ufrn- universidade federal do rio grande do norte. … · 2019. 2. 10. · resumo esta monografia...
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UFRN- UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE.
CCHLA – CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES.
DEPARTAMENTO DE ARTES
LICENCIATURA EM TEATRO
CARLOS ALBERTO DA COSTA JUNIOR
ANTÍGONA E A TRAGÉDIA DOS INSEPULTOS:
FRAGMENTOS POÉTICOS PARA ABORDAR O PERÍODO DA DITADURA
MILITAR NO BRASIL
NATAL
2018
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CARLOS ALBERTO DA COSTA JUNIOR
ANTÍGONA E A TRAGÉDIA DOS INSEPULTOS:
FRAGMENTOS POÉTICOS PARA ABORDAR O PERÍODO DA DITADURA MILITAR
NO BRASIL
Monografia apresentada à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN –
Como requisito obrigatório para obtenção do
titulo de licenciado em Teatro.
Orientadora: Profa. Msc. Laura Maria de
Figueiredo
NATAL
2018
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede
Costa Junior, Carlos Alberto da. Antígona e a tragédia dos insepultos: fragmentos poéticos para
abordar o período da ditadura militar no Brasil / Carlos Alberto da Costa Junior. - 2018.
70 f.: il.
Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curso de Teatro.
Orientadora: Profª. Ma. Laura Maria de Figueiredo.
1. Tragédia - Monografia. 2. Encenação - Monografia. 3.
Desaparecido político - Monografia. 4. Ditadura militar no Brasil - Monografia. 5. Teatro - Monografia. I. Figueiredo, Laura Maria
de. II. Título.
RN/UF/BCZM CDU 792
Elaborado por Ana Cristina Cavalcanti Tinôco - CRB-15/262
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DEDICATÓRIA
Dedico à minha mãe Rosimira por todo
apoio de sempre;
Aos meus irmãos Christofferson;
E Laisa in memorian;
Meus filhos Miguel, Gabriel e Daniel
Meu primo Thalisson;
E a toda minha família e amigos que cоm
muito carinho contribuíram para qυе еυ
chegasse a esta etapa dе minha vida.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe Maria Rosimira que sempre esteve ao meu lado e foi a
minha maior incentivadora, que batalhou por anos para proporcionar a melhor
educação para seus filhos.
In memorian agradecer a três pessoas muito especiais em minha vida e formação
enquanto pessoa meu Avô Miguel Azevedo, minha tia Roivania e minha irmã Laisa
Nayane.
Ao meu irmão Christofferson que acreditou no meu sonho e me deu forças todos os
dias mesmo a distancia.
Aos meus filhos Miguel, Gabriel e Daniel que nasceram em meio a esse meu
momento de vida acadêmica e que mesmo distantes foram minha base de alegria e
muita força para continuara minha jornada.
Fico aqui também muito grato aos meus queridos mestres Prof. Dr. Alex Beigui, Prof.
Dr. Sávio Araújo, Prof. Dr. Robson Haderchpek, Prof. Msc. Mayra Montenegro, Prof.
Msc. Ronaldo Costa, Prof. Dr. Jefferson Fernandes, Prof. Msc Makários Maia, e a
muitos outros não citados peço desculpas, mas sei da dedicação e contribuição a
ensinar e compartilhar todo o seu conhecimento. Em especial agradeço à Profª Msc
Laura Figueiredo que contribuiu para formação acadêmica e fez toda a diferença na
orientação da minha monografia.
Agradeço também a todos os amigos que fiz na academia e são para minha vida
inteira em especial Denílson David, Nathalia Christine e Adriel Eduardo, por toda
paciência nos momentos mais difíceis e por compartilhar os melhores instantes da
vida acadêmica ao meu lado. Como também à Mag Revoredo, Fatima, Mafaldo Pinto
e Luciano Luz por compartilhar toda experiência e generosidade.
Não poderia deixar de agradecer também àqueles que abriram a porta do seu
espaço para me ajudar, em especial ao pessoal da Biblioteca, limpeza e
administração do departamento.
Agradeço a Deus e a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a
realização desse sonho.
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Eu que talvez esteja mais próximo que
pareça vago no umbral da vida ou nas
lembranças da beleza, não sei se virei fim
ou me perdi em mim, mas, nessa
expressão posso ser história em
recomeço, psicografado, nunca esquecido
ou requerido.
Não se preocupe comigo, mas com a
época que devora caminhos e destinos
com tanta pressa, apagando rastros que
nos ensinam e nos permitem voltar.
Entre o conflito e a indecisão F.U.R.T.O1
(2005)
1 F.U.R.T.O (sigla para Frente Urbana de Trabalhos Organizados) é uma banda brasileira criada por Marcelo Yuka, ex-baterista da banda O Rappa.
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RESUMO
Esta monografia propõe-se fazer uma análise comparativa entre Antígona, tragédia
grega escrita por Sófocles (497- 405 a.C), e a ditadura militar brasileira (1964 -1985),
cujo principal foco será o desaparecido político representado como uma sombra, um
fantasma. Aborda também a busca incessante das famílias por uma resposta do
Estado sobre o paradeiro de seus entes que sumiram, e que tiveram os direitos
milenares negados: o ritual de sepultamento. Esta monografia reúne além dos fatos
históricos sobre a ditadura militar no Brasil, uma peça teatral produzida num contexto
universitário, e que teve a tragédia grega como base para tratar do tema em
questão, no qual se pretende criar uma analogia entre a obra dramatúrgica
atemporal, a situação política brasileira nesse período, e as consequências para as
famílias que viveram as dores dos desaparecimentos de seus entes queridos,
durante esse período da história política brasileira, e que continuam até hoje
buscando uma resposta do Estado pelos assassinatos de seus familiares.
Palavras-chave: Desaparecido político. Encenação, Ditadura militar no Brasil;
Tragédia.
https://pt.wikipedia.org/wiki/497_a.C.https://pt.wikipedia.org/wiki/405_a.C.
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ABSTRACT
This monograph proposes to make a comparative analysis between Antigone, Greek
tragedy written by Sophocles (497-405 BC), and the Brazilian military dictatorship
(1964 -1985), whose main focus will be the disappeared politician represented as a
shadow, a ghost. It also addresses the incessant search of the families for a re-
sponse of the State on the whereabouts of their departed entities, which have had the
millennial rights denied: the ritual of burial. This monograph brings together, besides
the historical facts about the military dictatorship in Brazil, a play produced in a uni-
versity context, and that had the Greek tragedy as a basis to deal with the subject in
question, in which it is intended to create an analogy between the play of the time-
less, the Brazilian political situation in that period, and the consequences for families
who have suffered the pains of the disappearances of their loved ones during this
period of Brazilian political history, and who continue to seek a response from the
State for the murders of their relatives.
Keywords: Disappeared politician. Staging, Military Dictatorship in Brazil; Tragedy.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
1 CAPÍTULO 1: DITADURA MILITAR E ANTÍGONA ............................................ 15
1.1 A DITADURA E SEU CONTEXTO .................................................................... 15
1.2 OS ANOS DE CHUMBO E OS DESAPARECIDOS POLÍTICOS ..................... 20
1.3 O MITO DE ANTÍGONA, O CONFLITO E CREONTE ..................................... 22
1.3.1 O mito ........................................................................................................... 22
1.3.2 O conflito e Creonte .................................................................................... 24
CAPÍTULO 2: A INTERTEXTUALIDADE .............................................................. 26
2.1 A CONSTRUÇÃO DA DRAMATURGIA ............................................................ 26
CAPÍTULO 3: A ENCENAÇÃO E OS PROCEDIMENTOS ÉPICOS .................... 35
3.1 O DESENVOLVIMENTO DAS CENAS: ELEMENTOS ÉPICOS. .................... 35
3.1.1 A escolha do teatro épico. .......................................................................... 35
3.1.2 Efeito de distanciamento. ........................................................................... 36
3.2 RECUSOS ÉPICOS PARA ENCENAÇÃO: TEATRO DE BONECOS, FIGURINO,
MÚSICA E CENOGRAFIA ..................................................................................... 37
3.2.1 Teatro bonecos ............................................................................................ 37
3.2.2 Figurinos ...................................................................................................... 38
3.2.3 Música .......................................................................................................... 39
3.2.4 Cenografia: luz; espaço; cenário. .............................................................. 40
3.3 METODOLOGIAS DE ENSAIO ........................................................................ 41
3.3.1 Leituras de mesa ......................................................................................... 41
3.3.2 Ensaios: dinâmicas e resultados ............................................................... 43
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4: CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 45
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 47
ANEXO – A ............................................................................................................ 48
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INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso é estruturado a partir de dois pontos fundantes: De um
lado trazer a pesquisa teórica que reúne dados históricos do período da Ditadura Militar
Brasileira que durou 21 anos (1964 - 1985), após um golpe de Estado, causando repressões
violentas em amplos setores da sociedade brasileira. Busquei então articular essas
informações de forma a identificar elementos nos fatos históricos em busca das semelhanças
entre a tragédia de Antígona e a realidade no período do regime militar brasileiro. Num outro
ponto fazer a descrição do trabalho Desaparecidos no Porão, produzido na disciplina de
Encenação II2 do curso de teatro da UFRN, projeto que serviu de base para a escolha do tema
da monografia.
Busco realizar por meio da obra de GASPARI (2014) uma breve análise de dados e fatos
históricos do período da guerra fria e todo o seu contexto até os momentos marcantes dos
anos de chumbo no Brasil, como também sobre a peça de Antígona, contextualizando o leitor
sobre o tema cerne desse trabalho. O intuito é apresentar fatos que os registros encontrados
nas pesquisas para falar sobre o desaparecido politico no regime militar no Brasil; e da busca
incessante de suas famílias sobre os seus corpos insepultos e ocultados pelo Estado. Enquanto
na obra de Antígona ela busca o direito de poder enterrar o seu irmão e paga um alto preço por
descumprimento da ordem, as mães e familiares dos entes desaparecidos na ditadura militar
pagam um alto preço por irem contra o Estado.
