udi m.butler, marcelo princeswal)culturas de participação jovens e suas percepções

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O Social em Questão - Ano XV - nº 27 - 2012 101 pg 101 - 126 Culturas de participação: jovens e suas percepções e práticas de cidadania 1 Udi Mandel Butler 2 Marcelo Princeswal 3 Resumo Este artigo visa analisar a noção de participação infantil e juvenil. Esse fenômeno é analisado através de três perspectivas: as percepções sobre a participação; suas práticas; e finalmente seus efeitos nas vidas de jovens. Este artigo é fruto da pesquisa Culturas de Participação: Jovens e suas percepções e práticas de cidadania. Palavras-chave Culturas de participação; Jovens; Percepções; Cidadania. Cultures of participation: young people’s perspectives on and expe- riences of citizenship Abstract This article aims at analyzing child and youth participation through three diffe- rent perspectives: perceptions on participation; engagement and its effects on the lives of young people. The article is based on the research Cultures of Participation: Young people´s perceptions on citizenhip. Keywords Cultures of participation;Young people; Perceptions; Citizenship.

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Participação da juventude

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  • O Social em Questo - Ano XV - n 27 - 2012

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    pg 101 - 126

    Culturas de participao: jovens e suas percepes e prticas de cidadania1

    Udi Mandel Butler2

    Marcelo Princeswal3

    ResumoEste artigo visa analisar a noo de participao infantil e juvenil. Esse fenmeno

    analisado atravs de trs perspectivas: as percepes sobre a participao; suas prticas; e finalmente seus efeitos nas vidas de jovens. Este artigo fruto da pesquisa Culturas de Participao: Jovens e suas percepes e prticas de cidadania.

    Palavras-chaveCulturas de participao; Jovens; Percepes; Cidadania.

    Cultures of participation: young peoples perspectives on and expe-riences of citizenship

    AbstractThis article aims at analyzing child and youth participation through three diffe-

    rent perspectives: perceptions on participation; engagement and its effects on the lives of young people. The article is based on the research Cultures of Participation: Young peoples perceptions on citizenhip.

    KeywordsCultures of participation; Young people; Perceptions; Citizenship.

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    Introduo Este artigo fruto da pesquisa intitulada Culturas de participao: jovens e suas

    percepes e prticas de cidadania 4, onde visamos analisar a noo da participao juvenil, muito utilizada atualmente em discursos da rea social. Buscamos enten-der este fenmeno atravs de trs perspectivas: as percepes sobre a participao; suas prticas; e finalmente seus efeitos nas vidas de jovens. Nossa reflexo parte das vises de dois atores: o jovem inserido em organizaes, grupos e iniciativas da sociedade civil, e o educador ou coordenador adulto que ali se encontra. Pensando a respeito de espaos de participao, e levando em conta a segregao social na cidade do Rio de Janeiro, procuramos investigar se as formas de participao de jovens em classes sociais diferentes tambm se estruturam de maneiras distintas. Em conjunto com os jovens e educadores que fizeram parte da pesquisa, refletimos sobre como polticas pblicas e metodologias de projetos sociais podem catalisar espaos mais democrticos e atraentes para a participao juvenil, como tambm reconhecer os espaos menos formais em que a juventude atua.

    Esses debates tm acontecido pelo mundo todo. Em pases do Norte, como o Reino Unido e os Estados Unidos, entre muitos outros, as questes sobre a partici-pao de crianas e jovens esto voltadas para os conceitos de participao cvica, e a participao em espaos polticos formais como em grmios estudantis, em con-selhos municipais, entre outros (COLES, 1995; FLEKKOY e KAUFMAN, 1997; UNICEF, 2003). Em pases do Sul o tema do desenvolvimento socioeconmico5 tem sido praticado por agncias multilaterais como a ONU, o Banco Mundial, por rgos governamentais e no-governamentais. Tais instncias tm igualmente foca-lizado o tema da participao infantil e juvenil. Nessa perspectiva, a participao relaciona-se com o envolvimento de populaes e comunidades receptoras de pro-jetos e recursos, em seus processos de planejamento e implementao. Seguindo este movimento reclamando a participao de crianas e jovens em vrios setores da sociedade, tambm tem surgido uma srie de crticas a respeito do uso e abuso dos conceitos de participao e de empoderamento, especialmente no campo e na indstria do desenvolvimento social. Buscamos aqui o engajamento nesse debate de forma crtica, analisando mais precisamente como tais conceitos so entendidos e praticados no campo(COOKE, KOTHARI et al, 2004; RAHNEMA, 1992).

    Nossa pesquisa abordou essas questes de forma qualitativa, buscando compreender as culturas de participao de jovens e suas inseres na esfera pblica6 na cidade do Rio de Janeiro. Para tanto, examinamos alguns tipos de coletividades em que os jovens de hoje participam: organizaes comunitrias, grupos culturais e movimentos sociais.

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    Neste sentido, nosso primeiro desafio foi definir o conceito de participao. Existem certas formas de participao que so valorizadas, como por exemplo, a participao em um partido poltico ou um projeto de uma ONG. J outras formas so negligenciadas ou no consideradas como participao, por exemplo, os grupos de Hip Hop. Pode-se perguntar porqu o conceito de participao tem crescido em importncia nas duas ltimas dcadas, tanto no que se refere ao discurso do desenvolvimento social (encontrado em agncias multilaterais e em mltiplos rgos), quanto na esfera governamental, como tambm nas cincias polticas, sociais e nas prticas de polticas pblicas. Ser que os conceitos sobre participao so insuficientemente elaborados?

    Nos ltimos anos, podemos notar em todo o mundo, um crescente interesse por pesquisas e programas sociais - tanto implementados pelos Estados quanto pelo setor no-governamental - sobre a participao de crianas e jovens na esfera pblica (FLEKKOY e KAUFMAN, 1997; UNICEF, 2003). Um impor-tante marco nesse processo foi a Conveno dos Direitos da Criana de 1989, seguida por vrias iniciativas pautadas no discurso do direito, em diversas reas de atuao: combate ao trabalho infantil, violncia intra-familiar, meninos e meninas em situao de rua, entre muitos outros. A Conveno dos Direitos da Criana ratificada por quase todos os pases - com exceo da Somlia e dos Estados Unidos - possui algumas clusulas que versam, especificamente, sobre o direito da criana e do adolescente em serem consultados sobre os assuntos que lhes dizem respeito.

    Paralelamente as mudanas de discursos/prticas que visam a incluso partici-pativa de crianas e jovens na sociedade, tambm acreditamos que as formas tradi-cionais de participao poltica, especialmente, na atual gerao de jovens esto se transformando significativamente. Para muitos, essa transformao marcada pela aparente apatia dos jovens de hoje a respeito da poltica e da participao coletiva por mudanas sociais. Ser que tal viso est correta?

    Para alguns estudiosos (NOVAES e VITAL, 2006; BALARDINI, 2005; PAIS, 2000; ABRAMO, 2005) a questo mais complexa, pois os jovens de hoje esto envolvidos em outros espaos de participao, diferentes dos modos mais tradicio-nais de engajamento poltico. Do mesmo modo, comentam que as organizaes e as temticas abordadas so distintas das geraes anteriores. Essas mudanas e as transformaes no campo das subjetividades da nova gerao de jovens - uma po-pulao que, historicamente, sempre teve uma atuao marcante nas lutas de seus tempos - sero o foco desse artigo.

