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PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ACÓRDÃO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA REGISTRADO(A) SOB N° "02936509* Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL n° 99009082258/9 (Processo 298/2005) da 2 a Vara Criminal da Comarca de SANTOS, em que é apelante/apelado EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL ELIAS, sendo apelado/apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO: ACORDAM, em Sessão Ordinária da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por votação unâ- nime, proferir a seguinte decisão: rejeitaram a preliminar arguida e, deram provimento ao recurso da Justiça Pública para fixar o regime inicia semiaberto para cumprimento da expiação, cassando-se a substituição infligida, e, paralela- mente, negaram provimento ao recurso defensivo. Expeça- se mandado de prisão, oportunamente, de conformidade com o voto do Relator, que fica fazendo parte do presente julgado. O julgamento teve a participação dos Srs. Desembargadores Salles Abreu (Revisor) e Willian Campos, com votos vencedores. São Paulo, 23 de março de EUVALDO Relator e Presidente

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Page 1: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo JÚLIO FABBRINI MIRABETE na obra "Código de Proces

PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

ACÓRDÃO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA

REGISTRADO(A) SOB N°

"02936509*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

APELAÇÃO CRIMINAL n° 99009082258/9 (Processo n°

298/2005) da 2 a Vara Criminal da Comarca de SANTOS, em

que é apelante/apelado EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL

ELIAS, sendo apelado/apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO:

ACORDAM, em Sessão Ordinária da Quarta

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por votação unâ­

nime, proferir a seguinte decisão: rejeitaram a preliminar

arguida e, deram provimento ao recurso da Justiça Pública

para fixar o regime inicia semiaberto para cumprimento da

expiação, cassando-se a substituição infligida, e, paralela­

mente, negaram provimento ao recurso defensivo. Expeça-

se mandado de prisão, oportunamente, de conformidade

com o voto do Relator, que fica fazendo parte do presente

julgado.

O julgamento teve a participação dos Srs.

Desembargadores Salles Abreu (Revisor) e Willian Campos,

com votos vencedores.

São Paulo, 23 de março de

EUVALDO

Relator e Presidente

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APELAÇÃO CRIMINAL n° 99009082258 /9 Comarca: SANTOS - (Processo n° 298/2005) Juízo de Origem: 2 a Vara Criminal Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Apelante/Apelado- EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL ELIAS Apelado/Apelante: o MINISTÉRIO PUBLICO

Relator

VOTO DO RELATOR

EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL ELIAS foi con­

denado pelo r. Juízo da 2 a Vara Criminal da Comarca de SAN­

TOS, nos autos do Processo n° 298/2005, como incurso no ar­

tigo 168, § Io , inciso III, c.c. o art. 71 , "caput", ambos do Código

Penal, às penas de 05 (cinco) anos, 03 (três) meses e 16 (dezes­

seis) dias de reclusão, em regime aberto, sob as condições de

permanecer diariamente em sua residência das 20h às 6h do

dia seguinte, inclusive em finais de semana e feriados; não se

ausentar da região da Baixada Santista, salvo se a trabalho,

sem autorização judicial; e a comparecer mensalmente em Juí­

zo, para informar e justificar suas atividades; bem como ao pa­

gamento de 76 (setenta e seis) dias multa, fixados no valor indi­

vidual de dois salários mínimos. Condenado, ainda, ao paga­

mento à vítima da quantia de R$ 20.642,97, com correção mo­

netária e juros de mora a contar de 18 /11 /04 , a título de valor

mínimo da reparação de danos; facultado o apelo em liberdade

(fls. 672/685).

O apelante foi processado porque se apropriou,

indevidamente, de bens e dinheiro, no valor total de R$

135.932,47 (cento e trinta e cinco mil, novecentos e trinta e dois

reais e quarenta e sete centavos), pertencentes a Manoel Messi-

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as Santos, atualmente com 71 anos de idade.

O inconformismo é bilateral.

De um lado, apela o Ministério Público para

que a reprimenda venha a ser cumprida no regime intermediá­

rio (fls. 695/699) e, de outra banda, recorre o réu, em verdadei­

ro trabalho de fôlego (fls. 730/772) argüindo preliminar de nuli-

dade porque não observada a nova ordem procedimental (Lei n°

11.719/08). No mérito, aduz que o conjunto probatório é insufi­

ciente para embasar o édito expiatório, sustentando, subsidiari-

amente, que a exasperadora está reconhecida de forma equivo­

cada, afastamento do "bis in idem" no tocante à circunstância

semelhante que serviu para altear a base e reconhecer a agra­

vante e, ainda, a redução da reprimenda.

