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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA- FESP CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO QUITÉRIA SOARES BAZÍLIO DE OLIVEIRA TUTELA CIVIL DO NASCITURO João Pessoa 2011

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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA- FESP

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

QUITÉRIA SOARES BAZÍLIO DE OLIVEIRA

TUTELA CIVIL DO NASCITURO

João Pessoa

2011

QUITÉRIA SOARES BAZÍLIO DE OLIVEIRA

TUTELA CIVIL DO NASCITURO

Artigo Científico apresentado à Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

João Pessoa

2011

O48tOliveira, Quitéria Soares Bazíliode

Tutela civil do nascituro. / Quitéria Soares Bazílio de Oliveira. João Pessoa, 2011.

22f. Orientadora: Profa. Luciane Gomes Artigo (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino Superior da

Paraíba – FESP. 1. Nascituro 2. Personalidade 3. Tutela Civil 4. Teoria

ConcepcionistaI. Título.

BC/FESP CDU: 341.43/44(043)

QUITÉRIA SOARES BAZÍLIO DE OLIVEIRA

TUTELA CIVIL DO NASCITURO

Artigo Científico apresentado à Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________

Orientadora: Profa. Msc. Luciane Gomes

_________________________________

1º Examinador

_________________________________

2º Examinador

3

TUTELA CIVIL DO NASCITURO

Quitéria Soares Bazílio de Oliveira∗

RESUMO

Esta pesquisa possui por escopo analisar, de início, as controvérsias envolvendo o ambiente do ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito aos direitos e garantias do nascituro, como portador de personalidade jurídica, decorrente do seu reconhecimento como pessoa, tornando-o merecedor de todas as prerrogativas e garantias da tutela civil. São muitas as teorias apontando em diversas direções e propondo caminhos para a compreensão da situação jurídica do ser concebido, mas que ainda não nasceu. A proposta defendida neste trabalho favorece a teoria concepcionista, tendo em conta que oferece uma visão justa, legal e humana da condição do nascituro. Ademais o presente estudo indica diretrizes diversas sobre o tema da personalidade civil, sob a ótica do Direito Romano e do ordenamento jurídico pátrio. Na sequência, discorre sobre as teorias que tratam do início da personalidade civil, assumindo defesa da teoria concepcionista, por entendê-la a mais consentânea. Por fim, apresenta o termo nascituro como “aquele que há de nascer” e defende o seu direito de figurar como sujeito de direitos e obrigações, concluindo-se que, ao nascituro, deve ser atribuída personalidade jurídica desde a sua concepção.

Palavras-chave: Nascituro. Personalidade. Tutela Civil. Teoria Concepcionista.

1 INTRODUÇÃO

A situação jurídica do nascituro constitui-se num tema de notória importância. O

ordenamento jurídico brasileiro não é suficientemente claro ao disciplinar este ponto. O fato é

que não é possível ignorar as dificuldades que envolvem a situação jurídica deste ente

concebido, embora aindanão nascido, chamado nascituro.

Este é o tema e objeto da presente pesquisa. Neste trabalho, como foco principal,

serão abordados os aspectos essenciais desta questão, tais como: quando a vida tem o seu

início? A partir de que momento a personalidade civil do nascituro pode ser reconhecida? E

ainda: questões atinentes ao direito à curatela e à representação, ao direito ao reconhecimento

da filiação, ao direito de receber doações, ao direito de ser beneficiado por herança, à

realização do exame de DNA com vistas à comprovação de filiação e paternidade, do direito a

alimentos e outras questões que envolvem a temática. ∗Brasileira, casada, bancária, acadêmica do Curso de Direito da FESP – Faculdade de Ensino Superior da Paraíba, 2011.

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Diante das divergências sobre a condição do nascituro, sobre o seu status jurídico,

impõem-se como necessárias a elaboração de claras e precisas considerações sobre sua

situação jurídica. O primeiro ponto de debate diz respeito ao momento no qual começa a vida.

Este aspecto é fundamental, pois é a partir dele que será possível discutir direitos que

alcancem o nascituro e a sua consequente inserção no sistema jurídico vigente.

O passo seguinte repousa sobre o evento do nascimento com vida, situação que

coroa toda a expectativa do direito em favor do nascituro. O Código Civil pátrio, em seus

artigos 1º e 2º, oferece a seguinte redação (2011):

Art. 1º - Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

É a partir deste preceito legal que todo o debate em torno deste tema ganha

importância e expansão. Como já indicado, será desenvolvida a busca pelas respostas aos

questionamentos determinantes sobre o assunto. O nascituro é uma pessoa? Se a resposta for

positiva, a conclusão é que “é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (CC – Art. 1º). Se o

nascituro não é pessoa, como resguardar direitos que seriam dele? Nos termos do artigo 2º do

Código Civil, como admitir como sujeito de direitos o ser que não é reconhecido como

pessoa?

Não se pode desprezar a relevância e o desafio que esta questão representa. O

princípio consagrado no ordenamento jurídico pátrio, que aqui ganha realce, é o do direito

à garantia da vida digna para o nascituro, desde a sua concepção, tendo como fundamento

outro princípio basilar, o da dignidade humana. Lembre-se que esta abordagem é tratada

com grande destaque nos dias atuais, não somente no ordenamento jurídico brasileiro,

como também nos tratados internacionais de direitos humanos.