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    Metodologia da pesquisaEssa pesquisa foi realizada no Rio de Janeiro, conhecido mundialmente pela

    sua riqueza e beleza natural, mas tambm pela sua desigualdade social. O Rio foi escolhido justamente por causa deste contexto de cidade partida7 o que possibilita investigar se a compreenso poltica e a participao de jovens so afetadas de for-mas distintas, devidos a estes se encontrarem em diferentes espaos da cidade, em categorias diferenciadas de classe.

    No obstante a desigualdade que a caracteriza, a cidade do Rio possui uma so-ciedade civil ativa, com organizaes no-governamentais e comunitrias que visam combater a pobreza, a discriminao e a violncia urbana e cujas prticas ganharam reconhecimento. Muitas iniciativas so reconhecidas no s nacionalmente, mas in-ternacionalmente, e algumas so representadas nessa pesquisa.

    Inicialmente, nossa equipe identificou uma gama de iniciativas das quais entra-mos em contato com 20 organizaes, selecionando 14 movimentos sociais, pro-jetos e organizaes no governamentais que trabalham com jovens em uma pers-pectiva de justia social, cidadania e/ou acesso a oportunidades culturais. Nossa proposta era ter um leque de instituies, iniciativas e movimentos que represen-tassem a variedade das organizaes das quais os jovens participassem.

    Em uma segunda etapa, foram realizados nove grupos focais totalizando 59 jovens, predominantemente na faixa etria entre 16 a 24 anos, participantes dos projetos, de mo-vimentos sociais, ou outros espaos de participao, como aqui denominamos. Buscamos sempre uma representatividade em termos de gnero, etnias e classes sociais diferenciadas.

    Durante as duas fases descritas acima, participaram de nossa pesquisa aproxima-damente 100 colaboradores, entre coordenadores, pblico-alvo das iniciativas (os jovens) e alguns pesquisadores da rea. Nosso objetivo consistiu em entender me-lhor como de fato se d a participao de jovens em projetos especficos, e tambm o significado, a importncia e o impacto de tal participao para eles. Alm da par-ticipao em projetos tambm buscamos entender em que os jovens participam mais amplamente e o que eles consideram como tal. Nessa etapa buscamos pro-blematizar uma compreenso demasiadamente institucionalizada da participao, muitas vezes encontrada em discursos dos projetos sociais voltados para juventude, a fim de pensarmos em quais outros espaos podemos encontrar a participao.

    O contexto da participaoConceitos como participao e empoderamento esto em voga nos dia atuais e so

    utilizados por inmeros projetos, iniciativas, organizaes locais, no-governamentais,

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    agncias multilaterais ou governamentais que os empregam nas mais diversas situaes. Como toda moda, existe a tendncia ao esvaziamento do significado das palavras que passam a ser utilizadas na descrio de qualquer tipo de ao, tornando-se nebulosas.

    A adoo dos dois termos tende a servir como um selo de garantia de aprovao na captao de recursos de financiadores e rgos que por sua vez tambm podem no ter necessariamente uma precisa definio ou compreenso de tais conceitos.

    Heiko e Roderick (2004) observam que termos como participao e empo-deramento tornaram-se comuns no campo do desenvolvimento social, a partir da dcada de 80, formando uma nova ortodoxia que se ope a velhas ideias de planeja-mento centralizado e hierrquico. Cleaver (2004) relata que essas noes perderam seus significados originais mais radicais relacionados com o engajamento crtico na sociedade, com a problematizao de situaes sociais e relaes de poder, com categorias de classe. Hoje, para vrias organizaes nacionais e internacionais, tais conceitos tornaram-se parte de processos de gerenciamento de projeto, tcnicas para soluo de problemas ou aumento da eficincia. Como argumenta este ltimo autor, termos como o empoderamento so usados, muitas vezes, sem esclarecer quem ser empoderado, como isso acontecer e para qual propsito.

    Essas inquietaes tornaram-se pontos de partida para a nossa pesquisa, bem como a necessidade de conhecer discursos e prticas que agreguem a juventude, em uma sociedade cada vez mais individualista e imediatista. Parece-nos que os proble-mas que presenciamos nos dias de hoje polticos, econmicos, sociais, ambientais entre outros s sero resolvidos atravs de mltiplas formas de aes coletivas.

    Juan Bordenave, escritor paraguaio influenciado por Paulo Freire, tem nos aju-dado a clarificar o conceito da participao. Bordenave (1995) analisa as diferentes formas de participao na sociedade bem como sua qualidade ou os graus em que ela se manifesta. Em relao forma, o autor distingue a micro e a macro participa-o, identificando vrios nveis ou espaos: um nvel primrio relacionado a famlia, amigos, vizinhana; um secundrio, relacionado as associaes profissionais ou de moradores, sindicatos, empresas; e um nvel tercirio, onde se encontram os parti-dos polticos, movimentos de classe, dentro outros.

    Citando A. Meister, Bordenave considera a microparticipao como a associa-o voluntria de duas ou mais pessoas numa atividade comum na qual elas no pre-tendem unicamente tirar benefcios pessoais e imediatos (BORDENAVE, 2004, p. 25). J a macroparticipao definida como a interveno de pessoas nos proces-sos dinmicos que constituem ou modificam a sociedade, quer dizer, na histria da sociedade (BORDENAVE, 2004, p. 25).

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    Neste sentido, o autor aponta para uma participao mais restrita e de alcance mais imediato, em contraposio a uma participao que vise a transformao social ou identificao de causas mais amplas que digam respeito s lutas sociais, econmi-cas e polticas. Essa ltima designada como participao social no sendo apenas a soma de vrias participaes em associaes, mas algo qualitativamente diferente. A macroparticipao atua no que o mais bsico da sociedade: a produo dos bens materiais e culturais, assim como na administrao desses e seu usufruto.

    A definio de Bordenave baseia-se nas anlises do materialismo histrico, na superestrutura e infra-estrutura, ou seja, em nosso interesse, na micro e ma-croparticipao. Por trs dessa viso tambm se encontra uma ideia sobre o que fazer poltica, que enfatiza as organizaes tradicionais, como os partidos, os sindicatos e as associaes de moradores. Em termos da socializao de crian-as e jovens nesses processos deliberativos, a proposta que se insiram cada vez mais nas instituies formais (grmios estudantis, unio de estudantes, sindica-tos, etc.) onde se tornaro cidados capazes de navegar nas guas polticas de sua sociedade. Esta concepo sobre a poltica foi criticada por vrios autores como Foucault (1991), Guattari e Rolnik (2005), Laclau e Mouffe (1985) entre outros, que situam a micropoltica como intrinsecamente relacionada transformao social - o que nos parece diferente das anlises de Bordenave, que rompem com as ideias das estruturas marxistas.

    Para esses autores, no h transformao que no atinja conjuntamente as estru-turas de poder que Bordenave (1995) classifica como restritas e imediatas (famlia, vizinhana, etc.). As crticas ao estruturalismo marxista esto presentes em novas formas de movimentao poltica que vm a ser conhecidas como os Novos Movi-mentos Sociais. A luta poltica no se trata necessariamente de uma luta de classe, mas de uma luta de grupos especficos como, por exemplo, os negros, as mulheres, os homossexuais, que reivindicam sua identidade e seus direitos.