A peça Desaparecidos no Porão se desenvolve a partir de um estudo concomitante com os
registros da Ditadura Militar no Brasil e a dramaturgia de Antígona e já no prologo do
espetáculo procuramos situar o espectador no universo ao qual queríamos retratar sobre os
desaparecidos. Tal prólogo constitui um comentário ou uma introdução na encenação do tema
ao qual estávamos abordando e que contará a saga das famílias pela procura de seus entes
desaparecidos, e o direito do sepultamento negado. Procuramos identificar o conflito que
gerou a ação da protagonista da obra de Sófocles semelhante ao das mães no regime militar
brasileiro, de maneira a permitir que o público pudesse acompanhar no inicio da encenação o
desenrolar dos acontecimentos, como também lhes causassem uma estranheza e ao mesmo
tempo em que pudessem trazer a uma reflexão entre o imaginário e o real, pelo universo ao
2 Disciplina ART0212 ministrada pelo Prof. Msc. Laura Figueiredo no curso de licenciatura em Teatro - UFRN
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qual eles estavam adentrando.
A tragédia é gênero que especialmente demonstra a trajetória das linguagens estéticas teatrais
através do tempo. Gênero que continua sendo uma fonte inesgotável de pesquisa e que é pauta
de grandes polêmicas em teoria, prática e crítica, por sua infinidade de possibilidades de
atualização com o período atual. A partir disto inúmeros ensaios, teses, adaptações, re-
escrituras e montagens de textos trágicos originais foram desenvolvidos, e ainda continuam
através das múltiplas possibilidades de criação pelas obras clássicas, para abordar
acontecimentos da história mundial e mais especificamente na época contemporânea. E esse
retorno aos textos clássicos me fez levar a um questionamento, que, acredito que todos os
pesquisadores devem se perguntar, sobre o sentido atual de cada texto montado através das
obras clássicas. São incontáveis encenadores e dramaturgos, além dos pesquisadores e
acadêmicos que se dedicam a encenar, adaptar, recriar novas versões de um texto clássico na
atualidade. Para o próprio Brecht (2005), a grande transformação de sua proposta estaria antes
na encenação, em experimentar uma nova forma de representação em uma peça antiga.
Ao procurar descrever sobre um tema histórico e bastante complexo, busquei ir por um viés
do Teatro que não tivesse como cerne a realidade, buscando causar uma estranheza no
espectador, mesclando cenas nos moldes do espaço cênico do palco italiano que sustenta a
ideia de uma quarta parede3, mas intensifiquei a ideia de causar uma reflexão sobre fatos
importantes que são pouco discutidos em nosso país. Aprofundei a pesquisa no Teatro Épico
proposto por Brecht e seu rompimento com a forma dramática. É curioso notar que neste
momento de explosão no cenário politico brasileiro, onde pessoas continuam a serem
assassinadas pelos órgãos de segurança do Estado, nos remetem a um passado não muito
distante4, e que precisa ser discutido e levado aos palcos, para que grande parte da população
e principalmente aquelas aos quais não tenha acesso aos teatros das grandes metrópoles,
possam ter acesso a esse tema de um momento marcante na história de nosso país, onde
poderemos também invocar a presença da obra atemporal de Antígona. Esse tema que aqui
será discutido e apresentado não mais sob os pressupostos aristotélicos da tragédia, nem sob
as regras do realismo ou do drama burguês, mas antes como um instrumento de reflexão e
como fonte de criatividade e de novas experiências cênicas.
3 A quarta parede é uma parede imaginária situada na frente do palco do teatro, através da qual a plateia assiste passiva à ação do mundo encenado. 4 Fazendo referência a Ditadura Militar brasileira.
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A encenação Desaparecidos no Porão na qual busquei descrever todo o seu desenvolvimento
e processo de criação no terceiro capitulo, teve como ideia central trabalhar sobre a vida das
famílias dos desaparecidos no período do Regime Militar, apontando o passado que não se
deve ser esquecido por todos os registros e respostas que ainda continuam ocultos, pela me-
mória em nome de todos aqueles que desapareceram, e sobre o esquecimento que toma conta
de nossa sociedade que pouco se interessa em buscar informações e conhecer sobre um passa-
do não tão distante que continua a nos assombrar. A dramaturgia foi elaborada a partir dos
registros, depoimentos, filmes, livros e músicas que fizeram parte desse marco histórico em
nosso país, onde filhos e filhas de ex-militantes, presos e desaparecidos políticos também
eram tratados como subversivos. A proposta central era pensar sobre o desaparecimento dos
corpos e as lembranças desses filhos, filhas e seus familiares, que lhes tiveram todos os direi-
tos negados pelo Estado tirano, além de todo o sofrimento e sangues derramados.
Dessa forma este trabalho se articula por meio de dados sobre o período do regime militar
brasileiro que pendurou por 21 anos, e conhecimentos teóricos sobre peça de Antígona; e por
outro lado descrever o processo de criação da dramaturgia e da encenação da peça
Desaparecidos no porão, onde busquei conferir coerência sobre o contexto histórico
pesquisado para a criação da monografia e encenação.
Tais articulações reúnem um breve estudo teórico comparativo entre a peça de Antígona e a
Ditadura Militar Brasileira, incluindo a análise no contexto da estética teatral épica utilizada
como base para criar a encenação e me apoio em ROSENFELD (1994) e GASPARI (2014).
Buscar semelhanças entre uma obra clássica e o período histórico, como também instalar no
espaço/tempo do espetáculo a possibilidade de integração entre os elementos principais da
pesquisa. Apresentar em uma mesma proposta cênica, uma obra clássica e um período da
história brasileira, mas que tem suas semelhanças apesar da discrepância de tempo.
Demonstrar através de um estudo teórico e prático o conflito central que move a personagem
de Antígona e que se torna atemporal por sua capacidade de ser atualizado, pelo fato de não
estar atrelado especificamente a seu contexto de escritura, criando desta maneira uma analogia
com contextos históricos atuais, como é descrito na encenação e nesta monografia.
O primeiro capítulo desta monografia traz fatos históricos sobre o período da guerra fria e a
forte influencia das ideologias politicas polarizadas entre EUA e URSS e que tiveram poder
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sobre o mundo inteiro, e foram determinantes para a tomada do poder pelos militares, dando
inicio à tirania do regime militar no Brasil. Procuro focar no tema dos desaparecidos pelas
perseguições do Estado repressivo, como também fazer uma breve análise sobre o mito de
Antígona. No segundo capitulo serão discutidas as semelhanças entre a obra de Sófocles e a
ditadura militar no Brasil. Apresento o conflito central da peça de Antígona e identifico nas
famílias brasileiras que buscavam o direito de reaver os corpos de seus entes queridos, para
prestar as honrarias fúnebres. No terceiro capitulo são descritos e discutidos os
procedimentos metodológicos que conduziram ao desenvolvimento no processo de encenação
e construção do texto Desaparecidos no porão, os procedimentos épicos, as leituras de mesa e
os ensaios.
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1 CAPÍTULO: DITADURA MILITAR E ANTÍGONA
1.1 A DITADURA MILITAR NO BRASIL E SEU CONTEXTO DE IMPLANTAÇÃO.
O fim da segunda guerra mundial (1939-1945) ficou marcado pelo conflito político-
ideológico que mudaria drasticamente a história da humanidade: a guerra fria, que dividiu o
mundo em dois blocos geopolíticos, os Estados Unidos (EUA) que defendiam o Capitalismo,
e a União Soviética (URSS) que defendia o Socialismo. Essa disputa pela hegemonia de um
ou outro modelo de sociedade, ficou conhecida pelo termo 'guerra fria' porque não houve
qualquer combate físico direto nos territórios desses países, embora as duas potências se
armaram e atuaram em diversos contextos para defender e fazer prevalecer seus regimes
político-econômicos, provocando um período apreensivo em todo o mundo, devido ao grande
arsenal de armas nucleares que ambos os países possuíam, e que poderiam iniciar um novo
conflito mundial que no limite provocaria a aniquilação da humanidade e do planeta Terra.
Foi travada uma batalha ideológica, política e econômica durante todo esse período, onde
prevaleceu o entendimento dos EUA de que qualquer país que implantasse um governo
socialista era visto como uma ameaça aos seus interesses. Por outro lado, se em tais países os
movimentos políticos de cunho popular combatessem um governo alinhado aos interesses dos
EUA, estes receberiam o apoio da União Soviética.
A partir disto a geopolítica mundial se dividiu em dois blocos e tal polaridade se concretizou
entre os países que se alinharam à ideologia política estadunidense e os subordinados
militarmente, politicamente e economicamente à URSS. Enquanto o primeiro defendia e
argumentava que o Capitalismo representava a democracia e a liberdade, o segundo
enfatizava a perspectiva da construção de um Estado socialista promotor da igualdade
econômica entre toda a sua população, por meio da extinção do domínio de uma classe social
sobre a outra, ou seja, o fim do regime democrático dominado pela burguesia tal como vinha
sendo exercida a política na Europa e demais países e economias periféricas desde a
Revolução Francesa no século XVIII.
O mundo se dividia nesses blocos geopolíticos no período pós segunda guerra mundial, o que
acabou por gerar divisões internas em outros países, guerras civis, e causar impactos
devastadores que ficaram marcados na história da humanidade. Com o medo da expansão
comunista várias intervenções foram impostas em muitos países como o combate ao
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crescimento do que Chomsky e Herman apontaram como podridão, segundo a ideologia anti-
comunista.
