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Michael Kranish Marc Fisher Trump Revelado A biografia definitiva do 45.º presidente dos EUA Patrícia Cascão Tradução trump revelado_3as.indd 5 03/01/17 14:53

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  • Michael KranishMarc Fisher

    Trump ReveladoA biografia definitiva

    do 45.º presidente dos EUA

    Patrícia CascãoTradução

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    Índice

    Sobre este livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Prólogo – «Presidencial» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Capítulo 1 – Corrida ao ouro – a nova terra . . . . . . . . . . . . . . . . . 29Capítulo 2 – Bombas de mau cheiro, canivetes e um fato de três

    peças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44Capítulo 3 – Pai e filho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66Capítulo 4 – Roy Cohn e a arte do contra ‑ataque . . . . . . . . . . . . . 76Capítulo 5 – A travessia da ponte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87Capítulo 6 – «O melhor sexo que alguma vez tive» . . . . . . . . . . . 122Capítulo 7 – Apostar tudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145Capítulo 8 – Ventos frios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163Capítulo 9 – A perseguição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177Capítulo 10 – Uma liga própria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198Capítulo 11 – A grande revelação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216Capítulo 12 – Máquina de audiências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240Capítulo 13 – O jogo dos nomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253Capítulo 14 – Império. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273Capítulo 15 – Homem ‑espectáculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 294Capítulo 16 – Camaleão político . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306Capítulo 17 – O valor de um homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 330Capítulo 18 – «Trump! Trump! Trump!» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347

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    Epílogo – Lei e ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372

    Posfácio – Presidente Trump. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 388 Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 407Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 493

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    Sobre este livro

    A cada quatro anos, os jornalistas do The Washington Post investigam as vidas e as carreiras dos nomeados para a Presidência dos Estados Uni‑dos. A ideia é saber o máximo possível sobre a forma como os candida‑tos pensam, decidem e actuam. É examinar o seu passado, por forma a compreender como podem comportar ‑se no futuro. No final de Março de 2016, enquanto ainda decorria a escolha dos nomeados de ambos os partidos, os editores do Post decidiram que tinham de começar a extensa pesquisa e reportagem necessárias para produzir estudos biográficos detalhados sobre cada um dos candidatos à eleição geral. Os editores do Post reuniram vastas equipas de repórteres para investigarem o trabalho e as origens dos prováveis nomeados, Donald Trump e Hillary Clinton. Ambas as equipas tinham a mesma incumbência, mas Trump represen‑tava um desafio único: seria o primeiro nomeado para presidente de um dos principais partidos em mais de meio século – o primeiro desde Dwight Eisenhower – a obter esse estatuto sem nunca ter sido eleito para um cargo público.

    O Post designou mais de 20 jornalistas, dois verificadores de factos e três editores, para examinar a vida de Trump. Em cerca de três meses, eles elaboraram este livro e mais de 30 artigos para o jornal, com o objec‑tivo de dar conta de tudo, desde a origem de Trump, passando pela sua infância, até à carreira e evolução política. Enviámos repórteres para as suas casas ancestrais, na Alemanha e na Escócia, para o seu bairro de infância, em Queens, para o colégio interno em Nova Iorque, para os

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    campus das faculdades onde andou, no Bronx e em Filadélfia, e para os seus projectos empresariais em Atlantic City, no Panamá, na Rússia e no Azerbaijão. Visitámos e falámos com familiares de Trump, colegas de escola, amigos, concorrentes, sócios, administradores e funcionários, defensores e críticos.

    Este livro é o resultado do trabalho de um dedicado e talentoso grupo de jornalistas e de editores: Jenna Johnson e Frances Sellers viajaram até longe, para pesquisar as raízes da família Trump. Michael Miller e Paul Schwartzman retrocederam até à infância de Trump, para encontrar colegas de brincadeira e de escola, professores e vizinhos. Robert O’Harrow e Shawn Boburg pesquisaram as complicadas finanças e tran‑sacções imobiliárias de Trump em Atlantic City e em Nova Iorque, e Bob Woodward obteve entrevistas e orientações fundamentais enquanto per‑cebíamos como Trump construiu o seu negócio. Drew Harwell identifi‑cou as raízes da Trump Organization em Manhattan e Will Hobson desenterrou décadas de evolução da relação de amor ‑ódio de Trump com os meios de comunicação social, bem como das suas aventuras no mundo dos desportos profissionais. Mary Jordan e Karen Heller relataram a relação de Trump com as mulheres, incluindo aquelas com quem foi casado, as namoradas e as executivas das suas empresas. Amy Goldstein e Jerry Markon examinaram os altos e baixos dos casinos de Trump e de outros negócios, durante uma fase particularmente difícil da sua carreira, e Rosalind S. Helderman e Tom Hamburger identificaram como Trump transformou o seu império numa marca baseada no seu nome e na sua popular imagem. Robert Samuels pesquisou o pensamento político de Trump ao longo dos anos e Kevin Sullivan viajou pelo globo para exa‑minar os negócios internacionais. Dan Balz mergulhou profundamente na campanha de 2016, para compreender como e por que Trump emer‑giu do grande monte de candidatos republicanos. Quase todos estes jornalistas trabalharam também noutros aspectos deste livro, que também beneficiou muito do trabalho dos jornalistas do Post Dan Zak, Ben Terris, Michael Birnbaum, Ian Shapira, Steve Hendrix, David A. Fahrenthold, Karen Tumulty, Robert Costa, Philip Rucker e Janell Ross; da pesquisa‑dora Alice Crites; e do colunista financeiro Allan Sloan. As pesquisado‑ras Julie Tate e Lucy Shackelford verificaram cuidadosamente os factos

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    do livro. Os editores, Scott Wilson, Steven Ginsberg e Peter Wallsten desempenharam um papel fundamental na definição da forma como a informação era apresentada e na leitura de todos os textos enquanto o processo se desenrolava. O director do Post, Martin Baron, e editor executivo, Cameron Barr, defenderam inflexivelmente, desde o início, que esta biografia tinha de ser o mais detalhada e incisiva possível, e dis‑ponibilizaram uma quantidade extraordinária de recursos para apoiar esse objectivo.