Contrariados os recursos (fls. 710/720 e

775/780), a douta Procuradora de Justiça, Dra. Iurica Tanio

Okumura, opina pelo deferimento de preliminar, para julgamen­

to prioritário, por se tratar de vítima maior de 70 anos e, no mé­

rito, pelo improvimento do apelo defensivo (fls. 783/798).

É o relatório.

Analisa-se, inicialmente, a questão prejudicial

arguida que envolve o tema da aplicação da lei processual pe­

nal no tempo.

Com efeito, o réu foi interrogado em 2007,

sendo respeitado o rito processual da época. Com a reforma de

2008, o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instru­

ção (art. 400, CPP), sendo, doravante, o derradeiro, mas tal

circunstância trazida à baila pela reforma não tem o condão de

autorizar novo interrogatório em face da exegese do art. 2o, do

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Estatuto de Ritos. O ato processual, na espécie, era perfeito e

acabado, inexistindo motivo concreto para a sua renovação.

Ademais, inexiste prova de prejuízo, mormente porque inexis-

tiu confissão, de sorte que mácula processual não se presume;

é provada e tal, com a devida vênia, não existe.

A este teor confira-se a lição do saudoso Pro­

fessor JÚLIO FABBRINI MIRABETE na obra "Código de Proces­

so Penal Interpretado", Atlas, 2003, 11 a edição, p. 80, ensina­

mento que se coaduna com a lição do Supremo Tribunal Fe­

deral (Informativo n° 419; HC n° 87.656, Rei. Min. SEPULVE-

DA PERTENCE).

Em suma: "tempus regit actum".

É fato que a sentença veio a ser prolatada me­

ses após a entrada em vigor da Lei n° 11.719/08. Todavia, o

patrono do réu, por ocasião da oferta de suas derradeiras ale­

gações (fls. 631/660), época em que novel norma estava em vi­

gência, não formulou pedido de renovação do interrogatório.

Então, aplica-se o dispositivo precitado (art. 2o, CPP), em cote­

jo com o art. 565, do Código de Processo Penal, porque inerte a

Defesa no momento oportuno, para se indeferir a preliminar

argüida. Ademais, como é cediço, declaração de nulidade re-

questa apontamento do efetivo prejuízo, coisa que não se su­

cede na hipótese vertente.

Analisa-se o mérito do recurso defensivo.

A vítima setuagenária contratou advogado pa­

ra patrocinar seus interesses em processo crime. Entabulou-se

verba honorária de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e, mais

dois salários mínimos ao mês para serviços gerais (fls. 37,

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385 /386 e 309). Destarte, outorgou-se Procuração não só para

defesa n a esfera criminal, mas também para venda e locação

de imóveis, abertura de conta, movimentação bancária e en­

cerramento de contas em agências bancárias (fls. 34/36).

Vê-se, pois, que a procuração outorgada, em

princípio, usurpou o fim colunado na contratação da prestação

de serviço. E tal razão pode ser aferida com o resultado do pro­

cesso crime: a vítima foi absolvida impropriamente, sendo de­

terminada internação em Hospital Psiquiátrico (fls. 124/128),

lá tendo permanecido até 2005 (fls. 200/204).

Pois bem.

Durante o período em que Manoel estava pre­

so (a segregação ocorreu em janeiro de 1996), o apelante:

a) vendeu o apartamento da vítima na cidade

de Santos (fls. 229, 237/238 , 266 e 288);

b) vendeu a casa da vítima em São Vicente (fls.

246, 247 e 289);

c) e, por fim, recebeu aposentadoria da vítima

por quase u m a década (fls. 369 /377 e 384/386).

De doer na retina!

A incauta vítima, iletrada, que cursou escola

somente até o primário, pessoa de idade avançada e portadora

de problemas psíquicos (fls. 37, 88 e 202), veio a perder a pe­

quena fortuna que reuniu ao longo de u m a vida inteira. A ex-

culpa do réu (fls. 411/413) faz corar de vergonha até mesmo

u m a es ta tua de pedra. Diz que vendeu os imóveis (declara va­

lor inferior ao efetivamente comercializado) e movimentou a

conta bancária da vítima por muitos anos apenas para receber

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seus honorários e dos seus sócios. Mas não declina os valores

com exatidão. E mais: diz que até os dias atuais patrocina in­

teresses da vítima junto à Vara das Execuções Penais e que

Manoel jamais exigiu qualquer prestação das contas, sendo

tudo a ele informado de forma verbal.

