ufsc picaretagemhemeroteca.ciasc.sc.gov.br/zero/zerojornais/zero1993nov003.pdfpactomedíocre...
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A dinastia,
BiHencourt.ameaçada depoisde 63 anos dedesmandos
CENTRAL, 14 e 15
Medoetensão no
dia-a-dia dacomunidade depescadores
Pa�re Rafael,adversário doesquema,
perseguido e
jurado de morte
N!! 3· ANO XIFLORIANÓPOLIS19 DE NOVEMBRO DE 1993CURSO DE JORNALISMODA UFSC
UFSC UrgenteA picaretagementreprofessorese alunos 3
Falta segurançano Campuse até taradosagem 5
FlorianópolisCresceconsumo decocaína e cartéisse organizam 6&
Cultura
No palco doTAC, o sucesso
da peça"A Bofetada" 18
Os 80 anos dopoeta Viníciusde Moraes
22e23
.___----------------------------- - -
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
MlIurício Oliveir" m"nteve , trlldicio do Cursoem reportllgens. Ab"ixo li Clip" do'Jornll/ GuillVê, dlls lI/unlls MlIrli Heinicko e AndresslI FlIbrisclImpeis nll c"tegorill Perll Gróficll Jorn,,/ismo
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libração na Bandeirantes
Quasecinco da tarde e a ansiedade dofechamento dojornalse acelera.
Giba (Gilberto Golzani, da segunda turma dojornalismo da UFSC),editor do Jornal Cidade da n Bandeirantes, começa a fechar o
jornal Do outro lado Valmeron de Bona (da primeira turma) calcula o
tempo de cada tela de serviço que entra e sai de cada bloco. Uma arte, umaimagem emmovimento e um texto emalle bem humorado. "O conserto dasua Enxutaficapor tanto... assim suaEnxutapode virar uma Brastemp".Entra serviço útilpara o espectador e até indicativos agropecuários. Temerprepara seus textos de defesa do consumidor e dicas de economia, enquantoJoséPaulo deAndrade vai comentar as reivindicações dos telespectadores.Sílvia, com seu sorriso sedutor tipo maeuma; apresenta as notícias.
Enquanto isso, do outro lado da redação, no Nacional, ElianeArdnt(da segundo turma), como chefe de redação, começa a cobrar as matériasdos redatores e dos repórteres. Tudo feito ainda em máquina de escrever,nõo existe computador nas duas redações da TVBandeirantes.
A cabeça damatéria de apresentaçâo do PCFarias está muito longa.Dou um palpitepara cortar o resumo da história de crimes do PC, Elianefica ofendida e mepergunta: "A minhamãe vai se lembrar de tudo isto".A mãe, quemora emAgrolãndia - SC - éoparlimetro do espectador comum.Um erro de avaliaçã», penso.
PCnãoprecisa deapresemação: Oque importa équedepois de 100diasacharam o homem em Londres. O correspondentefala no telefone ediz quetem apenas dois minutos de imagem. "Quem falOu que era somente doisminutos?". Chico Pinheiro, editor e apresentador, quer saber quem foiPede todo omaterial bruto. PC é a grandenotici« do dia. Da redaçdoparaa técnica.
Dante Matiussi comando ao lado de Giba o Jornal Cidade. Greve dosprofessores em Sdo Paulo, matéria editada e ao vivo. "Vamos conferirprimeiro bloco, entra a u'!', dois, tris... Vamos conferir o segundo bloco.Corta a cinco, deixa a. .. Ultimo bloco. Corta a matéria da Madonna. Ndopode cortar, a Sílvia chamou antes do comercial Corta as telas de serviço.Não vai dar tempo. Vai assim mesmo, a gente corta o final",
Entra matéria dos seguranças da Madonna, em Sdo Paulo. Comhumor, gente simples, seriam seguranças? O que fariam? Traçavam a
Madonna? Humor, puro humor. Riso geral, terminou o jornalLTm olho no monitor e outro na discussdo dapauta do dia seguinte.
Durante, do inicio aofinal, ummonitormostra a variaçõo da audiência. OCidade termina com sete pontos. Começou com dois.
- Nós concorremos com o AquiAgora e com as novelas da Globo.Todos vibram com os setepontos, um universo imensoparaSdoPaulo.
O jornal está no ar há pouco mais de uma semana. Na tela da Globo o
Cabrini começa a contar como descobriu o PC em Londres. Faz suspensee pede comerciais. A redação comenta: "Parece minissérie". Segue a
entrevista autorizada, não autorizada. Termina com o PC indo pegar umtáxi O Giba grita.
- Pega ladrão!Voltopara casa com o Giba. Ficopensando como é dificil reproduzir
o ritmo, a ansiedade, as vitóriaseas derrotas do redação deumjornalde TV.O ritmo alucinante da direção, de quando o jornal está indo para o ar,editores, diretor e apresentadores. O ponto, as mudanças pelas falltasexcessivas dos apresentadores. E a satisfação de ter visto três ex-alunos doCurso como responsáveis por tudo aquilo.
Masfui dormir com uma indagaçdo. Quem usou quem? OPC usou a
Globopara que osfilhos viajassemp'ara aEuropa ou aGlobo usouPCparamostrar sua competência epoder?Ebom lembrar que a dona Elma tentou
viajarmas ojuiz demenores deMaceió nãopermitiu o embarque dosfilhossem autorização do pai, que se encontrova em lugar incerto e não sabido.Graças àGlobo donaElmapoderia viajar. Dormi com a dúvida: quem usou
quem?
Jornalismo e PeçaGráfica é com a UFSCCurso ganha três prêmios na sexta edição do Set Universitário
o Curso de Jornalismo daUFSC se destacou no 6° Set Universitário de Comunicação. Dossete prêmios distribuídos para a
categoriajornalística, ganhou três.Ficouem 3° lugaremparticipação,com 62 trabalhos inscritos. Evoltou de PortoAlegre como vicecampeão do festival.
O Set Universitário é o concurso mais bem conceituado na
área de comunicação no Brasil.São 25 prêmios disputados por estudantes da Argentina, Brasil,Chile, Paraguai e Uruguai. Esteano 914 trabalhos concorreram
nas áreas de Jornalismo, Publicidade,RelaçõesPúblicaseTurismo.
Outra vez aUFSCganhou nacategoria PeçaGráfica Jornalismo.Só que agora o Zero (pentacampeão do Festival) perdeu para o
"GuiaVê",jornalparavestibulandos feito pelas formandas MarliHeinicka e Andressa Fabris. Nacategoria vídeo-jornalismo a
vencedora foi Kátia Klock com
"Ele não deixava eu rir", que falada violência contra as mulheres.A reportagem em texto foi bemrepresentada porMauricioOliveira com amatéria "Por um pedaçode chão", que fala da situação dossem-terra em Santa Catarina. É a
terceira vez que o jornalismo daUFSC ganha essa categoria.
A organização do festival semostrou superior aosanos anteriores, mas ainda pecou pela falta decertificado aos participantes. Novidades não existiram. AFamecos(faculdade organizadora) manteve a hegemonia e ganhou metadedos prêmios, 13. Os "gringos" ficaram cornos troféus de "consolação", apesar dohom desempenho,e oencerramentovoltou a serumamonótona "babação de ovo".,Mesmo assim o 6° Set serviu pantconfirmar que jogo fora de casa édificil de ganhar. E se não se trouxe muitas novidades nos workshops, pelomenos ficamos sabendo daDiléiaFrateo que terndentroda caneca do JÔ.
Diógenes Borelho
Jornal-laboratório do Curso de Jomalismo daUniwrsidade Federal de Santa Catarinaeditado pelo I.aboratório de Infografia
CapaAlexandra BaJdisserotto e Victor Carlson
ColaboraçãoProfessores Paulo Brito e Consuelo Lins,
estudantesAlessandra Pereira, Daniella Bassani e SandraNebelungCopy-writer
Professares Carlos Locatelli, Gilka GirardelloIlusáação
Alessandro da Silva, José da SilvaJúnior,Michelson Borges e Rodrigo Pissetti
DiagramaçãoAlexandra Baldisserotto,Angelita Corrêa, Diógenes Fischer,
Giancarlo Proença, Jaime Luccas, josema« Sehnem, José da SilvaJúnior, Luciane Lemos, Manano Senna,Meire Benotti, MônicaLinhares, PatriciaMárcia, Sérgio Severino e Victor Carlson
EdiçãoAlexandra Baldisserotto, Alessandro da Silva, CarlitoJúnior, DiógenesBotelho, Diógenes Fischer, Flávia Rodrigues, Giancarlo Proença,
Jaime Luccas, José da SilvaJúnior, [osemar Sehnem, Luciane Lemos,
••) OA·8' ,M
A PRIMEIRA AVENTURA V' '\L_ ...... ,._.
DO ESTUDANTE QUANDO '
MUDA DE CIDADE É PROC"URAR,.�.•....': .•UMA VACUINHA NUM APE (!!!!7',OU CASA DE AMIGO.
. '\o PREÇO DOS ALUGUEIS
E A FALTA DE ALTERNAnVAS
Paulo BritoJornalista e professor do Curso de Jornalismo da UFSC
Mauricio Oliveira, Mariano Senna,Meire Bertotti, Mônica Linhares,Paulo de Tarso, PatriciaMárcia, Sérgio Severino e Victor Carlson
FotografiaAlessandro Silva,]osiane Laps, LauroMaeda, Paulo de Tarso,
PedroMello, Yan Boechat e Vtctor CarlsonLaboratório Fotográfico
Jaime Luccas, Marcelo Santos, Paulo de Tarso, Vsctor CarlsonPrvjeto Gráfico eEditoração Eletrônica
Victor CarlsonSupervisão do LaboratDrioProfessorRicardo Barreto
TextosAlessandra Pereira, Alessandro da Silva, Alexandra Baldisserotto,
Ana Paula Pinho, CarlitoJúnior, Cláudia Repsdd, Diógenes Botelho,José da Silva,]osemar Sehnem, Luciane Lemos,Mariano Senna,Mauricio Oliveira, Meire Benotti, Mônica Linhares, Patricia Márcia, Paulo de Tarso, Suyanne Quevedo, Victor Carlson e Yan Boechat
Acabamento e impressão: JornalANotíciaRedação: Curso de Jornalismo (UFSC-CCE-COM),
Trindade, CEP 88040-900, FIorianópolis/SCTelefones: (0482) 31-9215. Telex e Fax: (0482) 34-4069
Distribuição gratuita. Circulação dirigida
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Melhor Peça GráficaI, II, III, IV e V
Set UniversitárioMaio88
Setembro 89, 90 e 91Outubro 92
�2ANOXI
OUTUBR093CURSO DE JORNAUSMO
CCE-COM
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Pacto medíocre
DP e Procuradoria batem cabeças
Na Computação háquem finja ensinar equem finja apr,ender
s estudantes que forem
O aprovados no próximo ves
tibular para o curso de com
putação podem se preparar. Dependendo da disciplina, é possívelque o professor chegue na sala no
primeiro dia de aula, passe um tra
balho e nunca mais apareça. Nãoque todos os professores do De
partamento de Informática e Estatística (INE) façam ISSO, mas no
último semestre três professoresforam acusados de inassiduidadee da falta de qualidade em suas
aulas.O caso mais grave é do pro
fessor Paulo Roberto Gomes deCarvalho. Na metade do segundosemestre de 1986 ele abandonousuas atividades na universidade para participar de um campeonatode pesca de arremesso no Chile.De um total de 44 aulas, PauloCarvalho deixou de ministrar 24."Ele deixou os alunos a ver naviosdurante um mês e meio", lembrao professor Júlio Szeremeta, chefedo INE.
A UFSC tomou providências.No início de 1987 foi aberto um
inquérito administrativo que culminou com a demissão do professor PC. Ele então apelou na 2� Junta de Conciliação do Trabalho ale
gando perseguição do departamento.
O juiz Humberto Rufino, responsável pelo julgamento, determinou a reintegração do professorem 30 de agosto de 1990, com o
direito a receber salário, 13� e férias pelo tempo que o processo es
teve em andamento. O total da dívida é de aproximadamenteUS$ 12 mil. A universidade recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho, mas o juiz Câmara Rufinonão mudou a sentença do irmão.
De volta à UFSC, Paulo Carvalho continuou na sua rotina defaltar aulas. Em 1992 os alunos voltaram a se queixar das faltas, mas
É sempre a mesma história. O caso do professor PauloRoberto Gomes de Carvalho,assim como o de AdautoBeckhauser (Ver edição IIano XI) também emperrou nájustiça do trabalho. A alegação para inocentar os dois acusados foi a mesma: "erro no
inquérito administrativo".
Para os departamentos
a chefia do departamento "deuuma prensa em PC" e conseguiucontornar o problema.
Mentiroso - No primeiro se
mestre de 93 nova confusão. Na
disciplina de Cobol, ministrada nas
quartas-feiras à noite, PC não
compareceu no primeiro dia de aula. Quando se encontrou com os
alunos, j:i na terceira semana leti
va, disse que não estava preparadopara dar aquela disciplina. "Ele re
clamou que fazia dez anos que nãotrabalhava com Cobol e que o de
partamento o havia obrigado a dara aula", conta Letícia Tomelin,aluna da 6� Fase da Computação.
O que Letícia e os seus cole
gas de aula de Cobol não sabiamé que Paulo Carvalho me!ltl.u: .em1991 ministrou a mesma disciplina.Pior, antes do início das aulas PCvendeu 15 dias de suas férias sobo pretexto de prepara� a �a�éri�.
O cúmulo da di spl icê nciaaconteceu em setembro passado.No dia 16 desse mês Paulo Carvalho entrou com um pedido de li
cença prêmio de três meses. Curiosamente, esse tipo de licença é umdireito exclusivo dos docentes coma assiduidade reconhecida pela instituição. Mas como a justiça do trabalho tratou o professor como um
funcionário exemplar, ele teria di-
envolvidos a culpa pela impunidade é da procuradoria daUFSC. "O advogado daUFSC estava mal preparado" ,
acredita Júlio Szeremeta, chefe do INE se referindo ao processo do professor PC.
A procuradoria se defende com base na experiênciados seus advogados. "Isso é
besteira, o Dr. João Leonel
Machado, responsável pelocaso na época, tem mais de30 anos de advocacia", afirmaMarco Aurélio Moreira, procurador da universidade. Aomesmo tempo o procuradorjoga a culpa na Justiça Trabalhista e no Departamento Pessoal.
"O DP semprelibera os
documentos em cima da hora.Junta-se a isso a tendência da
reito a essa folga prolongada. Teria! Porém só no semestre 94, jáque o regimento interno da UFSCdiz que pedidos de licença prêmiodevem ser feitos com um semestrede antecedência no mínimo.
O professor PC passou por cima do regimento interno daUFSC, do colegiado do INE e do
Departamento Pessoal. Em 24 desetembro o colegiado negou o pedido de licença do professor. PC
apelou para o DP, que demorou25 dias para reafirmar a decisãodo INE. Muito antes disso, no dia
primeiro de outubro ele simplesmente desapareceu. "110 alunosficaram sem aulas por causa dele.Ele disse que iria abandonar as turmas, mas ninguém levou a sério",conta o chefe do INE.
Até o início de novembroPaulo Carvalho não havia retornado ao trabalho. Por isso o chefedo INE encaminhou outro processo à reitoria pedindo a demissãodo professor por abandono de em
prego. Segundo sua mulher, LindaCarvalho, ele está na região Nortedo país resolvendo problemas particulares. "Se ele vier é só no finaldo ano. É bem provável que a gente se mude para lá", diz ela.
Aluno medíocre - O caso
descrito é só o mais grave. O de-
partamento de Informática têmoutros dois docentes problemáticos. Um deles é Paulo Pinto, professor de Análises de Algorítimos."Ele já foi dar aula bêbado váriasvezes", garante uma aluna do INE
que prefere não se identificar. O
professor PP foi suspenso por trêsdias no semestre passado por inassidiíidade. A reportagem do Zerofoi ao INE várias vezes em uma
semana e o professor nunca estavano departamento.
É interessante notar que os
alunos do curso de computação sócomeçaram, a se preocupar com
a qualidade das aulas de PP quando veio o resultado na primeira'prova desse semestre. A média geral da sala foi 1,5. "Ele está se
vingando", esbravejava uma alunaque não quis dizer o nome. "Ninguém entende nada e o professornão quer saber", conta outro alunoque também preferiu ficar no ano
nimato. Agora o Centro Acadêmico prepara um abaixo assinadopara pedir o afastamento do professor Paulo Pinto. "No próximoano não queremos que ele continue a dar aulas", diz Luiz Fernando Fausto, presidente do C.A.
Outro professor tido como
inassíduo pelos alunos é Luiz Fernando Jacinto Maia, responsávelpelas disciplinas de MUMPS e Pro
gramação Funcional. "Depois dagreve ele deu um trabalho e su
miu", lembra um aluno anônimo.Os alunos já fizeram reclamaçõesinformais e temem que uma denúncia oficial possa invalidar umamatéria do semestre. "Pra que re
clamar? Todo mundo sabe queaquilo não serve para nada", justifica uma aluna. O professor Maiase defende dizendo que "um mínimo de alunos pensam que a universidade tem que ter qualidade. Amaioria fica quieta dentro da saladormindo" .
Alguns professores do INEtêm uma explicação melhor paraessii). simbiose "medíocre". A diferença entre Paulo Pinto e LuizMaia é que com Maia ninguém tem
problema de nota", teoriza outro
professor que como quase todosdo INE preferiu ficar no anonimato.
Mar/anil SennaCII/abllfllU Victor Emmanue/
justiça em favorecer sempre o
empregado", emenda.
O DP admite as suas fragilidades. "Existe falta de informações nos arquivos do DP
, e por coincidência foi na fichado professor Paulo Carvalho", diz João Santana, chefedo DP. Ele se refere ao fatode a ficha pessoal de PC nãoter anexo o processo de 1987.
Foi por causa disso que o DPlevou 25 dias para decidir sobre a licença prêmio do' professor em outubro desse ano.
