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UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE MONOGRAFIA A EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA NO ASSENTAMENTO TRINTA DE MAIO - MUNICÍPIO DE CHARQUEADAS/RS Claudio Rufino de Aguiar 2002

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UFRRJ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E

SOCIEDADE

MONOGRAFIA

A EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE

COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO

AGROPECUÁRIA NO ASSENTAMENTO TRINTA

DE MAIO - MUNICÍPIO DE CHARQUEADAS/RS

Claudio Rufino de Aguiar

2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE

JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM

DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE

A EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE COMERCIALIZAÇÃO

DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA NO ASSENTAMENTO

TRINTA DE MAIO - MUNICÍPIO DE CHARQUEADAS/RS

Claudio Rufino de Aguiar

Sob a Orientação da Professora

Dra. Leonilde Sérvolo de Medeiros

Monografia submetida como requisito parcial

para obtenção do diploma de Pós-graduação

Lato Sensu em Desenvolvimento, Agricultura

e Sociedade

Seropédica, RJ

Novembro de 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO,

AGRICULTURA E SOCIEDADE

CLAUDIO RUFINO DE AGUIAR

Monografia submetida ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e

Sociedade como requisito parcial para obtenção do diploma de Pós-graduação Lato

Sensu em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

MONOGRAFIA APROVADA EM ____/_____/_____

Leonilde Sérvolo de Medeiros (Ph.D.) CPDA/UFRRJ

(Orientadora)

Nelson Giordano Delgado (Ph.D.) CPDA/UFRRJ

Silvana de Paula (Ph.D.) CPDA/UFRRJ

Nora Beatriz Presno Amodeo (Ph.D.) REDCAPA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao(a)s colegas da EMATER/RS Zulma Marcon, João

Guayba Neto e José Ivan da Rosa, aos agricultores do assentamento

Trinta de Maio Leocir José Cazarotto e Leonides Antônio Frübel,

ao Jeferson da Silva da COCEARGS, cujos depoimentos e

conhecimentos tornaram possível esse trabalho.

Um agradecimento especial a Leonilde Sérvolo de Medeiros, minha

orientadora.

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SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS ................................................................................................... V

RESUMO ....................................................................................................................... VI

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1

2. OBJETIVOS .............................................................................................................. 1

3. PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS NO ESTADO DO

RIO GRANDE DO SUL ................................................................................................ 2

4. PROCESSO DE CARACTERIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS NO RIO

GRANDE DO SUL ......................................................................................................... 4

5. FORMAÇÃO DO ASSENTAMENTO TRINTA DE MAIO ................................ 6

5.1 LOCALIZAÇÃO ................................................................................................... 6

5.2 ORIGEM DAS FAMÍLIAS ...................................................................................... 8

5.3 FORMAS DE TRABALHO ..................................................................................... 9

5.4 POPULAÇÃO DO ASSENTAMENTO ...................................................................... 9

5.5 INSTALAÇÃO NA ÁREA ...................................................................................... 9

5.5.1 Relacionamento com a comunidade ....................................................... 10

5.6 PRIMEIROS INVESTIMENTOS ............................................................................ 11

6. MARCOS IMPORTANTES NA TRAJETÓRIA DO ASSENTAMENTO

TRINTA DE MAIO ...................................................................................................... 12

7. ITINERÁRIO DA COMERCIALIZAÇÃO ......................................................... 13

7.1 COMERCIALIZAÇÃO DO LEITE ......................................................................... 14

7.2 COMERCIALIZAÇÃO DE SUÍNOS ....................................................................... 17

7.3 COMERCIALIZAÇÃO DO ARROZ ....................................................................... 18

7.4 COMERCIALIZAÇÃO DE HORTALIÇAS .............................................................. 19

7.5 COMERCIALIZAÇÃO DE PANIFICADOS .............................................................. 21

7.6 COMERCIALIZAÇÃO DO MEL ........................................................................... 21

7.7 COMERCIALIZAÇÃO DE PEIXE .......................................................................... 21

7.8 COMERCIALIZAÇÃO DE OVOS .......................................................................... 22

8. EXPERIÊNCIAS DE MERCADOS ...................................................................... 23

8.1 MERCADOS INSTITUCIONAIS ............................................................................ 23

8.2 CEASA ........................................................................................................... 24

8.3 FEIRAS DE PRODUTORES .................................................................................. 24

8.4 SUPERMERCADO DA COPAC........................................................................... 24

8.4.1 Vantagens do Supermercado Próprio .................................................... 27

8.4.2 Desvantagens do Supermercado Próprio............................................... 27

9. ANÁLISE ATUAL DA COPAC SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO ................ 28

10. APRENDIZADOS INCORPORADOS PELA COPAC DURANTE A

TRAJETÓRIA DA COMERCIALIZAÇAO NO ASSENTAMENTO ................... 29

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iv

11. PRODUTORES INDIVIDUAIS/ASSOCIADOS NÃO PERTENCENTES A

COPAC .......................................................................................................................... 30

12. VISÃO E AÇÕES DA COCEARGS SOBRE COMERCIALIZAÇÃO NOS

ASSENTAMENTOS .................................................................................................... 32

12.1 PONTOS DE VENDAS ...................................................................................... 32

12.2 INTERCOOPERAÇÃO ....................................................................................... 33

12.3 TROCAS ......................................................................................................... 33

12.4 MERCADO INTERINSTITUCIONAL ................................................................... 34

13. AÇÕES E ORIENTAÇÕES DA EMATER/RS SOBRE

COMERCIALIZAÇÃO ............................................................................................... 35

14. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 36

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................. 38

ANEXOS ....................................................................................................................... 39

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Economia............................................................................................ 6

Quadro 2 População........................................................................................... 7

Quadro 3 Número de famílias assentadas no mês de janeiro de 1991............... 7

Quadro 4 População atual do assentamento Trinta de Maio.............................. 8

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RESUMO

AGUIAR, Claudio Rufino de. A Evolução do Processo de Comercialização da

Produção Agropecuária no Assentamento Trinta de Maio - Município de

Charqueadas/RS. Seropédica: UFRRJ, 2002. 43 p. (Monografia, Pós-Graduação Latu

Sensu em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade).

Esse trabalho pretende analisar a trajetória da comercialização dos produtos no

assentamento Trinta de Maio, localizado no município de Charqueadas, Rio Grande do

Sul, desde a instalação das famílias na área até os dias atuais. Busca também um

resgate da história do assentamento, procurando detectar os marcos mais importantes

durante o período. O principal objetivo desse estudo foi retirar elementos para análise da

comercialização que está sendo praticada pelas famílias assentadas, avaliando a forma

que foi conduzida, as situações de crise e a maneira como essas crises foram

enfrentadas. As famílias pertencentes à Cooperativa passaram do sistema de vendas a

domicílio e em pequenas feiras para a instalação de um supermercado próprio na sede

do município. A definição de abrir o supermercado está atendendo plenamente às

necessidades de comercialização, mas também criando outros vários problemas de

grande relevância, com questionamentos internos quanto à urbanização das pessoas que

atuam nessa área, divergências quanto à venda de produtos de multinacionais, perda da

centralidade da luta pela reforma agrária, entre outras. Como metodologia foram

utilizadas entrevistas com produtores, agentes de assistência técnica e representantes de

entidades que atuam no assentamento. Observou-se que os avanços verificados na

comercialização devem-se muito mais à confiança que as famílias assentadas

construíram na comunidade desde o inicio, trazendo-a para dentro do assentamento do

que a estratégias específicas que tenham sido seguidas A preocupação de manter os

consumidores antigos que procuravam o assentamento desde o início, mesmo que com o

supermercado não esteja mais havendo problemas para venda dos produtos revela um

compromisso em preservar esta confiança adquirida. Os vários erros cometidos pelos

assentados poderiam ser reduzidos através de um apoio mais qualificado das entidades

na área de comercialização. Verificou-se uma grande dificuldade de as famílias

assentadas inserirem-se nos mercados institucionais, o que deverá certamente ser

reavaliado pelos órgãos públicos que direcionam recursos para esse segmento. Outro

segmento que demonstrou grandes fragilidades é o das relações de trocas entre os

assentamentos, com uma potencialidade de mercados expressiva, mas que ainda não

tem organicidade e confiança recíproca para se desenvolver.

Palavras-chave: Reforma Agrária, Confiança, Mercados, Assentamentos Rurais.

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1. INTRODUÇÃO

Entre as dificuldades que os produtores assentados e demais produtores

familiares se defrontam no seu dia a dia, está o desafio de comercializar sua produção

com preço justo1 e na época adequada.

A partir da década de sessenta, com o advento da chamada revolução verde,2 o

direcionamento das atividades nas propriedades familiares no Estado do Rio Grande do

Sul sofreram mudanças, fomentadas pela agricultura de mercado que era oferecida,

baseada no intenso uso de maquinário, adubos químicos e venenos amplamente

subsidiados e com a produção dirigida ao mercado exportador, principalmente no setor

de grãos. Este modelo foi e continua sendo excludente e perverso para a quase

totalidade das propriedades familiares. Em países desenvolvidos, a modernização

agrícola e as políticas públicas privilegiaram também a agricultura familiar. No Brasil,

ela privilegiou a agricultura patronal, que teve acesso a créditos abundantes e

subsidiados. A mecanização expandiu-se também no segmento produtivo da agricultura

familiar, onde a indústria de maquinário, seus representantes e agentes financeiros

encarregaram-se de introduzir nas pequenas propriedades tratores e implementos muito

acima de suas necessidades.

O modelo, centrado no apoio à exportação e na produção para a agroindústria,

relegou a um segundo plano os produtos da subsistência da agricultura familiar. Grande

parte da produção foi, e continua sendo, direcionada para os grandes mercados

(geralmente cooperativas), que se encarregam de buscar preços mais compensadores em

mercados externos, sem o envolvimento do produtor. Devido às facilidades de vender os

seus produtos utilizando as macroestruturas que se estabeleceram, pensar em

comercialização passou a ser secundário para o produtor familiar, pois havia quem se

envolvesse com o assunto.

Nesse contexto, a extensão rural que estava integrada à revolução verde, nunca deu

maior importância ao tema comercialização. Deste modo, não foi criada na extensão

rural uma estrutura adequada que desse suporte na área de comercialização. Quando

chamada para atender esta demanda, demonstrou fragilidades e dificuldades no domínio

da questão.

Nos assentamentos a questão comercialização extrapola os seus limites internos, mas

está, com graus de dificuldades ainda maiores, dentro do contexto encontrado pela

agricultura familiar no Estado. As políticas públicas que existem para a agricultura

familiar no que se refere à comercialização deixam a desejar. O que está apresentando

melhores resultados é a busca de nichos de mercados locais, onde a competição é menos

agressiva e é possível estabelecer relações de confiança com o público consumidor.

1“Em qualquer situação o preço final de venda deveria ser constituído pelo preço de custo da unidade

comercializada (Kg, arroba, saco, caixa, dúzia, molho, pé, etc.), mais o custo de comercialização

(impostos, transporte, embalagens, etc.) e mais uma margem de lucro não superior a 25%”. (Manual

abastecimento - Planflor Qualificar RS. Porto Alegre: Emater/RS, 2001.). 2 Revolução Verde: Fundamentada basicamente nos princípios de aumento da produtividade pelo uso

intensivo de insumos químicos, de variedades de alto rendimento melhoradas geneticamente, da irrigação

e da mecanização (ALMEIDA,J. e NAVARRO,Z., 1997)

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2

A comercialização de produtos agropecuários e outros do meio rural não é um

problema exclusivo dos assentamentos de reforma agrária, mas da maioria das

propriedades familiares do Estado, sendo um tema que cada vez mais vem pautando

discussões, com grandes dificuldades de resolução. A preocupação primeira do produtor

e também do técnico é viabilizar condições para obter uma boa produção em sua

propriedade. Geralmente a comercialização desta produção não encontra o mesmo grau

de atenção. Temos vivenciado grandes conquistas de produtores que dedicam o máximo

de esforço para obter uma boa safra. Por outro lado, vivencia-se também uma

decepção muito grande quando estes produtores não vêem seu produto comercializado.

Vários fatores concorrem para que isto aconteça, e se não forem tratados com a

antecedência necessária, o resultado será a venda de produtos com preços muito abaixo

do que valem, ou mesmo a perda do que foi produzido por falta de colocação no

mercado. Por outro lado, cada vez o consumidor se torna mais exigente em qualidade e

o produtor não traduz em qualidade aquilo que produz. Os trabalhos após a colheita são

ineficientes e inadequados, não existe uma seleção dos produtos separando os de

qualidade inferior dos de superior, levando à depreciação do seu produto que repercute

em preço menor. O trabalho de padronização, limpeza e pré-preparo são transferidos

para o meio urbano, onerando o transporte de elementos que poderiam ficar na

propriedade, e deixando de agregar valor ao seu produto. Pouca importância está sendo

dada aos clientes que compram por estima, que se reportam ao valor histórico e

ecológico do produto, que estão dispostos a pagar o valor de uma proposta produtiva

diferenciada, de respeito ao meio ambiente, aos valores humanos, a inclusão social e a

luta pela causa da reforma agrária.

Temos verificado que os próprios assentados formam um público consumidor

muito importante mas que continua desconsiderado como estratégias de

comercialização. São quase cinqüenta mil pessoas assentadas no Estado que precisam

alimentar-se todos os dias. Não produzindo determinado alimento, deverão adquiri-lo de

algum outro fornecedor. Devido à heterogeneidade de nosso solo, clima, etc, em

algumas regiões do nosso estado é possível produzir determinados alimentos que não

são possíveis de produzir em outras. Constatamos freqüentemente assentados perdendo

ou entregando por preços irrisórios sua produção por não encontrarem mercado em sua

região. Em contrapartida, percebemos que em outras partes do Estado famílias

assentadas adquirem o mesmo produto por preços exorbitantes.

Esta organização da comercialização precisa ser resolvida, e entendemos que o

Assentamento Trinta de Maio apresenta vários pontos que contribuem para isto. A

maneira como este tema está sendo tratado neste assentamento demonstra, no nosso

entender, uma grande capacidade de resolução desse problema, porém longe de

entender como modelo a ser seguido, mas merecedor de uma reflexão sobre a

capacidade de mobilização e articulação de uma comunidade assentada.