Como se fosse possível a tuar assim patroci­

nando interesse de mentalmente enfermo sem cometer delito.

Ora, um advogado experiente, mestre em direito, professor (fls.

400, 410, 586/587, 590, 730), jamais poderia adotar tal com­

portamento. Nunca, nem em pensamento, poderia vender imó­

vel ou movimentar conta corrente de cliente preso e portador

de enfermidade mental, máxime se não veio e não prova que

teria sido contratado para isto. O contrato de honorários en­

cartado não lhe faculta tal conduta. E, destarte, agiu com dolo.

Quando muito, após prestar contas ao cliente, desde que não

fosse enfermo mentalmente, poderia, em tese, exercer direito à

retenção de valores até ser reembolsado (art. 1315, do Código

Civil vigente ao tempo do crime). Nunca, porém, a tuar como de

fato a tuou na espécie.

É exato que o apelante comprovou alguns

poucos pagamentos efetuados (fls. 4 6 / 4 7 , 48/49 , 51 /52 , 419,

420 /421 e 600/603), mas estes gastos são ínfimos, mínimos

perto do montante apossado indevidamente com a venda de

dois imóveis e mais 08 (oito) anos de aposentadoria.

Outro ponto há que ser destacado para com­

provar o dolo do réu: antes da venda dos imóveis j á sabia da

anomalia mental de Manoel (fls. 103/106), tanto que susten­

tou no Juízo Criminal que seu cliente era portador de doença

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mental, o que veio a ser confirmado por perícia (fls. 108,

124/128, 323 /327 e 321), e, mesmo assim, alienou dois imó­

veis e se apoderou de vultoso dinheiro da vítima, provavelmen­

te porque, à luz das máximas da experiência, acreditava na

impunidade e no fato de que parentes da vítima não mais

mant inham contato com ele há muito tempo porque a eles ti­

n h a dito que Manoel t inha falecido (fls. 220 e 510). Em suma,

sabia do quadro e se valeu do estado mental enfermo da vítima

para se locupletar em razão do ofício.

Diante desse quadro probatório, está provada

a inversão da posse e o dolo do agente. A decisão hostilizada

há, de fato, que ser mantida porque, como se tem decidido em

reiterados arestos, não se exige prova inconcussa da autoria

para o édito expiatório. Este vocábulo, indubitavelmente, é u-

tópico quando se busca a verdade dos fatos. O absoluto grau

de certeza pelo julgador é meta inatingível, vez que este concei­

to é incompatível com as limitações inerentes à natureza hu­

mana. Nesse contexto, para acolhimento da pretensão deduzi­

da pelo Ministério Público na peça matriz basta que a prova

recolhida, ainda que não conducente à certeza plena, autorize

a formação de juízo de valor em desfavor do réu e, paralela­

mente, afaste a dúvida razoável.

A diferença é sutil, porém significativa, valen­

do assentar que inexiste hierarquia entre os meios de prova e

nosso ordenamento consagra a validade da prova indiciaria

(art. 239, CPP), de sorte que suficiente o afastamento da dúvi­

da para lançamento de édito expiatório. Basta existência da

certeza possível (beyond any reasonable doubt). Vale dizer: a-

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fastada a dúvida razoável e sendo possível pelo destinatário da

prova à luz do contraditório a formulação de juízo de valor em

desfavor do réu, válida a expiação. E este entendimento aqui

esposado encontra respaldo em reiterados arestos, muitos de­

les sustentando que indícios são suficientes para embasar

sentença condenatória, notadamente quando afastam uma hi­

pótese favorável ao acusado. Nesse sentido, de se conferir RT

722 /462 .

