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  • 8/8/2019 TV Cultura - Al Escola - Euclides da Cunha_ Os Sertes

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    "Aquela Campanha de Canudos lembra um refluxo para o passado.E foi, na significao integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo".Euclides da Cunha

    Em 1896, no serto da Bahia, teve incio um dos acontecimentos mais impressionantes e sangrentos de toda a histria do Brasil:a Campanha de Canudos. Quatro expedies foram enviadas durante um ano contra mais de vinte mil habitantes da regio: ndios,mulatos, caboclos, pretos... sertanejos dirigidos pelo beato Antnio Conselheiro e munidos apenas de paus, pedras e armasrsticas. Os soldados traziam metralhadoras, granadas e canhes. Estavam poderosamente armados e eram numericamentemuitas vezes superiores aos revoltosos, mas perdiam todas as batalhas. A resistncia do sertanejo assombrava o pas, e a derrotade Canudos tornou-se para o Exrcito e para a Repblica uma questo de honra nacional.

    "Antnio Conselheiro chegou aqui fazendo muitos milagres, todo mundo se incutindo com as graas dele, achando que ele era umverdadeiro profeta de Deus. Mas "deixa" que ele era revoltado contra a Repblica. Ele no queria a repblica, queria a monarquia, o

    tempo dos reis da monarquia. Quando achou-se com o povo do nordeste ao lado dele, ele que se revoltou contra o governo. A o

    governo da Bahia teve de pedir auxlio ao governo do Rio de Janeiro, que mandou o canho de guerra e o exrcito de l. Veio com

    um tal de Marechal Bittencourt, que foi quem venceu Antnio Conselheiro."

    Vitalcio Jos dos Santos, romeiro de Monte Santo - nascido em 1936.

    poca de mudanas

    A passagem da monarquia para a repblica, no final do sculo XIX, foi um perodo de muita agitao nacional. A libertao dosescravos em 1888 fora o golpe fatal na monarquia. No ano seguinte, o golpe militar do dia 15 de novembro, liderado pelo marechalDeodoro da Fonseca, proclamou a Repblica. O novo regime trazia a promessa de uma organizao de homens livres e iguaisperante a lei. As eleies democrticas dariam a todos o direito poltico de escolher seus dirigentes, e o trabalho livre traria

    salrios. Eram mudanas radicais, que pareciam acabar com antigos privilgios. J se esperava um levante monarquista. Masnunca de um grupo de desvalidos... Canudos representou o imprevisto. Para o governo, o nordeste s poderia se beneficiar com anova ordem. No entanto, em pleno serto, homens lutavam at a morte em nome dessa rejeio.

    O desconhecido serto

    At o incio da guerra, as elites do litoral e do sul ignoravam o que fosse o serto: uma estranha ptria sem dono, abandonadapelas leis e instituies, vivendo sob o jugo da terra e dos latifundirios. Para compreender a revolta era necessrio que o sertoviesse tona, numa nova traduo. Foi essa a grande proeza do jornalista e engenheiro militar Euclides da Cunha, ao publicar seulivro "Os Sertes", em 1902. Uma obra contundente, que destrua o sonho brasileiro da repblica e da civilizao brancaeuropeizada. O livro "Os Sertes" nasceu de uma reportagem sobre a Guerra de Canudos para o jornal "O Estado de So Paulo".Euclides da Cunha foi cobrir o evento, em 1897, como enviado de guerra.

    At a Campanha de Canudos, Euclides da Cunha foi um defensor incondicional do novo regime. Sua histria seconfunde em muitos momentos com a prpria histria da Repblica. No Colgio Aquino, onde cursou o secundrio, foialuno do grande mentor republicano Benjamim Constant. Logo depois, Euclides ingressou no exrcito - onde chegoua tenente - e tambm na Escola Militar do Rio de Janeiro, que formava engenheiros para a construo de estradas,portos e pontes. O exrcito, influenciado pelo positivismo de Augusto Comte, se organizava enquanto classe. Aindano era republicano como conjunto, mas Euclides da Cunha sim. Ainda em 1888, num ato de rebeldia, o escritorlanou sua espada aos ps do ministro da Guerra, um monarquista. Foi preso e expulso das fileiras militares. Logodepois, quando foi proclamada a Repblica, esse ato o transformou em heri. Euclides da Cunha fazia parte de umaelite militar que se imps depois da Guerra do Paraguai. Nomes como marechal Floriano Peixoto e general MoreiraCsar passavam a fazer histria. Estariam entre os responsveis pela implantao do novo regime.

    Euclides da Cunha,no exrcito, em 1888

    Republicano apaixonado, o escritor desembarcou no dia 7 de setembro em Monte Santo

    - base da operao militar - ao lado do ministro da Guerra, general Machado Bittencourt.Pensava defender a repblica contra um levante brbaro e monarquista. A quartaCampanha contra Canudos estava no final. E Euclides da Cunha jamais seria o mesmo.Caberia a ele questionar a repblica que se formava e ser um dos maiores crticos doExrcito brasileiro.

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    "Um dia, tardinha, Antnio Conselheiro chegou aqui na Fazenda Rosada, na casa de Joaquim Macambira. Perguntou se por ali

    no tinha uma capelinha onde se rezasse o tero na boca da noite e o ofcio de madrugada. Disseram que tinha, a avisaram

    aquele pessoal ao redor e tambm minha me - que naquele tempo ainda era moa - e minha av. Foi quando o convidaram para

    vir e fazer a igreja de Santo Antnio. Continuaram a crescer a rua, foram aumentando e comearam a ficar por ali. Tinha muita

    gente, era bom para fazer negcio, bom pra ganhar dinheiro. O Conselheiro mesmo pagava para trabalhar naquelas obras, que

    eram muito b em feitas. Minha av se chamava Josefa Maria de Jesus. E minha me, J oana Batista de Jesus. Elas eram de um

    povo que naquele tempo gostava muito de reza. Ave Maria! Se tinha uma trezena de Santo Antnio, elas vinham as 13 noites! E

    foi nessa data que minha me se casou. Quando teve o primeiro filho, Antnio Conselheiro foi quem batizou."