    Uma forte vertente desses movimentos, que contraria a anlise de Bordenave, bem encapsulada no dizer feminista: o pessoal poltico. Esta discusso a respeito de formas de entender sobre o que a poltica torna-se importante nesta pesquisa, na medida em que contribui para uma compreenso das novas formas e espaos de participao dos jovens.

    Assim acreditamos que as dinmicas da participao so sempre produes his-tricas que dependem das normas de sociabilidade, de formas de organizao so-cial, de inovaes tecnolgicas, e dos especficos contextos culturais que incluem valores e ideais, crenas, smbolos e rituais.

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    A participao de acordo com os jovensComo dissemos na introduo, nos ltimos anos, percebemos uma mudana

    nos discursos e prticas que visam a incluso participativa de crianas e jovens na esfera pblica e no processo de desenvolvimento social. Ao mesmo tempo, ocor-rem transformaes significativas na participao dos jovens em relao s formas tradicionais de organizao poltica. Para muitos pesquisadores e no senso comum, essa transformao entendida como uma apatia da juventude de hoje em relao poltica e a participao coletiva para mudanas sociais.

    Os jovens de hoje, de acordo com essa perspectiva, so considerados: con-sumistas (passivos diante da sociedade do consumo), individualistas (envolvidos em projetos individuais e no solidrios), conservadores (e no progressistas), alienados (e no engajados), e apticos (e no participativos) (NOVAES, 2006). Ser tal viso correta? justo comparar geraes historicamente distintas? Qual a base para tal comparao? Qual a concepo de poltica usada como pano de fundo para essa generalizao?

    Como muitos pesquisadores tm apontado os jovens de hoje esto envolvidos em diferentes espaos de participao, distintos das formas mais tradicionais de engajamento poltico. Alm disso, atuam atravs de formas de organizao diferen-tes, enfrentando outras temticas em comparao s geraes passadas (NOVAES, 2006; BALARDINI, 2005; PAIS, 2000; ABRAMO, 2005). O desenvolvimento de tecnologias de comunicao e informao como, por exemplo, a Internet, criou novos espaos e oportunidades para a participao. Crescem, a cada dia, o nme-ro de usurios, os servios disponveis e as possibilidades de troca. Esse processo provoca uma mudana profunda na comunicao e na circulao de informaes, destacando-se, por exemplo, a nova febre entre os jovens conhecida como Orkut. Temos visto que este site de relacionamento oferece a possibilidade do internauta em associar-se a comunidades com temas de seu interesse e de engajar-se, muitas vezes, em debates e aes iniciadas on-line.

    Traando esse percurso entre a participao juvenil que denominamos como formal (militncia poltica mais tradicional, movimento estudantil, setores jovens de partidos polticos), e as novas formas de participao centradas na sociedade ci-vil (e especialmente nas organizaes no-governamentais), podemos vislumbrar, a seguir, algumas vertentes importantes que podem explicar tal diferenciao.

    Sergio Balardini (2005) contextualiza historicamente os grandes acontecimentos das dcadas de 1960 e 70 que produziram mudanas expressivas na participao poltica do jovem em todo o mundo, inclusive no Brasil. Nessas dcadas notamos uma forte radica-

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    lizao poltica e ideolgica que abalou o mundo todo, polarizada entre: o socialismo e o capitalismo, e os processos de descolonizao e liberao nacional acontecendo em diver-sos pases, como por exemplo, Arglia, Cuba, Vietn e Moambique (BALARDINI, 2005).

    Essa radicalizao poltica, apontada por Balardini se fez presente em vrios ou-tros contextos da luta contra o autoritarismo e a injustia: dentro da famlia, na escola, no trabalho e na vida poltica em geral. Os eventos de 1968, principalmente, na Frana e nos Estados Unidos, com repercusses em outros pases, tornaram-se um marco simblico da efervescncia jovem para uma transformao social radical.

    O autor argumenta que as dcadas de 1960 e 70 foram os anos em que a ideia de mudar o mundo era constitutiva de um jovem, como ele relata: Tnhamos certeza de que tudo era possvel (BALARDINI, 2005, p. 100). Essa perspectiva sofre uma mudana radical a partir dos anos 1980 e 90, pois a poltica como lugar de trans-formao do mundo passa a ser subvertida pela economia e transformada em pura tcnica e administrao. As relaes sociais, como a da desigualdade e pobreza, se agravam. Dessa forma, Balardini refere-se aos tempos atuais onde a sociedade e a cultura comemoram o imediato, no que ele chama de uma cultura narcisista.

    Quando nos referimos mais especificamente s mudanas na participao do jovem no Brasil, torna-se necessrio problematizar agora quais foram as mudan-as no cenrio poltico, econmico, social, cultural e consequentemente subje-tivo que afetaram as maneiras e os espaos de participao. Analis-las sobre a perspectiva histrica permite-nos evidenciar quais so as foras produtoras dessas mudanas e as novas formas de organizao postas em movimento, em especial, a partir dos anos 1970.

    Ao partimos do pressuposto deque a participao formal est diretamente - mas no exclusivamente - relacionada com o grau de democracia vivenciado no pas, podemos apontar que, historicamente no Brasil, diversas foram as formas ins-titudas para coibir a participao da populao. Dessa maneira, nossa investigao sobre o tema nos levou a questionar como foi construda historicamente a participa-o dos jovens e da populao como um todo, em um pas marcado por sculos de escravido e de sucessivos golpes centrados no autoritarismo do Estado.

    Desde a chegada dos portugueses toda e qualquer forma de mobilizao/con-testao que fosse considerada contrria s normas da Metrpole era duramente combatida, seja no campo poltico, religioso, entre outros. A luta pela liberdade, como nos casos do Quilombo dos Palmares, da Inconfidncia Mineira e da Baiana, apenas para citar algumas, foram fortemente reprimidas a fim de se manter as for-mas de dominao estabelecidas8.

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    Em 1937, nasce um dos principais atores que catalisar a participao da juven-tude em um espao institudo no cenrio poltico brasileiro: a Unio Nacional dos Estudantes - UNE. Nota-se que a participao de jovens sempre esteve presente em momentos anteriores9 como nas lutas pela abolio e proclamao da Repblica; na Federao de Estudantes Brasileiros, fundada em 1910, e no I Congresso da Juven-tude Operria Estudantil, em 1934. As reivindicaes, porm tinham um carter pontual e no classista. Mais especificamente a partir de seu 2 Congresso, a UNE

    adquiriu uma conotao poltica com pauta social voltada para as questes nacionais, como a luta contra o analfabetismo, a implantao de siderurgias, a crtica ao colo-nialismo, o antiimperialismo, ou o prprio trabalho no sentido da consolidao da entidade (SOUZA 1999, p. 33).

    No espao entre as duas ditaduras (1945 a 1964), percebe-se o direcionamento poltico assumido pela UNE nos discursos e prticas para as questes relacionadas s transformaes estruturais da sociedade. Somando esforos com outros atores sociais10, o Movimento Estudantil institui-se como uma das principais categorias de mobilizao e reivindicao das Reformas de Bases e que, vindo a desempenhar na dcada de 1960 um importante papel no cenrio poltico e cultural brasileiro. Toda a efervescncia desses anos no Brasil relacionava-se com os movimentos vividos em outros pases, tanto latino-americanos como europeus, que mesmo mantendo certas similitudes distinguiam-se em suas razes.