De se acrescentar, porque oportuno, que a

doutrina e a jurisprudência convergem no ensinamento de que

para chegar-se à autoria, pode o Magistrado recorrer ao entro-

samento de vários elementos de convicção carreados para os

autos. Nesse sentido, vale a pena conferir, mais u m a vez, a li­

ção do mestre ADALBERTO CAMARGO ARANHA, em sua obra

Prova no Processo Penal, 3 a ed., Saraiva, 1994, XVIII, p. 195, e

ainda, o julgado inserto na RT 7 2 9 / 5 8 3 . Em síntese, é de se

anotar que a prova indiciaria, que vem consagrada no art. 239,

do Código de Processo Penal, autoriza ilação em desfavor do

réu, na medida em que há indícios em seu desfavor. Vale lem­

brar que "a autoria do delito evidenciada por depoimentos de

testemunhas de 'visu', seguros e coerentes, não se queda, no

sistema do livre convencimento, diante de simples e obstinada

negativa dos agentes" (RT 710/325).

Ademais, não pode olvidar para o fato de que a

falta de verossimilhança da exculpa do réu constitui forte indí­

cio de sua culpabilidade e é indicativo de que está mentindo.

Nesse sentido, confira-se a lição de MARIA THEREZA ROCHA

DE ASSIS MOURA, in A Prova por Indícios no Processo Penal, I a

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ed., Saraiva, 1994, p. 75. Também não se pode negar a valida­

de da prova indiciaria, cujo valor é idêntico à direta, posto que

reconhecida pelo sistema do livre convencimento adotado pelo

Código de Processo Penal. Esta a lição de JOSÉ FREDERICO

MARQUES in Elementos de Direito Processual Penal, I a ed., Fo­

rense, 1961, II, n° 525, p. 378.

Vê-se, portanto, que o acusado descumpriu

ônus assumido, apoderando-se de bens que lhe foram confia­

dos. E, não se pode olvidar, "consuma-se o crime de apropriação

indébita no momento em que o agente inverte o título da posse,

passando a agir como dono, recusando-se a devolver a coisa ou

praticando algum ato externo típico de domínio, com ânimo de

apropriar-se da coisa" (RT 675/415) . No mesmo sentido: RT

6 7 9 / 4 1 1 , 708 /322 e 726/679.

Esse entendimento é amplamente albergado

pela doutrina, valendo conferir: NELSON HUNGRIA, Comentá­

rios ao Código Penal, 3 a ed., Forense, 1967, n° 65, p. 143; ED-

GARD MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal, 26 a ed., Sarai­

va, II, n° 556, p. 336; JÚLIO FABBRINI MIRABETE, Manual de

Direito Penal, 6 a ed., Atlas, 1991, II, p. 259; DAMÁSIO E. DE

JESUS, Direito Penal, 18a ed., Saraiva, 1996, II, p. 364.

Ora, não é crível que ignorasse irregularidade

da sua conduta. Também não comprovou que tivesse anuência

para vender os objetos ou movimentar conta bancaria. Nesse

contexto, inequívoco que inverteu a posse com ânimo de asse-

nhoramento. E, tratando do delito de apropriação indébita em

que o elemento subjetivo corresponde a uma subjetiva mani­

festação de vontade de inverter o título de mera detenção em

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domínio, a demonstração do dolo é feita, de regra, através de

elementos indiretos de convencimento, mas harmônicos e con­

vergentes. Em suma, o fato é típico, e, também, antijurídico,

restando imperiosa a condenação, na medida em que sobeja­

mente demonstrado o "animus rem sibi hábendi", configurador

da infração penal, patenteada com a quebra de confiança e a

inversão da posse do dinheiro.

O relato encartado às fls. 588/589 o inculpa

de forma irretorquível. Pretendia o honorário perpétuo (fls.

206/217). E mais: celebrou contrato com vítima doente men­

tal, sabendo do discernimento comprometido, com o propósito

de manter remuneração eterna, sob pretexto de acompanhar a

execução da pena e cuidar da "parte administrativa". Em suma,

a tese de que a vítima t inha conhecimento e consciência do

negócio jurídico não merece credibilidade. E a prova oral reco­

lhida é ampla em desfavor do apelante (fls. 503/514, 531/537

e 569/571).

De se anotar, porque oportuno, que o estado

mental combalido da vítima é patente, não só pela prova técni­

ca, como também pelo fato de acreditar que o réu, até hoje, pa­

trocina seus interesses apenas no processo crime. E que ou­

torgou procuração apenas para sua defesa nestes autos. Em

suma, nunca recebeu prestação de conta do instrumento de

mandato outorgado com poderes maiores que o assentido. E a

atitude criminosa do réu é alertada pela assistente social Ma­

ria Conceição (fls. 503 e seguintes). Contou também que o ad­

vogado nunca pagou despesas de Manoel, sendo que nas opor­

tunidades em que houve necessidade de intervenção cirúrgica

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no cárcere, o procedimento ocorreu pelo SUS. Conta que o réu

nunca prestou assistência à vítima, como pretende fazer crer.

E mais: parentes da vítima contaram à funcionária do Hospital

que o ora apelante t inha informado que Manoel t inha falecido

(fls. 510/512).

É muito triste !!!

Marisa, a outra assistente social ouvida sob o

crivo do contraditório, contou que no Hospital de Custódia e

Tratamento em que o réu estava internado, jamais houve uma

única visita do réu. E dá integral cobro aos dizeres da colega

de profissão, narrando que familiares de Manoel se assusta­

ram com a notícia de que estava vivo porque Eduardo tinha

anunciado a todos em Santos que ele era morto. E mais: con­

tou que o réu apenas apresentou o cartão da conta bancária

da vítima após os fatos terem sido levados ao conhecimento da

Assessoria Jurídica do Nosocômio. Por fim, acrescentou que a

vítima doente mental dizia, a todo instante na internação, que

o réu era contratado para defendê-lo (fls. 535), mas não vinha

visitá-lo.

As tes temunhas de defesa (fls. 584/587) são

apenas de antecedentes, de sorte que nada de relevante revela­

ram à instrução. E, nesse contexto, se advogado recebe quan­

tias indevidas de seus clientes, sujeitado está às penas do deli­

to em questão.

A agravante do art. 61 , inciso II, letra "h", é ir­

refutável porque o delito veio a ser perpetrado contra idoso. A

pena está dosada com critério. Com efeito, a base está alteada

de forma justificada com olhos voltados para o art. 59, do Có-

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digo Penal. Ora, dentre os inúmeros bens materiais, há que le­

var em conta, na fixação da pena para os crimes contra o pa­

trimônio, o objeto subtraído. Por óbvio advogado que se propõe

a surrupiar o montante apossado, importe que, de fato, repre­

senta a economia de u m a vida inteira e causar o prejuízo su­

portado pela vítima idosa e com anomalia mental, tem repro­

vação mais acentuada do aquele réu que se apropria de pe­

quenos valores - um cheque de pequeno valor - em razão da

profissão. Logo, há que ser apenado de maneira mais severa,

sob pena de se fazer letra morta o mandamento da Constitui­

ção Federal (art. 5o , XLVI).

Nosso Código Penal, e suas reprimendas, re­

montam à primeira metade do século passado, época muito di­

ferente dos caóticos dias atuais e de criminalidade exacerbada.

Destarte, o Juiz, destinatário da prova, precisa adequar-se à

realidade no momento da fixação da pena. É homem de tempo

e, como tal, teve estar inteirado daquilo que se sucede no meio

social, dos problemas sociais e da importância de suas deci­

sões para combater a violência, tentando, no seu mister, trazer

à tona a credibilidade no Judiciário, tantas vezes injustamente

criticado. E um advogado renomado no seu meio social que

vem a delinqüir desta forma merece, com a devida vênia, san­

ção exemplar, sob pena de, no seio da sociedade santista, dei­

xar no ar o mau cheiro da impunidade.

Nesse contexto, estribado em precedente do

Colendo Superior Tribunal de Justiça (HC n° 70232/DF, Rei.

Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 12.03.2007, p. 303), o

ajuste para o dobro na base é justificado, mormente porque o

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réu é advogado antigo, renomado, cobrador de vultosos hono­

rários por seus préstimos. Há ainda a incidência de circuns­

tância agravante e, paralelamente, de causa de aumento, de

sorte que o montante infligido não será alterado, não se po­

dendo falar em "bis in idem". E o acréscimo pela forma conti­

n u a d a no grau máximo é inarredável em razão do tempo em

que infração se protraiu no tempo. Não se altera, ainda, o valor

do dia multa porque, como frisado, trata-se de réu que era ad­

vogado em Santos, recebedor de polpudos honorários, com

amplas condições de arcar com o valor infligido: dois salários

mínimos. Para nosso desalento, esta se tornou u m a prática

corriqueira e contribui para péssima visão que a sociedade

vem adquirindo quanto aos operadores do direito e, principal­

mente, advogados.