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2. OBJETIVOS

Este trabalho pretende fazer um resgate do processo de comercialização dos

principais produtos produzidos no assentamento Trinta de Maio durante a sua trajetória,

avaliando alguns entraves ocorridos e os aprendizados incorporados nesse período.

Pretende também retirar elementos desta análise que possam servir de norteadores e de

referência aos assentamentos do entorno e aos demais assentamentos do estado sobre as

dificuldades já enfrentadas , procurando servir de alerta e de marco referencial para que

erros semelhantes não sejam cometidos, e exemplos bem sucedidos possam ser

seguidos. Da mesma forma, busca resgatar a trajetória dessas famílias desde a sua

origem, instalação inicial no assentamento, dificuldades encontradas, processos de

organização que foram sendo construídos e, por último, utilizar este estudo para

aprofundar o tema comercialização nas instâncias decisórias internas deste e de outros

assentamentos, Coceargs, MST, entidades parceiras e principalmente na Emater/RS,

para que possa ser dedicada maior atenção numa atividade pouco conhecida do

agricultor e timidamente abordada pela assistência técnica e demais órgãos

governamentais.

[.1] Comentário: Página: 1

Existe uma norma de citação de siglas: com mais de três letras e formando uma

palavra, somente a primeira é em

maiúscula. Portanto, seria Coceargs, Emater a forma correta. No caso das letras da sigla

não formarem uma palavra, mas terem que

ser soletradas (BNDES, por ex.), todas tem que ser maiúsculas.

Uma outra questão é que você deve

escolher entre fazer um siglário, no início ou no final do trabalho, ou, na primeira vez

que citar a sigla no texto, apresentar seu

significado.

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3. PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS NO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Conforme Fernandes (2000, p.25)

A história da formação do Brasil é marcada pela invasão do território

indígena, pela escravidão e pela produção do território capitalista.

Neste processo de formação de nosso país, a luta de resistência

começou com a chegada do colonizador europeu, há quinhentos anos,

desde quando os povos indígenas resistem ao genocídio histórico.

Começaram, então, as lutas contra o cativeiro, contra a exploração e,

por conseguinte, contra o cativeiro da terra, contra a expropriação,

contra a expulsão e contra a exclusão, que marcam a história dos

trabalhadores desde a luta dos escravos, da luta dos imigrantes, da

formação das lutas camponesas. Lutas e guerras, uma após a outra ou

ao mesmo tempo, sem cessar, no enfrentamento constante contra o

capitalismo. Essa é a memória que nos ajuda a compreender o

processo de formação do MST.

No final dos anos setenta no Rio Grande do Sul (e também no resto do país), a

exclusão dos pequenos agricultores do processo de modernização imposta pela política

econômica que deu origem ao chamado “milagre brasileiro”, a dificuldade de

reprodução social de setores de pequenos agricultores familiares, a dificuldade em

dividir os já pequenos lotes ou de comprar novas terras na própria região pelos altos

preços desta devido ao caráter empresarial da agricultura, gerou contingentes de

trabalhadores precariamente integrados a produção. Esses agricultores estavam

descrentes, entre outras coisas, da aplicação do Estatuto da Terra e não encontravam nos

Sindicatos dos Trabalhadores Rurais um canal adequado para condução de suas

demandas, crescendo os espaços de conflitos no campo.

Conforme Medeiros (1989, p.102)

Em algumas áreas, o sindicato se constituía no seu escoadouro

quase que natural; em outras ficava completamente à margem. A

diversidade de situações foi enorme e é quase impossível

mapeá-las. De toda a forma, foi esse vasto tecido de tensões que,

a cada momento, colocava em questão a problemática sindical e

de representação dos interesses dos trabalhadores.

Articulados pela Igreja Católica através da Comissão Pastoral da Terra, cujo

eixo de trabalho era o apoio às organizações populares, trabalhadores foram

organizando-se através de reuniões, encontros etc, criando o chamado Sem Terra.

Vários desses agricultores migraram para projetos de colonização em áreas de

fronteiras, mas muitos voltaram devido às condições inadequadas desse projetos.

Em 1979 houve a ocupação das fazendas Macali e Brilhante, através de

posseiros expulsos da reserva indígena de Nonoai, na região de Sarandi. (MEDEIROS,

1989). Esta ocupação inaugurou o processo de formação do MST (Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra), que teve sua gênese no interior das lutas de

resistência dos trabalhadores contra a expropriação, a expulsão e o trabalho assalariado.

[.2] Comentário: Página: 2

Na verdade esse processo tem seu auge no

final dos anos 70.

[.3] Comentário: Página: 2 Toda citação tem que ter página. Se a citação tiver mais que três linhas, o texto

deve aparecer sem aspas com recuo, como

no caso da primeira citação que você fez.

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3

As terras da Macali eram remanescentes das lutas pela terra da década de sessenta,

quando o Master organizara os acampamentos na região. (FERNANDES, 2000). As

lutas continuaram no Rio Grande do Sul e em outros estados brasileiros, levando à

oficialização do MST como um movimento nacional, em janeiro de 1984 no Encontro

Nacional dos Sem Terra, realizado em Cascavel, Paraná.

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4. PROCESSO DE CARACTERIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS

NO RIO GRANDE DO SUL

Segundo Navarro (1997) a caracterização dos assentamentos no Rio Grande do

Sul pode ser dividido em três fases distintas:

A primeira fase considerada entre 1978 e 1983, foi caracterizada pela

reintrodução de antigas táticas de ocupação e formação de acampamentos,

acompanhadas de mecanismos de impacto visual (barracos de lona preta), teimosia e

determinação dos assentados) mobilizando redes de solidariedade e atraindo atenção dos

meios de comunicação. Provocou também diversas reações, com violenta repressão

policial e, em alguns momentos, medidas conciliatórias e com tentativas de pacificação,

como a criação dos assentamentos Macali e Brilhante no município de Ronda Alta. A

concentração dos assentamentos ocorreu na Região do Alto Uruguai. Nesta fase

aconteceram 12 assentamentos no estado, beneficiando 563 famílias, totalizando 8.491

hectares. A resposta governamental às grandes pressões, no período, foi comprar terras

de baixa qualidade, sem alocação de recursos financeiros e técnicos para impulsionar os

assentamentos. Em resultado, o índice de abandono ou troca de lotes em busca de

melhores condições de vida foi de 33%.

Na segunda fase (1985 a 1988), período em que foi apresentado o I Plano

Nacional de Reforma Agrária – I PNRA, já houve uma atuação mais estruturada do

MST. Foi durante esta fase que houve a ocupação da Fazenda Annoni. Chamada de

“fase de ação”, caracterizou-se muito mais pelas desapropriações do que pelas políticas

de viabilização da produção. Nesta fase houve uma concentração espacial dos

assentamentos na região central do estado. Durante o período aconteceram 35

assentamentos, beneficiando 1.566 famílias, totalizando 34.622,7 hectares.

De 1988 a 1997/98 é considerada a terceira fase, na qual houve uma forte

redução nas ações de desapropriação do Governo Federal. O governo do estado

disponibilizou terras públicas pertencentes a Estações Experimentais de Agronomia e

aquisição de novas áreas com recursos do Funterra.3 Foram adquiridas várias áreas de

baixa qualidade para instalar assentamentos. Nesta fase aconteceram 76 assentamentos,

beneficiando 2976 famílias, totalizando 66.209 hectares. O deslocamento geográfico

neste período foi em direção à região metropolitana de Porto Alegre e Campanha

gaúcha.

A partir de 1999 assume no Rio Grande do Sul o Partido dos Trabalhadores -

PT, tendo a reforma agrária como um programa prioritário. No programa de governo, a

reforma agrária assume papel distinto daquele que lhe era reservado até então. A ênfase

no desenvolvimento passa a centrar-se na valorização das pequenas unidades

produtivas, com destaque para a agricultura familiar sendo que, neste segmento, os

assentamentos de reforma agrária surgem como eixo referencial. Este enfoque confere

aos assentamentos dimensão de importância estratégica no contexto do

desenvolvimento agrícola estadual, fazendo com que para eles sejam orientadas forças

propulsoras capazes de assegurar sua estabilidade como núcleo produtivo. Dada a

complexidade que a questão envolve, a reforma agrária passa a ser tratada como um

3 O Funterra é um fundo constitucional, com formato de dotação orçamentária, instituído pela lei 7.916 de

16 de julho de 1984, dedicado a financiar compra de terras para trabalhadores rurais não- proprietários.

[.4] Comentário: Página: 4 Barraco de lona preta tem impacto visual. Teimosia e determinação não.

[.5] Comentário: Página: 4

Abandono é uma coisa. Troca de lotes é outra, muito diferente de abandono. Muitas

vezes (embora nem sempre), eles trocam

lotes para chegar mais perto de amigos ou principalmente parentes, porque "gostam"

mais de um lugar que de outro. Isso não

caracteriza desistência e pode ser tomado como um caminho, forjado por eles

mesmos, para recompor suas redes de

sociabilidade. Nesse sentido, a troca de

lotes pode ser pensada como um caminho

para a própria consolidação dos

assentamentos

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5

projeto especial de governo, com a prioridade que o mesmo merece. A Emater/RS,

como órgão oficial de assistência técnica e extensão rural incorpora também esta

prioridade, e este programa passa a ter grande interesse para a empresa. Foi criada a

Secretaria Extraordinária da Reforma Agrária, com políticas definidas para os

assentamentos, adquirindo terras com recursos do Funterra e realizando um convênio

com o Incra que possibilitou aquisições de áreas conjuntas, onde foram instalados os

chamados assentamentos compartilhados4.

Até a realização deste trabalho, foram instalados no estado através do atual

governo 117 assentamentos, com 4125 famílias, totalizando uma área de 90.991,63

hectares. Nestes assentamentos estão incluídos produtores do MST (Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra), do MAB (Movimento dos Atingidos pelas

Barragens), assentados municipários e reassentados de áreas indígenas.

4 Está sendo denominado “assentamento compartilhado” aquele onde a propriedade é adquirida de

maneira conjunta entre o Incra e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O Incra participa com

recursos através dos) TDAs (títulos da dívida agrária), onde os percentuais oscilam geralmente entre

60% a 70% do valor total do imóvel e o Estado complementa esse valor com moeda corrente. Esta forma

possibilitou uma aquisição bastante expressiva de áreas, pois os proprietários recebem a vista parte dos

recursos, o que torna mais atrativa a venda.

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5. FORMAÇÃO DO ASSENTAMENTO TRINTA DE MAIO

5.1 Localização

O assentamento Trinta de Maio situa-se no município de Charqueadas distante

12 quilômetros da sede do município e 55 quilômetros de Porto Alegre, capital do

estado do Rio Grande do Sul. O município de Charqueadas está localizado na Região

Centro Sul do Rio Grande do Sul, mais especificamente na Região Carbonífera e

pertence à área metropolitana da Grande Porto Alegre. A área total do município é de

214,80 Km2 sendo servido por um grande manancial hídrico composto pelo Arroio dos

Ratos, Arroio Leão, Rio Jacuí e diversos açudes. O clima é subtropical com temperatura

média anual de 19,5° C, uma precipitação também média de 1.316 mm ano, sendo os

meses mais chuvosos maio, junho e julho, e os menos chuvosos os de novembro,

dezembro e janeiro. Os solos predominantes são os hidromórficos HPL – Planossolo

(argiloso a médio, plano e suavemente ondulado) e solos com B textural: LrBd –

Laterítico – Bruno avermelhado distrófico (argiloso, relevo ondulado).

Em relação a capacidade de uso, está dividida nas seguintes classes:

Classe III.....................75%

Classe IV.....................20%

Classe VI.....................05%.

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7

Fig. 1 - Localização de Charqueadas no Rio Grande do Sul

Quadro 1 - Economia.

SETOR % ARRECADAÇÃO

Indústria 72,77

Serviços 11,55

Comércio 13,04

Agricultura 2,64

TOTAL 100

Fonte: Plano Municipal de Desenvolvimento Agropecuário- 1998

Como vimos, a matriz produtiva de maior importância no município é a

indústria, e em maioria a indústria metalúrgica, apesar de haver outros segmentos.

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8

Quadro 2 - População

ZONA MASCULINA/FEMININA TOTAL

Urbana 29015 29014

Rural 946 946

TOTAL 29961

Fonte: Censo IBGE 2000

Constata-se que o dinamismo populacional do município é determinado pela sua

população urbana.

5.2 Origem das Famílias

A chegada das famílias na área do assentamento ocorreu no mês de janeiro de

1991, após passagem mínima de três anos por vários acampamentos no estado, como

Fazenda Annoni, Santa Elmira, Tupanciretã e Salto do Jacuí. As 46 famílias assentadas

são originárias dos seguintes municípios, situados nas regiões do Alto Uruguai e

Missões:

Quadro 3 - Número de famílias assentadas no mês de janeiro de 1991

Município Número de famílias

Ronda Alta 13

Constantina 12

Alpestre 03

Salto do Jacuí 03

Rondinha 03

Três passos 02

Planalto 02

Frederico Wesphalem 02

Sarandi 01

Seberi 01

Roque Gonzalez 02

Aratiba 01

Liberato Salzano 01

Total 46

Fonte: Relatório do itinerário de desenvolvimento- Emater/RS- 1997.

A maioria das famílias que chegaram no assentamento era composta de jovens,

filhos de pequenos agricultores dos municípios de origem, de descendência italiana, e

com menor predominância alemã, luso- brasileira e polonesa. A religião predominante é

a católica. Toda a articulação para a chegada das famílias no assentamento aconteceu

[.6] Comentário: Página: 8 Comente esses dados bem como os da

tabela anterior.

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9

através do MST, embora tenham contado sempre com o apoio da Igreja desde a

peregrinação pelos acampamentos até os dias atuais.

5.3 Formas de Trabalho

A organização no que se refere ao trabalho apresenta-se do seguinte modo: 28

famílias pertencem a Copac (Cooperativa de Produção dos Assentados de Charqueadas,

Ltda), seis famílias pertencem à Associação 1º de Maio e 12 famílias pertencem à

Associação 15 de Abril. Nas associações a produção é individualizada, com algumas

ações conjuntas, enquanto que na Cooperativa todas as ações são coletivas,5 com

pagamentos proporcionais às horas trabalhadas.