"Levamos 16 dias para conse
guir uma cópia do processocom a procuradoria", justificaJoão Santana. (Um detalhe: Areportagem do Zero conse
guiu a cópia do processo em
apenas um dia com o procuradorMarco Aurélio Moreira),
NOVEMBRO - 93 ZERO 3
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
�
SUITE 1
o aniversário do rouboConfirmada afalsidade doCatharinense
Ohistoriador Jali Meirinho confirmou a
falsidade do exem
plar do jornal "O Catharinense" encontrado no co
meço deste ano na seção deObras Raras da BibliotecaUniversitária. O parecer doprofessor de História daUFSC diz que a cópia serviucomo convite para a Exposição Comemorativa dos 87anos de fundação do próprio"O Catharinense", um
evento que reuniu na capitalosprincipa�nomesdapo�tica catarinense em julho de1918. Embora tenha mantido o formato (15,3x21,Scm), a cópia apresenta indícios de fotomontagem quenão aparecem na única fotoconhecida do original, publicada pelo IBGE na Enci
clopédia dos MunicípiosBrasileiros, de 1959. Alémdisso, o falso "O Catharinense" é uma reproduçãoapenas da capa do jornal,que tinha ao todo quatro páginas.
O procurador-geral daUFSC José Márcio Mar
ques Vieira.acha que o processo do caso "O Catharinense", que já tem mais decem páginas, pode se encer
rar por aqui mesmo "se não
aparecerem novidades vindas de fora da UFSC". Háalgumas possibilidades: o
original teria sido visto re
centemente numa feira de
antigüidades em Belém doPará e há cerca de três anos
num curso sobre história daImprensa em Santa Catarina promovido pelo DiárioCatarinense. Mas são sóboatos; ninguém assume a
responsabilidade por essas
informações.A principal causa da es
tagnação do processo é a falta de registro da passagemdo Catharinense verdadeiropela seção de Obras Raras.O problema não é exclusivodesse jornal: a maioria dasobras raras foram doadas,mas não se sabe por quem.Quando a microfilmagemdos jornais antigos foi feita,em 1987, já era a cópia queestava lá.
o QUE MUDOU - Areforma na seção de ObrasRaras foi interrompida porfalta de verbas. As únicasmudanças foram a instalação de cortinas "black-out",compradas com o dinheirodas multas por atraso na devolução de livros, e de sete
aparelhos exterminadoresde ácaros e fungos, doadospelo fabricante.: A fechadura da porta da sala foi trocada e a chave, que costumavaficar pendurada num pregoà disposição de qualquerfuncionário, agora fica o
tempo todo com a responsável do setor. Por falta depessoal disponível a recon
tagem do acervo, previstapara o período em que a se
ção ficou interditada, nãofoi feita.
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c:zz:a;;a:=�·eAJlIAR]NENSE
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SUITE 2
Rádiosde SCainda amargamcalote do governo
Nove meses depois da es
tréia 'do "Bom dia, governador", Vilson Kleinübing finalmente fez o primeiro pagamento às 190 emissoras de rádio queretransmitem o programa em
troca da quitação da contas deluz. O montante de CR$ 10,4milhões, referente apenas atéjulho, é dez vezes menor queo devido, já que não foi aplicada correção monetária.
Conforme publicado com
exclusividade no último Zero,o acordo feito entre Kleinübinge a Associação Catarinense dasEmissoras de Rádio (Acaert)previa que, em troca da veiculação do programa, as rádios teriam as contas de luz pagas pelogoverno. De todas as emissorasdo estado, apenas as quatro FMda RBS não aceitaram retransmitir o "Bom dia, governador"."Seria como na Voz do Brasil:todo mundo desligaria o rádio", justifica o gerente-geralda RBS Rádio de Santa Catarina, Armando Appel.
De fato, parecia um bomnegócio para as rádios, que continuariam pagando normalmente as contas de luz à Celesce seriam imediatamente reem
bolsadas pelo governo. Mesmocom o não cumprimento doacordo, o prograrnaque é transmitido aos domingos das sete
e. meia,às oito da manhã, con
tmuará no ar. "O governo não
paga nada com correção mone
tária, mesmo", consola-se o
presidente da Acaert, CarlosAlberto Ross. Já a AssociaçãoSul-brasileira das Emissoras deRádio Independentes (Asberi),uma dissidência da Acaert com27 associadas no oeste de SantaCatarina que também participou do acordo, está planejandouma visita ao governador paraexigir o pagamento da correçãomonetária.
Maurício Oliveira
4.' ZERO
.93 • NOVEMBRO
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É interessante contar o
que aconteceu com os personagens dessa história nes
tes últimos doze meses. Valadares Oliveira, alegandomotivos particulares, se
transferiu para a Universidade Federal do seu estadonatal, Ceará. Laudelino
Sardá deixou a editoria de
opinião do Diário Catarinense e está trabalhando na
UFSC como assessor do reitor Antônio Diomário deQueiroz. Sua mulher, Narcisa de Fátima Amboni,
continua a pós-graduaçãoem Administração de Empresas e se prepara para voltar à Biblioteca no ano quevem "como diretora".
Itfaurfclo OIl"BII'II
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
A videoteclI dll iisk«já foi visitlldll dUllsvezes pelos /lIdróes
.
Crime e violência no Campus da UFSCNo ano passadoforam 132 casosde assaltos
Nanoite de 24 de setem
bro um rapaz de aproximadamente 22 anos de
idade invadiu a sala 247 doCentro de Comunicações e Ex
pressão da UFSC armado com
um revólver. Trancou a portada sala e assaltou os alunos e
a professora Sônia BredaZannete, do Curso de Desenho e Pintura, promovido peloDepartamento de Apoio à Extensão. Muito nervoso, o assaltante pediu apenas o dinheirodas pessoas, levando cerca de3 mil cruzeiros reais. Saiu dasala às 21 horas sem que os funcionários da portaria do Centro percebessem.
Este é apenas mais um dosvários casos de violência sofridos por quem estuda, trabalhaou apenas passa pela Universidade. O Campus é aberto e
qualquer pessoa pode entrar ecometer um crime. Desta ma
neira vários carros foram rou
bados, dois alunos seqüestrados ao saírem da BibliotecaCentral por três fugitivos daPenitenciária, e uma senhorade aproximadamente 65 anos,estuprada quando estava internada no Hospital Universitário.
Só em 1992, foram registrados 132 ocorrências pelaCentral de Segurança do Campus. A reportagem do Zero teve acesso aos arquivos da Central e achou entre os roubosde 92, doze automóveis, oitoalto-falantes, sete assaltos em
bancas de revistas e bares, cinco bicicletas, dois videocassetes, um computador, um projetor de slides e um motor debetoneira.
.
Visita - Entre os muitoslocais da UFSC já assaltadosestá o Departamento de Física,que já foi "visitado" mais 'deuma vez por ladrões. O professor João José Piacentin,conta que na primeira vez leva-
ram um videocassete e algunsdrives de computador. Na se
gunda vez, toda a Videotecado Departamento foi roubada.Dois videocassetes, uma filmadora com todos os equipamentos, um teclado de micro, umcontrole remoto de telão (quenão funciona sem o controle),entre outros equipamentos foram levados.
O responsável pela Videoteca, Maurício Justino, diz queos ladrões roubaram várias fitas VHS, mas tiveram o cuidado de levar apenas as fitas vir
gens. "Os ladrões conseguiramentrar e sair porque as janelasdos blocos modulados do Básico são removidas facilmente",diz o professor Piacentin. O
Departamento já enviou váriosprojetos à Reitoria e alguns órgãos financiadores de :<lesquisapara conseguir uma nova Vi
deoteca, mas até agora nadafoi resolvido.
O coordenador de Segurança Física e Patrimonial daUFSC, Sálvio José Vieira, citaalguns problemas que dificultam a ação do seu setor: faltade pessoal, vigilantes com maisde cinqüenta anos trabalhando, falta de treinamento ade
quado, iluminação precária emgrande parte doCampus, porteiros dos Centros despreparados para o serviço. Acha ainda
que existe muita burocracia para conseguir melhorias junto àReitoria. Foratudo isto, "osfatos são abafados e a mídianão fica sabendo dos crimesque ocorrem na UFSC", revelaum funcionário da Segurançaque preferiu não se identificar.
Menino de rua - Alémdestas deficiências, a Seguran-
ça seria prejudicada pelos próprios alunos da Universidade.Várias vezes os policiais universitários tentaram deter os
meninos de rua que estavam
perturbando no Campus, masforam impedidos por alunos
que diziam estar defendendoos direitos do menor. Quandoeventualmente são detidos, estes menores nem são levadosà Polícia que não os aceita, jáque são muitos casos e os policiais não sabem o que fazercom eles,
O coordenador de Segurança também indica os even
tos culturais como o "Rock no
Bosque" e o "Talento Universitário" como causadores docrescimento da violência dentro da universidade. "Os estudantes não deixam a polícia entrar para nos auxiliar e, porcausa disto, já ocorreu um ar
rastão num destes shows",completa Sálvio.
O professor Ivo Zimmer
mann, diretor da ComissãoPermanente do Vestibular
(Coperve), disse em uma reu
nião sobre segurança no CCE,
A segur"n!" do Cllmpus registrou o rouho de doze lIutomóveis e sete IISSII/tos em 92
que também acha tais eventos
perigosos à segurança do Campus. Para ele, estes showsatraem gente de fora, aumentando o tráfico e o uso de drogas. Zimmermann lamentatambém que o serviço nas portarias dos Centros seja deficiente. "Nos finais de semana,qualquer pessoa entra no CCEsem identificar-se e os vigilantes não perguntam nada".
Mas os crimes não são cometidos apenas por gente defora da Universidade. A cornu
nidade universitária que é a
responsável direta pela patrimônio da UFSC, rouba muitomaterial da Universidade, desde canetas hidrográficas atécomputadores.
Base de Operação - Asdrogas também estão no cotidiano do Campus. O uso e o
tráfico acontecem entre funcionários, alunos e professores. Apesar de existir um pontode venda de maconha na PraçaSantos Dummont (em frenteao Departamento de Adrninistração Escolar, na entrada daUFSC), um membro da segu-
rança do Campus disse na mes
ma reunião do CCE, que 90%do uso deste tipo de droga diminuiu dentro da UFSC.
O pró-reitor de Adrninis
tração, Mário Cesar Bittencourt, diz que o problema existe mas que, comparando com
o de outras Universidades Fe
derais, é pequeno. Ele cita co
mo exemplo a Federal Fluminense onde, em pleno Cam
pus, o Comando Vermelho
possui uma base de operações.A contratação de pessoal
e um melhor aparelhamentodas equipes de segurança, de
pendem de verbas do Ministério da Educação. "Mas a Reitoria faz algumasmelhorias aos
.•poucos", diz Mário César, e dácomo exemplo o treinamentodos seguranças, que será realizado agora em novembro aquina UFSC pela Polícia Militardo Estado.
Alessandro Silva
Tarados agem na UniversidadeMas nem só de assal
tos e roubos vive a UFSC.Os tarados também atacamna Universidade. Só em 92,três "se mostraram" peloCampus. Mas existem tarados que a Segurança nem
fica sabendo, alguns agemnos laboratórios, outrosnos vestiários do Centro deDesportos e, outros ainda,nos banheiros dos Centros.
É o caso do Centro deComunicação e Expressão,onde os banheiros mascu
linos recebem, constante-
mente, a visita de um
Voyeur. O detalhe interessante, é que este Voyeur éum homem. Sobre este as
sunto existem várias ver
sões e poucas pessoas querem falar, já que o taradoé um Professor do Centro.Um outro professor doCentro, que não quis identificar-se , contou que "to-
.dos no Centro sabem quemé o tarado, mas nada é feitoe, quando você vai ao banheiro ele tá lá te olhando".
NOVEMBRO·93 . ZERO -.
5
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
está na repressão. "É claro queé preciso cabeça. Mas se eu
percebo que o cara é viciado
mesmo, boto na cadeia", diz.Os critérios de bom senso sãodefinidos pela classe social."Quanto a gente vê que a pessoa é de família, sabe que quase sempre ela está só experimentando � só chama os pais" ,
coloca.O pres.dente do Conen
não concorda e acredita que a
solução para o consumo está
longe da repressão da polícia."Quando o presidente Bush
quis combater a produção decocaína nos países andinos, em1991, gastou 58 bilhões de dólares e não conseguiu diminuirnem a produção nem o consu
mo", compara. No Brasil, a
verba usada para repressão deusuários e combate ao tráficoé superior aos 900 mil dólaresdestinados aos dez milhões defumantes e trinta milhões dealcóolotras do país. Mesmo as
sim, o consenso entre médicose profissionais do ramo é o de
que pouco tem sido feito paraconter o aumento dos usuários.
Sem política
Cocaína invade morros de Florianópolis
Atéa polícia reconhece:
o tráfico de cocaína tomou conta de Florianó
polis e está quase fora de con
trole. Mesmo longe de se equiparar aos castelos do narcotráfico do eixo Rio-SP, a disseminação da droga é assustadora:
alguns morros da cidade come
çam a configurar cartéis en
quanto o consumo de cocaína
está prestes a destronar o damaconha. As facilidades no
transporte e lucro imediatoatraem um número de traficantes cada vez maior - a estimativa da Delegacia de Tóxicosda DEIC é de que mais de cem
pontos de vendas estejam instalados em apenas seis morros
da Ilha.A pnmeira apreensão de
cocaína na capital foi feita em
1980 ..Desde então o tráfico e
o consumo não pararam decrescer: nos últimos dois anos
225 pessoas foram autuadas em
flagrante por tráfico da drogae desde 92 cerca de 70 traficantes foram presos. Passada
pouco mais de uma década o
narcotráfico caminha para uma
consolidação semelhante a doRio de Janeiro. "Alguns mor
ros da Ilha estão formando car
téis" , alerta o delegado Acionide Souza, que trabalha há dozeanos na repressão as drogas.Os principais pontos de venda,segundo ele, estão localizadosno Morro da Caixa, Morro do
Mocotó, Morro do 25, Morrodo Horácio e Morro do NovaTrento. A Delegacia de Tóxicos estima que em cada um
existam dois ou três patrões(donos do negócio) e seis passadores principais (encarregados de vender a droga), além I'
de traficantes menores.
O tráfico absorve todo o
tempo dos policiais da Dele
gacia de Tóxicos do Departamento de Investigação Criminal - DEIC: são três batidas
por dia em cada um dos morrosonde a venda da droga já virourotina. Não há estatísticas sa
bre o número de usuários mas
o delegado Acioni de Souza,arrisca uma avaliação: segundoele no último ano, o aumento
de consumidores foi de 40%.Nas dez clínicas de tratamentode Florianópolis o número deinternados por uso de drogaspassa de 300.
o consumo da droga na capital tem crescido tanto
que cartéis estão articulando o�role do tráfico.Há cerca de 100 pontos de venda na cidade
Negócio seguroA consagração da cocaína
como droga preferida pelos jovens não é privilégio da cidadede Florianópolis. Em todomundo a "branca" - como éconhecida pelos usuários - ganha adeptos. A produção e o
consumo mundial estão estimados entre 700 e 1000 toneladas ao ano, segundo o relatório<10 Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas, divulgadoem setembro. No Brasil o consumo anual está avaliado entre10 e 20 toneladas.
As razões para o aumentodo tráfico e do conseqüenteconsumo estão na própria na
tureza da coca. O volume me
nor, a facilidade de transporte,o fato de não ter cheiro e deser solúvel em água tem levadotraficantes de todo país a aderirao negócio da "branca". Se
gundo o presidente do Conselho de Entorpecentes de SC
(CONEN), Jairo Brincas, o
Brasil é um dos maiores produtores dos componentes da co
caína - éter e acetona - o
que consolida seu lugar nas rotas do tráfico internacional.
Aqui em Florianópolis a drogachega pelas rodovias, trazidasprincipalmente do Mato Grosso do Sul. O trajeto é seguro:enquanto a maconha precisaser transportada por caminhão
e em toneladas - com granderisco de ser apreendida - a co
ca viaja em quantidades pequenas, por estradas secundárias e bem longe dos olhos da
polícia.
Lucro certoO retorno financeiro na
venda da cocaína também é
responsável pelo interesse dostraficantes na droga. Isaac Barreto, presidente do ConselhoFederal de Entorpecentes(COFEN), estima que 60% dofaturamento de 150 bilhões de
dólares, provenientes do nar
cotráfico na América Latina,venha da venda de cocaína.Nos morros da Ilha a situaçãonão é diferente. Enquanto um
baseado (cigarro de maconha)é vendido a CR$ 300,00, umgrama de cocaína custa em média CR$ 1.500,00. "Os traficantes obtém a droga por consignação e tem direito a trinta
por cento do que for vendido",informa Acioni. Ms a porcentagem não satisfaz os "passadores" e leva a disseminaçãoda cocaína falsa, ou suja, maisconhecida como "loque". Elesmisturam a droga pura com póde giz, mármore, e conseguemdobrar o lucro da venda", coloca o delegado.
O fato não impede que o
número de usuários aumente
cada vez mais. Ao contrário do
"amolecimento" causado pelamaconha - droga que mareoua década dos hippies e que em
Florianópolis continua sendo a
mais consumida - a geraçãode hoje procura o efeito dosestimulantes. Jairo Brincas,que há 11 anos trabalha com
dependentes, diz que "o jovemquer drogas que ativem o me
tabolismo e não causem ressa
ca nem dor de cabeça". O Conen recebe três a cinco usuários de drogas por semana e
·faz o encaminhamento de cadaum a uma das dez instituiçõesde tratamento de Florianópolis. Segundo Jairo Brincas a
maioria deles é de classe pobre, tem idade de 15 a 25 anos
e todos são dependentes de álcool. Ele frisa também o fatodos jovens terem informaçãosobre os males da droga, ao
contrário do que aconteciaanos atrás, quando as pessoasse drogavam sem imaginar as
dimensões dos danos ao organismo.
RepressãoA prisão de usuários de
drogas é uma prática comum
nas delegacias de capital. Apesar de não revelar os númerossob a alegação de que "sâo prejudiciais para a cidade e paraos jovens", o delegado Acioniadmite que a melhor maneirade conter o consumo. de drogas
Jairo Brincas acredita queo aumento no consumo tam
bém tenha ligação com as políticas nacionais de prevenção,meramente informativas e ineficazes. "O Ministério da Saúde concede ao Confen uma
verba anual de CR$ ummilhãoe nem por isso o número deusuários tem diminuído", enfatiza. Para Brincas a única forma de atuar decisivamente sa
bre o problema está no trabalho feito nas comunidades. "Épreciso criar conselhos locais,que trabalhem com os doentesde cada região", coloca.
