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Gabinete do Reitor – Assessoria de Comunicação • Setor de Mídia Impressa – Ano 2 – nº 8 • Setembro 2005 Jornal da UFRJ Pág. 22 e 23 Adir Botelho Arte e expressão em Canudos Fragilidade da economia e crise política Em entrevista ao Jornal da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, economista e professor do Instituto de Economia da UFRJ, diz que “o Brasil está sendo africanizado” e que, na realidade, “ a fragilidade da economia é a principal determinante da crise política”, portanto não haveria crise se houvesse crescimento de 7% ao ano, queda no desemprego, melhoria dos serviços e diminuição da violência e da exclusão social. Pág. 12 e 13 IRA depõe armas Quem você conhece? DST e Papo Cabeça Pág. 4 Pág. 7 Pág 14 e 15 Pág. 21 http://www.jornal.ufrj.br Pina Brandi Formando cidadãos e gerando saber UFRJ 85 anos 1920–2005 Em tempos mundialmen- te conturbados pela ame- aça de atos de terrorismo, como a recente série de atentados que abalou em Londres, dia 21 de julho deste ano, vem justamen- te, do Reino Unido, uma boa notícia para todos que acreditam em soluções pacíficas para os conflitos políticos A febre que atacou seis milhões de brasileiros é uma rede social online criada por Orkut Buyukkokten, programador do Google, que se espalhou rapidamente e se tornou um fenômeno de moda Orkut Pág. 18 e 19 Berço da Engenharia nacional Escola Politécnica Sendo o último país das Américas a lançar as bases do Ensino Superior, o Brasil, 85 anos depois, pode comemorar a fundação de uma de suas maiores e melhores universidades – a UFRJ. Reunião da Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, da Escola Politécnica e da Faculdade de Direito, a Universidade do Rio de Janeiro (1920) é transformada em 1937 em Universidade do Brasil e, posteriormente, em 1965, na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Page 1: UFRJ Jornal da · 7% ao ano, queda no desemprego ... (Jefferson Peres, PDT-AM, Isto É, 03/08/2005). ... A solenidade foi aberta com o recital do Conjuntode Cordas da Escola de Música

Gabinete do Reitor – Assessoria de Comunicação • Setor de Mídia Impressa – Ano 2 – nº 8 • Setembro 2005

Jornal da

UFRJPág. 22 e 23

Adir Botelho

Arte e expressão em Canudos

Fragilidade da economia ecrise política

Em entrevista ao Jornal da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, economista e professor do Instituto de Economia da UFRJ, diz que “o Brasil está sendo africanizado” e que, na realidade, “ a fragilidade da economia é a principal determinante da crise política”, portanto não haveria crise se houvesse crescimento de 7% ao ano, queda no desemprego, melhoria dos serviços e diminuição da violência e da exclusão social.

Pág. 12 e 13

IRA depõe armasQuem você conhece?

DST e Papo CabeçaPág. 4 Pág. 7 Pág 14 e 15 Pág. 21

http://www.jornal.ufrj.br

Pina

Bra

ndi

Formando cidadãos e gerando saber

UFRJ 85 anos • 1920–2005

Em tempos mundialmen-te conturbados pela ame-

aça de atos de terrorismo, como a recente série de atentados que abalou em Londres, dia 21 de julho deste ano, vem justamen-te, do Reino Unido, uma boa notícia para todos que acreditam em soluções pacíficas para os conflitos políticos

A febre que atacou seis milhões de brasileiros é uma rede social online criada por Orkut Buyukkokten, programador do Google, que se espalhou rapidamente e se

tornou um fenômeno de moda

Orkut

Pág. 18 e 19

Berço da Engenharia nacional

Escola Politécnica

Sendo o último país das Américas a lançar as bases do Ensino Superior, o Brasil, 85 anos depois, pode comemorar a fundação de uma de suas maiores

e melhores universidades – a UFRJ.Reunião da Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, da Escola Politécnica e da Faculdade de Direito, a Universidade do Rio

de Janeiro (1920) é transformada em 1937 em Universidade do Brasil e, posteriormente, em 1965, na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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2 UFRJJornal da Setembro•2005

Reitor: Aloísio Teixeira – Vice-Reitor: Sylvia da Silveira Mello Vargas – Pró-Reitoria de Graduação – PR-1: José Roberto Meyer Fernandes - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2: José Luiz Fontes Monteiro – Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento – PR-3: Joel Regueira Teodósio – Pró-Reitoria de Pessoal – PR-4: Luiz Afonso Henriques Mariz – Pró-Reitoria de Extensão – PR-5: Marco Antonio França Faria – Superintendente de Graduação SG-1: Deia Maria Ferreira dos Santos – Superintendente de Ensino SG-2: Leila Rodrigues da Silva – Superintendente Administrativa SG-2: Regina Dantas – Superintendente SG-3: Almaísa Monteiro de Souza – Superintendente SG-4: Roberto Antônio Gambine Moreira – Superintendente SG-5: Isabel Cristina Azevedo – Superintendência Geral de Administração e Finanças – SG-6: Milton Flores – Chefe de Gabinete: João Eduardo do Nascimento Fonseca – Forum de Ciência e Cultura: Carlos Antônio Kalil Tannus – Prefeitura Universitária: Hélio de Mattos Alves – Escritório Técnico da Universidade /ETU: Maria Angela Dias – Sistema de Bibliotecas e Informação/SiBI: Paula Maria Abrantes Cotta de Melo – Assessor de Comunicação: Fernando Pedro Pahl Campos Lopes

ExpedienteJORNAL DA UFRJ É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO SETOR DE MÍDIA IMPRESSA DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – Av. Brigadeiro Trompovsky, s/n. Prédio da Reitoria - Andar Térreo - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - CEP 21941-590 - Rio de Janeiro - RJ – Telefones: (21) 2598 1621 - 2598 1894 – Fax: (021) 2598 1605 – [email protected] – Editor/Jornalista Responsável: Fortunato Mauro – Reg. 20732 MTb – Pauta:Fortunato Mauro e Francisco Conte – Editoria de arte/projeto gráfico: José Antonio de Oliveira – Secretaria gráfica: Soraya Rodrigues – Ilustração: Jefferson Nepomuceno – Reportagem: Ana Gomes, Coryntho Baldez, Joana Jahara e Rafaela Pereira – Secretária: Soraya Rodrigues – Estagiários de jornalismo ECO/UFRJ: Bruno Franco, Carlos Eduardo Cayres, Gilda Moll, Liana Fernandes, Luana Monçores, Lucas Bonates e Nathália Souza – Estagiários de arte, ilustração e fotografia: Pina Brandi, Marco Fernandes e Fábio Portugal (EBA/UFRJ) – Estagiária de revisão de texto: Daniele Robert (Faculdade de Letras/UFRJ) – Estagiário de web: Virgílio Fávero Neto (Instituto de Matemática/UFRJ) – Resenhas: Francisco Conte

A ciência econômica tem por tradição adotar neologismos oriundos de outras áreas do conhecimento para descrever os fatos eco-nômicos. A palavra do momento é blindagem, extraída do noticiário militar ou, no caso bra-sileiro, da violência urbana, que tem tornado a blindagem de veículos um dos segmentos de serviços automotivos mais rentáveis. Nesse sentido, blindar a economia é tornar o mercado financeiro incólume às oscilações dos humores e das expectativas provocadas pela atual crise política do Planalto Central, o que constituí consenso entre os parlamentares de Brasília e o próprio mercado, investidores brasileiros e estrangeiros beneficiados pelas políticas ren-tistas. A continuidade da política econômica, ou seja, regras e contratos econômicos sem alterações, deve ser mantida para se evitar sobressaltos: “Se a blindagem da economia não for obtida, temo que a contaminação será inevitável. A conjugação das duas crises é insu-portável para o país” (Jefferson Peres, PDT-AM, Isto É, 03/08/2005). A expressão blindagem da economia frente à crise política constitui uma garantia, um pacto de continuidade da política econômica implementada desde o Plano Real, caracterizada por uma política monetária contracionista, juros altos e geração de supe-rávits primários, o que gerou uma economia sem inflação e sem crescimento, ou pequenos surtos expansivos caracterizados como “vôos de galinha”, interrompidos por súbitas crises cambiais. Crescimento baixo, dívida pública elevada, riqueza concentrada.

A melhora expressiva das contas externas após a desvalorização de 1999, o esforço fiscal e o controle da inflação, são fatores positivos que melhoraram a percepção de risco do país pelos investidores, o que aparentemente impede que a crise política interna tenha maiores impactos na economia. Mas a verdadeira blindagem está na elevada taxa de juros, a mais alta do mundo e o dobro daquela do país que vem em segundo nesse ranking. Graças a essa elevada taxa de juros, os rendimentos aqui proporcionados são superiores aos oferecidos por quaisquer outros mercados emergentes, cujas taxas de juros já são normalmente maiores que as praticadas nas economias mais desenvolvidas. Desse modo são favorecidos os investimentos em carteira, capi-tais de curto prazo em busca de valorização no mercado de capitais, de títulos públicos e priva-dos, ações e mesmo instrumentos financeiros mais sofisticados e voláteis, como derivativos de mercado de juros e câmbio.

E isso em um momento de forte liquidez internacional e relativa tranqüilidade nos mercados financeiros internacionais, contras-tando com as sucessivas crises cambiais e fi-nanceiras dos anos precedentes. A retomada dos investimentos estrangeiros nas economias ditas emergentes, depois da depuração e bara-teamento dos preços de ativos provocados pe-

Sobre blindagens e castelos de cartas

las crises cambiais, tem provocado a sobreva-lorização de suas moedas, o que inclui o Real. Nesses termos, para os capitais forâneos em busca de valorização, a crise política brasilei-ra não deve piorar a avaliação de solvência do país e se torna uma excelente oportunidade de compra de ativos por preços mais baixos.

Os riscos potenciais de reversão desse qua-dro econômico, no plano externo, residem na possibilidade de eclosão de novas crises cam-biais e financeiras; na possibilidade de altera-ção da paridade entre as principais moedas mundiais (Dólar, Euro e Yen), tal como ocorreu nos acordos Plaza-Louvre de 1985-1987, com desvalorização do Dólar frente ao Marco e ao Yen, ou o acordo de 1995, o “Plaza invertido”, que valorizou o dólar frente ao Yen (e se tornou um dos fatores que desencadeou a crise asiática de 1997); nas bolhas especulativas da econo-mia norte-americana e seus déficits; ou mesmo uma nova escalada de guerras localizadas.

No plano interno, são evocados os bons fundamentos da economia, como a inflação sob controle, superávit comercial, lei de responsa-bilidade fiscal. Deve-se alertar, no entanto, que um fundamento importante, a dívida pública, cresceu mais de dez vezes desde 1994, menos pela diferença entre arrecadação fiscal e dispên-dio do governo, que atualmente atinge o supe-rávit de 4,25% imposto pelo Governo Lula (o FMI preconizava 3,5%), e principalmente pela sua componente financeira, na rolagem de dívi-da pregressa e emissão de novos títulos inflados por juros gordos. A fragilidade da componente financeira da dívida pública explica melhor o atual patamar dos juros do que os eventuais arroubos de consumo e investimento.

No essencial, o Brasil adota a mesma blin-dagem para enfrentar as crises cambiais dos anos de 1990: juros altos (que nos momentos mais críticos foram elevados em mais de 40% ao ano para refrear a fuga de capitais), fortaleci-mento de reservas cambiais e forte ingresso de recursos externos. O ponto de vulnerabilidade da economia brasileira nesse momento está na possibilidade de um choque nos juros, que pode desencadear um choque no câmbio. Essa é a essência do atual pacto de governabilidade, que pretende garantir a continuidade da políti-ca econômica e da gestão da taxa de juros, o que explica a política conservadora e cautelosa, low profile, do BC, ao mesmo tempo em que torce para que não surja um Itamar Franco, que se-gundo alguns, teria precipitado a crise cambial de 1999 ao declarar moratória do governo de Minas Gerais. Vale recordar que o problema não foi o espirro, foi o castelo de cartas que nos foi vendido como se fora de pedra.

*Livio Lavagette é economista da Universidade de São Paulo, doutor em História Econômica

da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas/USP.

Ponto-de-vista

Livio Lavagette*

“Todo começo é involuntário”, adverte-nos Fernando Pessoa para a tentação de se atribuir um significado transcendente aos momentos fundadores. Essa observação

evidencia-se ainda mais relevante quando estamos comemorando 85 anos da nossa Universidade. As virtudes, que não são poucas e fazem hoje da Universidade

Federal do Rio de Janeiro uma das mais importantes universidades federais do País, não estavam, de modo algum, pré-configuradas naquele sete de setembro de

1920, quando o Decreto nº. 14.343 a criou com a denominação de Universidade do Rio de Janeiro. Elas resultarão de um esforço levado a cabo com persistência

durante as décadas de sua existência para reelaborá-la e repensá-la; o que algumas vezes enfrentou empecilhos e resistências originados da própria inércia

institucional.

Cada geração que a informou, colaborou, ao seu modo e nos limites das possibilidades históricas, tanto para a sua construção efetiva, como para a

sua (re)elaboração utópica. Cada geração que nos precedeu aportou assim contribuições e reinventou, em patamares cada vez mais audaciosos, o projeto

da Universidade. Sentimo-nos herdeiros dos seus esforços e dos seus sonhos. Percorrendo, sempre, aquela sinuosa linha em que a esperança tangencia o

inflexível perímetro do real vimos construindo - muitas vezes com paciência, não raro plenos de espantos -, uma universidade capaz de dominar o que há de mais

avançado nas Ciências, nas Artes e nas Culturas contemporâneas. Ao mesmo tempo, temos buscado fazê-la mais democrática e profundamente compromissada com a instauração, entre nós, de uma cidadania solidária e de uma nação fraterna.

Por outro lado, é necessário reconhecer que não se pode atribuir os impedimentos estruturais da universidade apenas à sobrevivência dos entraves que resultaram

da maneira como ela foi criada a partir da justaposição, quase desconexa, de instituições pré-existentes. Ao longo desses 85 anos, algumas reestruturações foram tentadas, sem que vários de seus problemas tenham sido superados. É,

justamente, essa renitente sobrevivência que deve ser discutida, para continuar a construir a UFRJ como uma universidade conforme os padrões mais elevados de

ensino, pesquisa e extensão.

Quem sabe a rememoração dos nossos 85 anos de existência induza-nos a este duplo movimento: o de consolidar, aprofundar e desenvolver as nossas conquistas

e o de superar nossos impasses e limitações.Confiamos que isso se dê.

UFRJ 85 anos: persistência, resistência e superação

Editorial

Aloísio TeixeiraReitor da UFRJ

A solenidade foi aberta com o recital do Conjuntode Cordas da Escola de Música da UFRJ

Fotolito e Impressão Artes Gráficas Editora Ltda. – Rua Arquias Cordeiro, 676 – Méier-RJ – [email protected] – Tiragem: 15 mil exemplares

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UFRJJornal da Setembro•2005 3

É preciso conhecer melhor a Revolução Russa de 1905, muitas vezes ofuscada pelo que aconteceria 12 anos mais tarde, quando outra revolução, a de 1917, mudou o mundo.

Cem anos depois, ela continua sendo uma experiência única na história da humanidade

um ano paranão esquecer1905

Luana Monçores

Internacional

1904 – em 9 de fevereiro começa a guerra russo-japonesa.

1905 – em 9 de janeiro acontece o “Domingo Vermelho”, manifes-

tação que avançou para o Palácio de Inverno, em Petrogrado, e foi

rechaçada a tiros. Foi o início da revolução que seguiu, ao longo de

um ano, com revoltas camponesas e criação dos primeiros sindicatos;

congressos separados das duas tendências do POSDR; motim dos

marinheiros do navio Potemkin; manifesto do Czar criando a próxima

Duma (parlamento); Tratado de Porsmouth (fim da guerra russo-japo-

nesa, com a derrota da Rússia); primeira reunião, em Petrogrado, do

soviete, conselho de deputados operários; criação do jornal Izvestia;

greve geral; manifesto prometendo uma constituição e a convocação

de uma assembléia legislativa; pogroms (repressões violentas que

fizeram 3 mil mortos e 10 mil feridos).

1906 – primeira reunião da Duma; reforma agrária de Petr Stolypine,

chefe do governo.

1907 – a 2ª Duma se reúne e é dissolvida em junho.

Cronologia

Por muito tempo considerada apenas o ensaio geral para 1917, a Revolução Russa de 1905 tem chamado atenção por conta de suas próprias especificidades. Nos 100 anos de sua celebração, é importante avaliar o quanto as relações políticas e sociais do mundo atual devem àqueles acontecimentos.

No começo do século XX, a Rússia era um verdadeiro laboratório de práticas e teorias políticas. Menchevi-ques e Bolcheviques – os principais atores políticos da revolução de 1905 - interpretavam de forma dife-rente os objetivos da insurreição por vir. Os primeiros colocavam a burguesia à cabeça da revolução, já os Bolcheviques outorgavam todo o poder ao povo e seu líder, Lênin, enfatizava a aliança de operários e cam-poneses e não acreditava na capacidade revolucionária da burguesia do país. Seja como for, essa – e outras – divergências no seio do POSDR (Partido Operário Social-democráta da Rússia), não devem, como tantas vezes se pretendeu, ser tomadas como absolutas, pois haverá nos anos seguintes importantes recomposições entre essas duas frações do marxismo russo.

A Rússia do início do século XX era um vulcão preste a explodir, um país atrasado e submetido às despótica dinastia dos Romanov, que passava por importantes transformações sociais. No entanto a manifestação, em nove de janeiro de 1905 (segundo o antigo calendário Juliano, vigente à época), de mais de 150 mil operários, acompanhados de mulheres e crianças, tinha o objetivo apenas de entregar uma petição com reivindicações econômicas ao Czar, que ainda não era considerado um inimigo pelas massas. As tropas do governo, porém, ar-rasaram o ato público, em Petrogrado, fuzilando mais de mil manifestantes. Esse episódio, que ficaria conhecido como o “Domingo Vermelho” é considerado o estopim da revolução e estimulou ainda mais as paralisações que já vinham acontecendo desde o ano anterior. Gre-ves gerais de massas e organizações políticas como os sovietes – duas inovações dos revolucionários de 1905 que passaram ao vocabulário político dos movimentos sociais do mundo inteiro - começaram a se desenvolver. “A greve geral de massas como método de luta direta da classe operária permitiu ao proletariado russo dar um salto excepcional em seu nível de consciência revolu-cionária. Esse fato pode ser considerado como o acon-tecimento mais importante para o preparo e a vitória da Revolução Socialista de 1917” sustenta Yelena Zhebit, docente do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (IFCS).

Organização imprevista e originalDaniel Aarão Reis, professor da Universidade Fede-

ral Fluminense (UFF), conta que as greves políticas de massas brotaram da dinâmica interna do movimento dos trabalhadores e, destaca também, a importância da organização dos sovietes nas cidades. “Era uma orga-nização informal e proibida, feita pelos próprios traba-lhadores. Uma novidade que surpreendeu autoridades e partidos de esquerda, pois era ágil, não dependia da burocracia das leis. Os seus representantes não eram definitivos, seus mandatos não eram fixos. Uma orga-nização totalmente imprevista e original”.

As condições dos movimentos sociais que prota-gonizaram a revolução parecem bem distantes das de hoje. “O movimento dos trabalhadores hoje está bas-tante institucionalizado, o que acabou promovendo a integração na ordem capitalista vigente. Partidos e

sindicatos são reconhecidos pela lei. Houve uma per-da da autonomia, que é agora regida por instituições legalizadas. Os trabalhadores abdicaram da autonomia e será um grande desafio para eles recuperarem-na. Se existir estratégias para mudar este quadro, elas terão que surgir do âmago dos movimentos sociais. Partidos e sindicatos tradicionais estão a reboque de movimentos de globalização alternativa, que já estão acontecendo”, afirma Aarão Reis.