    Outro aspecto presente na atuao do jovem na dcada de 1960 referia-se aos questionamentos aos valores burgueses que marcavam as formas de experimentar o mundo. Lutar pela liberdade sexual ou contra o autoritarismo patriarcal, por exem-plo, significava criar novos sentidos para a existncia, diferentes daqueles edificados, at ento, pela modernidade. Porm, alguns autores apontam que este canal de par-ticipao juvenil promovido pelo movimento estudantil assumia, muitas vezes, uma estrutura rgida, em moldes quase partidrios e que pouco possibilitava formas de atuar diferentes desta lgica. Muitos jovens integrantes do movimento estudantil des-sa poca eram militantes de partidos de esquerda, em especial o Partido Comunista.

    O golpe militar, em 1964, reprimiu duramente a participao dos vrios grupos que reivindicavam as transformaes estruturais da sociedade, empurrando suas aes clandestinidade. Neste cenrio, sob o uso da violncia, a ditadura promoveu uma verdadeira caada s lideranas da UNE e a todos aqueles que ousassem de-safiar seu autoritarismo. Alm disso, atrelou os sindicatos ao Estado e reprimiu os

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    vrios movimentos de contestao, como as ligas Camponesas. Segundo Reis Filho (1988) logo aps o golpe, partidrios a favor do regime militar atearam fogo ao prdio da UNE no Rio de Janeiro.

    O AI-511, decretado em 1968, pela Doutrina de Segurana Nacional intensificou a represso aos opositores da ditadura acarretando a perseguio, priso e morte de muitos militantes. Entre seus efeitos o AI-5 levou a extino da UNE, em 1973. As aes desencadeadas pelo Estado nos 21 anos de governo militar produziram a despolitizao, o medo e a tentativa do silenciamento.

    Contudo, mesmo com a situao agravando-se, consideravelmente, no pas, em razo do modelo econmico dependente e do forte aparato repressor, cons-tatou-se a necessidade de se criar outros dispositivos de participao. Segundo Sader, apesar dos longos anos de represso, durante a ditadura, houve a reorgani-zao da esquerda nacional na criao do Partido dos Trabalhadores, da CUT e do MST (SADER, 2004, p. 81).

    Um importante personagem na luta contra o regime militar foi a Igreja Cat-lica, atravs das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e sob os pressupostos da Teologia da Libertao. Buscando organizar trabalhadores no campo e nas cidades, ganhou extenso nacional na dcada de 1970. A relevncia das CEBs neste perodo histrico pode ser destacado na luta contra:

    [...] a expropriao da terra e a explorao do trabalho. Migrantes e oprimidos, os membros das comunidades, se outrora buscavam na religio um sedativo para os so-frimentos, encontram agora um espao de discernimento crtico frente a ideologia dominante e de organizao popular capaz de resistir a opresso. A prpria con-juntura nacional ajudou a reforar as Comunidades Eclesiais de Base. Ao suprimir os canais de participao popular, o regime militar fez com que esse mesmo povo buscasse um novo espao para se organizar. Esse espao foi encontrado na igreja (...) (BETTO apud FERNANDES, 1999).

    Neste sentido, as CEBs representaram um espao democrtico de apro-ximao e de reflexo dos trabalhadores, reconhecendo-os como sujeitos da histria e politizando-os em busca da reflexo sobre suas condies de vida, e como e porque estas so geradas e mantidas. Alm disso, era possvel criar coletivamente estratgias de enfretamento aos desafios impostos pelo regime militar, bem como pela elite dominante. Com isso, pode-se afirmar que uma das maiores realizaes das CEBs consiste em terem reaproximado as massas

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    da urgncia de se organizar e lutar por mudanas, alm de agregar lideranas que atuavam em diferentes esferas polticas, mas isoladamente.

    notvel a influncia das CEBs na formao das primeiras ONGs, no Brasil, que durante a poca da ditadura militar trabalhavam com populaes excludas. Destacamos dentre as diversas frentes de aes das ONGs, nesse perodo, os tra-balhos com os chamados menores. Nessa poca o campo de proteo infncia e a adolescncia marcado por lutas e acordos entre diversos agentes sociais e suas instituies. Na dcada de 1980, como descreve Alvim, este campo caracterizado pela exigncia de uma nova lei que olhasse para as crianas e adolescentes (os ditos menores) como sujeitos de direito, diferentemente do Cdigo de Menores, com suas aes repressivas (ALVIM, 2002).

    Alm das CEBs, ainda na dcada de 1970, diversos autores localizam a emer-gncia de novas formas e espaos de participao, diferentes dos existentes nas d-cadas anteriores: os Novos Movimentos Sociais - NMS. Estes tericos sinalizam como ponto principal que os diferencia o enfraquecimento da noo de lutas de classe, proposta pelo materialismo histrico, o que norteava a prtica dos espaos tradicionais de ao poltica. Os NMS promoveram e promovem uma nova compre-enso na relao entre sociedade civil e Estado.

    Sob o rtulo de Novos Movimentos Sociais abarca-se uma srie de pautas dife-renciadas que no compem uma unidade, mas que mantm certas relaes. Desse modo, fala-se sobre um conjunto de aes desde o movimento feminista e pela di-versidade sexual aos grupos em prol da preservao ecolgica, pacifistas, minorias tnicas, desempregados, entre outros tantos.

    A composio destes novos movimentos sociais contribuiu para a reinven-o das formas de intervir na realidade, ou melhor, de se fazer poltica. As lutas desencadeadas pelos NMS incidem, principalmente, sobre a noo de autono-mia em detrimento da noo de hegemonia, e contrapem a noo de sujei-tos de direito a noo de classes.

    Para muitos autores, essas mudanas no campo poltico e ideolgico, no s no Brasil, mas em vrios outros pases, so especialmente marcantes a partir do fim da Guerra Fria. Para alguns pensadores que categorizam o presente perodo histrico como a ps-modernidade, um dos sintomas dessa poca seria o que Jean Franois Lyotard (1984) chama de uma descrena em projetos utpicos, ou metanarrativas isto , grandes histrias ou projetos ideolgicos que se colocam como nicos de-tentores da verdade que, ao invs de serem seguidos, so tratados com ironia, como vestgios de uma outra era.

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    Iniciativas recentes como o Frum Social Mundial (a partir do ano 2000), os protestos contra uma globalizao a favor do capital, e outros eventos e mobilizaes, parecem contrariar essa afirmativa e apontam para formas de participao e de engajamento poltico mais adaptadas conjuntura comple-xa dos tempos atuais. Mesmo sem enterrar de vez a utopia, podemos notar a hegemonia de um sistema global do capitalismo avanado que traz profundas mudanas na vida de pessoas por todo mundo. Mais especificamente, no que diz respeito a essa pesquisa e a participao de jovens na esfera pblica, focalizamos em trs aspectos importantes:

    a) a emergncia de novos a(u)tores da participao juvenil atravs de novas for-mas de participao que denominamos cultura D.I.Y. (do it yourself faa voc mesmo);

    b) uma nova cultura de trabalhidade;

    c) uma horizontalidade nas formas de participao (isto uma tendncia a con-gregao no-hierrquica e cara a cara) e uma nfase na poltica do dia-a-dia.