A “podridão” não pode significar senão “a ameaça ideológica” comunista; isto é, a
possibilidade de um progresso econômico e social fora do quadro controlado pela
América e dos interesses imperiais; possibilitando que deve ser combatida pela
intervenção americana contra as sublevações comunistas locais, quer se trate ou não
de um ataque armado. (Chomsky e Herman, 1976, p.65)
Fato que ocorreu no Vietnã país situado na Ásia onde os americanos não mediram esforços
para pacificar uma nação estrangeira pobre e que para muito comparado a o poderio de fogo
norte americano parecia ser indefesa, mas que recusou obstinadamente a ceder ou colaborar.
O País então se dividiu entre os nortes-vietnamitas ou Vietcong e os sul-vietnamitas apoiados
pelos Americanos travando uma longa batalha por muitos anos (1959-1975) com várias
mortes de guerrilheiros e principalmente de civis: “Os americanos destruíram todas as casas
com artilharia, bombardeamentos aéreos ou incendiando-as com seus isqueiros, cerca de
centenas de pessoas foi morta pelos bombardeamentos” (Chomsky e Herman, 1976, p.73).
Podemos também encontrar em um testemunho de um ancião que resumia todos os relatos
dos ataques americanos: “Os americanos mataram alguns Vietcong, mas apenas um pequeno
número. Os civis, esses, morreram em grande número!” (Chomsky e Herman, 1976, p.74).
Essa guerra então entra para história como um momento amargo americano que ficou
conhecida mundialmente pela derrota dos EUA por uma nação de terceiro mundo, que viu um
número gigantesco de seus combatentes serem mortos pelos Vietcongs a alternativa
encontrada foi recuar.
A guerra fria quase esquenta tornando-se um conflito direto entre EUA e URSS, quando os
soviéticos decidiram instalar uma base de mísseis em Cuba próxima do território norte
americano. Uma ameaça iminente da utilização de armas atômicas foi anunciada pelo governo
dos EUA, caso se implantasse essa base militar soviética tão próxima, e mesmo com o recuo
da URSS, o Estado Americano temendo que o regime socialista se espalhasse pela América
iniciou uma política de repressão duríssima patrocinando golpes militares e ditaduras em todo
o continente da América Central e do Sul contra os movimentos políticos e sociais de
inspiração popular e socialista. Muita gente foi silenciada à força com a implantação do
regime militar, inclusive no Brasil em 1964, um longo período da ditadura que teve o apoio,
financeiro, estratégico e militar dos EUA. Se inicia então um dos períodos mais longos, duros
e sombrios da história Brasileira.
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Para Dom Paulo (1995) o embrião do golpe de estado de 1964 começava a tomar corpo
muitos anos antes, pois os norte-americanos já tinham cravado em solo brasileiro os seus
interesses de difíceis remoções:
O intervalo 1946-1964 representa uma etapa de desenvolvimento econômico e
mudanças sociais que gerariam a necessidade de modificações profundas no edifício
social brasileiro, fosse num sentido nacionalista e democrático, fosse no sentido do
autoritarismo militar […]. (ARNS, Paulo, 1995, p. 56)
No começo de 1961 o presidente então eleito Jânio Quadros um fenômeno populista, impôs
suas ideologias, renegociando as dívidas externas do país, desvalorizando a moeda, e cortando
subsídios, conseguiu um avanço crescente em seu governo nos primeiros 7 meses de mandato
até a sua renúncia, leva o país a uma grande crise política que já vinha sendo instaurada a
muito tempo, quando então assume o poder o vice presidente de chapa João Goulart (Jango)
com ideais totalmente opostos aos de Jânio iniciou sua vida política como deputado tendo o
apoio do então presidente e conterrâneo Getúlio Vargas (1882-1954) que cometerá suicídio
antes mesmo de terminar seu mandato em 24 de agosto de 1954. O que segundo muitos
pensavam era sobre uma possível tendência de João Goulart ao socialismo, principalmente
por apoiar a lutas populares, sendo o principal herdeiro do nacionalismo getulista da década
de 50 acabou apontado pela alta hierarquia das forças armadas como radical. Os
parlamentares destituíram o poder do presidente tomando para eles o controle do Estado
Brasileiro evitando assim uma guerra civil que está premeditada pela resistência que defendia
a posse de Jango contra os que não o queriam no poder. Quando enfim pode assumir a
presidência em um comício na central do Brasil no dia 13 de março de 1964 prometeu estar ao
lado do povo lutando pela reforma de base desenvolvendo e diminuindo as desigualdades
socioeconômicas, em uma de suas falas expôs exatamente o que se passava no país:
A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que
vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se
abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos.5
Seu discurso agradou a maior parte da população e ao mesmo tempo desagradou a minoria
que era composta por empresários que via uma ameaça na reforma de base proposta, a igreja
5 O discurso de Goulart está em Alberto Dine (org.), os idos de março e a queda em abril, pp. 396-400
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que temia a ideologia comunista e principalmente militares que estavam retornando da
segunda guerra imbuídos de uma ideia de democracia pelo projeto dos norte-americanos. Ele
buscou resolver os problemas da crise gerada pela renúncia de Quadros, mas precisava do
apoio do congresso, o que era bastante complexo pela conjuntura de ruptura instalada por tal
crise a qual o país vinha passando, pensou então em colocar o país em estado de sítio6
instrumento utilizado pelo chefe de estado que suspende temporariamente os direitos e
garantias dos cidadãos e os poderes legislativo e judiciário ficam submetidos ao executivo,
buscando manter a defesa da ordem pública, o que viria realmente a se concretizar em 1968
no governo militar do então presidente Artur da Costa e Silva com o Ato Institucional N° 5
(AI-5).
Assim como em outros continentes o país começou a se dividir de uma forma em que se
estava perdendo totalmente o controle, o presidente Jango tinha o apoio político do
Governador Leonel Brizola do Rio Grande do Sul e de algumas forças militares que lhe eram
fiéis, em contrapartida alguns generais se organizavam para intervir contra o presidente da
república caso fosse necessário, principalmente depois de um episódio que ficou conhecido
como “revolta dos marinheiros” um movimento de cunho socialista que contou com a
presença de Dois mil marinheiros e fuzileiros navais liderados por José Anselmo dos Santos,
o “cabo” Anselmo buscando melhorias, reformulação dos regulamentos disciplinares e
reivindicavam o reconhecimento de sua associação. Foram duramente reprimidos pelo envio
de fuzileiros pela ordem do ministro da marinha e apoiado por João Goulart que anistiou os
participantes, causando a ira por parte dos oficiais que acusavam o presidente de incentivar a
indisciplina e quebra de hierarquia nas forças armadas, e isso foi o estopim para aqueles que
eram contra as ideologias do presidente, e que contavam com o apoio do embaixador norte-
americano Lincoln Gordon representante direto dos EUA.
Uma semana depois do comício da central feito por Jango foi autorizado pelo então presidente
do EUA Lyndon Johnson a formação de uma força naval para que se caso fosse necessário
intervir na crise brasileira, “Gordon pedira a Washington uma demonstração de força naval,
para “mostrar a bandeira”, indicando em que direção tremulava.” (GASPARI, 2014, p. 63).
Arquitetaram então um plano organizado de influenciar políticos e principalmente de colocar
milhares de soldados norte-americanos na costa brasileira, antevendo a possibilidade de uma
6 Elio Gaspari, A ditadura Envergonhada, p. 50.
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possível divisão territorial, ajudaria um dos lados de forma discreta em questão de logística
com combustível, alimentos, armas e munições, como já vinha sendo feito em países dos
continentes Europeus e Asiáticos, e se houvessem provas claras de uma intervenção soviética
ou cubana, os EUA entrariam com forças ostensivas. O que não foi preciso porque Jango
deixou o cargo sem resistência para evitar uma possível guerra civil sem saber o que estava
por vir a seguir.
No dia 31 de março de 1964 iniciou então um dos retrocessos contra a democracia, que era
defendida a punhos de ferro e sobre o apoio dos EUA que discursavam uma ideia de mundo
livre. Já se percebia que o golpe era iminente e que um dia antes foi enviado pelo consulado
americano em São Paulo um telegrama que informava a casa branca a situação: “Duas fontes
ativas do movimento contra Goulart dizem que o golpe contra o governo do Brasil deverá vir
nas próximas 48 horas”7 (GASPARI, 2014, p.66). O batalhão do exército da 4° região militar
que fica situada em Minas Gerais comandando por Mourão seguiu em direção a Petrópolis,
iniciou ali o primeiro indício de que a direita preparava o golpe contra o presidente da
república que até então contava com o apoio do General e amigo pessoal Amaury Kruel que
estava à frente de um dos maiores exércitos em números de contingentes do país, mas que
para surpresa de Jango fez algumas exigências que se atendidas garantiam a ele permanência
no cargo de presidente. Mas não foi o que aconteceu, Goulart entendeu a situação como
humilhante e preferiu continuar com suas convicções, percebendo que a direita tinha se
organizado de tal forma o deixando encurralado, e a única alternativa naquele momento era
ceder, para evitar um conflito sangrento que estava anunciado, sendo declarada vaga a
presidência da república.
No dia 1 de abril foi dado o golpe pelos militares e do dia 11 do mesmo mês foi eleito pelo
Congresso Nacional o novo presidente da república general Humberto de Alencar Castello
Branco, prometendo entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao sucessor legitimamente eleito
pelo voto popular em eleições livres. Em 1967 entregou o país a um sucessor eleito por 295
pessoas, um período que durou 21 anos (1964-1985). Período que marcou drasticamente a
história brasileira, que começou com mudanças constitucionais, suspendendo garantias,
cassando mandatos e prendendo muitas pessoas entre eles, intelectuais, políticos e jornalistas
expoentes da esquerda brasileira. Pela força acabam com as eleições para governadores, o
7 Telegrama do consulado-geral dos estados unidos em São Paulo ao Departamento de Estado, de 30 de março de 1964, transmitido às dezesseis horas e mandado à Casa Branca às 20h17, hora de Washington. BLBJ.