5.4 População do Assentamento

Quadro 4 - População atual do assentamento Trinta de Maio

Descrição

46 famílias

Adultos

> 22 anos

Jovens

12- 22 anos

Crianças

< 12 anos

Total

Homens 49 21 19 89

Mulheres 41 23 18 82

Total 90 44 37 171

Fonte: Escritório Municipal Emater/RS Charqueadas

Do total de pessoas que constituem o assentamento, somente oito tem mais de 42

anos, formando deste modo um assentamento com faixa etária bastante baixa. A média

é de 3,72 pessoas por família assentada, totalizando 37 filhos com menos de 12 anos de

idade. A titularidade dos lotes é dirigida aos homens , com somente uma exceção onde a

mulher possui a posse da terra.

5.5 Instalação na Área

No início da instalação na área, as famílias ficaram abrigadas em barracos de

lona preta, distribuídos sob um mato de eucalipto nas imediações de onde hoje se situa a

horta. Fundaram imediatamente uma associação que incluía todas as famílias. As

dificuldades eram semelhantes às que ocorriam e ocorrem na maioria dos assentamentos

em fase inicial no Estado, com falta de luz, água, lazer, recursos, desconhecimento da

área e região, não aceitação pela comunidade local, alimentação escassa e deficiente,

escola de lona para os alunos etc. No mês de maio de 1991 foi instalado um Laboratório

5 Toda a área e demais bens são de exploração conjunta de todos os associados. O sistema de

remuneração do trabalho é em função das horas trabalhadas por cada um dos membros da família. A

organização interna é por setores, com a mão de obra distribuída em função das necessidades de cada

setor. O valor da hora trabalhada é definido pela divisão do lucro líquido pelo total das horas trabalhadas.

[.7] Comentário: Página: 9

Comentar a tabela. Não dá para fazer um item só com a tabela!

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10

Organizacional6 para cursos específicos em várias áreas de atuação, direcionados para

as possibilidades produtivas da região. Aconteceram cursos dirigidos para orizicultura,

fruticultura, pecuária leiteira, administração, suinocultura, avicultura, aproveitamento de

olerícolas, conservação e reparo de máquinas agrícolas entre outros. O laboratório teve

duração de 32 dias, sendo que a maioria dos instrutores eram da Emater/RS e também

de entidades parceiras. Estruturaram inicialmente uma horta para subsistência, visando

vender o excedente em uma feira do produtor na sede do município. Em junho de 1991

foi criada a Copac com a participação de todos os integrantes, exceto um.

5.5.1 Relacionamento com a comunidade

O primeiro ano foi extremamente difícil, pois praticamente todo o município

tinha aversão aos assentados. Foram sendo organizados encontros com as comunidades,

tanto urbanas como rurais, num trabalho de conscientização e de apresentação dos

assentados ao município. Vários bairros foram visitados na tentativa de quebrar o gelo

inicial e desmistificar a figura do assentado que estava chegando. Em todos esses

encontros, as comunidades eram convidadas a visitar o assentamento, conversar com as

famílias e de certa forma ir se entrosando nessa nova comunidade que estava sendo

formada. As visitas foram acontecendo e, a cada visita, as pessoas iam mudando os seus

conceitos em relação as famílias que lá estavam e levando esta mudança de conceitos a

tantas outras de suas relações.

A imagem inicial que a comunidade tinha sobre os assentados era de uma turma

de desordeiros, arruaceiros, vagabundos e ladrões que só criariam problemas ao

município. À medida em que foram conhecendo, viram tratar-se de um grupo de

famílias humildes mas com dignidade e uma vontade muito grande de trabalhar e viver

do fruto de seu trabalho. No primeiro aniversário do assentamento houve participação

de várias lideranças municipais e presença da comunidade, o que auxiliou muito neste

processo. A cada ano foi sendo comemorado o aniversário com aumento na participação

da comunidade, chegando a reunir mais de mil pessoas nestes eventos. Mais tarde

(1995) foi feito um grande Dia de Campo para apresentar as atividades desenvolvidas

no assentamento a todo o município e região, que foi integrando e mesclando essas

novas famílias em um convívio harmonioso e de respeito mútuo que permanece até

hoje.

Cabe aqui ressaltar a efetiva contribuição dos técnicos da Emater/RS

responsáveis pelo atendimento do assentamento nos dois primeiros anos, que

juntamente com os assentados, demais técnicos e entidades de apoio tiveram os méritos

dessa integração. Esse trabalho continuou acontecendo com a dedicação dos demais

extensionistas que continuam até hoje prestando atendimento ao assentamento Trinta de

Maio. Aparentemente fácil, o processo de integração na nova comunidade é um dos

maiores desafios para as famílias que estão chegando nas novas áreas.

6 O Laboratório Organizacional era um instrumento pedagógico utilizado na época pelo MST como

ferramenta para auxiliar na formação da consciência organizativa e na criação das Cooperativas de

Pprodução dos Assentamentos - CPAs. Consistia basicamente de uma concentração de vários cursos

específicos sobre as atividades previstas para o assentamento, organizado e apresentado por entidades

parceiras, com tempo de duração de aproximadamente um mês.

[.8] Comentário: Página: 10

Porque????

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11

5.6 Primeiros Investimentos

Com a elaboração do primeiro projeto de crédito através de recursos do Procera

(Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária), foi possível fazer os

investimentos iniciais em um galpão para máquinas, construção de cercas, recuperação

da barragem, paiol de milho, sala de ordenha, pocilga, aquisição de um caminhão, um

trator usado e alguns implementos. Ainda no ano de 1991 iniciaram plantios diversos,

como feijão, milho, aipim, batata doce, pipoca, vassoura, melancia, melão e a

horticultura. Houve também com os recursos iniciais a aquisição de sete vacas que

somadas a algumas outras trazidas pelas famílias, garantiam o leite para a alimentação.

Foram adquiridos também suínos mistos, bovinos de corte, galinhas caipiras, galinhas

de dupla aptidão (corte e postura) etc, constituindo deste modo a produção para a base

alimentar das famílias assentadas.

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6. MARCOS IMPORTANTES NA TRAJETÓRIA DO

ASSENTAMENTO TRINTA DE MAIO

A partir de 1992 iniciaram-se várias obras, aquisições, tomadas de decisões e

atitudes que foram marcando a trajetória do assentamento e sedimentando o que hoje

existe. Os recursos para os projetos que eram definidos foram oriundos basicamente do

Procera e para alguns projetos específicos, também foram feitos financiamentos pelo

Feaper (Fundo Especial de Apoio aos Pequenos Estabelecimentos Rurais). O Feaper tem

dotação orçamentária do tesouro do Estado, sendo realimentado com os recursos

oriundos do pagamento das prestações dos produtores. Neste ano foi instalada uma serra

para beneficiamento de madeiras de eucalipto que existiam na área e iniciada a

construção das moradias; a rede elétrica de alta tensão foi construída até a estrada; foi

feita a ampliação de mais infra-estrutura como pocilgas, sala de ordenha, estufas,

aquisição de um trator e implementos; a escola passou para um prédio de madeira,

embora de péssima condição; foram adquiridos mais animais como vacas de leite PCS

e suínos tipo carne; a apicultura foi iniciada; começou a instalação do pomar e

reflorestamentos; foi concluída a barragem. No ano seguinte todas as famílias já

estavam com casas de madeira, deixando os barracos de lona preta, e a rede de energia

de alta tensão chegou até a agrovila; a produção começou a ser em escala maior, com

aumento da infra-estrutura produtiva; aumenta a comercialização. Devido a preferir o

trabalho individual em detrimento ao coletivo, um dos sócios desliga-se da Copac.

No ano seguinte, a eletrificação rural já é distribuída nas casas e setores, a água

potável é canalizada, o refeitório em alvenaria é finalizado, começando também a

produção de sementes de milho próprias. Iniciam investimentos maciços em

maquinários e implementos para a cultura do arroz. No final de 1994, por questões

políticas internas, acontecem mais quatro dissidências na Copac. Pode atribuir-se essas

dissidências à falta de uma cultura de atuação coletiva, discussões quanto aos aspectos

de condução da Cooperativa e outros desentendimentos internos que dificultavam a

atuação em conjunto.

Continuam melhorias em 1995, quando as casas recebem mais infra-estrutura de

saneamento, ajardinamentos, sendo também feito gramado na agrovila. No ano seguinte

ocorre a construção da escola em alvenaria, construções da secretaria, campo de futebol

e de vôlei, aquisição de um terreno na cidade para posto de vendas, aumento nas

instalações produtivas e aprimoramento nas tecnologias de produção. Sessenta matrizes

leiteiras tiveram que ser sacrificadas no período 97/2000, devido a um foco de

tuberculose que foi constatado no rebanho bovino em 1997. Devido a desentendimentos

e políticas internas, mais nove famílias desligam-se da Copac no ano seguinte.

No que se refere à comercialização, o ano de 1999 é bastante significativo, pois

é nesse ano que ocorre a abertura do supermercados dos assentados na sede do

município. No ano de 2000, o direcionamento da Copac é para que toda a produção seja

obtida sem o uso de venenos.7

7 A produção com base agroecológica nos assentamentos é defendida e preconizada pelo MST,

agregando-se a uma política própria da Emater/RS e do Gabinete de Reforma Agrária nesse sentido.

[.9] Comentário: Página: 12 Quem gere este fundo?

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7. ITINERÁRIO DA COMERCIALIZAÇÃO

No que se refere a assentamentos, a organização da produção no estado, em que

pese o esforço contrário do MST, conforme Navarro (1997), com base no I censo da

Reforma Agrária, demonstram, 72% dos “assentados do Incra” trabalham a terra de

forma individual, enquanto apenas 25% o fazem coletivamente. Este modo de

exploração da área tem relação quase que direta com o modo de comercializar, pois

geralmente dependem desta organização as atividades futuras.

Desde a chegada das famílias em 1991, os produtores encontraram dificuldades

para comercializar seus produtos, pelo desconhecimento da região, produção instável,

discriminação pelo público local, pouco planejamento em relação ao tema e adesão ao

processo predominante de comercialização (a produção agropecuária do município

como melancia, pêssego, arroz etc é comercializada uma pequena parte no município e

o restante na Ceasa, municípios adjacentes e engenhos da região).

Entrevistamos uma liderança do MST no Estado que pertence a Copac, sobre

como foi a concepção inicial das famílias em relação ao assentamento, e quais eram os

projetos de exploração, cujos principais pontos narramos:

“No início, a idéia era explorar a área através de extensos plantios,

para obter grandes volumes de produção. As explorações deveriam ser

concentradas em projetos com produtos da monocultura, como soja,

arroz, etc. O pensamento era comercialização direta com terceiros,

sem um maior envolvimento do assentado nessa área. Começou com

lavouras extensivas como o arroz, investindo pesado em máquinas e

implementos. Decidiu-se que investir em grande lavoura de melancia

seria um bom negócio, a exemplo de outros produtores de

Charqueadas e municípios vizinhos. Houveram vários problemas para

vender os produtos, e com constância o pagamento era com cheques

sem fundo nunca mais recuperados. Foi iniciada venda de melancia na

Ceasa mas o problema continuava o mesmo. Os calotes com cheques

sem fundo continuaram, também com a venda do arroz. Foi insistido

com a melancia durante três anos, desistindo a partir de então devido a

esses problemas. Os assentados sabiam que era necessário uma visão

mais diversificada sobre a produção, que foi sendo amadurecida com

o passar do tempo. Sabiam também, através dos debates internos no

Movimento, com a Assistência Técnica e com ONGs que os

apoiavam, que era preciso fazer a transição para um novo modelo de

exploração, com menos dependências externas, menor uso de venenos

e adubos químicos, recuperando os solos através de adubação verde

etc. Como os recursos eram escassos, poucos do assentamento

queriam arriscar e partir para esta transição, pois sempre pairava o

medo de não colher, de comprometer a safra, causando uma

insegurança e protelando esses desafios. Não havia recursos com

incentivos a que mudanças neste sentido fossem feitas, e nem tempo

para errar em tentativas. Sempre esbarrava na questão financeira e não

era priorizado investimentos que levassem a uma mudança de modelo

tecnológico. Por outro lado, todos tinham insegurança para investir em

algo que quase não conheciam. Deste modo, levou muito tempo e

grandes discussões para ir definindo investimentos dirigidos a

transição que queriam, para a diversificação da produção e para a

[.10] Comentário: Página: 14

As entrevistas devem ser citadas da mesma forma que os textos: sem itálico, com recuo,

espaço entre linhas menor que o usado no

texto. Ao final dizer quando foi feita a entrevista (memso que data aproximada,

por exemplo, só o ano.

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construção de canais de comercialização mais seguros e confiáveis dos

produtos”. Agosto de 2002

Com o passar do tempo e através de um trabalho exaustivo dos participantes e

entidades de apoio, conseguiram estruturar uma rede de comercialização que se

pretende abordar não como ideal, mas com condições de trazer contribuições para

reflexão dos demais 277 assentamentos existentes no Estado do Rio Grande do Sul.

Um dos grandes desafios da comercialização é que a produção chegue ao

mercado consumidor para o qual está dirigida a tempo e em quantidades e qualidades

desejadas. Conforme Daemon et al (1976, p. 13), “os mercado regionais não emergem

naturalmente, eles precisam ser construídos”.

A comercialização é vista como um processo, dentro de uma conceituação

dinâmica e ativa, como fundamental mecanismo de coordenação da produção,

distribuição e consumo de bens e serviços. A estrutura de comercialização tem sua

configuração completa na integração das estruturas de produção, de distribuição e de

consumo, envolvendo a análise dos bens, desde o momento em que são produzidos até

serem adquiridos pelo consumidor final (DAEMON et al, 1976).

Pretendemos também fazer uma abordagem dos mercados institucionais que,

embora de forma incipiente e tímida, vêm indicando novas possibilidades a serem

exploradas para a comercialização da produção agrícola e agro-industrial de base

familiar.

“O manejo do chamado mercado institucional (alimentação escolar,

fornecimento a hospitais, presídios, forças armadas, instituições de

assistência social etc.) com o propósito de favorecer os pequenos e

médios empreendimentos constitui-se em instrumento valioso que está

presente em várias experiências analisadas, mas que é pouco

explorado em nosso país" (MALUF, 1999, p.12).