“Revolução Rosada”: semelhançasSegundo Yelena Zhebit, ainda se pode ouvir impor-

tantes ecos daqueles acontecimentos. Em janeiro de 2005, várias manifestações, coincidindo com o cente-nário da primeira revolução russa, foram registradas nos subúrbios de Moscou reivindicando a volta dos subsídios sociais cortados após o fim da URSS. As re-voltas armadas e pacíficas também continuam a fazer parte da vida de alguns países, como o Uzbequistão que teve uma insurreição armada em maio deste ano. Na Geórgia e na Ucrânia, greves e revoltas pacíficas alcançaram objetivos políticos perseguidos pela po-pulação. Mas a maior semelhança com o panorama de 1905 foi a recente revolução no Quirguistão.“A Revolução Rosada, no começo do ano, teve milhares de manifestantes carregando bandeiras vermelhas dos tempos soviéticos e missas comemorativas foram re-gistradas diante dos monumentos de Lênin. Essas pes-soas eram, em grande parte, operários e camponeses pobres da região sul do país, que saíram às ruas reivin-dicando o direito a uma vida decente. Tratava-se de uma improvisação e os resultados surpreenderam os próprios líderes da insurreição,” relata Yelena.

A professora conclui lembrando um conselho de Leon Trotsky, outro importante líder da revolução de 1905 e presidente do soviete de Petrogrado, o mais importante do país, tanto em 1905 como 1917: “o proletariado chegou ao poder em 1917 com a ajuda da experiência adquirida pela geração anterior, a de 1905. Por isso os jovens trabalhadores de hoje devem ter acesso total a essa experiência e devem, portanto, estudar a história de 1905”.

Curiosidade. As comemorações de 22 de janeiro (nove de janeiro para o antigo calendário Juliano, adotado na Rússia), dia do “Domingo Vermelho”, foram proibidas por Stalin e, a partir dos 30 anos do século passado, essa data nunca foi lembrada oficialmente na URSS.

Domingo Vermelho: manifestação é reprimida pela polícia por ordem do Czar

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4 UFRJJornal da Setembro•2005

Em tempos mundialmente conturbados pela ameaça de atos de terrorismo, como a recente série de atentados que abalou em Londres, dia 21 de julho deste ano, vem justamente, do Reino Unido, uma boa notícia para todos que acreditam em soluções pacíficas para os conflitos políticos

Bruno Franco

Internacional

A vitóriado diálogo

ilustração Jefferson Nepomuceno

No dia 25 de julho, a liderança do IRA (Irish Republican Army - Exército Republi-cano Irlandês) emitiu comunicado orientan-

do todos os seus militantes a deporem suas armas, a persistirem na luta pela independên-

cia da Irlanda do Norte e na reunificação com a República da Irlanda, de forma democrática.

O IRA decidiu pelo fim de sua campanha ar-mada, após um processo interno de consulta às suas bases, que demonstrou o respaldo popular aos métodos democráticos mediante os quais o Sinn Féin – partido que é considerado seu braço político – advoga a mesma causa.

O conflito na Irlanda do Norte nasceu com o próprio processo de independência do país, que conquistou a liberdade para sua porção sul – chamada de Eire – de população majo-ritariamente católica e de origem celta, mas manteve sob domínio da Grã-Bretanha a parte setentrional da ilha – chamada Ulster – de po-pulação em sua maioria protestante e de origem britânica. No entanto, a própria Constituição

da recém-criada República da Irlanda garantia a futura unidade do território insular, o que nunca deixou de ser reivindicado pela minoria católica norte-irlandesa.

A violência cresceu em escala, quando, em 30 de janeiro de 1972, uma pacífica manifestação, de católicos, por direitos civis foi dura e desnecessaria-mente repreendida pelo exército inglês, marcando a data como “Domingo Sangrento”. O resultado foi o crescimento do IRA e o recrudescimento de suas ações terroristas.

O grave quadro político nas Ilhas Britânicas começou a ser revertido quando, no dia 10 de abril de 1998, os primeiros-ministros Tony Blair

(Reino Unido) e Bertie Ahern (Irlanda) assinaram o Acordo de Belfast – também conhecido como Acordo da Boa Sexta-Feira -, apoiados por líderes norte-irlandeses como David Trimble (UUP - Ulster Unionist Party - protestante) e John Hume (SDLP - Social Democratic Labour Party - católico) e Ger-ry Adams (Sinn Féin, católico). O Acordo previa, dentre outras coisas, a liberação de prisioneiros de grupos que respeitassem o cessar-fogo, uma nova legislação de direitos humanos, o desarmamento de grupos paramilitares e a retirada gradativa de tropas britânicas do Ulster.

O comunicado emitido pela liderança do IRA evi-dencia o progresso do processo de paz, a despeito da desconfiança dos partidos unionistas (leais à Coroa bri-tânica) e foi bem recebido pelo governo britânico.”Este pode ser o dia que a paz substituiu a guerra, a política substituiu o terror, na ilha da Irlanda. Foi por isto que lutamos e trabalhamos (...) desde o Acordo da Boa Sexta-Feira”, afirmou Tony Blair.

A transição da luta armada para o ativismo demo-crático, planejada pelo IRA, não será simples, prevê o professor Franklin Trein, coordenador do Programa de Estudos Europeus do Instituto de Filosofia e Ciências So-ciais (IFCS/UFRJ). “A realidade traz o problema da inser-ção social de jovens criados no movimento paramilitar, treinados para a ela integrarem-se e que não têm, muitas vezes, o estudo e a qualificação profissional necessários para atuarem na vida civil”, explica o professor.

De acordo com Trein, existe o risco de algum seg-mento, católico ou protestante, retomar a opção pela violência, o que poderia reavivar as chamas do conflito. No caso de uma eventual provocação por parte de mili-tantes protestantes, acrescenta o sociólogo, “o IRA e o governo britânico devem saber diferenciar o sistemático do episódico, a agressividade de grupos intransigentes do anseio pela paz da coletividade”.

O IRA manifestou, no comunicado, pesar pelas vítimas da luta armada, sem, contudo, desculpar-se por sua suas ações violentas do passado, e o primeiro-ministro inglês Tony Blair apressou-se em declarar que os atos terroristas perpetrados pelo grupo não seriam esquecidos nem perdoados. Franklin Trein concorda e conclui que “a paz somente se materializará quando houver diálogo, e este construir uma relação de con-fiança. Principalmente, o governo democrático jamais pode esquivar-se do diálogo. A violência, quando houver, deve partir da insurgência de grupos civis, à autoridade do Estado cabe a busca da concórdia, do consenso, a abertura de canais de diálogo e seu estímulo permanente”.

O interesse das sociedades irlandesa e britânica, bem como da opinião pública internacional, é o progresso do processo de paz, nas bases que foram erigidas, com diá-logo entre diferentes líderes, grupos e partidos políticos e atores sociais da sociedade civil. Questionado sobre a importância deste processo, Trein elucida que “a supe-ração da disputa pela violência e o sucesso do embate democrático de idéias e anseios divergentes constituirão um bom exemplo para a Europa e o mundo”.

IRA depõe armas

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UFRJJornal da Setembro•2005 5

O enigma do outroOrientalismo

Internacional

As representações distorcidas do Oriente Médio seguiram pelos séculos e, atualemente, são intensificadas pela mídia e pela globalizaçãoLuana Monçores

Antes do palestino Edward Said, professor de lite-ratura da Universidade de Columbia (EUA), falecido em 2003, o orientalismo era apenas uma disciplina acadêmica que estudava culturas orientais, especial-mente a árabe, mas que pouco contribuia para des-mistificar os olhares preconceituosos sob esses po-vos, que até então eram tidos como exóticos e violen-tos. Said publica, em 1978, Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente (Companhia das Letras), uma denúncia vigorosa do modo ocidental de pensar o Oriente, que se aflora o direito de ditaro que vem ser aquele outro, que na verdade evita conhecer.

Bárbaro e o fanático religioso são alguns desses es-tigmas que hompgenizam culturas cuja diversidade é negada. Os professores Soraya Smaili, da Universi-dade Federal de São Paulo (Unifesp), e Mamede Ja-rouche, da Universidade de São Paulo (USP), ambos do Instituto da Cultura Árabe (ICA), acreditam que os meios de comunicação são fortes colaboradores na criação desses preconceitos. “O que ali se escre-ve é baseado nos piores estereótipos produzidos pelo orientalismo do fim do século XIX e começo do XX”, afirma Jarouche.

Soraya Smaili, atual presidente do ICA, recentemen-te foi ao Irã participar de um congresso e conta sobre a dificuldade de conseguir informações acerca o país. “Aqui no Ocidente, especialmente a América do Sul, temos pouco acesso às informações sobre países do Oriente Médio. Suas produções culturais raramente chegam até nós, como o cinema e os livros. E não é ape-nas no Brasil, amigos europeus me falaram da dificul-dade de conseguir informações antes de viajar. A mídia não ajuda e nos induz a acreditar que são outra classe de pessoas. Só posso crer que isso tudo seja proposital-mente arquitetado”, conta a presidente.

Smaili, de origem libanesa, continuou falando de sua surpresa ao chegar ao Irã e se deparar com um quadro oposto à imagem que se criou desse Estado te-ocrático. “O país não é desenvolvido, mas a situação econômica nada difere de alguns países europeus. Nas ruas existe uma polícia moral, que tem por objetivo zelar pelos preceitos mulçumanos. Não precisei usar véu e nos shoppings vi muitas meninas vestidas com roupas ousadas e panos pequenos na cabeça, muito mais pelo estilo do que propriamente pela pressão re-ligiosa. Há uma grande preocupação entre eles de pas-sar uma imagem positiva, sempre nos perguntando o quê fazer para melhorar a visão que se tem deles”.

Visão distorcidaA cultura árabe aportou grandes colaborações ao

velho continente europeu e à própria formação cul-tural do Ocidente, como conta Antônio Celso Pereira, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política do IFCS/UFRJ. “Um dos legados da cultura árabe ao Ocidente foi a introdução do zero na Matemá-tica. Até o século XIII havia uma inquestionável supe-rioridade cultural, científica e tecnológica do Oriente sobre o Ocidente. As bases da Escolástica foram sus-tentadas pela tradução do árabe para o latim das obras de Aristóteles, que até o século XII era praticamente desconhecido no Ocidente europeu. Foram os árabes que propiciaram aos europeus o conhecimento de um vasto acervo cultural da Antiguidade Clássica grega”, relata o professor.

Segundo artigo de Vera Lúcia Soares, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), a imagem do bárbaro também está no período medieval. ”Ainda

na Idade Média, a Europa se viu impelida a lidar com uma forma de vida totalmente nova – o Islã – que apa-recia como uma versão fraudulenta do cristianismo, provocando um certo temor, que para Said, era, até certo ponto, justificado porque, após a morte de Ma-omé em 632, a hegemonia militar, cultural e religiosa do Islã cresceu enormemente”. Com isso, o Islã passou a “simbolizar o terror, a devastação, o demoníaco, as hordas de odiosos bárbaros”, enfim, um perigo para o conjunto da civilização cristã”, explica a professora.

A representação que o Ocidente produziu do Orien-te é resultado de séculos de distorções e visões parciais e cada vez mais, a partir de meados do século passado, intensificadas, pela mídia e pela globalização. “Com o avanço do capitalismo e dos meios eletrônicos de co-municação mediados prioritariamente pelos Estados Unidos, acentua-se um processo de ocidentalização do mundo. Embora a globalização seja por definição algo que afeta o globo inteiro, ela é essencialmente um fenômeno ocidental, que reproduz suas imagens, seus artefatos e as identidades da sua modernidade. Assim, a mídia globalizada força a informação para dentro de moldes padronizados onde o Oriente aparece cada vez mais estereotipado”, diz Vera Lúcia.

Criatura contra o criadorO pesado fardo do terrorismo é cruel para qual-

quer tentativa de melhora de imagem do Oriente Médio. Muitos intelectuais árabes e/ou muçulmanos foram perseguidos ou condenados à morte em seus países de origem pelos fundamentalistas. Vários de-les foram para a Europa ou para os Estados Unidos, como foi o caso de Edward Said.

Os ataques terroristas generalizados de hoje são di-ferentes daquele, de fundo anarquista, que produziu estragos na Europa no século XIX e início do XX, e que visava apenas atingir personalidades dos gover-nos. Antônio Celso Pereira explica que grupos como a Al Qaeda fazem o que já se convencionou chamar de “guerra assimétrica”, ou seja, a guerra travada por indivíduos e grupos contra o próprio Estado. “É o que se passa na Palestina e no resto do mundo. As redes terroristas que surgiram nestes anos iniciais do século XXI justificam suas ações criminosas identificando-se com a luta antiimperialista e, em sua totalidade, agregam componentes religiosos”, explica o professor, completando que não existem justificativas para atos terroristas, pois são crimes abomináveis.

O terrorismo religioso se alimenta do extremismo imperialista e, “curiosamente, foram os Estados Uni-dos que fomentaram esse tipo de ação. Nada mais na-tural que a criatura se volte contra o criador. A cultura árabe e mulçumana não têm nada que ver com esse processo, cujas causas devem ser procuradas especial-mente na cultura norte-americana” enfatiza Jarouche.

Mudar o quadro de preconceitos sobre o Oriente não é fácil, no entanto é possível fazê-lo pelo cami-nho da informação e da educação. É o que acredita a professora Soraya Smaili, para quem, “a tomada de consciência é sempre mais forte quando vivenciamos a experiência. Por isso, temos que agir e criar todas as possibilidades de mostrar a distorção, de educar as pessoas, de falar da cultura e da história. De fato, só a informação e a educação poderão nos ajudar a supe-rar todas essas tentativas de manipulação ideológica. Mesmo que pareçam muito poderosas”, conclui.

ilustração Pina Brandi

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6 UFRJJornal da Setembro•2005

Comportamento

Quando a professora Emérita da Faculdade de Letras da UFRJ Bella Josef embarcou na grande aventura da literatura hispano-americana, pelas mãos do poeta Manuel Bandeira, no início dos anos 50, ela percebeu de perto os conflitos de identidade do Brasil com os demais povos de origem ibérica do continente latino. O poeta era catedrático da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da então Univer-sidade do Brasil, denominação da UFRJ de 1937 a 1965, e ela se tornou sua assistente.

Nessas cinco décadas e meia de militância intelectual, Bella tem militado na contramão do preconceito cultivado pelas elites brasileiras de virar as costas à cultura, aos valores e às referências históricas da América Latina. “Sem dúvida, muitas resistências tiveram que ser quebradas até que a visão em relação a nossa identidade com a América Latina começasse timidamente a se modificar”, afirma a professora.

O imaginário social gestado durante a construção do território latino-americano, possibilitou a difusão de espaços culturais sem-pre conflituosos, de acordo com Bella, “se no passado vigorava o conflito social entre a barbárie (os latino-americanos) e a civiliza-ção (os europeus), hoje surgem novos dilemas: cosmopolitismo versus indigenismo, modernização versus tradicionalismo, cen-tro versus periferia”. A permanência desses conflitos, segundo Bella, pode ser explicada pela ausência de mudanças radicais na estrutura social durante os processos de independência co-lonial e de formação de novas repúblicas latino-americanas.

Diante dessas configurações sociais (inclusive as surgidas a partir da hegemonia norte-americana), Bella Josef propõe uma tomada de consciência: “é imprescindível posicionar-se a partir de novas coordenadas, não só para desconstruir o conceito de desenvolvimento, mas substituí-lo por outro. É preciso entender que elementos da barbárie se domaram para continuar propondo uma América Latina local em meio do global, para compreender a contempo-raneidade de maneira desmitificadora e sem hierarquias, uma política da diferença que redefina a modernidade e garanta a voz a sujeitos que anteriormente não tive-ram direito a ela no mundo”. Nesse conflito, o Brasil está mal posicionado.

Sem empecilhoBella Josef afirma que o idioma nunca foi empecilho

para aproximar o Brasil dos demais povos ibéricos do continente, “pelo contrário, o brasileiro médio entende o espanhol. Na verdade é mais difícil para quem fala espanhol entender o português do que o contrário”.

Josef continua viajando, participando de conferências, pro-movendo o intercâmbio cultural em feiras, seminários e eventos vinculados à cultura da América Latina em vários países. Ela destaca como exemplo o pan-americanismo como um movimento que procura aproximar as diversas culturas do continente e desconstruir preconceitos: “o movimento envolve intelectuais de países como Peru, Colômbia, Equador entre outros”.

Bella Josef acaba de lançar a 4ª edição ampliada de sua principal obra – História da literatura hispano-americana, publicada pela editora da UFRJ (ver resenha na edição n° 7 do Jornal da UFRJ) – livro que traça o percurso das letras nos países americanos de língua espanhola desde suas origens. Bella é dona de longa trajetória intelectual sempre volta-da para a produção literária do continente. Publicou ensaios, traduziu obras, coordenou a parte brasileira do Dicionário Enciclopédico da Li-teratura Latino Americana. Também publicou um livro de entrevistas com praticamente todos os grandes escritores de língua espanhola da América Latina. De Júlio Cortazar a Miguel Fuentes, de Jorge Luís Bor-ges a Gabriel Garcia Marquez. Nos anos 50 e 60, escreveu regularmente resenhas para os extintos jornais cariocas Diário de Notícias e Correio da Manhã e, como crítica, tem opinião formada sobre a literatura latino-americana. “É no continente que se produz o melhor romance moderno, a literatura mais universal pela temática, pelo achado estilístico e pela visão de mundo”, sentencia a professora.

Ana Gomes

América Latina, tão perto, tão distanteilustração Pina Brandi

Modernização sem ruptura

O professor da UERJ, Luiz Ricardo Leitão, doutor em Literatura Latino-americana

pela Universidade de Havana, estabeleceu como um dos focos de

sua tese, Cinco Séculos de Solidão, uma reflexão sobre o que nos distancia

dos demais povos do continente. Leitão – que acaba de integrar a equipe que organizou o seminário Um outro olhar sobre a América Latina

– toma como epígrafe do seu trabalho, letra de can-ção do compositor cubano Pablo Milanez, destacando

o seguinte verso: “tão perto, tão distante (tan cerca, tan lejos)” como emblemático da relação Brasil com os demais países la-

tino-americanos. Ricardo Leitão, que desenvolve no trabalho uma abordagem histórica desse distanciamento, é contundente: “as classes

dominantes brasileiras sempre olharam com desdém para seus vizinhos. Suas referências foram sempre a Europa (a França, principalmente) num primeiro momento e, depois, os Estados Unidos”.

A origem dessa tradição histórica, segundo ele, reside nos processos diferenciados de colonização na Hispano-América e na América Lusitana.

“Ao contrário do que aconteceu no Brasil, o colonizador espanhol enfrentou comunidades sedimentadas, como os impérios Asteca (na região que se tornou o México) e Inca, na região da Cordilheira dos Andes (o Peru, que sediava o império composto por Bolívia, Chile e Equador). Para enfrentar culturas tão fortes, civilizações consolidadas, os invasores tiveram que recorrer a métodos militares implacáveis e enfrentar muita luta”, observa Leitão. “Do lado dos povos invadidos, as lutas de resistência acabaram resultando em afirmação de identidade, o que levou a um movimento

de afirmação de valores que permanece até hoje entre comunidades ame-ríndias, por exemplo. A ruptura política, cultural e social nos países de colonização hispânica foi traumática”, conclui o pesquisador.

Deslumbramento com a metrópole“No Brasil, pela pulverização dos povos nativos e sem um império, não

houve maiores resistências e sim uma espécie de modernização sem ruptu-ra, sem traumas”. Segundo Leitão, esse é um fato determinante para que a formação cultural da classe dominante se voltasse, sem maiores problemas, para os referenciais do colonizador. “O deslumbramento com a metrópole a partir das oligarquias sustentadas pela monocultura, se reproduziu ao longo da história. A elite paulista quatrocentona que importava professores franceses para ensinar os seus filhos, a vanguarda da USP, tendo a Europa como referência na primeira metade do século passado, são reveladores dessa realidade. O preconceito está até hoje enraizado, inclusive na acade-mia, onde qualquer mestrado ou doutorado no estrangeiro vale mais do que o melhor que você faça aqui. Vale mais Sorbonne e Harvard no currículo”, avalia Ricardo Leitão, para quem, as pretensões de hegemonia política no continente alimentadas pelas classes dominantes brasileiras também in-fluenciaram e influenciam para a atitude de menosprezo e superioridade em relação aos vizinhos latinos.