Na luta por uma sociedade mais justa e igualitária, os direitos reconhecidos ao

nascituro trarão benefícios e segurança para todas as partes envolvidas no fenômeno de

espera pelo nascimento de uma nova vida. Assim é verdade para a mãe, bem como para a

criança, em especial, em seu desenvolvimento intra-uterino.

Muitas demandas têm sido movidas sobre o presente tema perante as instâncias

judiciárias, não havendo, como também acontece em vários outros assuntos, uniformidade

de decisões. Na verdade, o judiciário tem produzido julgados que sinalizam bastantes

contradições.

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É, portanto, justificável uma análise a mais detida possível sobre este instituto

jurídico. A busca pela uniformização dos posicionamentos dos tribunais, bem como uma

leitura mais atenciosa e criteriosa da doutrina devem ser sempre padrões que deverão ser

perseguidos e observados com insistência pelos operadores do direito e da Justiça.

Considerando os enfoques controvertidos sobre a questão, propõe-se a seguinte

problematização para a presente pesquisa: Quais as condições de aplicabilidade da tutela

civil do nascituro? Neste sentido, serão trabalhadas as seguintes hipóteses: a) o nascituro é

objeto de diretos; b) a plenitude da personalidade jurídica é assumida com o nascimento, mas

são protegidas desde a concepção; c) o nascituro tem direito à vida, devendo ser inibidas todas

as ações que visem sua interrupção.

Indica-se como objetivo geral deste estudo: definir as condições de aplicabilidade

da tutela civil do nascituro, à luz da legislação em vigor, da jurisprudência produzida pelos

tribunais e da doutrina mais qualificada. Por sue vez define-se como objetivos específicos: a)

analisar os dispositivos legais que versam sobre esta matéria, a partir do Código Civil

Brasileiro, com destaque para os seus artigos 1º e 2º; b) inventariar o que faz parte da

jurisprudência pátria sobre o tema, suas contradições e efetividade; a) catalogar as

contribuições da doutrina na formulação de conceitos jurídicos e filosóficos; d) oferecer

propostas que façam frente à carência de uniformização e aplicação do instituto jurídico

objeto desta pesquisa.

Como metodologia de trabalho, serão tomadas como base as pesquisas em livros

jurídicos, artigos de periódicos especializados e em toda a legislação que disciplina a

temática, jurisprudência, dicionários, códigos e sítios jurídicos.

Serão aplicados os métodos e recursos científicos e hermenêuticos, analíticos e

conceituais, que auxiliarão na interpretação da doutrina e da legislação que tratam do tema. O

uso da lógica dedutiva será, certamente, ferramenta importante para que se chegue ao

resultado que se deseja.

Aponta-se aqui a base teórica geral que norteará esta pesquisa: levando em conta

que a fundamentação teórica atribui, essencialmente, credibilidade ao trabalho, fazendo

referência às pesquisas e aos conhecimentos já construídos e publicados, situando a evolução

do assunto e, assim, dando sustentação ao tema que está sendo apreciado, apresenta-se, no

andamento do trabalho, um elenco da fundamentação que vem merecer a mais ampla atenção

no aprofundamento deste estudo.

Nesse passo, convém iniciar com os delineamentos conceituais, essenciais para

o deslinde da temática eleita. Nascituro é o ser humano já concebido que aguarda o tempo de

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nascer. O Código Civil protege as expectativas de direito do nascituro, que se confirmarão se

houver nascimento com vida. Assim, o nascituro é herdeiro, pode receber doações e legados,

pode ser adotado, reconhecido e legitimado.

Dessa condição, surge a importância de se analisar os direitos que ostenta, em sua

plenitude, objeto dos capítulos subseqüentes.

2 A PERSONALIDADE CIVIL

Diante da evidência de que o preceito civil do ordenamento brasileiro que rege a

condição do nascituro é inspirado no Direito Romano, será abordada a seguir como era

enfrentada a questão da personalidade civil entre os romanos, e,na sequência, destacar como

este mesmo fenômeno era tratado na norma civil brasileira.

2.1 A personalidade civil no direito romano

Segundo o ordenamento civil romano, o nascimento por si só não era requisito

suficiente para garantir a aquisição da personalidade jurídica. O nascimento era apenas um

dos requisitos para se considerar o ser humano existente. A verdade é que, antes de nascer, o

feto não era considerado pelos romanos como um ser humano. Por outro lado, a reconhecida

condição de ser humano também não era suficiente para a atribuição da capacidade. Não era

conferida igualdade jurídica a todos os seres humanos. O escravopor exemplo, era um ser,

mas não um homem, sendo equiparado à condição de coisa. O ser humano disforme era

considerado monstro ou pródigo, portanto também excluído da relação jurídica. Neste sentido,

pessoa e homem, para o direito romano, são conceitos distintos, pois só aquele que agrega

certos requisitos era considerado pessoa. Só era pessoa, portanto, o ser humano dotado de

certos atributos (CRETELLA JÚNIOR, 1999). Nem todo homem era pessoa (ALVES, 2001).