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representante do estado passa a ter amplos poderes e grande maioria no congresso. Mas o pior
estaria por vir com a implantação do ato institucional N° 5 (1968) que fechou o Congresso
Nacional, pode intervir nos municípios e estados, acabou com os direitos políticos, censurou a
classe artística e jornalística, implantou o toque de recolher proibindo reuniões sem a
permissão dos militares, suspendeu o habeas corpus, suspendeu direitos de voto político, e
destituiu de qualquer cargo público pessoas que no seu entendimento fossem subversivos ou
não apoiassem ao regime, resumindo foi o golpe dentro do próprio golpe.
1.2 OS ANOS DE CHUMBO E OS DESAPARECIDOS POLÍTICOS
O regime é escancarado mostrando a verdadeira face da ditadura militar instaurada no ano de
1964, como aponta Dom Paulo (1995):
O emprego sistemático da tortura foi peça essencial da engrenagem repressiva posta
em movimento pelo Regime Militar que se implantou em 1964. Foi, também, parte
integrante, vital, dos procedimentos pretensamente jurídicos de formação da culpa
dos acusados. (ARNS, Paulo, 1995, p. 203)
Alguns autores, como Gaspari (2014) e Dom Paulo (1995) descrevem esse momento da
história brasileira como o mais duro e sangrento para os perseguidos políticos e suas famílias,
foi um momento onde a tortura física e psicológica assombrava os cidadãos nos porões das
ditaduras, momento onde pessoas desapareceram ou simplesmente nunca existiram. Gaspari
(2014) chama atenção para um triste momento da história em 1969 quando oficiais das forças
armadas brasileira se reúnem para uma sessão onde aprenderiam as técnicas de torturas:
“Agora vamos dar a vocês uma demonstração do que se faz clandestinamente no país”.
(GASPARI, 2014, p.363). O Exército brasileiro tinha aprendido a torturar. No entanto Dom
Paulo (1995) aponta em seu livro através de depoimentos dos sobreviventes do regime a
forma como os militares conseguiam na maioria dos casos forjar e induzir as vítimas a
assinarem depoimentos e confissões falsas para resguardar a sua vida e de seus familiares.
Nos DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – centro de operações de defesa
interna) nasce uma nova escola criada pela força militar tornando a tortura uma matéria de
ensino com práticas rotineiras de repressão políticas com a certeza entre os militares de um
método eficaz de conseguir informações, dentro dos porões se fazia valer a lei dos generais
onde não se existiam direitos constitucionais para aqueles que fossem considerados ir contra o
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32
estado (subversivos). Vários métodos foram utilizados entre eles os choques elétricos em
todas as partes do corpo (bico dos seios, genitálias, boca, etc...) que muitas vezes ficavam nu
sobre uma cadeira com acento e apoio dos braços metálicos, como aponta o depoimento de
um preso político ao que foi submetido:
[…] com a aplicação destas descargas elétricas, meu corpo se contraia
violentamente. Por inúmeras vezes a cadeira caiu no chão e eu bati com a cabeça na
parede. As contrações provocavam um constante e forte atrito com a cadeira, causa
dos hematomas e das feridas constatadas em meu corpo pelo laudo médico. (ARNS,
Paulo, 1995, p.42)
Infelizmente a morte chegariam para alguns sob torturas, mas que no relatório do estado essas
pessoas teriam falecido em tiroteio com agentes do governo, teriam cometido suicídio dentro
dos porões ou nunca estiveram sobe a custódia do estado, simplesmente “desapareciam”. O
que se coloca em oposição a aplicação dos dispositivos legais estabelecidos em defesa da
liberdade, da integridade física, da dignidade e da própria vida humana. O que leva para
família do desaparecido uma das piores e mais cruéis formas de torturas, o sofrimento pela
incerteza sobre o destino do ente querido. Muitas pessoas passaram a ter suas casas invadidas
e na frente de toda sua família terem seus direitos negados, por uma detenção arbitraria ou
sequestro muitas vezes depois de serem espancados eram levados encapuzados para não saber
o local de destino ao qual seria preso e torturado, e quando lá chegavam eram submetidos a
todos os tipos de torturas. Alguns desaparecidos foram vistos em dependências oficias ou
clandestinas por outros presos que tiveram melhor sorte, que relataram seus testemunhos:
[…] que Edgard de Aquino Duarte está preso lá no DOPS, porque “a gente viu ele lá
durante o banho de sol”; que Edgard de Aquino Duarte é pessoa desconhecida e
estranha para o interrogatório e não lhe mostrou nenhum documento de identidade
(mas) que, entretanto, acredita que seja a pessoa; […] (ARNS, Paulo, 1995, p.264)
Dado como desaparecido na época o ex-fuzileiro naval que participou ativamente nas
mobilizações da associação dos marinheiros e fuzileiros navais antes de 19648 se sabe hoje
que as autoridades policiais determinaram o sepultamento de muitos presos políticos nos
cemitérios clandestinos, negando o direito da família sobre o corpo para o possível ritual do
sepultamento, sendo a vida de muitos arrebatados pela repressão política do regime militar.
8 Ver página 18.
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33
1.3 O MITO DE ANTÍGONA, O CONFLITO E CREONTE.
1.3.1 O mito
Antígona pertencia a uma linhagem real em que sua arvore genealógica perpassa uma
maldição familiar. Tudo começou com Laio filho de Lábdaco, o rei de tebas, que se apaixona
pelo filho do rei Pélops, e o sequestra, o caso termina com o suicídio do jovem príncipe
Crisipo. Laio então torna-se o rei de Tebas e casa com Jocasta. A deusa Hera protetora dos
amores naturais, amaldiçoou Laio e todos os seus descendentes como vingança da morte de
Crisipo. Enviou para a porta de Tebas uma esfinge, monstro com cabeça de mulher, patas de
leão, corpo de cachorro e calda de dragão que ao encontrar viajantes nas portas de Tebas
propunha a resolução de um enigma, que dificilmente seria decifrado e como punição era
devorado os que não conseguiam, o que causava muitos tormentos a todo povo de Tebas.
Laio pretendia seguir sua linhagem e para isso consultou o oráculo, temendo a maldição
lançada por Hera pela sua culpa na morte de Crisipo. Em sua consulta o oráculo foi fatídico
que “se da relação de Laio e Jocasta um filho vier a nascer, ele matará o pai e se casará com a
mãe”. Nasceu então seu primeiro filho Édipo que apresentava uma pequena deformidade em
um dos pés, tal qual o significado do seu nome em grego arcaico, Pé inchado. Pela
deformidade da criança ao qual representava na cultura grega como algo negativo foi
ordenado a um pastor a criança para que fosse sacrificada, para que não fosse cumprida a
profecia premeditada pelo oráculo. Tomado pela compaixão e inocência da criança o pastor
descumpre a ordem e ao invés do sacrifício o entrega a outro pastor para criá-lo, fazendo com
que Édipo tivesse o direito à vida e crescesse longe de sua família original. Um dia em
consulta ao oráculo e revelado que ele está predestinado a matar seu pai e casar com sua mãe.
Tentando evitar esse infortúnio Édipo abandona sua família adotiva, acreditando serem seus
pais verdadeiros.
Em meio a toda confusão que lhe foi revelado e sua fuga acaba cruzando com a caravana de
Laio que ordena que ele saia do caminho, mas ele se recusa o que brevemente gera uma
confronto e Édipo mata seu pai verdadeiro através de golpes de espadas. Édipo segue então
seu caminho e chega as portas de Tebas e é interpelado pela Esfinge, mas ele consegue
decifrar o enigma e consequentemente a destrói, e teve como prêmio desposar com honras
rainha de Tebas que estava viúva após morte de Laio. Édipo então casa com Jocasta (sua mãe)
com quem teve quatro filhos: Antígona, Ismene, Eteócles e Polinices e cumpre a profecia.
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34
Venerado pelo povo de Tebas viveu muito tempo com prosperidade, até o momento de uma
peste que assolou seu território e em uma consulta ao oráculo descobriu que aquela desgraça
só iria se dissipar caso o assassino do rei Laio fosse encontrado. Édipo foi até as últimas
consequências para descobrir a resposta que estava nele mesmo como o assassino de seu pai.
Desesperado, procura por Jocasta e a encontra enforcada pois tinha tido acesso a mesma
revelação, diante disto ele perfura os próprios olhos.
Após presenciarem toda desgraça que se abateu sobre Édipo e sua família, Antígona foi a
única dos quatro filhos a acompanhar seu pai cego, até o seu destino final em Colona onde
encontraria neste lugar a morte com dignidade de um soberano. Tebas então passou a ser
reinado por Creonte irmão de Jocasta o que foi estabelecido pelo próprio Édipo que se sentiu
traídos pelos filhos Polinices e Eteócles que o abandonaram pelo desejo do poder pensando
em alternarem com Creonte no governo de Tebas. Édipo então amaldiçoou ambos os filhos os
filhos homens e reconheceu apenas a paternidade sobre as mulheres.