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UFRJJornal da Setembro•2005 7

Quem você conhece?Rafaela Pereira

Comportamento

Orkut

Criado em janeiro de 2004, o Orkut (http//:www.orkut.com), filiado ao famoso site de busca Google, de início, foi lançado apenas em inglês, porém, devido ao sucesso em terras brasileiras, em abril de 2005, ganhou sua primeira versão em outra língua, a portuguesa. Des-de então, foi postado para diversos idiomas. Sucesso de público, mais do que o gigante Google poderia imaginar, a rede de relacionamentos já ganhou clones, como o Multiply, o 1 Grau e o Gazzag. Com um mecanismo um tanto lento, por ser ainda um protótipo, ele funciona por meio de convites virtuais entre amigos.

Garantida a passagem para o site, o usuário preenche um formulário eletrônico com o seu perfil, coloca fotos e descreve algumas características pessoais, como mú-sica preferida, cor de cabelos e esportes que pratica. A partir daí, é possível encontrar pessoas e se declarar fã de um amigo, deixar mensagens, escrever testemunho, adicionar contatos à lista de paqueras e por aí vai. A organização na rede segue a lógica de comunidades virtuais que criam grupos de interesse e sobre temas variados. Em muitos casos, elas acabam mostrando um pouco da personalidade dos usuários. Segundo Henri-que Antoun, professor do Laboratório de História dos Sistemas de Pensamento/Programa Transdisciplinar de Estudos Avançados (IDEA) da Escola de Comunicação da UFRJ, as comunidades servem como botton, “para dizer como a pessoa é, representam mais um status. Ninguém discute nada, apenas está lá”. Antoun tam-bém afirma que o site segue uma lógica já adotada na Internet: “para ser famoso, você precisa de 15 pessoas para liderar. Diferente da televisão, com os seus 15 minutos de fama”.

Mundo pequenoUma espécie de Big Brother da Internet, o Orkut

tem o diferencial de permitir que o usuário navegue sucessivamente pela rede de relacionamento dos ami-gos ou conhecidos, uma forma de comprovar a teoria dos “seis graus de separação” - bastam seis conexões para formar uma corrente que liga todos os habitantes da Terra – formulada em 1967 pelo sociólogo norte-americano Stanley Milgram.

Teorias a parte, há quem diga que o site é uma má-quina movida a narcisismo, a começar pelo seu criador, que batizou o sistema com o próprio nome. Pessoas famosas, como o cantor Leo Jaime, usam mais de um perfil, já que o sistema permite que cada usuário tenha no máximo mil amigos. Ou seja, pela lista de amigos, é possível medir a popularidade de cada um.

Gabriela Godoi, jornalista e ex-aluna da ECO, re-vela que entrou no Orkut para ver como era e acabou gostando. Hoje, ela possui 245 amigos em sua lista virtual e usa a ferramenta para encontrar fontes para suas matérias. “Agora, passada a febre, entro quando posso”, conta Gabriela. Outra “orkuteira de carteirinha” é Simone Villas-Boas, moderadora da comunidade da UFRJ e formada na ECO em 1997. Para ela o site ajuda, e muito, na vida profissional e serve para manter contato com os amigos. “O Orkut funciona como uma excelente ferramenta de comunicação porque todo mundo neste país tem um perfil cadastrado. Essas redes sociais são boas para criar novos relacionamentos por áreas de in-teresse, independentemente de localização geográfica“, explica Simone.

Pedro Cosati, aluno do 7° período de Engenharia Civil, entrou por estímulo dos amigos, mas hoje, só usa para manter contato com eles. “Entro para dar uma ‘na-vegada’ rápida. Acho que as pessoas desperdiçam muito tempo com algo fútil”, analisa o estudante. Edmundo Grune de Souza e Silva, do Laboratório de Modela-

A febre que atacou seis milhões de brasileiros é uma rede social online criada por Orkut Buyukkokten, programador do Google, que se espalhou rapidamente e se tornou um fenômeno de moda

gem/Analise e Desenvolvimento de Redes e Sistemas de Comunicação, da Coppe/UFRJ, está no Orkut desde maio do ano passado e prefere as comunidades que comentam fatos insignificantes ou cotidianos. “Acho estas as mais engraçadas e divertidas”, avalia Grune.

Fútil ou não, a verdade é que o Orkut tem atraído pessoas de todos os tipos, nacionalidades e idades. É possível até encontrar animais de estimação no site. É isso mesmo. Cães e gatos invadiram a rede de rela-cionamentos. Tem cachorro, por exemplo, que é mais popular do que seu dono.

DicotomiaSe o Orkut é capaz de estreitar laços e de unir pes-

soas a favor de uma causa, ele também tem sido uti-lizado para a criação de comunidades sectárias, que seguem a cultura do “eu odeio”, difundindo a violên-cia e a intolerância. Freqüentemente, esses grupos são banidos do sistema, porém, tão logo um desapareça, outro é aberto.

André Parente, professor do Núcleo de Cultura e Tecnologia da Imagem da ECO, diz que esses dois lados do Orkut não devem ser encarados como positivos ou negativos em si mesmos. “O computador não destrói o caráter das pessoas. As coisas negativas já ocorrem há muito tempo e a Internet é apenas uma ferramenta para elas acontecerem”, analisa o professor.

Acesso restritoDiante do sucesso e da quantidade de usuários “vi-

ciados” em Orkut, algumas empresas e universidades acabaram sendo obrigadas a bloquear o acesso ao site, como é o caso do Rio DataCentro, da PUC. De acordo com Paulo Maurício, da Central de Atendimento, o blo-queio ocorreu por entenderem que a utilização das má-quinas deve ficar restrita aos trabalhos acadêmicos.

Na UFRJ o bloqueio não foi total. Segundo Adriano Joaquim de Oliveira Cruz, professor do Bacharelado em Ciência da Computação, da UFRJ, os professores pedem para que os estudantes moderem o acesso ao site. “Como na universidade não há tantas máquinas

disponíveis para os alunos, postos de computadores ocupados com atividades fora do curso, são um pro-blema”, explica o professor.

Para Leonardo Egrejas de Melo, analista do Supor-te de Sistemas do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE), também da UFRJ, não houve uma determinação específica global para o bloqueio do site. “Contudo, tivemos que bloquear o acesso na biblioteca do NCE quando as máquinas começaram a ser usadas para lazer em detrimento das consultas sérias”, conta Leonardo.

E a linguagem, como fica?Ieda Tucherman, professora do Programa de Pós-

graduação em tecnologias da Comunicação e Estéticas, da ECO, em entrevista no Guia de Literatura Juvenil, diz que o hipertexto é infindável, um “texto em mo-vimento” que nunca chega a ser lido até o fim. Para a pesquisadora, “escrever na rede tem pouco a ver com a concepção clássica de literatura e parece ser mais ligado à possibilidade de medição de paisagens tex-tuais assim como à concepção da escrita e da leitura como um processo nômade de deslizar de um lugar para outro”.

No Orkut, a situação é a mesma, com o agravante de que os textos são muito curtos e a dispersão é ainda maior, devido o sistema ser lento. Para a moderadora da comunidade da UFRJ, Simone Villas-Boas, não é pos-sível “congelar a linguagem num livro empoeirado na estante”. Ela afirma que a linguagem é viva e mutante. “O problema da ‘linguagem da Internet’, como chamam, é que alguns jovens ainda não tomaram consciência do valor da norma culta, que é a boa prática da comunica-ção, e quando usá-la”, explica a moderadora.

André Parente também não acredita que a Internet - e muito menos o Orkut - possa prejudicar o uso da língua portuguesa. Para Henrique Antoun, o Orkut produz uma linguagem coloquial e corriqueira. “Tem muitas gírias, erros de português, interjeições. E mesmo com os erros, acredito ser a Internet o remédio para a televisão. No virtual, pelo menos as pessoas estão escrevendo”, conclui Antoun.

ilustração: Marco Fernandes

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8 UFRJJornal da Setembro•2005

Plebiscito do Desarmamento

Estatuto será referendado em outubro

Pesquisa conclui que índices de homicídios

devem diminuir com o desarmamento

Lucas Bonates

Nacional

ilustração Jefferson Nepomuceno

Os brasileiros estão sendo chamados a participar do referendo que decidirá pela aprovação ou não do Artigo 35 da Lei 10.826, de 22/12/03, com impacto direto sobre a indústria de armamentos do Brasil. O Plebiscito marcado para o dia 23 de outubro, fará a pergunta se “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Os eleitores escolherá entre o “Sim” e o “Não”.

A lei, conhecida como o “Estatuto do Desarmamen-to” tem como principal objetivo diminuir a circulação de armas de fogo entre as ditas “pessoas de bem”. A anterior (Lei n.9437/97), permitia ao cidadão comum, maior de 21 anos, possuir e portar armas, se autorizado pelo Sistema Nacional de Armas (SINARM). Autoriza-da, a pessoa poderia manter a arma em casa ou em seu estabelecimento comercial.

A nova proposta do Estatuto do Desarmamento estabelece restrições ao porte legal de armas de fogo – permitindo o seu uso apenas por agentes de segurança pública e privada – e aumenta os constrangimentos jurí-dicos para a acesso à armas, como a exigência de idade mínima de 25 anos, além de proibir a comercialização de armas de fogo e munições.

O professor Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU), da UFRJ esclarece que “não se pode achar que apenas com essa medida a violência vai acabar. Aliás, não vai acabar nunca. Mas será possível reduzir os índices de violência, os crimes letais e de roubo de armas”.

As pessoas que já possuíam registro de armas quando a Lei 10.829/03 entrou em vigor têm até 02/07/2007 para renová-lo. Já quem possuía uma arma não registrada teve prazo até julho de 2005 para entregá-la ou regularizá-la na Policia Federal. Portanto, corre o risco de ser presa, sem direito ao pagamento de fiança, caso seja flagrada com a portando arma. “O aumento das exigências legais para o registro, o porte e o comércio irão dificultar o acesso a armas. Essa é a idéia”, avalia Misse.

Falta de preparo é causa de óbitosO Brasil detém o triste recorde de campeão mundial

em número de homicídios por armas de fogo, segundo levantamento da ONG Viva Rio. São 18 milhões de armas espalhadas pelo território nacional, das quais a metade é ilegal ou está irregular. “Deve-se evitar o uso indevido das armas. No estado do Rio de Janeiro ocor-rem cinco mil homicídios por ano, sendo que boa parte é fruto de crimes interpessoais – assaltos a residências, brigas entre vizinhos, motoristas e crimes passionais. Nem no Iraque morreu tanta gente”, revela Misse, atribuindo à falta de preparo e de treinamento esse tipo de crime. “Uma pessoa armada em um momento emocionalmente muito tenso – brigas de trânsito, ou entre casais, parentes etc – acaba cometendo um crime

do qual irá se arrepender por toda a vida” explica o pesquisador.

Misse acrescenta que o desarmamento do cidadão comum faz parte do plano de uma política de segu-rança permanente que objetiva a redução dos índices de crimes letais. Mas lembra que a expectativa da população em relação à diminuição da violência em decorrência da adoção do Estatuto pode ser frustrada, porque o governo precisa investir também no combate ao contrabando de armas e ao crime organizado. Ainda assim, o professor considera que “se tudo correr bem, ou seja, a legislação for efetivamente aplicada, havendo punições e controle, em cinco anos os resultados serão visíveis. Caso o desarmamento consiga reduzir em 20 ou 30% os índices de homicídios será uma vitória extraordinária”.

Deve-se considerar, porém, outras medidas a serem implementadas para que haja redução da violência, como a melhoria nas atividades policiais de combate ao contrabando e o aprimoramento das técnicas de in-vestigação. Segundo a Lei de 2003, todas as munições e armas vendidas regularmente receberão um número que as identificarão. “Será possível saber qual instituição recebeu qual lote, e qual policial recebeu qual munição. Isso significa um avanço na apuração de crimes. Com a livre comercialização, não há como fazer esse controle”, diagnostica Misse.

Relatório inéditoO NECVU, a pedido da Comissão da Assembléia

Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) - que avalia o im-pacto das leis e é coordenada pelo deputado estadual, Carlos Minc - em um relatório, divulgado parcialmen-te em primeira mão para o Jornal da UFRJ, revelou que os crimes interpessoais (de motivação fútil) e passio-nais representam parte significativa dos homicídios no estado do Rio, superando em muito o número de

latrocínios - roubo seguido de morte ou de graves le-sões corporais da vítima.

Outro dado alarmante é a relação entre os homicídios praticados com arma de fogo e as armas de fogo apre-endidas. Segundo o relatório, que será apresentado ao público em 15/09 por Carlos Minc, houve um aumento significativo de armas apreendidas desde 2003 (ano de publicação do Estatuto do Desarmamento) e uma redu-ção dos homicídios. O número recorde de apreensões foi efetuado em julho de 2003 – 996 -, enquanto que, no mesmo mês do ano anterior (2002), foram 332. Em 2004, também no mês de julho, atingiu-se a meta de 762 armas apreendidas, apenas no Estado do Rio de Janeiro. Destaca-se que as armas entregues, voluntaria-mente, durante a Campanha pelo Desarmamento não compõem essa estatística.

O número de homicídios dolosos se mantém rela-tivamente estável. Comparando os meses de julho dos anos de 2002, 2003 e 2004, percebe-se que houve dimi-nuição - 528, 527 e 505, respectivamente. “É a primeira diminuição significativa no Rio de Janeiro desde que há estatísticas, ou seja, desde a década de 50. Coincidente-mente, confere com o período de vigor da Lei 10.826/03. Pode não significar nada”, ironiza Misse.

Legítima defesa salva?Os opositores do Estatuto do Desarmamento susten-

tam que o direito a legítima defesa será abalado caso a população brasileira opte pelo “Sim” no Plebiscito. Mas Michel Misse garante que “não há implicações em relação a esse direito”. Ressalva ainda que “está prova-do por pesquisas de nível internacional que é mais fácil que haja óbito da vítima quando ela tenta se defender com uma arma de fogo”. E, convincente, ele indaga ao leitor: “quantos casos você conhece em que uma pessoa, vítima de crime e que tenha se defendido com arma de fogo, conseguiu se defender, ou melhor, sobreviver?”.

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UFRJJornal da Setembro•2005 9

Nacional

O Ministério da Educação, depois de negociar com a equipe econômica, anunciou que a verba de custeio das universidades federais terá um reajuste de 15% em 2006. Os recursos passarão dos atuais R$ 802 milhões para R$ 958 milhões. Para a expansão do Sistema Fe-deral de Educação Superior, foram previstos R$ 169,8 milhões, um salto em relação aos R$ 76,3 milhões deste ano. Mas um salto microscópico se comparado à dimen-são estratosférica das despesas financeiras previstas no orçamento. Um cálculo simples mostra que as verbas para novas universidades e campi avançados em 2006 representam apenas 0,09% dos R$ 178 bilhões que o governo pretende reservar para o pagamento de juros aos credores da dívida pública.

Avanços na LDOSegundo o presidente da Associação Nacional dos

Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Oswaldo Duarte Filho (reitor da UFSCar), o percentual de aumento aplicado ao orçamento é menor do que “os 20% que pedimos inicialmente”. No entanto, ele disse que se fosse apenas um reajuste inflacionário, “muitas instituições não teriam condições de pagar as contas”.

No mesmo dia em que anunciou o novo orçamento, o ministro da Educação, Fernando Haddad, destacou alguns itens da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que considera importantes para financiar a expansão preconizada no projeto de Reforma do Ensino Supe-rior, que está em análise na Casa Civil da Presidência e depois segue para o Congresso Nacional. Um deles é o artigo 58 da LDO, que define que o principal finan-ciador dos hospitais universitários será o Ministério da Saúde – em sintonia com o que prevê a última versão do projeto de reforma universitária. As universidades precisarão pagar apenas os salários dos médicos que também são professores. “A mudança poderá dar um ga-nho de R$ 1 bilhão para manutenção e desenvolvimento do ensino e é a base da Reforma do Ensino Superior”, frisou Haddad. A partir de 2006, entra em vigor um cronograma elaborado em conjunto pelo MEC, Minis-tério da Saúde e área econômica para implementar a separação das obrigações de cada pasta.

Haddad também frisou que o artigo 73 da LDO vai reduzir a burocracia na aplicação da receita própria de

cada instituição, que poderá ser feita por meio de de-creto autorizativo do Governo Federal. Para o ministro, “o procedimento dá agilidade às instituições, estimula a geração de receitas e inicia, na prática, a autonomia universitária prevista no anteprojeto de Reforma da Educação Superior”.

Déficit anunciadoNo dia 22 de agosto, reitores das universidades

federais do Rio (UFRJ, Unirio, UFRRJ e UFF), além do diretor do Cefet-RJ, se reuniram para divulgar a previsão de déficit de R$ 81,7 milhões no orçamento de 2006 das quatro instituições. A projeção foi feita quando o índice de reajuste do orçamento do MEC para o Ensino Superior era de 7%. No entanto, as verbas adicionais que virão com a fixação desse percentual em 15% – número divulgado pelo ministro no dia 31 de agosto – apenas deverão atenuar o déficit inevitável no custeio de algumas instituições.

Na maior universidade federal do país, a UFRJ, a expectativa de insuficiência de recursos em 2006 era de R$ 41 milhões. Mesmo se desse montante for deduzido mais 8% (a diferença em relação ao percentual inicial de 7% de reajuste do orçamento), o rombo nas contas da UFRJ – em cálculo linear e aproximado – seria me-nor, mas não eliminado. Além disso, no orçamento da universidade anteriormente elaborado – com receita projetada de R$ 72 milhões – não há qualquer previsão de investimentos em expansão, como a construção de novas unidades ou a abertura de cursos noturnos. “Esse quadro não vai se alterar com o novo reajuste proposto pelo governo e continuaremos dependendo de verbas extra-orçamentárias do MEC”, comentou a Superin-tendente Geral de Planejamento e Desenvolvimento da UFRJ, Almaísa Monteiro Souza.

O reitor Aloísio Teixeira disse que havia uma expec-tativa positiva para 2006, mas que o crescimento do orçamento continua insuficiente. Para ele, isso revela uma “incompreensão do papel das universidades por parte daqueles que elaboram o orçamento”.

Segundo os reitores das instituições do Rio, com o déficit previsto, os projetos de novos cursos e o au-mento do número de vagas poderão ser afetados. “As universidades públicas são um patrimônio do nosso país e por isso devem ser preservadas e serem vistas não

O orçamento da Educação Superior em 2006 foi considerado pelos reitores das universidades públicas do Rio insuficiente para atender às necessidades de custeio e desenvolvimento das instituições

Universidades: crescimento em riscoOrçamento 2006

Aumento de 15% no orçamento

de 2006 ainda é insuficiente para evitar déficit na

UFRJ

Coryntho Baldez e Rafaela Pereira

como gasto, mas como investimento”, afirma Malvina Tuttman, reitora da Unirio. Esse patrimônio, porém, vem sofrendo restrições ao longo dos anos. Falta de professores, terceirização de mão-de-obra e prédios fechados por falta de reparos são exemplos de alguns dos problemas enfrentados pelas universidades federais do estado do Rio de Janeiro.

Segundo Cícero Rodrigues, reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), a instituição só dispõe de 10% do seu orçamento para manutenção. “Estamos com prédios isolados por falta de obra, mais de mil técnicos-administrativos se aposentaram e as vagas ainda estão ociosas. Nossas contas de luz e água estão em débito desde julho”, revela.

Os dados da Unirio, também não são os melhores. Segundo a reitora, dos R$ 4,5 milhões que a universi-dade ficará devendo este ano, R$ 3,8 são do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. “Os hospitais univer-sitários são o ponto nevrálgico das universidades. Isso sem falar nas terceirizações, que no hospital, temos em grande número”, explica.