Para o melhor entendimento sobre o itinerário de comercialização no

assentamento Trinta de Maio, estaremos abordando os principais produtos

comercializados, com a evolução de sua trajetória. Procuraremos com isso deixar

caracterizados eventuais pontos de rupturas ou tomada de decisões durante os anos de

existência do assentamento, chegando até a situação atual. Esta abordagem por produto

refere-se a comercialização da Copac, visto que os assentados pertencentes às

associações comercializam de outra forma, que trataremos em separado.

7.1 Comercialização do Leite

O leite no município de Charqueadas é comercializado através das redes de

supermercados e demais pontos de vendas como fruteiras, minimercados, armazéns etc,

e também, por tradição, in natura através de pequenos produtores, utilizando carroças

tracionadas a cavalo para a distribuição, sendo o produto acondicionado em vasilhame

plástico ou em tarros,8 e nesse caso, passados para recipiente próprio do consumidor, no

8 Tarros são recipientes de latão com capacidade geralmente para acondicionar 50 litros de leite, onde o

produtor em cada residência repassa o produto para vasilhame próprio do consumidor, fazendo o

dimensionamento quantitativo no próprio local.

[.11] Comentário: Página: 15 Citação: fazer recuo

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momento da venda. A entrega é feita de porta em porta, em horários preestabelecidos,

sendo que o pagamento é acertado semanal, quinzenal ou mensalmente. Em 1991,

quando iniciou o assentamento, foram adquiridas sete vacas, cuja produção de leite,

somada à algumas poucas outras que tinham vindo para o assentamento junto com as

famílias, constituía a base alimentar principalmente para as crianças.

O excedente da produção começou a ser comercializado da mesma forma que os

pequenos produtores da região faziam, ou seja, com uma pequena carroça percorriam as

vilas operárias, vendendo o leite que era acondicionado em garrafas pet. Junto com o

leite também vendiam o queijo que as famílias produziam. O importante deste

aprendizado da venda direta do leite na casa do consumidor é que aproximou e abriu

espaços para mais uma gama de produtos que foram sendo trabalhados e sendo

agregados nas vendas a esses próprios consumidores e seus vizinhos.

O trabalho de conscientização inicial, feito na comunidade, contribuiu para que

estas relações de confiança fossem ampliando-se, contando também com o apoio de

segmentos da classe operária que é muito forte no município e que apóiam a luta pela

reforma agrária. A média de venda no ano de 1991 era de 80 litros por dia. Com a

aquisição de mais animais a partir de 1992 (em início de 1993 já haviam vinte e cinco

matrizes em produção), a venda direta ao consumidor começou a ser melhor avaliada,

pois o volume de leite comercializado desta forma era muito inferior à produção obtida.

Um agravante sério já estava acontecendo com esta modalidade de comercialização, que

era o grande número de consumidores que ficava inadimplente. Embora o preço

recebido pelo leite entregue diretamente ao consumidor fosse o dobro do preço

oferecido por usinas de beneficiamento, a Copac optou por contratar com uma usina

situada no município de São Jerônimo (distante vinte e dois quilômetros do

assentamento), a qual começou a adquirir o leite produzido, interrompendo a venda

direta aos consumidores.

O leite não era entregue na sua totalidade a esta usina, sendo uma parte destinada

à alimentação das terneiras, consumo das famílias e continuação da fabricação de

queijos. A venda para essa usina durou ao redor de dois anos, mas começaram a ocorrer

problemas com pagamentos, o que fez com que fosse mudado para a Laticínios Ivoti,

em 1996. Com o contrato para fornecimento de leite à Laticínios Ivoti, vários

investimentos que já haviam iniciados foram melhorados, como inseminação artificial,

cercas elétricas, pastagens, construção de sala de ordenha tipo “espinha de peixe”,

dedicação à criação de terneiras para reposição do rebanho, aquisição de animais com

maior valor genético, entre outros. Estes investimentos eram definidos em conjunto com

a Assistência Técnica, que elaborava os projetos para financiamentos junto ao Procera.

Em 1997 houve um período crítico para a atividade leiteira no assentamento. Em

que pesem todos os cuidados veterinários na aquisição de animais, foi constatado um

foco de tuberculose no rebanho, o que levou ao abate de 60 matrizes bovinas leiteiras no

período 1997/2000. Para a eliminação desse foco foi necessário um rigoroso controle e

acompanhamento, estando atualmente o problema sanado. Atualmente são ordenhadas

50 vacas por dia, sendo que o projeto da Copac é atingir 100 vacas/dia. Este número de

animais está aumentando gradualmente. Hoje o rebanho leiteiro total é composto por

100 animais. Devido ao volume de leite insuficiente para instalar um sistema de

beneficiamento, ainda não está acontecendo transformação do produto para o mercado.

Quando atingir 2.500 litros de leite por dia, será construída uma usina própria. A

produção atual é de mil litros de leite por dia. O objetivo da Cooperativa é empacotar o

leite e comercializar no supermercado próprio. Atualmente o preço obtido por litro de

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leite é de R$ 0,40. Este preço é diferenciado por que os produtores apresentam grande

volume de produção e têm resfriador próprio, o que possibilita vender a granel.

A alimentação dos animais era baseada na silagem e ração, mas está sofrendo

grandes mudanças. Hoje a responsabilidade é em função de produção de leite a pasto, o

que levou a uma redução de 50% no consumo de ração. Existiam resistências iniciais

para estas mudanças, pois a tradição dos leiteiros9 da região é que deve ser garantido o

fornecimento do alimento ao animal, e não este buscar o alimento no potreiro. Após

uma palestra do professor Humberto Sório abordando as vantagens desse sistema como

redução do trabalho, diminuição dos custos com aquisição de alimentos, distribuição

natural dos dejetos nas pastagens pelos próprios animais, melhoria do solo que recebe

estes dejetos, aproveitamento racional dos pastos existentes na propriedade entre outros,

provocou um grande estímulo e a meta atual é produzir leite a pasto. Para o tratamento

dos animais a homeopatia e fitoterapia está auxiliando, evitando que animais em

tratamento apresentem carência para consumo ou venda da produção. Ainda não é

possível eliminar totalmente a alopatia.

A criação de terneiras com elevado potencial genético para reposição do rebanho

próprio e venda a terceiros é um mercado em potencial que, por enquanto, ainda não

está acontecendo. Para isso a Copac está se preparando, já sendo sócia da Gado

Holando, e tendo registros PO (Puro de Origem) e PCOC (Puro por Cruza de Origem

Confirmada). Este ano estará participando da Expointer (Exposição Internacional de

Esteio), com fêmeas leiteiras registradas.

No entendimento da assistência veterinária do assentamento, alguns pontos alem dos

citados contribuem para o sucesso da atividade leiteira, tais como: meta de ter um

rebanho leiteiro altamente qualificado, com definições clara dos associados quanto à

necessidade de investirem na atividade; melhoria genética; inseminação artificial e

acasalamento controlado por computador; aquisição de sêmen de alto padrão genético

de empresas conceituadas como Semeia (Seleção Melhoramentos Ltda) e Genética

Avançada está facilitando o aprimoramento do rebanho. Como comparativo da

seriedade com que este assunto é tratado, está sendo utilizado sêmen que custa de R$

40,00 a 50,00, quando o sêmen fornecido pela Cria (Central Riograndense de

Inseminação Artificial), com menor padrão, custa R$ 2,00. Este diferencial está

contribuindo muito na qualificação do rebanho; associados organizados e exigentes nas

respostas e resultados da assistência técnica, sendo bastante receptivos e adotando

prontamente as recomendações aprovadas; sistema coletivo e a constância da assistência

técnica da Emater/RS com debates freqüentes e participação efetiva tem favorecido para

os resultados.

A concepção da exploração leiteira no assentamento Trinta de Maio não reflete a

realidade desta atividade nos demais assentamentos do Estado. Considera-se a atividade

leiteira como fundamental para os assentamentos que apresentam condições de explorá-

la, como atividade básica de subsistência e uma fonte de renda mensal para as famílias

com a venda do excedente da produção. A qualidade do rebanho não tem a mesma

lógica, pois devido a conhecimentos de manejo, instalações, volume de investimentos

necessários, produção de alimentação para os animais e todos os demais requisitos que

animais de alto padrão zootécnico exigem, poucos definem-se por aprimoramentos

maiores. O usual é uma exploração bem mais modesta, com animais de qualidade

9 Denominação dada ao produtor que explora a atividade leiteira como fonte principal de renda para a

família.

[.12] Comentário: Página: 17

colocar o signifcado das siglas na sua frente e não em nota.

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inferior, mais rústicos, sem grandes exigências alimentares, com retornos em produção

também pequenos e não necessitando de maiores atenções. A produção de matrizes para

reposição do rebanho não tem sido meta dos assentados, que adquirem sempre de

terceiros os animais que necessitam. Estas aquisições quase sempre deixam a desejar,

pois é comum adquirirem animais velhos ou com problemas, frutos de descartes de

outros produtores da atividade. A existência de um assentamento com condições de ser

um fornecedor de animais aos demais preencherá uma lacuna existente desde o início do

processo de criação de assentamentos no estado. Certamente o assentado que adquirir

animais do assentamento Trinta de Maio será aquele com condições de ter uma

exploração mais qualificada.

7.2 Comercialização de Suínos

O município de Charqueadas não tem tradição nem vocação para criação de

suínos, talvez por sua etnia mais luso-brasileira, o que beneficia os assentados nesta área

de exploração. A região é um característico nicho de mercado, onde a única competição

encontrada foi e continua sendo a de alguns produtores que criam suínos utilizando

como alimentação restos de restaurantes da redondeza. Embora com custos mais baixos,

a qualidade da carne desses animais não compete com a dos animais dos assentados.

Logo ao chegarem no assentamento, em 1991, os assentados iniciaram a criação

de suínos tipo "banha", mais característico da agricultura familiar de suas regiões de

origem. No início, a criação era só para consumo, havendo dúvidas quanto à exploração

de suínos tipo banha ou tipo carne como uma atividade do assentamento. Por pressão

dos mais jovens, já no ano seguinte passaram para suínos misto e tipo carne. Os

assentados mais jovens detinham maiores conhecimentos sobre as qualidades e

rendimentos diferenciados dos suínos tipo carne, enfatizando estas características nas

discussões quanto ao tipo de suíno a explorar. De 1993 em diante, começaram a

comercialização de leitões com peso entre 40 e 50 quilos para assar em festas na

redondeza e vendas diretas ao consumidor. Iniciaram também um mercado de venda de

leitões vivos no próprio assentamento para pequenos produtores ou consumidores

residentes na periferia da cidade que tem o hábito de criar um animal para engorda e

abate. Outro mercado que se constituiu paralelamente era voltado para o abate e venda

de carne na periferia, o que rapidamente se disseminou por todo o município. As vendas

de carnes também eram feitas em restaurantes locais e a dos suínos vivos, em

frigoríficos situados nos municípios de Santa Cruz e Lajeado . Já no ano de 1993 os

assentados tinham trinta matrizes suínas e não eram suficientes para a produção de que

necessitavam. O sistema de criação era em confinamento, o que resultou em um grande

índice de doenças nos animais.

Em 1995 iniciaram a construção de um Siscal (Sistema de Criação de Suínos ao

Ar Livre) como unidade demonstrativa, o que melhorou em muito a parte sanitária dos

animais, permanecendo até hoje esse sistema. Essa unidade demonstrativa propiciou um

convênio entre Incra/Emater/RS/Assentados, o que levou a uma aproximação com a

Embrapa para a criação de um tipo próprio de suíno “MS 60 da Embrapa – Concórdia”

com um sabor peculiar, devido ao sol que recebe no pastoreio, e apresentando somente

4% de banha. A Copac atualmente também transforma o suíno, vendendo lingüiça pura,

mista, defumados e carne salgada. Comercializam também pés, bacon, peles e queijo de

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porco. Ainda não estão sabendo aproveitar miúdos que podem ser transformados em

morcela e ração para os peixes.

Devido a exigências legais, os animais são levados para abate no assentamento

de Capela de Santana e trazidos para comercializar em Charqueadas. Ainda não existe

no assentamento Trinta de Maio infra-estrutura de abate que permita esta atividade em

conformidade com a inspeção sanitária municipal ou estadual. Está tramitando na

Prefeitura Municipal um projeto para instalar abatedouro de suínos e bovinos no

assentamento, com agroindústria de embutidos, defumados e instalação de câmara fria.

Como a venda concentra-se no município, a inspeção que está sendo solicitada é a

municipal – SIM (Sistema de Inspeção Municipal). Atualmente existem 42 matrizes

suínas, que produzem 60 leitões (seis mil quilos) a cada 21 dias. Esta produção não é

suficiente, tornando necessária a aquisição de suínos fora do assentamento (municípios

de Estrela, Lajeado, Cruzeiro do Sul) para atender a demanda. As aquisições geralmente

são feitas para suprir o supermercado, através dos frigoríficos com os quais

comercializam os suínos vivos quando existe excedente. Embora possam vender toda a

produção no supermercado da Copac, é mantida a venda de leitões e suínos vivos no

assentamento, por questões políticas de entrosamento com a comunidade e garantia de

um mercado cativo.

A Copac também vende suínos para outros assentados que saíram da cooperativa

e hoje exploram os seus lotes individualizados. Quanto à rentabilidade, nas regiões

vizinhas a venda ocorre na média de R$1,20 o quilo. Os assentados vendem a R$ 1,80 o

quilo e não conseguem atender a demanda. Na venda do animal vivo, com peso de 100

kg ao valor de R$ 1,80 o Kg, o valor total desse animal fica em R$ 180,00;

considerando a margem de 20%, o lucro obtido por animal é de R$ 36,00. Vendendo

direto no mercado, ao preço de R$ 3,50 o quilo, é obtido R$ 100,00 de lucro por suíno

abatido, não considerando o aproveitamento dos miúdos.

Conforme avaliação da assistência técnica e de lideranças do assentamento, este

é um mercado que está em franca ascensão. Atribui-se também esta ascensão a

proximidade do centro da cidade, concentração de muitas vilas operárias e população

urbana em crescimento. Um dos problemas que está ocorrendo é o roubo de suínos,

supostamente por moradores das vilas operárias mais próximas que abatem os animais

para consumo.