Um acordo foi estabelecido entre Eteócles e Polinices para que a cada um ano a cidade de
Tebas iria se reinada por um dos irmãos, o que não foi cumprido por Eteócles após ter passado
o prazo de seu ano como regente, Polinices então reclama sobre o seu direito, o que vem a ser
negado pelo irmaõ, que entram em confronto frente a frente querendo o destino que um fosse
morto pela espada do outro. Após esse novo infortúnio o rei Creonte decreta a lei, naquele
exato momento, que proíbe prestar honras fúnebres para o traidor Polinices e determina que
seu corpo fique insepulto e sirva de alimento a aves e cães. O que seria um sacrilégio a
decisão tomada por Creonte ao deixar o corpo de um morto sem os rituais prescritos da
sepultura comum na cultura grega. Deixar um corpo insepulto atraía maldições das mais
terríveis, sendo o culto aos mortos um dever sagrado na Grécia antiga, sobretudo sobre a
linhagem do morto. Sófocles elabora sua obra partindo deste momento decretado por Creonte
para deixar insepulto Polinices. Logo no diálogo inicial de Antígona e Ismene são reveladas as
determinações e razões que movem a heroína trágica em se opor a lei decretada por Creonte
em nome do Estado.
[...] de qualquer modo hei de enterrá-lo e será belo para mim morrer cumprindo esse
dever: repousarei ao lado dele, amada por quem tanto amei e santo é o meu delito,
pois terei de amar aos mortos muito, muito tempo mais que aos vivos. Eu jazerei
eternamente sob a terra e tu, se queres, foge à lei mais cara aos deuses.
(SÓFOCLES, 2002, v. 79-86)
Antígona defende que familiares são superiores as leis dos governantes, que os direitos de um
homem, seu irmão, de receber um sepultamento com os rituais fúnebres transcende um
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35
decreto arbitrário de um tirano, Creonte. Defende que as leis não são somente determinadas
pelos homens, mas também pelos preceitos divinos relacionados à vida e à morte.
1.3.2 O conflito e Creonte
A obra atemporal de Antígona permanece no nosso imaginário e perpassa por vários
momentos de nossa história através do seu conflito clássico o da oposição entre duas razões
plenamente justificáveis a da família e das leis divinas, “não escritas”, defendidas por
Antígona e a da Pólis, a do Estado defendida por Creonte. A obra clássica de Sófocles9 mostra
um conflito polariazado entre a tirania de Creonte e a determinação de Antígona em enterrar
seu irmão. No próprio texto de Sófocles podemos perceber que a vontade e ordem de Creonte
que constitui arrogância e crime não representa a vontade a pólis que está ao lado de
Antígona. Uma afirmação que se consolida na cena final da obra onde o vidente Tirésias
aparece e afirma ao rei que seus propósitos e as leis humanas estão equivocados perante aos
deuses:
[...] pois tu lançaste às profundezas um ser vivo e ignobilmente sepultaste, enquanto
aqui reténs um morto sem exéquias, insepulto, negado aos deuses ínferos. Não tens,
nem tu, nem mesmo os deuses das alturas, tal direito; isso é violência tua ousada
contra os céus! Então por isso à tua espreita as vingativas, terríveis fúrias dos
infernos e dos deuses, para que seja vítima dos mesmos males. (SÓFOCLES, trad.
2002, v. 1184-1192)
Um conflito terrível recai sobre Creonte com o arrependimento e desgraça que se abate sobre
ele, que lutou contra as leis divinas colocando as suas como soberanas, enquanto Antígona
sacrifica sua vida considerando digno morrer pelas suas convicções éticas, morais e afetivas.
Na peça é pertinente sublinhar que não existe diálogo algum entre Antígona e seu noivo
Hemon único filho de Creonte a qual se fosse consumado o casamento nasceria um filho
legítimo da linhagem de Édipo permanecendo desta forma o poder com a família uma vez que
uma mulher não poderia assumir o trono. Podemos ainda notar em toda peça que Antígona só
se refere a Hemon uma única vez, quando estando em um diálogo com Creonte e sua irmã
Ismene que a lembra do noivado dos dois. Exceto essa passagem em nenhum outro momento
da peça se mantem uma relação entre Antígona e seu noivo. Antígona, além de estar
defendendo o direito sagrado e ritualístico de dar sepultura a seu irmão, também mostra a sua
9 Sófocles (Atenas, 496 a.C. – Atenas, 406 a.C.) foi um importante dramaturgo e é considerado um dos grandes representantes do teatro grego antigo. Entre suas principais obras estão: Édipo Rei, Édipo em colono e Antígona.
http://www.infoescola.com/artes/teatro-grego/
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força inabalável da consciência de pertencer à linhagem real. Sabendo-se que mesmo
amaldiçoada não a renega e não se envergonha de sua posição.
Quando Creonte passou a assumir o poder não por uma questão genealógica de pertencer a
linhagem de Édipo, mas por indicação do próprio rei e desde então assumiu uma postura
totalitarista, procurando justificar seu decreto em nome da pólis. Em um dos seus mais cruéis
atos proferidos, tomou conhecimento através dos guardas do fato de descumprimento de sua
ordem onde alguém teria coberto com pó o corpo de Polinices que deveria permanecer
insepulto. Tomado de fúria lança terríveis ameaças aos sentinelas, caso eles não consigam
cumprir o que foi determinado e prendam o culpado a qualquer custa.
O conflito central é, portanto, estabelecido em volta da personagem Antígona e é na sua busca
incessante através de suas ações de enterrar o corpo do irmão, cumprindo assim o culto
ritualístico aos mortos, que se desenrola todo o núcleo dramático da peça. Será a voz desta
personagem enredada no conflito descrito que dá sustentação para o desenvolvimento do
presente projeto. Creonte aparecerá através de sua voz e, portanto, em sua versão tirânica e
totalitária, na representação do estado. Em um dos diálogos entre Creonte e Antígona ela
reafirma por quais valores está lutando, quando a mesma é questionada pelo seu
descumprimento das ordens, reforça a sua crença nas leis divinas que para ela estavam acima
das escritas pelos homens, questionando o poder de Creonte sobre as leis eternas:
Mas Zeus não foi o arauto delas para mim, nem essas leis são ditadas entre os
homens pela Justiça, companheira de morada dos deuses infernais; e não me pareceu
que tuas determinações tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de
transgredir normas divinas, não escritas, inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem,
é desde os tempos mais remotos que elas vigem sem que ninguém possa dizer
quando surgiram. (SÓFOCLES, trad. 2002, v. 511 a 520).
Nesse curto e intenso confronto se reforça as razões de ambos os personagens revelando o
desencadeamento do conflito central da peça: confrontado pelo antagonismo irreconciliável
entre as leis do Estado e as leis divinas. Enquanto Antígona em torno de sua crença do que
rege o mundo grego, se opõe por vontade própria ás leis do representante do Estado mesmo
correndo o risco de vida. Creonte contesta a provocação de uma mulher que demonstra a
insolência e atrevimento em descumprir a lei imposta por ele.
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CAPITULO 2: A INTERTEXTUALIDADE.
2.1. A CONSTRUÇÃO DA DRAMATURGIA
A encenação intitulada “Desaparecidos no porão” foi criada a partir de fragmentos de textos
extraídos da internet e de livros, de poemas, pesquisas de fatos históricos através de leitura e
vídeos na internet, músicas, filmes, documentários de depoimentos de pessoas que sofreram
no período da ditadura10, como também dos militares torturadores e trechos do texto original
de Sófocles sobre um tema que atravessa o tempo e permanece bem vivo.
Estabelecendo o eixo central da narrativa que seria concretizado por alguns fragmentos de
textos da peça original, juntamente com a pesquisa sobre o regime militar foi o norte do
trabalho de pesquisa para a criação da dramaturgia, a fim de permitir ao espectador seguir o
desenrolar do conflito independente da mudança de cenas que eram fragmentadas e que se
interligavam através de elementos de transição, como música, poemas, ou um gesto, na
maioria das vezes feitas em coro. Como também na concepção cênica do espetáculo e nos
seus elementos cenográficos que iriam ganhando um novo significado e se transformando no
desenrolar das cenas.
A partir disto a peça foi criada utilizando como base o teatro Épico proposto por Bertold
Brecht favorecendo a compreensão das múltiplas possibilidades que a forma teatral pode
oferecer para o desenvolvimento crítico do individuo buscando articular todos os registros que
pudessem colaborar para o processo de criação da dramaturgia, buscando uma analogia entre
a tragédia Antígona com a ditadura militar brasileira, com foco no desaparecido politico que
surge como um fantasma para a sociedade e suas famílias que buscam constantemente uma
resposta do Estado sobre o paradeiro de seus entes.
Na obra de Sófocles a personagem Antígona foi uma mulher que teve a coragem de
transgredir as ordens e foi considerada louca, e a loucura, neste caso, foi vista como
justificativa dos seus comportamentos, na forma de mais uma vez a caracterizar como um ser
inferior, pois sendo louca não estaria agindo com prudência e consciência. O direito que seu
irmão tinha de ser enterrado era, para ela, superior a qualquer ordem. Mesmo assim
demostrando um ato de coragem e ousadia ela enfrentou o Estado para ter o direito de enterrar
um dos seus. No contexto do período da ditadura militar brasileira isso se repetiu; só que
dessa vez com diversas mães que buscavam incessantemente o direito de ter respostas sobre o
10 Ver nas referências as fontes.
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desaparecimento de seus entes, foram perseguidas e em muitos casos mortas, Zuzu Angel foi
uma representante fundamental desta situação. Tais mulheres também foram muitas vezes
tratadas como loucas por estarem enfrentando o Estado na busca de repostas. Muitas delas
através de suas procuras também acabaram desaparecendo. O horror daqueles tempos
ampliou-se de forma terrível, pois desaparecia também quem buscava pelos desaparecidos.