Na Rural, ao menos as contas com a Light e com a Ce-dae estão pagas. Porém, segundo o reitor Ricardo Motta Miranda, a instituição acumulou problemas de infra-estrutura e tem, hoje, sua rede de esgoto destruída.

Em situação melhor está o Cefet-Rio. Para o diretor Miguel Badenes, a previsão de orçamento para 2006 será suficiente, embora a escola também enfrente o problema da falta de professores.

Coletiva de Imprensa com os reitores das IFES do Rio de Janeiro,em 22/08/05

Da esquerda para a direita:

Miguel Badenes Prades Filho, diretor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckocw da Fonseca (CEFET-RJ);Cícero Mauro F. Rodrigues, reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF);Malvina Tuttman, reitora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO);Ricardo Motta Miranda, reitor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ);AloísioTeixeira, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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10 UFRJJornal da Setembro•2005

Nacional

Reinventar o BrasilSeminário promovido pelo Instituto de Economia (IE) da UFRJ, que discutiu a obra de Celso Furtado

– nosso mais importante economista – evidenciou a atualidade de sua obra, após uma década de consenso em torno de uma política macroeconômica que não conseguiu atender às expectativas de desenvolvimento

econômico e social do país

Bruno Franco

Em um momento em que o Brasil atravessa grave crise política, que põe em xeque a credibilidade de institui-ções, partidos e atores sociais, a economia permanece aparentemente estável. No entanto, a permanência de in-dicadores macroeconômicos, que tanto agrada o governo e organismos internacionais, não satisfaz o pensamento estruturalista que norteou grande parte da esquerda brasileira na luta por desenvolvimento e justiça social e que encontrou no Brasil, o professor e economista Celso Furtado, um dos seus maiores defensores.

Furtado advogou um modelo econômico indepen-dente, que não seguisse o receituário padronizado das grandes potências para o consumo dos países em de-senvolvimento. No dia 20 de novembro de 2004, fale-ceu, aos 84 anos, esse intelectual oriundo de Pombal, no estado da Paraíba, que chamou a atenção do com a novidade de suas reflexões. Sua vasta obra permanece instigante, o que reforça a necessidade de sua releitura cuidadosa.

Celso Furtado foi o primeiro ocupante da cá-tedra Simón Bolívar, na Universidade de Cambridge (Reino Unido), o primeiro su-perintendente da Sudene, lecionou nas universidades Yale (Estados Unidos) e École des Hautes Études em Sciences Sociales (França). Laureado Doutor Honoris Causa pela UFRJ, Unicamp, UnB e Université Pièrre Mèndes France (Grénoble-França), ocupou, também, a cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras.

Com o objetivo de analisar a economia brasileira atual à luz da reflexão furtadiana, o Instituto de Economia (IE/UFRJ) realizou, entre os dias 15 e 17 de agosto, o seminário Celso Furtado e o século XXI.

Ciladas do neoliberalismoOs palestrantes foram unâni-

mes em criticar ao atual modelo econômico, estabelecido na dé-cada de noventa e que sobrevive às trocas de partidos e perso-nalidades no poder sem ser questionado em seus alicerces, por mais decepcionantes que tenham sido seus resultados.

De acordo com o economista e reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, a articulação de elevadíssimas taxas de juros e de uma perversa concen-tração de renda social são empeci-lhos à retomada do crescimento. Citando Furtado, o reitor destacou que é necessário baixar a taxa (de juros), e isto exige a renegociação da Dívida Externa. Na visão de Teixeira, a política fiscal é incompatível com as metas sociais, e “somente produzirá uma oferta insuficiente de empregos, crescimento medíocre, ampliação do as-sistencialismo e oferta insuficiente de ser-viços públicos”. Para desmontar a cadeia de ciladas que o neoliberalismo, promovido pelo chamado Consenso de Washington, impôs à nossa economia, o

reitor aconselha a revisão da política da última década, o controle estatal sobre o serviço da dívida e sobre a moeda e o controle dos fluxos de capital.

Para Fábio Stefano Erber, professor do IE, a obra de Furtado é um esforço para descobrir e reinventar o Brasil, e a permanência, após décadas, da subserviência deci-sória no plano econômico entristecia bastante a Celso Furtado. “Essa convenção neoliberal leva ao apequena-mento de expectativas. Renegociar a dívida e reduzir juros escapam às leis do mercado, por isso a decisão deveria ser política e não econômica”, explica Erber para concluir que a tarefa dos intelectuais é elaborar uma alternativa que responda aos problemas sociais que não são priorizados pela hegemonia existente.

A cartilha neoliberal apregoa que as reformas libe-ralizantes garantiriam o fluxo externo de investimen-tos cuja remuneração-risco deveria ser sustentada pela

política macroeconômica. Esse receituário enganoso teria engendrado fragilidade econômica atual, na opi-nião de Yoshiaki Nakano, da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). “O governo que mais perseguiu a estabilida-de (Fernando Henrique) foi o que tornou o Brasil mais instável”, opina Nakano.

Crescimento acanhadoO festejado crescimento da economia brasileira na

faixa de 4% ao ano foi considerado, ao longo do semi-nário, um resultado acanhado, limitado pela ortodoxia macroeconômica e pelas restrições de poupança e pro-dutividade. Na atual conjuntura, o desenvolvimento das nações do chamado Terceiro Mundo restringiu-se – nas palavras do economista Luís Carlos Bresser Perei-ra, ex-ministro do Planejamento no governo Fernando Henrique Cardoso – “à disputa da poupança dos países ricos” e por ela aceitamos desenvolver políticas que “chutam nossas escadas”. François Chesnais, da École des Hautes Études em Sciences Sociales, França, tam-

bém se mostrou reticente em relação a uma política desenvolvimentista que não incluía em seus

fundamentos a justiça social. “No desenvolvi-mento, deve haver controle da distribuição de

recursos e uma acumulação auto-sustentá-vel de capital que gere ciclos virtuosos nas indústrias de ponta”, afirma Chesnais.

Celso Furtado não via o subdesenvol-vimento como uma fase histórica neces-sária, mas como uma forma específica de integração subordinada à economia internacional. A sua origem estaria na internalização da dependência – ali-mentada pelas estruturas domésticas, como ressalva Fernando Cardim, pro-fessor do Instituto de Economia – da absorção de tecnologia defasada, da ausência de um controle sobre a moeda

e da aposta no investimento financeiro especulativo e volátil, quando a história

econômica mostra que o capital deixa de fluir bastante quando a economia mais

precisa dele.Apesar dos pesares, o Brasil

é um caso singular na América Latina, como lembra Jorge Katz da Universidade do Chile, gra-ças a diversidade de sua eco-nomia e ao amadurecimento de sua indústria. “O país avançou significativamente, mas com má distribuição de renda e desarticulação de demanda”, analisa Nakano.

O próprio Celso furtado advertia contra a fantasia en-

ganosa dos indicadores macroe-conômicos, pois “a contabilidade

nacional produz um labirinto de espelhos que gera os resultados mais fantásticos”. Deve-se, ao contrário, buscar um amplo esforço de recons-trução institucional, pois, como afir-

mou Furtado, “cabe prevenir as crises e neutralizar feitos sociais da instabilidade

inerente à economia de mercado”.

ilustração Jefferson Nepomuceno

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UFRJJornal da Setembro•2005 11Saúde

Amamentação

Peito e comida caseira: saúde para a vida inteiraLucas Bonates

Desde 1992, comemora-se, anulamente, a Semana Mundial da Amamentação, uma iniciativa da Aliança Mundial para Ação em Aleitamento Materno (da sigla em inglês, WABA), com o objetivo principal de proteger o direito ao aleitamento da mulher trabalhadora e estabelecer meios para sua implementação. O caminho esco-lhido foi o da conscientização e do apoio às mães para que elas consigam oferecer uma alimentação adequada às suas crianças, sendo o leite materno considerado o principal item da dieta.

Afora isso, a mulher deve ter acesso às informações e serviços sobre planejamento familiar e medidas que assegurem a elevação de seu próprio nível de saúde. Essas são algumas das recomendações da Declaração de Innocenti - elaborada em encontro em Spedale degli Innocenti, na Itália, em 1990 - e adotada por organizações governa-mentais e não-governamentais.

Com o tema “Peito e comida caseira: saúde para a vida inteira”, a Semana Mundial de Amamentação foi celebrada, no Brasil, entre os dias 25 e 31 de agosto e procurou informar as famílias com crianças em fase de amamentação como deve ser feita a introdução de novos alimentos à dieta do bebê.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a In-fância (Unicef) recomendam que a mãe ofereça exclusivamente leite a seu filho, pelo menos nos seis primeiros meses de vida. A partir daí, o bebê pode começar a ingerir, ao poucos, outros alimentos, mas sem deixar de ser amamentado, pois o ideal é que o aleitamento dure até os dois anos de idade.

Livro e exposiçãoA Maternidade Escola da UFRJ, que desenvolve trabalhos de conscientização e

apoio às gestantes, preparou o lançamento do livro Amamentação - bases científicas para a prática profissional, do professor Marcus Renato de Carvalho, do Departamen-to de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ. Além disso, apoiou a exposição fotográfica AmaMentAção, que reuniu, na Maternidade Escola, parte de material fotográfico produzido entre 1994 e 2004, pelo fotógrafo William Santos, servidor técnico-administrativo da UFRJ.

É importante destacar que o leite materno é a maior fonte de proteínas, vitaminas, aminoácidos essenciais e fatores de proteção que o bebê pode ingerir, informa a as-sistente social Haydée Cravo de Almeida, que recomenda ainda, em caso de dúvidas, entrar em contato com entidades como as Amigas do Peito - www.amigasdopeito.org.br ou (21) 2285-7779.

Mitos e verdades sobre aleitamentoReza a tradição popular que mulheres com dificuldades de amamentação devem comer canja de

galinha velha, canjica e outras iguarias ou, ainda, oferecer a mamadeira para a criança. Mitos, pura e simplesmente. Por exemplo, “não adianta beber cerveja preta”, adverte Haydée, acres-centando que o uso de “mamadeira acelera o desinteresse do bebê pelo peito materno”.

Marcus Renato concorda que quanto mais a mãe amamentar, mais produzirá leite. O professor alerta para outros mitos correntes que povoam o imaginário popular:

“Meu leite é fraco” - todo leite materno é forte e adequado para o crescimento do bebê até seis meses. Nessa fase, não é necessário dar outro alimento à criança.

“Se eu der muito de mamar, meu leite vai acabar” - quanto mais o bebê mama, mais leite a mãe produz. Sugar o peito estimula a produção. Por isso, não dê ao seu filho chás, água, sucos ou outros leites nos primeiros seis meses.

“Chupar chupeta ajuda a criança a mamar” - pelo contrário, o uso de bicos, chupetas ou mama-deiras deve ser evitado, pois prejudica a amamentação. Os bebês que fazem uso de mamadeira acabam largando mais rapidamente o peito.

“Se não puder amamentar, devo procurar uma ama de leite” - se por algum motivo a mãe não puder amamentar seu filho, não é aconselhável oferecer o peito de outra mãe. Bom mesmo é procurar um Banco de Leite humano, uma maternidade ou um profissional de saúde.

Algumas verdades“A mãe precisa de líquidos, boa alimentação e descanso” - quem amamenta deve tomar líquidos

em abundância, melhorar a alimentação e dormir ou descansar sempre que possível.

“Continue a amamentação, se possível até os dois anos de idade” - a ciência recomenda que todo bebê deve ser amamentado exclusivamente no peito até os seis meses de vida e conti-nuar mamando até os dois anos de idade, enquanto são introduzidos, paulatinamente, novos alimentos.

“Dar água para um bebê que tenha menos de seis meses é desnecessário” - aproximadamente 90% do leite materno é constituído por água. O risco de introduzir bactérias é muito grande com a ingestão de água ou qualquer outra substância.

“O seio não deve ser lavado com sabão” - o próprio leite protege a pele, evitando infecções. Basta o banho diário, evitando uso de sabonete nos mamilos. Não é aconselhável o uso de pomadas e nem de cremes nessa região.

Will

ian

Sant

os

William SantosFotógrafo, servidor técnico-administrativo da UFRJ

A fotografia é um poderosíssimo meio de comunicação. Desde sua inven-ção, no início do século XIX, ela é utilizada em pesquisas científicas, em tec-nologias, como simples divertimento, como Arte. Assim ela é uma linguagem com códigos próprios que o ser humano utiliza para se expressar.

Em 1993, quando ganhei um prêmio por um ensaio fotográfico sobre crianças indígenas brasileiras, em Andaluzia (Espanha), fui aceito para fa-zer o doutorado em Comunicação Áudio-Visual na Universidade Autônoma de Barcelona (UAB). Por algum tempo fiquei sem saber o que fazer, se ia para a Europa ou se ficava no Rio de Janeiro. Nesse momento fui trabalhar na Maternidade Escola/UFRJ. Ali eu teria que ajudar a confeccionar e edi-tar o informativo e fotografar tudo que me pedissem. Em meio a esta labuta descobri o trabalho que os profissionais de saúde lá estavam desenvolvendo sobre o aleitamento materno. Logo percebi que estava diante de um dos fe-nômenos mais complexos, importantes e belos da humanidade. O momento da amamentação é um momento síntese, pois se a mãe está amamentando com tranqüilidade, plenamente, isto significa que a gestação foi boa, que o parto transcorreu bem e que a relação é amorosa. Logo, o primeiro passo é dado para o bebê cresça emocionalmente saudável.

A amamentação tem múltiplos significados sociais, um deles é o fato de que a mulher que amamenta, plena e continuamente, pelo menos durante seis meses, está em exercício de seus direitos civis. Por isso a amamentação também pode significar bem estar social.

Assim acredito que a fotografia, como documentação e arte, pode con-tribuir para a saúde da relação mãe-bebe e de maneira indireta (enquanto mensageira da amamentação) para um mundo melhor. Este foi o motivo maior porque permaneci no Brasil.

Fotografia e Amamentação

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12 UFRJJornal da Setembro•2005

O Brasil está sendo africanizado

Entrevista

Na história do Brasil, nunca

houve seqüência tão trágica de tantas

mediocridades espantosas

Coryntho Baldez

Jornal da UFRJ: Nos últimos governos, apesar das diferenças políticas entre Collor, Itamar, FHC e Lula, a política econômica se manteve essencialmente com as mesmas características. O que explica isso? Reinaldo Gonçalves: Isso expressa a defesa de inte-resses específicos de setores dominantes e o temor dos grupos dirigentes quanto à questão da governabilida-de. Essa é a explicação no plano da macropolítica. No plano da micropolítica não podemos esquecer o azar do povo brasileiro ao escolher dirigentes que têm em comum a mediocridade. Na história do Brasil não hou-ve uma seqüência tão trágica de tantas mediocridades espantosas. Em meu livro Vagão Descarrilhado chamo atenção para o processo de “africanização” do Brasil no último quarto de século. O Brasil se assemelha, cada vez mais, aos países da África subsaariana. Há cerca de três décadas esses países estão mergulhados em crise sistêmica. Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula são responsáveis diretos pela subsaarização do país com a ocorrência simultânea de cinco processos.

Jornal da UFRJ: Quais são eles?Reinaldo Gonçalves: A desestabilização macroeconô-mica, com crescimento medíocre da renda, desemprego elevado, degradação das contas públicas e vulnerabili-dade externa. O desmonte do aparelho produtivo, que produz taxas decrescentes e baixas de investimento, a desnacionalização e a fragilização do sistema nacional de inovações. O esgarçamento do tecido social, gerando miséria, pobreza, violência, aumento do consumo de drogas, tensão e desigualdade. A deterioração política e institucional que atinge meios de comunicação, polícia, forças armadas, judiciário e partidos. E, por fim, a perda de governança, que se expressa na incompetência, má gestão, perda de legitimidade e corrupção.

Jornal da UFRJ: Por que um governo formado por setores sociais e sindicais que faziam oposição his-tórica ao modelo neoliberal aceitou prosseguir com essa política? Reinaldo Gonçalves: Traição e pusilanimidade não são os únicos fatores determinantes. Robert Michels, sociólogo alemão, que influenciou Max Weber, já alertava quanto à conduta de líderes sindicais. Ele escreveu Political Parties em 1911 (a UnB publicou em português), que se tornou um clássico da Sociologia Moderna. Nesse livro Michels defende a tese de que

Em junho de 2001, Reinaldo Gonçalves, economista, professor do Instituto de Economia da UFRJ, em um debate sobre Globalização e Socialismo, promovido pelo Partido dos Traba-lhadores (PT), com a presença de Lula, foi profético ao afirmar que um possível governo comandado pelo partido desembocaria em um processo autofágico se adotasse uma linha

de menor resistência ao status quo. Depois de dois anos e meio de “Lula Lá”, ele afirma, na con-tramão dos que consideram a política macroeconômica o maior troféu do governo, que é exata-mente a fragilidade da economia o fator determinante da crise política.

Nesta entrevista ao Jornal da UFRJ, Reinaldo Gonçalves diz que o país se encontra em mais um período de conciliação e reforma – “um padrão histórico identificado por José Honório Rodri-gues” – e que o atual governo não representa o início de um ciclo de ruptura com uma trajetória de desigualdade e injustiça. Ao contrário, o Brasil estaria cada vez mais parecido com países africanos, com problemas que vão do desmonte do aparelho produtivo à deterioração do espaço político-institucional.

a expansão das organizações (Estados, partidos políti-cos, sindicatos, igrejas etc) as tornam reféns das suas próprias burocracias. Isso significa que os indivíduos que controlam essas organizações (burocratas, líderes sindicais etc) definem objetivos e implementam me-didas que atendem, em primeiro lugar, os seus pró-prios interesses. E os interesses dos grupos ou elites dominantes, os controladores da organização, podem contrariar os interesses do conjunto dos membros da organização. O livro de Michels tornou-se uma referência obrigatória para o entendimento do funcio-namento das organizações modernas, da burocracia e da democracia. Nesse livro há um capítulo particular-mente interessante sobre líderes sindicais com origem na classe trabalhadora. A principal tese de Michels é que esses líderes são tão ou menos confiáveis, para a classe trabalhadora, do que os líderes provenientes de outras classes ou grupos sociais.

Jornal da UFRJ: E quais seriam os traços de identifica-ção de uma liderança desse tipo?Reinaldo Gonçalves: Michels analisa traços caracte-rísticos dos líderes sindicais que podem ser úteis na identificação de seus padrões de conduta. Segundo Michels, no ex-trabalhador manual o amor ao poder se manifesta com sua maior intensidade. Tendo sido bem sucedido em livrar-se das correntes que usava como trabalhador assalariado e vassalo do capital, ele é o que tem a menor inclinação para usar novas correntes que o atarão às massas como um escravo. Como todo ho-mem liberto, ele tem uma certa tendência de abusar da liberdade recentemente conquistada, e uma tendência à permissividade. Em todos os países conhecemos his-tórias de algum líder da classe trabalhadora de origem proletária que se tornou errático e despótico. Ele tem grande aversão a ser contrariado. Essa característica é, sem dúvida, parcialmente dependente da sua condi-ção de parvenu (parvalhão, recém-chegado), pois está na natureza do parvenu manter sua autoridade com ciúme extremo, olhar toda crítica como uma tentativa de humilhá-lo e diminuir sua importância, como uma alusão deliberada e mal-intencionada ao seu passado. E mais, segundo Michels, eles são muito sensíveis à bajulação, mas isso parece ser o menor entre os seus defeitos. Em muitos casos eles não passam de serviçais pagos do capital. Temos, aqui, um retrato tamanho 3x4 de Lula et caterva.