    Joo Reginaldo de Mattos, "Joo de Rgis" - nascido em 1909.

    Um homem de personalidade obsessiva e passional: assim foi o escritor Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha.Desde muito cedo levou uma vida errante e aventureira. Muitas vezes como jornalista, outras como engenheiro emilitar, viajou por todo o pas. Escreveu dois livros de ensaios; "Contrates e Confrontos", de 1907, "A Margem daHistria", de 1909, e um relatrio tcnico, "Peru versus Bolvia", de 1907. Mas sua grandeza como escritor deve-se a"Os Sertes".

    Serto: Saara vermelho

    Toda a sua obra marcada por suas viagens. Alm do nordeste, visitou o norte do Brasil,onde chefiou a comisso brasileira que atuava na demarcao das fronteiras. Conheceude perto e num curto intervalo de tempo o "inferno verde da Amaznia" e o "saaravermelho" do serto e da seca nordestina. Foi um dos primeiros escritores brasileiros amostrar a misria e o isolamento a que estava condenada parte dessas populaes.Desenvolveu uma literatura das massas marginalizadas do pas sem confisses ouexcessos emocionais .

    Euclides da Cunha nasceu em 20 de janeiro de 1866, na fazenda Saudade, no municpio de Cantagalo, estado do Riode Janeiro. Morreu no bairro da Piedade, aos 42 anos, assassinado pelo jovem cabo Dilermando Reis, amante de suamulher, Ana Maria Cunha, filha do Coronel Slon Ribeiro, importante personalidade da Repblica. A vida de Euclidesda Cunha foi marcada pela tragdia. rfo de me aos 3 anos de idade, foi entregue aos cuidados de vrios parentes.Do Rio de Janeiro foi para Salvador e depois para So Paulo. Sua vida era feita de diferentes casas, bairros e afetosentrecortados; sua mente, uma sucesso de mltiplas paisagens. Composies que s ajudariam o gegrafo, osocilogo e o antroplogo surpreendente que ele se revelaria anos mais tarde. Desde muito cedo Euclides da Cunhafoi tido como gnio por seus contemporneos. Sua mente lcida impressionava. Apesar do temperamento arredio eturbulento, sempre soube preservar as amizades. Foi amigo de intelectuais e de gente poderosa como o baro do RioBranco. Mas nunca conheceu o afeto feminino.

    Em Canudos, ao acompanhar a luta de perto, Euclides da Cunha logo percebeu que a guerra tinha como razesaparentes o fanatismo religioso, o messianismo e o sebastianismo sertanejos. Suas razes profundas eram olatifndio, o coronelismo, a servido, o isolamento cultural e a dureza do meio. Ele foi o primeiro escritor brasileiro adiagnosticar o subdesenvolvimento do Brasil, referindo-se existncia de dois pases contraditrios: o do litoral e o doserto. Canudos resultou do confronto entre esses dois Brasis, distintos entre si no espao e no tempo, pelo atrasode sculos em que vivia mergulhada a sociedade rural.

    "No faltava gente para chegar ao Conselheiro... Ele fez muitos milagres aqui, acompanhando esse povo... era com carregamento

    de pedras, era com madeiras. Sei at de um caso de parto. Ele dava remdio para mulheres que no se despachavam. Ele dava

    remdio e salvava... tudo isso... Ele fazia milagre."

    Joo Siqueira Santos, "Ioi da Professora" - nascido em 1911.

    "Meu av no acreditava nesse milagroso Antnio Conselheiro! Ele no acreditava nisso porque "como que um Deus, um

    comedor de feijo vai dizer que Deus? Essa, no!... Se vocs quiserem ir, que vo s! Eu sou aquele que no vou!"

    Vitalcio Jos dos Santos.

    "Papai casou-se l em Canudos. Mame tinha aquela vozona cheia... Ela era morena, mas era bonita, mesmo. Uma cabocla

    bonita. Cantava na segunda voz. Minha av e as outras tiravam hinos e ela respondia. O Conselheiro dizia: 'Cantem meus filhos!'

    Homens e mulheres, todos cantavam."

    Josefa dos Santos, "D. Zefinha" - nascida e m 1919.

    Euclides da Cunha revelou ao Brasil o que ningum at ento conhecia: que o serto um s, uma ptria independente. Canudos uma sntese perfeita, em escala reduzida,dos aspectos predominantes dos sertes do norte. Os sertes de Sergipe, Alagoas,Pernambuco, Paraba, Cear e Piau. Mostrou, com isso, que a Guerra de Canudos nofoi apenas um acontecimento local, mas um grito de revolta de todo o serto brasileiro.

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    Mapa de Canudos

    O escritor estruturou sua obra em trs partes: "A Terra", "O Homem" e " A Luta". Ele s fala do conflito depois delevantar dados geogrficos e culturais da regio de Canudos e do Brasil. Ainda que o captulo sobre a luta seja o maislido e conhecido, a grande contribuio do escritor foi justamente a descrio detalhada que ele fez, em captulosdiferentes, da terra e do homem. O captulo "A Terra" um dos mais singulares da prosa brasileira. De forma literria,examina a constituio geogrfica do continente americano e da regio de Canudos. So estudados o solo, a flora, afauna e o clima. Euclides da Cunha mostrou que todos os reveses sertanejos esto ligados terra, desde a opressosemifeudal do latifndio at a ignorncia e o isolamento a que esta parte do Brasil sempre esteve condenada. Eevidenciou que nada supera a principal calamidade do serto: a seca. Antes de se transformar no retirante estropiadoque abandona a regio, o sertanejo encara de frente a fatalidade e reage, numa luta indescritvel. Nessa hora ele no

    mais o indolente ou o impulsivo violento, mas o heri que tem nos sertes, para todo o sempre perdidas, tragdiasespantosas. A princpio ele reza. O seu primeiro amparo de f religiosa. Para ele, a seca uma maldio. Euclidesda Cunha apontou a coivara ndia - prtica de plantio por queimadas, que os sertanejos adotam - como uma dascausas daquele deserto. Ali, a dor do homem vem do sofrimento milenar da terra. O escritor deixou registrado que asgrandes secas do nordeste obedecem a um ciclo de 9 a 12 anos, desde o sculo XVIII, numa ordem cabalstica. Eat hoje esse fenmeno amplia o misticismo do matuto. O sertanejo se sente um abandonado numa terrabarbaramente estril e maravilhosamente exuberante. O escritor verificou estarrecido a transformao daquele desertomedonho nos poucos dias de chuva, quando as matas se cobrem de verde, o mandacaru floresce... e assistiu transformao de esprito que essa mudana natural provoca na alma do sertanejo. O homem fechado e taciturno,seco como sua terra, transfigura-se em risos e comemoraes. O serto entra em festa.