    Trump esteve disponível para mais de 20 horas de entrevistas com muitos dos jornalistas que trabalharam neste livro. Também disponibili‑zou o advogado e alguns membros do pessoal da sua campanha. Recusou os nossos pedidos para falarmos com os irmãos ou para levantar as res‑trições que impôs aos seus muitos executivos, actuais e anteriores, que assinaram acordos de confidencialidade quando trabalharam para Trump. Também recusou dar ‑nos acesso às suas declarações de rendimentos, algo que todos os outros nomeados para Presidente tornaram público na his‑tória moderna. Durante o processo, Trump disse que esperava e que tinha esperança de que este livro pudesse ser rigoroso e justo, e garantimos ‑lhe que era esse, de facto, o nosso principal objectivo. Para dar aos leitores todas as oportunidades de examinarem, por eles próprios, os registos da vida de Trump, e para demonstrar que todas as afirmações deste livro são apoiadas por documentos, entrevistas e outras pesquisas, pusemos on line milhares de páginas do nosso material de apoio do livro. Esse aqruivo está disponível em www.washingtonpost.com/graphics/politics/trump‑ revealed‑book‑reporting‑archive/. Várias vezes, durante o percurso, Trump também nos disse que se não gostasse do livro, não hesitaria em denunciá ‑lo ou em tomar medidas legais contra ele. No mesmo dia em que aceitou, pela primeira vez, ser entrevistado para este livro, disse ao New York Post que o projecto era «ridículo». Depois, na tarde anterior à sua publicação, escreveu no Twitter: «O @Washington Post depressa elaborou um livro assassino sobre mim […] Não comprem, aborrecido!» Trump ainda não tinha visto o livro quando publicou esse tweet. Tanto quanto sabemos, ele tem cumprido a promessa que nos fez de não o ler.

    Donald Trump tem vivido com a convicção de que toda a atenção, seja bajuladora ou crítica, ou esteja algures no meio, é benéfica. Que a sua

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    imagem pessoal é que define a sua marca, e que ele é a marca. Começá‑mos esta investigação partindo da teoria de que Trump, mais do que qualquer outra pessoa, é muito mais do que apenas a sua reputação ou a sua marca. Concluímos este trabalho no mesmo registo, tendo desco‑berto que o homem eleito como o 45.º presidente é bem mais complexo do que a sua linguagem simples pode indicar, que as suas motivações e os seus valores são influenciados pelos seus pais, pela sua educação, pelas suas vitórias e pelas suas derrotas, e pela sua eterna busca por amor e aceitação. O que se segue é o homem que ficámos a conhecer.

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    Prólogo

    «Presidencial»

    Agora ele era o favorito e o próximo passo era tornar ‑se presidencial. O filho, a filha e a mulher tinham ‑lhe dito que ele tinha de fazer isto, que tinha de mostrar o seu lado mais atencioso e calmo. E ele tinha ‑lhes dito: «Eu consigo ser muito presidencial.» Tinha rido e dito: «Consigo ser mais presidencial do que qualquer outro presidente que este país já teve, à excep‑ção de Abraham Lincoln, porque […] não é possível superar Abraham Lincoln.»1 E cá estava ele, na capital da nação, na boca do lobo, a mostrar a toda a gente que era capaz de fazer isso. Ia encontrar ‑se com um sena‑dor norte ‑americano – um senador que o estava a apoiar, ao miúdo de Queens, ao menino malcomportado do imobiliário de Nova Iorque – no escritório de uma das maiores firmas de advogados da capital. Ia falar de política internacional com uma sala cheia de especialistas de Washington. Ia ler um discurso do teleponto, a ferramenta com que gozava há muito tempo, que dizia ser a muleta que os falhados da política usam. Ia nomear alguns dos conselheiros que teria na Casa Branca, embora, claro, fosse sempre ele o seu principal conselheiro, porque ele percebia desta matéria melhor do que ninguém. Num dia cristalino de Primavera, em 2016, o líder da corrida à nomeação republicana para a Presidência dos Estados Unidos ia responder a todas as questões pertinentes que a equipa edito‑rial do The Washington Post lhe pudesse atirar. Ia falar para a difícil mul‑tidão do AIPAC, o American Israel Public Affairs Committee, um dos mais influentes lobbies na mais importante cidade do mundo, um grupo cujos membros estavam cada vez mais a apelidar a sua campanha de

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    assustadora e até de demagógica. E só porque estava em Washington – onde, já agora, estava a construir aquilo que viria a ser um dos hotéis emblemáticos da sua empresa – ia levar os chacais da imprensa a visitar o local de construção, exibindo o espesso granito e o mármore de pri‑meira. Sorriria e faria sobressair o maxilar enquanto anunciava que o hotel estava a ser terminado antes do previsto e abaixo do orçamentado: «E temos quase 300 quartos, superluxuosos», e «vamos empregar subs‑tancialmente mais de 500 pessoas, pelo menos 500 pessoas.»