7.3 Comercialização do Arroz

A cultura do arroz se iniciou ainda em 1991, com o plantio de 20 hectares em

parceria com produtores de arroz do município que possuíam o maquinário adequado

para esse tipo de exploração. Em 92 foi comprado um trator e grade com recursos do

Procera, começando a produção própria. O plantio era pelo sistema convencional,

devido ao desconhecimento de outras alternativas para a produção. Em 1993 foram

comprados mais dois tratores, colheitadeira, rolo, e todos os demais equipamentos que

eram necessários para a cultura, com recursos também do Procera. O sistema de

produção continuava sendo o convencional. A produção era comercializada no Moinho

São Jerônimo, localizado no município de mesmo nome. O arroz sempre era vendido

para terceiros e praticamente em todos os anos recebiam calotes dos compradores. A

alternativa para reduzir estes calotes foi comercializar a produção entre três ou quatro

compradores. A partir de 1995 começaram a plantar pelo sistema de pré-germinado

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iniciado através de uma unidade demonstrativa, chegando a alcançar 45 hectares com

este sistema, do total de 120 hectares plantados. A colheita era na média de 14.000

sacos de 50 quilos, dos quais ao redor de 12.000 eram comercializados.

A cultura foi expandindo-se, necessitando que fossem arrendadas terras de

produtores vizinhos ao assentamento para possibilitar essa expansão. O uso de

maquinário novo e em quantidade suficiente para atender a lavoura foi um dos

elementos que contribuiu para que sempre tivessem êxito com a produção e

produtividade da cultura do arroz.. A Copac chegou a atingir a produção de 21.000 mil

sacos de arroz em uma safra. Com a mecanização completa da lavoura, começou a

haver preocupação com a mão de obra que era substituída, criando ociosidade. Em 1999

foi construído silo para armazenamento e secagem, descascador e embalador de arroz,

visando vender no mercado próprio. Parte do arroz ainda continuou sendo vendida

externamente. Atualmente metade da produção é comercializada no mercado próprio. É

retirada semente da própria lavoura da Copac, alternando periodicamente com semente

básica.

Há dois anos não são utilizados venenos e adubos químicos na lavoura de arroz,

devendo persistir deste modo. O projeto atual e futuro é para produção de arroz

orgânico, o que já está acontecendo em 45 hectares, com produtividade de 120 sacos por

hectare. Esta é a mesma produtividade que estava sendo obtida no plantio utilizando os

químicos convencionais para a cultura. No ano de 2002, foram colhidos 5.000 sacos de

arroz orgânico. Ainda não possuem estrutura para comercialização diferenciada desse

produto, não agregando valor a esse diferencial. A proposta da Copac é fazer

certificação10

do arroz orgânico produzido. Com a estrutura existente para a cultura do

arroz na cooperativa possibilita que atualmente todas as etapas como plantio, colheita,

secagem, armazenagem, embalagem e venda do produto sejam feitos pelas famílias.

7.4 Comercialização de Hortaliças

O plantio de hortaliças foi uma das primeiras atividades desenvolvidas pelas

famílias quando chegaram no assentamento, com a finalidade de alimentação e venda

do excedente. Em 1991, foi aberta uma feira na sede do município de Charqueadas e

outra no município de São Jerônimo (a 22 km do assentamento) onde eram vendidos

basicamente os produtos da horta. Logo em seguida também melancia e aipim

começaram a serem vendidos nesse espaço. Através das feiras, foram sendo feitos

contatos com os consumidores que encomendavam os produtos diretamente para a

semana seguinte. Em muitos casos, a entrega dos produtos também era feita diretamente

nas casas dos consumidores.

Neste período muitos consumidores começaram a ir diretamente ao

assentamento para buscar os seus produtos, aproveitando para conhecer a horta e a

forma de produzir dos assentados, que era coisa nova no município. A venda na feira de

São Jerônimo foi desarticulada no ano seguinte, devido a problemas de distância e

transportes, entre outros. No final do ano de 1992 começou a entrega de produtos da

10

Certificação de orgânicos é um procedimento que fiscaliza a produção e o processamento de alimentos

segundo as normas e práticas de produção orgânica, garantindo ao consumidor a sua proveniência isenta

de contaminação química, respeitando o meio ambiente e o trabalhador, e assegurando ao produtor um

diferencial de mercado para os seus produtos.

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horta em um supermercado da cidade (supermercado Bonato). O produto principal era a

alface, passando, logo em seguida, a serem entregues cenoura, beterraba e tempero

verde. Foram construídas duas estufas com a finalidade de produzir alface que tinha

entrega programada e não poderia ser comprometida por intempéries.

Em 1993, com o crescimento e segurança das vendas no supermercado Bonato e

bons resultados na feira de Charqueadas, foram construídas mais seis estufas, com

programação da produção para o atendimento sem interrupção nos pontos conquistados.

Devido a problemas políticos, houve troca de lugar da feira de Charqueadas, o que

contribuiu para afetar as vendas no novo ponto, visto que o local anterior já era

plenamente conhecido. As feiras, embora possibilitassem o contato direto com o

consumidor e representassem boas vendas, já não estavam sendo suficientes para escoar

todo o volume da produção. Um dos problemas que acontecia constantemente é que,

exatamente no dia da comercialização, os supermercados locais promoviam ofertas de

hortaliças, mostrando-se extremamente competitivos mas retornando ao preço normal

nos dias em que não havia feira. Na realidade, os supermercados tornavam os preços das

hortaliças atrativos no dia da feira, para que o seu consumidor tradicional não tivesse

motivo de ir em outro local procurar preço melhor naquele dia, pois os seus preços

estavam semelhantes.

No 2º semestre de 1994, foi negociado com os proprietários do supermercado

Bonato a possibilidade de entregar hortaliças também para as filiais deste em outras

cidades próximas, o que levou à construção de mais 15 estufas e dois viveiros. Outros

produtos como aipim, frutas foram sendo agregados para comercialização. As vendas

foram expandidas também a supermercados menores, fruteiras do município e de outras

cidades próximas onde a Copac efetuava as entregas. Também crescia o número de

pequenos comerciantes que continuavam indo ao assentamento buscar produtos para

venda. Com a produção crescente das hortaliças, entre 1994 e 1996 foram realizadas

vendas na Ceasa em Porto Alegre, mas sem grande sucesso. Neste mesmo período

também foram feitas vendas para o supermercado Carrefour de Porto Alegre. Embora o

produto fosse de qualidade superior, na visão dos assentados, após a entrega misturava-

se com os demais, não tendo nenhum diferencial que o identificasse como um "produto

da Reforma Agrária".

Com grande volume de produção, o assentamento participava também em todas

as "feiras da Reforma Agrária" da região, procurando ampliar as suas vendas.

As dificuldades em comercializar eram grandes, com volumes de produção

vendida não compatíveis com a mão de obra dedicada a esta atividade. Começou a

haver excesso de mão de obra interna, pois era necessário reduzir a produção por não ter

onde colocar os produtos. Sempre os limites acabavam sendo o mercado. Com a

proposta de abrir um supermercado próprio dos assentados, houve um afastamento do

principal comprador de hortaliças que era o supermercado Bonato. Devido a atrasos

para a abertura do supermercado (demorou mais de seis meses da data prevista), houve

um vazio na comercialização. O supermercado Bonato não comprava, pois a Copac

estava transformando-se em concorrente na amplitude de sua atividade, inaugurando um

supermercado de médio porte na mesma cidade, e o supermercado próprio dos

assentados não iniciava os trabalhos. Este período de transição desarticulou muito a

produção, pois houve perdas de hortaliças, levando a uma diminuição no plantio. Foi

um período de desânimo das famílias em relação à horta, pois a normalidade das vendas

não acontecia. Com a abertura do supermercado próprio houve uma grande

diversificação em função das demandas internas, e um novo arranjo necessário devido a

deficiência de mão de obra que foi dirigida para a área de vendas.

[.13] Comentário: De mão de obra ou de produtos?

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Começaram também a surgir mais dificuldades para produzir, pois foi necessário

uma diversificação maior de produtos da horta. As atividades tiveram que ser

pulverizadas para cada tipo de cultura, com características diferentes e épocas de tratos

culturais não coincidentes. A permanência de venda a pequenos mercados e fruteiras

continua, embora ainda não tenha sido possível programar a produção em volumes tais

que atendam esta nova demanda. Sempre continua faltando produtos da horta para

venda no supermercado.

7.5 Comercialização de Panificados

Antes de abrir o supermercado, em 1999, foi aproveitada a cozinha do refeitório

coletivo (aprovada pela Secretária de Saúde Municipal) e instalada uma área de

panificação. Iniciou-se a fabricação de pães, cucas, biscoitos, bolachas, chimias, geléias,

conservas, picles etc, todos com rotulagens autorizadas. As pessoas participantes deste

setor fizeram cursos específicos para cada tipo de produto, observando todos os

preceitos nutritivos e de higiene recomendados para esta atividade. Estes produtos

apresentam um sabor próprio trazido pela tradição das pessoas que ali trabalham, sendo

muito procurados pelos consumidores. É um setor de grande importância, pois vários

produtos do assentamento são aproveitados e transformados, agregando um maior valor

final .

Toda a produção é absorvida pelo supermercado próprio, pelas "feiras da

Reforma Agrária", que ocorrem no estado e pelas visitas que vão constantemente no

assentamento.

7.6 Comercialização do Mel

A produção de mel iniciou com a chegada das famílias, tendo como objetivo o

consumo interno. A partir de 1993 houve ampliação, sendo, no ano seguinte, construída

a “casa da apicultura”, com os equipamentos mínimos para trabalhos no apiário e

extração do mel. Atualmente é obtida uma produção de 2.000 quilos anuais através de

100 caixas de abelhas existentes na área. A quantidade produzida é muito inferior à

demanda dos consumidores, sendo que um dos fatores restritivos é o roubo de mel que

ocorre no apiário. A constatação é de que o roubo é praticado por famílias residentes

nos bairros populares próximos ao assentamento. .

7.7 Comercialização de Peixe

A criação de peixes se iniciou há praticamente três anos pela Copac.

A área total existente é de 8,60 hectares, sendo 4 hectares com rizipiscicultura e

4,60 hectares em açudes.

Toda a produção (no último ano foi ao redor de 6.000 quilos) foi vendida na

feira do peixe localizada no largo da Prefeitura e também no mercado da cooperativa.

[.14] Comentário: Quem rouba?

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É uma das atividades promissoras para as famílias, com mercados garantidos e

com grande rentabilidade por área explorada.

7.8 Comercialização de Ovos

A avicultura existente no assentamento é voltada para a produção de ovos,

havendo dois aviários com capacidade para 1.200 poedeiras em cada um. A

produtividade é ao redor de 150 a 170 dúzias de ovos/dia. Parte da produção é utilizada

no setor de panificação e o restante é comercializada no supermercado próprio. Está

sendo estudada a construção da “Casa do Ovo”, necessária, segundo as exigências

legais, para proceder a classificação adequada desse produto.

Estes são os produtos que representam o maior volume de comercialização do

assentamento, com caminhos diferentes percorridos em relação à comercialização com

o passar do tempo.

Talvez o mais importante a considerar sejam os momentos de definições e de

correções de rumos, onde procedimentos diferentes foram tomados, que implicaram em

mudanças daquilo que parecia solidificado e geralmente encontrava resistência nas

pessoas. Pois estas mudanças foram acontecendo, sempre no sentido de melhorar e de

corrigir os erros que estavam sendo cometidos. Esta percepção da necessidade de parar,

avaliar, discutir e redirecionar são pontos importantíssimos principalmente quando se

trata de um conjunto de produtores. A assembléia geral dos associados da Copac foi e

continua sendo o espaço para todas as discussões que dizem respeito a cooperativa.

Sempre que necessário, agentes externos são convidados para assessorar e prestar

esclarecimentos que sirvam para auxiliar os associados a tomarem as suas decisões.

Mesmo com divergências de opiniões sobre determinados pontos, após definido os

procedimentos através de votação, passa a ser acatado e cumprido por todos.

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8. EXPERIÊNCIAS DE MERCADOS

Vários segmentos de mercado foram sendo incorporados ao processo de

comercialização do assentamento Trinta de Maio durante a sua existência. Alguns

destes segmentos mostraram-se mais adequados do que outros, mas todos tiveram e tem

a sua parcela de contribuição para a venda dos produtos. A amplitude destes segmentos

não pode ser ignorada, pois assim como a produção, a comercialização também deve ser

diversificada e não restrita a uma única alternativa, sob o risco de comprometimento

quando algum problema existir.

A abertura do supermercado fez com que a tarefa de comercializar ficasse mais

tranqüila, mas, mesmo assim, é uma preocupação da Copac manter determinados

clientes tradicionais que foram importantes na sua trajetória desde o início.

Abordaremos alguns destes mercados, com as respectivas implicações no processo de

comercialização.

8.1 Mercados Institucionais

A uma distância de aproximadamente cinco quilômetros do assentamento está

estabelecido o maior complexo presidiário do estado, composto por quatro presídios e

uma colônia penal. Após várias tentativas, a Copac conseguiu participar em uma

licitação para fornecimento de produtos como ovos, cenoura, beterraba e alface. A

entrega foi feita durante um ano, mas não foi possível renovação devido à burocracia e

falta de experiência em participar de concorrência desse tipo. Quando foram

apresentados os preços para esta licitação, os parâmetros não foram avaliados

adequadamente pela Copac e, de forma inexperiente, colocaram valores inteiros. A

concorrência fracionou em valores quase iguais, o que lhes deu a possibilidade de

oferecer menor preço. Existe todo um interesse, peculiaridades e estratégias neste

mercado e nesta competição, onde, às vezes, devido a centavos, fica-se fora de uma

grande licitação. Os preços para estas licitações tem como base os praticados na Ceasa,

que são de certa forma atrativos para o fornecedor.

Este é um mercado bastante seguro, mas precisa de um bom planejamento de

produção. Em assumindo compromisso de entregar determinado volume de produtos

diário ou semanal, naquele prazo tem que ser entregue, independente de dificuldades

que possam ter acontecido para produzir. Caso não tenha o produto comprometido para

a entrega, precisa ser adquirido de outros mercados nem que seja a preços superiores,

pois é preciso cumprir o contrato.