    PRXIMA PGINA: O SERTANEJO

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    Na paisagem inspita, um grande personagem: O SERTANEJO

    O serto, com seus ventos bblicos, calmarias pesadas e noites frias, impressiona. Cortado por veredas e rvores retorcidas emdesespero, todo ele so montonos caminhos de caatingas e areais ressequidos. As "pueiras", lagoas mortas, de aspectoslgubres, so o nico osis do sertanejo. A serra de Monte Santo, com seus tons azulados, uma cortina de muralhamonumental. As conformaes rochosas, no ermo vazio do Bendeg, do a iluso de runas antigas. Os grandesdesmoronamentos rochosos do serto lembram "mares de pedras". Os rios salgados, quando secam, parecem um fundo de marextinto, uma impresso acentuada pelos fenmenos pticos do calor. Isso refora a mtica sertaneja de que "um dia o serto vai

    virar mar e o mar vai virar serto".

    No serto, a comear pelo solo e clima, tudo adverso. O sertanejo sobrevive porque uma raa forte. Assim como o cacto maisresistente, ele foi feito para o serto. Tem o plo, o corpo e a psicologia prprios para suportar o suplcio da seca. Conheceprofundamente a flora e fauna.

    Cactos

    Sabe o nome e as vantagens de cada cacto, de cada mandacaru, de cada xiquexique. Seuspssaros: o carcar, o acau... a asa branca. E a natureza que ele tanto ama sua aliada na lutapela sobrevivncia. Desidratado como as plantas, consegue viver dias s com o trivial e um copod'gua. E ama o serto. No se habitua a outro lugar. O serto o destri e hipnotiza. o homem rudee sereno acostumado desde muito novo com a morte. Um resistente num lugar onde quase s existedeserto e onde a gua uma miragem.

    "O sertanejo , antes de tudo, um forte. No tem o raquitismo exaustivo dos mestios do litoral. A sua aparncia, entretanto, noprimeiro lance de vista, revela o contrrio(...). desgracioso, desengonado, torto. Hrcules-Quasimodo (...) o homempermanentemente fatigado (...) Entretanto, toda essa aparncia de cansao ilude (...) No revs o homem transfigura-se . (...) e dafigura vulgar do tabaru canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um tit acobreado e potente, numdesdobramento surpreendente de fora e agilidade extraordinrias."Trecho do livro "Os Sertes".

    Ao tentar compreender a psicologia do sertanejo, Euclides da Cunha fez um ensaio revelador sobre a formao dohomem brasileiro. Desmistificou o pensamento vigente entre as elites do perodo, de que somente os brancos deorigem europia eram legtimos representantes da nao. Mostrou que no existe no pas raa branca pura, mas umainfinidade de combinaes multirraciais. Previu um destino trgico para o Brasil, se o pas continuasse a no levar emconta as diversas raas que o formaram. Mostrou que o Brasil tinha contradies e diferenas tnicas e culturais

    extremas. Concluiu que havia uma necessidade imperiosa de se inventar uma raa. Caso contrrio, o Brasil seriacandidato a desaparecer. Para Euclides da Cunha, a mestiagem enfraquecia o indivduo e implicava uma perda deidentidade - um problema para a concepo de nao. Para ele, o mestio do litoral degenerado e o sertanejo,retrgrado. No caso do serto, porm, considerou que s esse mestio se adaptaria regio.

    "O crescimento do squito de Antnio Conselheiro foi acentuado depois da libertao dos escravos, (...) Este fenmeno no tinhasido observado pelo prprio Euclides da Cunha, mas est nos documentos da poca, (...) e isso cria um estado dedesentendimento entre o Conselheiro e os fazendeiros. Voc no encontra nenhuma reclamao por causa de terra, mas porcausa de mo-de-obra."Prof. Jos Calasans - fundador do Ncleo Se rto da UFBA, Universidade Federal da Bahia.

    Sertanejo: origens

    No serto, a mistura de raas deu-se mais entre brancos e ndios. O jesuta, o vaqueiro e o bandeirante foram os primeiroshabitantes brancos que migraram para a regio. Deram origem aos tipos populares que compem o serto: o beato, o cangaceiro eo jaguno. Ali esto todos, com suas vestes caractersticas, seu apego s tradies mais remotas, o sentimento religioso levadoat o fanatismo e o seu exagerado senso de honra.

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    "Eu tenho orgulho de ser filha de Canudos! Tenho orgulho, mesmo! Me sinto feliz com essa palavra: Canudos no se rendeu !Morreram todos, mas no se renderam!...D. Zefinha.

    Tanto o cangaceiro quanto o jaguno so guerreiros. Homens de armas. O cangaceiro age em bando e por conta prpria, vive comoandarilho pelo deserto, obedecendo s leis do chefe do bando. O jaguno muitas vezes age sozinho. Protege algum, que tantopode ser um coronel como uma pessoa com quem tem uma dvida de honra. O fazendeiro dos sertes vive no litoral, longe de suaspropriedades; quem cuida de suas terras o vaqueiro, de fidelidade assombrosa e submisso inconsciente e servil. Mas naadversidade sua roupa de couro pode se tornar a armadura de jaguno. Qualquer vaqueiro sabe lutar e lidar com armas. Oculta emsi o guerreiro. As sertanejas so diferentes das mulheres do litoral: so rezadeiras, rendeiras, mocinhas ingnuas, bruxas velhas e

    alcoviteiras. Mulheres de coragem e encrenqueiras.