Nesse contexto uma das referencias que foi objeto de estudo e posteriormente inserido na en-
cenação, foi à pesquisa do filme “Zuzu Angel” uma estilista de renome internacional da época
que teve seu filho Stuart Angel Jones (1946 - 1971) detido e que desapareceu no período da
ditadura militar. Ela incansavelmente buscou do uma resposta das autoridades que representa-
vam o Estado e mesmo com todo apoio e influencia que tinha, foi perseguida, vista como lou-
ca e ao mesmo tempo encarada como perigosa segundo os interesses das autoridades na épo-
ca, e acabou morta em um acidente automobilístico com alta suspeita de sabotagem mecânica.
No filme existem cenas que ela coloca em pautas a autoridade do Estado e busca apenas o
direito de enterrar o corpo do seu filho, que sumiu e que teve o direito de seu sepultamento
negado pelo Estado. Decidi então pegar alguns dos trechos das falas da personagem do filme
que achei pertinentes para encaixar no trabalho e adaptei.
[...] A ditadura queria que cada um fosse apenas um, que cada um fosse ninguém:
nas cadeias e quartéis, e no país inteiro, a comunicação era delito. Quando é verda-
deira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a de-
tenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou
por onde for. (Filme Zuzu Angel, 2006.)
A escolha para se trabalhar em cima de um dos temas que vem se intensificando no cenário
politico brasileiro atual, onde várias manifestações estão tomando conta das ruas, inclusive
havendo paralizações em alguns setores, e em meio a todo esse movimento, chama atenção o
pedido de uma parte da população para uma possível intervenção militar, fato que já
aconteceu décadas atrás e ficou marcado em nossa história por seu viés tirano e violento, e
que, por ser pouco discutido criticamente pela sociedade, faz com que muitos ignorem as
atrocidades cometidas contra aqueles que foram levados até os chamados “porões” da
ditadura militar. Nestes locais os presos eram torturados causando mortes ou muitas vezes
danos irreversíveis às vitimas que sobreviveram, “e hoje ainda existe uma omissão do Estado
em relação aos 144 desaparecidos políticos” (ARNS, 1995.). Surge aí a importância do teatro
como uma arte pública, que precisa colocar o espectador diante de questões que lhe deem a
possibilidade de reflexão e criticamente possa se posicionar. Principalmente para que não
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39
possa cair no esquecimento da sociedade assuntos de importância tão relevantes e que venha a
se repetir. Brecht aponta: “fato tanto mais lamentável por serem poucos os acontecimentos
que nos trazem, hoje em dia, à memória, e muito os que o fazem voltar ao esquecimento.”
(BRECHT, 2005, p 207).
Ao passar especificamente para o momento de construir a encenação, eu guardei em mente o
propósito de não proceder, pura e simplesmente a qualquer fato da pesquisa que não fossem
realmente relevantes no cerne do tema principal a qual eu queria abordar que é o desaparecido
politico. Acreditando na possibilidade de utilizar fragmentos da tragédia, um texto clássico
com fatos históricos contemporâneos no mesmo espaço de tempo, tomando por pano de fundo
o que a condição humana tem de universal. A apresentação do conflito se daria a partir das
imagens apresentadas dos desaparecidos políticos no início do espetáculo (o que será descrito
no próximo capítulo), dando continuidade no seu desenvolvimento representado pela
repressão do regime militar onde pessoas eram perseguidas, presas e posteriormente
desapareciam e finalmente o clímax e a conclusão apontada pelos pontos de vista dos
familiares do desaparecido e do torturador.
Na criação da dramaturgia do espetáculo optei por abrir mão de uma história onde se tenha
começo, meio e fim, ao invés disso procurei fazer com que as cenas acontecem de formas
independentes e não em função uma da outra. Busquei desta maneira, criar um rompimento
com a forma tradicional que tem a função de conduzir o espectador em meio aos
acontecimentos, por meio da catarse e da empatia, procurei não dialogar pelo viés da emoção,
mas da razão, explorando o pensamento critico do espectador. A peça busca manter sempre
um diálogo com o espectador, procurando possibilitar a reflexão sobre os acontecimentos e
apontando diferentes pontos de vista dentro da história que não é somente mostrada, mas
contada através da narração. O espetáculo em si já causa uma estranheza no prólogo quando o
espectador é convidado na passagem de corredor criado pelos atores que estão com fotos de
desaparecidos políticos, até chegarem a seus assentos, na continuidade é apresentando um
poema que é feito em coro. A peça desta forma já faz uma quebra com existência de uma
quarta parede que é uma das características do teatro dramático.
Para Brecht, ao contrario, a passagem da forma dramática para forma épica não é
motivada por uma questão de estilo e sim, por uma nova analise da sociedade. O
teatro dramático, com efeito, não é mais capaz de dar conta dos conflitos do homem
no mundo; o individuo não está mais oposto a outro individuo, porém a um sistema
econômico: Para conseguir apreender os novos temas, é preciso uma nova forma
dramática e teatral. [...] (PAVIS, Patrice, 1999, p. 110.)
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Logo no inicio da encenação os atores em coro repetidamente como em um antigo disco de
vinil arranhado, vão se apropriando de uma fala: “Enquanto eu tiver perguntas e não houver
respostas eu continuarei” (ANEXO A, pg 1). Um momento que busca causar inquietação no
público, que é levado a refletir sobre quais seriam esses questionamentos e que repostas
caberiam? Essa voz que se faz presente no texto e representa a luta de todas as famílias que
ansiavam por resposta sobre o desaparecimento de seus entes, que tiveram o direito sobre os
corpos negados, os privando das devidas honrarias e rituais milenares do sepultamento. Esse
momento aponta a inquietação de muitas Antigonas que se fizeram presentes nesse período
histórico que ocorreu no Brasil e que se repetiu em muitos outros países.
Como as encenações teriam limites de tempo e pela complexidade do tema escolhido, foi
preciso ser incisivo e bastante objetivo na escolha de cada fragmento que seria utilizado na
montagem do texto, e quanto mais informações sobre o tema apareciam mais complicado
ficava reduzir a apresentação, e ao mesmo tempo pensar na criação do texto fazendo com que
ambos se completassem.
Por tudo isso posso dizer que foi um processo de construção desafiador, pois estava diante de
um mito, uma personagem clássica infinitamente relida através do tempo e inserida em
múltiplos tempos e lugares. Ao mesmo tempo trata-se de um tema muito presente ainda na
sociedade brasileira trazendo à tona a tortura nos “anos de chumbo” da ditadura militar
brasileira com seus desaparecidos nos domínios dos porões do Estado tirano, no período mais
duro vivido por vários países da América Latina que enfrentaram ditaduras semelhantes. O
“desaparecido político”, surge no espetáculo como alguém que vem assombrar familiares e
amigos, para que continuem buscando insistentemente uma reposta satisfatória do governo
sobre o seu paradeiro, como apontei acima. Além de trazer essa reflexão para toda a sociedade
como uma espécie de assombração à consciência nacional. Personagens em busca de uma
resposta de seu verdadeiro paradeiro, que não se encontram nas estatísticas e na lista daqueles
que foram mortos em combate, tampouco dos que sobreviveram à toda tortura praticada pelo
governo militar e seus algozes. Na peça às mulheres e mães que representam as famílias dos
insepultos se assemelham à figura mítica de Antígona, fazendo também alusão e referência as
Madres de La Plaza de Maio (Mães da Praça de Maio) na Argentina, através de suas
indumentárias11, assunto que será discutido no próximo capitulo.
Outro ponto bastante desafiador na construção da dramaturgia foi como conseguir falar sobre
11 Ver foto de referência em anexo B.
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um assunto que tem tamanha seriedade através de uma forma que não apresentasse
dramaticidade? No sentido de criar um distanciamento emocional deste momento trágico,
inseri uma cena com os atores representando crianças que nem imaginavam se quer o que
realmente estava acontecendo naquele período, contassem através de sua inocência, e através
de brincadeiras do faz de conta com cantigas de rodas, um dos momentos que ficarão para
sempre marcado pela infância roubada. A família representa o primeiro contato e convívio do
individuo na sociedade o que pode ser um fator determinante no seu desenvolvimento
sócio/cultural e de inserção no convívio social. Um dos vários direitos que foram arrancados
de algumas crianças no período do regime militar, foi o de estarem no convívio de sua família,
ao invés disso, em muitos casos foram trancafiados nos presídios e tratados como comunistas.
Pais e filhos eram obrigados a viverem distantes do convívio, e nos casos extremos crianças
não sabiam ao certo os nomes verdadeiros dos seus genitores.
Um ponto bastante emblemático que muitas vezes só o teatro consegue responder quando
passa a fazer uma reprodução do mundo.
Muitas crianças foram arrancadas dos braços de seus pais, e mesmo no período de
amamentação foram levadas aos cárceres sendo privadas de todos os seus direitos e
prerrogativas constitucionais. O primeiro passo foi analisar a inserção do tema ditadura militar
e lutas de resistências contadas para crianças e como isso pode afetar a estruturação de
formação da questão politico/cultural e a realidade social de um determinado lugar. Como
podemos ver na afirmação a seguir.
Muitas das crianças que aqui tratamos, filhas de militantes políticas (os) sequestra-
das (os), foram mantidas em cárceres clandestinos, nascidas em cativeiros, tortura-
das ou ameaçadas de serem submetidas a torturas, algumas foram arrancadas dos
braços de suas mães, impedidas de serem amamentadas e afagadas, outras chegaram
a ser torturadas mesmo antes de nascer, ou assistiram às torturas em seus pais ou,
então, viram os pais serem assassinados. (ALESP, 2014, p. 10)
Nesse período crianças recém-nascidas também eram perseguidas e tidas como subversivos e
comunistas, eram por muitas vezes levados juntamente com suas mães paras cadeias e
submetidos a torturas físicas e psicológicas, como também eram usados para fazer com que
seus pais fossem obrigados a falar. Alesp (2014) “O absurdo da ditadura produziu, ainda, o
absurdo de prender e banir crianças, fichando-as como subversivas, considerando-as
“perigosas à segurança nacional”. Elas cresceram e se formaram fora do país”. (ALESP, 2014,
p 10). Foi um momento duro da história, onde todos teriam que andar calados, eram trancados
em porões, mortos, seus corpos eram enterrados ou jogados ao mar, e quando isso não
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42
acontecia deixava danos irreversíveis para aqueles que sobreviveram e tiveram que passar por
esse momento. Crianças cresceram sem a presença de seus pais, muitas vezes tinham que
trocar de nomes para assim poder sobreviver e hoje compartilhar toda a sua dor, buscando
uma reposta por aqueles que por um momento estiveram ao seu lado e simplesmente
desapareceram se tornando fantasmas dos porões da ditadura.