Até o ano passado 21 conselhos como estes funcionavamem Se. Hoje, por falta de verbas das prefeituras, apenas seisestão atuando. O maior problema está na centralização do
orçamento para o combate as
drogas. "O dinheiro não cheganos municípios" coloca Jairo.E completa: "O mais absurdoé que estes conselhos quasenão exigem gastos. Apenasuma sala e o pagamento deuma pessoa para trabalhar jáseriam suficientes".
Miln/ca Linhares
6 ZERO 93 - NOVEMBRO
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Quem com fogo fere...Jovens queimamhomem e dançamna Cadeia Pú�ica
Na madrugada do dia 26de outubro, no terminalde ônibus Rita Maria,
três jovens atearam fogo no
jardineiro Luiz Carlos Travisk,38 anos, que dormia próximoao bar onde eles trabalhavam.José Adélcio Fernandes, 21
anos, Róbson da Rosa, 18 anose o menor L.R.S., 17 anos foram presos em flagrante pelopolicial militar Luciano HélioGarcia e encaminhados à Central de Plantão Policial, no Estreito. Luiz Carlos foi socorrido e levado ao Hospital deFlorianópolis.
O crime ocorreu por voltadas três horas e vinte minutosda madrugada. Luiz Carlos foiesticar as pernas no chão e aca
bou dormindo. "Acordei pegando fogo", lembra Travisk,que foi prontamente socorridopelo cabo da PM Gilberto e
por um funcionário do RitaMaria. "Foram gastos dois ex
tintores de incêndio de gás carbônico para conter as chamas", conta o chefe de operações do terminal, José Roberto.
Em depoimento prestadoao delegado Pedro Mendes,José Adélcio e Róbson da Rosa culparam o menor L.R.S.de ser o autor do crime. Peloque consta no auto de prisãoem flagrante n� 125/93, Róbsonteria apenas acompanhado o
menor e José Adélcio chegadoao local no instante em que L.R.S. ateavafogo no jardineiro.Primeiro a depor, Adélcio con-
Atendimento éfeito por alunos doCurso de Direito
Desde julho, os moradoresda Grande Florianópolis que ganham até três salários mínimos
podem resolver suas pequenasencrencas no Juizado de Pequenas Causas da Universidade Federal de Santa Catarina. O aten
dimento é prestado pelos alunose professores do curso de Direito
que trabalham em conjunto com
o Fórum instalado na UFSC.O Juizado de Pequenas Cau
sas atende a reclamações de pequenos estragos, de pessoas queforam lesadas em até três saláriosmínimos. Durante este semestre,um senhor procurou o Juizado daUFSC porque o bode do vizinhoinvadiu a sua casa e comeu todaa plantação de alface. Casos co-
tou que o menor os convidoua irem tocar fogo em um men
digo que dormia do lado de fora da rodoviária, e que ele vinha fazendo isso a semana todapara correr com os indigentesdo local. Segundo ele, L.R.S.pegou um copo com álcool e
acompanhado de Róbson foi
para fora do terminal, onde a
vítima dormia. José Adélciodisse que foi depois para ver,pois não acreditava que os doisteriam realmente coragem deatear fogo em uma pessoa. Eledeclarou que viu, de longe, omenor acender o isqueiro e botar fogo, e que Róbson estavacom o copo com o álcool namão, mas não viu quem derramou o líquido em Luiz Carlos.Róbson confirmou o depoimento do companheiro e ne
gou ter jogado álcool no jardineiro. Depois de prestar depoimento, os dois foram condu-
mo este não precisam ser levadosa um tribunal tradicional, a nãoser que as partes envolvidas não
entrem em acordo. Se as partesconcordarem o caso está encer
rado. Se não aceitarem, o Juizadoentra com uma ação e o caso vaiser resolvido pelo juiz do Fórumda UFSC. Em casos mais complexos, como separação e busca demenor é impetrada ação na Jus
tiça. •
Mais de mil pessoas já procu-raram o Juizadoda UFSC desdea sua inauguração. "Atendemoscerca de vinte pessoas por dia.Já temos 1.500 processos em an
damento", revela o aluno de Di
reito, Ronaldo Salum Jr. A procura tem sido intensa na área deDireito de Família: separação de
casais, pensão alimentícia, investigação de paternidade e guardade menor. Até 04 de novembrohavia cerca de 80 pedidos de pensão alimentícia, 12 de investiga-
Lu;z C"rlos sofreuqueim"dur"s de2! e 3! gr"us
zidos à cadeia pública. O me
nor foi encaminhado à 6� Delegacia de Polícia (proteção àmulher e ao menor).
A vítima, Luiz Carlos Travisk, está internada no isolamento do Hospital Florianópolis, e sua situação é estável.Travisk teve trinta por cento
da sua área corporal atingidapor queimaduras de segundo e
terceiro graus. Foram atingidos suas pernas e o escroto. Para o diretor clínico do hospital,dr. Jairo Vieira, o maior riscoque Luiz Carlos corre é de uma
infecção, pois Santa Catarinanão dispõe de serviço especializado para o atendimento a
queimados. "Ele ainda sofre
ção de paternidade, três de guarda e cinco de busca de menor.
De acordo com a estagiáriado curso de Direito Ana PatríciaPereira, a maior parte dos casos
é de assistência social. "Muitasvezes o problema está na estru
tura familiar. Algumas pessoasnos procuram uma vez e não voltam mais", diz Ana Patrícia. Brigas entre casais levam a população a procurar o Juizado. Há pelomenos 15 casos de maridos quebatem nas mulheres e nos filhos.
Os 274 alunos entre a sétimae a décima fase de Direito quetrabalham no Juizado acompanham algumas causas estranhas.Semestre passado, uma senhora
procurou o Juizado da UFSC porque o seu marido mantinha rela
ções sexuais com a cadelinha docasal. "Ela disse que não sabiao que fazer, pois tinha pena da
cadela", conta a estagiária Carla
outros riscos, como desidratação aguda e problemas renais,devido à grande quantidade de
água perdida pelos ferimentos", alerta Jairo. Os médicos
41 que cuidam do jardineiro sãoo urologista Sílvio Schmidt e
o cirurgião plástico OsvaldoJoão Pereira Filho. Não há
previsão para a saída de LuizCarlos do hospital.
Travisk é natural de SãoBento do Sul, e veio para Florianópolis há cinco anos, de
pois de passar parte de sua vidaem Rio Negro (PR). Inicialmente vendia pastéis na praiados Ingleses, mas desde que se
fixou no bairro de Coqueiros,há dois anos, na rua Desem
bargador Pedro Silva sin, trabalhava como jardineiro. Ele
ignora o motivo do crime. "Decerto pensaram que eu tinhadinheiro. Só que eu tinha apenas o dinheiro da passagem doônibus para voltar para casa".Reclamando das dores, Travisk acredita que poderá sairdo hospital em duas ou três se
manas para voltar a trabalhar.Os autores do delito tra
balhavam nas lanchonetesTet's e Numenga, localizadaslado a lado no terminal RitaMaria e que pertencem ao mes
mo dono. O menor L.R.S.,após a prisão e o encaminhamento ao sexto DP, foi levadoà Justiça da Infância e da Juventude e recebeu representação da promotoria, ou seja, ficará em liberdade condicionalaté que seja julgado pelo juizda Infância e Juventude. A au
diência não tem data certa paraser realizada. "Pela gravidadedo crime, L.R.S., poderá atéser internado no Centro deReeducação São Lucas por umperíodo máximo de três anos,
segundo o Estatuto da Criançae do Adolescente", explicou o
.*'
Seeman.O fórum da UFSC agiliza o
andamento dos processos. Separações que antes levavam mais deum ano para serem resolvidas podem ter fim em dois meses. Sefor consensual, quando há um
acordo entre o casal, é feita em
menos tempo. Um casal entroucom o pedido de separação con
sensual no último dia 14 de setembro e vinte dias depois o processoestava concluído. Desde julho, 14processos, incluindo causas de
despejo, busca de menor, divórcio e pensão alimentícia, já tinham sido solucionados. A prestação de serviços do fórum daUFSC abrange as questões cíveis,como a posse de imóveis, e familiares, excluindo causas criminaise trabalhistas.
Júlio César Machado deMello, o novo juiz do fórum daUFSC assumiu há três semanas
professor de Direito da Crian
ça e do Adolescente da UFSC,, Nuno de Campos.
José Adélcio e Róbson daRosa foram indiciados no arti
go 121, parágrafo 2�, item 7 do
código penal, pelo crime detentativa de homicídio qualificado, e podem pegar uma penaque varia de doze a trinta anos
de reclusão. Eles foram enca
minhados à Cadeia Pública de
Florianópolis no início da ma
nhã do dia 26 e colocados no
cubículo D-1, galeria D. Osdois estavam na cela juntamente com outros treze detentos,que não sabiam o motivo da
prisão de Róbson e Adélcio.Quando souberam, através deuma reportagem de televisãono dia 27, à uma e meia datarde, espancaram os dois violentamente. Róbson foi o mais
atingido. Teve vários cortes norosto e nos lábios e perdeu cer
ca de dez dentes. José Adélcio,por não ter tido participaçãodireta no crime, foi poupado:sofreu apenas um corte na ca
beça. Eles foram encaminhados ao Hospital Universitárioe retornaram ao presídio apósatendimento médico. Róbsonfoi levado ao Manicômio Judiciário, para se recuperar, e
Adélcio foi transferido para o
"local seguro", que é como o
chefe de segurança do presídioSílvio Agostinho chama o lugaronde ficam os criminosos con
siderados de risco, como estu
pradores. "Ele está lá apenaspara não apanhar mais dos presos", conta Sílvio. Já foramidentificados cinco presos queespancaram Róbson e JoséAdélcio. Quando perguntadosobre o que aconteceria a estes
detentos, Sílvio respondeu:"Isto cabe à justiça decidir".
UFSC presta assessoria jurídica à comunidade
NOVEMBRO-93 ZERO 7
Paulo de Tarso
e já promete modificações quantoà prestação de serviços deste ór
gão. De imediato ele pretende alterar o horário de funcionamentodo fórum. Atualmente, funcionadas 13 às 19 horas. Agora, poderáfuncionar das 8h30min às 20 ho
ras, com intervalo para o almoço.
Outra mudança prevista é a
participação dos estudantes na
audiência. Hoje os estagiáriostêm acesso a arquivos e a computadores para o cadastramento e
acompanhamento das causas,mas quem defende os clientes no
fórum são os professores. "É importante que os alunos possam fazer perguntas aos clientes. Elesnão podem ter medo do juiz ou
do promotor, pois precisam sairda Universidade preparados parao mercado de trabalho", alertaJúlio César.
Alessandra PBreira
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Hemosc corre atrás de novos doadores'Estoque de sangue não chegapara atender nem a metade dospacientes do hemocentro
O projeto "agendamentode doadores", desenvolvido pelo Hemocen
tro de Santa Catarina há um
ano, não está dando certo. O
preconceito e a desinformaçãotêm sido fortes barreiras para a
doação de sangue, fazendo com
que o número de "agendados"não passe de 30 por mês. O ob
jetivo inicial do projeto serianão perder as pessoas que aparecem no hemocentro paraeventuais doações e depois so
mem. Através do agendamento,a cada três meses o doador recebe em casa uma carta lembrando do compromisso assumido e
só terá trabalho de ir até o Hemosc para a triagem e a coleta,que dura apenas 10 minutos.
A corrida atrás de gente para as doações faz parte do dia-adia do hemocentro. O estoquede sangue ideal, capaz de supriras necessidades da população,é de 30 mil coletas por ano, masa realidade fica bem distante disso: 14.400, nem ametade do quese precisa. O problema é quea maioria das pessoas só se dis
põe a dor sangue quando um parente ou amigo precisa de transfusão. Do total de bolsas coletadas por ano, 70% são conseguidas dessa forma. Apenas 6%dos doadores tomam a iniciativa
espontaneamente, sem que o
sangue vá especificamente paraalguém. Os restantes 24% do
sangue são conseguidos atravésde campanhas e convênios queo Hemosc mantém com institui
ções como o Exército, a PolíciaMilitar, a Universidade Federale os bancos. :,
No primeiro semestre desteano, foi feita uma campanhajunto ao Besc. Vestidos com ca
misetas que traziam o slogan"deposite saúde, doe sangue",funcionários do banco distribuíram panfletos explicativos à população na tentativa de mobilizar doadores. Mas o esforçonão rendeu grande coisa: durante todo o dia em que a unidademóvel do Hemosc ficou estacionada no calçadão da Felipe Sch
midt, no centro de Florianópolis, ,foram colhidas apenas 50bolsas - 22,5 litros de sangue."Poderia ter sido mais, não fosse a demora do atendimento",justifica a assistente social GeniBeiró dos Santos. Com o cadastramento de doadores feito ma
nualmente e uma unidade móvel mal equipada, foi inevitávelque filas enormes se formassem.A pressa falou mais alto do quea vontade de ser solidário, fazendo com que muitos fossemembora.
O medo de doar- Numasociedade onde ainda existe o
preconceito contra o uso da ca-
II
misinha, não é de se estranhar
que as pessoas tenham medo dedoar sangue. Elas não são devidamente educadas e a desinfor
mação é geral. "Os própriosfuncionários do Hemosc têmcertos preconceitos", confessaGeni Beiró. E se quem convivecom esta realidade tem receios,imagine-se então o quanto um
funcionário público como Antônio João de Oliveira pode ser
desinformado sobre o assunto.
Em 1986, a esposa Rute Basíliode Oliveira, com quem já estava
casado há 21 anos, precisou deuma transfusão. Mas Antôniorecusou-se a doar o sangue "O
positivo" de que ela precisavado mesmo tipo que o seu. "Nãosei por que, mas tenho muito
p• "
medo desse troço", explica. O !econce.tos e ter us.máximo que ele conseguiu fazer. SflO umfl lorte "flrrelfflpela mulher foi juntar dez cole-> pllrll dOllfio de sllnguegas de trabalho para as doações.
Durante as campanhas,funcionários do hemocentro ouvem coisas do tipo "eu tenho
pouco sangue para doar" ou "jánão basta o que exploram da
gente e ainda querem o nosso
sangue". Mas, no meio de tan
tos tabus, o medo mesmo é o
da Aids. Uns acham que podemser contaminados através domaterial de coleta, embora ele
seja totalmente descartável.Outros têm medo de descobriro que não querem. Como? Toda
pessoa que faz uma doação temo seu sangue submetido a uma
série de exames que testam a
=ua qualidade, e um deles pro-
cura detectar o vírus HIV.Quinze dias depois da coleta, odoador tem acesso ao resultado.
·Apenas tabus-Geni Beirógarante que muitos dos tabus
que giram em torno da doaçãonão. têm o mínimo fundamento."Não enfraquece, não engrossao sangue, não traz nenhum riscode contaminação e não tornanovas doações obrigatórias". Seo doador tiver alguns requisitosbásicos exigidos, os riscos são
praticamente inexistentes. Basta que a pessoa tenha entre 18e 60 anos de idade e pese maisde 50 quilos. Mulheres grávidasou que tenham dado à luz hámenos de seis meses não devemdoar sangue, assim como aquelas que estiverem no períodomenstrual. Também não é aeon-
selhável que pessoas com problemas cardíacos ou pulmonares graves não façam doações.As restrições também servem
para quem já tenha tido hepatite, sífilis ou doença de Chagas.
A idéia de que se tem pouco sangue para doar é uma outrabesteira. Esse risco ninguémcorre: a quantia retirada em ca
da coleta é de 450 mililitros (umdécimo do nosso volume total),nada que vá fazer falta ou prejudicar a saúde de alguém. Quemestiver ciente disso e resolver fazer uma doação, na verdade,não vai estar ajudando a uma
só pessoa: seu sangue será fra
cionado, podendo favorecermais de três receptores.
ARB PBulB Pinho
Medo e desinformllfiolizerllm Antônio recusllr
sllngue .fé parer esposa
Você pode doar sangue se:- tiver entre 18 e 60 anos de idade;- não estiver gripado ou tomando algum medica-mento;- não tiver doado há menos de três meses'
-não ter contraído hepatite, sífilis, malária ou doençade Chagas;- não tiver hábitos homossexuais ou bissexuais'- não tiver contato com viciado em drogas ou suspeitode Aids;- não ingerir bebida alcoólica há menos de 24 horas'- não estiver no período menstrual;
,
- não for anêmico;- não tiver feito cirurgia importante há menos deseis meses;- pesar mais de 50 quilos;
Antes de fazer a triagem do sangue, o doadorresponde um cadastro e passa por uma pequena entrevista. Depois, são feitos alguns exames laboratoriaispara identificar peso, altura e pressão.
O doador não deve fazer a coleta em jejum, mastambém não.pode comer alimentos pesados ou gordurosos. Depois da doação, é servido um lanche.
Quinze dias depois, o Hemosc entrega os resultados dos exames.
B.
ZERO 93 - NOVEMBRO
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
H.U. faz a primeiraconstrução total debexiga do mundoM.E.D. tinha extrofiade bexiga e usavauma bolsa artificial
O, professor titular deCirurgia da UFSC,Doutor Paschoal Fe
lippe, acompanhado de uma
equipe de seis médicos, maisanestesistas, enfermeiros e
psicólogos, realizou no dia 29de outubro a primeira cirur
gia de construção total da bexiga urinária e uretra domundo. A operação foi realizada no Hospital Universitário e começou às oito horasdamanhã, estendendo-se atéas onze e quinze da noite.A paciente, M.E.D., de 33anos, veio de Goiânia parase submeter à cirurgia. Elapassa bem e ficará internadadurante todo o mês de no
vembro.para que os médicospossam acompanhar o funcionamento da nova bexiga.