    "Algumas mulheres l em Canudos eram terrveis! Brigavam na trincheira, mulheres brigando a bem do Conselheiro!"Ioi da Professora.

    A devoo do matuto

    Descendentes dos antigos jesutas, os padres, os beatos e os conselheiros do conselhos e so beatos da categoria mais altaentre a populao. Padres e beatos podem se tornar lderes messinicos como o padre Ccero, de Juazeiro do Norte, de grandeinfluncia no serto. Rebelies religiosas so constantes na histria do serto: um universo primitivo, impregnado de um fanatismorude e impressionante, originrio, segundo o autor, "do que existe de pior nas crenas msticas das trs raas que o formaram".Sob tais influncias, o matuto vai da extrema brutalidade ao mximo devotamento. Apesar da coragem, acredita em todos os mal-assombramentos. Est propenso a ser um "desvairado pelo fanatismo e um transfigurado pela f." Por isso um seguidor demessias fanticos que o arrastam e endoidecem.

    Euclides da Cunha mostrou que um universo de tal natureza era governado por leis prprias. Demonstrou que aCampanha de Canudos foi absurda, pois a populao no era monarquista, como o exrcito acreditava. Pregar contraa repblica era apenas uma variante do delrio religioso de Antnio Conselheiro. Uma sociedade to primitiva eraincapaz de compreender tanto a forma republicana como a monarquia constitucional. S aceitava o imprio de umchefe sacerdotal ou guerreiro. Conselheiro foi esse chefe sacerdotal. Anos mais tarde, o cangaceiro Lampio seria ochefe guerreiro.

    ANTERIOR PRXIMA PGINA: ANTNIO CONSELHEIRO, HERI POPULAR

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    Antnio Conselheiro: um heri popular

    Antnio dos Mares, Santo Antnio Aparecido, Bom Jesus Conselheiro ou apenas Antnio Conselheiro foi um dos maiores lideressertanejos de todos os tempos. Foi um asceta do sculo II D.C. em plena era industrial. Um mito. Seus seguidores oconsideravam divino, com poderes e milagres prprios de um santo. Era tambm a lei. Sua vontade e seus princpios eram ordens.E sua vida pessoal aos poucos foi dando lugar a lendas de originalidade trgica, que at hoje circulam pelo serto.

    "Antnio Conselheiro morava em Pernambuco e a mulher dele... se diz que toda a noite entrava um homem pela janela quando ele

    saa para pregar. Ele pregava e entrava um homem pela janela e dormia com a mulher dele (...) Uma vez ele se escondeu...

    Comprou uma espingarda, se escondeu e quando deu 9 horas, o homem chegou na janela e entrou. Era a me dele, vestida de

    roupa de homem. Ele passou fogo e derrubou, e quando foi ver era a me dele com roupa de homem. Pra no ser preso, veio pro

    estado de Sergipe, do Sergipe veio pra Bahia, e a inventou de fazer uma igreja no Canudos..."

    Alberto Gonalves Teixeira, "ndio Alberto" - nascido em 1902.

    Antnio Vicente Mendes Maciel nasceu em Quixeramobim, Cear, em 1830. Vinha de uma famlia turbulenta, mas era calmo ecorreto, avesso a confuso. Perdeu a me quando era pequeno e jamais matou algum. Depois de casado, Antnio Vicente saiude Quixeramobim, tornando-se caixeiro viajante. Sua vida de casado era um inferno, minando aos poucos seu equilbrio eserenidade. At que veio o golpe fatal: a mulher fugiu com um policial. Era o ano de 1860 e o alucinado Antnio Vicente, fulminadode vergonha, desapareceu no serto. Queria o abrigo da absoluta obscuridade. E nesses 10 anos de andanas, deu-se atransformao.

    "Os retirantes e D. Quixote"de Cndido Portinari

    Com um camiso de brim azul, vivendo de esmolas e carregando numa mo mo um livro com a"Misso Abreviada" e na outra "As Horas Marianas", Antnio Conselheiro iniciou sua carreira deandarilho, como beato. Mas logo se transformou num condutor de sertanejos. Acompanhado porduas professas, entrava nas cidades rezando teros e ladainhas. Depois pregava, possudo por umfuror mstico que arrastava multides.

    "Ele era alto e tinha o cabelo comprido. Ele mal comia. Levavam aquelas comidas, ele nunca comia toda. Partia assim... Ele

    mesmo dizia que no fazia milagres, que no era santo, mas tinha gente que parece que acreditava. Ele era delgado de corpo, a

    barba meio cheia (...). Era um moreno bem claro, quase branco, os olhos esverdeados. "Todos ns somos iguais", dizia, quando

    comeava a falar. "D-me abertura, todos ns somos iguais. Comecem! Qualquer um pode comear." Eles respondiam, "no, s

    depois de sua fala". Ele ia tomando a palavra e ficava tudo na felicidade. Ele dava muito conselho. Numa poca ele dizia que acarestia era como uma rocha de formiga. Dizia: "Minha gente, com a carestia nada prospera! Uma rocha rodeada de formiga

    mesmo que... para onde ela vai? S pode ser destruda." Ele dava esses conselhos. Eu cansei de ver meu pai lembrar que ele

    dizia que "desgraado do homem que se fiasse em outro". Dava muito conselho, o Antnio Conselheiro."

    Joo de Rgis.

    Perseguio a Conselheiro

    Igreja do Povoado do BomJesus, construda por Antnio

    Conselheiro

    Ajudado pelo povo que o seguia, Antnio construa e restaurava igrejas. Levantava muros decemitrios. Fundou povoados que se tornaram cidades, como o de Bom Jesus, atual Crispolis,onde ainda hoje h uma igreja feita por ele. Pouco antes da seca de 1877, a maior do sculo XIX,comeou a abrir tanques d'gua. Em 1874, j apareceu na Bahia dando conselhos. A tomoudefinitivamente o nome de Conselheiro. E se firmou. A Igreja, sentindo-se desprestigiada, pediu em1876 o afastamento do Conselheiro do serto.