    Novos a(u)tores da participao juvenil e a cultura D.I.Y.

    Categorizados como apticos e no engajados, os jovens de hoje so compa-rados com um importante segmento juvenil que ganhou notoriedade nos anos 1960 e 1970, mas que no eram, numericamente, a maioria dos jovens da poca. Como escreve Novaes: Compara-se, assim, uma minoria do passado com todos os jovens do presente (NOVAES 2006, p. 117). A aparente apatia dos jovens e sua falta de participao normalmente esto ligadas a uma compreenso bem restrita do termo poltico. Enfatiza-se a viso negativa do jovem a respeito da poltica e sua baixa insero em mecanismos institucionais, como organizaes polticas tradicionais ou o prprio processo eleitoral.

    Entretanto, como aponta Novaes (2006), raramente as respostas dos jo-vens so comparadas as de outras faixas etrias, pois a baixa participao e a descrena na poltica e nos representantes polticos afetam todas as faixas da populao. A autora, como outros pesquisadores, acredita na existncia de um desencanto geral e uma certa desiluso com o restabelecimento das democra-cias na Amrica Latina que falharam em cumprir suas promessas de superar os problemas sociais, o clientelismo e a corrupo, ou de consolidar formas de participao popular12.

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    Algumas pesquisas mostram que, para certos segmentos juvenis, a desqualificao da poltica e dos polticos vem acompanhada de uma reapropriao da ideia de ci-dadania, para onde so transferidos certos atributos prprios do campo poltico, tais como: ao, conscientizao, direitos, valorizao dos espaos coletivos, reso-luo dos problemas etc. Em variados grupos de jovens que hoje buscam a incluso social podemos observar uma peculiar interseo entre o discurso da cidadania e as expresses do sentimento de solidariedade. Essa combinao tem se traduzido em disposies ticas e aes concretas em diferentes espaos (no necessariamente classificados como polticos) dos quais participam (NOVAES 2006, p. 118).

    Um outro dado importante para compreender a participao juvenil a mu-dana do perfil dos jovens desde as dcadas dos anos 1960. Hoje, Abramo (2005), Novaes (2006) e outros descrevem a face social dos jovens que se mobilizam como muito mais diversificada, diferente do passado, quando a mobilizao se encontrava concentrada entre os jovens estudantes de classe mdia13.

    Esses grupos tendem a se articular em espaos geograficamente mais amplos para realizar intercmbios artsticos, culturais e de experincias de ao social, para participar de articulaes e mobilizaes ligadas s suas reas de atuao, para participar de campanhas e mobilizaes relacionadas a interesses mais amplos da cidadania (NOVAES 2006, p.118).

    Dessa maneira, torna-se fundamental entender os grupos que no se organizam de acordo com os moldes polticos tradicionais e evitar rejeit-los como meramen-te artsticos, msticos ou assistencialistas. Antes, devemos conhecer suas formas de atuao no espao pblico e atentar para seus efeitos polticos em configuraes marcadas pela excluso e pela violncia (NOVAES 2006, p. 118). Esse aspecto aqui o que chamamos de formas de participao informal.

    precisamente nessa poca, entre o final da dcada 80 e incio dos anos 90, que a juventude da periferia descoberta pela universidade, ONGs, e Estado. Este processo se deu atravs dos prprios grupos de jovens de rap, funk, grupos de msica, grafite, danarinos, de teatro, religiosos que apresentavam novas formas de interveno na esfera pblica.

    Acreditamos que uma dinmica importante para o surgimento desses novos au-tores a cultura Do It Yourself (D.I.Y.) ou faa voc mesmo. O D.I.Y. um pro-cesso criador de culturas jovens que parte do princpio de que eles tambm podem

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    fazer, criar, conquistar seu espao, sua autonomia. Tais efervescncias contracultu-ras da juventude podem ser vistas no decorrer do sculo XX, em movimentos cul-turais como os beats, os hippies, os punks, e agora, no caso do Brasil, manifesta-se mais explicitamente na cultura Hip Hop.

    Stephen Duncombe, editor do Cultural Resistance Reader (2002), relata sua prpria trajetria como ativista iniciada em sua juventude a partir de seu encontro com o movimento contracultura. Em seu caso, o encontro com a msica punk ensinou-lhe sua primeira lio poltica: a importncia da comunidade.

    Sozinho, eu possua meus problemas: Eu era alienado, Eu era entediado. Eu era muito insensvel a injustia. Mas, como um punk eu encontrei outros que tambm tinham esses problemas, e como todos ns parecamos dividi-los, ns raciocina-mos que os problemas devem ser no s nossos, mas da sociedade (DUNCOMBE 2002,p.4).

    Aprendendo a solidariedade e o apoio mtuo Duncombe tambm descobriu seu poder de criar:

    Como a maioria das pessoas que cresceram em uma sociedade e economia liberal, eu estava acostumado com uma poltica, produo e entretenimento que eram cria-dos e produzidos por outros para mim, minhas aes prprias se limitando a gastar um dlar e dar meu voto. Punk me ensinou a D.I.Y.: Do-it-yourself. A noo que eu podia criar minha prpria cultura do-it-myself foi para mim revolucionrio, pois ela carregava a promessa que eu tambm poderia criar minha prpria poltica e meu prprio mundo (DUNCOMBE, 2002, p. 4).

    A resistncia cultural para Duncombe pode ser entendida de diferentes maneiras:

    1) Como um espao livre para desenvolver os ideais e coloc-los em prtica, fora das restries da cultura dominante e como um lugar para construir comu-nidade e solidariedade.

    2) Como um degrau para o ativismo poltico onde habilidades, ideais, auto-confiana e redes so adquiridas.

    3) Como uma resistncia poltica em si re-escrevendo o discurso cultural com formas, ideias e prticas diferentes como um ato de resistncia em si.

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    4) Como um escape da poltica, liberando o descontentamento que poderia ter sido canalizado de outra maneira dentro da poltica.

    5) A resistncia cultural no pode existir pois qualquer expresso cultural rapidamente apropriada para o status quo.

    Outras observaes de Duncombe sobre como a cultura manifesta sua poltica so teis para o nosso estudo nas prximas pginas. A cultura expressa sua poltica atravs de:

    1) Seu contedo as letras do Hip Hop, do samba, o tema do filme, da foto ou da pea de teatro, por exemplo.

    2) Sua forma atravs de uma linguagem acessvel e rimada no caso do rap ao invs de ser escrita em uma pgina ou discursada de um palanque; uma pea aberta do Teatro do Oprimido em vez de uma pea produzida em Teatro com ingressos a preos caros.

    3) Sua interpretao o jeito como diferentes formas culturais so apropriadas podem ser aspectos de uma resistncia, por exemplo, o estilo de usar a cala jeans larga, sem cinto mostrando a cueca, originria da forma de vestir de presos dos EUA, pois no podiam usar cintos nas cadeias.

    4) Em sua atividade a cultura produzida de diferentes maneiras uma rave14

    ilegal diferente de uma festa produzida com o apoio de corporaes; a maneira de encenar uma pea de acordo com a metodologia de trabalho do Teatro do Oprimido diferente de uma companhia de teatro convencional.