Reinaldo Gonçalves

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UFRJJornal da Setembro•2005 13

principal objetivo aplainar mais as divergências dos grupos dominantes que conceder benefícios ao povo. As medidas de política econômica e as “reforminhas” de Lula indicam que estamos em mais um período de conciliação e reforma. No início do seu governo, Lula propôs um mecanismo de conciliação, que ele deno-minou de Pacto Social. O resultado não poderia ser outro. Lula frustrou as expectativas do povo brasileiro e repetiu o padrão histórico identificado por José Honório Rodrigues como de “conciliação e reforma”. O governo Lula não representa o início de um novo ciclo histórico marcado pela ruptura com uma trajetória de desigual-dade, miséria e injustiça. Muito pelo contrário.

Jornal da UFRJ: A crise política tem levado a um esfor-ço, até de setores oposicionistas, para o que vem sendo chamado de “blindagem” da economia e do próprio ministro Antonio Palocci. O senhor acredita em uma guinada maior do governo em direção aos interesses do mercado financeiro, com a adoção do déficit nominal zero, como propôs Delfim Neto? Reinaldo Gonçalves: Tudo é possível com um governo fraco e medíocre. A governabilidade e a governança tendem a zero. E, portanto, os setores dominantes aproveitam para avançar nas suas propostas mais indecorosas.

Jornal da UFRJ: O que significa a proposta de déficit nominal zero e quais seriam seus efeitos para setores como Educação, por exemplo?Reinaldo Gonçalves: Essa proposta foi feita para fra-gilizar ainda mais o governo Lula. Ela significa, na prática, mais cortes nos gastos públicos. Com isso, agrava-se o esgarçamento do tecido social e a fragi-lidade da economia. O resultado é o maior risco de crise social aberta.

Jornal da UFRJ: Recentemente, a cúpula do empre-sariado brasileiro foi ao presidente Lula para elogiar a política de superávit primário do governo, mas não pediu a redução de juros. Hoje, é mais negócio para os empresários colocarem dinheiro na especulação do que investir na produção?

Não haveria crise política

se a economia estivesse

crescendo 7% ao ano e o

desemprego e a exclusão social

diminuindo

Entrevista

Jornal da UFRJ: Era possível prever, antes da eleição de Lula, que a condução da macroeconomia tivesse uma marca tão ortodoxa? Reinaldo Gonçalves: O que está ocorrendo com o PT não me surpreende. Na realidade, não há decepção porque não havia ilusão. Essa posição baseava-se em algum conhecimento a respeito do funcionamento do PT, da conduta das suas lideranças, de registros de quem viveu a “cozinha” do partido e da teoria sociológica. Fui filiado ao PT entre o início dos anos 90 e janeiro de 2005. Em junho de 2001, houve um debate sobre o tema “Globalização e Socialismo” no PT, inclusive, com a presença de Lula. Esse debate foi publicado pela Fundação Perseu Abramo (Socialismo e Globalização Financeira). A minha exposição con-centrou-se nos fundamentos de um projeto de orien-tação socialista para o Brasil na perspectiva de vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002. Após um debate bastante agitado, concluí a minha intervenção da seguinte forma: “Desconcentraremos radicalmente a riqueza ou ficaremos, quem sabe, sem fazer nada. Vai ficar um “projetozinho” de um Brasil vulnerável, débil e africanizado. E depois, no futuro, quando o PT for governo, alguém virá criticar o núcleo duro dos economistas do PT, que serão acusados de serem os responsáveis pelos resultados medíocres. Então, o pessoal dirá: o núcleo duro dos economistas do PT não quer brigar com o sistema financeiro nacional e internacional, não consegue romper com o FMI. É lamentável, mas é uma opção. De repente, nada será feito em termos de transformação e ruptura. Vale ressaltar que não é um problema técnico vinculado a núcleos “duros” ou “moles” de economistas. É uma escolha política. Na minha avaliação, a estratégia de nada fazer, nada mudar, significa deixar o Brasil vulnerável, débil, nessa trajetória de africanização, o que é uma estratégia de alto risco. Para não mudar, é melhor deixar a social-democracia ou os liberais no poder. Estou convencido de que qualquer estratégia, marcada pela pusilanimidade e pela linha de menor resistência, desembocará em um processo autofágico. Perderemos o rumo e o prumo. Não tenho dúvidas que a história vai cobrar, e caro, se seguirmos a linha de menor resistência”.

Jornal da UFRJ: Em que se baseava essa análise? Reinaldo Gonçalves: Na percepção crescentemente pessimista a respeito das perspectivas do desempenho de Lula na Presidência da República. Ao longo dos anos, fui me convencendo que parte expressiva dos dirigentes do PT não tinha um projeto de sociedade para o Brasil. De fato, havia quase que exclusivamente um projeto de poder. Daí, o meu ceticismo quanto a um futuro governo Lula. Não é por outra razão que a partir de 2001, na medida em que aumentavam as chances de Lula ser eleito, mais eu me afastava do PT.

Jornal da UFRJ: E a quem interessa a continuidade do modelo econômico?Reinaldo Gonçalves: Aos grupos dominantes, princi-palmente banqueiros, rentistas, latifundiários, oligar-quias regionais e os barões da privatização. Em uma rica síntese da história política brasileira, José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma, 1965) chegou à se-guinte conclusão: “As reformas dos líderes criadores foram sempre contidas, ou porque as condições estru-turais e as pressões externas os impediam de mover-se com maior desembaraço ou porque o próprio mecanis-mo da conciliação os obrigava a conter-se, ou ainda porque diante das dificuldades reduziam ou limitavam seus objetivos”.Os céticos tomavam a História do Brasil como referên-cia e pensavam que não se deveria esperar mudanças significativas durante o governo Lula. Recuperava-se, assim, a análise histórica que nos dá a seguinte lição: a política de conciliação, de transação, teve como

Reinaldo Gonçalves: O empresariado brasileiro se be-neficia dos juros altos porque tem parte crescente do seu capital aplicada em títulos do governo. Na realida-de, durante o governo Lula, o empresariado brasileiro tem ganhado “rios” de dinheiro com a dívida pública e remetido capital para o exterior.

Jornal da UFRJ: E em relação à Dívida Externa, qual tem sido o tratamento dado a ela pelo governo?Reinaldo Gonçalves: Lula comete um erro grave. En-quanto o setor privado se aproveita do dólar barato para reduzir sua dívida externa, o governo tem uma atitude passiva, ou seja, não tem qualquer estratégia quanto à Dívida Externa. Para ilustrar, a dívida com o FMI custou ao Brasil durante o governo Lula cerca de US$ 2,5 bilhões.

Jornal da UFRJ: O Banco Mundial aprovou, em junho último, um empréstimo de US$ 502,5 milhões para o Brasil. Qual a importância real de um empréstimo desse porte para as políticas sociais no Brasil?Reinaldo Gonçalves: É ridículo quando se leva em conta que toda semana, repito, toda semana, o governo paga de juros da dívida pública US$ 1,3 bilhões aos rentistas e banqueiros. Ou seja, esse empréstimo do Banco Mundial equivale ao pagamento de juros de dois dias.

Jornal da UFRJ: O cumprimento de contratos virou qua-se um dogma para a equipe econômica, principalmente quando o assunto é Dívida Externa. Por quê? Reinaldo Gonçalves: É o casamento da ideologia libe-ral com a tolice. Trata-se da defesa de interesses dos rentistas e banqueiros.

Jornal da UFRJ: Existe risco de uma crise externa que leve à fuga de capitais e afete os pilares da atual política econômica?Reinaldo Gonçalves: Esse risco é crônico tendo em vista a vulnerabilidade externa, o processo de “africa-nização”, a perda de governança e governabilidade e a mediocridade do governo Lula.

Jornal da UFRJ: A equipe econômica tem repetido o bordão de que a economia tem fundamentos sólidos. Isso é verdade? Reinaldo Gonçalves: A equipe econômica de Lula é de uma mediocridade espantosa, começando com o pró-prio ministro. Se os fundamentos estivessem sólidos, o Brasil não estaria entre os cinco países com maior taxa de risco no mundo, a taxa de juros brasileira não seria a maior do mundo e a nossa taxa de crescimento não estaria entre as mais baixas no conjunto dos países em desenvolvimento. A taxa média anual de crescimento econômico é de 3,0%, enquanto os países em desen-volvimento e o mundo têm crescido a taxas médias anuais de 6,5% e 4,5%, respectivamente. Portanto, no governo Lula, o Brasil “andou para trás”, ou seja, ficou mais subdesenvolvido.

Jornal da UFRJ: É possível, de fato, fazer essa cha-mada operação de blindagem da economia, como se a economia fosse um corpo à parte da política e suas crises?Reinaldo Gonçalves: A história da blindagem da econo-mia é paparrotada, impostura. Na realidade, a fragilidade da economia é a principal determinante da crise política. Não haveria crise política e institucional se a economia estivesse crescendo 7%, o desemprego caindo, os ser-viços de utilidade pública melhorando, a violência e a exclusão social diminuindo e as instituições se fortale-cendo. Atualmente, no Brasil, a questão central não é se a crise política pode afetar a economia, mas simplesmente o seguinte: o péssimo desempenho da economia, com suas repercussões sociais e políticas, é a principal causa e o fator agravante da crise institucional.

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Desconstruindo mitossobre DST

Médicos alertam para os sintomas das principaisDoenças Sexualmente Transmissíveis

Saúde

Liana Fernandes

As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) po-dem causar graves problemas à saúde se não tratadas adequadamente. E entre eles: disfunções sexuais, esteri-lidade, aborto, partos prematuros, bebês contaminados, deficiências físicas ou mentais, alguns tipos de câncer e mesmo, a morte. Os sintomas das DST variam desde coceiras e ardências ao urinar ou durante a relação se-xual, até febre, mal estar e fraqueza. Estes últimos, por serem indícios de uma virose comum, podem confundir homens e mulheres.

Com a evolução do quadro aparecem os sinais ca-racterísticos de cada DST. As mais comuns são herpes genital, as diversas formas do papiloma vírus humano (o HPV), sífilis (Treponema pallidum), gonorréia (ble-norragia - Neisseria gonorrheae) e infecção por clamídia (Clamydia trachomatis). Segundo a professora Juraci Ghiaroni, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRJ, a Tricomoníase (Trichomonas vaginalis) é uma infecção vaginal não muito comum e, a incidência de sífilis na população é medida, mais comumente, pelo número de crianças que nascem com a doença. “Há pessoas que sentem ardência e coceira, outras somente um dos sintomas e muitas pessoas não sentem nada e, sem saber, transmitem DST para seus parceiros. O tratamento dessas doenças deve ser feito corretamente porque qualquer infecção genital torna o tecido que reveste a vagina suscetível a infecções ainda mais graves”, ressalta.

O diagnósticoDe acordo com Juraci, é mais fácil identificar a DST

no homem. Na mulher, por características anatômicas da vagina e do colo do útero, é produzida, normalmente, uma secreção vaginal, em quantidades variáveis duran-te o mês. “Isso pode confundir o diagnóstico. No caso da gonorréia, aparece um corrimento que a mulher não trata num primeiro momento e que desaparece, mesmo sem tratamento. Porém, a bactéria fica hospedada no colo do útero e a mulher se torna transmissora sem se saber portadora”, explica. Já o diagnóstico de sífilis é feito por exame de sangue, rotina no pré-natal. “Este é um ótimo momento para rastrear essas doenças. E a mu-lher, antes de engravidar, deve fazer exames e tomar as vacinas, como a da Hepatite B”, completa a médica.

Ao contrário das mulheres, segundo Fábio Pessanha Henriques, professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFRJ, os homens procuram o médico assim que percebem qualquer alteração no pênis. “Uma úlcera ou um corrimento, por exemplo, são coisas que o homem nunca tem, então, procura tra-tamento mais rapidamente do que a mulher”, afirma.

DST em açãoA clamídia é uma doença infecto-contagiosa das

genitálias masculina e feminina. Causa, na maioria das vezes, corrimento uretral ralo, também chamado de gota matinal, transparente e, acompanhado de ardência uretral ou vaginal. Se não tratada, o indivíduo pode,

entre outros sintomas, tornar-se infértil, apresentar otite média, doença inflamatória pélvica, conjuntivite e linfogranuloma venéreo.

Assim como a clamídia, a gonorréia também é uma doença infecto-contagiosa que causa uretrites. Ela se caracteriza por ardência ao urinar, coceira e, em alguns casos, febre. Também aparece uma secreção abundante e purulenta expelida pela uretra, no homem, e pela vagina e/ou uretra, na mulher. Quando não é tratada, pode causar infertilidade, artrite aguda, aborto espon-tâneo, inflamação da próstata e do miocárdio, infecção ocular etc. “A incidência de gonorréia e de clamídia caiu muito depois que apareceram os casos de Aids. As pessoas não temem a gonorréia, mas têm medo da Aids, então, usam a camisinha, e conseqüentemente, evitam as outras DST”, observa Fábio.

Uma das DST de tratamento mais longo é a sífilis tardia, que pode causar alterações neurológicas e car-díacas graves. Existem dois tipos, a de infecção recente e a de infecção tardia. A recente, de acordo com Juraci, pode começar com um pequeno ferimento na parte ge-nital feminina, que às vezes não é percebido, pois não é dolorido e cicatriza espontaneamente. Depois, surgem lesões na pele, facilmente confundidas com alergia. “Se rapidamente diagnosticada a sífilis, há 100% de êxito no tratamento. No início da gravidez, por exemplo, se a mulher for tratada, obtém a cura e não infecta o bebê”, informa a professora.

Em algumas doenças como o HPV, aparecem verru-gas genitais sensíveis ao tato ou alterações nas células do colo do útero, identificáveis apenas no exame gi-necológico preventivo. O HPV exige um acompanha-mento médico maior, que depende do tipo de alteração celular. De acordo com Juraci, se não houver alterações que apontem para o diagnóstico de câncer, o controle pode ser feito de maneira espaçada, caso contrário, é preciso acompanhar de acordo com um protocolo, por sistematização e de acordo com o grau da lesão. “Trata-se a lesão que o vírus induz. A própria pessoa se livra do HPV de forma espontânea em 95% dos casos e fica curada”, destaca.

Segundo Fábio, no homem o tratamento de HPV é fácil, pois é local. São aplicadas substâncias químicas, como ácido, que destroem a lesão. “Há formas que não causam verrugas e, nestes casos, quando o HPV é diag-nosticado na parceira, é feito no homem um exame, a peniscopia, para ver se há lesão. É remota a possibili-dade de câncer de pênis nas cidades, onde os homens procuram tratamento e têm informação”, explica.

Outras doenças são mais perceptíveis ao portador, como o herpes genital. O tratamento é feito de forma sintomática e a cura se dá espontaneamente, principal-mente da segunda infecção em diante. “Na primeira in-fecção, aparecem múltiplas úlceras, bastante dolorosas, o que leva à procura rápida por tratamento”, informa Juraci afirmando que “todas essas DST são infecções co-muns e ninguém deve se sentir envergonhado por tê-las. O que se pode fazer para evitar é usar a camisinha”.

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UFRJJornal da Setembro•2005 15

No início do projeto, os co-ordenadores passaram por difi-culdades, trabalharam sem salas de aula e até sem água. Depois, com o apoio recebido, inclusive pela Prefeitura do Rio de Janei-ro, foi possível elaborar formas mais dinâmicas de abordagem. Porém, um dos desafios do projeto ainda é encontrar uma maneira de participar da vida dos adolescentes sem atrapalhar suas atividades escolares ou pessoais.

Entrar nas comunidades ca-rentes não tem sido tarefa fácil para a equipe do Papo Cabeça, que também conta com estagiá-rios e instrutores de saúde. Sobre essa questão, Claudia acrescenta que “tem escolas em comunida-des que nós não podemos entrar, precisamos aguardar a permissão do ‘poder local’, o que gera toda uma discussão sobre a nossa se-gurança e a dos estagiários, pelos quais somos responsáveis. Dessa forma, não podemos atender aquelas crianças”.

Jovens instrutores de saúdeDe 1996 até 2005, já passaram

pelo projeto 60 estagiários e qua-se três mil instrutores de saúde. Os estagiários — da UFRJ — co-ordenam os grupos de adolescen-tes e também recebem ajuda dos instrutores de saúde. “A nossa linguagem nos aproxima deles, apesar dos limites que, às vezes, somos obrigados a impor”, diz Priscilla Massena, estagiária de Psicologia e coordenadora de um grupo junto com Aline Neves e Ives Rocha, também estagiárias de Psicologia.

Todo ano acontece o chamado “Encontrão”, em que instrutores de saúde — alunos das escolas — se reúnem com os professores

e promovem mostras de ciências e pesquisas, usando muitas vezes o conhecimento adquirido no projeto. “Ajudamos a conscientizar os amigos e a se prevenirem. É um aconselhamento”, explica Thieyssi Douglas da Silva que, junto com Caroline Barbosa, é instrutor de saúde de um dos grupos.

Gravidez na adolescênciaDe acordo com a psicóloga Silvia Rios, houve um

crescimento, entre 1993 e 2000, de gravidez na ado-lescência. Apenas no período de 1993 a 1996, em Jacarepaguá, e em meninas da faixa etária entre 10 e 14 anos, o número subiu de 3 (em 1993) para 74 (em 1996). “Em pesquisa recente, vimos que a mortalida-de de recém-nascidos, filhos de meninas de 10 a 19 anos chega a 50%. Porque não são preparadas tanto fisiológica quanto de comportamentalmente”, revela José Leonídio.

Bom papo com os garotosAdolescentes e profissionais conversam sobre sexualidade no Papo Cabeça

Liana Fernandes

Saúde

Discutir a sexualidade na ado-lescência é um dos objetivos do projeto Papo Cabeça ou Projeto de Orientação e Saúde Reprodu-tora para Adolescentes, que há nove anos procura conscientizar estudantes de escolas munici-pais nas áreas de Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz. Vincula-do à Maternidade-Escola e ao Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Me-dicina da UFRJ e parceiro da 7ª Coordenadoria Regional de Edu-cação, o projeto atende cerca de 20 alunos por grupo, sendo, ape-nas na Escola Municipal Sérgio Buarque de Holanda, na Barra da Tijuca, quatro grupos diferentes.

Coordenado por José Leonídio Pereira, professor do Departamen-to de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFRJ, Regina Celi Ribeiro, psicóloga e Cláudia Fanelli, assistente social (ambas da Maternidade-Escola) e Silvia Rios, psicóloga da Facul-dade de Medicina, os assuntos abordados no projeto variam de acordo com a demanda dos alu-nos, em encontros que acontecem uma vez por semana e, em geral, tem duração de 2 horas. O Papo Cabeça, além disso, também é um campo de excelência para a atuação de estagiários.

“No projeto mostramos o que a sexualidade representa no cres-cimento e no desenvolvimento, tanto físico quanto psíquico do adolescente. Conversamos sobre as conseqüências de seus atos e também sobre as formas de se evitar uma Doença Sexualmen-te Transmissível (DST) ou uma gravidez indesejada”, diz José Leonídio.

Segundo Regina Celi, nos gru-pos não são separados meninos de meninas, mas tentam-se organizar os adolescentes de acordo com a faixa etária para uma maior identificação dos problemas. “Trabalhamos com a 5ª série de modo diferenciado, pois esses alunos necessitam de uma atenção maior, é um período em que a sexualidade está aflorando, então as chances de acontecer uma gravidez ou uma DST são maiores”, enfatiza a psicóloga.

De acordo com Cláudia Fanelli, todo ano é feito um mapeamento da área que abrange as 113 escolas que o projeto atinge, para a obtenção de dados sobre gestação, DST e abandono escolar. “A idéia de se de-senvolver esse projeto surgiu porque começamos a ver, na Maternidade-Escola, muitos casos de gravidez na adolescência. Nós queríamos mudar esse quadro, fazer algo antes que as meninas engravidassem”, explica a assistente social.

O projeto busca conscientizar criticamente os ado-lescentes. Para isso são feitas dinâmicas de grupo e

introduzidas informações sobre reprodução, métodos anticoncepcionais e DST’s. “Os alunos têm consciência da AIDS e de algumas DST, mas pensam que está tudo muito longe deles. E muitas adolescentes acham que devem engravidar logo dos ‘donos’ dos morros porque ser a ‘primeira-dama’ é legal”, comenta a psicóloga Regina Celi.