    "Ento veio um grupo de oficiais que o levaram para Salvador (...) Ele disse ao povo que ia preso, mas que dentro de trs dias,

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    quatro, estava ali de novo".

    Ioi da Professora.

    A priso, na Zona de Itapicuru, foi o incio das perseguies que ele sofreria, e tambm da sua consagrao. Alm de louco,Conselheiro foi acusado de matar a prpria me. Quando se provou sua inocncia, foi solto. Retornou no dia e hora que haviaprevisto. Era o incio de uma srie de profecias. Para o sertanejo, a comprovao de que estava diante de um poder divino: omilagreiro resignado e fatalista prometia a felicidade para depois do fim do mundo, marcado para 1900.

    "... Em 1896 h de rebanhos mil correr da praia para o serto;

    ento o serto virar praia e a praia virar serto.

    Em 1897 haver muito pasto e pouco rastro e um s pastor e um s rebanho.Em 1898 haver muitos chapus e poucas cabeas.

    Em 1899 ficaro as guas em sangue e o planeta h de

    aparecer no nascente com o raio do sol que o ramo

    se confrontar na terra e a terra em algum lugar se confrontar no cu...

    H de chover uma grande chuva de estrelas e ali ser o fim do mundo.

    Em 1900 se apagaro as luzes. Deus disse no evangelho:

    eu tenho um rebanho que anda fora deste aprisco e preciso

    que se renam porque h um s pastor e um s rebanho!"

    Cantador imitando leitura de Antnio Conselheiro

    "Alguns jagunos foram presos. Ai Arthur Oscar disse: - Deixa eu experimentar esses home. Rapaz, voc quer a liberdade? - Se o

    senhor me der, eu quero. - Vou lhe fazer uma proposta. Diga Viva a Repblica! E morra Antnio conselheiro!" Ele disse: - Morra a

    Repblica E viva Antnio Conselheiro! - Rapaz, eu vou lhe dar a liberdade! Diga direito. Ele diz: - Eu j disse! - Diga de novo: Vivaa Repblica! E morra Antnio Conselheiro! - Ele disse: "Viva o Conselheiro e morra a Repblica!" - Leve ele pra degola, no tem

    eito, no! E matava."

    Ioi da Professora.

    O livro "Os Sertes" levou cinco anos para ser escrito. At a morte do autor, em 1909, sofreu alteraes. Obra emeterno processo, foi escrita de forma apaixonada e contraditria. Concluda, tornou-se um dos maiores picos daliteratura brasileira e latino-americana, e um dos grandes livros da literatura universal, traduzido em 60 pases e emidiomas como o japons, o russo e o chins. Misto de ensaio cientfico, panfleto e relato jornalstico, o livroimpressiona por sua fora esttica. fundamentalmente uma obra literria, de um gigantismo comparvel aos"Lusadas" de Lus de Cames ou mesmo "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes, seja na construo dos tipos, sejano contedo trgico, seja no estilo. Sua linguagem tende para o solene e o monumental, mas moderna no registrodos conflitos sociais, dos desvarios psquicos e do herosmo annimo das populaes sertanejas. A Guerra de

    Canudos foi um dos maiores genocdios da histria do Brasil. Em nome da repblica foram cometidas atrocidades quesem o livro de Euclides da Cunha jamais seriam reveladas.

    Conselheiro, imperador do serto

    Via Sacra

    Na curta estada em Monte Santo, cidade histrica do serto baiano, Conselheiro e seu povorestauraram os muros da via sacra, formada por um rosrio de 24 capelinhas. Corria o ano de 1893 eo beato era o imperador absoluto de todo o serto. Vinha de uma peregrinao de 22 anos por todosos recantos do interior do norte, fazendo melhorias. Seu nome ecoava no litoral. Antes, era tratadonos jornais como manaco seguido por fanticos. Agora, o tom das notcias comeava a mudar: aolado dos fanticos havia jagunos.

    Conselheiro j no era apenas o mstico inofensivo, que roubava fiis da igreja. No era s o doido que arrastava multides e tiravatoda a mo de obra das fazendas. Era tambm o homem poltico, que se protegia com jagunos e no aceitava as notcias vindasdo litoral, de que o Imperador havia sido expulso por uma tal de repblica. A repblica era coisa do co. Conselheiro deixou escritoque "Deus, atravs da Princesa Isabel, libertara os escravos, e o demnio, para se vingar, derrubou a monarquia." Por isso, em1893, em Bom Conselho, Antnio Conselheiro mandou o povo queimar os editais de impostos do municpio. Trinta praas saramde Salvador para prender os rebeldes. Na estrada de Monte Santo, encontraram um grupo feroz de 200 homens dispostos a tudo.Bateram em retirada.

    Canudos, segunda cidade da Bahia

    Perseguidos pelo poder local, Conselheiro e seus sertanejos entraram cada vez mais para o deserto. E encontraram seu reduto:Canudos, "velha fazenda abandonada beira do rio Vaza-Barris". Nessa regio inspita e isolada do serto baiano, protegida pelasserras do Cambaio e Canabrava, e rodeada pelas cidades de Monte Santo, Cumbe, Rosrio, Cocorob e Uau, fundaram umarraial: o "Imprio de Belo Monte". Em torno da fazenda em runas e de uma igrejinha local, em pouco tempo Canudos cresceuvertiginosamente. Os faveleiros, como eram chamadas as construes simples, de pau-a-pique e barro, porque lembravam a florsertaneja favela, iam coalhando as montanhas numa rapidez assombrosa: eram construdas at 12 casas por dia, para atender amultido que chegava.

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    "Todos ajudavam uns aos outros. O Conselheiro dava conselhos pra um ajudar o outro. Se tinha uma roa de legume, ajudavam.