Na visão da Copac, para participar deste mercado tem que ser produtor e

intermediário, não podendo só produzir e contar com a produção própria para este tipo

de compromisso. O planejamento antecedente à licitação é de difícil dimensionamento,

pois até então não se tem noção do que vai ser licitado e, vencendo, logo tem que

começar a entregar os produtos. É um mercado importante, devendo ser melhor

estudado e avaliado formas adequadas de participação.

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8.2 CEASA

Embora o assentamento não tenha sido bem sucedido nas tentativas de vendas na

Ceasa, a avaliação feita pela Copac é a de que a Ceasa foi uma grande escola para

aprender a padronizar os produtos, pois é um mercado muito competitivo e permite que

grandes volumes da produção sejam vendidos, dada a convergência de comerciantes de

minimercados, fruteiras, restaurantes etc, que dali abastecem seus estabelecimentos. No

entanto, é um mercado que pode ser considerado como uma “máfia”, dominada por

alguns que já “enraizaram” e conhecem todas os “segredos” e trâmites dos produtos que

por ali circulam. Não existe nenhuma segurança de que os produtos levados para a

Ceasa serão comercializados. É necessário que o produtor participe sempre, que os

produtos sejam bem padronizados e que o local de venda no pavilhão não se altere,

possibilitando deste modo ficar conhecido dos comerciantes.

8.3 Feiras de Produtores

As experiências iniciais em comercialização dos produtos foi através das feiras

municipais, que tiveram um papel importante na trajetória do assentamento. O número

de feiras existentes e a periodicidade com que elas ocorriam não eram suficientes para

dar vazão a tudo o que era produzido, mas foram um dos marcos de ligação da

comunidade com as famílias assentadas. Outras formas de vendas na fase inicial do

assentamento não teriam tido tanto sucesso, pois os conhecimentos sobre padronização,

arrumação e exposição dos produtos, classificação, embalagem etc. eram muito poucos.

Nas feiras, mesmo com estas e outras deficiências, as mercadorias eram vendidas.

As feiras representaram e representam excelentes canais de comercialização,

devendo ser estimuladas e ampliadas para que cada vez mais a população possa adquirir

produtos diretamente do produtor, diminuindo a intermediação que eleva os preços dos

produtos e garantindo a transferência desse benefício ao consumidor. Devido à sua

flexibilidade, pode se localizar em qualquer lugar, sendo uma solução barata, simples,

rápida e que permite escoar grandes volumes de produção, diminuindo os custos

operacionais da comercialização. O estabelecimento de dias, horários e locais fixos

devem ser de pleno conhecimento do público, para que crie hábitos de compras

constantes na feira.

8.4 Supermercado da COPAC

Em 1996 foi discutido na Copac um projeto para fazer um posto de vendas na

sede do município, com o propósito de ter um referencial dos produtos do assentamento

na cidade e constituir-se em mais uma alternativa de vendas para a produção, com os

seguintes objetivos: divulgar os produtos da reforma agrária; resolver o problema de

excesso de mão de obra; obter regularidade na venda dos produtos e ser um ponto

concentrador para distribuição aos pequenos mercados.

A Emater/RS fez uma pesquisa de mercado para produtos da Copac em 32

estabelecimentos comerciais do município para analisar a viabilidade do

empreendimento, pois havia dúvidas entre alguns associados sobre implantar ou não a

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idéia. Logo após, foi feito uma outra pesquisa mais abrangente, solicitada pela

Secretaria Agricultura e Abastecimento do estado, envolvendo um maior número de

estabelecimentos comerciais. Decidiu-se pela compra de dois terrenos na cidade, ainda

no ano de 1996, para instalar o posto de vendas. Evoluindo a discussão, a Copac definiu

que, ao invés do posto de vendas, seria construído um supermercado, embora com

várias opiniões contrárias, inclusive da Emater/RS. O projeto foi elaborado e a

construção começou com recursos do próprio assentamento. Logo após foi refeito e

apresentado para a Comissão do Procera, que, em 1998, o aprovou e liberou recursos

para a construção do prédio. Em 1999 foi concebido um outro projeto e enviado para a

então Unidade de Articulação do Procera, visando a compra de uma kombi para

transporte de pessoal, equipamentos e capital de giro. Também foi aprovado. Parte dos

recursos para estas aquisições foram da produção da própria Copac, sendo financiado

somente o valor que faltava. Neste mesmo ano o supermercado foi inaugurado e aberto

com a presença do governador do estado e várias outras autoridades, representando uma

conquista importante para a divulgação da reforma agrária no município e região.

Devido à falta de conhecimento dos assentados sobre esta nova atividade, no início foi

contratado um gerente, uma operadora de caixa, dois açougueiros, um atendente de

padaria e um de fiambreria. Através de cursos e vivências pessoais, os assentados foram

sendo capacitados e já assumiram todas estas atividades com mão de obra própria.

É um supermercado como vários outros da região, considerado de porte médio,

sendo o terceiro em tamanho no município. Comercializa tudo que é produzido no

assentamento, com exceção do leite, e também todos os demais itens normais desse tipo

de estabelecimento. Quando foi aberto, os recursos para abastecer eram escassos, sendo

que os fornecedores tiveram que oferecer prazos compatíveis com as possibilidades de

vendas. Como a horta tinha enfrentado problemas de comercialização devido a rede de

supermercados Bonato ter deixado de comprar em represália à concorrência que os

assentados estavam criando, a produção tinha diminuído bastante. Já na segunda semana

começaram a faltar produtos da horta, sendo que até hoje ainda não foi possível

compatibilizar a produção com a demanda desses produtos que continua num crescente.

A horta produz para o supermercado 19 tipos diferentes de hortaliças,

aumentando ou diminuindo este número dependendo da época do ano. Toda a produção

do pomar como laranjas, bergamotas, limões etc, assim como batata, aipim, amendoim,

morangas, abóboras, milho verde e outros é canalizada para venda no supermercado.

Cereais como arroz, feijão, querela de milho etc, são embalados, identificados e

colocados nas gôndolas para venda. Também o mel, picles, conservas, doces, chimias e

toda a parte de panificação é identificada, o que ainda não é possível fazer com os

produtos de origem animal, devido à inspeção sanitária. Nesta relação encontram-se os

ovos, queijos, salames, lingüiças etc, aguardando normatizações adequadas.

Embora o entendimento seja de que a própria organização do MST (através da

Coceargs) protagonize e articule mecanismos que possibilitem as trocas de produtos

entre os assentamentos, desenvolvendo assim um amplo mercado potencial mesmo

entre as próprias famílias assentadas, algumas relações estão acontecendo via Copac em

função do mercado, tais como: aquisição de feijão dos assentamentos situados em

Eldorado do Sul; erva mate da Coanol (Cooperativa Agrícola Novo Sarandi Ltda), em

Sarandi; conservas, doces e sementes da marca Bionatur dos assentamentos de Hulha

Negra; salames, da Coptar (Cooperativa de Produção Agropecuária Cascata Ltda) de

Pontão; queijos, salames etc, de produtores individuais do próprio assentamento;

vinhos, conservas e mais outros dez produtos do Iterra de Veranópolis.

[.15] Comentário: excluir as notas e passar para o texto

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Hoje o supermercado atua com mais de oito mil itens, sendo que ao redor de 60

são "produtos da reforma agrária" do estado. Todos os demais itens são adquiridos de

fornecedores externos que abastecem as redes de supermercados da região. Embora

muitos produtos da reforma agrária não tenham identificação e nem estejam colocados

em locais separados, como é o caso das hortaliças, a constatação é que o consumidor

consegue identificar na gôndola quais são os produtos do assentamento, pela sua

aparência, qualidade, aspecto, frescor etc, diferenciando e preferindo esses produtos em

detrimento dos demais.

Existe uma busca e uma preferência diferenciada onde os consumidores

privilegiam o que chamam de “produtos dos colonos"11

. Os produtos coloniais no

Estado traduzem a idéia de produto puro, seguro, limpo, feito pela família do agricultor,

mantendo características próprias e inconfundíveis em relação aos produtos

industrializados. Uma das políticas da Copac é de que sempre os produtos do

assentamento sejam mais baratos que os demais. Além disso, a margem de lucro para

todos os demais itens comercializados também é menor que os estabelecimentos

similares, procurando com isto, de certa forma, beneficiar o consumidor.

Como estratégias para divulgação e aumento de vendas, uma Kombi da

cooperativa percorre as ruas e, utilizando-se de alto falantes, promovem campanhas com

os produtos dos assentamentos, onde a concorrência não tem margem para competir.

Isto atrai consumidores que acabam levando para sua casa produtos da reforma agrária

oriundos de Charqueadas e de outros municípios do estado. Trabalham no supermercado

ao redor de 23 pessoas do assentamento. Para definir quem iria atuar nesta área,

algumas foram escolhidas por vocação própria e as demais manifestaram interesse para

posterior votação e aprovação da assembléia.

Foi construído no piso superior do supermercado apartamentos onde residem

duas famílias assentadas que trabalham no mesmo. A cada duas semanas estas famílias

atuam um dia e meio no assentamento, com a preocupação, entre outras, de as crianças

não urbanizarem-se.12

Existe a preocupação também de promover a alternância das

pessoas que trabalham no supermercado. No início, as pessoas que continuavam no

assentamento produzindo achavam que aqueles que atuavam no supermercado tinham

regalias e privilégios. Da mesma forma, quem estava no mercado também tinha as suas

críticas. Após um grande trabalho da cooperativa abordando este aspecto

comportamental, hoje está mais calma esta relação. Os ganhos são por horas

trabalhadas, tanto na produção do assentamento quanto nas atividades do supermercado.

Na avaliação da assistência técnica, houve redução na produção do assentamento

com a saída das pessoas para o supermercado. Segundo a cooperativa, em quase nada se

alterou a demanda de comercialização, pois a mão de obra estava em excesso.

11

“Colonos” é como os assentados são tratados junto a comunidade urbana do município. Esta

denominação é dada no Estado do Rio Grande do Sul aos imigrantes italianos e alemães que receberam

colônias de terra no meio rural. A produção dessas famílias quando levadas à venda em feiras ou em

outros pontos de comercialização recebem a denominação de produtos coloniais. Quando referem-se a

“produtos dos colonos”, a referência é a produtos dos assentamentos, visto a inexpressiva participação

deste segmento colonial no município. Ainda não existe uma identidade cultural que associe produção dos

assentamentos a produtos da reforma agrária, o que está sendo buscado e de forma lenta tende a

consolidar-se. 12

A preocupação da cooperativa é de que as crianças vinculadas mais diretamente ao mercado acabe

perdendo aos poucos os valores da educação diferenciada construída dentro dos assentamentos e

perdendo o verdadeiro significado das lutas pelas quais seus pais passaram na construção e na busca de

uma verdadeira reforma agrária.

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Eventualmente é contratada mão de obra de um acampamento próximo para algumas

atividades sazonais, pagando-se R$ 15,00 por dia de trabalho. De qualquer modo, a

redução da mão de obra na área produtiva, passa a ser uma preocupação em termos de

expansão das vendas de produtos do assentamento no supermercado.

8.4.1 Vantagens do Supermercado Próprio

Vários pontos contribuem para que seja feita uma análise positiva em ter um

supermercado próprio para venda dos produtos do assentamento. Entre eles, destacam-

se: a mão-de-obra utilizada é toda própria não incidente de custos trabalhistas,

apresentando um custo menor de operacionalidade, podendo este valor ser repassado ao

consumidor; é um espaço exclusivo e próprio dos assentados, reforçando a imagem da

reforma agrária e valorizando os produtos de sua luta; amplia as relações com a

comunidade, sendo ponto de referência do assentamento; melhoria nas relações de

gênero dentro do assentamento, com maior aproximação principalmente entre pais e

filhos quando a mulher atua no supermercado; assentados não perderam a condição de

segurado especial da previdência social; “excelente vitrine para colocar os produtos do

assentamento”; criaram-se mais postos de trabalho e maiores alternativas para as

mulheres; possibilitou aos adolescentes terem ocupação na cidade, facilitando para

estudar durante um turno do dia; está proporcionando uma maior lucratividade para as

famílias; “no mercado sobra para pagar, reabastecer e sobra para reinvestir”;

possibilitou a compra de mais um caminhão novo, reforma do que já existia e aquisição

de mais um terreno ao lado do prédio para estacionamento e possível expansão.

8.4.2 Desvantagens do Supermercado Próprio

A idéia inicial, como já foi comentado, era construir um ponto de vendas na

cidade, o que acabou evoluindo para a abertura de um supermercado.

No aspecto da comercialização, foi uma visão acertada, pois está sendo possível

comercializar a grande maioria dos produtos da cooperativa, com todas as vantagens já

descritas. Mas, se foi resolvido o problema da comercialização, foi criado um problema

político na medida em que o processo de comercialização através do supermercado, de

certa forma contradiz grande parte do que o MST defende, tais como: a visão fica mais

econômica, saindo do foco do Movimento; o supermercado, reservadas as proporções,

passa a ser um representante das multinacionais na medida em que representa e vende

uma gama infinita de produtos incompatíveis com a filosofia do MST e sobre os quais o

Movimento faz críticas contundentes e combate com todas as forças. Importante

ressaltar sobre este ponto que o consumidor não tem um espaço alternativo específico e

exclusivo para adquirir somente produtos que não estejam vinculados a multinacionais.

Não comprando no mercado da Copac, certamente estará adquirindo em outro mercado

os produtos que necessita; está criando entre as famílias que atuam diretamente na

comercialização uma visão mais econômica, defendendo valores do capital sobre o

trabalho que o MST combate; está acontecendo um certo afastamento da luta pela

reforma agrária, sendo esta substituída pelo agregado financeiro e rentabilidade que

deve ser auferida ao final de cada jornada.

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9. ANÁLISE ATUAL DA COPAC SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO

Embora o volume de vendas no supermercado seja extremamente significativo e

diminua uma das maiores preocupações de quem produz, que é comercializar, o

entendimento é de que o caminho mais adequado não deveria ser este, pelos motivos já

referidos. É mais adequado explorar com melhor dedicação e afinco as feiras

municipais, articulando para que estas sejam estrategicamente distribuídas. Os pontos de

vendas ou pontos distribuidores, como era a idéia inicial da cooperativa parece também

ser mais adequado, com concentração exclusiva de produtos da reforma agrária. No

município de Tapes os assentados trabalham com cestas de produtos com entrega direta

aos consumidores, o que deverá ser pensado também pela Copac.