M.E.D. nasceu com ex
trofia da bexiga - quandoo órgão fica aberto na superfície da pele, não permitindocontinência urinária - asso
ciada a problemas nos órgãosgenitais. De acordo com
diagnósticos anteriores, elatinha agenesia de vagina (ausência congênita da vagina).A paciente já tinha se subme-
tido a oito cirurgias, que devido à falta de técnicas ade
quadas, visavam apenas darcondições para que ela vivesse. Antes da operação, a paciente portava uma bolsaplástica junto ao abdôme�,com a função de coletar unna, fazendo o papel da be
xiga.A cirurgia empregou
uma nova técnica, desenvolvida na Universidade deMainz, na Alemanha, e quehavia sido testada apenas emcinco simulações com cadá-'veres na Universidade deFrankfurt. A técnica consisteem construir uma texiga urinária artificial com o auto
transplante de cerca de 30centímetros dos intestinosdelgado e grosso, utilizandose o apêndice como uretra.No caso deM.E.D., a operação não se resumiu apenasà construção da bexiga, poisa paciente apresentava mais
problemas.Além de extrofia da be
xiga, ela tinha a fusão totaldos pequenos lábios - e não
agenesia de vagina, como se
acreditava anteriormente -,
seus dois rins em funcionamento ficavam do lado es
querdo do corpo, com um
rim atrofiado do lado direito,útero bicorno (duplicação do
útero), duplicação completado intestino grosso e um cistode ovário. Para agravar a situação, haviam as aderênciasdas operações anteriores,que levaram cinco horas paraserem desfeitas pelos médicos para que se pudesse iniciar a cirurgia propriamente ,
dita."O abdômen da pacien
te foi fechado às seis da tar
de, e então iniciou-se a cirur
gia plástica no local, para re
tirar as cicatrizes anteriorese refazer o umbigo, que desapareceu nas outras cirur
gias", conta o dr. Paschoal.A construção da bexiga deM.E.D. começou às oito damanhã, com a marcação daregião a ser cortada. Em se
guida, foram marcadas as cicatrizes e abriu-se o abdômen. Retirou-se então as
aderências e descobriu-se umcisto gigante no ovário, quefoi prontamente removido.Após esta parte de cirurgia,
Opertl!io nio se resumiu "pentls à hex;g" pois " p"ciellte t;n"" pr06lem"s II0S órgios gen;t,;s
a equipe médica fez o inventário da cavidade abdominalda paciente e isolou-se a no
va bexiga.Reconstruído o tubo di
gestivo e feita a bexiga, fechou-se o abdômen, passando então para a parte genitalda cirurgia, comandada peloginecologista Edson Fedrizzi. Nesta parte da operaçãoocorreu a reconstrução estética e funcional da vagina.
"As doenças dos órgãosurinários e genitais acome
tem um número muito maiorde indivíduos do que se imagina, mas os comentários públicos são restritos por se tratarem de órgãos íntimos",alerta o dr. Paschoal. A pri-�meira cirurgia de reconstru
ção de bexiga que se conhecedata de meados do séculoXIX, e foi realizada por SirSimon, na Inglaterra. Elanão teve sucesso pois na época não haviam antibióticos."Mas o método utilizado foio correto", lembra Felippe.Os primeiros sucessos foramalcançados após a segundaguerra, com os avanços daciência, como a descobertade antibióticos e o domíniodas técnicas de anestesia.
A operação do dia 29,realizada totalmente de graça, aproveitou a semelhançaentre as musculaturas parafazer o apêndice desempenhar o papel da uretra. O dr.Paschoal calcula que se a cirurgia fosse paga, entretanto, custaria até 300 mil (MIares.
Operação inédita - Anova bexiga de M.E.D. tema capacidade de 600 ml, du-
A cirurg;" contoucom sete médicos
e demorouquinze "ortls
zentos a mais do que as bexigas normais, e foi testadacom sucesso no dia 8 de no
vembro, data em que a paciente foi transferida da UTIpara um quarto na enfermaria. Foi neste dia tambémque o dr. Paschoal Felipperevelou ao Zero o ineditismoda cirurgia. Anteriormenteele afirmava que as outras
operações haviam sido realizadas em pacientes vivos.
Paschoal Felippe espera, com a realização de uma
cirurgia deste porte no Hospital Universitário, obter ummaior apoio das instituiçõesgovernamentais brasileirasde fomento à pesquisa. O diretor clínico do HU, dr. Carlos Eduardo, revela que a intenção é tornar uma cirurgiainédita em cirurgia de rotina,e espera que o hospital se torne centro de referência paraestudantes e médicos do Páise do mundo.
A equipe médica querealizou esta cirurgia inéditacontou com o urologista Paschoal Felippe, o ginecologista Edson Fedrizzi, o proctologista Felipe Felício, o uro
logista Osvaldo Vieira, o cirurgião vascular Edson Cardoso e os cirurgiões CláudioOliveira e Márcio Cunha.Participaram da intervençãotambém quatro anestesistas,uma equipe de enfermageme dois psicólogos.
Textos II fotus'Bulo TB"O
NOVEMBRO - 93 ZERO 9
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Devastação reduz Mata Atlântica
Mais tie 28%tia MatllA t/intiClI
"rllsileira estáem SIIntll
(IItllrina, milso estatlo IIintlll
nio tlecitliu'"zer o
toma"amentotill árell
Descaso do governo faz com quese deixe de ganhar US$ 6 milhõesdo Banco Mundial em três anos
Odescaso de sucessivos governos estaduais fez Santa Ca
tarina perder boa parte desuas maiores riquezas. Doscinco estados que formaram em 1988 um consórciopara proteger a MataAtlântica, Santa Catarinaé o único que não concluiuo tombamento da floresta.Sem uma proteção legalefetiva da floresta, o estado não foi incluído no Plano Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e está deixando de receber 6milhõesde dólares do Banco Mundial para programas am
bientais no período1991-94.
O tombamento é ain-.
da condição essencial paraque a mata catarinense se
ja reconhecida pela Unesco como patrimônio da humanidade. Esse reconhecimento permite a criação deuma Reserva da Biosfera,estabelecendo formas deexploração racional da floresta e centro de pesquisae monitoramento. A reser
va inclui ainda programasde educação ambiental e
de interação das comunidades locais com o ecossistema. Os estados do Riode Janeiro, Espírito Santo,São Paulo e Paraná já con
seguiram o reconhecimento da Unesco. O mesmo
aconteceu ano passadocom Minas Gerais, queaderiu ao consórcio em
1989.Atraso - O processo
de tombamento em SantaCatarina dependia de um
parecer técnico da Fundação de Amparo à Tecnologia e Meio Ambinte(Fatma) concluído em dezembro do ano passado.Iniciados em 1987, os estudos sofreram um atrasoconsiderável em relaçãoaos outros estados. SãoPaulo e Paraná já haviamtombado a mata em 1985e 1986, respectivamente.No Espírito Santo o processo foi concluído em
1989, no Rio de Janeiro em1991 e no Rio Grande doSul em 1992. A Gerente deEstudos e Pesquisas da
Fatma, Selma Mattos Diniz, atribui a demora a
"problemas políticos". Diniz acredita que há um te
mor de que o tombamentoprejudique a atividade ma
deireira no estado, que em92 foi responsável por 7%do PIB catarinense.
Além disso a falta derecursos impediu a Fatmade levar os trabalhos adiante. A principal dificuldadeera o zoneamento da floresta, que exigia a comprade imagens de satélite. Se
dependesse das verbas dogoverno do estado, os estudos nunca seriam terminados. Apenas em 1990 a
Fatma conseguiu, emprestado pelo Ibama, um estu
do da Fundação SOS MataAtlântica baseado em ima
gens do sistema Landsat.O parecer técnico da Fatma foi entregue em janeirodeste ano a Fundação Catarinense de Cultura, quedeveria proceder o tombamento.
Abuso da lei - Maso processo ainda esbarrouem problemas legais. A leiestadual 5.846, de22/12/80, que regulamentaa proteção ao patrimôniocultural, não reconhecebens ecológicos como pas_síveis de tombamento. "Eum absurdo que só existeem Santa Catarina", afirma Dalmo Vieira Filho, diretor de Patrimônio Cultural da Fundação Catarinense de Cultura. O governador já encaminhou à Assembléia Legislativa, um
projeto de alteração da lei.Segundo Vieira Filho, a
Fatma sugeriu que o tombamento fosse promulgado mesmo antes da aprovação do projeto de lei."Nós preferimos não fazerdesse modo para evitar recursos da justiça".
Outro problema é co
municar a todos os proprietários da área a ser
tombada. São 24.661 quilômetros quadrados, abragendo 106 municípios e milhares de propriedades.
10 ZERO 93 - NOVEMBRO
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Trata-se de um corredor de500 quilômetros de extensão e até 250 de largura so
bre as Serras Geral, doMar e regiões costeiras onde moram 2,2 milhões de1-ssoas. A lei obriga que
os proprietários sejam no
tificados para em 15 diasaceitarem ou impugnaremo tombamento. A Fundação ainda não sabe nem o
número de pessoas que devem ser comunicadas e es
tá estudando o problema.Enquanto questões
políticas e burocráticas nãosão 'resolvidas, a floresta e
o estado saem perdendo.,
Em 1985, Santa Catarinaera o estado que continhaos maiores remanescentesde Mata Atlântica no Brasil. Entre 1985 e 1990, foram desmatados 6,11% dafloresta, ou 99.412 hectares, uma área maior que o
parque estadual da Serra, do Tabuleiro (90.000 ha),a maior reserva do estado.Os ecossistemas associados, como restingas e man
gues, perderam 1.789 ha,cerca de 2% do que haviaem 85. O que restou hojeda Mata Atlântica no estado equivale a 1.530.000 ha,um pouco menos do quehá em São Paulo.
Madeira clandestina- A partir de 1990 um decreto federal proibiu qualquer desmatamento em
área de Mata Atlântica. Odecreto 99.547, assinadoem setembro de 90 pelo então presidente interino daRepública, Itamar Franco,deveria ter vigência curtaaté que fosse regulamentada a exploração da floresta. A inflexibilidade da leiacaba estimulando cortesclandestinos. O superintende estadual do lbama,Sérgio El'Kouba, admite
E"tre '5 , 90 forllmtlesmlltlltlos 95 mil"ectllres till Mlltll,
comprometentlo II vitlll ti,corujlls, gllrflls e micosleões. Pllisllgens, como
estlls tio Pflrque tiorflhuleiro, estio sentlo
tlestruítlfls
palmiteiro. Cortando apenas as plantas maiores,Reis conseguiu uma produtividade de 17 kg por[hectare ao ano, o que equivale a 57 vidros de palmito.Como o palmiteiro demora,IS anos para se recuperar,; o corte indiscriminado em.
uma área igual produziria.
14 quilos por hectare ao
ano, ou 46 vidros -, O méto-do de manejo de rendimento sustentado de Reistem uma produtividade24% maior, sem destruir amata.
Plantas que curam- A Mata Atlântica é a
floresta mais rica em espécies do mundo e uma dasmais ameaçadas. Das espécies já conhecidas peloscientistas 10% estão na
Amazônia e na MataAtlântica. Muitas plantas
sequer foram estudadas e
podem guardar segredosvaliosos para a cura demuitas doenças. Reduzidaa5% de sua cobertura original, as áreas mais preser-
,
vadas da Mata Atlântica,
formam um corredor contínuo do Espírito Santo ao
Rio Grande do Sul. São remanescentes que cobremas Serras do Mar, Geral eda Mantiqueira em escar
pas de difícil acesso. Nosdomínios da floresta estãoas maiores cidades do país,onde vivem 80 milhões depessoas, mais da metadeda população do Brasil. Osmaiores pólos industriaistambém estão nessa regiãoe são responsáveis por80% do PIB nacional.
Santa Catarina é o es
tado que possui informações mais detalhadas sobre
a floresta. Graças aos botânicos Raulino Reitz e Roberto Miguel Klein, queestudaram a Mata Atlântica catarinense por trintaanos, hoje nenhum estado
I t�m informações tão minuCIosas. O padre RaulinoReitz classificou 500 novas
espécies, até então desconhecidas. Essas informações foram publicadas peloHerbário Barbosa Rodrigues, desde 1951, nos 250volumes da coleção "FloraIlustrada Catarinense".Segundo a Fatma, SantaCatarina detém 28% do total de remanescentes da
-floresta no país.Enquanto a Reserva
da Biosfera não sai do papel, o Conselho Nacionaldo Meio Ambiente (Conama) aprovou a regulamentação. do decreto que vaiperrmtrr a exploração eco
nômica da Mata Atlântica.O decreto 750 de 10/02/93foi aprovado em outubroe deve entrar em vigor ainda em novembro substituindo a lei que' proíbequalquer corte na floresta.Pela nova legislação, se
gundo EI'Kouba, o Ibamavai autorizar cortes quenão excedam o limite decrescimento natural da mata. Sem o tombamento eos recursos do BancoMundial porém, vai ficar maisdifícil deter os desmatamentos clandestinos.
que há dificuldades de fiscalização. No ano passadoforam encontradas árvorescaídas na Reserva Índigena de Ibirama. Os fiscaisdo lbama precisam de au
torização da Funai e da Polícia Federal para entrarem reseryas indígenas. Segundo El'Kouba, a fiscalização deve passar a ser feita nas madeireiras, onde épossível reconhecer a origem da madeire- pelo tipode árvore extraída da floresta.
Esses desmatamentosclandestinos podem darmenos lucro do que um uso
racional dos recursos daMata Atlântica. O biólogoAdemir Reis, da Universidade Federal de Santa'Catarina, estudou por quatro anos um método de ex
ploração sustentado do
As queimfltllls sio ,.
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Tem Callito JúniorFotos VicfDl Car/son
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Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
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o prefeito (esqllerdaJ e o seeret.rio daadministrafio mllnicipal nio aceitam o
resilltado da última.eleifio da associafio
Oligarquia de Imaruldomina pescad res
há seis décadasGrupo de oposição ameaça poder da famíliaBittencourt ao vencer eleição para Colônia de Pesca
Pela primeira vez na história deImaruí, a Colônia Z-17 -asso'ciação que reúne amaioria dos
pescadores da região - escapou docontrole da família Bittencourt. Controlar a entidade significou, durantemuito tempo, manter sob domínio os
pescadores filiados, e como conse
qüência, uma parcela expressiva da
população. Afinal, a pesca é � principal atividade econômica de Imaruí.Desde o dia 16 de outubro, a Z-17é presidida por Jânio Torres, ex-bancário e um dos líderes da oposiçãodo município. "Achei que alguémprecisava fazer alguma coisa pelospescadores porque até ago� eles sóeram usados para encher os bolsos da
oligarquia local", diz.
Jânio tomou posse na associaçãoao vencer uma eleição conturbada,cujo resultado ainda não foi oficialmente reconhecido pela prefeitura."A eleição não foi correta porque a
Colônia estava sub júdice e o Jânionem pescador é", afirma o prefeitoAirto Fernandes, do PPR. Jânio Torres se defende afirmando que já trabalhou na Estação de Pesca do Governodo Estado e mostra a carteirinha de
pescador, devidamente providenciadameses antes da eleição. "A Colônia
sempre foi o caixa-dois da prefeiturae encobriu o enriquecimento ilícito demuita gente". Para ele, a prova da
ligação é o fato da prefeitura ter cedido a sala do Mercado Público ondefunciona a associação, além demóveise dois funcionários. Jânio acrescenta
que a Z-17 é subordinada à Fepesc(Federação dos Pescadores do Estadode Santa Catarina) e não ao município. "Acredito que a Colônia tenhasofrido um rombo em torno deCR$ 15 milhões. Os recursos federaise estaduais mandados para cá eram
desviados. Foram transformados em
cabeça de gado e carro de luxo".
Atirando em todas as direções,Jânio faz uma denúncia ainda mais
grave. "O dinheiro da campanha doAmin em 82 passou todo pela prefeitura de Imaruí. Eram malotes e maismalotes que chegavam do Besc Central nos porta-malas dos táxis. Na épo-
o município produz1440 toneladas de peixee eamario por ano
ca, o Epitácio Bittencourt era o presidente do Tribunal de Contas e eu era
gerente da agência do Besc daqui. Vidinheiro grosso. "Jânio conta que desde essa época já era perseguido porfazer parte da oposição. "QuandoKleinübing foi eleito, a primeira coisa
que fizeram foi me transferir para o
norte do estado porque eu havia
apoiado o governo Pedro Ivo Cam
pos".
Jânio Torres, nascido em Imaruíe atualmente filiado ao PDT, diz queassumiu uma entidade em total desordem. "Não tenho condições nem deinformar 'o número de associados daColônia. Para se ter uma idéia o anti
go presidente, Manoel Brás Pereira,tomava umas quinze cervejas por diacom o dinheiro dos pescadores"
. Jânio acrescenta que antes nem haviaeleição, os editais não eram publicados e bastava um quorum de 77 pescadores para, em assembléia, confirmaro candidato único que se apresentasse. "Que, aliás, era sempre aliado dosBittencourt", emenda.
O presidente da Colônia tambémacusa os "poderosos" de Imaruí deterem tentado comprá-lo. SegundoJânio, o CeI. Afonso Henrique For
tes, militar reformado e atual assessordo prefeito, teria the oferecido saláriocomo funcionário da prefeitura paraser presidente sem eleição. "Mas comcondição de eu esquecer o passadode Imaruí". Nessa época, Jânio en
viou um documento à Polícia Federal,queixando-se das perseguições que es
tava sofrendo e relatando as irregularidades verificadas na administraçãoda Colônia.
Ataques pelo rádio - As eleiçõesdeste ano para diretoria da Z-17 fo
ra!" polêmicas. Além de Jânio, também concorreu o pescador AntônioSouza da Silva, o Niquinho, cujas sa
bras do material de campanha aindase encontram na prefeitura. A vota
ção estava marcada inicialmente parao dia 7 de agosto. Durante três sema
nas antes desta data, o radialista Eliseu Martins, da Rádio 26 de Abril
(de propriedade dos Bittencourt),atacou o candidato da oposição, JânioTorres. "O Eliseu me caceteou na rádio dizendo que eu nao podia ganharporque não era pescador". Na vés
pera da eleição, o radialista ameaçourevelar "podres" do passado de Jânio
em seu programa. .