Considerando que a existência do ser humano só era reconhecida quando fossem

satisfeitos determinados requisitos, há concordância ao menos em relação a três deles: o

nascimento, a vida extra-uterina e a forma humana. Discute-se a exigência do requisito da

vitalidade. Caso exigido o requisito da vitalidade, segundo alguns doutrinadores, teria relação

com a maturidade do feto. Todos esses requisitos, todavia, serviriam para avaliar se o recém-

nascido era humano ou não (ALVES, 2001). Os romanos consideravam que antes do

nascimento o feto era considerado parte das vísceras da mãe. O feto que ainda não havia sido

dado à luz não se poderia ser considerado homem (ALVES, 2001). Desde Justiniano,

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considerava-se que uma criança teria nascido viva se ela apresentasse “qualquer sinal de vida”

(ALVES, 2001, p. 92) depois do nascimento, mesmo que falecesse logo, pouco tempo depois.

Como já visto, um dos requisitos para se reconhecer um recém-nascido como ser

humano era a forma humana. Este requisito era decorrente da crença de que quando uma

mulher copulava com um animal ou pensasse em um animal enquanto copulava com um

homem, poderia conceber e dar à luz a uma pessoa com feições de animal, com caudas e

patas, por exemplo. Algumas deficiências físicas de menor extensão, contudo, eram aceitas

como normais.

Sobre os requisitos para a aquisição de personalidade eram exigidas duas

condições: ser livre e ser cidadão romano. Daí vigorar a norma de que o escravo não poderia

gozar do direito à personalidade civil. O escravo era visto como uma coisa. Para ser absoluta e

plenamente capaz era preciso também ser chefe de família (ALVES, 2001). Segundo alguns

comentaristas, havia também o requisito do status. O status seria a qualidade em virtude da

qual o romano adquiria os direitos de cidadania (CRETELLA JÚNIOR, 1999).

No direito romano, a situação jurídica do nascituro não lhe é muito favorável em

todos os casos. O nascituro não era considerado humano, exatamente por lhe faltar o primeiro

requisito, o nascimento. Apesar das divergências encontradas nos textos romanos sobre a

personalidade jurídica do nascituro, há normas de proteção ao novo ser concebido. Sobre este

ponto, Alves (2001, p. 95-96)leciona:

no terreno patrimonial, a ordem jurídica embora não reconheça no nascituro um sujeito de direitos, leva em consideração o fato de que, futuramente o será, e, por isso protege antecipadamente direitos que ele virá a ter quando for pessoa física.

As leis romanas prescreviam penas para a mãe que praticasse o aborto, bem como

para quem a ajudasse neste ato. Havia lei que ordenava a abertura do cadáver da mãe para

salvar o filho (prática que originou a cesariana que conhecemos hoje). Consta que penas de

morte e tortura contra mulheres grávidas eram adiadas para depois do parto. A pratica do

aborto era reprimida, uma vez que representava um dano ao pai. Caso mulheres grávidas

chegassem a falecer por qualquer motivo não eram enterradas sem que os filhos fossem

retirados, desde que fosse possível salvá-los (ALMEIDA, 2000, p. 22).

Lopes (2000, p. 289) anota que, a propósito do assunto, como fica evidente, que o

ordenamento jurídico brasileiro segue o romano:

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O critério adotado pelo nosso Direito foi o romano, ou seja, do início da personalidade com o nascimento com vida. Antes do nascimento, portanto, o feto não possui personalidade. Não passa de uma sperhominis. É nessa qualidade que é tutelado pelo ordenamento jurídico, protegido pelo Código Penal e acautelado pela curadoria do ventre.

2.1 A personalidade civil no ordenamento brasileiro

Personalidade é o requisito exigido para alguém figurar como sujeito de direitos e

obrigações dentro do mundo jurídico. Se alguém é destituído de personalidade não será

tratado como sujeito de direito. Sem personalidade jurídica reconhecida, o ser humano será

reduzido à condição de coisa. Assim aconteceu com os povos que aderiram à escravidão,

situação esta na qual os escravos eram considerados coisas. Segue-se, contudo, nos limites

deste estudo, a posição daqueles que defendem que a personalidade é inata ao ser humano.

Neste ponto é importante definir o que seja pessoa, personalidade e capacidade,

termos usados no Direito e que indicam as relações jurídicas em geral. Numa conceituação

simples, pessoa é o sujeito de direitos; personalidade é o que torna o indivíduo uma pessoa,

fazendo-o apto a adquirir direitos e contrair obrigações; e capacidadeé a condição que diz

respeito ao limite ou alcance do exercício dos direitos como um todo que uma pessoa pode

exercer (FÜHRER; MILARÉ, 2007).

Atualmente é pacífica na doutrina a noção de que pessoa é sempre sujeito de

direito. Mas nem sempre o ser pessoa foi considerado o mesmo que ser humano. No sistema

de escravatura, como já citado, os escravos eram considerados coisas. Segundo Amaral (2002,

p. 213), a questão do ser humano e a questão da personalidade evoluiu para duas concepções

doutrinárias distintas: a naturalista, que defende que a personalidade é inerente a todo ser

humano; e a jurídica, decorrente do direito positivo, que diz que a personalidade é atribuição

do direito, e pessoa e homem não coincidem.

No parecer de Alves (2001, p. 97), distinguir o conceito de personalidade e

capacidade se mostra necessário, uma vez que a personalidade expressa um conceito absoluto,

qual seja, existe ou não existe. Capacidade é um conceito relativo. É possível ter mais ou

menos capacidade, mas não é possível ter mais ou menos personalidade. A capacidade, para o

autor citado, seria o limite da potencialidade trazida pela personalidade de adquirir direitos e

contrair obrigações.