    Um precursor da teorizao da resistncia cultural foi Walter Benjamin que em O autor como produtor argumentava que o contedo da cultura no o fundamental, pois a resistncia cultural de hoje o produto comercial de amanh. Em seu lugar, o que mais importante em termos polticos so as condies de produo cultural.

    Ao mesmo tempo em que essa efervescncia cultural passou a ser reconhecida pela academia e pelo Estado, o mesmo aconteceu com o dito Terceiro Setor. Para Alvim, os projetos deste ltimo, baseados na pedagogia libertadora de Paulo Frei-re que utiliza a arte e cultura passam a ser direcionados no apenas infncia pobre, mas para o pblico jovem (ALVIM, 2002, p. 49).

    Os dois rios: 1) a dinmica cultural D.I.Y. dentro do universo jovem em vrias partes do mundo; 2) o uso da cultura como matria bruta para a reflexo e prxis partindo de uma pedagogia freireana na histria da sociedade civil brasileira, se en-

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    contram no tempo presente no campo da participao juvenil. A confluncia desses dois rios com as condies produzidas pela atual fase de um capitalismo global, avan-ando, catalisa as formas especficas de participao de jovens dos nossos tempos.

    Outro importante fator a ser levado em considerao para analisarmos a parti-cipao da juventude nos dias atuais consiste no impacto das novas configuraes no mundo do trabalho.

    A nova cultura da trabalhidade Primeiramente, como aponta Regina Novaes (2006) diante da globalizao

    dos mercados, h um redesenho do mundo do trabalho e a construo de uma nova cultura da trabalhidade. Com a crescente insegurana em relao ao in-gresso no mundo do trabalho, jovens de todas as classes sociais adotam manei-ras diferentes de enfrentar esse desafio de acordo com os recursos disponveis (NOVAES e MELLO, 2002). Ao compararmos os dados da PNAD entre os anos de 1993 e 2003, observamos uma significativa reduo dos jovens inseridos no mercado de trabalho na regio metropolitana do Rio de Janeiro15 (47%, em 1993, e apenas 38% em 2003). Os sinais desse fenmeno podem manifestar-se, por exemplo, em mais tempo gasto em atividades que venham a possibilitar maio-res chances de empregabilidade cursos de idioma, informtica, estgios, maior preocupao com o vestibular e o ingresso em uma boa faculdade. J os jovens de baixa renda, em muitos casos, vislumbram como alternativa o ingresso em programas e projetos governamentais e no-governamentais que lhes ofeream oportunidades para a sua iniciao a vida produtiva. Desse modo, o foco das aes para esses jovens incentiva-os: por meio do auto-emprego, da abertura de micro e pequenos negcios, do trabalho cooperativo e associativo, da atuao remune-rada em organizaes do terceiro setor (NOVAES, 2006, p. 124).

    Outro fenmeno recente no campo do voluntarismo e do engajamento na esfera pblica o que podemos chamar de ativista de currculo. Esse ativista se encontra em vrios pases onde h nova cultura da trabalhidade, onde o mercado de trabalho se torna cada vez mais exigente, a procura de novos talentos e experincias de seus empregados. O ativista de currculo aquele que no tem necessariamente um compromisso afetivo com sua causa, mas atua em campanhas, ONGs, etc. a fim de aumentar suas chances de insero no mercado de trabalho, o que pode se dar na rea social ou no16.

    O que parece ser significativo nas questes levantadas acima para o tema de nossa pesquisa a hiptese de que a preocupao atual com a entrada no mundo

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    do trabalho e, consequentemente, a competitividade acirrada e o individualismo, venham a consumir energias que no passado mobilizariam a juventude para a participao social. Como veremos a seguir, a questo da participao no pode ser afastada das condies materiais e dos recursos que possibilitam a mobilizao para causas e iniciativas.

    Participao horizontal e a poltica do dia a diaBalardini (2005) sinaliza para a tendncia atual da participao juvenil como

    a priorizao da ao imediata que, embora no abra mo de solues em longo prazo, se sustenta na construo, no presente, de uma nova sociedade atravs de uma tica de aes diferentes. Isso acontece tambm pela desconfiana em ser re-presentado por um outro (pelo partido, pelo poltico), e como anuncia Balardini, expressando o ponto de vista do jovem contemporneo, mudar o mundo comea agora, ento ele muda o mundo mais prximo (BALARDINI, 2005).

    Outra marca da participao juvenil atual diz a respeito sua localizao dentro de uma organizao, visto que o jovem valoriza a dimenso de indivduo como algo fundamental e no est disposto a perder sua individualidade, como nos demons-traram os entrevistados. Isso o faz participar de organizaes com outras caracters-ticas, muitas vezes, com um baixo grau de institucionalizao. Este aspecto parece como um forte marco da juventude; um aspecto antiautoritrio e contra formas de organizao demasiadamente rgidas.

    O autor caracteriza a participao juvenil atual como aquela que d nfase a horizontalidade nos processos de planejamento e coordenao, como por exemplo, em grupos de trabalho, redes, etc. Dessa forma, os jovens buscam o respeito au-tonomia e demonstram um receio a verticalizao e ao centralismo.

    Isto nos foi relatado durante a pesquisa: embora a participao de jovens em for-mas de organizaes polticas mais tradicionais como o movimento universitrio ou secundarista esteja em declnio, a juventude continua se mobilizando atravs de passeatas para defender seus direitos:

    E se voc conseguir mudar o seu olhar em relao ao que participao dos jovens voc percebe que a juventude, ela participa. Ela participativa e ela se posiciona politicamente dentro da realidade dela. Hoje no tem mais aquela marcao mais rigorosa, esquerda, direita, e tal, mas ela se posiciona politicamente (...) Se o go-verno ameaa alguma coisa que de direito seu ela se posiciona, ento isso... O cara se interessa muito mais de repente passear numa passeata pra se posicionar em

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    relao a alguma coisa que est colocada diante dele, do que ir para um congresso, ficar dois dias l ouvindo aquele cara chato. Ele at quer discutir a passeata, mas uma coisa mais objetiva, mais real, concreta, e no essas coisas retricas de congresso. (COORDENADORIA DA JUVENTUDE DO MUNICPIO DE NITERI)

    Essas tendncias, ao mesmo tempo apontam para uma mudana de formas mais tradicionais de uma poltica de classe para uma poltica do dia-a-dia.

    ConclusoRecentemente muitas pesquisas e elaboraes tericas comearam a foca-

    lizar na participao dos jovens (NOVAES, 2006; BALARDINI, 2005; ABRA-MO, 2005; RAJANI, 2001; PAIS, 2000; JOHNSON et al, 1998; HART, 1997). Como notamos em nossa pesquisa, a participao sempre ocorre dentro de um contexto histrico que oferece diferentes oportunidades, formas e temas que a possibilitam e a provocam . Ao mesmo tempo cada contexto histrico oferece desafios a participao, alguns muito evidentes como os vividos durante os anos de regime militar no Brasil. A presentificao (ou o imediatismo), marco dos tempos atuais gerado devido a uma cultura que valoriza a gratificao ime-diata atravs do consumo, tambm impe desafios para a participao voltada a projetos coletivos de futuro. Como relatamos aqui, para muitos pesquisadores, como tambm para o senso comum os jovens de hoje so mais individualistas e apticos do que a juventude do passado.