    Era um dia importante na grande campanha para «Tornar a América Grande Outra Vez». Ia mostrar o quanto era multifacetado, o homem populista do momento, apoiado por enormes multidões em salas cada vez maiores, elogiando ‑as por abandonarem o estatuto de maioria silen‑ciosa e por se tornarem «uma muito, muito agressiva, muito, muito rui‑dosa, maioria», e depois, no dia seguinte, voltaria a ser o elegante, sério, homem de princípios – sim, presidencial – e candidato favorito. Isto é a sério, andava ele a dizer, e a vontade do povo não seria negada. Donald Trump – o descendente de um empreendedor que construía casas modes‑tas para a classe média, o miúdo audacioso que atravessou a ponte e se apoderou de Manhattan, o empreiteiro gabarolas que cobria tudo com ouro, o homem que tornou Atlantic City grande outra vez (até ter colap‑sado novamente), o entertainer que se autodescrevia como uma «máquina de audiências» – estava agora na maior das salas, na capital do país, a discursar, com todas as palavras a serem examinadas como se ele fosse já o presidente. Trump – o candidato marginal que virou o Partido Repu‑blicano de pernas para o ar, o bilionário que persuadiu milhões de norte‑‑americanos de que conhecia bem as suas frustrações e aspirações –, este principiante da política, este orgulhoso intruso, tinha levado a melhor sobre os peritos e os consultores e os homens do sistema, toda a cabala de poderosos e de moralistas que tinham conduzido esta cidade a uma embaraçosa paralisia. Em algumas semanas, o espectáculo secundário tinha ‑se tornado o evento principal. Agora, ele era a estrela daquele tipo de dias que viriam a ser às centenas assim que se tornasse presidente Trump: dias dedicados a «tornar isto um país outra vez», a voltar a conquistá ‑lo, a torná ‑lo grande, a recuperar os empregos, a manter os mexicanos e os muçulmanos fora, a «vencer, vencer, vencer». «Bam!»,

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    dizia ele nos seus estridentes comícios. «Bam!», e os malvados terroristas do ISIS seriam dizimados. «Bam!», e as mesmas empresas que tinham exportado empregos norte ‑americanos trá ‑los ‑iam de volta. «Bam!», e o México pagaria pelo muro para impedir os imigrantes ilegais de atra‑vessar a fronteira para os Estados Unidos. «Bam!», um país grande, outra vez.

     Trump tinha estado na ribalta quase toda a sua vida adulta. Ainda

    estava na casa dos 30 quando se tornou numa celebridade de um só nome, como Madonna ou Beyoncé. Como uma estrela rock ou um presidente, tinha o seu nome, todo em letras maiúsculas, folheado a ouro, em edifí‑cios e aviões e camisolas e garrafas de vinho (embora diga que nunca bebeu álcool na vida). Era o raro bilionário que abdicava da privacidade, que convidava as câmaras a filmarem a «parede do ego» que tinha no escritório. Exibia a sua fortuna, gastava ostensivamente, trabalhava os órgãos de comunicação social para se manter nas páginas de mexericos e nas páginas de economia e nas páginas de desporto e nas primeiras páginas. Ele apareceria, dizem os seus detractores, para a abertura de um envelope.

    Ele foi, quase desde o início, a sua própria marca. Chegou aí, em grande parte, ao fazer um estudo sobre tudo aquilo que era dito sobre ele. Come‑çava os dias com um molho de recortes de imprensa com as referências diárias à sua pessoa. Ainda agora, a concorrer para o mais poderoso cargo do mundo, uma função que assenta quase inteiramente no poder de persuadir os que o rodeiam, um emprego que exige gerir uma equipa e conquistar lealdade, mesmo agora, Donald J. Trump disse que tomava a maioria das suas decisões sozinho, sem consultar ninguém: «Com‑preendo a vida», disse. «E compreendo como a vida funciona. Sou o  Cavaleiro Solitário.»2

    Sempre soube como ser famoso, como ganhar números, como obter audiências, como fazer as pessoas repararem nele. Mais de três décadas antes de decidir que queria ser presidente, apareceu na lista Gallup dos dez homens que os norte ‑americanos mais admiravam, ficando apenas atrás do papa e de alguns presidentes. Estudou, durante a sua vida, como criar impacte. Tinha uma hierarquia de atenção na sua cabeça.

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    O esplendor estava um nível acima do brilho, disse Trump. Boas rela‑ções públicas eram melhores do que más relações públicas, mas ambas eram boas. Ele era uma curiosa, talvez única, mistura de empreende‑dor esperto e rufia de rua de insolente e susceptível. Autopromovia ‑se com petulância, gerando tanto a bajulação como o ridículo. Era tão provável que processasse os seus críticos como que se gabasse dos seus próprios feitos. Era um vencedor orgulhoso e vaidoso, que também tinha falhado em mais negócios do que muitos magnatas criam numa vida inteira. Orgulhava ‑se de exigir respeito. Raramente era visto sem casaco e gravata. Até as pessoas que tinham trabalhado próximo dele durante décadas se dirigiam a ele como «Senhor Trump».

    No entanto, a sua linguagem podia chocar as pessoas e ele brindava consistentemente aqueles que considerava seus inimigos – em especial as mulheres – com insultos cortantes e grosseiros. A linguagem parecia, por vezes, uma sucessão de slogans e de frases simples declarativas, com ideias simplistas. Isto levou algumas pessoas a concluírem que ele era rude e irreflectido. Ele gostava disso, era o tipo de coisa que esperava dos elitistas que se tinham rido dele toda a vida. Vangloriava ‑se bastante, mas, sobretudo, mantinha ‑se silencioso sobre aquilo que sentia lá no fundo. Isso só aparecia raramente, tal como quando falava sobre os filmes de que gostava. Quando lhe perguntaram sobre Citizen Kane, o clássico de Orson Welles sobre um idealista proprietário de um jornal que obtém uma grande fortuna e perde a alma, Trump disse: «Citizen Kane era, na realidade, sobre acumulação e, no fim da acumulação, vemos o que acon‑tece, e não é necessariamente tudo positivo. Não é positivo. […] Na vida real, acredito que a riqueza, na realidade, te isola das outras pessoas. É um mecanismo de protecção. Temos a guarda muito mais levantada do que teríamos se não fôssemos ricos.»3