Eliseu não imaginava que a rea
ção dos aliados de Jânio pudesse ser
tão rápida. Um grupo de quinze pescadores cercou a emissora e tentou
impedir à força a continuação do programa. A situação ficou tensa. Foramchamados o delegado, o promotor e
o juiz. Este último expediu uma liminar proibindo Eliseu de citar o nome
do candidato nas transmissões. "Eleficou tão nervoso que entrou no ar
gaguejando", lembra Jânio. Eliseu,que tem 25 anos de profissão, tambémnão esquece aquele dia e ameaça em
'_
A tensão aumentou com a aproximação da nova data. Eliseu continuou divulgando pelo rádio que nãohaveria eleição. "Eles queriam evitara concentração de pescadores no cen
tro da cidade", diz Jânio. No dia marcado, o presidente da Fepesc, Ivo Silva, chegou a Imaruí com a urna. Jâniopediu a ele que chamasse os pescadores pelo alto-falante. "Estávamos
dispostos a realizar a eleição de qualquer jeito". Na versão do radialista,o presidente da Fepesc foi trancadodentro de um carro e obrigado a con
vocar a votação: "e�es fizeram tudo
tom de blefe: "o que eu sei do passadodele vou contar na hora certa. Minhabriga com esse pessoal ainda nem co
meçou".
Depois do tumulto, as eleiçõesforam adiadas para 12 de outubro,através de decisão judicial. O juiz,que já foi transferido de Imaruí, alegou "inexistênca de clima" para a vo
tação. Porém Jânio acredita que houve interferência por parte do deputado estadual Pedro Bittencourt Netoe de seu tio, Epitácio Bittencourt,conselheiro do Tribunal de Contas doEstado. "Eles vieram a Imaruí naquele dia para pressionar' as autoridadese garantir o cancelamento das eleições '.
Antônio Frflncisco doNascimento pesca desde
os 1S e apóia Jan;o
sozinhos, à revelia da Justiça, e aindasaíram em festa pelas ruas da cidade".
Muitos pescadores deixaram devotar porque era feriado e não tinhamcomo chegar ao centro. Jânio afirmaque a Colônia havia pago CR$ 13.500para garantir o transporte dos eleitores e acusa novamente o poder localde ter bloqueado os ônibus que trariam os pescadores até a sede da Z-17 .
Mesmo assim, o quórum de 197 presentes foi alcançado e Jânio acaboueleito. Foram 216 votos para ele, 14
para Niquinho e 'um em branco.
O deputadoPedro Bittencourt Netotambém não reconhece a validade daeleição. Segundo ele, Imaruí tem cer- ._@)ca de doismil pescadores e esse número de votos é inexpressivo. Pelos cálculos de Jânio, apenas 400 ficaramsem votar. A chapa derrotada aindatentou impedir a posse.mas o juiz de J'"Laguna, que está respondendo porImaruí, garantiu que ele assumisse a
.
presidência da Colônia.
Briga política - Para Jânio, 1"""",;,;"""";""""""",,,,;,,,,,,,;,;,;,,"",'"Imaruí é diferente de qualquer outrolugar do estado. "Aqui, se você é con-tra o esquema, não botam nem luz
.
na sua casa. Mas isso está diminuindo. I.·.··O povão não quer mais saber dessa :gente". Já para os integrantes da si- .'
tuação, o que a nova diretoria da Co- I, '.lônia quer é dominar a cidade. "Eu
'.
não admito uma eleição feita na mar- ....
ra, como eles fizeram", diz o prefeitoI..
'.
Airto Fernandes. Jânio acha que con
quistou o cargo porque mostrou a
"verdade" aos seus eleitores: "os Bittencourt não sabem nem embarcarnuma canoa. Só sabem explorar peS-Icadores" .
Texto Alexandra BaldlssBfOtlD I.Reportagem Josemaf Sehnem \.;
e Luclane Lemos .
fotos Victor Carlson .,
,1,2.'''''" ' ..� . . ,
. .
. ZERO .
.'NOVEMBRO - 93
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Ex-vere"tlor AtlemirR"imuntlo: "t"e"tlo qu"ntloimpetli" compr" tie votos
E/iseu M"rtins "git" " politic"/oe,,/ noprogr"ml q'"
"present" nl Rá"io 26 tie Abri/
Violência cresce e
toma conta da cidadeem época de eleição
Acada ano eleitoral a ci-
.
dade de Imaruí ferve.De acordo com o de
legado Amilton Manoel Ramos, em época de eleição o
movimento da delegacia au
menta. No ano passado, a
oposição acusou a existênciade fraude nas eleições muni
cipais e pediu recontagem dos
votos; o prefeito eleito mor
reu antes de tomar posse; umex-vereador da oposição foi
espancado por quatro 00-mens e a rádio da família Bittencourt foi incendiada na
noite de Natal.Em Imaruí há apenas
duas facções políticas. De umlado está o PPR, respaldadopela oligarquia Bittencourt.De outro, aUDI (União parao Desenvolvimento de Ima
ruí), frente de oposição formada pelo PMDB, PDT e
PL. A UDI não aceitou o re
sultado final das últimas elei
ções, quê deu a vitória ao can
didato da situação por apenas75 votos, de um total de cercade 12.400 eleitores. Isto significa uma vantagem de aproximadamente 0,5% para o can
didato eleito. "Reconheçoque foi uma vitória diffcil,mas não há motivo para re
contagem. Eles devem estar
incoformados por terem perdido por uma pequena dife
rença", diz o atual prefeitoAirto Fernandes, do PPR.
Voto a cabresto - O pedidoda recontagem dos votos ainda não foi julgado. "O cor
reto seria a realização de no
vas eleições", defende o presidente da Colônia Z-17, Jânio Torres, de olho na cadeirado prefeito. Os integrantes da:oposição acusam os escrutinadores e os presidentes dasmesas de conhecerem todosos macetes para fraudar a vo
tação. "Em Imaruí, ainda
Impasse na votação do anopassado para prefeito ainda nãofoi solucionado e gera polêmica
funciona o esquema de voto
e cabresto: o eleitor já chegacom a cédula preenchida e sótem o trabalho de depositá-lana urna" , conta Ademir Raimundo, 40 anos, ex-vereador
pelo PMDB.O prefeito Airto Fernan
des concorreu como vice deLúcio Carlos Faust, que teve
uma crise hipertensiva e mor
reu antes de assumir a prefeitura. Eu, como médico possoafirmar que ele faleceu porcausa da pressão da oposição.Foram váhos telefonemasanônimos e ameaças de mor
te", garante Fernandes. Apesar disso, os Faust ainda estãorepresentados na prefeiturade Imaruí. O filho de LúcioCarlos, Sérgio Faust ocupa o
cargo de Secretário de Admi
nistração Municipal. "Elemanda mais que o prefeito",afirma o ex-vereador AdemirRaimundo. "Pode nomear e
demitir quem ele quiser, protegido por uma lei municipalque the dá amplos poderes".Barganha - O ex-vereadorAdemir foi agredido duranteas eleições do ano passado."Eu estava tentando impedirque cabos eleitorais da situação comprassem votos, quando quatro capangas me atacaram", diz mostrando as cicatrizes no rosto. "Por causa
disso, tive que fazer duas ci
rurgias no nariz". Ademiracusa a oligarquia local de terinstalado a "indústria da miséria" em Imaruí. "Aqui opovo vive humilhado e reprimido. Os políticos adoramque os pobres peçam coisasna prefeitura. Assim, eles podem barganhar os votos da
próxima eleição". O ex-ve
reador registrou a agressãona delegacia local, mas é co
nhecido por se meter em en
crencas. Ele tem passagem na
polícia por tentativa de homicídio e assédio sexual.
Outro registro na dele
gacia local é do incêndio que.
destruiu parte da Rádio � ��
Abril na noite de 24 de o ....
zembro do ano passado. Atéhoje, ninguém foi responsabilizado pela polícia por faltade provas. O diretor da emissora, Epitácio BittencourtSobrinho, não falou sobre o
assunto, mas o radialista Eliseu Martins acredita que foi"obra da oposição". Eliseuconta que tanto ele próprioquanto seu patrão vinham re
cebendo ameaças de morte e
telefonemas anônimos. "Li
garam pro Pita e avisaram
que ele ia receber um presente na noite de Natal".
De fato, naquela noite,o fogo destruiu 80% dos discos, todo o equipamento de
gravação e um transmissor darádio, que existe há 26 anos.
Há três meses, houve novo
princípio de incêndio no lo
cal, porém dessa vez, só algumas fitas foram queimadas. Apolícia encontrou indícios de
sabotagem mas continua sem
provas. "O lugar é muito deserto e o serviço foi bem feito", diz o delegado AmiltonRamos. Para ele, é natural
que houvesse revolta depoisda polêmica criada pelo programa de Eliseu. "Afinal queraio de imprensa é essa quesó beneficia um lado?
Briga Política - O radialistaEliseu Martins define seu es
tilo como crítico e tem cerca
de 40 processos nas costas.Mesmo trabalhando há apenas um ano na 26 de abril,ele já atraiu para si toda brigapolítica do município. "Per
guntem ao Dr. Odimar Pacheco (ex-candidato a prefeito da oposição) como foi queele chegou em Imaruí. Nãotinha nada, se fez aqui coma ajuda dos Bittencourt e ainda diz que sofreu perseguição". O ex-candidato é médico e foi expulso do corpo clínico do hospital de Imaruí,que é controlado pela dinastia local.
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
tização dos padres Rafael e Luiz foi
apoiado pela Igreja. Em 15 de outubrodo ano passado o Conselho Diocesanode Tubarão emitiu uma nota manifestando seu repúdio diante dos acontecimentos e se solidarizou com eles. Anota afirmava que os padres foram inti-
e midados e por isso impossibilitados de� transitarem livremente pelas estradas
i quelevavam às comunidades da paro
.. quia, contrariando a Constituição, que� dá plena liberdade de ir e vir a todos.oS A nota destacava ainda as acusações� injustas levantadas e creditadas aos pa-dres, como as manifestações de indignação e inconformismo da populaçãocom o resultado das eleições municipais.
O vigário geral da Diocese de Tubarão, padre Valdemar Carminati,alertou que "padre Rafael assumiu umaposição de defesa dos oprimidos, amparado pelo Evangelho. Além disso, Imaruí é um caso típico. E o padre, naquelemomento, teve que assumir uma posição partidária porque era o único meiode transformação da sociedade.
Atuação política - Mas o prefeito da
época, Epitácio Bittencourt Sobrinho,insistia em acusar os padres e atacava
principalmente o padre Rafael. "Eletomou uma atitude partidária e como
político teve que ser tratado". E co
mentou ao jornal A Notícia que "deveria ser criada uma lei determinando a
desincompatibilização dos padresquando atuassem politicamente".
O atual prefeito, Airto Fernandes(PPR), é outro que não hesita em alfinetar os padres. Mesmo antes de ser
perguntado a respeito do assunto, o
prefeito fez questão de afirmar que "a
Igreja precisa ter uma posição neutra".E garantiu que "a própria populaçãofez pressão e expulsou os padres."
Contrariando o argumento do prefeito há quem garanta que, se dependesse da população, padre Rafael estaria em Imaruí até hoje. Após o fechamento da igreja completar duas sema
nas, a população se organizou e tentouconversar com o bispo de Tubarão paraque o decreto do Conselho Diocesandofosse revogado e as atividades religiosasretf':alldas. Por conta da oposição, encabeçada por Odimar Pires (PL), candidato derrotado nas eleições municipais, ficou o compromisso de reunir"um grande número de católicos" parair a Tubarão tentar convencer o bispoa manter os padres Rafael e Luiz na
paróquia de Imaruí.A igreja foi reaberta depois de 40
dias, mas apesar dos esforços ficou determinada a ida do padre Carlos Weekipara Imaruí. O padre esteve no local
por 7 meses e depois foi substituído pelo padre Adernar Fauer, a dois meses
na igreja.O pouco tempo de permanência
em Imaruí já rendeu ao padre Adernara visita das autoridades locais. O atual
prefeito deixou de lado sua agenda de
compromissos e resolveu dar as boasvindas ao novo padre. Acenando com
uma proposta de amizade e convivênciapacífica, o prefeito questionou os ser
mões do padre por denunciarem a ex
ploração da população. Padre Adernarafirmou que só estava dizendo a verdade e que se a Igreja se subordinar aogrupo, denominação dos Bittencourt,vai virar Satanás.
Padre denuncia coronéis e sofre ameaçasC
orno todos os que ameaçaram os
interesses dos Bittencourt, o padre Rafael Schlickmann, 31
anos, foi neutralizado. Depois de denunciar o sistema coronelista de Imaruídurante as eleições municipais, ele co
meçou a receber telefonemas anônimose ameaças públicas de morte. Sua resistência e determinação em "levar adiante as coisas em que acredita e se faznecessário defender frente as injustiças", conforme está registrado no livro
tomo, irritou a oligarquia local.A morte do prefeito eleito, Lúcio
Faust, anunciada publicamente pelopadre, serviu como desculpa para um
tumulto do lado de fora da igreja. Emais ameaças foram feitas. Rafael sónão foi morto porque conseguiu esca
par pelos fundos, pegar o carro e deixara cidade junto com o padre Luiz. Depois de passar por Florianópolis, foi para a Chapada dos Guimarães, onde estáaté hoje.
Nas páginas 233 e 234 do livro de
registros da igreja o padre descreveuo que havia acontecido. "Eu, padre Rafael e meu irmão no sacerdócio e trabalho, padre Luiz, após muitas intimidações, censura, boicote do nosso trabalho e ameaças, eles atentaram contraa minha vida. Mas Deus na sua bondade, livrou-nos das mãos dos assassinos.Tivemos porém de retirar-nos da cidade no dia 11 de outubro de 1992".
Expulsão - Padre Rafael foi o décimosegundo a sair de Imaruí debaixo deameaças e calúnias diante da população. Antes dele, nos últimos nove anos,10 padres sofreram calados e foram ex
pulsos. A relação é a seguinte: padreEdigio (1983); padres Ludgero e Celso
(1984); padres Samiro, Antônio Leandro e Marcos Rech (1986); José LimaBuin e Pedro Debiase (1988); José Cífrano (1991) e padre Lucas (início de1992).
Padre Rafael classificou à épocaa prática utilizada pelo grupo dominante de ditadura. "Eles mandam no hospital, nas escolas, na rádio e querem guiaros passos da igreja". O padre apontouaté mesmo o ex-prefeito, Epitácio Bittencourt Sobrinho, como uma das pessoas que o ameaçaram no rádio 26 deabril, de propriedade da família Bittencourt. E foi além, responsabilizando o
ex-prefeito pelo corte da transmissãoda missa dominical e do programa da
igreja que ia ao ar às 18h.Mesmo 12 dias depois das eleições
municipais, e com os padres Rafael eLuiz fora da cidade, a Diocese de Tubarão decidiu cancelar as celebrações religiosas na matriz e nas capelas por motivos de segurança. O padre ValdemarCarminati decretou, na ocasião, a proibição de todas as celebrações dos sacramentos na paróquia de Imaruí por tempo indeterminado. Segundo o decretodo padre Valdemar, autorizado pelobispo de Tubarão, D. Hilário Moser,casamentos e batizados poderiam ser
realizados nas paróquias vizinhas deImbituba e Cabeçuda.
Segundo os jornais da época, enquanto os 12 padres da Diocese de Tubarão anunciavam o fechamento da
igreja o clima nos bancos se dividia.A população chorava. E no mesmo instante alguém acusava os padres pelamorte do prefeito eleito, Lúcio Faust.
Repúdio - O trabalho de conscien-
D"rllnte O sermio,'"ire Rllillel IIlertllVII OSliéis pllrll liS inj"sti!IIScometiills em Imllr,,;
o vigário de Imarui teve que fugir dacidade depois de se envolver na IlQlíticalocal. A igreja ficou 40 dias fechada
o livro-tomo gUllrill oreillto illS pressõesso/riills e mais pllrece"m boletim ie ocorrência
Luc/ane Lemos
NOVEMBRO -93' ZERO 15
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
� L 11
Agua de poço é melhor que a da CasanA população do interior reclama daqualidade da água e bUsca saídasconstruindo poços particulares
exato. "Eu não tenho 15 tor
neiras em casa, eles devem tervindo aqui e falaram: essa ardeve ter umas 15 e foram em
bora sem nem entrar na minhacasa", reclama ela. A Casanafirma que o preço cobrado éusual. "Existe um valor médioestipulado pelo Banco Mun
dial, meio dólar por metro cúbico", afirma o engenheiroAndré Labanovsky. O que Alice não entende é como se calculam os metros cúbidos através do número de torneias.
Água da Fonte - Bem
perto de toda esta confusãoexiste um oásis. E a Fortalezada Barra que fica às margensdo Canal da Barra. Lá nin
guém recebe água distribuídapela Casan. "Eu nem quero,a Casan aqui só ia me dar dorcabeça", diz Telmo Gentil o
proprietário de um pequenobar na beira do Canal. Toda
.
a fortaleza é abastecida poruma água.de ótima qualidadeextraída de fontes e poços.
Getulio Jorge é um dos
que conhece os dois lados damoeda. Ele mora bem na en
trada da Fortaleza e ainda re
cebe a água que é distribuídapela Casan na Barra da Lagoa.Segundo ele, a água só serve
para regar a grama e tirar a
areia do corpo. "Nem para lavar o carro serve, come a pintu
!�;:�.�;WI1!11•••••••! ra toda", garante ele. Getúlio_-,....--
,.� tem uma fonte nos fundos do·-_·'W�··_"_._=N.
quintal. Com ela abastece a ca-
sa e a de mais dez vizinhos."Isso aqui é que é água de primeira qualidade, não aquelaporcaria da Casan", diz ele levantando um copo de águacristalina.
Soluções distantes -
!
Pra tentar resolver estes problemas a Casan tem um projeto para abastecer a costa sule leste usando a Lagoa do Pericomo manancial. Mas apesarde estar no papel há vários
.
anos, nem o levantamento decustos foi feito ainda. SegundoAndré Labanovsky tudo estápronto, o que falta é o dinheiro. A Casan diz não ter recursoalgum para investir em obras.A principal financiadora, a
Caixa Econômica Federal nãoempresta enquanto o estado
Há cerca de vinte anos
Alípio Duarte, o seu
Alípio, montou uma
rede alternativa de distribuiçãode água na Praia da Armação.Como desde aquele época a
Casan ainda não levou água atélá, a família Duarte aproveitapara faturar cerca de 350 milcruzeiros reais por mês. É quea cachoeira de Quincas Duarte, o filho de seu Alípio queagora controla o negócio, abastece cerca de 80% das casas daArmação. O verão é o únicoproblema: A população au
menta, a chuva diminui emuitagente fica sem água.