    Se chegasse uns pobrezinhos que no tivessem nada, ele dava conselhos para que fizessem comunidades, ajudassem. E foram

    fazendo assim, que a vida de Canudos era essa: um ajudando uns aos outros, aquele povo unido."

    Joo de Rgis.

    Famlia Sertaneja

    Em Canudos, com exceo de poucas casas de telha, que eram dos comerciantes, as habitaeseram todas iguais. Os recm-chegados entregavam ao Conselheiro tudo o que traziam. Preparavam-se para um futuro de justia e prosperidade que viria depois do juzo final, quando voltaria a reinarDom Sebastio, rei portugus morto pelos mouros em 1580 e transformado numa figura mtica, cujavolta era profetizada em pocas de calamidade.

    Para l iam todos: ricos e pobres, comerciantes e bandidos violentos. Desvalidos de toda espcie, numa romaria miraculosa paraos cus. "Bem-aventurados os que sofrem" era a grande pregao do Conselheiro. A extrema dor era a absolvio plena na Terra.Por isso mesmo os infelizes, os velhos alquebrados, os doentes e os estropiados tinham lugar de honra nesse cl.

    "Eu ouvi contar vrias vezes que alguns ndios daqui da aldeia Kaimb, de Massacar, foram pra l. No que se interessassem na

    guerra. Falaram que tinha um rio de leite e uma ribanceira de cuscuz. O pessoal gosta, o sertanejo gosta do cuscuz com leite,

    ento ouviram falar isso e desejaram ir tambm."

    Cacique Juvenal (ndio Kaimb, da aldeia Massacar)

    Canudos logo se tornou a segunda maior cidade da Bahia, depois de Salvador. A maioria vivia com dificuldades, mas ningumpassava fome. Alm das rezadeiras, do sineiro Timotinho, Antnio Conselheiro vivia cercado por 12 apstolos, todos armados.Jagunos famosos como Joo Abade ou Paje, que na guerra se transformariam em seus capites.

    "O que vinha pra l era jaguno. (...) Todo mundo que ia pra l j estava preparado com armas. Os que tinham levavam, os que

    no tinham recebiam l." Ioi da Professora.

    "Os armamentos que eles tinham eram uns clavinotes, umas espingardas, foice, faco. Bridavam assim, naquela brutalidade e

    naquela ignorncia."

    Joo de Rgis.

    Exrcito entra em cena: violncia

    Em 1894, na Bahia, um deputado chamou a ateno dos poderes pblicos para a parte dos serto "perturbada" por AntnioConselheiro. Em 1895, uma misso catlica tentou convencer Conselheiro a desarmar seu povo. Inutilmente. Mas s em 1896Canudos passou a preocupar a Capital. Conselheiro queria construir uma nova igreja em Canudos. Comprou umas madeiras emJuazeiro mas no recebeu o material. Resolveu ir com seu povo buscar o que era seu. O juiz local denunciou o Conselheiro emSalvador. De Salvador, cem praas comandados pelo tenente Manuel Pires Ferreira chegaram ao local. Na noite de 12 denovembro, partiram para Canudos. No alcanaram seu destino, pois foram surpreendidos na cidade de Uau, Os soldados tinhammais armas, mas se assombraram com o assalto corajoso dos matutos. Fugiram. O mesmo destino teriam os quinhentos homensdo major Febrnio de Brito, que chegaram s portas de Canudos em janeiro de 1897. Vieram arrogantes, com armas vistosas ecanho. Mas na estrada do Cambaio os jagunos apareceram em trincheiras, num repentino deflagrar de tiros. Gritavam irnicos: -"Avana, fraqueza do governo!" - A expedio caiu, de ponta a ponta. Foram obrigados a recuar.

    No captulo "A Luta", Euclides da Cunha considera alguns valores do Exrcito, mas critica a arrogncia militar,

    protegida por armas portentosas que nada valiam no serto. Os canhes no passavam pela caatinga e o excesso demunio era um fardo para os soldados. Os militares no conheciam a luta de emboscadas. Um nico sertanejo eracapaz de destruir um peloto. A flora agressiva era amiga dos rebeldes, que em tocaias pelas depresses rochosaseram como guerreiros invisveis. Grupos de cinqenta jagunos subdivididos em dez homens atraam os soldados peloimbuzeiros e veredas. Os soldados se perdiam pelo caminho. Enlouqueciam. Mesmo quando estavam vencendo abatalha, fugiam apavorados.

    A terceira expedio contra Canudos organizou-se no Rio de Janeiro. Para comand-la foi escolhido o coronel Moreira Csar, umseguidor de Floriano Peixoto que havia esmagado a Revoluo Federalista. Levou para Canudos 1.300 soldados, 15 milhes decartuchos e muita artilharia pesada. Moreira Csar era temido por sua violncia. E tinha sob suas ordens a melhor fora dogoverno. Nessa hora, mesmo os jagunos mais valentes sentiram medo.

    "Ento o conselheiro pregou naquela noite (...) para toda aquela jagunada reunida. E disse: 'Olhem, ele vem combatente mas noatravessa o Vaza-Barris que ele morre. Podem ficar cientes. No deixem esses republicanos tomarem o Belo Monte'. A todos seanimaram, cataram logo de trincheira de todo jeito. Esperaram o bicho e deram logo o apelido de 'corta-cabeas'". Ioi daProfessora.

    Nas feiras, nas cidades, nas veredas, em todo lado Conselheiro tinha espias que vinham informar a todo momento a posio do

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    exrcito. Os matutos, do alto das serras, se surpreendiam com os uniformes, as armas sofisticadas e a imponncia militar.Estavam pela primeira vez diante da civilizao.