    Trump gostava de pensar em si próprio como um homem do povo, mais interessado em elogiar os taxistas e os trabalhadores da construção do que em glorificar os ricos e os poderosos. As pessoas conheciam ‑no e admiravam ‑no, disse ele, e, por isso, tinha sempre pensado que talvez o derradeiro passo fosse para a Casa Branca. «Porque tive imenso sucesso», disse. «Fui muito bem ‑sucedido durante um longo período de tempo. Talvez sempre tenha tido isso no fundo da minha mente […] sempre no

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    sentido de tornar o país melhor, ou, como dizemos, tornar o país grande outra vez, certo? […] Um óptimo slogan, que eu inventei.»4

     Um ano antes, isto era tudo um sonho, uma fantasia. Trump estava

    a fazer aquilo que fazia em quase todos os ciclos eleitorais durante as últimas décadas, a brincar com os jornalistas, a percorrer os programas de rádio e de televisão, a dar dicas, a provocar, a gozar com os políticos incompetentes, a instigar as audiências com a ideia de que poderia usar o seu talento para carregar os males do mundo. Naquele dia de Março de 2015, exactamente um ano antes de fazer a sua primeira ronda «pre‑sidencial» em Washington D. C., a primeira onda de candidatos republi‑canos tinha começado a declarar as suas intenções e Trump foi mencionado 86 vezes na imprensa. O Chicago Sun ‑Times pediu ‑lhe para opinar sobre uma controvérsia local acerca da possível declaração de um arranha ‑céus como marco histórico. Trump detestou a ideia de se voltar contra os seus colegas construtores – se eles, tal como Trump, queriam fazer alterações em edifícios históricos, deviam ser autorizados a fazê ‑lo5. Em Palm Beach, Trump estava ao lado dos proprietários que se opunham à extensão de uma pista do aeroporto, que iria resultar na passagem de jactos ruidosos6 sobre a sua propriedade Mar ‑a ‑Lago. Na Escócia, Trump alterou a rota7 e anunciou que ia para a frente com a construção de um hotel e de um campo de golfe. Em casa, em Nova Iorque, uma empresa de entretenimento que encenava um espectáculo de música, dança e moda no Radio City Music Hall divulgou que as actuações incluíam a aparição em vídeo de uma celebridade8, Donald Trump.

    Mas em Março de 2015, a habitual variedade de controvérsias empre‑sariais e de ataques promocionais de Trump estava a começar a ser suplan‑tada por uma tempestade de rumores políticos e de achincalhamento. Na MSNBC naquele dia, o apresentador Chris Matthews ofereceu «um pequeno momento de comédia» sob a forma de uma discussão sobre as esperanças presidenciais de Trump. «Não tratemos Donald Trump como um sério candidato», respondeu o colunista do Chicago Tribune, Clarence Page. «Ele é um génio do marketing e é isso que ele está a fazer.»9 Na CNN, o analista Jeffrey Toobin rejeitou o assunto: «Donald Trump está a iniciar uma das suas campanhas presidenciais fictícias.»10 Uma listagem do The

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    Washington Post sobre os candidatos republicanos colocou Trump num «crescente enxame de improváveis concorrentes»11, com Carly Fiorina, com o senador Lindsey Graham, com o governado do Ohio, John Kasich, e com o ex ‑governador de Nova Iorque, George Pataki. McKay Coppins, do site Buzz Feed, a falar na MSNBC, menosprezou a conversa de Trump sobre candidatar ‑se, como sendo uma «representação de pretensa ambi‑ção presidencial», e afirmou: «Ainda apostaria todo o meu salário anual em como ele não irá a votos no Iowa.»12 Nos sites de apostas, as probabi‑lidades apontavam para a inevitabilidade de Jeb Bush e para o absurdo de Trump. Naquele dia de 2015, Bush tinha uma probabilidade de 4 ‑1 e Trump estava no fundo da pilha, com 150 ‑113.

    Mas longe dos centros de imprensa de Nova Iorque e Washington, estavam a surgir os primeiros rumores de uma música diferente. No New Hampshire Union Leader, Joe McQuaid escreveu que os outros candida‑tos e os órgãos de comunicação «subestimam Donald Trump por sua conta e risco. As pessoas estão tão cansadas de conversa frívola, de ima‑gens polidas e de tomadas de posição, que podem achar do seu agrado um tipo que vai contra a corrente e que é desrespeitado pelos comenta‑dores sabichões.»14 O próprio Trump apareceu no programa de Megyn Kelly, na Fox News, e quando ela perguntou «se ele estava apenas a provocar»15, ele respondeu: «Eu levo sempre as coisas até ao fim. Tudo na minha vida, levo até ao fim. […] Adoro aquilo que estou a fazer, mas adoro ainda mais o país. E posso endireitá ‑lo.»

    Nove meses depois, nos últimos dias de 2015, já ninguém pensava em Trump como uma brincadeira. Numa sala cheia, numa noite fria e chu‑vosa, em Grand Rapids, no Michigan, ele estava à frente de uma enorme bandeira norte ‑americana, sorridente, enquanto os apoiantes – muitos a usar bonés com a inscrição «Tornar a América Grande Outra Vez», «made in USA» e disponíveis por 25 dólares no site shop.donaldjtrump.com – entoavam o seu nome. Ainda faltavam algumas semanas para a primeira eleição primária e os adversários estavam a diminuir. Trump iniciou o comício mencionando que Lindsey Graham tinha desistido naquele dia: «Ele foi mau para mim. Toda a gente que me enfrenta, X, X», e dese‑nhou X no ar, como que a riscar os derrotados, enquanto a multidão dentro do Delta ‑Plex Arena berrava. «Era isso que devia acontecer com

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    o nosso país», disse Trump. «Toda a gente que está contra nós, pelo cano abaixo.» Mais berros.

    Com dúzias de comícios ainda por realizar na campanha, a rotina já estava definida. Não havia discurso, mas sim um pequeno menu de his‑tórias que ele utilizava entre tiradas sobre os acontecimentos do dia e narrações sobre a retirada de manifestantes da sala. (A multidão nunca se importava de ouvir histórias que já tinha ouvido antes, tal como aquela de como a Ford estava a construir uma grande fábrica no México e o pre‑sidente Trump os obrigaria a trazer esses empregos de volta.)