O caso da Armação é peculiar, porém não é o único.A rigor quase todas>- ,munidades do intern 'ia deSanta Catarina n _v �aU servidas por água encanada. Comona Armação, moradores de Ingleses, Tapera, Ribeirão daIlha e Barra da Lagoa precisamencontrar meios alternativospara conseguir água. Na maioria das vezes a solução encon
trada é a perfuração de poçosartesianos. Mas nem sempre os
poços dão água de boa qualidade. E fácil encontrar águasalgada no subsolo, o que se
constitui num dos principaisproblemas para aqueles quedependem de poços.
Água ruim - A Casantambém usa técnicas de captarágua no subsolo para abasteceralgumas áreas. E, conseqüentemente, muitas vezes não consegue água de boa qualidade.Na Barra da Lagoa existem vários poços artesianos que abastecem quase toda a região. Porém, a água é muito rica em
ferro e mesmo as sete bandejasde carvão que existem no local
para filtrar, não conseguem tirar a ferrugem. A conseqüência é uma água de sabor fortee amarelada. Praticamenteninguém toma a água que é distribuída pela Casan na Barra.
A maioria vai buscar águapara beber na Lagoa ou em al
guma nascente por perto. A ca
da dois dias Alice Pereira vaià casa da filha na Lagoa buscarum galão de água para sua ca
sa. Ela conta que a água distribuída pela Casan é ruim até
para tomar banho. "A gentefica com o cabelo todo duro,parece que saiu do mar. E
shampoo não adianta, fica duro do mesmo jeito". Outra re
clamação de Alice é o preçoda água cobrada pela Casan.Segundo ela, o valor é calculado através do .número de torneiras. Alice garante que nin
guém da Casan esteve em sua
casa para verificar o número
Se" Alípio 10;0 primeiro"montllr "m" rede própri"p"r" distri6"ir igllllnIl Arm,,!io. Hoje, onegócio rende em "m
mês 'I""se CR$ 3S0 mil
Torneirlls vllzillssio tonstllntes em
"Ig"ns hirros
não rolar suas dívidas com a
União. POl isso quase todas as
obras estão paradas.A diretoria da Casan ex
plica também que hoje mais de90% do que a empresa arre
cada é gasto na folha de pagamentos. A Casan tem 2956 empregados com um salário médio de 48 mil cruzeiros reais.Para o vice-presidente do Sindicato dos Funcionários em Saneamento (SINTAE), GilmarSalgado, a empresa está en
trando em um processo de terceirização, contratando em
preiteiras para fazer serviçosque os próprios técnicos poderiam executar. E cita o exem
plo da Casan ter contratadouma empreiteira para fazer leitura e entrega de fatura. "Estão entregando o caixa da em
presa", afirma. A maioria dosfuncionários é contra a terceirização: "Usar empreiteiras para obras tubo bem, é econo
mia. Agora, para fazer leiturade relógio e entrega de faturaé piada. Está cheio de gente
aqui dentro que pode fazer isto", disse um funcionário quenão quis se identificar.
Sobre o tempo necessáriopara concluir o projeto costasul e leste, os engenheiros daCasan têm uma resposta em
comum: "Dois, três, cincoanos, talvez". Segundo Labanovsky, só por um milagre as
obras começariam. "Se o sena
do aprovasse a rolagem da dívida do estado, se a Caixa liberasse o financiamento, e o estado entrasse com o restante,ainda assim só daqui a um ano
as máquinas começariam a
chegar na Lagoa do Peri" , disse. Enquanto isso, a populaçãoda maior parte da ilha vai continuar tomando água salgada e
saindo do banho com o cabeloduro.
Tem e fotosran Boechat
16 ZERO NOVEMBRO. 93
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Papai, eu quero um livroCrianças e adolescentes salvam omercado de liwos da capital
oslivros didáticos e infantis
se transfojmaram nas ve
detes do mercado livreirode Florianópolis. Hoje nos meses
que antecedem as aulas, 80% dofaturamento das vinte livrarias daIlha depende da venda de escolares. No último ano, o consumo deinfantis aumentou em 15% segundo o divulgador da distribuidoracatarinense, Rogério Espíndola.Na Livraria Catarinense, uma dasmaiores do Estado, dos 400 exem
plares comprados por dia, mais dametade são infantis e didáticos.
Amparado na nova descoberta, omercado cresce: nos últimos doisanos seis novas livrarias foram criadas e de 92 para 93 outras quatroeditoras foram fundadas.
O aumento do consumo desses títulos segue uma tendência na
cional, que começou a se formarhá alguns anos no centro do país.Em 91 a Câmara Brasileira do Livro registrava 873 livros reeditadosno Brasil, nas áreas infantil e didática. O numero correspondia entãoa 40% da produção de pouco maisde dois mil títulos da época. Já neste ano o mercado livreiro apontavapara uma perspectiva de crescimento. Se em 90 o número totalde exemplares elaborados pelaseditoras do Brasil era de aproximadamente 31 milhões, em 1991, chegava a quase 40 milhões. Não háestimativas que trace o diagnósticodo consumo depois deste período,mas nesta data já ficava claro aos
profissionais do ramo que o filãodos infantis haveria de se conso
lidar.A presidente da Associação
Catarinense de Editores e LivreirosMarta Martins da Silva, diz quea causa do fenômeno foi a reformulação pedagógica nos colégios."Há quatro anos não se vendiamuito, até que os professores resolveram adotar de novo livros parao ensino", festeja. Odilon Lunnardelli, proprietário da livraria e editora Lunnardelli concorda: "O
preço dos infantis é bem mais inferior ao dos outros livros e os paistêm incentivado a leitura". Segundo ele, o consumo de escolares éconstante, mas aumenta muito nos
meses de março e agosto. "É nessa
época que as livrarias conseguemas para se segurar no resto do ano"enfatiza.
A adoção dos livros didáticospelos colégios incentivou aindamais a leitura de infantis. Para Gra
ça Silvano, gerente da filial da editora Brasil em Florianópolis especializada em infantis, esta área temcrescido principalmente por causadas indicações de leitura feitas nas
escolas. Por ano a filial distribui300 mil livros para os colégios deSanta Catarina. Marta, que é donada única livraria especializada em
literatura infantil de Florianópolisconfirma: "os jovens nunca leramtanto". Ela conta que quando fundou a Cuca Fresca, há dez anos,o mercado de infantis era totalmente inexplorado em Santa Catarina. Hoje o número de consumidores cresce sem parar: no mês desetembro a livraria vendeu mais de2.500 exemplares.
Enterrados - O sucesso dosinfantis acompanha o enterro daliteratura adulta. Em todos os pon-
tos de venda da Ilha o consumo
de romances, poesia e filosofia é
inexpressiva e o único setor queparece manter-se imune à criseeconômica é o de autores do centrodo país. Em Florianópolis este livros correspondem à mesma rela
ção dos melhores do mercado",publicada pela revista Veja. Asvendas seguem a linha do eixo RioSão Paulo e consagram os escritores Lair Ribeiro e Paulo Coelho."Quando um livro vem famoso delá é colocado na lista dos mais vendidos aqui porque é quase certo
que vai ter sucesso", diz o vendedor Adélcio de Azevedo, da livraria catarinense, que garante que o
movimento da loja na seção deadultos se restringe a esta área.
Os sebos, pontos de venda alternativos que trabalham com livros usados, também sofrem com
a pouca desenvoltura do consumo
em literatura adulta. Apesar dos
preços que ficam a dez por centodó valor do mercado, a venda está
longe de ser representativa. A ex
plicação é simples: todos os sebosda Ilha trabalham com setores na
da em voga no mercado livreiro -
filosofia, poesia e romance em geral. João Neto, responsável pelabanca de usados da Alfândega diz
que omercado de livros em Floria
nópolis é pequeno e jamais pensouem expandir o negócio. "Em épocas de crise as pessoas têm que es
colher entre a comida e a cultura.A cultura sempre dança" , reclama.
Na locadora Papa Livros, quetrabalha com empréstimos, a realidade não é muito diferente. Criadaem 86 com o intuito de servir de
pólo cultural do setor livreiro, a
locadora sofre com um faturamento que não ultrapassa os
CR$ 200.000,00. "Literatura é coisa ingrata em matéria de lucros"resume o coordenador RobertoMibielli. Os 300 associados da locadora têm acesso a livros literáriosem geral, esotéricos e filosóficos,além das publicações da Editora
Papa Livros. A mensalidade de 700cruzeiros dá direito a leitura detrinta livros ao prazo de um mês.O mesmo valor não seria suficiente
para comprar um exemplar em
qualquer livraria da cidade.
Leitores de Santa Catarina nãoconhecem os autores catarinensesLivros de autores catari
nenses estão apodrecendo nas
livrarias de Florianópolis. En
quanto o mercado de autores
nacionais, patrocinados porgrandes editoras, vive momen
tos de relativo sucesso, os únicos livros de literatura local quetem saída são dois - os requisitados para o teste do vestibularda UFSC em 94. No mais a si
tuação é de completo abandono. Numa das maiores livrariasda cidade, a Catarinense, ne
nhum dos quatrocentos exem
plares vendidos por dia perten-.
ce a autores locais. Nos sebose na locadora Papa Livros, a
procura por publicações regionais se limita a dois exemplares.
"O catarinense não prestigia o catarinense" resume Odilion Lunnardelli, o primeiroeditor da Ilha a publicar autoreslocais. Desde que fundou a editora Lunnardelli em 71, ele editou 180 títulos que somam maisde 360 mil exemplares. Todoslivros da terra. Mas a opiniãodo editor vem juntar-se à damaioria unânime dos profissionais do ramo livreiro: "A com
pra de autores locais é baixíssima", diz. O fato está explícitona tiragem de cada título editado na Lunnardelli, que normalmente não passa de mil exem
plares. Além disso, Odilon afirma que os lucros são insuficientes para cobrir os investimentos
da editora. "Em cada livro, osgastos são em média de 600 milcruzeiros reais. Sei que estou
botando dinheiro e não estoutendo retorno", reclama. Apesar de ser um dos pioneiros no
, rnercado editorial de Florianó-
Sóoslivrospara0
vestibularvendembem
polis, Odilon Lunnardelli nãoconseguiu estourar nenhum livro no grande mercado. Amaior tiragem que financiou atéhoje foi a de dez mil exemplares, na Constituição"de SantaCatarina.
As dificuldades enfrentadas pela editora Lunnardelli -uma das mais bem estruturadasde Florianópolis - crescem em
proporção geométrica no res
tante do mercado editorial daIlha. "Falta patrocínio e a produção de um título pode ser interrompida logo no início", dizMarta, da Cuca Fresca. Ela ex
plica que o financiamento doslivros é feito pelas próprias editoras e que as coedições viraram
regra no mercado, uma alternativa de dividir O investimento e
viabilizar a publicação. A inex
periência das editoras, segundoMarta, é outro entrave paravendagem de novos títulos."Muitas fazem o livro e acham
que terminaram o trabalho. Es
quecem da distribuição e da di
vulgação", critica. M�} iessalvaque grande parte das editorasda Ilha ainda estão em fase de
estruturação, por isso "é com
preensível que existam problemas", diz.
Se a história da produçãoliterária local está longe de um
final feliz parte da culpa podeser entregue ao mau desempenho da imprensa. Em todo mêsde setembro nenhuma matériade destaque sobre livros locaisfoi publicada no jornal de maiorcirculação na cidade. A atençãodada aos autores da Ilha se resu-
.miu a oito notas de pequenaproporção e ênfase. Em contra
partida houve no mesmo mês,mais de 15 lançamentos. Paraa presidente da Associação ComerciaI de Editores e Livreirosfatos como estes representam a
irresponsabilidade dos jornais."Não há muita preocupaçãocom a cultura da terra. 0$ jornais daqui só se preocupam em
noticiar o que acontece em SãoPaulo e fora do país", acusa.
M6n/a Llnhal'tlS
NOVEMBRO a 93.
ZERO 17
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
TEATRO
Os bofes da patifariaBaianos encenam "A Bofetada" e fazem o paísmorrer de rir
QUempensa que todo
baiano no fundo é um
painho, está enganado. Longe do tédio dos amas
sadores de cacau, a CIA baiana de patifaria, há cinco anos,leva o público ao delírio com
a apresentação da peça A Bo
fetada. Com muito humor e
axé, LeIo Filho, Moacir Moreno, Frank Menezes e Wilson de Santos provam que os
bons espetáculos não nascem
só no eixo Rio-São Paulo. O
grupo, fundado há 7 anos porLeIo e Moacir despontou com
o sucesso da peça"Abafabanca", que ficou em cartaz du
rante um ano em Salvador. Eao contrário do que se possaimaginar, em linguagem baia
na, patifaria significa brincadeira.
Mas fazer sucesso não é
brincadeira. Os irreverentes
rapazes juram que até estudaram a triologia dramática de
Stanislavisky , mas optarampor um humor rasgado, essen-
cialmente baiano. Com este
astral eles encantaram até a
platéia de Brasília, famosa pela frieza durante as comédias.Wilson conta que todos os es
petáculos na cidade lotaram,tiveram sessão extra: "eles pe-'diam bis, tinha deputado no
dia seguinte no congresso dizendo achei lindo, maravilhoso" .
A Bofetada é dividida emtrês esquetes, baseadas numa
releitura dos textos "Pedra, aTragédia" e "Quem tem me
do de Itália Fausta". Duranteduas horas os quatro rapazesse transformam em 11 mulheres "O mulherio foi coincidência na hora de escolher os
textos", explica LeIo, quecom a personagem Fanta fazo público adquirir sotaquebaiano. "Isto acontece porque a platéia participa da peça, sobe no palro, joga aviãozinho e acaba pegando o jeitoda xente falar".
o qUllrtetobllillno optoupelll irreverêncille conquistou atéo público deBrasílill, fllmosopelll friezlIdillnte dllscomédills
Os cinco anos
de sucesso dllturnê deixarllmas -mulheres"dll pe!" mllisbonitas: "A
gente IIprendeua se ",aquillr"
Nos cllmllrins, muitllprodu!io, pllra
trllnstormllr MOllcirMoreno nil desvllirlldll I
"Plllomll"
Antes de cada apresentação eles se concentram na ma
quiagem, arrumando o figuri-'no. "Depois de cinco anos, asmulheres da peça ficarammais bonitas, afinal a xente
aprendeu a .re maquiar", dizWilson, enquanto cola os CÍlios postiços da personagemEleonora. LeIo é o DJ do grupo, Frank brinca dizendo queele só não ficou no aeroportopor excesso de bagagem, pelas dezenas de fitas que carre
ga. Só porque a Varig é patrocinadora da peça. Em cada cidade uma música vira a favorita do camarim, em Floripaa concentração dos atores foiembalada por Maria Bethâniaao som de "As canções quevocê fez para mim" de Roberto Carlos.
Quem se liga no SBT de-
ve ter se deparado com a CIA.Baiana de Patifaria no programa da Hebe. "Nós fomos quatro vezes, ela é a entrevistadora mais sincera e espontânea, adoro a Hebe", confessaFrank. Com uma equipe técnica formada por pernambucano, Paraibano, Carioca e
até um irlandês com jeito nor
destino, A Bofetada está na
terceira turnê pelo país, contaminando o público com uma
ironia recheada de xinxim e
acarajé. E como reza a tradi
ção eles encerram o ano se
apresentando em Salvador
para pedir a benção de NossoSenhor do Bonfim para a próxima temporada.
Texto e fotosCláudia Repsold
Baianês sem mestre·.··Quem pretendia aumen
tar seu vocabulário de baianêsdeve ter saído satisfeito. Nadade "bichinho", "num sabe","visse?" ou outras baianicespadronizadas pela rrúdia. Ostextos da Cia Baiana de Patifaria trazem expressõesmuitomais criativas eengraçadas doqueaquelasquecostumamsairdaboca do seujosé Inocêncio.
Os atores estão semprerenovando seu estoque de doidices. Quando não vão buscarinspiração no interior da Bahia, eles inventam seus bordões no meio do espetáculomesmo. Aí. não tem jeito. Ospatifes acabam caíndo na risadajunto comaplatéiaO suces
so é tanto que mesmo depoisque apeça sai de cartaz, frases
...
como "Hoje eu tô tão, tão, quenem,nem!" demorampara sairda cabeça do público.
Fanta é o exemplo vivodisso.Tudo para ela é um "momento lindo, maravilhoso!".Mas o que gruda mesmo na
memória é o debochadíssimo"Ê aminha caaaral", que sem
pre faz o teatro desabar emgargalhadas, não importandoquantas vezes seja repetido.
Outros tiros certeiros dohumordospatifes (tudo,éclaro,com o devido sotaque baiano):"Oi,queéqueháaí,comoéquevai, tá boa?", "Adoreimilhõesí","Qui Naaadal". E a lista nãoacaba aí; até o tradicional "Oxente" soa como piada quandofalado por urna dessas figuras.
DIt:tI Flschllr
18 ZERO NOVEMBRO· 93
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
UFSC recebe Chico CarusoCaruSo ressuscitou a caricatura no país incentivado pelo avô
Chico Caruso, um dos mais
importantes cartunistasdo País, esteve na Univer
sidade Federal de Santa Catarina no final de setembro, ondecantou, representou e faidii sobre sua profissão, sobre políticanacional e de seu livro Fora Co
llor, editado no fim do ano passado. A palestra aconteceu atravésdo Projeto IBM Brasil- Encontro Marcado com a Arte. Coordenando o debate esteve, ao ladode Caruso, o poeta e compositorGeraldinho Carneiro.