    Nessa pesquisa buscamos problematizar essa perspectiva simples. Sim, o capi-talismo avanado e a difuso de uma cultura consumista e individualista oferecem um grande desafio para todas as geraes. No tocante a gerao mais jovem identi-ficamos como uma nova cultura da trabalhidade apresenta presses e ansiedades que podem restringir as possibilidades para a participao. Mas ao mesmo tempo, notamos a importncia de mudar o olhar no sentido de no s enxergar a participa-o em formas e espaos formais.

    Como percebemos aqui, existem novas formas de pensar a poltica, como os novos movimentos sociais enfocando o feminismo, a diversidade sexual, a ecologia, a luta pela terra; e tambm novas formas de resistncia cultural, como o que deno-minamos aqui como uma cultura D.I.Y.

    A participao em iniciativas com vises sobre justia social, da cidadania e di-reitos humanos traz o potencial de ser um antdoto tendncia individualista que marca o tempo atual, de um capitalismo avanado. Implcita ou explicitamente

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    todos os projetos, iniciativas e movimentos sociais trabalham com uma certa con-cepo de cidadania. Mas, como identificamos em nossa pesquisa existem noes diferentes de cidadania, cada uma refletindo vises diferentes sobre a juventude. Nesse sentido sempre importante perguntar participar para qu?, empoderar para qu?. Para que o jovem ingresse no mercado de trabalho? Para que ele ou ela no entre no trfico? Para que possa experimentar, descobrir seus potenciais? Para que seja um ser crtico e solidrio, capaz de intervir e provocar mudanas em sua sociedade? Essa ltima definio se aproxima a uma corrente recente de debates em torno da cidadania.

    Uma boa definio analtica da cidadania oferecida por Ana Maria Quiroga:

    Ser cidado no mundo contemporneo significa, em termos substantivos, pertencer a uma coletividade organizada segundo determinadas crenas, normas e procedi-mentos que coordenam a ao comum e as aes individuais para afrontar pro-blemas e conflitos, que dizem respeito ao espao e esfera coletiva (THIEBAUT, 1998). Ser cidado , portanto, pertencer e sustentar, mesmo criticamente, essas crenas e normas e, tambm, modific-las e alter-las uma vez que o pertencimento cidado no passivo. Pelo contrrio, a cidadania implica numa postura ativa onde a participao naquilo que feito marca o processo de construo do cidado: O cidado se faz, fazendo sua cidade (QUIROGA, 2002, p. 177).

    Como Quiroga (2002) identifica, o cidado precisa criticamente sustentar a cidadania. As formas de participar aqui classificadas, idealmente, podem ser uma importante contribuio para que os jovens caminhem nessa direo. Os recen-tes debates sobre cidadania nos tempos atuais a consideram no s como um status perante o Estado, mas tambm algo intrinsecamente ligado s vrias lutas sociais e polticas para o reconhecimento e a redistribuio de recursos (ISIN e TURNER, 2002). Lutas baseadas na identidade e diferena (sexual, de gnero, tnica, racial, de emigrantes, ecologia, dentre outras) so ento maneiras de articular reivindicaes para a cidadania, no s pelo status legal que representa, mas pelo reconhecimento e redistribuio de recursos polticos, sociais e econ-micos (ISIN e TURNER, 2002, p. 21).

    Assim para Turner, a cidadania pode ser definida como: Um agrupamento de prticas (jurdicas, polticas, econmicas, culturais) que define uma pessoa como um membro competente da sociedade, e que por conseqncia influencia o fluxo de recursos para pessoas e grupos sociais (TUNER, 1994, p. 2).

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    Como um agrupamento de prticas, a cidadania ento um processo em cons-truo e reconstruo, mudando historicamente por consequncia de lutas pol-ticas. Essa definio coloca o conceito dentro do campo de debates sobre a desi-gualdade, diferenciais de poder e classe social, pois est inevitavelmente ligado ao problema da distribuio desigual de recursos na sociedade.

    Se de fato nos encontramos em uma sociedade que promove certos valores con-sumistas e individualistas em contraste com a solidariedade, com outras formas de viver e se relacionar e com o pensamento no coletivo, precisamos encorajar as ilhas de resistncia contra essa correnteza, incluindo tambm os grupos formados por jovens, sejam esses formais ou informais. Como observamos em alguns casos existe uma certa solido identificada em alguns grupos e indivduos, motivada pelo fato de no encontrarem, fora do contexto do prprio grupo, outros (sejam estes ami-gos ou no) que compartilhem os mesmos valores:

    Porque s vezes a gente se sente desmotivado de estar nesse caminho porque a gente encontra colegas nossos que tm uma viso- Totalmente diferente.- No escuro, no enxerga nada.- Bem diferente da nossa que a gente est aprendendo agora, a parece que...- A gente est sozinho.- , d um medo de querer continuar naquilo e as pessoas no te apoiarem.

    [Jovens - Jornal Juvenil Brasil]

    O sentimento de estar sozinho e no se sentir apoiado est ligado, como identificamos, a falta de espaos e oportunidades para o encontro, onde os jovens possam trocar e refletir em conjunto sobre a sociedade em que esto inseridos, e sobre como se posicionar frente a ela. Nesse sentido apontamos a importncia de entender melhor esses espaos informais de participao juvenil e suas dinmicas.

    Embora nossa perspectiva tenha sido desde o incio buscar outras formas de participao praticadas por jovens, notamos que tanto o nosso olhar quanto os re-latos dos entrevistados, muitas vezes se voltaram para uma perspectiva formal da participao o projeto social, o grupo cultural, a ONG e o movimento social. Dessa forma, apontamos para uma limitao de nossa pesquisa, que nos levou a nos aproximarmos apenas de jovens que j faziam parte de coletivos bem definidos e reconhecidos como tais. Um exerccio mais complexo seria reunir jovens que no necessariamente se incluem em tal perfil (que representa de fato a maioria) para

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    verificar suas formas e espaos de participao, como por exemplo, a atuao em aes pontuais como a organizao de eventos, em passeatas, doaes, entre outros. Esse um desafio que faz parte de um projeto mais amplo, que o de como en-tender o poltico nos tempos atuais onde, como os Novos Movimentos Sociais nos apontam, o pessoal tambm politico.

    A respeito das relaes de poder e como estas agem em nosso dia a dia, os in-sights de Guattari e Rolnik (2005) e Foucault (1991) so importantes. Para esses autores no existe uma oposio ou contradio entre a reproduo de diferenas sociais e de relaes de poder no nvel macro (ou molar como denomina Guattari) categorias de classe, gnero, etnia, etc e no nvel micro o dia a dia, o inter-pessoal, o familiar (ou o molecular). Assim como na fsica quntica, a matria corpuscular e ondulatria, aslutas sociais so, ao mesmo tempo, molares e molecu-lares, micro e macro (GUATTARI, 2005, p. 153). Pois como argumenta o autor: a questo micropoltica a de como reproduzimos (ou no) os modos de subjetivao dominantes (GUATTARI, 2005, p. 155).