Até hoje existe e se levanta uma questão, quantos Joãos, Franciscos, Marias, Terezas,
Polinices e Antígonas sumiram e ainda continuam desaparecidos, e sem resposta do Estado?
Na encenação esses desaparecidos são lembrados e surgem no prólogo através de fotografias
reais de presos políticos que sumiram no período do regime militar e que têm seus nomes
enunciados pelos atores. Este início se interliga com a cena em sequencia onde aparece a
representação da família reunida em um dos poucos momentos que poderiam estar juntos e
que provavelmente, seria o último encontro e onde restava apenas uma fotografia, como
última recordação. A fotografia era algo material que representava um registro, uma forma de
provar a existência e identidade material dos seus entes que sumiram ou, segundo os relatos
das autoridades na época, nunca existiram. No começo dos ensaios (será descrito no próximo
capítulo) usamos um narrador que se dirigia plateia, apresentando o relato do enredo a historia
a ser contada com os atores e os papeis que eles iriam representarem, depois optamos pelo
texto em coro, e posteriormente um dos atores toma a posição de narrador, mostrando ao
público que eles não são outras pessoas ou personagens.
Com tantos registros e fatos encontrados nas pesquisas procurei fazer alusão a dois períodos
históricos que serviram de norte para o desenvolvimento da dramaturgia, a tragédia grega
escrita por Sófocles (442 a.C.) e a censura (reportagens, apresentações artísticas, músicas,
etc.) imposta no período do regime militar brasileiro. Dramaturgicamente a união desses dois
elementos foi realizada por uma cena que tinha como título: ida da família ao teatro, um dos
poucos momentos em que poderiam estar reunidos em lugares públicos, e também
apresentamos os fatos relacionados com teatros e show musicais que foram invadidos, onde
vários artistas foram espancados e presos, o que é apontado no trecho da
dramaturgia/encenação:
[...] A única lembrança que restaria muitas vezes ficava apenas por um álbum de fa-
mília como uma ultima recordação. Amarildo 42 anos, casado com Elizabeth 47
anos, pais de um filho. (Pose para foto) E essa foi a ultima foto da família antes de
saírem para ir ao teatro, um dos poucos momentos onde poderiam se encontrar todos
reunidos. 18 de julho de 1968, teatro Ruth Escobar. (ANEXO A, p. 1)
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A proposta da cena tanto trouxe a linguagem coloquial nas falas e cenografia e marcações se
inspiraram em estudo sobre o fato histórico que ficou marcado como “Marcha da família com
Deus e pela liberdade”. Na cena essa família exemplar traz a metáfora da morte de cidadãos
brasileiros. Partindo disto surgiu a possibilidade de apontar um contraponto onde essa mesma
família que saiu às ruas defendendo a intervenções militares seriam perseguidas. A ideia aqui
era o de situar a primeira cena no lugar e tempo histórico de uma família que se reunia para ir
ao teatro vivendo no período histórico do regime militar. Antígona aparece nessa família
representada como uma mãe desesperada, em um país dominado pelo terror e medo. E a
indicação para o cenário era a possibilidade de levar o teatro para dentro do próprio teatro.
O meta teatro foi criado por três pontos cruciais para criar as conexões necessárias entre o
confronto entre Polinices e Èteocles, irmãos de Antígona, causador da morte de ambos que
almejavam assumir o pode da cidade de Tebas, com o conflito entre Antígona e Creonte. Por
meio da cena da ida da família ao teatro, para assistir esta obra que estava em destaque na
época. Todo esse contexto é apresentado por crianças que como em uma brincadeira de faz de
conta relembram um passado não muito distante, que modificou e trouxe danos irreversíveis a
muitos que estiveram nos porões.
O primeiro ponto é falar do confronto entre os irmãos que buscavam assumir o trono da
cidade de Tebas, levaram duas cidades a entrar em confronto, inclusive o infortúnio de um
morrer pelas mãos do outro. Fizemos uma analogia entre a obra de Sófocles com as duas
nações que ao final da segunda guerra mundial tentaram implantar suas ideologias no mundo
inteiro. Quando o tirano Creonte assume o poder determina que Eteócles que estava lutando
por Tebas deveria ter todas as honrarias do ritual fúnebre, já o outro que lutava pelo
adversário deveria ficar a céu aberto para ser devorado pelas aves e cães, sem direito ao ritual
de sepultamento, além de determinar que quem desobedecesse a sua ordem iria pagar com a
vida. Fizemos uma ligação desta parte da história de Antígona com as pessoas que foram
tratadas como subversivas, e que com a promulgação do AI5 em 1968, tiveram seus os
direitos constitucionais negados e foram presas ou desapareceram. Outras foram jogadas no
mar e/ou enterradas nos cemitérios clandestinos. Na nossa cena Antígona é a imagem que
representa as mães e familiares que lutaram por um direito divino, buscaram e ainda buscam
por uma resposta do Estado, para ter o direito de enterrar o corpo dos seus entes insepultos.
Outra cena foi sobre os interrogatórios que eram feitos dentro dos porões da ditadura militar,
onde introduzimos um diálogo entre uma mãe e um torturador, e buscamos mostrar possíveis
aspectos da constituição da personagem de Antígona que agora se personificava na pele
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dessas mães de desaparecidos, para ressaltar as características de um tirano que aprece na
tragédia como Creonte e no regime militar como um torturador.
A cena e desenvolve de maneira a buscar ao mesmo tempo além da atenção dos fatos
relatados, uma reflexão de dois pontos de vistas apontados um pelo quem busca respostas e
outro pelo que esconde os fatos das torturas, com os atores usando os discursos de maneira
concomitante, e alternando entre si, de certa forma buscando causar certo ruído na atenção
dos espectadores, mas sem tirar o foco de seu entendimento.
Outro elemento para buscar o distanciamento do que é apresentado, procurando fazer a plateia
refletir criticamente é a utilização da música que ora aparece como melodias e ora como
fragmentos para a criação do próprio texto da dramaturgia, utilizado na transição entre uma
cena e outra. Toda a pesquisa feita em relação às musicas levou em consideração o contexto
histórico ao qual estavam inseridas, e muitas vezes abordamos somente as letras das mesmas
enquanto texto e não como melodia. Uma das obras clássicas da música popular brasileira
Cálice (1978) de Chico Buarque, foi inerido por contar de forma poética como as pessoas
viviam naquela época diante de uma tirania que determinava como se deveria andar, como se
posicionar e o que poderia ser manifestado naqueles anos de chumbo, ou seja, as pessoas
deveriam simplesmente andar calados e seguir somente as ordem superiores. Outra musica
que faz ligação com o tema que procuramos aqui fazer uma analogia é Não se preocupe
comigo (2005) da banda F.U.R.T.O (Frente Urbana de Trabalhos Organizados), que fala
exatamente do sumiço dos desaparecidos contemporâneos nas violentas periferias das grandes
cidades brasileiras, cujas famílias ainda buscam solução para os casos dos seus desaparecidos,
tal como o caso de Amarildo no Rio de Janeiro.12
Em resumo o espetáculo procura através de todas as obras e textos pesquisados para a
elaboração de sua dramaturgia, apresentar o conflito que um decreto, o AI5, começou uma
fase de tirania que pendurou no país; e por outro lado a resistência das mulheres e familiares
dos desaparecidos à essa decisão arbitrária movidas pelo mesmo inconformismo representado
na tragédia de Antígona.
A sequência de procedimentos para a construção da encenação foi:
a) Reunir todos os dados e registros possíveis que pudesse encaixar dentro do objetivo do
projeto estudando os pontos discordantes e comparações que poderiam ser feitas com a
12 Em julho de 2013, o pedreiro Amarildo Dias de Souza, morador da Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, desapareceu depois de ser levado numa viatura da polícia militar carioca para prestar esclarecimentos.
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ditadura militar, e por ultimo como encaixar e mesclar a obra e o período histórico dentro da
estética teatral épica proposta por Brecht.
b) Organizar os textos do processo de pesquisa que seriam utilizados para a montagem da
encenação, encaixando as músicas, poemas, fontes jornalísticas, trechos dos depoimentos e de
livros.
c) Leitura da primeira versão junto a docente da disciplina Profa. Msc. Laura Figueiredo para
uma análise e orientação buscando sugestões de mudanças, adequando o texto aos objetivos
pesquisados, centrada especialmente na descrição cênica, na transição entre eles e na
concepção cênica geral que foi proposta através dos elementos pesquisados.
d) Análise dos últimos ajustes no texto da encenação nos ensaios de mesa.
e) Convite dos atores e apresentação da encenação, apontando todo o contexto histórico, para
iniciar a discussão das falas de cada personagem e o que cada um teria que fazer e qual
contribuição seriam atribuídos aos objetivos do projeto. Novas propostas foram surgindo no
que diz respeito aos acessórios que iriamos utilizar em cenas.