De se anotar a notícia amplamente veiculada

em CAMPINAS no ano que se encerrou: "Os advogados Nelson

Leite Filho e Newton Brasil Leite foram condenados pelo MM. Ju­

iz Leonardo Pessorusso de Queiroz, da Ia Vara Federal de

Campinas, pela prática de crimes de apropriação indébita

combinados com o crime de patrocínio infiel, quando o advogado

trai a causa do cliente. Os réus poderão responder ao processo

em liberdade. Segundo a denúncia, oferecida em 2003, pelo

procurador da República Roberto Antônio Dassié Diana, os acu­

sados, após receberem, por meio de alvará de levantamento, os

valores devidos aos clientes, descontavam, dos pagamentos fei­

tos, quantias que variavam entre 40% a 50% das verbas. Em al­

guns casos, os advogados não repassaram integralmente os pa­

gamentos recebidos. Os réus se apropriaram de mais de R$

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300 mil. Nelson Leite Filho foi condenado à pena de 58 anos,

sete meses e dois dias de reclusão e a pagar uma multa

no valor de 25.300 dias-multa, fixado, cada dia-multa. New­

ton Brasil Leite foi condenado à pena de 50 anos, dois meses

e 20 dias de reclusão e apagar multa no valor de 21.212

dias-multa fixado. O valor de cada dia-multa foi fixado

em 1/20 de salário mínimo vigente à época dos fatos. O

Juiz só não aceitou o argumento do MPF de que as penas deve­

riam ser aumentadas, pois os crimes foram cometidos con­

tra idosos. Para o Juiz, o processo não trouxe prova inequívoca

da idade dos clientes lesados. O procurador da República Gilber­

to Guimarães Ferraz Júnior, atual responsável pelo caso, recor­

reu da sentença, com o objetivo de aumentar a pena fixa­

da. Para o MPF não foram considerados, na fixação da pena, os

antecedentes criminais dos acusados, que respondem a diversos

inquéritos policiais".

Casos como este é que envergonham - e muito

- a classe dos estudiosos e operadores da ciência do direito.

Em suma, houve inversão da posse de dinheiro das pensões e

alienação de bens imóveis com inversão da posse quanto ao

dinheiro arrecadado, de sorte que o apelante somente se apro­

priou destes valores porque captou a confiança do cliente idoso

e exerceu o mandato indevidamente, com ampliação de pode-

res e de forma dolosa para se locupletar, incidindo, destarte,

nas penas do fato típico. Do Tribunal de Justiça de Santa Ca­

tarina, colhe-se o idêntico precedente com a seguinte ementa:

"caracteriza o crime de apropriação indébita o ato do advogado

APELAÇÃO CRIMINAL N° 99009082258/9 VOTO N°13259 / dA --13/14

Page 15: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo JÚLIO FABBRINI MIRABETE na obra "Código de Proces

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

que, recebendo importância como procurador judicial de seu cli­

ente, passa a dispor de parte dela como sua" (Ap. Crim. n.

25.050, Rei. Des. NILTON MACEDO MACHADO). E, na hipóte­

se dos autos, restou comprovado o elemento subjetivo da a-

propriação, caracterizado pela vontade livre e consciente de se

apropriar.

De rigor, pois, a expiação lançada.

Analisa-se o recurso ministerial.

Em face do montante da pena infligida, não se

pode fixar o regime aberto. Destarte, com lastro no art. 33, §

2o , letra "b", do Código Penal, a pena há que ser cumprida no

regime intermediário. De se anotar, porque oportuno, que há

notícia de outro envolvimento criminal (fls. 628). E, por fim, a

substituição da pena privativa de liberdade é vedada em face

da exegese do art. 44, inciso I, do Código Penal. A reparação de

danos (art. 387, IV, CPP) fica mantida no importe firmado na

decisão hostilizada.

Diante do exposto, pelo meu voto, rejeita-se a

preliminar arguida e, dá-se provimento ao recurso da Just iça

Pública para fixar o regime inicia semiaberto para cumprimen­

to da expiação, cassando-se a substituição infligida, e, parale­

lamente, nega-se provimento ao recurso defensivo. Expeça-se

mandado de prisão, oportunamente. ^ ^ ^ 7 ^

/ C_^^TJ^ALIK) tíffiffi* ^

/ ^^ Relator

APELAÇÃO CRIMINAL N° 99009082258/9 VOTO N° 13259 14/14