    – Já alguém ouviu esta história? – perguntava Trump.– Sim! – respondiam as pessoas.– Querem ouvi ‑la outra vez?– Sim! Sim! – gritavam elas.Neste dia, Trump tinha alguns novos comentários espirituosos, alguns

    novos pedaços de carne vermelha para uma multidão que saboreava todos os seus tiros contra os poderosos e os arrogantes. Hoje, o primeiro alvo eram os jornalistas. Trump mencionou que o líder russo, Vladimir Putin, tinha sido citado a dizer que Trump era brilhante. Trump sorriu com desdém sobre as notícias da imprensa norte ‑americana que sugeriam que talvez não fosse muito bom para um candidato presidencial ser elogiado pelo líder autocrático de um dos mais difíceis rivais do país. «Oh, não é terrível que Putin tenha dito coisas simpáticas?», troçou Trump. «Não é terrível, é bom. […] Não seria bom se conseguíssemos dar ‑nos bem com as pessoas?» Os jornalistas estavam sempre a deturpar as suas pala‑vras, fazendo com que parecesse que Trump apoiava Putin, disse ele. «Já agora, detesto alguns destes “jornalistas”. Mas nunca os mataria. Detesto‑‑os.» Os vivas atingiram um novo patamar e Trump, com a voz a elevar‑‑se sobre os gritos vigorosos da multidão, acrescentou: «Alguns deles são pessoas tão mentirosas e nojentas, é verdade, é verdade. Mas nunca os mataria.»

    Trump ainda insistiu no seu direito, na sua obrigação, de dizer as coisas como elas são. Nunca pediria desculpa pela sua linguagem, pelo seu depreciativo aceno de «adeusinho» quando os seguranças expulsaram manifestantes que gritavam: «Você é um fanático!» Ele explicou à mul‑tidão: «Andei numa escola da Ivy League. Tenho uma excelente educação.

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    […] Não tenho de ser directo. Tenho tipo um vocabulário incrível. Mas, sinceramente, como posso descrever os nossos líderes melhor do que com a palavra estúpidos? […] Costumava dizer “gravemente incompe‑tentes”, mas estúpidos é mais forte, não é?»

    A multidão concordou, com prazer. «Trump, Trump, Trump», grita‑ram. «USA, USA, USA», entoaram. O candidato também se juntou aos gritos. Depois ordenou aos jornalistas para «virarem as câmaras» e mos‑trarem a multidão, para fazerem uma panorâmica do espaço por haver «tanto amor na sala.» Continuou a insistir, a chateá ‑los sem parar para que virassem as câmaras e, finalmente, alguns fizeram ‑no e a multidão berrou de contentamento. Outro manifestante gritou qualquer coisa e Trump deu indicação aos guardas: «Tirem ‑no daqui!», acrescentando, com um sorriso malicioso: «Não o magoem! Sejam muito simpáticos!»

    Virou ‑se para a audiência: «Então, há alguma coisa mais divertida do que um comício de Trump?»

    A multidão estava feliz, embora tivessem estado na fila, à chuva, durante horas; mesmo com uma dúzia de manifestantes silenciosos, a agitarem cartazes onde se podia ler: «Não ao ódio, não a Trump» e «Heil Trump, fascista americano». A maioria das pessoas estava contente por finalmente ouvir Trump em pessoa. Não por o adorarem ou pensarem que seria um óptimo presidente, mas por estarem felizes por alguém finalmente dizer aquilo que ele dizia. Kevin Steinke tinha 53 anos e des‑cobrira recentemente que por vezes tinha de decidir se pagava o seguro de saúde ou o empréstimo da casa. Veio ao comício e trouxe os dois filhos adolescentes com ele, para que pudessem compreender que as outras pessoas também estavam a lutar e que talvez houvesse uma forma de voltar a colocar as coisas como costumavam ser. A linguagem de Trump, disse Steinke, era um bocado forte, mas: «Ele está a acertar em cheio. As pessoas estão a ficar frustradas pelo facto de parecer que não vamos a lado nenhum como nação. Muitos de nós sentimos que estamos a andar para trás.» Steinke, licenciado, e a mulher, uma professora de música, não viviam tão bem como antes, e embora ele não fosse nem de esquerda nem de direita e nunca tivesse estado num comício antes, gostava da ideia de ter Trump como CEO do país, alguém que não causaria a divisão «nós contra eles», mas que mudaria a atmosfera, para que as pessoas pudessem

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    dizer «aquilo que pensam e não sentir que são islamofóbicas, homofóbi‑cas ou qualquer outra palavra antes de fóbico». Trump era suficientemente assustador para estar a «provocar o pânico em algumas pessoas do sis‑tema» e Steinke gostava disso. «Donald fala num inglês directo, talvez um pouco directo de mais. Para mim, é revigorante.»

    Steinke não tinha ilusões de que Trump fosse «completamente limpo – ninguém é.» E achava que algumas das coisas que Trump dizia eram «um bocado extremas» e que nem sempre ele conseguia «amaciá ‑las como queria». Mas Steinke gostava de ouvir Trump a falar duramente sobre lidar com os líderes estrangeiros, porque a América não precisava de vencer tudo, mas precisava de ser «um pouco mais impositiva, de dizer que precisa de ser o líder». «Não vamos andar a pedir desculpa por ser‑mos americanos. E é isso que parece: como se fôssemos uns pais incom‑petentes, sem qualquer consequência a nível do globo.» «Trump», disse Steinke, «sabe negociar: uma mão lava a outra e as duas lavam a cara. Por isso, acho que, embora muita da sua retórica seja só fachada, quando ele está por trás de portas fechadas ele quer negociar.»

    Neste dia, Trump inventou uma nova tirada sobre Hillary Clinton e sobre a falhada que ela era, por ter sido «penetrada» por Barack Obama nas primárias de 2008. Trump criticou Clinton pela sua utilização da casa de banho a meio do último debate de candidatos democratas, afirmando: «Foi nojento, não quero falar sobre isso.» Explicou que já se tinha dado bem com ela, no seu «emprego anterior»: «Quando alguém te dá cinco milhões de dólares, sabes como é… sentes ‑te de alguma forma obrigado.» Agora, no entanto, ele não ia receber grandes donativos, ia financiar a sua própria campanha: «E é muito difícil para mim dizer não, porque recebi toda a minha vida. Recebo dinheiro, adoro dinheiro, recebo dinheiro. Agora, estou a dizer a estas pessoas que não quero o seu dinheiro. Porque sei o que acontece.»

    E as pessoas aplaudiram, ainda mais alto, porque ele estava a dizer aquilo que elas têm andado a dizer, ele estava a admitir aquilo que os políticos de mão estendida e boca cheia de trivialidades nunca admiti‑riam. Ele disse ‑o: «A verdade é que o Sonho Americano está morto.» As pessoas aplaudiram, não por serem pessimistas ou cínicas, mas por estarem a sofrer e por terem sido traídas e, por fim, alguém admitir isso.

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    Trump terminou com uma promessa, uma bem grande, uma em que as pessoas escolheram acreditar: que o Sonho Americano estava morto, mas que não tinha desaparecido. «Vou torná ‑lo maior, melhor e mais forte do que nunca. Do que nunca. Maior e melhor, e mais forte.»

     Tinham agora passado mais três meses, era Março de 2016, um belo

    dia de Primavera em Washington, e Trump tinha obtido vitória atrás de vitória e estava a caminho da nomeação presidencial, com todos os adver‑sários eliminados, excepto dois. Os líderes do partido estavam a realizar reuniões secretas para decidir como poderiam virar a convenção de Verão contra Trump e os mesmos eruditos que o tinham menosprezado um ano antes andavam a dizer que a sua nomeação parecia inevitável. Ainda realizava vários comícios por semana e aparecia em programas de rádio e de televisão todos os dias, misturando as habituais promessas de recuperação e de grandeza com novas tiradas politicamente incorrectas. Quando as mulheres faziam abortos, «tinha de haver algum tipo de cas‑tigo», disse um dia, e voltou atrás algumas horas depois. Agora tinha suficiente confiança na vitória para dizer que achava que se o partido lhe negasse a nomeação, «haveria motins». Tinha confiança suficiente para decidir que estava na altura de começar a mostrar a mudança que ele disse que faria assim que a dura campanha das primárias acabasse. Provaria, rápida e facilmente, disse ele, que conseguia ser «muito presi‑dencial».

    E foi assim que Trump começou a usar uma gravata mais conserva‑dora, azul ‑escura, mais discreta do que a vermelha berrante que ele pri‑vilegiava para os comícios. No conselho editorial do The Washington Post, a sua voz estava mais calma e mais suave também. A sua retórica estava atenuada – elogiou, inclusive, um dos jornalistas políticos do jornal (embora Trump também ressalvasse que tinha sido «muito, muito mal‑tratado pelo The Washington Post») e até teceu elogios à agência federal que controla o edifício de DC, ao lado das finanças, que Trump estava a converter num hotel. Trump tinha aceitado que a entrevista de uma hora fosse toda on the record – uma quebra no costume de os conselhos editoriais manterem as suas conversas com os candidatos privadas, para maximizarem a discussão franca e decidirem quem o jornal vai apoiar.

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    No caso de Trump, ninguém na direcção fingia haver hipótese de o Post, com a sua tradicional postura editorial democrata, considerar apoiar um candidato criticado nos editoriais com uma linguagem mais forte do que o habitual, apelidando ‑o de ameaça à democracia norte ‑americana. Portanto, o único valor da entrevista era o de tentar que os editores e os colunistas pressionassem Trump sobre as suas afirmações mais extremas e testar se ele realmente percebia dos assuntos.

    Os membros do conselho editorial tinham discutido antes a estratégia, para verificar o domínio de Trump sobre as difíceis questões de política externa e para o confrontar com as razões por que escolhia ser tão infla‑matório. Estava na altura do espectáculo. Trump entrou e estendeu a mão – mole, com uma pele surpreendentemente áspera – a cada editor. Isto era perfeitamente normal para a maioria dos visitantes, mas algo novo para Trump, que passava a maior parte do seu tempo a evitar apertos de mão porque, como ele dizia: «Os tipos entram, estão constipados, apertamos ‑lhes a mão, ficamos constipados.» (Tornar ‑se candidato exigiu uma mudança, disse, porque as pessoas esperam um aperto de mão: «Sabem, é muito mal ‑educado se alguém quer apertar ‑lhe a mão e você não aperta, por isso, aperto. Lavo as mãos o máximo que posso […] e não é um insulto a ninguém, é um facto: ficamos com germes nas mãos e constipamo ‑nos.»16) No Post, o tom de Trump manteve ‑se constante e as frases foram ‑se tornando mais longas e mais complexas do que nos debates e nas aparições na televisão. Mas não se deixou pressionar. Os interrogadores tentaram seis vezes que ele falasse sobre se a polícia trata de forma mais severa os negros do que os brancos.

    – Sabem, sou um grande defensor da aplicação da lei – respondeu Trump. – A aplicação da lei tem de desempenhar um papel importante.

    Questionado de novo sobre se acreditava que havia disparidades raciais na aplicação da lei, Trump respondeu: «Já li sobre sítios onde há e já li sobre sítios onde não há. Quero dizer, li sobre ambos. E, sabem, não tenho opinião sobre isso.»