Todos os fragmentos encontrados foram enriquecedores tanto para o processo de construção
da dramaturgia da encenação, como na continuidade do processo criativo da interpretação e
da encenação. As informações levantadas na pesquisa foram confrontadas com tempo/espaço
da tragédia de Antígona e o período da ditadura militar brasileira, buscando ganhar coerência
a partir da cena para contextualizar a narrativa de uma mesma história como também nas
possibilidades de interpretação.
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CAPITULO 3: A ENCENAÇÃO E O PROCEDIMENTOS ÉPICOS.
3.1 O DESENVOLVIMENTO DAS CENAS: ELEMENTOS ÉPICOS.
3.1.1 A escolha do teatro épico.
A dramaturgia não aristotélica de Brecht não compreende as emoções como algo que deve ser
banido da cena, mas ele percebe é pode haver uma manipulação das emoções e
consequentemente da realidade. A cena no teatro manipulada pela emoção pode retirar o
indivíduo do mundo que ele não quer ver. Para este a autor a solução proposta é combater a
ideia de que a emoção tem que estar vinculada a um estado de empatia ou a uma
irracionalidade. Brecht pretende nos seus estudos pratico/teóricos levar ao espectador temas
representados de forma dialética, que os façam refletir sobre os acontecimentos na sociedade.
O teatro Épico passou a ter também uma função didática onde fatos dos mais determinados
assuntos em nosso cotidiano passaram a ser discutidos no palco, esclarecendo ao público as
possibilidades que temos de transformar a sociedade em que vivemos. A partir disto a escolha
desta forma teatral para nossa encenação teve como ponto de partida a forma narrativa, que
diferente da forma dramática que na maioria das vezes leva o espectador criar empatia com os
personagens em cena, o convida a para assistir uma cena onde a reflexão entra em primeiro
plano, suscitando pensamento crítico um tema como a ditadura militar brasileira, que
modificou o cenário politico e sociocultural de nosso país.
O teatro Épico tem o objetivo de apresentar um mundo que pode mudar e cuja mudança dever
partir do indivíduo e sua consciência, se colocando como contraponto ao dramático
procurando trazer para a cena coisas anônimas que não podem ser reduzida simplesmente ao
diálogo, encontrem lugar num palco que comece a narrar os fatos.
Os atores no teatro épico distanciam-se do personagem ao recorrer à narrativa de não mostrar
tão somente as ações, mas mostrar contextos históricos, intervindo direto na cena com
comentários que causam distanciamento crítico para a plateia para pensar as razões das
personagens.
O emprego da forma da terceira pessoa e do passado possibilitam ao ator a adoção
de uma verdadeira atitude distanciada. Além disso, o ator deve incluir em seu
desempenho indicações sobre a encenação e também expressões que comentem o
texto, proferindo-a juntamente com este, no ensaio. (“Ele levantou-se e disse, mal-
humorado, pois não tinha comido nada...” ou “Ele ouvia aquilo pela primeira vez, e
não sabia se era verdade...” [...] (BRECHT, 2005, p. 107)
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Para alcançar esse efeito, o dramaturgo alemão mencionou no seu estudo pratico/teórico o uso
de vários recursos, tais como os efeitos cômicos tais como a ironia e a paródia. O próprio
cômico requer, de certa maneira, um distanciamento, pois para rirmos de algo é necessário
nos distanciarmos e não nos identificarmos diretamente. Assim, o cômico tornou-se um
recurso importante para a teoria brechtiana.
3.1.2 Efeito de distanciamento.
Vamos agora abordar um dos fundamentos mais importantes do teatro Épico o “efeito do
distanciamento” que tem o objetivo de distanciar o público dos acontecimentos representados,
evitando que ele caia em um transe e tenha empatia pelos personagens, com os fatos
apresentados, buscando sempre a sua reflexão.
O objetivo dessas tentativas consistia em se efetuar a representação de tal modo que
fosse impossível ao espectador meter-se na pele das personagens da peça. A
aceitação ou a recusa das palavras ou das ações das personagens devia efetuar-se no
domínio do consciente do espectador, e não, como até esse momento, no domínio do
seu subconsciente. [...] (BRECHT, 2005, p 75)
Segundo Brecht a cena deveria ser uma estrutura extremamente elaborada para fomentar as
possibilidades de mudança no mundo quando temas são discutidos nos palcos possibilitando
que as pessoas refletam sobre as necessidades dessas mudanças. Propõe ao teatro desnudar as
cortinas de seus palcos, e mostrar às plateias assuntos que precisavam de atenção. Para isso é
importantíssimo à participação do ator como mediador entre o espetáculo e o espectador.
Quem está atuando não deve metamorfosear-se com o personagem, ou esconder-se por trás do
mesmo; mas sim demonstrar quem é ele – ator- e quem ele representa - personagem. É
essencial também que haja um rompimento da quarta parede que separam o palco do público,
e para isso todas as ações devem buscar sempre serem voltadas de forma direta ao espectador.
O efeito causado pela morte de alguém apresentada em cena no teatro dramático pode fazer
com que o espectador tenha emoções tristes, por exemplo, já na cena distanciada proposta por
Brecht, esta mesma morte apresentaria pontos de vistas distintos, apontando os possíveis
motivos que a determinaram por meio de uma forma que não possibilite uma empatia no
espectador e sim buscando uma possível reflexão sobre os fatos apresentados.
Para que o Efeito de Distanciamento atinja seus objetivos como citados a cima, o ator deve
manter-se distanciado dos personagens, buscando apresentar muitas vezes os fatos em terceira
pessoa. Com isso, o ator pode emitir sua opinião acerca da personagem encenada. Isso é
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alcançado quando o ator se posiciona de maneira a narrar seu papel.
Na nossa encenação, pode-se ver claramente esse distanciamento na cena do interrogatório,
um trecho completamente épico, no qual um dos personagens faz a narrativa de seu cotidiano
quase que monótono vivido no período do regime militar:
Ator 1: Eram mais ou menos 19:20 da noite quando eu atendi o telefone e falei com
uma pessoa por uns minutos, depois desci do meu apartamento, abri a porta com
cuidado como de costume e olhei para os lados, antes de atravessar a rua para ir à
padaria. Peguei o que queria e antes de retornar para casa passei no bar para tomar
uma dose, fumei um cigarro e joguei uma partida de sinuca com amigos e no meio
do caminho vi uma pessoa passar, olhei para ela e cumprimentei, ela veio em minha
direção, mais passou direto, e voltei para meu apartamento. (ANEXO A, p. 2)
Neste trecho da encenação fica explícita a representação do ator de forma diferenciada. Além
de trechos narrativos como este, a peça traz momentos em que personagens dialogam
recitando poemas e/ou músicas. Outro elemento que surge para contribuir com o efeito de
distanciamento é o coro. Esse recurso é utilizado epicamente, pois comenta, narra, apresenta
personagens, faz transição entre as cenas, rompendo com a ilusão, pois no exato momento em
que o espectador está prestes a se deixar levar pela emoção, o coro surge e interrompe a ação,
despertando seu senso crítico distanciado. Como aponta Rosenfeld (1994) “Um dos recursos
mais importantes de distanciamento é o de o autor se dirigir ao público através de coros e
cantos”.
3.2 RECURSOS ÉPICOS PARA A ENCENAÇÃO: TEATRO DE BONECOS, FIGURINO,
MÚSICA E CENOGRAFIA.
3.2.1 Teatro bonecos
O Teatro de Bonecos na contemporaneidade ganha espaço por seu valor artístico e sua
capacidade de encantar todas as idades em vários lugares do mundo, claro que o nosso
objetivo não é de criar esse encanto, mas de buscar uma quebra da empatia com o uso de
bonecos da cena. Como tinha pouco conhecimento na área e por ventura o curso não oferecia
uma disciplina voltada para o tema, tive que buscar conhecimentos por meio de grupos que
trabalham como o tema como também na revista “Móin-móin”13 que faz um estudo sobre o
Teatro de Formas Animadas.
13 Pagina para o acesso a revista virtual. http://www.udesc.br/busca?q=moin%20moin
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Como citei anteriormente esse recurso foi usado na cena do meta teatro onde busquei fazer
uma mescla da obra de Antígona com o Regime militar brasileiro. Nessa cena surge o uso dos
bonecos, que se tornam extensão do corpo dos atores, passando a dialogar e fazer um resumo
da história de Antígona, apresentando qual o cerne que é motivador para o desencadeamento
do conflito.
Até então o contato que tive com bonecos foi através das brincadeiras do faz de conta da
época enquanto criança, e a partir disto surgiu à ideia de trabalhar a cena utilizando esse viés.
Os exercícios para o desenvolvimento dos atores com os objetos foram pensados no
entendimento de seu uso como extensão do próprio corpo do ator, o que incluía no trabalho
um estudo sobre a consciência corporal e possíveis movimentos que desenvolvessem as
articulações, estudo de princípios com pesos, equilíbrio e apoio. Nesse sentido procurei
estimular os atores a explorar o corpo em movimento e a descobrir novas possibilidades de
relação com o ambiente, com os objetos e com os outros atores, desenvolvendo desta maneira
a concentração, prontidão, clareza e objetividade das ações.
Quando mantemos uma relação com os objetos nos exercícios e principalmente com os
bonecos, buscamos trazer à tona emoções e sentimentos sutis relutante do contato com a
matéria. Consequentemente, um treinamento corporal para o ator que ao manter essa relação
de consciência de seu corpo para com o objeto deverá percorrer exatamente o caminho
inverso ao das técnicas cotidianas de manipulação desses objetos (como por exemplo o ato de
dirigir), pois no contexto artístico o corpo deve estar e permanecer acordado e presente, como
também sempre de prontidão.
3.2.2 Figurinos
A criação do figurino foi feita por meio de um estudo das referencias estéticas sobr