Nascido em uma família deartistas, como o avô pintor e o
irmão cartunista Paulo Caruso,Chico começou sua carreira em
68 aos 14 anos, na Folha da Tarde, em São Paulo. Depois passoupela Revista IstoÉ, Gazeta Mercantil, Jornal do Brasil e O Globo, onde está até hoje. Apesardo vasto currículo, Caruso reclama que nunca conseguiu trabalhar nos lugares que realmente
queria. "Pensei na Veja, apareceu a IstoE, pensei na Folha,apareceu O Globo, essa é a mi
nha imprensa alternativa".Caruso foi o responsável pe
la ressurreição da caricatura no
Brasil. Incentivado pelo avô, o
pintor e caricaturista espanholFrancisco Málaga, Chico usou o
estilo para diferenciar seu trabalho do de Henfil. "Foi a maneira
que eu encontrei de não confundirem os meus desenhos com os
dele, principalmente porque eleera muito mais famoso que eu,aí a coisa deu certo e virou mo
da" Nessa época Chico desenhava para os jornais Pasquim, Opinião e Movimento, veículos alternativos. Com a imprensa em
ebulição, a caricatura acabousendo uma forma de fazer oposição ao governo. "A ditadura es
tava muito forte e foi aí que o
que eu fazia explodiu e se espalhou nos jornais em que eu trabalhava".
Fora Collor - Trabalhandoquase sempre no Brasil, ele afirma que nunca teve dificuldadepara se pautar. Seu personagempredileto é o "que senta naquelacadeira", referindo-se aos presidentes da República. Seu livro
Fora Collor é todo dedicado à"ascensão e queda" do ex-presidente. Ele acredita que no Brasila tradição de humor é muito fortee por isso nunca faltará campopara seu trabalho. "Enquantohouver Brasil, haverá humor",brinca. O cartunista lembrou quequando Collor, seu "grande pauteiro", saiu do governo) muitaspessoas perguntavam o que eleiria desenhar e acreditavam queele perderia espaço. "Bom, aíveio o Itamar com aquele topetee ficou melhor ainda" Chicoacha que a caricatura de pessoasfamosas é uma questão de circunstância. "Hoje o barato é poraí, mas amanhã personagensanônimos podem ser o grande filão".
Aos desenhistas em início decarreira ele aconselha que nunca
imitem ninguém, pois acreditaque o sucesso só se consegue com
originalidade. "Depois que se
consegue copiar perfeitamente o
traço de alguém, mesmo que debrincadeira, fica difícil de se libertar e isso é muito perigoso".Comenta que o melhor caminho
para fazer grandes trabalhos édeixar "a caneta pensar, pois a
Cllrtunistll do jornlll O Globoe revistll Veill 111111 sobre
políticlI nllcionlll e imprensllquantidade acaba gerando qualidade".
Trabalhando hoje no jornalO Globo, Chico tem um espaçodiário na primeira página parapublicação de seus desenhos.Dentro da Rede Globo ele produz ainda charges animadas paraalguns telejornais. Uma inovação de Caruso no Globo foramas charges coloridas que ele publica na capa. Ele contou, na palestra, que para conseguir todoesse espaço teve que fazer muitapressão ao presidente do jornal,o "temível" Roberto Marinho."Quando eu quis o espaço diário,comecei a mandar desenhos parao Estadão; depois quis as chargescoloridas na capa, aí mandei umacaricatura do próprio RobertoMannho para a Veja e, com jeitinho, consegui o que queria".Medo da Globo - Ao ser perguntado sobre se é um constran
gimento para ele ser chamado de
"pau-mandado" do Roberto Marinho, Caruso é taxativo: "não
me ofendo, porque não sou". Elediz ainda que esse tipo de preconceito que as pessoas têm em relação a quem trabalha no Globoé até um respaldo para ter maiorliberdade. "A vantagem é que todo mundo pensa que tudo quesai no Globo é "coisa" do Roberto Marinho, isso evita coisaschatas como processos, tudo pelomedo que as pessoas têm dele.
Para Chico o público doGlobo é concentrado "até demais" no Rio de Janeiro. Ele disse que viu isso com clareza/quando foi para o Rio e tornou-se anônimo em São Paulo. "Depois queeu fui pro Globo, a minha filha
que mora em São Paulo, reclamou por não ser mais reconhecida como filha de Chico Caruso,mas como sobrinha do Paulo Caruso", seu irmão gêmeo cartunista do jornal O Estado de S. Paulo.
Caruso foi o primeiro canca
turista a comparar Itamar Francocom um palhaço, no episódio em
que o presidente abraçou o palhaço Pirulito na Esplanada dosMinistérios. Depois do desenhode Chico, muitos caricaturistas fizeram o mesmo, o que gerou re
volta na presidência. Itamar deuum� nota no Diário Oficial, a primeira em toda a história dos cartuns brasileiros, reclamando dosdesenhos. "E a gente que esperava que o palhaço se ofendesse ..
" ironiza.Aos 44 anos, Chico, além de
grande cartunista, também fazshows pelo Brasil, ao lado do irmão Paulo, onde canta e inter
preta personagens da política na
cional. Para isso, Caruso juntouvários humoristas de todo o Paíse montou uma banda que o
acompanha nos espetáculos. Durante � palestra ele deu uma palhinha de algumas partes de suas
músicas. Cantou "Itamar e Ita
pior", o "Rock da Roseana" e
mterpretou Collor e PC Farias.Além de conhecer um pouco deseus dotes de cantor, a platéiateve a oportunidade de ver alguns desenhos de Caruso e discutir com ele a elaboração de c<>.d')trabalho.
.
Suyanne Quertedo
HUMOR
NOVEMBRO - 93 _
. ZERO 1 9
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
;, COMPORTAMENTO
Carlos Konder Reis, e doempresário Walter Osli,representante dos em
preendedores do shoppinganunciou do palanque@ .•
montado no pnmelro an-
dar aspalavras do Génesis:"E Deus disse: que faça se
a luz. E a luzes se fez..." Houve um jogo de luz
regado a papel brilhantepicado e a música clássicatocou em tom heróico.Emoções que apenasgrandes eventos artísticos e o
cinema podem provocar.O hino nacional tocou. Opadre abençoou o novo
templo do consumo queprega a religião do capitalismo (logo agora que oPapa o condenou com tanta
veemência).Os canhões de laser
Festa de inauguração doBeiramarShopping
promove o separatismosocialsupetproduzido
extremos dominaram. Tuba bem. Talvez fosse uma
homenagem esportiva ao
antigo estádio doA vaíquereinou durante 50 anos na- .
quele "pasto de bode".Aliás, o lugarparece destinado a perverter cristãos:foi império do jogo e agoraé império do consumo. Asdamas, chiquérrimas, co
mentavam: "finalmentepodemos passear longe dosol do calçadão, dos pivetes, dos doleiros. O lugaré inegavelmente confortável, inegavelmente seguro.Finalmente Florianópolisagora faz parte das capitais
mais modernas do País".Lá fora, o pessoal
contemplava os laser. Ládentro corriam vários tiposde frios, castanhas de caju,cervejas Heineken, vinhoPinot, whisky Johnnie
. Walker e outras bebidas finas. Em cada andar, mesasde comida e bebida. Emcada loja, um cocktailparticular.
Ilha tem novo templo de consumo
À meia luz, o mestrede cerimônia, Antunes Se:vera, acompanhado doprefeito Sérgio Granda,do governador do estadoem exercício, Antônio
o início da noite de
N 27 de outubro, Florianópolis teve sua
noite de gala de capital daprovíncia. A inauguraçãodo Beiramar Shopping teve nuances que lembraramos velhos tempos de Hollywood ou até uma entregado Oscar. Finalmente as
damas da ilha, puderam tirar do guarda-roupa o tra
je finíssimo que esperavauma oportunidade paraaparecer.
Na esquina da MauroRamos com a Bocaiúva,muita gente se empoleirava para ver os carros sendoabertos por impecáveismotoristas, as elegantessenhoras embrulhadas em
vestidos bordados, os homens finissimamente vestidos. A primeira turma a
entrar, às 19h15min, era
especial: os convidadosdos proprietários da em
presa Kobrasol, que con
truiu a obra de quaseUS$ 50 milhões. Somenteàs 21h15min entraram os
lojistas e seus amigos. Opovão da rua ainda iria es
perar até o outro dia.Os horários ditercn-
A IB'imônia dividiu OS
convidados em povão,burguesia e nobreza
tes acabaram por cristalizar um separatismo social.Entre as panelinhas haviapessoas inconformadaspor terem sido convidadaspara·�horário das nove e
quinze. "Foi um erro daorganização. Parece quedividiram os convidadosem três classes: nobreza,burguesia e povão. Inclusive acho que opovo deveria ter participado de alguma forma, afinal são elesque vão sustentar o shop·ping. Não aquela meia dúzia de convidados". A autora da declaração éMaria deLourdes Ternes, protessorsde moda e contraditoriamente uma das convidadasdo horário das sete e meia.
Na verdade, assim co
mo havia gente vestida delongo bordado que malpermitia caminhar, encontravam-se passeando peloscorredores convidadosdespojados que vestiamagasalhos de mole ton . Oconvite não definia o tipode trajemas certamente os
emitiam a claridade queera vista a grandes distâncias. Alguns mais desavisados pensaram que fosseum disco voador pairandopela cidade. A base aéreae algumas empresas de comunicação receberam vários contatos imediatosavisando o ocorrido.
No dia seguinte o povo finalmentepôde entrar.Havia filas para subir nasescadas rolantes e empurra-empurra no elevadorpanorâmico. Quarentemilpessoas foram conhecer onovo shopping. RobertoCosta, presidente daADVB em Florianópolistomou emprestada a voz
de Milton Nascimento: "avida aqui nunca será comoantes".
Omerendopúblicoo shopping dos pobres -
nunca vai deixar de ter a
cara da cidade. Tomaraque continue com seu peixe fresco, suas quinquilharias baratas, as cumbuquinhas de barro, o artesanato da ilha. Seus pombos"bandas e bares. Inauguração de shopping com cara
de entrega de Oscar seriamuito brega numa cidadecomo São Paulo, porexemplo. Se liga manezinho! Florianópolis pôs a
máscara mas a cara da cidade nunca vai negar a tradição.
'atrfcla Márcia
20. ZERO-
NOVEMBRO - 93
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
Projeto AIDS é discutido na UFSC
Programa da TVCultura tenta acabarcom o preconceito
TELEVISÃO
A repórter, editora e apresentadora daTVCulturade São Paulo, Maria
Lins, esteve no último dia 27 no
curso de Jornalismo falando sobreos programas especiais da emissora. Formada em economia pelaUFSC, mas jornalista por experiência, Maria Lins também con
tou como é trabalhar numa redede televisão não comercial.
"A TV Cultura não tem com
promisso de ordem econômica ou
política. A nossa preocupação nãoé com Ibope e nem com audiência.O nosso compromisso é com a
educação e com a prestação de serviços", explica Maria Lins. Paraa produção dos programas especiais a TV recebe o apoio de em
presas, e como não existe propaganda comercial, o nome dos patrocinadores aparece em forma de
legenda durante os intervalos ou
no fim dos programas.Um dos trabalhos mais im
portantes realizados recentemen
te pela TV Cultura e que teve a
participação de Maria Lins foi oProjeto Aids. O programa estreouem agosto de 92 e teve a duraçãode seis meses. Foram 61 boletinsdiferentes, de três a quatro minutos cada, transmitidos durante os
intervalos. Inicialmente eram veiculados três boletins por dia, mascom o sucesso da campanha o número subiu para quatro por dia.
Eventualmente os boletinseram entrevistas com médicos es
pecialistas, psicólogos e outras
pessoas relacionadas ao assunto.Grande apoio foi o dado pelo so
ciólogo Betinho, portador do vírusda Aids e que atualmente dirige
a campanha contra a fome. Conhece bem os problemas biológicos e sociais da doença, já que doisirmãos seus morreram por causa
da Aids. Um deles foi o famosocartunista Henfil. Muitas das en
trevistas com Betinho foram reprisadas, a pedido do público.
Antes de ser iniciada a produção do Projeto Aids, alguns cuidados foram tomados. O primeiropasso foi a criação de uma equipefixa, composta por Maria Lins,técnicos de gravação e um médico."Tive que ler e pesquisar muitosobre a doença", relembra Maria."Quando o programa começou a
ser transmitido, as pessoas me
procuravam para pedir orientaçãoe no fim me tornei especialista no
assunto".
M"ri" Lins deu p"'estr,, s06re seu tr,,6,,160 n" TV Cultur" de SP
OJnalZEROO programa procurou atingir
a todos sem falar em grupo de risco. "Isso não existe mais. Qualquer pessoa está sujeita a contraira doença", afirma Maria Lins."Todos têm que se prevenir". Porcausa disso, os boletins tambémensinavam a usar camisinha, o método preventivo mais acessível à
população. "Se for colocada demaneira correta, as chances da ca
misinha romper são mínimas", explica Maria Lins.
Num dos boletins mais ousa
dos, um médico com várias bolsasde sangue encenou uma rodada deuma droga injetável qualquer. Foipassando a mesma seringa a todosos participantes da roda e alertando que se uma única pessoa estivesse contaminada pelo vírus da
Aids, ao final, todas poderiam ter
contraído a doença. Em seguidao médico demonstrou a maneiracorreta de se fazer uma rodada,advertindo que cada pessoa deveter a própria seringa e ainda assimdescartável.
"Esse programa foi resultadode um trabalho muito complexo",revela Maria Lins. Todas as infor
mações, todos os dados eram rigorosamente revisados por um médico especialista e pelo Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids)."Não podíamos correr o risco dedar alguma informação errada,ainda mais por se tratar de um as
sunto tão sério, que diz respeitoà vida", conclui.
Disse também que foi a primeira vez que trabalhou com um
tema tão específico. "Foi muitodesgastante física e emocionalmente". Conta que corria o diatodo em busca de fontes, entrevistas, enquetes. "Muitas vezes as
pautas furavam porque as fontes
portadoras do vírus passavam male tinham que ser hospitalizadas outransferidas para a UTI (Unidadede Tratamento Intensivo). O piorde tudo era quando ia entrevistaruma fonte e descobria que ela tinha morrido", lamenta.
Atualmente, Maria Lins trabalha na produção do Escola Viva,um programa especial destinado so
mente a professores. Com um formato mais jornalístico, o Escola Viva dava dicas de como fazer umaaula mais atraente e eficaz.
O Projeto Aids tinha como
meta informar sem agredir. A própria vinheta do programa foi especialmente elaborada: "nada devermelho sugerindo sangue e mor
te e nada de letras grandes e assus
tadoras", explica Maria. O resultado foi uma vinheta simples e
atraente: "aids, perguntas e res
postas" grafado em caixa baixacom letras verdes e fundo violeta.
A linguagem também rece
beu uma atenção especial. A palavra "aidético", por exemplo, foirigidamente proibida e substituídapor expressões como "doente deAids" ou "paciente de Aids". Maria Lins explicou que todo esse cuidado com a palavra "aidético" foipara evitar que se remontasse a
história da lepra. "No fim o com
bate acabou sendo aos leprosos e
não à doença da lepra", justifica.
Quem decide?"Telefone para nós, a sua opinião é muito importante, porque
no nosso programa você decide! Seu voto é muito importante, nãodeixe de telefonar. Não esqueça, aqui você decide."
,
Estas são algumas das frases que o apresentador de "Você decide"da TV Globo repete incansavelmente ao longo desse programa. Oator Raul Cortez, atualmestre de cerimônia, simula, um tanto quantodesajeitado, um contato direto e íntimo com o telespectador e se esforçaem nos fazer crer que somos dotados de um livre e democrático arbítrio.
Mas vejamos uma das últimas histórias e como as alternativasse constroem: um pesquisador recebe uma bolsa de estudos de 4 anos
para desenvolver seu trabalho em Paris. Seus pais são velhos e doentes.Ele sofre com a idéia de deixá-los. Você decide: ele vai ou fica?Primeiracena dos velhos: eles tocam no piano e cantam "Você se lembra dacasinha pequenina ... ", Em seguida, assistimos ao choque dos dois ao
saber da notícia. A namorada decide que não vai junto por causados pais dela. Os elementos favoráveis a sua viagem são os seguintes:seu chefe estimula, sem grande ênfase, pois afinal ele não será oprimeiro cientista a sacrificar a vida p�Jsl}al por amor a ciência; uma colegade trabalho o pressiona: ele tem que ir. Ela é antipática e parececalculista. Enfim, uma mulher fria, sem coração, que só pensa na
ciência. Preciso dizer o que foi "democreticsmente' escolhido?Este programa participativo é a roupagemmais atual e bem acaba
da do que chamamos de "opinião pública", ''gosto médio", "sensocomum " Só que a televisão descobriu que tudo isso é muito abstrato.E que as sondagens são fornecidas por entidades pouco palpáveis.De fato, não conhecemos ninguém que foi ouvido pelo Ibope. Com"'Você Decide", há LIm processo de "encarnação" dessas abstrações:vemos, ao vivo, uma atriz-repórter de carne e osso, que entrevistapessoas "reais" num lugar conheciçJo de alguma cidade do Brasil. Ouseja, tudo muito concreto.
O que é espantoso no momento cínico e "liberalmente democrático" em que vivemos é que as televisões colocam no ar metáforasdaquilo que elas fazem com o telespectador sem quslquer constrangimento, "Você decide" explicita o processo de indução que acontece
frequentemente nos telejornais globais através da seleção de certas
informações em detrimento de outras e da maneira como estas sãoeditadas.
"Você decide" já plebiscitou questões bem mais essenciais doque uma viagem à França: aborto, delação, grupos de extermínio,ética. pena de morte. E opior é que dramatizados de maneira simplista,temas complexos se banalizam e são "decididos" maniqueistamentepor um insignificante "sim ou um pífio "não". A resposta vitoriosasempre reforça a mesmice e reflete o senso comum. Mas, se por acaso,num dia atípico, isto não ocorrer, não tem problema: as questões sãotratadas de forma tãoparticularqu viram historietas, "um caso à parte",sem nenhuma consequência.