    A conversa virou ‑se para os comentários incendiários frequentes de Trump nos comícios, insistindo os seguranças a expulsar manifestantes e ordens como: «Dêem ‑lhe uma tareia.» Tais comentários não são um incitamento à violência?

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    – Não, porque aquilo a que me refiro é isto: entraram algumas pessoas muito más. Tivemos um tipo […] e ele tinha uma voz. […] E eu disse: «Bolas, gostava de lhe bater.» Disse isso. Gostava de lhe dar um murro. Este tipo fazia muito barulho. Tinha uma voz como o Pavarotti. Disse que se fosse agente dele lhe teria dado muito dinheiro a ganhar, porque tinha uma voz óptima. Quero dizer, o tipo era inacreditável, a potência da voz dele.

    As notícias que saíram da reunião eram sobre Trump dizer que talvez os Estados Unidos não precisassem de colocar tanto dinheiro na NATO, o coração da aliança de segurança euroamericana desde a Guerra Fria – o tipo de declaração que poderia ganhar aplausos num comício, mas que causava choque e sensação de ridículo nos corredores de Washington. Será que Trump estava apenas a agitar as águas? Estaria a brincar com os especialistas políticos que se levam muito a sério? Ou tinha mesmo uma posição informada e pensada?

    – A NATO foi montada quando éramos um país rico – disse Trump. – Não somos um país rico. Estamos a pedir emprestado, estamos a pedir todo este dinheiro emprestado.

    – Mas sabe – disse Charles Lane, colunista do jornal – que a Coreia do Sul e o Japão pagam metade dos custos administrativos de manter os militares norte ‑americanos nesses países, certo?

    – Cinquenta por cento? – perguntou Trump.– Sim – confirmou Lane.– Por que não cem por cento?Trump nunca soou zangado durante a reunião. A cara não ficou ver‑

    melha como acontecia nos momentos acalorados dos comícios. Os edi‑tores que queriam, sobretudo, perceber quanto da postura de Trump na campanha era um personagem e quanto era verdadeiro veneno, concluí‑ram que tinham visto o verdadeiro Trump – um homem convicto das suas opiniões, muito confiante nas suas capacidades, não muito bem informado, rápido a atacar e verdadeiramente perplexo pelas suspeitas de ter outros motivos além de tornar a América grande outra vez.

    Algumas semanas mais tarde, Trump contrataria um novo responsá‑vel pela estratégia da campanha, um lobista com experiência de Washing‑ton, chamado Paul Manafort, que depressa assegurou ao Comité Nacional Republicano que Trump só estava a desempenhar um papel

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    durante a campanha. «O papel que ele tem estado a desempenhar está agora a evoluir para o papel que vocês têm estado à espera»17, disse Mana‑fort. Mas nem o próprio Trump acreditou nessa afirmação, nem os mem‑bros do conselho editorial do Post. De forma estranha, o momento menos presidencial da visita convenceu alguns dos editores do Post de que Trump não estava a representar para eles. Fred Hiatt, o editor da secção de opi‑nião, tinha de perguntar como um candidato a presidente justificava ter ido a um debate televisivo nacional falar sobre o tamanho do seu pénis.

    – É inteligente e frequentou uma boa escola – disse o editor. – No entanto, estava lá a falar das suas mãos e do tamanho das suas partes privadas.

    – Não – disse Trump. Marco Rubio tinha levantado a questão do tamanho das mãos de Trump. – Ele é que começou.

    – Optou por entrar no jogo – disse a colunista Ruth Marcus.– Não, escolhi responder. – Trump espetou o queixo. – Não tive escolha.– Escolheu responder durante um debate – insistiu Marcus. – Pode

    explicar por que não tinha escolha?– Não quero que as pessoas andem por aí a pensar que eu tenho um

    problema.Ele é que começou. Como um insulto de recreio. E Trump tinha rea‑

    gido. Não tinha escolha. Nunca foi de desistir das batalhas, não enquanto miúdo na escola militar e de certeza que não no palco nacional. Portanto, sim, era um lutador e um vencedor, diria a qualquer pessoa que pergun‑tasse. Mas também era leal, respeitoso e cavalheiresco.

    À saída da reunião, Trump parou para apertar a mão a um dos edi‑tores, Karen Attiach, que lhe tinha perguntado sobre a sua retórica frac‑turante e o seu impacte num país que se está a tornar cada vez mais castanho e negro. «Espero mesmo ter respondido à sua pergunta», disse Trump. Depois sorriu, fixou Attiah e acrescentou: «Linda.» Não estava a falar da pergunta dela.

    Attiah não respondeu. Surpreendida por um candidato a presidente comentar a sua aparência, não ficou zangada, apenas «atordoada», disse ela. «Ele tinha sido charmoso, carismático, não cauteloso ou relutante. Pensei naquilo que ele disse e lembrei ‑me de que este é o tipo dos con‑cursos de misses, que exibe a mulher e a filha por aí, que disse que se ela

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    não fosse sua filha poderia namorar com ela18. Bom, e concluí que tivemos a experiência Trump completa.»

    A alguns quarteirões, no pavilhão desportivo onde os Washington Wizards e os Washington Capitals jogam, milhares de activistas judeus estavam reunidos para ouvir o muito aguardado discurso de Trump à AIPAC, sobre a sua abordagem ao impasse israelo ‑palestiniano. Dúzias de rabis e outros elementos tinham anunciado ter planos para boicotar o evento19, tanto por causa de Trump ter defendido ser «neutral» nas con‑versações entre Israel e a Palestina como por Trump ter afirmado desejar banir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, o que soou a muitos judeus como um assustador eco das políticas que os próprios pais e avós tinham enfrentado na Europa. Mesmo apesar de a filha de Trump, Ivanka, estar casada com um judeu ortodoxo e se ter convertido ao judaísmo, o candidato tinha alienado muitos judeus com comentários numa reunião da Republican Jewish Coalition, em que disse que poderia não ganhar o apoio de muitas pessoas na sala porque não queria o dinheiro deles. Trump disse que estava mais bem posicionado para obter um acordo de paz no Médio Oriente por ser um negociador, «como vocês»20.