Desafios permanentesO Papo Cabeça atende parte da Zona Oeste, região

com vasta diversidade de realidades sócio-econômica. “Temos a Cidade de Deus, o Rio das Pedras, a Vargem Grande e a Vargem Pequena — com características de interior — e escolas dos condomínios da Barra da Tijuca. Então percorremos desde a ‘metrópole’ até a área rural, o que nos proporciona um panorama do que acontece e quais os trabalhos que podemos desenvolver nessas áreas”, alienta Claudia Fanelli.

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16 UFRJJornal da Setembro•2005

Enfrentando a nicotinaBrasil estuda adesão à Convenção-Quadro para controle do Tabaco, o primeiro

tratado internacional de saúde pública da história da humanidade

Liana Fernandes

Saúde

O Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo (NETT), criado em 2003, ligado ao Hospital Universi-tário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e ao Instituto de Doenças do Tórax (IDT), desenvolve pesquisas, rege atividades de formação e extensão e ainda presta assistência a fumantes e ex-fumantes que enfrentam a síndrome de abstinência provocada pela interrupção do uso do tabaco.

Nos dois últimos anos aumentou a procura de ser-vidores técnico-administrativos e docentes de todas as unidades da UFRJ, pelo tratamento antitabagismo no NETT. “A procura por nosso programa é muito grande, recebemos pessoas do município do Rio de Janeiro, do interior do estado e da Baixada Fluminense”, diz Alber-to Araújo, pneumologista e coordenador do núcleo.

O tabagismo, além de reduzir a qualidade e o tem-po de vida do fumante e de pessoas que convivem com dependentes de nicotina, faz com que o Siste-ma Único de Saúde (SUS) dispense grande parte de seus recursos ao tratamento do câncer, do infarto do miocárdio, do derrame cerebral (AVC), da enfisema pulmonar e de outras doenças causadas pelo uso de derivados do tabaco. Para Araújo, “felizmente tem au-mentado a oferta de novas unidades para tratamento, pois trabalhamos com limitado espaço físico e precá-rias condições materiais, além de equipe técnica re-duzida, apesar do apoio que recebemos da direção do IDT e do HUCFF”.

O tratamentoO tratamento do tabagismo envolve o comprometi-

mento de quem deseja ao menos tentar parar de fumar, terapia cognitivo-comportamental individual ou em grupo e medicamentos especialmente indicados para enfrentar os sintomas de abstinência da nicotina. De acordo com Alberto Araújo, o Governo Federal ainda não disponibilizou medicamentos para apoiar esta te-rapia, mas existe um processo de licitação em curso e o NETT irá recebê-los. Porém, “remédio nenhum faz alguém parar de fumar; apenas alivia os sintomas de abstinência ou trata a ansiedade ou a depressão, per-mitindo ao indivíduo levar uma vida saudável”, res-salta o pneumologista.

Câncer e tabacoSegundo Araújo, existem inúmeras subs-

tâncias carcinogênicas na fumaça do tabaco, como benzopireno, nitrosami-nas, alcalóides do alcatrão, aldeídos etc, que tornam o produto responsá-vel por 30% das mortes por todo o tipo de câncer, 90% das mortes por Câncer de pulmão, 25% das mor-tes por doença coronariana, 85% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica e 25% das mor-tes por derrame cerebral ou AVC. Além disso, o uso de derivados do tabaco causa aneurisma arterial, trom-bose vascular, úlcera do aparelho diges-tivo, infecções respiratórias e impotência sexual, no homem.

No período de consumo de cigarro, charuto, cachimbo, cigarro de palha, rapé e fumo-de-rolo são introduzidos no organismo mais de 4 mil e 700 subs-

tâncias tóxicas, incluindo a nicotina (responsável pela dependência química e sensação de prazer), o monó-xido de carbono e o alcatrão. O fumo é constituído por aproximadamente 48 substâncias pré-cancerígenas, como agrotóxicos e substâncias radioativas.

Tabagismo na UFRJO Programa de Apoio ao Tratamento do Tabagismo

(PATT), atende exclusivamente no HUCFF, durante a semana, em horários fixos para cada grupo formado, a cada dois meses, de acordo com a disponibilidade de vagas, de profissionais ou de protocolos específi-cos de pesquisa. O público-alvo são funcionários do HUCFF/IDT e da UFRJ, além de estudantes da univer-sidade, fumantes ou com recaídas.

Atualmente o NETT desenvolve pesquisas, a partir da demanda dos pacientes, e projetos para estudar grupos especiais de fumantes, tais como, mulheres no período da peri-menopausa, pacientes com cardiopatia e com recaídas freqüentes.

Campanhas contra o fumoO Ministério da Saúde brasileiro é um dos poucos

comprometidos com a veiculação de propaganda, em nível mundial, sobre os efeitos do tabaco no organismo humano. A campanha brasileira reduziu extraordina-riamente o percentual de fumantes no Brasil. “Essa propaganda informa, de maneira impactante, que o cigarro provoca danos à saúde e mostra as vítimas de uma mentira sórdida e urdida durante décadas de que o cigarro traria felicidade, projeção social, liberdade e sucesso”, opina Alberto.

Durante as comemorações do Dia Nacional de Combate ao Câncer, em 2002, o Ministério da Saúde realizou uma pesquisa com 650 pessoas, concluin-do que 62% dos entrevistados consideraram que as imagens de advertência estimulam as pessoas a dei-xar de fumar.

ilustração: Fábio Portugal

Tabagismo

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UFRJJornal da Setembro•2005 17

Escola de ComunicaçãoUniversidade

O serviço de transmissão de voz pela Internet, o VoIP (Voz sobre Internet Protocol), está na moda, e promete não ser esquecido. Veio para ficar. Normal-mente associado ao baixo custo das ligações de longa distância (DDD e DDI), o VoIP é, na verdade, o telefone convencional da era digital.

Paulo Aguiar, professor, coordenador do Labo-ratório de Voz sobre IP do Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ (NCE/UFRJ), destaca que mais do que reduzir custos com ligações de longa distância, a importância da tecnologia VoIP está relacionada à mobilidade e flexibilidade do sistema. Afinal, “basta estar em uma cidade onde haja conexão rápida à Internet, com cobertura desse serviço, e o usuário poderá fazer suas ligações a preço de chamada local. Não importa se a origem é Brasília, Rio de Janeiro, ou alguma cidade do exterior, e o destino é Manaus, por exemplo”, destaca Aguiar.

Para conseguir utilizar o serviço é preciso que o PC (Personal Computer) tenha, no mínimo, um processa-dor com 500MHz, 128Mb de memória RAM, um kit multimídia (caixas, placa de som e microfone) e cone-xão rápida (banda larga) com a Internet. Conexões por satélite não são recomendadas, embora seja “possível superar essa limitação com um pouco mais de conhe-cimento em informática”, sugere Aguiar.

VoIP gratuito na UFRJVárias empresas vendem esse tipo de serviço. Os

preços variam e as vantagens também. A Tmasi oferece o Aloha IP (www.tmais.com.br), que cobra tarifas de até R$0,15 por minuto em chamadas para países como EUA, Portugal, Argentina e Japão. Há ainda encargos para habilitação do número, mensalidade do serviço e um aparelho de telefone USB (Universal Serial Bus), que é plugado ao PC, ou a um Adaptador de Telefone Analógico (ATA), que permite conectar um PBX (tele-fonia comum) à máquina. Além dessas, existem outras empresas como a GVT (www.gvt.com.br) e o mais ba-dalado no momento, o Skype (www.skype.com).

Na UFRJ é oferecido o serviço fone@RNP, fruto do trabalho do Grupo de Trabalho VoIP/RNP, que conta com a participação do NCE/UFRJ. Este serviço está disponível para qualquer pessoa que tenha conta na Intranet da UFRJ ou para instituições acadêmicas que estejam ligadas à Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Quem se habilitar, o que pode ser feito via In-tranet, recebe um número de telefone IP para uso em qualquer computador da rede.

Paulo Aguiar avisa que para a obtenção de um núme-ro de telefone, estudantes, funcionários ou professores devem acessar a Intranet (http://intranet.ufrj.br) e cli-car em serviços. Lá, há instruções para a instalação do software, que serão enviadas pelo correio eletrônico. O serviço é gratuito.

Aguiar explica que “o sistema VoIP é integrado com a rede PBX. Assim, uma ligação VoIP para um número não registrado no servidor é deslocada para a rede PBX – utilizada pelas operadoras de telefonia – e a chamada é completada. O inverso também acontece. Ou seja, todas as combinações são possíveis: de VoIP para VoIP, de PBX para VoIP ou de VoIP para PBX”.

Quando for o caso de uma ligação IP para outro nú-mero IP, apenas será efetivada a chamada se o “cliente”

O telefone da era digital

VoIP

de destino também estiver on-line. Para facilitar esse tipo de ligação, o GT – VoIP/RNP2, desenvolveu “uma lista disponível no site (www.voip.nce.ufrj.br) que informa quais os usuários no universo local estão conectados”.

Outras informações sobre a tecnologia, a lista das cidades que completam as chamadas da UFRJ e o acesso ao download de softwares necessários, estão na página. Aguiar lembra que não é possível, “por uma opção da instituição”, realizar ligações para telefones celulares.

Dificuldades de usoNão há dúvida de que o serviço VoIP é mais van-

tajoso para o consumidor, mas ainda carece de aper-feiçoamento. Estudantes que têm família em cidades de outros estados, como Fortaleza e Florianópolis, por exemplo, podem ligar para seus parentes e o custo será de ligação local.

Aguiar destaca a dificuldade para obtenção de finan-ciamento para compra de maquinário novo. E a falta de investimento impõe algumas limitações ao sistema: ”às vezes a rede fica instável porque o equipamento que deveria ser de uso exclusivo para pesquisa e testes está sendo usado também para produção e efetivação do sistema VoIP. A universidade precisa atentar para esse problema”. Além disso, Paulo diz que é preciso atualizar a infra-estrutura de rede, que foi “implantada a cerca de 10 anos”.

Existe ainda a dificuldade de cobertura do sistema. Não são todos os estados, nem todas as cidades que completam as chamadas de longa distância. “Em Bra-sília, o MEC e o CNPq completam uma ligação oriunda do Rio, já em São Paulo, a USP não completa”, critica o professor, que esclarece que “alguns lugares restrin-gem o uso da Internet pela adoção de bloqueadores – firewalls, por exemplo – e provedores de conexão rápida a cabo, como o Virtua da NET, impedem o funcionamento do VoIP”. Mas é possível driblar essa última limitação, utilizando-se a VPN (Virtual Private Network) “ou redes virtuais privativas, através da qual é criada uma conexão direta com a UFRJ por um ‘túnel’ seguro”, indica Aguiar, ressaltando que para isso é pre-ciso um conhecimento maior de Informática.

“As operadoras vão se adaptar”A economia e a flexibilidade do serviço VoIP são

grandes vantagens para o consumidor, mas desagradam as companhias de telefonia. Aguiar critica os adminis-tradores de empresas como a Telemar, que “só instala o Velox – provedor de Internet rápida – para quem possui linha telefônica da empresa. Assim, lucra com a mensalidade do Velox e da linha convencional, além dos pulsos excedentes”.

Para ele o Brasil deve definir um modelo para telefo-nia IP, porque atualmente são as operadoras que detêm a lista com as linhas PBX registradas. Podem, portanto, não completar uma chamada de VoIP para PBX. “As operadoras vão se adaptar e estão trabalhando nisso. Mas acho que elas deviam investir em VoIP e facilitar o acesso, oferecendo pacotes promocionais”, aponta Paulo Aguiar, afirmando que falta à UFRJ um plano estratégico que contemple a meta de implantação do sistema VoIP para áreas que precisam de telefone e que “vivemos um período sem verbas para esse tipo de investimento, infelizmente”.

Lucas Bonates

Conselho Universitário

discute resolução

Rafaela Pereira e Carlos Eduardo Cayres

Escola de Comunicação

A sessão do Conselho Universitário (Consuni) do dia 11 de agosto, por sinal, Dia do Estudante, foi pal-co de debates sobre a crise que atinge a Escola de Comunicação (ECO), que resultaram na adoção, pelo Colegiado, de uma resolução sobre o assunto. Com faixas e cartazes, os estudantes marcaram presença e pediam a saída do diretor da ECO, professor José Amaral Argolo.

A Resolução aprovada possui várias determina-ções a serem cumpridas pela Congregação da ECO e foi elaborada com base em três fontes: relatório final da Comissão de Sindicância; relatório da Comissão Acadêmica instituída pelo CEG; e informe acadêmi-co encaminhado ao reitor pelo Centro Acadêmico da Escola.

Entre outros pontos, o Consuni decidiu fazer a revi-são e a formalização do controle de presença de docen-tes e técnico-administrativos; a discussão e aprovação do Projeto Acadêmico da unidade, envolvendo gradua-ção e pós-graduação; e propor estratégias que garantam a revisão dos critérios de acesso ao ciclo profissional e a introdução dos estágios curriculares. Outro desta-que é a determinação de que o Regimento Interno da ECO seja revisado e encaminhado para aprovação nos colegiados superiores. No documento foram incluídas normas para o processo eleitoral que escolherá o pró-ximo diretor: para a eleição é necessário que se tenha um calendário e regras definidas e estabelecidas antes do fim da atual gestão.

Um ponto polêmico foi a queixa registrada na 10ª Delegacia Policial, pelo diretor José Argolo, referente à ocupação, pelos estudantes, de seu gabinete. Esse ato, considerado impróprio para uma universidade, moti-vou dois itens da Resolução. A conduta do dirigente foi entendida como prática incompatível com o ethos universitário, ao encaminhar para a esfera policial, a arbitragem de conflitos da vida acadêmica. Além disso, solicitou-se que a Congregação da ECO fizesse o máximo esforço para retirar, do âmbito policial, as dis-cussões dos recentes acontecimentos da Escola. “Esse é um desrespeito para com a estrutura da universidade, que possui seus colegiados para resolver os problemas internos. Não precisaria da força policial”, ressaltou o reitor, Aloísio Teixeira.

Após a discussão da Resolução, os estudantes pedi-ram o afastamento, mesmo que provisório, do diretor. Apesar da pressão, o Conselho não foi favorável à medida, alegando que a Comissão de Sindicância não detectou indícios que justificassem a saída do dirigente, ao contrário do que ocorreu, por exemplo, na Faculdade de Direito. “Tudo que está acontecendo na ECO vem de muito tempo e se agravou nessa gestão. Portanto, não é justo atribuir ao diretor toda a responsabilidade”, avaliou Aloísio Teixeira.

Pedro Martins, representante discente no Consuni e aluno da Escola de Comunicação, afirma que a unidade vive uma grave crise de democracia. “A ECO não tem mais espaço democrático”, declarou. Os estudantes acreditam que os pontos da Resolução atendam, até certo ponto, as necessidades do momento.

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18 UFRJJornal da Setembro•2005

O Brasil foi o último país das Américas a lançar as bases da universidade. Muito tempo se passou desde que os Inconfi-dentes (1789) expressaram o desejo de

implantar uma instituição de Ensino Superior como a de Coimbra (Portugal).

O primeiro projeto formal de universidade bra-sileira data, porém, de 1871, quando a sua pedra fundamental foi lançada em 13 de janeiro, na Praia da Saudade, no Rio de Janeiro - atualmente Praia Vermelha - e Paula Freitas planejou o conjunto ar-quitetônico que passou a ser chamado de Universi-dade Pedro II. Esse projeto uma vez mais não vin-gou em parte pelas fortes críticas dos positivistas que viam na universidade apenas uma continuida-de medieval.

Fragmentos institucionaisOutras experiências foram tentadas, entretanto

apenas com a fundação, em 1920, da Universidade do Rio de Janeiro, atual UFRJ, é que o País conhece-rá uma experiência universitária que efetivamente vingue. As primeiras escolas que vão dar origem à ela, surgiram em decorrência da migração da Famí-lia Real para o Brasil, em 1808. A Escola de Cirurgia da Bahia e a Escola de Anatomia, Medicina e Cirur-gia do Rio de Janeiro tinham como objetivo prin-cipal atender à formação de médicos e cirurgiões

para o Exército e a Marinha. Em 1810, foi a vez da Academia Real Militar, que veio a se chamar Escola Militar, em 1839, devido à integração com a Acade-mia da Marinha e, em 1874, foi denominada Escola Politécnica. O caráter profissionalizante dessas ini-ciativas acabará se constituindo ao longo dos anos em uma das marcas do próprio sistema de ensino superior do País, o que explica em grande parte a dificuldade de implantação de um ambiente propí-cio à investigação cientifica em nível universitário.

Medicina, Engenharia e Direito foram reunidas pelo Decreto 14.343, sem maior integração e cada uma conservando suas características próprias, na Universidade do Rio de Janeiro, no dia sete de se-tembro de 1920. Foi assegurada às três unidades autonomia didática e administrativa, cabendo sua direção ao presidente do Conselho Superior de En-sino, o reitor, e ao Conselho Universitário. Porém, a Reitoria não tinha maior efetividade e sequer dispu-nha de sede própria.

A fundação da Universidade do Rio de Janeiro foi recebida, porém, sem grande entusiasmo, saudada apenas por um grupo limitado e, em geral, envolvi-do na sua criação. As críticas se concentraram no fato de que a universidade não propiciou a criação de qualquer outro curso.

Em 1925, incorporam-se à nova universidade, as faculdades de Farmácia e de Odontologia, entretan-

to o ensino de Farmácia continuava sendo oferecido pela Faculdade de Medicina, como um de seus cur-sos, e a Odontologia, embora tenha sido regulamen-tada, foi organizada apenas na década de 1930.

Universidade do BrasilCom o objetivo de adequar e dar mais ênfase à

formação das elites e à capacitação para o trabalho, é que o Governo Provisório de Getúlio Vargas cria o Ministério da Educação e elabora o seu projeto de Ensino Superior.

Esse foi um período de reestruturação da Univer-sidade. Em 1937, ela é reorganizada como Univer-sidade do Brasil (UB) e, para abrigá-la, o governo doou-lhe o complexo arquitetônico, na Praia Ver-melha, do extinto Hospício Pedro II (atual Palácio Universitário, no campus da Praia Vermelha), onde foram instaladas, após reforma, a Faculdade de Ar-quitetura, a de Farmácia, a Escola de Educação Fí-sica, a Biblioteca Central e a Reitoria.

Cabe lembrar que as escolas que deram origem à Universidade do Rio de Janeiro – agora Universi-dade do Brasil – continuariam instaladas, cada uma em prédios próprios, fora do complexo da Praia Ver-melha: Faculdade Nacional de Medicina, na Avenida Pasteur; Faculdade Nacional de Direito, no Campo de Santana; e Escola Politécnica, no Largo de São Francisco.

Formando cidadãose gerando saber

UFRJ 85 anos

Universidade

Joana Jahara

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UFRJJornal da Setembro•2005 19

Universidade FederalNa década de 60 inicia-se, no âmbito do Conselho

Universitário da Universidade do Brasil, importante debate sobre a reforma da instituição. Debate esse que será interrompido pelo Regime Militar que im-plantará de forma autoritária, uma reforma que, se-gundo alguns autores, incorporará muitas das pro-postas levantadas por ele.

Outras medidas foram decretadas. Em 1965 é sancionada a lei que uniformiza a denominação das universidades e escolas técnicas federais, posição veementemente questionada pelo Conselho Univer-sitário.

Segundo a redação da lei, a Universidade do Bra-sil receberia a denominação de Universidade Fede-ral da Guanabara, e a atual Universidade Federal Fluminense, a de Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas, o Conselho Universitário encaminhou sua contrariedade ao então presidente da Repúbli-ca, o general Castelo Branco. Dez dias após ter sido promulgada a lei, as universidades situadas nas ci-dades do Rio de Janeiro e de Niterói passaram a se chamar, respectivamente, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal Fluminense.