Para Mario (2002, p. 141-142), personalidade e pessoa são duas coisas

intimamente ligadas, haja vista a primeira significar a aptidão genérica para se adquirir

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direitos e contrair obrigações. A todos os seres humanos é atribuída personalidade sem

distinção de credo, raça, cor, sexo ou idade.

Em decorrência da atribuição de direitos ao nascituro, forçoso dizer que titulariza

direitos enquanto pessoa, mesmo antes do nascimento, ainda que se não lhe reconheça a

personalidade.

3 O COMEÇO DA PERSONALIDADE CIVIL

O Código Civil de 2002 preceitua, em seu artigo 2º, que “a personalidade civil da

pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os

direitos do nascituro”. De modo simples, este artigo significa que, apesar da personalidade

jurídica iniciar com o nascimento com vida, aqueles que não nasceram ainda são resguardados

em seus direitos, os quais devem ser respeitados desde a concepção.

Este preceito remete à questão da aquisição de personalidade por parte do

nascituro e ao exercício da tutela civil em seu favor. Assim, para enfatizar, o ordenamento

jurídico brasileiro prescreve que a personalidade civil é atribuída a partir do nascimento com

vida, mas assegura os direitos do nascituro.

É fácil constatar que este dispositivo enseja dúvidas significativas. Assegura-se

que a personalidade civil do nascituro é conferida com o nascimento com vida, mas,

paradoxalmente, confere-se direitos desde a concepção. Como pode alguém ser sujeito de

direitos sem possuir personalidade civil reconhecida? Nota-se que o referido artigo implica

em mais dúvidas do que certezas. Os sujeitos de direitos não são apenas as pessoas? O artigo

1º do Código Civil não declara isto? A verdade é que o nascituro é sujeito de direitos, tais

como: direito à vida, à integridade, aos alimentos e tantos outros. A ambiguidade do preceito

enseja o surgimento de várias teorias (ou doutrinas) que procuram explicar o início da

personalidade natural, e, em consequência, a condição jurídica do nascituro. As teorias

características sobre esta questão são: a teoria natalista, a teoria da personalidade

condicionada e a teoria concepcionista. Respeitáveis doutrinadores e especialistas são

defensores de uma ou outra destas teorias, as quais serão abordadas na sequência.

3.1 A teoria natalista

Os defensores da teoria natalistaargumentam que a personalidade tem início com o

nascimento com vida. Consideram que o nascimento é o marco inicial da personalidade. Para

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esta escola, o nascituro representa uma mera expectativa de ser pessoa, com

conseqüentesexpectativas de direitos, sendo somente considerado existente para aquilo que a

ele é juridicamente proveitoso. Miranda (2000, p. 217) está incluído no rol dos defensores da

escola natalista. Preleciona que “no útero, a criança não é pessoa. Se não nasce viva, nunca

adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direito, nem pode ter sido sujeito de direito (nunca foi

pessoa)”. Os natalistas sustentam que os direitos destinados ao nascituro são taxativos e que

se não fosse assim o Código Civil não teria nomeado cada um dos seus direitos. Alegam que

se o nascituro fosse pessoa todos os direitos subjetivos lhe seriam conferidos

automaticamente.

Esta é a teoria que está prevista no antigo 2º do Código Civil. Diversos outros

países também adotam esta doutrina, a exemplo da Espanha, Portugal, França, Itália e alguns

outros. Doutrinadores de peso são adeptos desta teoria, podendo-se citar Silvio Rodrigues,

Caio Mário da Silva Pereira, Pontes de Miranda, João Luiz Alves e muitos outros. Gagliano e

Pamplona Filho (2008, p. 83) comentam a adoção da teoria natalista pelo ordenamento

brasileiro, como segue:

Ora, adotada a teoria natalista, segundo a qual a aquisição da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida, é razoável o entendimento no sentido de que, não sendo pessoa, o nascituro possui mera expectativa de direito.

Na sequência, convém agora trazer à baila a teoria da personalidade

condicionada, pela sua contraposição à natalista.

3.2 A teoria da personalidade condicionada

Os adeptos desta teoria trabalham com o entendimento de que o nascituro possui

diversos direitos, mas sob condição suspensiva. Entende que a personalidade se inicia com o

momento inicial da concepção. O nascituro seria passível de direitos, entretanto estariam

subordinados a uma condição que não é outro senão o seu próprio nascimento com vida. Em

concordância com esta teoria, comenta Wald (1995, p. 120)que “a proteção do nascituro

explica-se, pois há nele uma personalidade condicional que surge, na sua plenitude, com a

vida e se extingue no caso de não chegar o feto a viver”. Igualmente defensor desta teoria,

escreve Lopes (2000, p. 289-290):

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Na verdade, consoante o sistema adotado pelo nosso Código Civil, como pelos demais códigos que seguem a rota do Direito Romano, a aquisição de todos os direitos surgidos mede o tempore da concepção subordinando-se à condição de que o feto venha a ter existência: se tal acontece, dá-se a aquisição; mas, ao contrário, se não houver nascimento com vida, ou por ter ocorrido um aborto ou por se tratar de um natimorto, não há uma perda ou uma transmissão de direitos, como deveria de suceder se ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade.

Alguns autores de grandeza demonstram defender a tese da personalidade

condicionada, a exemplo de: Walter Morais, Miguel Maria de Serpa Lopes, Washington de

Barros.

3.3 A teoria concepcionista

Os adeptos da escola concepcionista defendem que, desde a concepção, já se pode

falar em personalidade, visto que o nascituro, sendo sujeito de direito, tem personalidade.

Defendem que a personalidade começa na concepção, sem qualquer condição para ser o

nascituro reconhecido como pessoa. Almeida (2000 apud GAGLIANO; PAMPLONA

FILHO, 2008, p. 84), defensora da tese concepcionista, registra que:

Juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código chinês, art. 1º). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade.

Apesar de toda polêmica doutrinária existente, julgados que favorecem a posição

concepcionista são freqüentemente prolatados (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008, p.

84):

EMENTA: Seguro-obrigatório. Acidente. Abortamento. Direito à percepção indenização. O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. O nascimento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais. Apelação a que se dá provimento (5fls.) (Apelação Cível n. 7000202710, sexta câmara civil, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, julgado em 28/03/2001).

Nesta lógica, não é admissível para a corrente concepcionista que o nascituro

possa receber a garantia de certos direitos e outros não. Tal situação configura-se

contraditória. Os doutrinadores listam alguns países que adotam esta teoria em seus códigos,

tais como: Áustria, México, Peru, Paraguai e Argentina. Importantes autores brasileiros são

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defensores desta escola, dentre eles, citem-se: André Franco Montoro, Teixeira de Freitas,

Silmara Chinelato, Francisco Amaral Santo e Maria Helena Diniz.

Importante, ainda, registrar que alguns autores sugerem uma quarta teoria,

chamada mista, fundada na opinião de Maria Helena Diniz, quando faz distinção entre

personalidade jurídica formal e personalidade jurídica material. Para a autora, o nascituro

seria portador da personalidade jurídica formal, mas somente depois do nascimento com vida

é que passaria a ter personalidade material, com repercussão patrimonial. Assim declara

(DINIZ, 1999, p. 9):

Poder-se-ia mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos e aos de personalidade, passando a ter a personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que permaneciam em estado potencial, somente com o nascimento com vida. Se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá.

De um modo ou de outro, para os concepcionistas, desde a concepção são

resguardados direitos ao nascituro uma vez que, para eles, neste momento se origina um novo

indivíduo, dando-se início à vida, razão da importância de definir como e quando tem lugar o

início daquilo que chamamos de concepção e, levando-se em consideração a teoria

concepcionista, que apóia o início da personalidade natural desde a sua ocorrência, os seus

efeitos no que se refere à aquisição de direitos.

A fecundação é o marco inicial do desenvolvimento humano que só estará

completo na idade adulta. A vida humana, portanto, tem início quando um óvulo é fertilizado

por um espermatozóide. Este processo de fecundação resulta num zigoto. O zigoto é formado

por 46 cromossomos, sendo 23 originários do gameta feminino e 23 do gameta masculino.

Em seguida, o zigoto, sofrerá uma série de divisões, dando origem ao processo de formação e

multiplicação das células.

Os nascituros, portanto, devem ser considerados seres humanos, pois já são

possuidores da chamada vida intra-uterina. São capazes de experimentar sensações e emoções

que a vida pode lhes garantir, mesmo que ainda não tenham vindo à luz e ainda sejam

considerados, neste sentido, incapazes. Assim, por tais argumentos, a teoria concepcionista se

afigura como a mais adequada.

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3.3 Sobre o nascimento

Segundo a doutrina, o nascimento ocorre “quando o feto é separado do ventre

materno” (PEREIRA, 2002, p. 146). Nas palavras de Amaral (2002, p. 215), “com a primeira

respiração tem início o ciclo vital da pessoa, marcando, também, o nascimento, o início da

capacidade de direito”. Diz ainda o mesmo autor que “verificado o nascimento e o início da

vida com a penetração do ar nos pulmões, firmou-se a capacidade jurídica do recém-nascido.

Mesmo que este venha a morrer, já adquiriu direitos que serão transmitidos aos herdeiros”.

Depois do nascimento, segundo a lei, é preciso fazer a inscrição do nascido no

registro público. Esta providência tem como base o preceito do artigo 9º, inciso I, do Código

Civil, e da Lei 6.015/73 (Registros Públicos). Preceitua a norma que todo nascimento deve ser

registrado no lugar onde ocorreu o parto ou no lugar da residência dos pais, e isto no prazo de

quinze dias, sendo este prazo ampliado para três meses para os lugares distantes mais de trinta

quilômetros da sede do cartório. A certidão de registro constitui-se em prova do nascimento.

Se a criança nasceu já morta, o registro será em um livro identificado com “C Auxiliar” (Lei

6015, Art. 53, § 1º). Se a criança morrer no parto, tendo, porém, respirado ao nascer, serão

feitos dois assentos simultâneos, o de nascimento e o de óbito (Lei 6015, Art. 53, § 2º). A

presença de ar nos pulmões confirma o nascimento com vida.1

Verificado como se configura o nascimento, mormente com vida, será abordado o

objeto central deste estudo, o nascituro.

4 O NASCITURO

4.1 Conceito

O termo nascituro vem do latim, “nascituru”, que significa "aquele que há de

nascer". Esse termo serve para designar o indivíduo que, muito embora já tenha sido

concebido, ainda se encontra no ventre de sua mãe. O Dicionário Aurélio de Língua

Portuguesa (2010, p. 1453), oferece uma boa definição de nascituro, em sentido jurídico: “O

ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato futuro certo”.

1O procedimento médico usado por muito tempo para este fim é denominado de DocimasiaHdrostática de Galeno ou Docimasia Pulmonar. Hoje há outros procedimentos além deste.

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Pontes de Miranda (1954, p. 166), em concepção mais técnica, conceitua o

nascituro como sendo "o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um

direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida".

Portanto, nascituro é o ser já concebido, mas que ainda não nasceu. A expressão

designa o ser humano cujo nascimento é esperado. É o ser já concebido que está para nascer.

Necessário enfatizar que o nascituro não deve ser confundido com a figura do natimorto. Este

ocorre quando a criança já nasce morta e não adquire uma série de direitos.

4.2 Condição jurídica

É fato que ao nascituro são reservados direitos. Isto significa, objetivamente, que

ele é sujeito de direitos. Neste ponto, uma questão ganha evidência: como pode o nascituro ser

sujeito de direitos se sua personalidade só é reconhecida depois do seu nascimento com vida?

É posição pacífica que só pode ser sujeito de direito quem possui personalidade jurídica. Para

tentar explicar a condição jurídica do nascituro, algumas teorias são propostas: teoria da

personalidade condicional, da personalidade formal, da ficção, além da teoria dos direitos sem

sujeitos.

Como já comentado anteriormente, a teoria da personalidade condicional alega que

deve ser atribuída ao nascituro a personalidade, mas condicionada ao nascimento com vida.

Na doutrina há divergência importante sobre esta teoria. Para Limongi França (1999, p. 45),

“a condição do nascimento não é para que a personalidade exista, mas para que se consolide a

capacidade jurídica”. De acordo com este pensamento, a personalidade começa desde a

concepção, porém, a capacidade só se consolida com o nascimento. Esta posição é resistida

por outros doutrinadores.

De acordo com a teoria da personalidade formal, o nascituro seria portador apenas

da personalidade jurídica formal, com os seus direitos estritamente personalíssimos sob

proteção. Com o nascimento com vida, vem a adquirir também a personalidade material,

passando a exercer direitos patrimoniais. Maria Helena Diniz (2004, p. 185) é defensora desta

posição.2

2 Como já abordado anteriormente, esta posição defendida por Maria Helena Diniz, também é conhecida como teoria mista.

15

Por sua vez, para a teoria dos direitos sem sujeito, é possível a configuração desta

condição quepode ocorrer antes que o titular do direito exista (o concepturo), ou, antes do

nascimento do nascituro. O autor Pinto (1999, p. 193) defende esta posição.

Segundo a teoria da ficção, a personalidade do nascituro seria admitida

ficticiamente. A idéia desta posição é que o nascituro não tem personalidade, mas desde a

concepção era como se tivesse. O autor Gomes (2000, p. 143) advoga esta teoria ao dizer que,

junto com o ausente e o concepturo, o nascituro é um caso de personalidade fictícia. Seria o

caso de sucessão testamentária com previsão no Código Civil, artigo 1.799, inciso I, onde são

chamados a suceder, “os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador,

desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”.

Neste cenário, percebe-se que a teoria que melhor tutela o direito do nascituro

consiste na da personalidade formal, nos termos da teoria concepcionista, devendo ser deste

modo prestigiada.

4.3 Os Direitos

A defesa da personalidade do nascituro, segundo ensina Cristiano Farias (2005, p.

105), está fundamentada no próprio Código Civil pátrio e toma como referência os preceitos

contidos, especialmente no artigo 1.609, parágrafo único (que permite o reconhecimento da

filiação do nascituro); art. 1.779 (que defere a possibilidade de se nomear curador ao

nascituro); art. 542 (que autoriza doação ao nascituro); art. 1.798 (que reconhece a capacidade

sucessória do nascituro). Segundo o citado doutrinador, a partir da concepção há proteção à

personalidade e ao valor da pessoa humana (FARIAS, 2005, p. 197).

A personalidade jurídica dá ao nascituro o reconhecimento de que ele é titular de

direitos que são necessários para que venha a nascer com vida; esses direitos são os da

personalidade; como, por exemplo, o direito de reclamar alimentos, ao reconhecimento de sua

filiação, assistência pré-natal, indenização por danos causados à sua imagem (por exemplo:

uso de imagem de ultra-sonografia).

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei 8.069/90, a criança

enquanto pessoadeve ver resguardada a sua dignidade, seus direitos reconhecidos e garantidos

pelo Estado e pelo conjunto da sociedade. Dentre estes direitos estão incluídos os direitos ao

respeito, à dignidade, à liberdade, à saúde, ao lazer, à vida, a um ambiente familiar saudável,

dentre outros. No seu artigo 26, parágrafo único, o ECA prescreve como segue:

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Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes (grifo nosso).

Através deste dispositivo o Estatuto da Criança e do Adolescente garante ao

nascituro o direito de pleitear judicialmente ação de investigação de paternidade.

Objetivamente, quando o ECA, no seu artigo 2º, define como criança as pessoas até os doze

anos incompletos, não fazendo nenhuma ressalva sobre o início desta faixa, está admitindo o

nascituro como sujeito de direitos, até porque o parágrafo único, retrotranscrito, fala em

“preceder o nascimento do filho”.