    A participao ou os projetos e iniciativas ditos participativos, passam por es-ses conflitos do dia a dia, como tambm reproduzem relaes de poder em seu coti-diano: o modo como os jovens so mobilizados, como participam do planejamento e gerenciamento do projeto edaelaborao de suas ideias. No queremos propor nenhum modelo de participao, pois no acreditamos que ele exista. Mas acredi-tamos, como Bordenave (2004), que a participao pode ser aprendida e aperfei-oada pela prtica e reflexo. Como diz este autor: Parece que s se aprende a participar, participando (BORDENAVE, 2004, p. 74).

    A qualidade da participao se eleva quando as pessoas aprendem a conhecer sua realidade; a refletir; a superar contradies reais ou aparentes; a identificar pre-missas subjacentes; a antecipar consequncias; a entender novos significados das palavras; a distinguir efeitos das causas, observaes de inferncias e fatos de julga-mentos. A qualidade da participao aumenta tambm quando as pessoas aprendem a manejar conflitos; clarificar sentimentos e comportamentos; tolerar divergncias; respeitar opinies; adiar gratificaes. A qualidade incrementada quando as pesso-as aprendem a organizar e coordenar encontros, assemblias e mutires; a formar comisses de trabalho; pesquisar problemas; elaborar relatrios; usar meios e tc-nicas de comunicao (BORDENAVE, 2004, p. 73).

    Esses aspectos da participao so cruciais. Aqui somamos outros que en-contramos em nossa pesquisa. A qualidade da participao se eleva quando as pessoas se sentem valorizadas, quando seu esforo e atuao so reconhe-

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    cidos, quando elas se sentem capazes de fazer, de transformar o mundo e as relaes que as cercam. A qualidade aumenta quando as pessoas sentem sua participao e os objetivos e valores do coletivo ao qual pertencem como repletos de significado, como profundamente gratificantes.

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    Notas1 O presente artigo foi apresentado durante o II Seminrio Internacional Crianas e Adolescentes:

    Participao Cidad, Polticas Pblicas e Novos Paradigmas, durante os dias 13 e 15 de abril de 2010. O evento foi promovido pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infn-cia (CIESPI), em convnio com a PUC-Rio, e pelo Centre for Research on Families and Re-lationships, Universidade de Edimburgo, Esccia. O seminrio foi organizado com o apoio da FAPERJ, Rio de Janeiro, Brasil e Leverhulme Trust, Reino Unido.

    2 Professor de Antropologia Social da Universidade de Bristol, Reino Unido e pesquisador associa-do ao Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infncia (CIESPI, em convnio com a PUC-Rio), Brasil. E-mail: [email protected]; [email protected]

    3 Psiclogo; pesquisador do CIESPI (Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infncia, em convnio com a PUC-Rio, Brasil). E-mail: [email protected]

    4 O estudo foi desenvolvido pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infncia (CIESPI) em convnio com o Programa de Pesquisa Ao No Governamental na Esfera Pblica, situado no Center for Civil Society da London School of Economics. A pesquisa ocorreu entre maio de 2005 e abril de 2007.

    5 O desenvolvimento socioeconmico, ou desenvolvimento social, termos mais comuns em pases do Norte, se refere a um ideal onde a sociedade atinge ndices de desenvolvimento econmico que podem sustentar uma boa qualidade de vida para seus membros. Ao mesmo tempo o modelo de tal sociedade so os pases Europeus e Norte Americanos. Nestes pases, desde o comeo da Guerra Fria, houve o surgimento de uma indstria do desenvolvimento social, devido a uma preocupao com a proliferao do comunismo no Terceiro Mundo. Essa indstria, que envol-ve agncias do governo (como a DFID no Reino Unido ou a USAID nos EUA) como tambm um grande setor da sociedade civil (como a Oxfam, Save the Children) e agncias multilaterais, hoje em dia se concentra no combate a pobreza atravs de vrias iniciativas e projetos em pases em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o discurso do desenvolvimento social (seus modelos, suas prticas, seus peritos), tambm absorvido pelas prprias prticas dos pases em desenvol-vimento, por projetos governamentais e no-governamentais, que tambm so financiados por recursos do exterior.

    6 Entendemos a esfera pblica como o espao de aes coletivas, fora do meio familiar, para fins pblicos e privados.

    7 Termo cunhado por Zuenir Ventura (2002).

    8 Sader (2004) aponta que a vinda da famlia real marcou profundamente o processo de indepen-dncia poltica brasileira, ao estabelecer um pacto entre as elites. Diferentemente das colnias espanholas, que lutaram por um regime republicano, aproveitando o enfraquecimento de sua metrpole envolvida na guerra contra a invaso napolenica, no Brasil, o pacto entre as elites possibilitou a instaurao de uma monarquia, adiando o fim da escravido. Este processo retardou a formao da esquerda no Brasil, principalmente se compararmos com os nossos vizinhos sul--americanos, como o Uruguai, o Chile e a Argentina.

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  • Culturas de participao: jovens e suas percepes e prticas de cidadania

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    9 Podemos supor que desde o momento em que houve movimentos de resistncia ao poder institu-do em nosso territrio, houve tambm a participao de jovens. H, porm, uma falta de estudos que abordem a atuao do jovem nas lutas, deste perodo.

    10 Podemos destacar neste perodo os sindicatos; as lutas no campo, em especial, as Ligas Campone-sas; setores progressistas da Igreja Catlica, entre outros.

    11 Ato Institucional Nmero Cinco, ou AI-5 foi um instrumento que deu ao regime poderes abso-lutos e cuja primeira e maior conseqncia foi o fechamento por quase um ano do Congresso Nacional. O AI-5 representou o auge da radicalizao do Regime Militar de 1964 e inaugurou o perodo onde as liberdades individuais foram ainda mais restringidas e desrespeitadas no Brasil. o movimento final de legalizao da arbitrariedade que pavimentou uma escalada de torturas e assassinatos contra opositores reais e imaginrios ao regime. Fonte: http: //pt.wikipedia.org/wiki/Ato_Institucional_N%C3%BAmero_Cinco.

    12 Apesar disso, observamos o crescimento do voto jovem nas recentes eleies no Brasil onde, de acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral houve um aumento de 39.3% entre os jovens de 16 a 17 anos que tiraram o ttulo de eleitor.

    13 Cabe ressaltar que possvel haver outros movimentos que aglutinavam a participao de jovens de outras classes sociais durante este perodo, mas o foco principal de anlise pelos estudiosos concentra-se, principalmente, no Movimento estudantil.

    14 Raves so festas de msica eletrnica, que originalmente no fim dos anos 80, aconteciam em pases como o Reino Unido ilegalmente, ao ar livre ou em casas abandonadas.

    15 Dois fatores despontam como possveis responsveis pela reduo dos jovens no mercado de tra-balho, a saber: o aumento do desemprego e a permanncia na escola.

    16 Em alguns pases (por exemplo, no Reino Unido), existe agora uma indstria para tentar dar conta dessa demanda de jovens querendo fazer algo: por exemplo, h maior nmero de ofertas em projetos sociais ou de preservao ambiental para os jovens que se encontram no perodo entre o final da escola e o comeo da faculdade. Em alguns desses casos, os jovens acabam tendo at que pagar para serem voluntrios.

    Recebido em novembro de 2011, aceito para publicao em fevereiro de 2012.

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