A Cidade UniversitáriaDesde os anos 30, a idéia de se construir um

campus único - um pouco inspirada no modelo de campi de universidades dos países anglo-saxônicos – ganha força nas décadas seguintes. Para abrigar as unidades da UFRJ, em 1948, após estudos elabo-rados por diversas comissões, optou-se por situar o novo campus em uma ilha artificial na Baía de Gua-nabara. Nove ilhas (Cabras, Pindaí do Ferreira, Pin-daí do França, Baiacu, Fundão, Catalão, Bom Jesus, Pinheiro e Sapucaia) foram interligadas por aterro, totalizando uma superfície de 4,8 milhões de metros quadrados, para abrigar a Cidade Universitária.

As obras tiveram início em 1954 e ganharam im-pulso no final dos anos 1960 e início dos 70.

A inauguração da Cidade Universitária aconteceu em 1972 e, atualmente, possui um conjunto de edi-ficações que congregam 60 unidades acadêmicas e instituições afins conveniadas, além de setores téc-nicos, esportivos e administrativos.

A solenidade começou com o recital do Conjunto de Violões da UFRJ, que tocou músicas do repertório brasileiro. Depois, os professores da Faculdade de Educação Luiz Antonio Cunha e Maria de Lourdes Fávero, foram convidados a discutir um pouco a his-tória da universidade, objeto de pesquisa de ambos.

Em sua palestra, a professora da Faculdade de Educação conta que a UFRJ foi a primeira univer-sidade do País, criada pelo Governo Federal e que, diferentemente do que muitos afirmam, ela foi pen-sadacomo um verdadeiro desafio social e uma ne-cessidade para o país, explicou Fávero, que encerrou seu discurso com um alerta sobre a educação no País: “a educação brasileira vive momentos difíceis, onde os respingos recaem sobre as universidades. Temos que agir contra as críticas às universidades públicas e reaver a autoridade acadêmica. A reforma não de-pende apenas dos dispositivos legais, e sim de todos. Ela é um empreendimento difícil e complexo”.

Reforma polêmicaLuiz Antônio Cunha retomou a história a partir

da década de 60, afirmando que a UFRJ foi inovado-ra no que diz respeito ao processo de reforma das universidades brasileiras que se iniciou com a Lei 5.540/68. De forma polêmica, o professor avalia que “a reforma da universidade nos anos 60 nasceu de dentro da instituição e não dos militares, como mui-to se fala. Essa reforma cresceu com peculiaridades vistas somente aqui, como a multiplicação de insti-tutos a partir de cátedras para a pesquisa”.

Adiante, o professor, identifica as especificidades dos centros de pesquisa da UFRJ. “Ao contrário de outras universidades, onde os Centros romperam as unidades, os daqui funcionaram como uma amarra-ção” entre unidades justifica o pesquisador.

Para o futuro “deveríamos pensar em elementos coesivos, não só para os centros, mas também nas estruturas intermediárias da Universidade, que nos ligassem por fora e por dentro, a fim de ampliarmos nossas pesquisas”, finaliza.

Formar cidadãos: esforço cotidianoNo discurso de encerramento, o reitor, Aloísio

Teixeira, enfatizou os desafios da UFRJ. “A uni-versidade brasileira é tardia na sua constituição. É uma história de lutas, derrotas e insuficiências. Razões essas que nos levam a tomar posições e bri-gar pelas nossas metas. O maior orgulho para nós é que sejamos a melhor na graduação, mesmo levan-do-se em conta as universidades paulistas, que nos fazem ter inveja com os seus recursos disponíveis. Nós formamos cidadãos, com um esforço cotidiano para as práticas transparentes e democráticas. As diferenças nos fazem bem, porque as oposições é que nos fazem aprender a respeitar e a crescer”, afirmou.

Aloísio destacou, ainda, como principal objetivo a ser perseguido nos próximos anos o da superação da fragmentação da instituição. “O aniversário é um momento de olhar para trás, mas também para frente. Temos que repensar os objetivos e vencer a fragmentação, o que significa criar uma nova cultu-ra de aproximação e de trocas horizontais entre as pessoas. Depende de todos nós por em debate isso”, disse, para logo em seguida citar algum dos obstá-culos que não podem ser resolvidos internamente: “Há obstáculos que não dependem da gente. Os re-cursos são algo dramático, mesmo que eles tenham crescido, são claramente insuficientes. Isso decorre de uma posição equivocada na educação, princi-palmente no superior. Continuamos asfixiados por uma visão estreita”.

A adolescente universidade, como afirmou o rei-tor Aloísio Teixeira, acumulou vitórias e êxitos que enchem de orgulho todos que trabalham por ela. “Temos uma história de luta, marcada por derrotas e insuficiências que não podemos deixar de recor-dar. Olhando o passado, talvez nosso maior orgulho seja o fato de sermos a maior instituição de Ensino de Graduação e uma das três melhores universida-des em pesquisas e programas de Extensão do Bra-sil”, avaliou o reitor.

UFRJ comemora 85 anos

O momento era de comemoração. Reitor, vice-reitora, pró-reitores e membros do Conselho Universitário estavam presentes na sessão solene do colegiado, no último

dia 8, no Fórum de Ciência e Cultura, para comemorar os 85 anos da UFRJ.

Para belga ver?

Alguém disse, outros repetiram, e tornou-se lugar comum atribuir à necessidade de agraciar o Rei Leopoldo da Bélgica, em visita ao país, com título de Doutor Honoris Causa a origem da Universidade do Rio de Janeiro, atual UFRJ. A professora Maria de Lourdes Fávero, como parte de suas pesquisas para o livro Universidade do Brasil: das Origens à construção, fulmina esse mito. “Foi feita toda uma pesquisa em cima das atas do Conselho, não só da UFRJ, mas de outras instituições também, desde 1921 até 1965. Não há nenhum documento relacionado a esse assunto”, sen-tencia Fávero.

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Escola de ComunicaçãoUniversidade

UFRJ comemora 85 anos

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Rafaela Pereira e Joana Jahara

Reitor e equipe abrem a Sessão Solene

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20 UFRJJornal da Setembro•2005

Jornal da UFRJ na sala de aula

Rafaela Pereira

Escola de ComunicaçãoUniversidade

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O Jornal da UFRJ entrou, definitivamente, na sala de aula. Com o objetivo de ampliar a qualificação dos estudantes, ele vem sendo utilizado como material didático comple-

mentar pelo Pré-vestibular Comunitário do Caju (CPV-Caju), projeto elaborado pela Pró-reitoria de Extensão (PR-5). Criado em dezembro do ano passado, o curso está com sua primeira turma, iniciada em março des-te ano – exclusivamente formada por moradores das nove comunidades do bairro do Caju, Zona Portuário do Rio de Janeiro.

Foi com o intuito de diminuir a evasão dos alunos e garantir a atenção deles nas aulas, que Carlos Roberto de Souza Junior, professor do curso e aluno do 5°pe-ríodo de Geografia da UFRJ, começou, desde junho, a utilizar o Jornal da UFRJ como material didático nas aulas. “Recebemos todo o apoio das coordenadoras por saberem que muitos alunos não têm acesso a jornais diários. Por isso começamos a adotar o Jornal da UFRJ para suprir essa necessidade”, revela Carlos Roberto. Ele conta ainda que os alunos gostaram da iniciativa e que, assim, ficam mais próximos da realidade de uma universidade que pretendem cursar.

Para Regina Celi Oliveira da Cunha, professora da Faculdade de Educação e coordenadora do projeto, a idéia foi ao encontro da necessidade dos alunos, que não têm acesso aos bens culturais e o habito da leitura. “Os monitores das outras matérias utilizam o Jornal da UFRJ esporadicamente, mas os de Geografia, sistema-ticamente”, explica a coordenadora.

A iniciativa não se restringe apenas ao CPV-Caju. Carlos Roberto, que também dá aulas no Pré-vestibular Comunitário do Cederj (Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro), no pólo de Barra do Piraí, município do estado do Rio de Janeiro, afirma que lá também usa o jornal como fonte de conhecimento.

Criação de redes sociaisSegundo a professora Ana Inês Souza, da Divisão

de Programas e Projetos da PR-5, do total de morado-res do Caju que freqüentam escola ou creche (30,4%), apenas 2,1% declarou cursar o Ensino Superior. “Por isso, queremos contribuir com a criação de novas redes sociais naquela região”.

Regina Celi acrescenta, ainda, que o bairro do Caju tem o segundo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo do Rio de Janeiro e foi esse o motivo principal na escolha do local para a implantação do pro-jeto e que, com a ajuda das associações de moradores, o curso hoje conta com 78 alunos, divididos em duas turmas e com idades variadas. As aulas começaram com 100 alunos, porém muitos abandonaram quando conseguiram empregos. “A evasão escolar é um pro-blema que temos que enfrentar. Eles, ao conseguirem emprego, não acham mais necessário continuar com o curso”, conta Regina Celi.

50 anos de Rio, 40 grausEvento a ser realizado este mês, pela UFRJ, recoloca em cena um dos filmes precursores do

Cinema Novo – Rio, 40 graus – que comemora 50 anos

A programação do evento Rio, 40 graus 50 anos, será realizada no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ (FCC), localizado no Campus da Praia Vermelha, na Avenida Pasteur, 250, Urca, Rio de Janeiro, exceto a solenidade em homenagem ao cinqüentenário do filme, que ocorrerá na Sala Cecília Meireles, localizada na Rua da Lapa, 47, Centro, Rio de Janeiro.

* Programação sujeita a modificações.

Rafaela Pereira

Programação Rio 40 graus 50 anos

Data Atividade Local Horário

19.09 Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Rio, 40 graus Sala Anísio Teixeira - FCC 12 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Memórias do cárcere Sala Anísio Teixeira - FCC 16 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Estrada da vida Sala Anísio Teixeira - FCC 19 h

20.09 Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Raízes do Brasil 1 Sala Anísio Teixeira - FCC 12 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Vidas secas Sala Anísio Teixeira - FCC 16 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Como era gostoso o meu francês Sala Anísio Teixeira - FCC 19 h

21 a 30.09 Exposição sobre Nelson Pereira dos SantosÁtrio do Palácio

Universitário - FCCO dia inteiro

21.09

Ciclo de debates: Rio, 40 graus: 50 anos em cinco temas para o futuro do Rio de Janeiro. POLÍTICA: Sistema político e crises institucionais: dilemas da democracia

brasileira – Conferencista: Luiz Werneck Vianna (Iuperj) – Debatedor: Carlos Nelson Coutinho (ESS/UFRJ)

Auditório Pedro Calmon - FCC

10 h

21.09

Ciclo de debates: Rio 40 graus: 50 anos em cinco temas para o futuro do Rio de Janeiro. CIDADE E CIDADANIA: Rio, quantas vezes favela? Quantas vezes

ninguém? – Conferencista: Jaílson de Souza e Silva (UFF e Observatório de Favelas)

Auditório Pedro Calmon - FCC

15 h

21.09 Lançamento do livro Salão Vermelho - FCC 18 h

22.09Ciclo de debates: Rio, 40 graus: 50 anos em cinco temas para o futuro do Rio de Janeiro. ECONOMIA: Do desenvolvimentismo ao Neoliberalismo: o que será do

amanhã? – Conferencista: Carlos Lessa (IE/UFRJ)

Auditório Pedro Calmon - FCC

10 h

23.09

Ciclo de debates: Rio, 40 graus: 50 anos em cinco temas para o futuro do Rio de Janeiro. CULTURA: Rio, Tenda das Culturas? – Conferencista: Eduardo Portella (Letras/UFRJ) – Debatedores: Ferreira Gullar e Oscar Niemeyer – Moderador:

Muniz Sodré (ECO/UFRJ)

Auditório Pedro Calmon - FCC

10 h

23.09

Solenidade em homenagem ao Cinqüentenário de Rio, 40 graus. Entrega de troféus a atores, equipe técnica e instituições envolvidas com o filme;

apresentação da Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFRJ, executando a trilha sonora do filme, com a presença de componentes das

Escolas de Samba Portela e Unidos do Cabuçu.

Sala Cecília Meireles 19 h

26.09 Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Raízes do Brasil 2 Sala Anísio Teixeira - FCC 12 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Azylo Muito Louco Sala Anísio Teixeira - FCC 16 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: O amuleto de Ogum Sala Anísio Teixeira - FCC 19 h

27.09 Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Rio, Zona Norte Sala Anísio Teixeira - FCC 12 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Casa grande e senzala 1 e 2 Sala Anísio Teixeira - FCC 16 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Jubiabá Sala Anísio Teixeira - FCC 19 h

28.09 Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: A terceira margem do rio Sala Anísio Teixeira - FCC 12 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Casa grande e senzala 3 e 4 Sala Anísio Teixeira - FCC 16 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: El justicero Sala Anísio Teixeira - FCC 19 h

29.09 Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Quem é Beta? Sala Anísio Teixeira - FCC 12 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Boca de ouro Sala Anísio Teixeira - FCC 16 h

Mostra de filmes Nelson Pereira dos Santos: Rio, 40 graus Sala Anísio Teixeira - FCC 19 h

Primeiro longa metragem de Nelson Pereira dos San-tos, Rio, 40 graus, retrata a realidade da cidade carioca de maneira peculiar. A proposta era sair dos estúdios e mostrar o Rio de Janeiro - a cidade maravilhosa - sem máscaras, com suas riquezas e misérias.

A importância do filme e a atualidade da obra de Nelson Pereira dos Santos, levaram o Fórum de Ciência e Cultura UFRJ (FCC), em parceria com o Centro Cultural do Banco do Brasil de São Paulo, a realizar um grande evento que homenageia o cineasta e todos os envolvidos na produção de Rio, 40 graus. “O FCC decidiu promover esse evento devido à importância da obra do autor. Nel-son costuma basear seus filmes em clássicos da literatura brasileira, por isso é uma oportunidade de incentivar a cultura e o conhecimento”, revela Eliane Pszczol, supe-rintendente de Difusão Cultural do Fórum.

Para Walter Vasconcelos, diretor do CCBB-SP, essa comemoração é uma oportunidade para que o público conheça mais o universo do diretor que, “filme a filme, traça uma cinebiografia do Brasil – retratado em sua obra a partir do sertão e da favela, dos grandes centros e

do interior, dos personagens ilustres aos completamen-te desconhecidos”.

A idéia da parceria entre UFRJ e CCBB-SP surgiu quando o Centro Cultural do Banco do Brasil paulista decidiu também homenagear Nelson Pereira dos Santos na 7ª edição de seu programa Diretores Brasileiros. A partir daí, as duas instituições se associaram, ficando a universidade encarregada de focar sua programação no filme Rio, 40 graus.

Os cinéfilos poderão assistir mostras de filmes do autor, participar de ciclos de debate e do lançamento do livro Nelson Pereira dos Santos: uma cinebiografia do Brasil. No encerramento, a UFRJ entregará uma escultu-ra criada pelo Departamento de Desenho Industrial da Escola de Belas Artes da UFRJ. “Será o próprio Nelson quem vai entregar a todos os envolvidos na produção do filme”, informa a superintendente Eliane Pszczol. Além disso, a Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFRJ (Orsem), sob a regência do maestro André Car-doso, apresentará a trilha sonora do filme, composta por Zé Kéti e arranjada por Radamés Gnattali.

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UFRJJornal da Setembro•2005 21

Inicialmente, já em 1811, foi erguido um pequeno sobrado em estilo colonial para abrigar, de forma pro-visória, a academia. Mas, em 1826, o arquiteto francês Pedro José Pezerat assumiu a construção definitiva do que viria a ser a ser conhecido como o “Berço da Enge-nharia Brasileira”. Erguia-se o primeiro prédio do país ,construído especialmente para abrigar uma instituição de Ensino Superior no Brasil. Nascendo em 1874, a histórica Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que teve como primeira denominação, a de Escola Central de Estudos Científicos e de Engenharia.

A Escola Politécnica foi, ainda, uma das três uni-dades pioneiras – as outras foram a Faculdade de Me-dicina e a Faculdade de Direito – que deram origem, em 1920, à Universidade do Rio de Janeiro, primeira denominação da UFRJ.

A construção do paísGrande parte dos projetos tecnológicos do Segun-

do Império foi executada por profissionais formados pela Politécnica. O cérebro era o Instituto Politécni-co, uma associação criada na escola e presidida pelo Conde D´Eu, com a finalidade de discutir, planejar e executar o projeto de modernização do país a partir de obras de infra-estrutura que atendessem às demandas da economia. A ênfase inicial foram as ligações ferro-viárias, mas logo a necessidade obrigou a implantação de novos cursos de Engenharia – Civil, Industrial, Ele-trotécnica, Mecânica etc.

“Os grandes nomes da engenharia brasileira como Pereira Passos, Paulo de Frontin, Souzinha (como era conhecido Joaquim Gomes de Souza, pioneiro dos estudos matemáticos no Brasil), Amoroso Costa, e os mais recentes, Antônio Alves de Noronha, Francisco Saturnino Rodrigues de Brito e Maurício Joppert fo-ram formados pela Politécnica e ensinaram lá”, conta Ramalho Ortigão Junior, um dos fundadores da septu-agenária Associação dos Ex-Alunos da Escola Politéc-nica e professor aposentado da UFRJ. Aos 84 anos, ele lembra um dos grandes feitos de Paulo de Frontin, o engenheiro que, em 1885, salvou a população do Rio de Janeiro assolada por cólera e febre amarela, trazen-do água potável à cidade em seis dias: “o imperador estava desesperado e Frontin, utilizando todos os re-cursos disponíveis na época, como bambu e calha, colocou em prática projeto de canalização de manan-ciais elevados e trouxe a água por gravidade”.

Retorno às origensOutros dois fatos estão registrados na memória do

professor Ortigão. O primeiro, quando a Politécnica, em 1937, por força da Reforma Gustavo Capanema, passou a se chamar Escola Nacional de Engenharia e a fazer parte da então Universidade do Brasil; o se-gundo, em 2002, depois de dez anos de mobilização, o Conselho Universitário da UFRJ devolve “à institui-ção mais antiga de ensino de Engenharia do País o seu nome de origem, o de Escola Politécnica”, relembra o professor, sobre, mais uma vez a Politécnica ter sido obrigada a mudar sua denominação para Escola de Engenharia da UFRJ, em 1965, por medida do regime Militar. Desde a década de 1960, a Politécnica ocupa um dos prédios da Cidade Universitária, no Centro de Tecnologia, na Ilha do Fundão.

Novos ocupantesA partir da década de 70, o prédio do Largo de São

Francisco, que abrigou durante tantas décadas a Poli-técnica, foi cedido ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). Nesta época, parte de sua estrutura original erguida no século XIX já tinha sofrido adapta-ções. Foram construídos novos pavimentos (um terceiro andar no início da República e um quarto entre 1948 e 1955) e varandas debruçadas sobre o pátio central, nos primeiro e segundo andares.

No livro, Escola Politécnica do Largo de São Fran-cisco, produzido pela Associação dos Ex-alunos da Politécnica e publicado em parceria com o Clube de Engenharia, na década de 1970, Mario Barata, autor da obra, não economiza em nostalgia: “poucos edifí-cios são tão queridos dos habitantes do Rio de Janeiro quanto o velho casarão do Largo de São Francisco, com seu pórtico de altas colunas e sua aparência maciça,

Berço da Engenharia nacional

Rio de Janeiro, segunda metade do século XVIII. Por ordem de D. João, o governador

Gomes Freire de Andrade lança a pedra fundamental da Nova Sé. Era 1749 e, o

local, o Largo de São Francisco. Naquela época a cidade contava 24 mil habitantes

e a Rua do Ouvidor nascia. O projeto da catedral que substituiria a Igreja de São Sebastião, do Morro do Castelo, foi

interrompido e abandonado por 60 anos. Até que nas ruínas do templo, nos fundos do terreno, o governo decidiu construir a

Academia Real Militar.

Prédio da Politécnica

Ana Gomes

Escola de ComunicaçãoUniversidade

palácio que, embora transformado por adições recentes, ainda deixa despontar o aspecto básico que possuía no começo do século. Sua configuração ficou famosa como lembrança visual do Rio de Janeiro de Pereira Passos e Paulo de Frontin, no tempo em que ainda havia footing na Rua do Ouvidor, a confeitaria Pascoal e a Castelões estavam próximas e a vida da cidade situava-se roma-nescamente entre o final da época de Machado de Assis e a de Lima Barreto”.

TombamentoHoje, o prédio é tombado pelo Instituto do Patri-

mônio Histórico e Artístico Nacional (ISPHAN) e pelo seu similar estadual, o INEPAC. Ele também integra o Corredor Cultural do município. Para a diretora da Di-visão de Projetos de Imóveis Tombados da UFRJ, Clau-dia Nóbrega, o que chama a atenção no prédio austero é o pórtico central de feição neoclássica, “as colunas jônicas são elementos da arquitetura grego-romana”, lembra. Além do conjunto formado pela escadaria, as rampas laterais e a balaustrada, em gnaisse (um tipo de granito). “As janelas emolduradas em cantaria comple-tam a beleza externa do conjunto arquitetônico”, expli-ca. Na parte interna as preciosidades são o vestíbulo de paredes revestidas em ladrilho hidráulico, contornado pelas escadas de madeira que dão (“provavelmente ja-carandá”) acesso ao andar superior.

Mas o diretor do IFCS, Franklin Trein, se preocupa com as precárias acomodações oferecidas aos atuais ocupantes do prédio: “as características arquitetôni-cas são inadequadas aos conteúdos acadêmicos hoje desenvolvidos nele e às condições contemporâneas da praticidade do ensino e da pesquisa científica social e da filosofia”.

fotos Marco Fernandes

Paredes espessas em pedra e argamassa com óleo de baleia

Detalhe do piso do hall de entrada Escadaria em madeira de lei, provavelmente jacarandá

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22 UFRJJornal da Setembro•2005

Cultura

Arte e expressão

em Canudos

Resultado de 20 anos

de pesquisa, livro de

Adir Botelho, professor

aposentado da EBA/UFRJ,

reúne 120 obras xilográficas

sobre a saga de Canudos

Lucas Bonates

Adir Botelho

O que seria capaz de manter um artis-ta plástico consagrado, um mestre da Xilogravura (técnica de gravação que utiliza a madei-ra como matriz), com 73 anos

de idade, em plena atividade e disposto a lecionar, se não for o fascínio pela própria Arte? Adir Botelho, professor apo-sentado desde 2002 da Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA), fala de sua obra, de sua obses-são por Canudos e do prazer de trabalhar. “O Atelier de Gravura da EBA/UFRJ é, na verdade, um centro de realizações artísticas, um lugar onde os gravadores combinam, passo a passo, os meios técnicos que determi-nam suas opções, tanto formais como temáticas. É um bom lu-gar para se trabalhar. Ali se res-pira arte”, deixa claro Adir.

Reunindo trabalhos produzidos ao longo de 20 anos, Adir Botelho lan-çou, em 2002 — cem anos após a pu-blicação de Os Sertões, de Euclides da Cunha — o livro Canudos Xilogravuras, em que, segundo o próprio autor, “a dramaticidade permeia tudo”.

Adir em CanudosO tom expressionista — com seus excessos e fan-

tasias — pontua toda a obra de Adir. Canudos Xilogravuras busca uma “solução visual, um estilo adequado à força dos acontecimentos e dos pen-

samentos que envolvem a história de Canudos, e dá uma interpretação angustiante

da guerra e da violência”, diz o artista, que trabalha essencialmente sobre a problemática do humano.

Adir afirma que em sua obra “a fala pode parecer barroca pela atmosfera artística e cultural carregada

de conflitos entre o espiritual e o tem-poral, entre o místico e o ter-

reno. Num determinado contexto, Antônio Conse-lheiro — um ser místico, cercado da fama de santi-dade (citando Euclides da Cunha) — tem um valor abstrato, representa algo mágico, é um símbolo da

esperança e da salvação”. É exatamente nesse mo-

mento que as gravuras de Botelho adquirem um certo

simbolismo que as identificam com a linguagem de Euclides da Cunha,

em Os Sertões, que inspirou todas as Xi-logravuras. “O simbolismo é sempre uma

alternativa estética, é uma visão espiritual do

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UFRJJornal da Setembro•2005 23

Cultura na prática, Marshall Sahlins. Tradução Vera Ribeiro.Editora da UFRJ, 2004, 680 páginas.

Marshall Sahlins é hoje, talvez, o maior antropólogo norte-americano vivo. Pro-fessor emérito da Universi-dade de Chicago, sua obra abrange os mais variados aspectos dessa disciplina, em particular o das suas relações com a história. Suas preocupações não são, porém, exclusivamente acadêmicas. Nos anos 60 destacou-se como ativista contra a guerra do Vietnam e, no final da década, viveu em Paris, quando sofreu o impacto libertário dos protestos de Maio de 68. É dessa mesma época, também, o seu contato com a intelectualidade francesa, em especial com as obras de Lévi-Strauss, que o considera “o mais lúcido dos antropólogos contemporâneos”.

Cultura na prática resgata um pouco desse percurso. São 16 ensaios, escritos entre 1964 e 1999, e organizados em três partes que expressam, como salienta o autor, alguma sucessão temporal e de preocupações. A primeira parte, que reproduz textos publicados entre meados da década de 1960 e meados da década seguinte, recolhe análises teóricas sobre a natureza da cultura e sobre as diferenciações culturais e estudos etnográficos acerca do comportamento econômico no Ocidente e em outras culturas. A segunda, por seu turno, acolhe material de natureza mais política, sobre a experi-ência da guerra do Vietnam, que marcou profundamente a geração do autor. Por fim, os ensaios da terceira parte, escritos nas décadas de 1980 e de 1900, refletem o impacto da experiência política das décadas anteriores. Com uma abordagem mais marcadamente histórica, Sahlins estuda aspectos da cultura ocidental, assim como reafirma a es-pecificidade das demais culturas.

Acima de tudo, um pensamento que, fiel a seu projeto, se nega a reduzir a diversidade da experiência cultural ao ponto de vista do Ocidente.

Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios, Fredric Jameson. Organização e tradução Ana Lucia de Almeida Gazzola.Editora da UFRJ, 2004, 3ª edição revista e ampliada, 292 páginas.

Usar o marxismo para compreender e desmontar o pós-moderno, esse pa-rece ser o projeto de Fre-dric Jameson, importante crítico norte-americano da cultura. Um marxismo heterodoxo, por certo, que se apropria e incorpora

elementos oriundos de diversas matrizes (Lukács, Adorno, Benjamin, Marcuse, Bloch, Mandel, Saussure, formalistas russos, estruturalistas e pós-estruturalistas, crítica mítica e psicanálise são algumas de suas fontes) e que insistente-mente enfrenta o que considera a mais importante mutação do capitalismo.

Fugindo às análises exclusivamente negativas, Jameson enfatiza o aspecto político da questão: o pós-moderno não é uma panacéia conceitual que dê conta do estado da cul-tura moderna, mas justamente o que deve ser explicado. Portanto, nem celebração orgíaca, nem repúdio enfadado.

Na contramão de uma cultura que parece querer dis-solver a dimensão temporal da vida num eterno (e, talvez, anódino) presente, ele, como afirma enfaticamente, se man-tém fiel ao projeto marxista de “historicizar sempre”. Resulta uma proposta de análise dos textos culturais contemporâ-neos como manifestações específicas do capitalismo tardio, que resgata sem ambigüidades a categoria marxiana de totalidade. Ao mesmo tempo não aceita vê-la assimilada a uma manifestação, entre outras, do totalitarismo, como pretende, aliás, o ódio pós-moderno à modernidade. Ao contrário, trata-se de revelar as motivações políticas pro-fundas dessa significativa “guerra à totalidade”.

Espaço e Imagem, nessa terceira edição, recolhe oito artigos de Jameson, publicados entre 1984 e 1994. Um aporte fundamental ao debate das artes, das culturas, e das sociedades contemporâneas.

CulturaPara ler

Euclides da Cunha imortalizou a saga de Canudos, um do momentos mais cruéis da história brasileira. Conduzidos por Antonio Mendes Maciel, o Antonio Conselheiro, tí-pico líder messiânico, e fugindo da miséria crônica e do poder discri-minatório dos coronéis, sertane-jos pobres fundaram o Arraial do Belo Monte, em Canudos, interior da Bahia. A população de canudos vi-via em um sistema comunitário, com os produtos das atividades agrícolas e pas-toris de subsistência, sendo repartidos entre todos e desconhecendo impostos ou força policial.A experiência foi vista como um desafio à ordem republicana, recém instaurada, pois Conselheiro pregava fi-delidade à Monarquia deposta.

O Governo Federal enviou, entre 1893 e 1897, quatro expedições punitivas ao arraial. As três primeiras foram fragoro-samente derrotadas; porém, em 1897, oito mil homens, armados inclusive com canhões, marcharam sobre Ca-nudos. Foi um massacre. Não houve prisioneiros. “Canudos não se ren-deu. Exemplo único em toda a Histó-ria, resistiu até o esgotamento com-pleto”, narra Euclides da Cunha.

Guerra de Canudos (1893 – 1897)

mundo e dos estados emocionais que se concretizam em angústias e encenações subjetivas” — acrescenta. “Canudos era o caos”, diz Euclides, era “o último pou-so na travessia de um deserto — a Terra. Os jagunços errantes, ali, armavam pela derradeira vez as tendas, na romaria miraculosa para os céus...”.

De Euclides a AdirO próprio Adir considera o ensaio xilográfico sobre

a epopéia de Canudos um projeto que procura recupe-rar, por meio da gravura, o que aconteceu no sertão da Bahia, “num longínquo pedaço do Brasil”. Para ele, a violência da guerra “transformou cada uma das ima-gens numa visão de catástrofe, que oscilou à vertigem das lendas, em que é difícil saber onde acaba o sonho e começa a realidade”.

Ele diz que a série Canudos Xilogravuras (que reúne 120 matrizes de madeira gravadas entre 1978 e 1998), é, sobretudo, “uma visão provocadora da angústia hu-mana. Uma relembrança da imensa ruinaria (citando novamente Euclides da Cunha) em que o trágico e o gro-tesco se associam num obsessivo e dramático ritual”.

Mesmo rememorando uma realidade social renegada e cruel, inspirado no testemunho contundente do autor de Os Sertões, Adir Botelho recusa todo o partidarismo. Prefere a posição do artista que busca conscientizar, com o melhor instrumento de que dispõe, sua expres-são, sua própria arte.

Segundo ele, Canudos Xilogravuras “propõe uma re-flexão plástica do drama humano, do desastre social que incide em Os Sertões”. É uma exaltação espiritual que beira ao fantástico que se mantém próximo ao mundo da realidade, povoado de desigualdades e esperança.A formação do artista

Adir Botelho entrou para o curso de Gravura de Ta-lho Doce (técnica de gravura em madeira macia), Água-forte (técnica de gravura em metal) e Xilogravura, em 1951, tendo como professor Raimundo Cela. Em 1955, Oswaldo Goeldi substitui Cela, que falecera no ano anterior. Adir assume o posto de Goeldi, em 1961.

Nove anos depois, em decorrência da reforma do Ensino, o curso de Gravura de Talho-Doce, Água-Forte e Xilografia foi transformado no atual curso de gradu-ação em Gravura e Adir continuou contribuindo para a formação de novos artistas.

“A Xilogravura é uma obsessão para mim. É um processo de comunicação visual direto e dinâmico. Não há como explicá-lo intelectualmente, é preciso vivê-lo, experimentá-lo. O Atelier de Gravura da EBA é fascinante, percebe-se uma atmosfera de energia logo que se entra”, destaca Adir.

A gravura no Brasil e Adir BotelhoEntusiasta e apaixonado pela técnica, Adir acredita

que a formação de novos gravadores aconteça de Norte a Sul do Brasil: “é um processo que não pára”. No ba-lanço estético de todos esses anos ficou para a gravura brasileira a certeza de sua importância no contexto cultural do país.

O trabalho pioneiro de Carlos Oswald, Raimundo Cela, Lasar Segall, Oswaldo Goeldi, Lívio Abramo, Axl Leskoschek foi desenvolvido pelas gerações seguintes, que continuaram, com energia, o percurso de uma arte com forte sotaque nacional, ao mesmo tempo em que mantém sua dimensão universal. Revelada em expo-sições nos mais distantes países, a gravura brasileira é valorizada mundialmente, como atestam inúmeros prêmios internacionais.

Os pioneiros da gravura, animados pelo visionaris-mo profético da Arte Moderna, agitaram os rumos artís-ticos da época e contribuíram para aquele clima ansioso que é característico da cultura brasileira nas primeiras décadas do século XX.

Considerado centro de referência, o Atelier de Gra-vura da Escola de Belas Artes da UFRJ é um dos mais importantes espaços de ensino e de desenvolvimento da gravura artística no país. Para Adir Botelho, é tam-bém um lugar de reflexão sobre as coisas e sobre o universo das Artes Plásticas.

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24 UFRJJornal da Setembro•2005

Personalidade

José Leite Lopes

Construtor do invisívelA trajetória de José Leite Lopes, físico teórico e pioneiro no estudo de Física Nuclear no Brasil, demonstra como o professor acabou tornando concreto, o vasto e desconhecido território da ciência

“O que é a Ciência? (...) Ora, a Ciência não é senão as nossas

tentativas de buscar respostas às perguntas que fazemos sobre o universo em que vivemos, sobre a estrutura das coisas que nos

envolvem e sobre nós mesmos”.José Leite Lopes

Gilda Moll e Nathália Souza

José Leite Lopes – Aula Magna, é o primeiro número da Série Memorabilia, edição come-morativa dos 85 anos da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro. É uma homenagem ao professor que dedicou sua vida à Física e ao estabelecimento da pesquisa científica no Brasil com a criação do CBPF e de agências de fomento.

Quem observa a serenidade a e calma de José Lei-te Lopes e desconhece a sua vida, mal pode imaginar quantas histórias guarda o homem que foi um dos pre-cursores dos estudos de Física Nuclear no Brasil, sem deixar de lado o amor pela arte e principalmente pelas mulheres. Pernambucano de Recife, Leite Lopes estu-dou no Colégio Marista, onde frei Pacômio ministrava aulas de Química, primeiro grande fascínio do físico. A descoberta da ciência começara sem que se pudes-ses imaginar que a Física acabaria se tornando a área de interesse do então menino José, deslumbrado com os primeiros estudos da natureza.

A descoberta da FísicaNo curso de Química Industrial da Escola de Enge-

nharia de Pernambuco, Leite Lopes descobre a paixão pela Física pelas mãos de Luiz Freire. Contemporâneo do nascimento da Física Nuclear com a fissão do urâ-nio realizada na Alemanha em 1939, um ano antes de iniciar seus estudos em Física na Faculdade Nacional de Filosofia no Rio de Janeiro (FNFi), da Universidade do Brasil, atual UFRJ, Leite Lopes presenciou aqueles fatos bem próximo de seus agentes históricos. Em 1945, realizava seu doutorado em Princeton (EUA), sob a orientação de W. Pauli (Nobel da Física, em 1945), e tinha oportunidade de acompanhar os efeitos do Projeto Manhattan que levou a fabricação das primeiras bombas atômicas, durante a II Guerra Mundial, lançadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Em relação ao contexto internacional, em 1946, o Brasil estava bastante aquém no que diz respeito às pesquisas em Física Nuclear. Leite Lopes, percebendo a lacuna existente nos institutos brasileiros, decide re-tornar ao Rio de Janeiro com o objetivo de impulsionar a Física de partículas.

Entretanto, era difícil prosseguir seus estudos com a pouca atenção dada à Física e á pesquisa universitá-ria. Crítico do sistema educacional brasileiro e cons-ciente da importância do incentivo à pesquisa nacio-nal, Leite Lopes escreve vários artigos defendendo o período integral para os professores e entra em con-flito com o DASP - Departamento de Administração do Serviço Público. “O DASP fazia regras desastrosas para o funcionalismo. Aplicadas ao magistério, elas impediam o tempo integral, pois consideravam uma malandragem o professor ganhar mais”, afirma o cien-tista, relembrando a época.

César Lattes e a criação do CBPFLeite Lopes e César Lattes (amigo da Universidade de

São Paulo) acabaram consolidando a idéia de fundar um núcleo de estudos no Rio de Janeiro, fora dos entraves da universidade da época. Na pauta de questões a serem debatidas, sempre es-tava a importância do incentivo à ciência no país: “Discutíamos muito o que fazer no Brasil. Era um ab-surdo que não houvesse um estu-do de

Física Nuclear no Rio de Janeiro. Lattes possuía um ami-go que era irmão de um político importante, João Lins de Barros, o principal apoio político para a fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF” – afirma Leite Lopes.

Além da criação do CBPF, o físico também participou dos conselhos de diversas agências de apoio à pesquisa no Brasil como o CNPq, o Funtec (atual Finep), entre outras. O trabalho para consolidação e estabelecimento de condições para os cientistas o levou a diretoria do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) de 1955 a 1961 e, de 1961 até 1964, à participação como membro do Conselho Deliberativo do CNPq.

Os trabalhos foram interrompidos em 64, quando Leite Lopes, em protesto ao golpe militar, pediu de-missão do CNPq e se afastou da universidade, onde, segundo o físico, imperava um “tremendo mal estar”. Em 66 foi, a convite de Maurice Lévy, para a Faculdade de Ciências em Paris, lá permanecendo durante um ano.

Ao voltar, foi designado para dirigir o Instituto de Física da UFRJ, sendo responsável pela transferência da graduação para o campus da ilha do Fundão.

A aposentadoria compulsória decretada pelo regime militar, em 1969, e o exílio provocaram manifestações na comunidade científica internacional. Com diversos convites para trabalhar em universidades estrangeiras, Leite Lopes escolhe Pittsburgh (EUA). Discordando do apoio norte-americanas à ditadura no Brasil, acaba indo para a Faculdade de Strasbourg, na França, onde foi nomeado professor titular, desenvolvendo cursos e pesquisas.

Leite Lopes retorna ao Brasil, em 1985, e assume o posto de diretor do CBPF até 1989. A relação com o instituto que ajudou a criar per-manece estreita,

mesmo após a aposentadoria e se estende até hoje, com a visitação mensal do físico ao Centro, onde ainda estão sua sala e sua secretária Rosângela.

Pintura, o despertar de um novo talentoA pintura é outra das grandes paixões do físico, para

quem, a beleza é fundamental e deve orientar nossos gestos.

“Sempre fui interessado por fotografias e quando re-tornei dos Estados Unidos, um amigo ceramista pergun-tou por que eu não pintava. Em seguida, presenteou-me com pincéis, tela e tinta e desta maneira me iniciei na pintura. A pintura sempre distrai”, conta Leite Lopes. A respeito de suas influências, afirma: “eu me interesso em fazer a pintura quando me vem a idéia. Eu não tenho influências artísticas, expresso o que sinto”.

Haveria então alguma relação entre a pintura e a ci-ência? Para o professor, a observação da natureza é um ponto em comum. “Em Física propõem-se questões e, em cima delas, começa-se o trabalho. São estilos dife-rentes entre a Física e a arte, mas digamos que os pro-blemas da Física se transformam em inspiração para as telas. A pintura é a expressão das minhas observa-ções”. Tal relação pode se comprovar pela quantidade de quadros que o cercam em sua casa. São cheios de cores vivas e movimentos que remetem à Física, suas partículas, explosões e mistérios.

Ao pintar, Leite Lopes diz criar novos problemas, porém diferentes dos da Física. “Quando o quadro sai muito bonito, isto me dá uma enorme alegria, quase como a que encontro na Física. Eu posso comparar a alegria espiritual diante de um quadro que você con-cluiu e que lhe agrada muito com a alegria da descoberta científica”, completa.

“A pintura para mim não é uma obrigação, é um prazer, é um relaxamento”, enfatiza Leite Lopes que, sendo um físico teórico, queria fazer alguma coisa com as mãos e descobriu na pintura uma possibilidade e um talento.