Para demonstrar o cenário de divergências que existe sobre esta temática, os

tribunais pátrios caminham na direção do reconhecimento da personalidade do nascituro, em

certos momentos; em outros, agem com evidente distanciamento deste entendimento,

conforme se depreende dos seguintes julgados:

Civil. Nascituro. Proteção de seu direito, na verdade proteção de expectativa, que se tornará direito, se ele nascer vivo. Venda feita pelos pais à irmã do nascituro. As hipóteses previstas no código civil, relativas a direitos do nascituro, são exaustivas, não os equiparando eu tudo ao já nascido”. (STF – RE 99.038/MG – Relator: Min. Francisco Rezek – Órgão Julgador: Segunda Turma – Publicação: DJ Data-05-10-84 PG-16452 EMENT VOL-01287-02 PG-00673). Processo Civil – Civil – Agravo de Instrumento – Separação de corpos – Manutenção da mulher grávida na residência familiar – Interesse do nascituro. A decisão que defere a separação de corpos dos cônjuges, autorizando a manutenção da mulher, grávida, na residência, busca resguardar o casal e garantir o bem estar do nascituro. Mesmo sendo o imóvel de propriedade exclusiva do marido, a medida se impõe por força dos princípios consagrados nos artigos. 226, §5º e 227 da Constituição Federal, e 1566, inciso III, 1567, 1568, 1511, 1597, inciso II e 1634, inciso I, todos do Código Civil.” (TJDFT – AI 20030020113844AGI DF- Acórdão número : 198529 – Data de Julgamento: 07/07/2004-Órgão Julgador: 3ª turma cível – Relator : Vasquez Cruxên – Publicação no DJU: 23/09/2004, página: 46). Responsabilidade Civil. Acidente de Trânsito. Morte de Nascituro. Prêmio de seguro obrigatório. Inviabilidade do pedido em face do nosso Direito não lhe conferir Personalidade Civil. Dado provimento ao Recurso”. (TJDFT – Apelação Cível no Juizado Especial: 20000110044995ACJ DF, Acórdão número: 137708, data de julgamento: 29/08/200, Órgão Julgador: Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Relator: João Timóteo, Publicação: 08/06/2001, página 65). Alimentos. Direito do nascituro. Inadimplemento do marido. Inteligência dos arts. 19 da Lei 5.478/68 e 733do CPC. São devidos alimentos à esposa e à filha, mencionada como nascituro no momento da propositura da ação”. (TJ/RJ, Ac. Ac. 1ª Câm. Civ., ApCiv. 14954, rel. Dês. Pedro Américo Rios Gonçalves, in RT 560:220).

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Fica claro que os direitos da personalidade, em cumprimento ao preceito do art. 2º

do Código Civil, são atribuídos ao nascituro desde a sua concepção. O nascituro é herdeiro,

pode receber doações e legados, pode ser adotado, reconhecido e legitimado. Pode agir

através de seu curador. Segundo o ensino de MaximilianusFührer (2009, p. 34): “pode figurar

como sujeito ativo e passivo de obrigações”.3

Um dado importante que precisa ser analisado é que o Brasil, desde 25 de

setembro de 1992, tornou-se signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto

de São José da Costa Rica)4. Esta Convenção é claramente concepcionista. No artigo 1º deste

tratado, em seu inciso 2, lê-se: “Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”. E

no artigo 4º, inciso 1, arremata: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse

direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode

ser privado da vida arbitrariamente” (grifo nosso).

Pelo exposto, fica claro que, ao não adotar a teoria concepcionista, o Brasil

estabelece situação de choque contra os termos da referida Convenção, em desacordo com

norma constitucional brasileira que obriga o Brasil a respeitar os Tratados Internacionais aos

quais se tornar signatário. No artigo 5º, § 2º da CF, preceitua a Carta Constitucional do Brasil:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte (grifo nosso).

Apesar de toda a discussão sobre o momento exato no qual se pode admitir que o

evento da vida de uma pessoa tenha se iniciado, prevalece, no nosso ordenamento pátrio, o

entendimento de que o nascimento com vida é o fenômeno garantidor pleno de direitos. Neste

sentido, parece certo que o nascituro detém direitos que se expressam através de certas

garantias,condicionadas ao seu nascimento com vida. Assim posto, com fundamento na

Constituição e na Legislação, destacam-se a seguir, alguns dos direitos ofertados aos

nascituros:

4.3.1 Direito à vida

Este é o mais sublime dos direitos assegurados aos seres humanos. É direito que

possui status de valoração sagrada, além do seu alcance jurídico e legal. Grande afronta ao

3 Mesmo que o autor da citação pareça ser adepto da escola natalista. 4Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22.11.1969. Ratificada pelo Brasil em 25.09.1992. (Fonte:http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm)

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direito à vida do nascituro é demonstrada na prática do aborto. Apesar das exceções que

contempla, é acertada a norma definida pelo Código Penal pátrio ao classificar como crime a

prática do aborto (CP – Art. 124), nos termos que segue: “Provocar aborto em si mesma ou

provocar ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos”.

O direito à vida possui a marca da garantia do texto constitucional, como é

possível conferir no Art. 5º, caput, da nossa Constituição Federal (2010):

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (grifo nosso).

A vida é um direito inviolável. Como ensina Alexandre de Morais (2001, p. 61), a

vida é “o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui pré-requisito à existência e

exercício de todos os demais direitos”. Conclui-se que tudo o que vier a acontecer no

propósito de interferir no andamento espontâneo e natural da vida é um atentado contra ela. É

uma violação do sagrado direito de viver, devendo, pois, ser conferido em sua plenitude

igualmente ao nascituro.

4.3.2 Direito à integridade física

Este direito diz respeito à proteção do corpo humano. Visa garantir proteção física

da concepção do novo ser até à sua morte. Oferece garantias tanto ao corpo com vida quanto

ao corpo sem ela. Neste contexto, um nascituro tem direito a pleitear indenização em

decorrência de danos físicos que forem causados contra ele, nos termos do Art. 949 do Código

Civil, como segue:

No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Decisões, portanto, que contrariem este entendimento, afrontam normas

constitucionais e infraconstitucionais.

4.3.3 Direito à liberdade

A liberdade é um valioso direito garantido à toda pessoa. É o caminho por onde a

vida ganha expansão. Como sujeito de direitos o nascituro também o titulariza. Seria o caso

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da mulher grávida, que estando presa, chegue a requerer a sua liberdade em nome do seu filho

que ainda não nasceu. As agruras sofridas pela mãe na prisão poderiam gerar danos

psicológicos e também físicos ao nascituro. O Estatuto da Criança e do Adolescente,

preceitua,em seu art. 7º:

A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (grifo nosso).

Oferta, pois, o aludido dispositivo fundamento para pedido desta natureza.

4.3.4 Direito a alimentos

Ainda que não tenha havido o nascimento, é admissível a concessão de alimentos

provisionais ou definitivos quando do reconhecimento de paternidade, nos termos do Art. 7º

da Lei 8.560/92, que assim dispõe:

Art. 7º - Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite.

De se lembrar, ademais, que, após inúmeras decisões judiciais favoráveis, foi editado

diploma legal protetivo do nascituro, no sentido de conceder alimentos gravídicos,

consubstanciado na Lei nº 11.804/2008.

4.3.5 Direito à curatela

O Código Civil garante expressamente que o nascituro tem direito a curador, nos

termos do seu art. 1.779, como segue: “Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando

grávida a mulher, e não tendo o poder familiar”.

Resta restrito, portanto, que a curatela do nascituro, em que pese a previsão legal,

só será cabível quando o pai for falecido e a mãe foi privada do poder familiar.

Há, na verdade, uma significativa quantidade de garantias destinadas ao nascituro,

além das indicadas antes, a saber: direito à representação, direito a receber doação e direito a

suceder.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário de controvérsia que envolve este tema faz com que muitos julgadores e

também doutrinadores não reconheçam a personalidade jurídica do nascituro. Tratam do

assunto com extrema cautela. Buscou-se demonstrar, através deste estudo, que é possível

atribuir ao nascituro plena personalidade jurídica desde a concepção, a partir da adoção da

teoria concepcionista, prevista no Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é

signatário.

Convém argumentar, ainda, que, apesar das normas legais vigentes e do

entendimento doutrinário diverso quanto à proteção do nascituro, pode-se concluir que o

simples fato de existir confere ao homem a condição de ser titular de direitos e, a isso, é dado

o nome de personalidade. Portanto, não há consistência jurídica na afirmação de que o

nascituro somente com o nascimento com vida adquire personalidade jurídica, isto é, passa a

ser sujeito de direitos e obrigações, apesar do que preceitua o dúbio artigo 2º do CC pátrio e

de toda a tendência natalista do ordenamento brasileiro.

Como já destacado anteriormente, diversas são as teorias levantadas em todo o

mundo a respeito da personalidade jurídica do embrião, o que também ocorrei no Brasil.

Contudo, indiferentemente à teoria adotada, o fato é que a lei defende os direitos do nascituro

através de diversos dispositivos.

O que se torna bastante importante mencionar, ainda, é que, a partir do momento

da concepção, o feto não pode ser visto como simples coisa, mas sim como ser humano em

formação, que apresenta sinais de vida, com características próprias e únicas que o diferencia

perante os demais seres vivos.

De tudo o que foi visto, a conclusão natural é de que ao nascituro deve ser

reconhecida a capacidade jurídica, a condição de sujeito de direitos, tudo absolutamente

coberto pelas garantias da tutela civil do ordenamento pátrio, nos termos da teoria

concepcionista. Se o Direito não dispõe de mecanismos para aplicar todas as garantias

previstas aos nascituros, esta vem a se constituir numa outra questão que precisará ser

resolvida. Atribuir personalidade desde a concepção contemplará um princípio basilar da

Justiça e do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja: o reconhecimento da dignidade

humana do nascituro.

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CIVILPROTECTIONof the Unborn

ABSTRACT

This research has the purpose to analyse, at the beginning, the controversies involving the environment of the Brazilian Legal System relating to Civil Rights of the unborn child (Nasciturus), as the bearer of corporate entity, as the result of his/her recognition as a person, making him/her entitled to all privileges and guarantees from civil guardianship. Many are the theories pointing to many directions and proposing ways to comprehension of legal situation of the conceived being, yet in the status of Nasciturus. The proposal defended on this work favours the conceptional theory, regarding the offering of a fair, legal and humane vision of Nasciturus condition. Furthermore this present study indicates several guidelines about the subject of civil entity, under the point of view of Roman Law and the National Legal System. Following, it talks about the theories that deal with the beginning of civil entitiy, on defence of conceptional theory, understanding to be the most consentaneous one. At last, presents the term Nasciturus as “the one who is to be born” and defends his/her right to be appointed as the subject of rights and obligations, concluding that to Nasciturus must be attributed legal entity since his/her conception. Key words: Nasciturus.Entity.Civil Guardianship.ConceptionalTheory.

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