    Contra Canudos, canhes e insanidade

    Moreira Csar se dirigiu a Canudos pela estrada de Rosrio. Passou pelo deserto de Angico e se instalou no Alto do Mrio. L decima, ele e os soldados, surpresos, avistaram Canudos. No dia 2 de maro de 1897, dois tiros de canho foram lanados em cimado vilarejo de Canudos. Em seguida, a cidade foi invadida. Ao comentar a terceira batalha, Euclides da Cunha desfaz a fama deestrategista de Moreira Csar. O Conselheiro, para o escritor, "foi um grande homem pelo avesso". Sua loucura o transformou numverdadeiro heri popular. A Moreira Csar, um epilptico com rompantes suicidas, faltou o sopro divino. No ultrapassou a loucura:invadiu o povoado de Canudos pisoteando crianas, matando velhos e mulheres, numa luta insana. Levou milhares de soldadosainda adolescentes a se destruir no meio da caatinga.

    "Quando Moreira Csar chegou em Canudos, entrou numa parte da rua, matou uma poro de gente, derrubou casas. Mas foi

    quando ele foi subir na rua, na ribanceira do rio, foi baleado. Uns dizem que foi um velho que tinha um clavinoto muito grande.

    Dizem que era desses velhos mandingueiros. Quando foi subindo, pegou o clavinote e o baleou."

    Joo de Rgis.

    "A foi uma luta danada. Morreu tudo que foi comandante. Morreu Tamarindo, morreu Salomo, morreu Vilarino. S no morreu

    Cunha Matos porque saltou num cavalo e saiu correndo pelos soldados, atravessou pela estrada e veio bater aqui".

    Ioi da Professora.

    A derrota de Moreira Csar provocou uma revoluo no Rio de Janeiro. J no havia mais dvida de que Conselheiro estava aservio de foras poderosssimas, que vinham restabelecer a velha ordem. A quarta batalha j no foi uma guerra, mas umavingana selvagem. Do Rio de Janeiro chegaram 5 mil homens comandados pelo general Arthur Oscar. Uma parte veio por MonteSanto e a outra, comandada pelo general Savaget, entrou em Canudos por Jeremoabo. Na porta de Umburanas encontraram umacena assustadora. O cadver do coronel Tamarindo e de dois soldados recepcionavam o exrcito empalados numa estaca. Oministro da Guerra, general Machado Bittencourt, foi enviado ao local para resolver pessoalmente a questo. Levava reforo de trsmil homens recrutados em todo o pas para liquidar os "monarquistas". Euclides da Cunha chegou em Canudos em 16 desetembro. Era o final da luta, mas ele ainda pode sentir todo o seu barbarismo.

    Rendio jamais

    Os poucos prisioneiros homens eram degolados, depois de se exigir deles, inutilmente, um "Viva a Repblica". As guas do Vaza-

    Barris em pouco tempo eram uma lagoa de sangue. Pilhas de cadveres serviam de trincheiras aos sertanejos. Os soldadosincendiavam casas onde estavam velhos e crianas. E na mente do horrorizado Euclides crescia uma idia: denunciar a barbrie eprovar que Canudos no era um problema poltico, era uma questo social. Canudos no se rendeu. Exemplo nico em toda ahistria, resistiu at o esgotamento (...) quando caram seus ltimos defensores, quando todos morreram. Eram apenas quatro: umvelho, dois homens feitos e uma criana, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. (...)

    Em 1902, numa choupana beira do rio, em So Jos do Rio Pardo, Euclides da Cunha terminou seu livro, contandoa verdadeira histria sobre o extermnio de Canudos: uma luta desigual e vergonhosa, em que o exrcito brasileiro secobriu de infmia. O inimigo invencvel afinal de contas no passava de gente sofrida das secas. Mulheres, velhos ecrianas que resistiram at o fim, numa luta inglria. Negros e ndios que buscavam criar um espao em quepudessem ser admitidos como integrantes da nao.

    Profecia do deserto:"O serto vai virar mar

    e o mar vai virarserto"

    Euclides da Cunha revelou que "serto" sinnimo de solido do homem na terra, ondeo abrigo da salvao est apenas nas poucas veredas. Ao criticar o beato, foi o primeiroque apregoou que a "terra do homem, no de Deus nem do diabo." E a fraseatribuda a Antnio Conselheiro, "o serto vai virar mar e o mar vai virar serto" umaprofecia que ecoa por todo o deserto nordestino, desde bem antes do Conselheiro. Esobrevive na esperana e na alma do sertanejo.

    Ficha Tcnica:

    Os Sertes, baseado na obra de Euclides da CunhaRealizao: TV Cultura - 1995Projeto de: Gregrio Bacic com consultoria de Walnice Galvo e Jos CalasansRoteiro e Direo: Cristina FonsecaProduo: Al ejandra HopePesquisa Icon ogrfica: Nerci FerrariImagens: Jos Elias da Silvaudio: Jos do Carmo Jernimo

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    Edio de Imagens e ps-produo: Carlos H. SartoriArte: Aida Cassiano, Paul o Csar Dias, Aim ber Santos e Wesllen da Si lva Sil vrioCenografia: Luciene GreccoTrilha Sonora: David TygelNarrao: Drusio de OliveiraDireo de Fotografia/Estdio: Maurcio ValimParticipao Especial: Antnio Nbrega

    Departamento de Documentrios: Teresa Otondo

    ANTERIOR PRXIMA PGINA: ENSINAR E APRENDER

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    Ensinar e Aprender

    1) Com a proclamao da Repblica, inicia-se um novo regime poltico no Brasil. Pesquisar astransformaes sociais, polticas e econmicas ocorridas nesse perodo. Organizar os alunos emgrupos para elaborar o trabalho.

    2) Os Sertes (1902), um dos maiores picos da literatura brasileira e latino-americana, consagraEuclides da Cunha como escritor e estudioso dos problemas brasileiros. Fazer coletivamente a

    cronologia da vida e da obra desse autor.3) Propor aos alunos, em duplas, que identifiquem no livro Os Sertes, na seo A Terra, 2 captulo, aforma como Euclides da Cunha descreve a regio de Canudos nos seguintes aspectos: solo, flora,fauna e clima.

    4) Fazer um levantamento das caractersticas do sertanejo (vestes, tradies, religiosidade) da regiode Canudos. Elaborar coletivamente um painel com desenhos, fotos de jornais, revistas, livros. Exporaos colegas da escola.