A entrega de produtos a pequenas fruteiras deve ser continuado, pois são pontos

com comercialização garantida e atingem uma faixa de consumidores menos

favorecidos que a reforma agrária defende e tem compromissos sociais com esse

público. O estabelecimento de escambo (mercados de trocas), com planejamento,

acompanhamento detalhado e com a intensidade necessária deve ser melhor trabalhado

no estado.

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10. APRENDIZADOS INCORPORADOS PELA COPAC DURANTE A

TRAJETÓRIA DA COMERCIALIZAÇAO NO ASSENTAMENTO

Uma das riquezas internalizadas na Copac é o aprendizado sobre

comercialização, que foi sendo incorporado com o passar do tempo, o que certamente

está presente em todas as decisões tomadas quanto a comercialização. Entre estes

aprendizados pode ser destacados: fazer planejamento da produção, sempre baseado na

demanda de mercado, em que pese os problemas de clima, solos, insetos etc;

diversificar o que for possível, evitando ao máximo monoculturas; primar pela

qualidade dos produtos, em todos os aspectos; manter sempre regularidade na entrega

dos produtos; observar e seguir a padronização dos produtos; investir em transição para

a produção com base agroecológica desde o início do assentamento; estar em constante

aprendizado, buscando e exigindo apoios nas entidades parceiras; ter como elementos

para o planejamento dados sobre consumo, comercialização e hábitos alimentares das

comunidades onde é comercializada a produção.

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11. PRODUTORES INDIVIDUAIS/ASSOCIADOS NÃO

PERTENCENTES A COPAC

Com o passar do tempo foram acontecendo dissidências de produtores em

relação à Copac, pelos motivos os mais diversos, conforme já foi comentado. O que

estaremos abordando é de que forma este grupo conseguiu estruturar-se para a sua

reprodução, visto as dificuldades que representa para o produtor assentado sair de uma

organização que ajudou a construir, depois de grande parte dos recursos aplicados, e

redirecionar o seu projeto no assentamento. Os assentados que saíram criaram duas

associações de produtores, que agregam os dissidentes, proporcionando algumas ações

conjuntas, mas com a produção individualizada em cada lote. Quanto à comercialização,

o caminho seguido foi praticamente o mesmo já trilhado pela Copac, com venda nas

vilas, no local da produção, na feira etc, pois eram estas as maneiras de vender que

conheciam até o momento da saída. Produtos como queijo estão sendo vendidos

também para a Copac. Alguns produtores permanecem entregando leite in natura

diretamente nas casas, utilizando para isto uma carreta agrícola onde agregam também

para a venda outros produtos do lote. As associações mantém entrega de leite também

para a Laticínios Ivoti e fabricam queijo que é vendido diretamente em fruteiras, mini-

mercados da periferia e consumidores da cidade. O queijo também é vendido para

alguns assentados que participam de feira. Está sendo feito investimentos para produção

de leite a pasto, objetivando reduzir custos. A produção é de leite tipo C, sendo de R$

0,27 a R$0,30 o preço pago por litro pela indústria, por ser em pequenas quantidades.

Tem produtores das associações que hoje investem em matrizes e inseminação, visando

especializarem-se na atividade leiteira.

Próximo à sede da prefeitura de Charqueadas, permanece um ponto de vendas

onde alguns dos produtores individuais comercializam os seus produtos. Todos os

individuais comercializam também direto com os consumidores, com os quais já

estabeleceram relações de confiança, e consomem sistematicamente produtos de um

mesmo assentado. Os produtos são basicamente os excedentes da subsistência, com

algum direcionamento para produção de aipim, embutidos, hortaliças, carne de porco

fresca, leitões, ovos, batata doce, milho verde etc. Uma das fontes de renda importante

para os produtores individuais é a criação, abate e também compra de suínos para venda

de carne fresca e embutidos, a exemplo do que acontece na Copac. Estas vendas

geralmente ocorrem a domicílio. No ano que passou, estes produtores venderam 4.000

quilos de peixe fresco, o que proporcionou boa renda.

Para melhor entendimento sobre o que ocorreu e ocorre para as famílias

consideradas dissidentes, entrevistamos um assentado que saiu oficialmente da

cooperativa em 01/09/1995, cujo conteúdo principal narramos:

“Sou natural do município de Ronda Alta, onde os meus pais já

tinham por tradição trabalhar com suínos. Quando eu e minha família

saímos da Cooperativa começamos imediatamente a fazer queijo com

o leite das vacas recebidas, que vendíamos juntamente com ovos na

cidade. Decidi fazer também o que já sabia, começando então a criar e

abater suínos, vendendo a carne e embutidos na periferia de

Charqueadas. Produtos como hortaliças, pão caseiro e os embutidos

começaram a ser produzidos e ter as vendas aumentadas. Há dois

anos comprei um “fusca” com reboque, expandindo as vendas aos

[.16] Comentário: colocar a citação no padrão: sem itálico, com recuo, etc De toda

forma, a citação está muito longa. Selecione

os trechos mais relacionados a seu argumento central e comente mais.

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municípios de São Jerônimo e General Câmara. Faz seis meses que

abri um “bolichão” aqui no meu lote, onde é mais um ponto de venda

para comercializar a minha produção. Saí da Cooperativa, mas

continuo cliente dela, gastando ao redor de mil e trezentos reais por

mês na aquisição de suínos que abato junto com os que produzo.

Também vendo queijo para a Cooperativa que comercializa no

supermercado próprio. Não fiquei com ranço com os da Cooperativa

por ter saído. Estou abatendo de cinco a seis animais por mês, cada

um na base de 100 quilos. Mais tarde pretendo instalar uma boa

pocilga, adequada para criar. Pretendo aumentar o número de vacas

para a produção de queijo, que tem muita procura. O consumidor me

ensinou que o queijo não pode ser muito grande, devendo pesar ao

redor de oitocentos gramas A mulher vende setenta a oitenta pães por

mês. O limite hoje é a mão de obra para aumentar a produção e não

dificuldades para vender. Se eu tivesse que dizer alguma coisa para

quem está iniciando e encontra dificuldades, eu diria o seguinte:

Vá na cidade e faça um levantamento com as famílias sobre o que

consomem e o que poderiam comprar de você; trabalhe na linha do

que o consumidor quer; seja honesto e tenha crédito; avalie todas as

possibilidades e reais potencialidades; procure ter bons

relacionamentos na cidade; mantenha a qualidade. Vizinhos que não

mantiveram qualidade não tiveram sucesso, principalmente com

queijo; O negócio é plantar milho e vender lingüiça”.

Todos os demais produtores que saíram da Cooperativa estruturaram as suas vendas de

maneira semelhante ao que foi relatado pelo produtor entrevistado, com características

próprias em relação ao que produzem. Alguns estão encontrando maiores dificuldades,

por questões de relacionamentos, tipos de produtos, transporte das mercadorias etc, mas

estão conseguindo encontrar os meios para a manutenção da família através do que

produzem.

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12. VISÃO E AÇÕES DA COCEARGS SOBRE

COMERCIALIZAÇÃO NOS ASSENTAMENTOS

A Coceargs (Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul),

tem a sua sede em Porto Alegre, e foi constituída no Rio Grande do Sul em 1991, tendo

como finalidade representar e organizar todos os assentados e todos os assentamentos,

buscar linhas de crédito, articular a assistência técnica, promover a qualificação técnica

e política dos assentados, organizar a produção e a agroindustrialização, orientar a

comercialização e incentivar a cooperação entre os acampados e a intercooperação entre

assentados, pequenos agricultores e trabalhadores da cidade. Para saber mais sobre a

visão e ações da Coceargs no que diz respeito a comercialização, conversamos com um

dos profissionais a ela vinculado, onde narramos o seu relato:

“Entendemos que um dos grandes problemas para que ocorra uma

maior diversificação de culturas dentro dos assentamentos está na

dificuldade de comercialização dos produtos. A exploração de

monoculturas facilita a comercialização para o assentado que

consegue fácil colocação para a sua produção. Existe uma certa

acomodação das famílias assentadas neste sentido, atribuindo que

problemas sobre comercialização devem ser resolvido pelo MST,

Coceargs e pela assistência técnica. A comercialização depende muito

mais de uma ação articulada entre as famílias, onde através de ações

grupais e coletivas conseguem localmente encontrar colocação para a

sua produção, sem que necessitem depender exclusivamente das

entidades”.

12.1 Pontos de Vendas

A nível de estado, a Coceargs está articulando duas lojas do MST em Porto

Alegre, sendo uma na avenida Farrapos, onde está a sede da Via Campesina e outra no

Mercado Público. Estes dois pontos de venda têm como objetivos maiores divulgar os

produtos da reforma agrária na capital do estado. Os assentamentos fazem um cadastro

por tipo de produto disponível, onde uma pessoa responsável pela comercialização

anota as quantidades entregues para posterior pagamento do que foi efetivamente

vendido. O nome destes dois pontos de venda é “Loja da Reforma Agrária – Produto da

Terra”. Está sendo discutido internamente no MST a adesão ou não de uma marca única

dos produtos da reforma agrária, pela dificuldade de controle de qualidade dos produtos.

A idéia é de que prevaleçam os sabores locais de cada comunidade ou assentamento,

mas garantindo a qualidade e permanência constante desses sabores.

Outro projeto que está em discussão na Coceargs é trabalhar com “Ônibus da

Reforma Agrária”. Estes ônibus serão distribuídos um por região do MST no Estado,

que atualmente são em número de dez. O ônibus sairá de um assentamento e percorrerá

os bairros e vilas próximas, comercializando produto daquele assentamento e também

de outros da região e do estado. Também distribuirá os produtos em pequenas fruteiras,

armazéns e minimercados das periferias que sejam simpatizantes a causa da reforma

agrária. O assentado entregará o produto no ônibus e receberá um valor pelo mesmo. A

partir daí será agregada uma pequena taxa para cobrir os custos, não sendo mais o

[.17] Comentário: Colocar citação no

padrão

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produtor responsável caso não seja efetuada a venda. Para esse pagamento antecipado

ao assentado será criado um fundo rotativo que permita antecipar o valor dos produtos

entregues antes de fazer a venda dos mesmos. A avaliação é de que o pagamento

antecipado é mais estimulante para o produtor, não tendo este que assumir eventuais

sobras não vendidas. O projeto é para que uma ONG internacional financie os ônibus, a

exemplo do que já existe na África.

A percepção da própria Coceargs é de que falta um gerenciamento interno mais

adequado dirigido para a área de comercialização. Um caso típico de falta desse

gerenciamento ocorreu recentemente no município de Jóia. Houve uma boa safra de

feijão e intermediários externos percorriam todos os lotes dos assentados adquirindo

este produto. Os pagamentos foram praticamente todos feitos com cheques sem fundos

ou com moeda falsa. Esses intermediários desapareceram logo depois, não sendo nunca

mais possível ao assentado ressarcir o seu dinheiro. Isto não foi um caso isolado do

município de Jóia, pois acontece com freqüência também em outras regiões do estado.

O que caracteriza uma falta de gerenciamento, é que no município de Jóia, dentro dos

assentamentos em que ocorreram estas intermediações tem uma Cooperativa Regional

dos Assentados, vinculada à Coceargs, que poderia e deveria assumir esta função de

intermediar e aproximar compradores idôneos para a aquisição da produção. Mesmo

que não tivesse interesse da Cooperativa Regional adquirir o feijão produzido, tinha que

proteger o seu associado de ações deste tipo.

12.2 Intercooperação

A intercooperação (estamos nos referindo à venda de produtos entre os

assentamentos) está acontecendo, mas de forma muito incipiente e com poucas ações

concretas. Havia um caminhão da Coanol que atuava mais com a venda de erva-mate,

percorrendo várias regiões do estado e comercializando este produto. O problema é que

não existia capital de giro, e sempre na entrega da erva mate era necessário efetuar a

cobrança. Isto dificultava muito as vendas aos próprios comércios estabelecidos dentro

dos assentamentos, pois tinham que pagar antecipado e assumir eventuais sobras do

produto. É certamente um dos pontos que deverá merecer mais atenção da Coceargs,

pela potencialidade que representa no universo de assentamentos existentes.

12.3 Trocas

Também uma prática pouco utilizada entre os assentamentos. O assentado quer

receber o dinheiro daquilo que vende, não tendo ainda uma cultura (ou talvez tenha

perdido essa cultura) que possibilite efetuar trocas de seus produtos por outros que ele

precisa. Um caso típico foi troca de milho por arroz entre o assentamento de

Charqueadas com os de Encruzilhada do Sul: Charqueadas precisa muito milho devido

criação de suínos aves, gado de leite etc, sempre tendo que adquirir externamente o que

falta. Por outro lado, Encruzilhada não produz arroz. Começou um sistema de troca por

arroz e mesmo de compra por parte de Charqueadas com o milho produzido em

Encruzilhada do Sul. Como esse milho era produzido por vários produtores, cada um

secava de um modo, com graus diferentes de umidade, com qualidade diferente nos

vários produtores e sem um mínimo de padronização. Isto começou a apresentar vários

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problemas de armazenagem e intoxicação aos animais do assentamento de Charqueadas,

que acabou desistindo dessa transação e continuou adquirindo milho de cooperativas e

de fontes oficiais, onde o produto é padronizado, não arriscando-se mais em trocar ou

adquirir dos assentados. Este é um exemplo de que faltou empenho da cooperativa ou da

própria Coceargs para sanar os problemas existentes e não fechar este canal de

comercialização importantíssimo para as duas partes.

O ideal é o Estado formular programas de apoio à reforma agrária que possibilite

o pagamento em produtos, e não em capital. Construir com os municípios uma forma de

retorno dos produtos, ficando esses a nível local. Esta maneira de retorno deveria ser

válida tanto para programas estaduais como programas federais. Certamente o nível de

inadimplência dos assentados seria bem menor.

12.4 Mercado Interinstitucional

Para a inserção dos assentados nos chamados mercados interinstitucionais é

preciso que exista um programa de valorização local, saindo da burocracia instituída. É

necessário que este programa contemple as economias municipais, com valorização do

que é produzido no município. As entidades que atuam em reforma agrária tem que

gestionar junto aos órgãos competentes para que sejam criadas políticas públicas que

facilitem aos produtores participarem deste mercado, onde o próprio Governo faz

grandes investimentos na área produtiva, mas não favorece a participação desta área nas

suas ações de compra.

A discussão ainda é muito imatura nos Conselhos Regionais e Municipais, onde

a assistência técnica poderá ser a grande articuladora e incentivadora de debates neste

sentido. As interações que ocorrem são mais de caráter paternalista, e não como uma

discussão de trabalho sistemático e orientador. As ações que acontecem são em função

da boa vontade do técnico em relação às necessidades do produtor. A Emater/RS

necessita aprofundar esta discussão, devendo buscar meios para desvencilhar-se da

burocracia de elaboração de projetos que consome grande parte do tempo dos técnicos e

construir junto aos produtores assentados e governo políticas facilitadoras para a área de

comercialização, entre outras”.

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13. AÇÕES E ORIENTAÇÕES DA EMATER/RS SOBRE

COMERCIALIZAÇÃO

Entrevistamos um profissional da Emater/R que abordou vários pontos de

interesse das famílias assentadas em relação a comercialização, os quais narramos:

“A comercialização é uma atividade muito complexa, onde é

necessário entender todos os seus mecanismos locais para não cometer

equívocos passíveis de serem evitados. Quando existe apoio municipal

nesta área, as dificuldades são menores. É perfeitamente possível no

município existir leis orgânicas municipais que estabeleçam

regramentos para a comercialização. Já existem no estado ao redor de

trinta municípios com legislação específica para esta área, o que tem

que ser expandido através de discussões nos Conselhos de

Desenvolvimento Municipal e outras instâncias que sejam

representativas dos produtores rurais. Atribui-se que este processo não

está mais avançado devido ao desconhecimento local sobre esta

possibilidade. A Emater/RS está agilizando o debate deste assunto

junto aos Conselhos Municipais, mas necessita que os produtores

familiares e assentados também engajem-se nesta proposta. È no

município que as coisa acontecem, e é ali que tem que serem

resolvidas”.

Sem que haja a participação dos interessados em melhorar as condições locais para

incremento da comercialização, poucos avanços acontecem. O estabelecimento de

mecanismos municipais que estimulem e promovam a comercialização dos produtos

locais em detrimento aos que vem de fora deverá ser construído nas instâncias locais,

para que o produtor sinta-se estimulado com a sua atividade.

A seguir relacionamos alguns dos principais pontos que na visão da Emater/RS

devem ser observados pelas; famílias assentadas no que se refere a comercialização,

principalmente quando tratar-se de hortigranjeiros:

Fazer estudos de mercado na cidade, com o objetivo de dimensionar a

demanda e conhecer a origem dos produtos; dar preferência a

mercados locais para efetuar a comercialização; escolher

adequadamente o local para venda, observando espaços para

estacionamento; quiosques e galpões a beira de estradas geralmente

são boas alternativas para vendas; ter respeito com o consumidor;

buscar apoio em pessoas especializadas ou experientes em

comercialização; estabelecer dias fixos para comercialização; observar

e respeitar horários estabelecidos; ter produtos diversificados para a

venda; primar pela qualidade e padronização dos produtos; ter

constância no mercado; ter preços competitivos; boa apresentação dos

vendedores; preços a vista do consumidor; apresentar preços

diferenciados por classificação dos produtos; ter promoções de algum

ou alguns produtos a cada venda; distribuir receitas com

aproveitamento dos produtos comercializados; explorar as cores dos

produtos para exposição; misturar hortaliças, frutas, geléias etc,

embelezando o visual; estabelecer arranjo adequado dos produtos para

a venda.

[.18] Comentário: nesta parte as citações estão muito longas. Reduza-as e

comente-as um pouco!

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14. CONCLUSÃO

O presente trabalho permitiu conhecer com maior clareza como ocorreu a

evolução do processo de comercialização da produção agropecuária no assentamento

Trinta de Maio, possibilitando também fazer um resgate histórico desde a chegada das

famílias na área. A produção nos assentamentos está umbicalmente vinculada às

potencialidades de comercialização em todo o seu contexto, pois os planejamentos de

produção deverão considerar quais as reais possibilidades de escoamento dos produtos,

sob o risco de comprometer todo o trabalho da família. Os métodos tradicionais de

comercialização existentes em relação aos produtos excedentes da propriedade

desapareceram da rotina do produtor familiar, e as trocas com vizinhos e comércio

local, venda das quitandas nos armazéns, feiras, fruteiras da localidade, troca de

produtos brutos por produtos beneficiados como no caso da farinha de milho, arroz etc,

foram deixando de fazer parte do dia a dia desse agricultor. Os mercados tradicionais

encontram-se sob o domínio de grandes empresas geralmente multinacionais

centralizadoras e dominadoras desses mercados. A produção para subsistência da

família também foi sendo deixada de lado, pois os supermercados das cooperativas

instalados em quase todas as cidades produtoras de grãos tem tudo o que a família

precisa, descontando-se os valores gastos através dos produtos entregues para

comercialização. As famílias que foram para o assentamento Trinta de Maio faziam

parte deste contexto, sendo necessário um forte trabalho para que resgatassem a tradição

de produzir em primeiro lugar para subsistência, e com o excedente desafiassem-se para

venderem sua produção.

Pode-se constatar os marcos importantes na trajetória do assentamento e como as

alternativas de comercialização foram sendo encontradas pelas famílias assentadas em

cada uma das etapas apresentadas. As relações de confiança e de desmistificação quanto

aos assentados que foram buscados no município desde o início da instalação do

assentamento representaram um dos trabalhos mais sólidos para que os demais

processos subsequentes pudessem ter o êxito alcançado. Certamente este foi o grande

mérito dessas famílias, que buscaram a comunidade para junto de si, entendendo as suas

reações iniciais e criando condições para que laços de confiança mútua fossem

estabelecidos. Existem no Estado assentamentos que já completaram mais de dez anos

de existência e ainda não conseguiram romper essas barreiras de desconfiança e de

aceitação.

O itinerário de comercialização construído com cada um dos produtos mais

expressivos possibilitou que fosse identificadas as diferentes tomadas de decisão pelas

famílias sobre as prioridades de investimentos nos diversos momentos desta trajetória.

O produto suíno demonstrou uma grande alternativa de produção que ainda não atende

as demandas solicitadas, com agregado de valor considerável quando permite a sua

transformação em subprodutos ou mesmo na venda de carne fresca. A garantia de

suínos para o atendimento de uma demanda local, que acontecia muito antes da abertura

do supermercado, demonstra uma atitude de respeito e de compromisso dos assentados

da Cooperativa com a comunidade. Mesmo que no supermercado possam obter maior

preço, este mercado já cativo precisa ser preservado, mantendo a confiabilidade

conquistada nos consumidores tradicionais. A exploração leiteira, em que pesem os

problemas ocorridos com a tuberculose mas que já está sob controle, está se tornando

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um expoente em termos genéticos e referenciais futuros para esta atividade nos demais

assentamentos do estado, com valores diferenciados recebidos frutos desta dedicação.

A dissidência de 17 famílias da Copac e a forma encontrada por elas para

continuar no assentamento desenvolvendo suas atividades, constituindo duas

associações e direcionando para uma exploração individual, demonstra que as

individualidades e a forma de pensar de cada família deve ser respeitada e, quando

existe força de vontade e espírito de luta, os obstáculos são vencidos. Da mesma forma,

ocorreram acomodações internas na Copac para continuar desenvolvendo as suas

atividades, cumprindo seus compromissos e mantendo o espírito cooperativista entre as

famílias que permanecem acreditando na sua proposta. Os vários segmentos de vendas

buscados e experimentados durante todo o período de existência do assentamento

comprovaram a necessidade de uma produção estruturada, com produtos de qualidade e

com confiabilidade que deve ser conquistada através de um trabalho sério e transparente

com a comunidade onde estão inseridos.

O grande desafio, que foi a abertura de um supermercado próprio para a

comercialização dos produtos do assentamento, está atingindo todos os objetivos nesse

sentido, pois representa um grande potencial de vendas e trouxe maior segurança quanto

à colocação dos produtos. Por outro lado, está representando uma agressão à própria

filosofia do MST e causando novos problemas que até então não existiam.

Por fim, podemos perceber com mais clareza as fragilidades existentes na

organização da comercialização dos produtos da reforma agrária, com ações incipientes

e que não respondem às reais necessidades das famílias assentadas, principalmente

daquelas que residem longe dos centros consumidores. A própria estrutura do MST é

impotente nesse sentido onde, apesar de todos os esforços ainda não conseguiu apoios

adequados para essa etapa da produção. A fantástica organização do Movimento que

ocorre durante o período dos acampamentos e mobilizações de lutas pela terra não

consegue ter os mesmos êxitos quando se trata desse assunto. A própria assistência

técnica necessita repensar a sua forma de atuação quanto à comercialização, pois ainda

continua atuando muito “da porteira para dentro da propriedade”. A organização dos

produtores assentados para a venda de seus produtos e a busca e construção desses

espaços ficou evidente nas manifestações dos assentados, que tiveram o aprendizado

errando e com poucos auxílios externos para minimizar estes erros. É premente a

necessidade de aprofundamento de estudos e pesquisas sobre a comercialização nos

assentamentos de reforma Agrária, com uma abordagem mais abrangente que

contemple o universo das famílias assentadas, e que direcionem ao estabelecimento de

políticas públicas de apoio ao assunto.

O agricultor assentado sabe produzir, mas pouco sabe de vender.

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MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. “Sem Terra”, “assentados”, “agricultores

Familiares”: considerações sobre conflitos sociais e as formas de organização dos

trabalhadores brasileiros. Art. Para o Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia,

Porto Alegre, agosto de 1999.

NAVARRO, Zander. Desenvolvimento Agrário, Movimentos Sociais e os

Assentamentos Rurais – O caso do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 1997, 87 p.

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ANEXOS

ANEXO I

COMPARATIVO DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA POR HECTARE:

PRODUTO

PRODUÇÃO PREÇO

RENDA BRUTA

LUCRO

RENDA LÍQUIDA

ANUAL MENSAL ANUAL MENSAL

Alface E 48.000 Dz. 2,59 120.000,00 10.000,00 30% 36.000,00 3.000,00

Alface A 24.000 Dz. 2,50 60.000,00 5.000,00 40% 24.000,00 2.000,00

Suíno 15.000 Kg 1,50 22.500,00 1.875,00 13% 2.925,00 244,00

Aipim 12.000 Kg 0,30 3.600,00 300,00 60% 2.160,00 180,00

Peixe AR 3.000 Kg 1,50 4.500,00 375,00 40% 1.800,00 150,00

Peixe A 1.500 Kg 1,50 2.250,00 187,50 60% 1.350,00 112,50

Leite 6.000 Lt 0,30 1.800,00 150,00 40% 720,00 60,00

Arroz 115 Sc 14,00 1.610,00 135,00 25% 402,00 33,50

Milho 50 Sc 10,00 500,00 42,00 25% 125,00 10,50

Bovino C 200 Kg 1,40 280,00 23,00 40% 112,00 9,30

Fonte: Escritório Municipal da Emater/RS Charqueadas, outubro /2001

Obs:

Alface E: produzida em estufa plástica 08 safras ao ano.

Alface A: produzida a céu aberto 04 safras por ano.

Suíno: produzido em Ciscal, 07 matrizes 01 leitegada a cada 21 dias.

Peixe AR: produzido com adubo e ração.

Peixe A: produzido somente com adubo.

Leite: produção de leite a pasto, 05 a 07 vacas por hectare de pastagem perene.

Bovino C: produção de terneiros com manejo especializado do gado de cria.

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ANEXO II

PESQUISA DE MERCADO EFETUADA PELA EMATER/RS EM 1999, NO

COMÉRCIO DO MUNICÍPIO DE CHARQUEADAS.

PRODUTO PRODUÇÃO T/ANO VAREJO t/ANO SALDO T/ANO

Arroz 1320.00 362.91 957.09

Leite 597.00 312.52 285.08

Alface 312.00 90.43 221.57

Laranja 210.00 160.39 49.61

Feijão 9.00 120.00 -111.48

Aipim 112.00 81.12 30.88

Ovos 10.50 71.60 -61.10

Tomate paulista 36.56 221.58 -184.96

Cebola 7.00 293.28 -286.28

Milho verde 1.84 78.36 -76.52

Vagem -- 67.86 -67.86

Pimentão 0.90 65.42 -65.42

Repolho -- 64.38 -64.38

Moranga 280.00 61.62 218.38

Cenoura 1.50 60,68 -59.18

Melancia 600.00 31.20 568.80

Batata doce 21.60 31.20 -9.60

Pepino -- 28.50 -28.50

Carne suína 56.20 29.38 26.82

Couve-flor -- 28.39 -28.39

Beterraba 1.78 25.69 -23.91

Couve 0.48 24.96 -24.48

Carne ovina -- 20.02 -20.02

Tomate gaúcho 12.80 16.90 -4.82

Agrião -- 16.07 -16.07

Bergamota -- 14.63 -14.63

Tempero verde 0.60 13.78 -13.18

Chuchu 0.50 11.70 -11.20

Espinafre -- 10.71 -10.71

Batata inglesa -- 510.38 -510.38

Carne de aves .96 307.84 -306.88

Banana 5.33 138.58 -133.25

Mamão -- 53.82 -53.82

Abóbora -- 9.62 -9.62

Pêssego 7.50 9.75 -2.25

Morango -- 9.30 -9.30

Brócolos -- 9.36 -9.36

Rabanete 1.80 8.74 -6.94

Couve chinesa -- 8.11 -8.11

Maracujá -- 6.76 -6.76

Carne de peixes -- 7.28 -7.28

Pêra -- 7.48 -7.48

Abacate 0.32 6.76 -6.44

Uva -- 5.50 -5.50

Limão -- 5.64 -5.64

Kiwi -- 4.81 -4.81

Berinjela -- 4.42 -4.42

Nectarina -- 2.72 -2.72

Ervilha -- 2.60 -2.60

Alho -- 2.34 -2.34

Mel 6.00 1.72 4.28

Goiaba -- 0.52 -0.52

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