    Portanto, Trump tinha algum trabalho de reparação a fazer. Não cor‑reu nenhum risco. Embora tivesse dito que os telepontos deviam ser banidos da campanha, usou um, com os olhos a saltar de um ecrã para o outro. Desta vez, estava completamente do lado de Israel. Insurgiu ‑se contra a diabolização que os palestinianos fazem dos judeus. Recordou à multidão que tinha emprestado o seu jacto particular ao mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani, quando este visitou Israel semanas após os ataques do 11 de Setembro, e que tinha sido figura de destaque no Israel Parade, em Nova Iorque, em 2004, a propósito da violência na Faixa de Gaza. Trump garantiu que toda a gente notava que Ivanka estava prestes a dar à luz um «lindo bebé judeu»21.

    Mas antes de o discurso de Trump ter recebido múltiplas ovações de pé, no início das suas afirmações, a seis filas do palco, um rabi vestido com um xaile de oração levantou ‑se e gritou, num protesto solitário: «Este homem é perverso. Inspira racistas e fanáticos. Encoraja a violência. Não o oiçam.» O rabi Shmuel Herzfeld, que lidera uma congregação ortodoxa em Washington, não foi tomado por uma emoção momentânea. Tinha

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    andado a lutar com esta decisão durante vários dias. Consultou o seu pró‑prio rabi mentor, o advogado e a mulher e os sete filhos. Disse aos filhos que se sentia na obrigação de dizer alguma coisa, de dizer: «Sabemos quem tu és, conhecemos as tuas intenções.» Os filhos pediram ‑lhe para não avançar com os protestos porque poderia magoar ‑se, mas Herzfeld concluiu não ter escolha. Sabia que ia perder membros da sinagoga (e perdeu). Sabia que ia ser acusado de tomar uma posição política imprópria (e foi). Mas tinha concluído que Trump representava «uma ameaça existencial para o país». «Nunca vi este tipo de figura política durante a minha vida. Não tem vergonha de inspirar a violência. Usou linguagem vil sobre pessoas de outros países. Abriu um espaço para a fealdade sair das sombras.»

    Herzfeld foi, de imediato, retirado do pavilhão e Trump continuou a falar sem incidentes. Mas no dia seguinte, a presidente da AIPAC, a refrear as lágrimas, pediu desculpa pelo discurso de Trump, dizendo que tinha violado as regras do grupo sobre os ataques pessoais. Trump tinha sido anormalmente contido na linguagem, mas tinha chamado ao pre‑sidente Obama «talvez a pior coisa que aconteceu a Israel», e tinha acres‑centado um «Boa!»22 à parte em que dizia que Obama estava no seu último ano na Casa Branca. Podia aparecer num cenário presidencial, mas ainda era Trump a ser Trump.

    Na realidade, a única vez, naquele dia, em que Trump pareceu e soou como o bilionário directo que tinha sido durante os comícios – por vezes brincalhão, outras zangado, apaixonado ou persuasivo – foi num evento completamente diferente, uma venda no velho edifício dos correios, na Pennsylvania Avenue, que estava a transformar rapidamente no Trump International Hotel. Uma hora antes de Trump ter de aparecer, a fila para as acreditações da imprensa, para cobrir o evento, dava a volta ao quar‑teirão. Apareceram umas duas centenas de jornalistas e apenas talvez uma mão ‑cheia deles tinha algum tipo de interesse na transformação do edifício federal do século xix num hotel de luxo a cinco quarteirões da Casa Branca. O isco era uma oportunidade para colocar questões a Trump.

    O ressoar de martelos no aço e de ferramentas ouviu ‑se até Trump aparecer. Nessa altura, os homens de capacete e macacão cor de laranja desapareceram, deixando apenas uma música suave de piano, uma enorme diferença das músicas agressivas e aceleradoras da pulsação que

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    Trump passava nos comícios. A caravana de Trump chegou, com dois jipes pretos reluzentes, precedidos por quatro carros da polícia de DC e vários polícias motorizados. Trump – seguido por mais de uma dúzia de assistentes vestidos de escuro, um homem corpulento com uma jaleca de chef, dois trabalhadores da construção civil e muitos executivos do hotel – entrou no átrio sobre um trilho de contraplacado e instalou ‑se à frente de duas bandeiras norte ‑americanas. O hotel, prometeu, seria «incrível, com belos mármores de várias partes do mundo»: «Acho que é uma coisa óptima para o país, é uma coisa óptima para Washington.»

    Durante 40 minutos, os jornalistas atingiram Trump com perguntas e nenhuma sobre o projecto dos antigos correios. Queriam falar, em vez disso, sobre a contagem de delegados, a política no Médio Oriente, a NATO e a violência nos comícios de Trump. Trump respondeu a toda a gente e depois perguntou se alguém queria ver o enorme, enorme, salão de baile. Um grupo vibrante de jornalistas e de repórteres de imagem, uma massa carregada de microfones e de câmaras, espremeu ‑se através da entrada, rodeando Trump como amebas. Trump pareceu não reparar. Parou, perscrutou o revivalismo romanesco do exterior do edifício e apontou: «Aquela janela é de 1880. É difícil de acreditar, não é? É um vidro especial. Tem uma espécie de pátina.»23 Não eram os materiais de construção que esta multidão tinha vindo ver, mas era daquilo que ele sabia. Era aqui que ele vivia. O resto – os ajuntamentos, as pessoas a entoa‑rem o seu nome, as políticas do país a ficarem às avessas – era tudo novo e excitante, e perturbador também. Trump era agora o principal candidato à nomeação e, para o que se seguia, algumas pessoas disseram ‑lhe que tinha de ser presidencial; ele, no entanto, sabia que ia ser aquilo que sem‑pre fora.

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