    5) Euclides da Cunha aponta a formao de duas sociedades distintas: uma no norte, outra no sul doBrasil (Os Sertes - seo: O Homem, 1 captulo e 3 captulo). Pesquisar os aspectos culturais(linguagem, vesturio, alimentao) dos povos dessas regies, tendo em vista a diversidade climtica.

    6) A partir da frase abaixo, discutir a questo da mestiagem no Brasil. Sistematizar as concluses.

    "No temos unidade de raa". Euclides da Cunha

    7) Resumir a biografia de Antonio Conselheiro, narrada por Euclides da Cunha (Os Sertes - seo: OHomem, 4 captulo). No texto, apresentar os fatos mais significativos.

    8) Em 1897, a Guerra de Canudos tornou-se o acontecimento jornalstico de maior importncia em todoo pas. Recontar a histria de Canudos, simulando um noticirio de rdio. Abordar os antecedentes,formao, crescimento e trmino do conflito.

    9) No livro Os Sertes - seo: A Luta, 3 captulo - Expedio Moreira Csar, Euclides da Cunha

    descreve Canudos de forma panormica. Ler o texto e comentar suas impresses.

    10) "Canudos era a nossa Vendia." (Os Sertes- Seo: A Luta, Preliminares, 4 captulo). Estudar osignificado dessa expresso.

    11) A Campanha contra Canudos teria sido "(...)na significao integral da palavra, um crime(...)".Euclides da Cunha. Comentar essa afirmativa.

    12) Ouvir a msica Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Analisar a letra, verificando avariao lingstica e o significado do pssaro asa branca (pomba-rolinha) no serto nordestino.

    Asa Branca

    Quando oiei a terra ardendoqu fogueira de So Joo

    eu perguntei a Deus do Cupurqu tamanha judiaco

    Qui braseiro, qui fornaia

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    nem um p de prantaopru farta dgua perdi meu gado

    morreu de sede meu alazo

    Int mesmo o asa brancabateu asas do Serto

    entonce eu disse, adeus Rosinhaguarda contigo meu corao

    Hoje longe muitas lguas

    numa triste solidoespero a chuva cair de novopra mim vort pro meu serto

    Quando o verde dos teus iose espai na prantaco

    eu te asseguro, num chore nao, viu?que eu vortarei, viu, meu coraco.

    Visitas para complementar o estudo:

    Casa de Euclides da CunhaR. Zulmira Torres, s/n - Cantagalo Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 28500-000Visitas: de 3 a dom., das 13h00 s 22h00.

    Casa de Cultura Euclides da CunhaR. Mal. Floriano, 105 So Jos do Rio Pardo - SP - Brasil CEP 13720-000

    Museu do Homem do NordesteAv. 17 de agosto, 2.187 - Casa Forte Recife - PE - Brasil

    Bibliografia

    CALASANS, Jos.Canudos na literatura de cordel. So Paulo, tica, 1984.

    CALASANS, Jos.Canudos: origem e desenvolvimento de um arraial messinico. In: Revista daAcadmia Brasileira de Letras da Bahia, n 34. Salvador, 1987.

    100 ANOS de canudos. Nova escola. So Paulo: ano XII, n.105, p.16-17. 07/97.

    CITELLI, Adilson. Os Sertes de Euclides da Cunha. So Paulo: tica, 1996 (Roteiro de Leituras).

    CHIAVENATO, Jlio Jos. As Meninas de Belo Monte. So Paulo: Pgina Aberta, 1993.

    CUNHA, Euclides da. Os Sertes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.

    CUNHA, Jos Guilherme da. Canudos: a luta. Salvador: P-de-Boi, 1991.

    FONTES, Oleone Coelho. O Treme-terra. Moreira Csar - a Repblica e Canudos. Rio de Janeiro,Vozes, 1996.

    GALVO, Nogueira Walnice & GALOTTI, Oswaldo. Correspondncia - Euclides da Cunha. SoPaulo: Edusp, 1997.

    GAUDENZI, Trpoli Francisco Brito. Memorial de Canudos. Braslia: CEF, 1994.

    GUILHERME, Ricardo. O Conselheiro e Canudos. Fortaleza: Imprensa Universitria da UniversidadeFederal do Cear, 1986.

    LEVINE, Robert M.. O Serto prometido - o massacre de Canudos. So Paulo: Edusp, 1995.

    MACEDO, Jos Rivair & MAESTRI, Mrio. Belo Monte - uma histria da guerra de Canudos. SoPaulo: Moderna, 1997. (polmica)

    NUVENS, Plcido Cidade. Patativa e o universo fascinante do serto. Fortaleza: ImprensaUniversitria Federal do Cear, s.d..

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    OLAVO, Antonio. Paixo e guerra no serto de Canudos. Salvador: Portfolium, 1993.

    QUEIROZ, Suely R. R. de. A Abolio da escravido. So Paulo: Brasiliense, 1982. (Tudo histria).

    VENTURA, Roberto. A Nossa Vendia: Canudos, o mito da Revoluo Francesa e a formaoda identidade cultural no Brasil (1897-1902). In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 31,a.1990.

    VILLA, Marco Antnio. Canudos - o povo da terra. So Paulo: tica, 1995.

    VILLA, Marco Antnio. Canudos. So Paulo: Brasiliense, 1996. (Tudo histria, 142).

    Filmografia

    Deus e o Diabo na Terra do Sol (Brasil, 1964) Direo: Gluber Rocha. Elenco: Othon Bastos,Maurcio do Valle, Yon Magalhes.

    Desejo (Brasil, 1990) Direo: Wolf Maia, Denise Sarraceni. Elenco: Vera Fischer, Tarcsio Meira,Guilherme Fontes.

    Discografia

    Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) Intrprete: Luiz Gonzaga Disco: Msica PopularBrasileira Gravadora: Abril S.A. Cultural e Industrial.

    Endereos Eletrnicos

    Associao de Estudos Euclidianos - Vida e obras do escritor Euclides da Cunha

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