"b,.". "'ra".po,,,,. as fontes ti"".",
filie ter hospitaliZadas ou'.",.vidas para a UTI"
Consuelo LinsJornalista e professor do Curso de Jornalismo da UFSCMelre BerIDttI
NOVEMBRO - 93 ZERO 21
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
VINíclUS
Os vícios de ViníciusDo céu dos boêmios elecomemora seus 80 anos
m homem movido a
U paixão e uísque dificilmente chegaria
aos oitenta anos. Se Vinícius de Moraes não tivesseesses vícios, talvez aindaestivesse cantando Garotade Ipanema com aquela V02
carioca - se bem que, sema musa inspiradora e o co
pinho na mão, ele não teria
feito Garota de Ipanema.O coração do poeta,
cansado da exploração ao
longo de 67 anos de trabalho. pediu as cntas numa
noite fria de 1980. Com a
incoseqüência típica dosapaixonados, Vinícius largou tudo e foi embora, levando consigo muito da delicadeza que tanta falta fazao Brasil de hoje. Dormindo para sempre nos braçosdessa amiga íntima, a noite, talvez ele tenha encon
trado o amor perfeito tãoidealizado nos seus versos.
No melhor estilo "façao que digo mas não faça o
que faço", o autor do Soneto da Fidelidade" ("De tudo ao meu amor serei atento/Antes, e com tal zelo e
sempre e tanto/Que mes
mo em face do maior en
canto/Dele se encante maismeu pensamento") Se ca
sou nove vezes, se considerados apenas os relacionamentos "duradouros" -
ou seja, que tenham passa-
"Melhoramigo dohomem é uísque,cão engarrafado"
do de três meses. Entre as
sumidos e prováveis, tevemais filhos que dedos nas
mãos.Com esse currículo, o
"poetinha" - apelido dado pelos amigos que satirizaram a mania de Viníciusde usar o diminutivo nas
conversas de bar - não se
considerava apenas mulherengo, e sim "mulherólogo". Os tormentos da juventude, quando a vocaçãoboêmia se conflituava com
a rigorosa educaç-ão católica que recebera, foramaos poucos se disspando.Abandonado o sentimentode culpa que aparecia nos
primeiros versos, o tema"mulher" foi se impondonâ obra de Vicícius - a talponto que há quem o considere machista, por frasescomo "as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental".Simples e Belo - Controvérsias à parte, verdade se
ja dita: ninguém cantpu as
mulheres melhor que ele."Olha que coisa mais linda,mais cheia de graça/E ela,
·ea memna que vem e quepassa/Num doce balanço a
caminho do mar/Moça docorpo dourado do sol deIpanema/O seu balançadoé mais que um poema/E ácoisa mais linda que eu jávi passar". O será que hámulher que prefira os "galanteios" que se ouvem poraí hoje em dia?
Garota de Ipanema,símbolo do Rio de Janeiroromântico das décadas
-
de50 e 60, faz parte do segundo período da obra de Vinícius, na divisão fita por elepróprio: "sublime" e "cotidiana". Durante os quarenta anos de carreira, o rebuscamento do "sublime"foi se tansformando na sm
plicidade do "cotidiano".Os versos encurtaram e a
linguagem, a princípio so
lene, ficou coloquial -uma das marcas registradasda obra de Marcus Viníciusda Cruz de Mello Moraes.
Com nome tão pomposo, bem que Viníciustentou ser diplomata. Chegou a trabalhar em Montevidéu e Paris. Em 1950, estava em Los Angeles quando recebeu, num telefonema de mãe, a notícia damorte do pai. "A morte
chegou pelo interurbanoem longas espirais metálicas", escreveu num poemaem homenagem ao tocadorde violão e cantador de modinhas que lhe apresentouà vida e à música, na infância feliz vivida entre o Riode Janeiro e a Ilha do Governador.
Mesmo sabendo queas carreiras diplomáticas e
artística eram inconciliáveis, Vinícius não queriaabrir mão de nenhuma delas. Só na década de 60,
Crítico de cinema dos jornais AManhã, Diário carioca e Ultima Ho
ra, Vinícius não tinha o menor pudoremridicularizar os filmes que achavaruins, como em "Uh-uhuhuhuhuhuh!", de 1951: "Eu amiga ver,Tarzan Ritz. Amiga bonita. Tarzanmais bonito e forte que eu. Azarmeu. Amiga mais bonita que Jane.Jane chata. Jane cara burra. Namo-
, mais inteligente que Jane. Rainh oreta linda. Eu Tarzan passavaJar ' para trás boas condições. Rainha .reta uva. Toda boa Tarzan dá
pulo Macaca Chita faz macacadatemi ) todo. Chita melhor atriz fita
long- '.'ste mesmo sarcasmo aparece
_.H .v ariaçóes em torno de um tema
chatíssimo chamado Jane Powell",também de 1951. Vinícius diz que a
atriz, par de Ricardo Montalban (oanfitrião da Ilha da Fantasia) no en
tão recém-lançado quando canta o co
ração, "tem a cara parecida com um
Ironia e acidez: ele não perdoasabonete num banheiro de ladrilho","canta mais agudo do que bonde da
Light na curva do trilho" e deveriaestar "na lavoura manejando a picareta, ou qualquer outro implementobem pesado que a deixasse tão cansa
da, que quando abrisse a boca nãosaísse voz nem nada".
Na semana seguinte, Vinícius re
produz em "Cartas de fãs, mas nãomeus" o protesto de uma leitora."Tomo a liberdade de escrever a um
cronista de 'meia-tigela', que não sa
be apreciar o que é bom, como esse
filme Quando canta o coração. O se
nhor fala muito mal dessa boa artista
que é Jane Powell. Eu faço uma
idéia, ela vendo um filme brasileiro,que decepção ela teria, em? Fazendo-lhe uma pergunta: a sua cara émuito bonita? Porque pelo que o se
nhor falou dela, deve ser uma mara
vilha a sua cara, em? ( ... ) Com essa
sua crônica o senhor se torna um ignorante, se já não o é.
_
( ... ) Tenho
a certeza que existemmuitos e muitosfãs de Jane e Ricardo com vontadede dizer-lhe o que eu disse".
A resposta de Vinícius foi puraironia. "Assim é que eu gosto de ver,as menininhas se defendendo mutuamente com hintrepidez e hinteligência, em? Fazendo-lhe uma resposta,sobre se a minha cara hé bonita, hémuito bonita. Deixa a do Ricardo no
chinelo, e a de Jane então nem se
fala. A única coisa que a estraga um
pouco é que eu tenho o nariz colocadologo abaixo da boca, e ao inverso docomum das pessoas. Isso é meio hincômodo, em? Porque quando choveforma pocinha nas fossas nasais. Mastem a vantagem de eumanter semprefrescas as flores que uso na lapela,pois mal elas começam a murchar euvou, pego e as espeto nos vasinhosdo meu nariz, em? Não acha muitomais interessante que a cara do Ricardo? ( ... ) Perdoe a esse cronistade 'meia-tigela', que se tornou subitamente um ignorante, se já não o era.
Mas eu continuo achando sua harni
guinha Jane CHAT�SIMA! PAULERRIMA! CACETISSIMA!".
22 ZERO NOVEMBRO· 9
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
quando já era um peta consagrado, o dilema foi resolvido: "Demita esse vagabundo!"; ordenou o entãopresidente Costa e Silva a
um subordinado. Os "hábitos pouco recomendáveis"de Vinícius influíram na
decisão, que talvez tenhasido a maior contribuiçãodo general às artes brasileiras.Canção de Amor - Enquanto esteve em Los Angeles, Vinícius respiroujazz e conheceu Orson Welles. Quando contou queestava pretendendo fazerum curso de cinema, ouviudo autor de Cidadão Kane:"Bobagem! Sempre que eu
filmar, te chamo e vocêaprende". E assim foi: Vinícius acompanhou. toda a
filmagem de A Dama deXangai e de Macbeth. Eracomo aprender futebolcom Pelé.
Resultado: Viníciusde Moraes - que já haviasido crítico de cinema (leiaquadro)e censor cinematográfico do Ministério daEducação durante trêsanos sem ter censurado na
da - fez o roteiro de "Orfreu Negro" versão de sua
peça "Orfeu da Conceição". Dirigido eplo francêsMarcel Camus, o filme levou a Palma de Ouro deCannes e o Oscarde Melhor Filme Estrangeiro em
1959. A lenda grega de Orfeu (cincoinformado com a
morte de Eurídice, ele desce ao inferno e, com seu
canto irrestível, consegue a
permissão do Diabo paratrazê-lo de volta, dsde quenão olhasse para trás no ca
minho - ordem desobedecida, Orfeu' só pôde com
templar a amada por uminstante antes de perdê-lapara sempre) é adaptada à
I realidade do Rio de Janeiro. Orfeu é um sambista e
a descida ao inferno acon
tece em plena terça-feirade carnaval num "inferninho" chamado "Os Maiorais do Inferno". O cenáriosofisticado é tocado pelaestética do morro e o som
da lira substituído pelo doviolão.
A famosíssima Se todos Fossem Iguais a Vocêfaz parte dessa peça. Asprimeiras frases da canção("Vai tua vida/teu caminhoé de paz e amor/Atua lindacanção de Amor/Abre os
teus braços e canta a últimaesperança/A esperança divina de amar em paz") sãoinclusive falas de Orfeu.Parceiro Camarada -
Quando Sérgio Porto e
Paulo Mendes Camposapresentaram a Viníciusum pianista jovem e desconhecido, ninguém poderiaimaginar que estava nas
cendo ali uma das mais fe- .
cundas parcerias da MPB.Juntos, Vinícius de Moraese Tom Jobim deram os primeiros acordes da BossaNova e fizeram clássicoscomo Eu sei que vou teamar (Por toda a minha eu
vou te amar/Em cada despedida eu vd\I te amar/Desesperadamente, eu sei quevou te amar/E cada verso
meu será prá ti dizer/Queseu sei que vou te amar/Portoda a minha vida") e Chega de Saudade ("Vai minhatristeza/E diz a ela/Quesem ela não pode ser/Dizlha numa prece/Que ela regresse/Porque eu não posso mais sofrer/Chega desaudade/A realidade é quesem ela não paz/Não há beleza/E só tristeza/E a me
lancolia que não sai. demimlNão sai de mim/NãoSai").
A rosa de HiroximaPensem nas crianças mudas telepáticasPensem nas meninas cegas inexatasPensem nas mulhere� rotas alteradasPensem nas feridas como roses cálidasMas oh! não se esqueçamDa rosa, da rosa, da rosa de HiroximaA rosa hereditáriaA rosa radiativa
Estúpida e inválidaA rosa com cirroseA anti-rosa atômicaSem cor, sem perfumeSem rosa
Semnada
As relações de Vinícius com os parceiros sem
pre foram afetuosas. Desde os irmãos Tapajós, na
adolescência até Toquinho, a quem tratava como
um filho, passando por Pixinguinha, Adoniran Barbosa, Carlos Lyra (que musicou Minha Namorada,Baden Powell, Francis Hime e Chico Buarque (comquem fez Gente Humilde.Até Johann SebastianBach foi seu parceiro -
"Rancho das Flores" é letra para "Jesus, Alegriados Homens".
Chega de Saudade - Acrença de Vinícius na humanidade fica clara no sur
preendente desfecho de Odia da Criança. "Neste momento todos os bares estãorepletos de homens vazios/Todos os namorados estãode mãos entrelaçadas/To-
dos os maridos estão funcionando regularmente/Todas as mulheres estãoatentas ( ... ) Porque hoje ésábado/Há um renovar-se
de esperanças/Há uma profundo discordância/Há um
sedutor que tomba morto/Há um grande espírito-deporco/Há uma mulher qúevira homem/Há criancinhas que não comem ... /Edando os trêmites por findos/Há a perspectiva do
domingo ( ... ) Tudo isso
porque o Senhor cismouem não descansar no SextoDia e sim no Sétimo/E paranão ficar com as vastasmãos abanando/Resolveufazer o homem à sua ima
gem e semelhança/Possivelmente, isto é muito provavelmnte/Porque era sábio.
Maurft:lD O//rfl/ra
Saravá, poetinha!...Imagino o capitão do
mato Vinícius de Moraes,poeta, diplomata e letrista, o branco mais preto doBrasil, sentado no céu dosboêmios (o melhor dos sete céus), seu copinho deuísque na mão, a nos
olhar, sorridente. Ao fundo algum anjo toca o Samba da Bênção em sua harpa, pra criar um clima.
Muitagente não sabe,mas ser letrista é diferentede ser poeta. São funçõesabençoadas ambas. Vinicius foi os dois, e lindamente. Ao deixar a poesia"séria" pela "popular",porém, expôs-se ao desprezo e ao descrédito dacrítica e dos acadêmicos,que afinal ninguém sabequem são. Queria seramado, e amado pela massa,e queria fazer algo pejapoesia, para que ela saíssedas páginas mortas dos livros, e passeasse pela vidaalegremente. E Viníciusentão pagou o preço. No
t especial da Globo sobresuas composições, opúblico se balançava ao ritmoda música, mas poucos
cantavam as letras, mesmoas mais famosas. A massa
esquece tão rapidamentequando elege. E isso é triste.
Mas daíhá um trechode O Dia da Criaçãc ).0
convite dos formandos deLetras, uma jovem a con
tar uma história que aeon-.
teceu de repente não maisque de repente, o rádioquenos fazpassar uma tarde em Itapoã. Em todosos jornais há artigos sobreele, o poeta, o letrista, o
homem apaixonado, a
pessoa acessível e generosa. Até no rubicundo jornaldoPT, carinhosa matéria de João Antônio. E isso é bom.
Sabendo que iríamosfalar deleporseus 80anos,lá no céu dos boêmios o
Poetinha sacode os gelosde seu copo, pouco preocupado com tudo isso.Ainda no ritmo do Sambada Bênção, levanta o olhare nos diz: Saravá!
. Rflg/nll Carva/hDProfflssora dfl Lfllras da UFSC
POESIA ;
'!4 vida do poeta tem um ritmo diferenteÉum contínuo de dorangustianteO poeta éo destinado do sofrimentoDo sofrimento que the dareia a visão de belezaEa sua alma éumaparcela do infinito distanteO infinito que ninguém sonda e ninguém compreende"
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina
COMPORTAMENtO
pagode, por exemplo. "Partimos muito rapidamente docomplexo de inferioridade parao de superioridade", autodiagnostica ..Preto é suspeito - Já o verea
dor do P�Márcio de Souzajencontra outro culpado para a ne
gação da identidade afro: "háum bombardeio cultural queafasta conceitos de beleza e debondade do povo negro". Márcio, o primeiro militante negroa fazer parte da Câmara em
Florianópolis, observa uma
maior descriminação por parteda polícia. "Eles partem deuma máxima: todo preto é sus
peito". Outra violência moral
para os negros está na estruturado mercado de trabalho. "Cri.térios como boa apresentaçãoservem para impedir que o ne
gro sequer se apresente a uma
vaga", acusa. Márcio lembra a
história de uma jovem que procurou o banco Sul América em
ltajaí, e ouviu do gerente"aqui, nem preto e nem barbudo". Nesse caso, a discriminação era também política.
O 1 � Encontro Estadualdos Movimentos Negros, queaconteceu em Florianópolis entre 22 e 24 de outubro, concluiu
.s que o racismo dos brancos só� acabará quando a populaçãonegra não tiver mais vergonhade sua própria cor. No censo
de 1991, apenas 8% dos moradofes da capital haviam declarado ser de raça negra. Os mestiços, maioria na populaçãobrasileira, optaram pela cor
branca. As nove entidades ligadas ao movimento afro em Florianópolis" tentam achar alternativas para que os negros se
reconheçam e se orgulhem desua cor, como a escola da MissAfro, provando aos racistasmais ortodoxos uma qualidadepouco conhecida desse povo: abeleza.
JDSi da Sliva Júnior
guns, o rei está certo e pronto.Para outros, ele tem vergonhada cor que nasceu e do que elarepresenta.
Estranhamente, Machadode Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras e considerado o maior nome da literatura nacional, aparece hoje embranquecido nos livros escolares. A história achou que, ao
alvejar Machado, estaria lheprestando um favor. Já Máriode Andrade, o Papa do Modernismo, tinha a mania de sair àrua com grossas camadas de póde-arroz sobre o rosto, para disfarçar a mulatice. A vergonhaem ser negro invade a literatura
e é prova de criatividade: o pesquisador carioca Clóvis Mouraencontrou pelo Brasil_,l23 denominações eufemísticas para queo negro possa justificar a cor.
Cabral, o presidente daUBRAHC, enxerga de uma
forma curiosa as relações racistas: "Um negro consciente con
segue trabalhar seu ambienteaté erradicar o preconceito doscolegas brancos. O que acon
tece hoje é o racismo por partedo próprio negro. 90% dos ne
gros não gostam de convivercom outros negros", exagera.Segundo Cabral, os negros queobtêm alguma projeção evitamatividades como uma roda de
Vergonha de um passado negroMovimento afro busca altemafivas para que o negro orgulhe se de sua cor
"90% do racismo é denegro para negro"
Antônio Cabral,Presidente da UBRAHC
o:105 anos que separam
os negros brasileiros
contemporâneos de seu
passado escravo1 ainda não foram suficientes para lhes garantir na prática, um espaço dignona sociedade. Sim, houve avan
ços. A Constituição de 1988classificou o racismo como crime inafiançável, e já não hátanto constrangimento entre as
pessoas "de bem" quando en
caram negros ocupando setores
que até há pouco eram cativosaos brancos. Mas é pouco. Osmovimentos afro avançam na
discussão sobre a "posição docidadão negro na sociedade".Nos encontros e na opinião doslíderes afros, surge uma nova
prioridade nessa luta: a definição de uma identidade negra noBrasil.
O presidente da UniãoBrasileira dos Homens de CorNegra (UBRAHC), AntônioCabral dos Santos, lamenta quemuitos negros sintam vergonhade sua raça. Ele costuma visitarbares em favelas na grande Florianópolis, onde grande partedos moradores é descendentede escravos. "Muita gente des ..
mente a origem africana, preferindo auto-denominar-se apenas como brasileiros", conta.Paradoxalmente, são os mora
dores do morro que continuamalimentando as tradições afro,através da música, da religiãoe da comida.Identidade - Os poucos negrosque conseguiram se destacar noBrasil também carregam problemas de identidade. O ReiPelé, tanto na carreira de jogador como em seu lado bon vivant, sempre driblou discussõessobre racismo. Recentemente,ele declarou à Playboy que jamais fôra vítima de qualquerpreconcé ito antes da fama.Mas, por chutar para longe essa
conversa, Pelé é avaliado pelos,
. zgros de duas formas: para al- .
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina