sacrificar a vida p�Jsl}al por amor a ciência; uma colegade trabalho o pressiona: ele tem que ir. Ela é antipática e parececalculista. Enfim, uma mulher fria, sem coração, que só pensa na

ciência. Preciso dizer o que foi "democreticsmente' escolhido?Este programa participativo é a roupagemmais atual e bem acaba­

da do que chamamos de "opinião pública", ''gosto médio", "sensocomum " Só que a televisão descobriu que tudo isso é muito abstrato.E que as sondagens são fornecidas por entidades pouco palpáveis.De fato, não conhecemos ninguém que foi ouvido pelo Ibope. Com"'Você Decide", há LIm processo de "encarnação" dessas abstrações:vemos, ao vivo, uma atriz-repórter de carne e osso, que entrevistapessoas "reais" num lugar conheciçJo de alguma cidade do Brasil. Ouseja, tudo muito concreto.

O que é espantoso no momento cínico e "liberalmente democrá­tico" em que vivemos é que as televisões colocam no ar metáforasdaquilo que elas fazem com o telespectador sem quslquer constran­gimento, "Você decide" explicita o processo de indução que acontece

frequentemente nos telejornais globais através da seleção de certas

informações em detrimento de outras e da maneira como estas sãoeditadas.

"Você decide" já plebiscitou questões bem mais essenciais doque uma viagem à França: aborto, delação, grupos de extermínio,ética. pena de morte. E opior é que dramatizados de maneira simplista,temas complexos se banalizam e são "decididos" maniqueistamentepor um insignificante "sim ou um pífio "não". A resposta vitoriosasempre reforça a mesmice e reflete o senso comum. Mas, se por acaso,num dia atípico, isto não ocorrer, não tem problema: as questões sãotratadas de forma tãoparticularqu viram historietas, "um caso à parte",sem nenhuma consequência.

"b,.". "'ra".po,,,,. as fontes ti"".",

filie ter hospitaliZadas ou'.",.vidas para a UTI"

Consuelo LinsJornalista e professor do Curso de Jornalismo da UFSCMelre BerIDttI

NOVEMBRO - 93 ZERO 21

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 21: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

VINíclUS

Os vícios de ViníciusDo céu dos boêmios elecomemora seus 80 anos

m homem movido a

U paixão e uísque difi­cilmente chegaria

aos oitenta anos. Se Viní­cius de Moraes não tivesseesses vícios, talvez aindaestivesse cantando Garotade Ipanema com aquela V02

carioca - se bem que, sema musa inspiradora e o co­

pinho na mão, ele não teria

feito Garota de Ipanema.O coração do poeta,

cansado da exploração ao

longo de 67 anos de traba­lho. pediu as cntas numa

noite fria de 1980. Com a

incoseqüência típica dosapaixonados, Vinícius lar­gou tudo e foi embora, le­vando consigo muito da de­licadeza que tanta falta fazao Brasil de hoje. Dormin­do para sempre nos braçosdessa amiga íntima, a noi­te, talvez ele tenha encon­

trado o amor perfeito tãoidealizado nos seus versos.

No melhor estilo "façao que digo mas não faça o

que faço", o autor do Sone­to da Fidelidade" ("De tu­do ao meu amor serei aten­to/Antes, e com tal zelo e

sempre e tanto/Que mes­

mo em face do maior en­

canto/Dele se encante maismeu pensamento") Se ca­

sou nove vezes, se conside­rados apenas os relaciona­mentos "duradouros" -

ou seja, que tenham passa-

"Melhoramigo dohomem é uísque,cão engarrafado"

do de três meses. Entre as­

sumidos e prováveis, tevemais filhos que dedos nas

mãos.Com esse currículo, o

"poetinha" - apelido da­do pelos amigos que satiri­zaram a mania de Viníciusde usar o diminutivo nas

conversas de bar - não se

considerava apenas mulhe­rengo, e sim "mulherólo­go". Os tormentos da ju­ventude, quando a vocaçãoboêmia se conflituava com

a rigorosa educaç-ão cató­lica que recebera, foramaos poucos se disspando.Abandonado o sentimentode culpa que aparecia nos

primeiros versos, o tema"mulher" foi se impondonâ obra de Vicícius - a tal­ponto que há quem o consi­dere machista, por frasescomo "as feias que me per­doem, mas beleza é funda­mental".Simples e Belo - Contro­vérsias à parte, verdade se­

ja dita: ninguém cantpu as

mulheres melhor que ele."Olha que coisa mais linda,mais cheia de graça/E ela,

·ea memna que vem e quepassa/Num doce balanço a

caminho do mar/Moça docorpo dourado do sol deIpanema/O seu balançadoé mais que um poema/E ácoisa mais linda que eu jávi passar". O será que hámulher que prefira os "ga­lanteios" que se ouvem poraí hoje em dia?

Garota de Ipanema,símbolo do Rio de Janeiroromântico das décadas

-

de50 e 60, faz parte do segun­do período da obra de Viní­cius, na divisão fita por elepróprio: "sublime" e "coti­diana". Durante os qua­renta anos de carreira, o re­buscamento do "sublime"foi se tansformando na sm­

plicidade do "cotidiano".Os versos encurtaram e a

linguagem, a princípio so­

lene, ficou coloquial -uma das marcas registradasda obra de Marcus Viníciusda Cruz de Mello Moraes.

Com nome tão pom­poso, bem que Viníciustentou ser diplomata. Che­gou a trabalhar em Monte­vidéu e Paris. Em 1950, es­tava em Los Angeles quan­do recebeu, num telefone­ma de mãe, a notícia damorte do pai. "A morte

chegou pelo interurbanoem longas espirais metáli­cas", escreveu num poemaem homenagem ao tocadorde violão e cantador de mo­dinhas que lhe apresentouà vida e à música, na infân­cia feliz vivida entre o Riode Janeiro e a Ilha do Go­vernador.

Mesmo sabendo queas carreiras diplomáticas e

artística eram inconciliá­veis, Vinícius não queriaabrir mão de nenhuma de­las. Só na década de 60,

Crítico de cinema dos jornais AManhã, Diário carioca e Ultima Ho­

ra, Vinícius não tinha o menor pudoremridicularizar os filmes que achavaruins, como em "Uh-uhuhuh­uhuhuh!", de 1951: "Eu amiga ver,Tarzan Ritz. Amiga bonita. Tarzanmais bonito e forte que eu. Azarmeu. Amiga mais bonita que Jane.Jane chata. Jane cara burra. Namo-

, mais inteligente que Jane. Rai­nh oreta linda. Eu Tarzan passavaJar ' para trás boas condições. Rai­nha .reta uva. Toda boa Tarzan dá

pulo Macaca Chita faz macacadatemi ) todo. Chita melhor atriz fita

long- '.'ste mesmo sarcasmo aparece

_.H .v ariaçóes em torno de um tema

chatíssimo chamado Jane Powell",também de 1951. Vinícius diz que a

atriz, par de Ricardo Montalban (oanfitrião da Ilha da Fantasia) no en­

tão recém-lançado quando canta o co­

ração, "tem a cara parecida com um

Ironia e acidez: ele não perdoasabonete num banheiro de ladrilho","canta mais agudo do que bonde da

Light na curva do trilho" e deveriaestar "na lavoura manejando a pica­reta, ou qualquer outro implementobem pesado que a deixasse tão cansa­

da, que quando abrisse a boca nãosaísse voz nem nada".

Na semana seguinte, Vinícius re­

produz em "Cartas de fãs, mas nãomeus" o protesto de uma leitora."Tomo a liberdade de escrever a um

cronista de 'meia-tigela', que não sa­

be apreciar o que é bom, como esse

filme Quando canta o coração. O se­

nhor fala muito mal dessa boa artista

que é Jane Powell. Eu faço uma

idéia, ela vendo um filme brasileiro,que decepção ela teria, em? Fazen­do-lhe uma pergunta: a sua cara émuito bonita? Porque pelo que o se­

nhor falou dela, deve ser uma mara­

vilha a sua cara, em? ( ... ) Com essa

sua crônica o senhor se torna um ig­norante, se já não o é.

_

( ... ) Tenho

a certeza que existemmuitos e muitosfãs de Jane e Ricardo com vontadede dizer-lhe o que eu disse".

A resposta de Vinícius foi puraironia. "Assim é que eu gosto de ver,as menininhas se defendendo mutua­mente com hintrepidez e hinteligên­cia, em? Fazendo-lhe uma resposta,sobre se a minha cara hé bonita, hémuito bonita. Deixa a do Ricardo no

chinelo, e a de Jane então nem se

fala. A única coisa que a estraga um

pouco é que eu tenho o nariz colocadologo abaixo da boca, e ao inverso docomum das pessoas. Isso é meio hin­cômodo, em? Porque quando choveforma pocinha nas fossas nasais. Mastem a vantagem de eumanter semprefrescas as flores que uso na lapela,pois mal elas começam a murchar euvou, pego e as espeto nos vasinhosdo meu nariz, em? Não acha muitomais interessante que a cara do Ri­cardo? ( ... ) Perdoe a esse cronistade 'meia-tigela', que se tornou subita­mente um ignorante, se já não o era.

Mas eu continuo achando sua harni­

guinha Jane CHATÍ�SIMA! PAU­LERRIMA! CACETISSIMA!".

22 ZERO NOVEMBRO· 9

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 22: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

quando já era um peta con­sagrado, o dilema foi resol­vido: "Demita esse vaga­bundo!"; ordenou o entãopresidente Costa e Silva a

um subordinado. Os "hábi­tos pouco recomendáveis"de Vinícius influíram na

decisão, que talvez tenhasido a maior contribuiçãodo general às artes brasi­leiras.Canção de Amor - En­quanto esteve em Los An­geles, Vinícius respiroujazz e conheceu Orson We­lles. Quando contou queestava pretendendo fazerum curso de cinema, ouviudo autor de Cidadão Kane:"Bobagem! Sempre que eu

filmar, te chamo e vocêaprende". E assim foi: Vi­nícius acompanhou. toda a

filmagem de A Dama deXangai e de Macbeth. Eracomo aprender futebolcom Pelé.

Resultado: Viníciusde Moraes - que já haviasido crítico de cinema (leiaquadro)e censor cinemato­gráfico do Ministério daEducação durante trêsanos sem ter censurado na­

da - fez o roteiro de "Or­freu Negro" versão de sua

peça "Orfeu da Concei­ção". Dirigido eplo francêsMarcel Camus, o filme le­vou a Palma de Ouro deCannes e o Oscarde Me­lhor Filme Estrangeiro em

1959. A lenda grega de Or­feu (cincoinformado com a

morte de Eurídice, ele des­ce ao inferno e, com seu

canto irrestível, consegue a

permissão do Diabo paratrazê-lo de volta, dsde quenão olhasse para trás no ca­

minho - ordem desobede­cida, Orfeu' só pôde com­

templar a amada por uminstante antes de perdê-lapara sempre) é adaptada à

I realidade do Rio de Janei­ro. Orfeu é um sambista e

a descida ao inferno acon­

tece em plena terça-feirade carnaval num "inferni­nho" chamado "Os Maio­rais do Inferno". O cenáriosofisticado é tocado pelaestética do morro e o som

da lira substituído pelo doviolão.

A famosíssima Se to­dos Fossem Iguais a Vocêfaz parte dessa peça. Asprimeiras frases da canção("Vai tua vida/teu caminhoé de paz e amor/Atua lindacanção de Amor/Abre os

teus braços e canta a últimaesperança/A esperança di­vina de amar em paz") sãoinclusive falas de Orfeu.Parceiro Camarada -

Quando Sérgio Porto e

Paulo Mendes Camposapresentaram a Viníciusum pianista jovem e desco­nhecido, ninguém poderiaimaginar que estava nas­

cendo ali uma das mais fe- .

cundas parcerias da MPB.Juntos, Vinícius de Moraese Tom Jobim deram os pri­meiros acordes da Bossa­Nova e fizeram clássicoscomo Eu sei que vou teamar (Por toda a minha eu

vou te amar/Em cada des­pedida eu vd\I te amar/De­sesperadamente, eu sei quevou te amar/E cada verso

meu será prá ti dizer/Queseu sei que vou te amar/Portoda a minha vida") e Che­ga de Saudade ("Vai minhatristeza/E diz a ela/Quesem ela não pode ser/Diz­lha numa prece/Que ela re­gresse/Porque eu não pos­so mais sofrer/Chega desaudade/A realidade é quesem ela não paz/Não há be­leza/E só tristeza/E a me­

lancolia que não sai. demimlNão sai de mim/NãoSai").

A rosa de HiroximaPensem nas crianças mudas telepáticasPensem nas meninas cegas inexatasPensem nas mulhere� rotas alteradasPensem nas feridas como roses cálidasMas oh! não se esqueçamDa rosa, da rosa, da rosa de HiroximaA rosa hereditáriaA rosa radiativa

Estúpida e inválidaA rosa com cirroseA anti-rosa atômicaSem cor, sem perfumeSem rosa

Semnada

As relações de Viní­cius com os parceiros sem­

pre foram afetuosas. Des­de os irmãos Tapajós, na

adolescência até Toqui­nho, a quem tratava como

um filho, passando por Pi­xinguinha, Adoniran Bar­bosa, Carlos Lyra (que mu­sicou Minha Namorada,Baden Powell, Francis Hi­me e Chico Buarque (comquem fez Gente Humilde.Até Johann SebastianBach foi seu parceiro -

"Rancho das Flores" é le­tra para "Jesus, Alegriados Homens".

Chega de Saudade - Acrença de Vinícius na hu­manidade fica clara no sur­

preendente desfecho de Odia da Criança. "Neste mo­mento todos os bares estãorepletos de homens vazios/Todos os namorados estãode mãos entrelaçadas/To-

dos os maridos estão fun­cionando regularmen­te/Todas as mulheres estãoatentas ( ... ) Porque hoje ésábado/Há um renovar-se

de esperanças/Há uma pro­fundo discordância/Há um

sedutor que tomba morto/Há um grande espírito-de­porco/Há uma mulher qúevira homem/Há crianci­nhas que não comem ... /Edando os trêmites por fin­dos/Há a perspectiva do

domingo ( ... ) Tudo isso

porque o Senhor cismouem não descansar no SextoDia e sim no Sétimo/E paranão ficar com as vastasmãos abanando/Resolveufazer o homem à sua ima­

gem e semelhança/Possi­velmente, isto é muito pro­vavelmnte/Porque era sá­bio.

Maurft:lD O//rfl/ra

Saravá, poetinha!...Imagino o capitão do

mato Vinícius de Moraes,poeta, diplomata e letris­ta, o branco mais preto doBrasil, sentado no céu dosboêmios (o melhor dos se­te céus), seu copinho deuísque na mão, a nos

olhar, sorridente. Ao fun­do algum anjo toca o Sam­ba da Bênção em sua har­pa, pra criar um clima.

Muitagente não sabe,mas ser letrista é diferentede ser poeta. São funçõesabençoadas ambas. Vini­cius foi os dois, e linda­mente. Ao deixar a poesia"séria" pela "popular",porém, expôs-se ao des­prezo e ao descrédito dacrítica e dos acadêmicos,que afinal ninguém sabequem são. Queria serama­do, e amado pela massa,e queria fazer algo pejapoesia, para que ela saíssedas páginas mortas dos li­vros, e passeasse pela vidaalegremente. E Viníciusentão pagou o preço. No

t especial da Globo sobresuas composições, opúbli­co se balançava ao ritmoda música, mas poucos

cantavam as letras, mesmoas mais famosas. A massa

esquece tão rapidamentequando elege. E isso é tris­te.

Mas daíhá um trechode O Dia da Criaçãc ).0

convite dos formandos deLetras, uma jovem a con­

tar uma história que aeon-.

teceu de repente não maisque de repente, o rádioquenos fazpassar uma tar­de em Itapoã. Em todosos jornais há artigos sobreele, o poeta, o letrista, o

homem apaixonado, a

pessoa acessível e genero­sa. Até no rubicundo jor­naldoPT, carinhosa maté­ria de João Antônio. E is­so é bom.

Sabendo que iríamosfalar deleporseus 80anos,lá no céu dos boêmios o

Poetinha sacode os gelosde seu copo, pouco preo­cupado com tudo isso.Ainda no ritmo do Sambada Bênção, levanta o olhare nos diz: Saravá!

. Rflg/nll Carva/hDProfflssora dfl Lfllras da UFSC

POESIA ;

'!4 vida do poeta tem um ritmo diferenteÉum contínuo de dorangustianteO poeta éo destinado do sofrimentoDo sofrimento que the dareia a visão de belezaEa sua alma éumaparcela do infinito distanteO infinito que ninguém sonda e ninguém compreende"

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Page 23: UFSC picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfPactomedíocre DPeProcuradoriabatemcabeças NaComputaçãohá quemfinjaensinare quemfinjaapr,ender s estudantes

COMPORTAMENtO

pagode, por exemplo. "Parti­mos muito rapidamente docomplexo de inferioridade parao de superioridade", autodiag­nostica ..Preto é suspeito - Já o verea­

dor do P�Márcio de Souzajen­contra outro culpado para a ne­

gação da identidade afro: "háum bombardeio cultural queafasta conceitos de beleza e debondade do povo negro". Már­cio, o primeiro militante negroa fazer parte da Câmara em

Florianópolis, observa uma

maior descriminação por parteda polícia. "Eles partem deuma máxima: todo preto é sus­

peito". Outra violência moral

para os negros está na estruturado mercado de trabalho. "Cri­.térios como boa apresentaçãoservem para impedir que o ne­

gro sequer se apresente a uma

vaga", acusa. Márcio lembra a

história de uma jovem que pro­curou o banco Sul América em

ltajaí, e ouviu do gerente"aqui, nem preto e nem barbu­do". Nesse caso, a discrimina­ção era também política.

O 1 � Encontro Estadualdos Movimentos Negros, queaconteceu em Florianópolis en­tre 22 e 24 de outubro, concluiu

.s que o racismo dos brancos só� acabará quando a populaçãonegra não tiver mais vergonhade sua própria cor. No censo

de 1991, apenas 8% dos mora­dofes da capital haviam decla­rado ser de raça negra. Os mes­tiços, maioria na populaçãobrasileira, optaram pela cor

branca. As nove entidades liga­das ao movimento afro em Flo­rianópolis" tentam achar alter­nativas para que os negros se

reconheçam e se orgulhem desua cor, como a escola da MissAfro, provando aos racistasmais ortodoxos uma qualidadepouco conhecida desse povo: abeleza.

JDSi da Sliva Júnior

guns, o rei está certo e pronto.Para outros, ele tem vergonhada cor que nasceu e do que elarepresenta.

Estranhamente, Machadode Assis, fundador da Acade­mia Brasileira de Letras e consi­derado o maior nome da litera­tura nacional, aparece hoje em­branquecido nos livros escola­res. A história achou que, ao

alvejar Machado, estaria lheprestando um favor. Já Máriode Andrade, o Papa do Moder­nismo, tinha a mania de sair àrua com grossas camadas de pó­de-arroz sobre o rosto, para dis­farçar a mulatice. A vergonhaem ser negro invade a literatura

e é prova de criatividade: o pes­quisador carioca Clóvis Mouraencontrou pelo Brasil_,l23 deno­minações eufemísticas para queo negro possa justificar a cor.

Cabral, o presidente daUBRAHC, enxerga de uma

forma curiosa as relações racis­tas: "Um negro consciente con­

segue trabalhar seu ambienteaté erradicar o preconceito doscolegas brancos. O que acon­

tece hoje é o racismo por partedo próprio negro. 90% dos ne­

gros não gostam de convivercom outros negros", exagera.Segundo Cabral, os negros queobtêm alguma projeção evitamatividades como uma roda de

Vergonha de um passado negroMovimento afro busca altemafivas para que o negro orgulhe se de sua cor

"90% do racismo é denegro para negro"

Antônio Cabral,Presidente da UBRAHC

o:105 anos que separam

os negros brasileiros

contemporâneos de seu

passado escravo1 ainda não fo­ram suficientes para lhes garan­tir na prática, um espaço dignona sociedade. Sim, houve avan­

ços. A Constituição de 1988classificou o racismo como cri­me inafiançável, e já não hátanto constrangimento entre as

pessoas "de bem" quando en­

caram negros ocupando setores

que até há pouco eram cativosaos brancos. Mas é pouco. Osmovimentos afro avançam na

discussão sobre a "posição docidadão negro na sociedade".Nos encontros e na opinião doslíderes afros, surge uma nova

prioridade nessa luta: a defini­ção de uma identidade negra noBrasil.

O presidente da UniãoBrasileira dos Homens de CorNegra (UBRAHC), AntônioCabral dos Santos, lamenta quemuitos negros sintam vergonhade sua raça. Ele costuma visitarbares em favelas na grande Flo­rianópolis, onde grande partedos moradores é descendentede escravos. "Muita gente des ..

mente a origem africana, prefe­rindo auto-denominar-se ape­nas como brasileiros", conta.Paradoxalmente, são os mora­

dores do morro que continuamalimentando as tradições afro,através da música, da religiãoe da comida.Identidade - Os poucos negrosque conseguiram se destacar noBrasil também carregam pro­blemas de identidade. O ReiPelé, tanto na carreira de joga­dor como em seu lado bon vi­vant, sempre driblou discussõessobre racismo. Recentemente,ele declarou à Playboy que ja­mais fôra vítima de qualquerpreconcé ito antes da fama.Mas, por chutar para longe essa

conversa, Pelé é avaliado pelos,

. zgros de duas formas: para al- .

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina