trÊs ensaios sobre a estrutura espacial urbana em cidades do brasil contemporÂneo: economia urbana...

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO FREDERICO ROMAN RAMOS TRÊS ENSAIOS SOBRE A ESTRUTURA ESPACIAL URBANA EM CIDADES DO BRASIL CONTEMPORÂNEO: economia urbana e geoinformação na construção de novos olhares SÃO PAULO 2014

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Tese apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como requisito para obtenção do título de Doutor em Administração Pública e Governo.

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  • FUNDAO GETLIO VARGAS

    ESCOLA DE ADMINISTRAO DE EMPRESAS DE SO PAULO

    FREDERICO ROMAN RAMOS

    TRS ENSAIOS SOBRE A ESTRUTURA ESPACIAL URBANA EM

    CIDADES DO BRASIL CONTEMPORNEO:

    economia urbana e geoinformao na construo de novos olhares

    SO PAULO

    2014

  • FREDERICO ROMAN RAMOS

    TRS ENSAIOS SOBRE A ESTRUTURA ESPACIAL URBANA EM

    CIDADES DO BRASIL CONTEMPORNEO:

    economia urbana e geoinformao na construo de novos olhares

    Tese apresentada Escola de

    Administrao de Empresas de So

    Paulo da Fundao Getlio Vargas,

    como requisito para obteno do ttulo

    de Doutor em Administrao Pblica e

    Governo.

    Campo do conhecimento:

    Economia Urbana e Urbanismo

    Orientador: Prof. Dr. Ciro Biderman

    SO PAULO

    2014

  • Ramos, Frederico Roman. Trs ensaios sobre a estrutura espacial urbana em cidades do Brasil contemporneo: economia urbana e geoinformao na construo de novos olhares / Frederico Roman Ramos 2014. 177 f. Orientador: Ciro Biderman Tese (CDAPG) - Escola de Administrao de Empresas de So Paulo. 1. Economia urbana. 2. Segregao urbana. 3. Expanso territorial. 4. Concentrao urbana. I. Biderman, Ciro. II. Tese (CDAPG) - Escola de Administrao de Empresas de So Paulo. III. Ttulo.

    CDU 711

  • FREDERICO ROMAN RAMOS

    TRS ENSAIOS SOBRE A ESTRUTURA ESPACIAL URBANA EM

    CIDADES DO BRASIL CONTEMPORNEO:

    economia urbana e geoinformao na construo de novos olhares

    Tese apresentada Escola de

    Administrao de Empresas de So

    Paulo da Fundao Getlio Vargas,

    como requisito para obteno do ttulo

    de Doutor em Administrao Pblica e

    Governo.

    Campo do conhecimento:

    Economia Urbana e Urbanismo

    Data de aprovao:

    21/02/2014

    Banca Examinadora

    ____________________________________

    Prof. Dr. Ciro Biderman (Orientador)

    FGV-EAESP

    ____________________________________

    Prof. Dr. George Avelino Filho

    FGV-EAESP

    ____________________________________

    Prof. Dr. Srgio Pinheiro Firpo

    FGV-EESP

    ____________________________________

    Prof. Dr. Antnio Miguel Vieira Monteiro

    INPE

    ____________________________________

    Profa. Dra. Ana Paula Vidal Bastos

    UFPA

  • Este trabalho dedicado minha querida

    esposa, Femke, aos meus amados filhos,

    Xavier e Frida, e aos meus pais, Mari e

    Edson.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a minha famlia pelo apoio incondicional durante o perodo em que estive

    envolvido com esta pesquisa. Saber que estavam ao meu lado, mesmo nos momentos mais

    solitrios, me deu foras para seguir adiante. Em vocs, encontrei a maior das inspiraes.

    Agradeo ao meu orientador, Professor Ciro Biderman, que sempre acreditou no meu

    potencial e me apoiou em todos os momentos desta caminhada. Obrigado pela confiana e

    amizade.

    Agradeo ao Professor Antnio Miguel, incentivador e amigo de todas as horas que no

    deixou de acreditar em mim em nenhum momento desta caminhada, e antes dela at, e por

    sempre me lembrar de que podemos fazer a diferena para nossas cidades. Nunca esquecerei o

    que fez por mim.

    Agradeo a todos os colegas do CEPESP, em especial ao Lo e ao Marcos Lopes, sempre

    dispostos a ajudar. Agradeo tambm ao Professor George Avelino pelo apoio e respeito que

    sempre demonstrou ao meu trabalho.

    Agradeo s brilhantes amigas do INPE, Flvia, Carol e Ana Paula por terem me recebido

    diversas vezes para compartilhar generosamente seus conhecimentos e inteligncia. Agradeo

    especialmente Isabel que, alm da constante disposio em ajudar e orientar meu trabalho,

    ajudou a coordenar o trabalho com os dados das cidades Amaznicas junto ao CRA-INPE.

    Agradeo tambm equipe do CRA-INPE, em especial ao Rafael Terra e a Alessandra, que

    ajudaram na recomposio dos dados TerraClass utilizados nesta pesquisa.

    Agradeo s professoras Ana Cludia e Paula Bastos da UFPA que me ajudaram na leitura

    dos processos nas cidades paraenses de Marab e Santarm. Agradeo tambm ao professor

    Jos Benatti, a Luly e ao Conduru por dividirem comigo seus conhecimentos sobre o mercado

    de terras no Par e pelos comentrios construtivos que fizeram ao meu trabalho.

    Por fim, no posso deixar de agradecer o apoio recebido pelas agncias financiadoras

    GVPesquisa e Capes que cobriram os custos com as mensalidades escolares durante minha

    permanncia na Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da FGV. Agradecer ao

    Instituto Tecnolgico da Vale e a Fundao Vale, financiadores do projeto UrbisAmaznia e a

    FUNCATE que o administra, pelo fundamental apoio financeiro ao desenvolvimento desta

    pesquisa. Agradeo ainda ao Lincoln Institute of Land Police pelo apoio financeiro concedido

    para a finalizao deste trabalho.

  • indispensvel porque, seja qual for a especulao do conhecimento, no h

    outro objeto final, para ele, do que constituir a tranquilidade e a mais clara e

    monumental realizao da habitabilidade do planeta, que envolve as suas

    circunstncias todas enquanto cidade: escolas, hospitais, transporte pblico, etc.

    Para no falar s de necessidades, s a, na cidade enquanto cenrio, lugar,

    que podemos exibir maravilhas do conhecimento. Podemos exibir uma situao

    absolutamente humana, onde o xito da tcnica adquire um imenso valor

    esttico. isso que nos interessa fundamentalmente, fazer brilhar a nossa

    engenhosidade. Viver, assim, j de uma forma densa, como desejvel no que

    chamado cidade, por exemplo, torna indispensvel para a existncia de edifcios

    verticais essa singela mquina que o elevador, de trens e transporte pblico, e

    coisas extraordinrias que fazem com que ns possamos nos ver com certa

    dignidade absoluta no sentido de que s vivemos para tornarmo-nos cada vez

    mais possivelmente viventes; portanto gua, geomorfologia, so as formas que

    fundamentalmente caracterizam o objeto de arquitetura.

    Paulo Mendes da Rocha no Programa de Ps-graduao em Arquitetura da

    UFRGS em 27 de setembro de 2006.

  • RESUMO

    Esta tese apresenta novas possibilidades metodolgicas no campo do urbanismo atravs da

    aplicao de tcnicas derivadas da cincia da geoinformao a luz das teorias de economia

    urbana. O trabalho est organizado em torno de trs ensaios. Cada ensaio se dedica a

    apresentao e anlise de uma questo especfica identificada como relevante dentro das

    teorias da economia urbana no contexto de cidades brasileiras. O primeiro ensaio tem como

    objetivo investigar as relaes que possam existir entre os processos de expanso urbana e a

    segregao socioespacial na cidade de So Paulo. Situando a discusso dentro de uma

    perspectiva de economia urbana, o ensaio parte do pressuposto de que ambos os processos

    esto relacionados s foras de mercado habitacional, incluindo suas falhas inerentes, que

    acabam por definir a distribuio dos grupos populacionais de acordo com suas caractersticas

    socioeconmicas. O estudo se debrua sobre uma questo central ao debate urbanstico atual

    que a ocupao contnua das reas de fronteira urbana e na forma como este processo

    impacta a estrutura urbana. O segundo captulo traz o ensaio onde tratamos de analisar as

    questes relativas distribuio dos empregos na cidade de So Paulo e suas consequncias

    para os modelos de economia urbana baseados em gradientes de renda e valor da terra. O

    terceiro captulo traz o ensaio no qual retomamos a discusso sobre os processos de expanso

    urbana, porm situando a discusso a partir de uma perspectiva dinmica em cidades mdias

    em rpido crescimento demogrfico. Neste contexto, h o reconhecimento de que a

    composio dos preos da terra nas reas limtrofes da mancha urbana sofre uma forte

    influncia de expectativas de retornos levando a uma sobrevalorizao do preo gerada por

    processos de reteno de terras. Em uma anlise aplicada s cidades amaznicas de Marab e

    Santarm, buscamos caracterizar em uma perspectiva comparativa os processos de converso

    da terra em usos urbanos nas ltimas trs dcadas. Incorporando a informao sobre os usos

    do solo anteriores a converso para uso urbano, criamos uma escala de potencial de converso

    relativo a cada uso. Partindo do pressuposto de que possvel estabelecer representaes

    matemtico-computacionais da estrutura urbana em sistemas de informao geogrfica, o

    trabalho espera contribuir para a constituio dos territrios digitais como expresses

    quantitativas de conceitos sobre os diferentes processos ambientais e socioeconmicos que

    acabam por definir o ambiente urbano. Atravs destas representaes, buscar inserir o

    territrio no centro das decises polticas e econmicas que seguem continuamente

    conformando essas cidades e as condies objetivas de vida que elas propiciam.

    Palavras-chave: Economia urbana, disperso urbana, segregao socioespacial,

    policentralidade.

  • ABSTRACT

    This thesis presents new methodological possibilities within the field of urbanism through the

    application of techniques derived from the Geoinformation Science within the urban

    economics theories framework. The work is organized in three essays. Each of them presents

    and analyses one relevant question of the urban economics theories for the specific context of

    the Brazilian contemporary cities. The objective of the first essay is to investigate the relation

    between the processes of urban sprawl and spatial segregation in the city of So Paulo.

    Establishing the discussion in the theories of urban economics, the essay is based on the

    assumption that both processes result from the operation of housing market, including its

    inherent failures that drives the distribution of the population groups according to the different

    social characteristics. The work focuses on the central issue of the continuous occupation of

    the fringes of the city and the consequences for the spatial urban structure. The second essay

    is dedicated to the investigation of the distribution of employment subcenters in the city of

    So Paulo and their relation with the land rent gradients. In the third essay, we are again

    interested in the process of urban sprawl, but here we introduce a dynamic perspective having

    the Amazonian fast growing medium size cities as examples. The objective is to investigate

    the impact of the expectations for the future enhancement of land values among the

    landholders and the impact in conversion for different land use in the urban fringes. Using

    remote sensing data, we compare the uses and land covers previously to the urban conversion

    identifying a scale of urban land use potential. The thesis is based on the assumption that is

    possible to establish mathematical-computational representation of the spatial urban structure

    with the use of geographical information systems, and aims to contribute to the constitution of

    digital territories as quantitative expressions of environmental and social concepts that define

    the urban structure. Through these representations, this thesis aims to contribute to the

    insertion of the territorial dimension on the political and economic decision making processes

    that continuously interfere in our cities and in the life conditions that they propitiate.

    Keywords: Urban economics, urban sprawl, spatial segregation, polycentric urban structures.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 2.1 - Gradiente de renda da terra em funo da distncia ao centro principal para uma

    cidade com dois grupos populacionais com rendas diferentes. ...............................................25

    Figura 2.2 - Esquema de macrossegregao da Regio Metropolitana de So Paulo..............39

    Figura 2.3 - Resultado espacializado da percentagem de pixels de classe urbano na vizinhana

    definida a partir de um raio de 500 metros de cada pixel da classe urbana na imagem

    LANDSAT (Junho/2000)..........................................................................................................43

    Figura 2.4 - Distribuio da populao da RMSP em grupo de escolaridade e rendimento dos

    responsveis pelos domiclios...................................................................................................45

    Figura 2.5 - ndices de dissimilaridade local para grupos de renda (acima) e grupos de

    escolaridade (abaixo) por setor censitrio da RMSP................................................................48

    Figura 2.6 - ndices de isolamento local para grupos de baixa renda (acima) e grupos de baixa

    escolaridade (abaixo) por setor censitrio da RMSP................................................................49

    Figura 2.7 - ndices de isolamento local para grupos de alta renda (acima) e grupos de alta

    escolaridade (abaixo) por setor censitrio da RMSP................................................................50

    Figura 2.8 - Perspectiva em vista de pssaro sobre o modelo numrico de terreno da RMSP

    gerado a partir dos dados da SRTM/NASA e sobreposio a mancha urbana........................51

    Figura 2.9 - Conjunto de setores selecionados para compor as amostras utilizadas no modelo

    economtrico.............................................................................................................................52

    Figura 3.1 - Esquema de gradientes de renda da terra urbana com influncia de dois centros

    competidores.............................................................................................................................63

    Figura 3.2 - Esquema de gradientes de renda da terra urbana com influncia um centro

    principal e um subcentro complementar...................................................................................63

    Figura 3.3 - Esquema do diagrama de espalhamento de Moran..............................................74

    Figura 3.4. Grfico de espalhamento entre a densidade de empregos e a proporo de

    empregos em cada zona OD em relao ao total da RMSP......................................................79

    Figura 3.5 - Mapas temticos construdos com as variveis densidade de empregos (a), razo

    entre emprego e populao (b) e densidade populacional (c) por zonas OD 2007...........................................................................................................................................82

    Figura 3.6 - Mapas de espalhamento de Moran para a varivel densidade de empregos por

    hectare (demp). Nvel de significncia estatstica por pseudo-distribuio aleatria (9999

    permutaes): a)95%; b)99%; c)99,9%....................................................................................83

    Figura 3.7 - Mapas de espalhamento de Moran para a varivel total de empregos (emp). Nvel

    de significncia estatstica por pseudo-distribuio aleatria (9999 permutaes): a)95%;

    b)99%; c)99,9%........................................................................................................................84

    Figura 3.8 - Mapas de espalhamento de Moran para a varivel emprego por populao

    (emp/pop). Nvel de significncia estatstica por pseudo-distribuio aleatria (9999

    permutaes): a)95%; b)99%; c)99,9%....................................................................................85

    Figura 3.9 - Semivariograma experimental calculado para a varivel densidade de

    empregos...................................................................................................................................87

    Figura 3.10 - Superfcie tridimensional de densidade de empregos gerada por regresso

    localmente ponderada...............................................................................................................89

    Figura 3.11 - Potenciais subcentros identificados a partir da replicao do primeiro estgio da

    metodologia proposta em McMillen (2001).............................................................................90

    Figura 3.12 - Potenciais subcentros identificados a partir da metodologia proposta em nico

    estgio com varivel de perturbao includa no modelo.........................................................92

    Figura 4.1 - Renda da terra interna e externa a rea urbana....................................................100

  • Figura 4.2 - Preos da terra interna e externa a rea urbana em perspectiva dinmica..........101

    Figura 4.3 - Taxa mdia geomtrica de crescimento demogrfico anual entre 2000 e

    2010.........................................................................................................................................104

    Figura 4.4. Ilustrao sobre os contextos de classificao de pixels do tipo construdo (cinza

    escuro).....................................................................................................................................111

    Figura 4.5. Grade regular em espao cartesiano com origem no centro da aglomerao

    urbana......................................................................................................................................112

    Figura 4.6 - Distribuio das classes de pixels "urbano" para Santarm................................119

    Figura 4.7 - Distribuio das classes de expanso urbana para Santarm..............................119

    Figura 4.8 - Distribuio das classes de pixels "urbano" para Marab...................................121

    Figura 4.9 - Distribuio das classes de expanso urbana para Marab.................................121

    Figura 4.10 - Usos em reas de expanso de Santarm..........................................................123

    Figura 4.11 - Usos em reas de expanso de Marab.............................................................124

    Figura 4.12 - Gradientes por rea de classe calculados por usos e coberturas no espao

    celular......................................................................................................................................125

    Figura 4.13 - Gradientes por rea de classe calculados por usos e coberturas no espao

    celular......................................................................................................................................126

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 2.1 Resultados obtidos para regresso por OLS para os diferentes conjuntos amostrais...................................................................................................................................54

    Tabela 2.2 Resultados obtidos no primeiro estgio da regresso 2SLS................................55 Tabela 2.3 Resultados obtidos para regresso por 2SLS para os diferentes conjuntos amostrais ..................................................................................................................................56

    Tabela 2.4 Resultados obtidos para regresso por 2SLS para os diferentes conjuntos amostrais com introduo de covariveis.................................................................................57

    Tabela 3.1 - Quadro geral da Pesquisa OD de 2007 por Zonas Origem-Destino (ZOD) para a

    RMSP........................................................................................................................................78

    Tabela 3.2 - Resultados obtidos na anlise exploratria atravs dos indicadores de

    autocorrelao espacial global e local.......................................................................................87

    Tabela 4.1 - Taxa mdia geomtrica de crescimento demogrfico anual de Marab e

    Santarm..................................................................................................................................106

    Tabela 4.2 - Descrio das imagens de satlite utilizadas no estudo de caso.........................115

  • SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................................................................... 13

    1 INTRODUO ..................................................................................................................... 16

    2 DISPERSO URBANA E SEGREGAO SOCIOESPACIAL NA METRPOLE

    PAULISTANA ......................................................................................................................... 23

    2.1 Disperso urbana e segregao socioespacial: a estrutura urbana e seus processos

    constituintes .............................................................................................................................. 23

    2.2 Medidas de disperso urbana e segregao socioespacial .................................................. 32

    2.3 Disperso urbana e segregao socioespacial na metrpole paulistana: uma abordagem

    emprica .................................................................................................................................... 37

    2.3.1 Estratgia emprica .......................................................................................................... 40

    2.3.2 Materiais e mtodos ......................................................................................................... 40

    2.3.3 Resultados obtidos ........................................................................................................... 51

    2.4 Concluso ........................................................................................................................... 58

    3 A ESTRUTURA ESPACIAL URBANA: IDENTIFICANDO SUBCENTROS DE

    EMPREGO NA RMSP ............................................................................................................. 61

    3.1 Subcentros de emprego: potenciais locacionais e consequncias para a estrutura urbana. 61

    3.2 Estratgia emprica ............................................................................................................. 72

    3.2.1. Bases de dados utilizadas ............................................................................................... 77

    3.2.2. Resultados ....................................................................................................................... 80

    3.3. Concluso .......................................................................................................................... 93

    4 PERSPECTIVA DINMICA NA ANLISE DA ESTRUTURA ESPACIAL URBANA

    EM CIDADES DE RPIDO CRESCIMENTO ...................................................................... 96

    4.1 Crescimento urbano e valorizao fundiria: uma perspectiva dinmica .......................... 96

    4.2 Estudo de caso: cidades mdias em rpida expanso na Amaznia ................................. 103

    4.2.1 Contextualizao ........................................................................................................... 103

    4.2.2 Metodologia ................................................................................................................... 108

    4.2.3 Dados utilizados e procedimentos ................................................................................. 114

    4.2.4 Resultados ...................................................................................................................... 118

    4.3. Concluso ........................................................................................................................ 126

    5 CONCLUSO ..................................................................................................................... 128

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 132

    APNDICE A Imagens de satlite, espaos celulares e gradientes de paisagem processados

    para o estudo em Santarm e Marab. .................................................................................... 141

  • 13

    APRESENTAO

    Este trabalho nasce de uma inquietao que me acompanha desde os tempos em que eu

    frequentava as aulas de histria do urbanismo e de planejamento urbano durante minha

    graduao em arquitetura e urbanismo na FAU. Reconheci naquele momento a importncia

    das cidades como a mais relevante das invenes humanas. Passei a olh-las com uma

    curiosidade constante. Buscava ultrapassar a viso que me acompanhava desde a infncia,

    como urbanita nato, da cidade como uma mera paisagem megalogrfica para a cidade como

    experincia vivenciada. Intrigava-me a enorme diversidade de tipos humanos habitando e

    interagindo na cidade e a maneira como o espao natural havia sido transformado para dar

    abrigo a estas interaes. Nas aulas de histria, apresentavam-nos imagens de cidades antigas

    e tentava imaginar os tipos humanos que nelas viviam e como interagiam. Ocorriam-me

    questes como: quem eram aquelas pessoas e por que estavam reunidas naquelas cidades? Por

    que elas se localizavam naquele determinado local e no em outro qualquer? Por que as

    cidades foram construdas daquela maneira?

    Nas aulas de planejamento urbano, aprendia a reconhecer as funes urbanas e suas

    espacialidades. Talvez partindo ainda de um referencial demasiadamente vinculado a Carta de

    Atenas1, decompnhamos a cidade em subsistemas de habitao, trabalho, lazer e circulao.

    Ensinavam-nos a "ler" o espao. Debruvamo-nos sobre cartas e mapas buscando

    compreender a estrutura espacial de cidades e bairros atravs de uma interminvel sequncia

    de esquemas traados em papel translcido sobreposto ao material cartogrfico. Com isso

    desenvolvemos uma sensibilidade espacial. Da mesma forma como aprendemos a linguagem

    do desenho para expressar nossas ideias, aprendemos que o espao era nosso campo de

    atuao, nossa matria-prima. Apesar de todos os conhecimentos adquiridos naqueles anos, as

    mesmas perguntas seguiam sem respostas para mim.

    Durante os primeiros anos de atuao profissional, no atuei no campo de urbanismo e

    planejamento urbano. Entretanto, meu interesse no campo permanecia inalterado. Queria

    contribuir profissionalmente na compreenso e melhoria do habitat urbano em que vivia,

    porm no tinha claro quais os canais e possibilidades me levariam a consecuo deste

    1A Carta de Atenas um manifesto assinado por arquitetos e urbanistas no incio do sc. XX como concluso do

    CIAM - Congresso Internacional de Arquitetos de 1931 e que influenciou a arquitetura e urbanismo modernista.

  • 14

    objetivo. Esta situao me levou a buscar outras possibilidades quando decidi cursar uma

    especializao em urbanismo de grande escala na Universidade Politcnica da Catalunha, na

    icnica cidade de Barcelona. A vivncia cotidiana naquela cidade e o aprendizado obtido

    durante o curso levaram-me a concluso de que seriam necessrios outros instrumentos na

    atuao do urbanista para alm daqueles apresentados e adquiridos durante minha graduao.

    Quando retornei ao Brasil, a inquietude se intensificava na medida em que reconhecia mais

    claramente a crise urbana por aqui instalada. O cenrio era de grandes cidades

    ambientalmente degradadas, profundamente cindidas entre territrios de excluso e incluso

    social. Complexas estruturas ambientais que se colocavam diante de ns desafiando nossa

    capacidade de anlise. Seduzido pelas imagens de satlites que apresentavam estas fascinantes

    estruturas sob uma perspectiva indita para mim, decidi me aprofundar no conhecimento

    tcnico especfico do sensoriamento remoto. Tinha a intuio de que ao olhar as cidades a

    partir destas imagens poderia entender melhor suas partes e seu todo transitando de uma

    perspectiva prxima a uma distante em um mesmo ambiente analtico.

    Ingressei ento no mestrado em sensoriamento remoto no INPE2. Minha intuio era vlida,

    porm imprecisa. Durante minha formao em sensoriamento remoto, aprendi que aquelas

    imagens que me seduziam eram apenas um produto acabado de um processo analtico muito

    mais abrangente e poderoso. Tratava-se de um amplo conjunto de conhecimento que nos

    apresentavam como a Cincia da Geoinformao. Incluam-se reunidas sob esta definio

    diversas disciplinas que estruturavam os conhecimentos necessrios para estabelecer

    representaes computacionais do espao geogrfico. Profissionais de diversos campos

    disciplinares integravam nossa turma de ps-graduao. Tive o privilgio de interagir com

    gelogos, eclogos, gegrafos, fsicos, oceangrafos, engenheiros agrnomos, engenheiros

    cartgrafos, engenheiros de computao, todos reunidos em torno do objetivo comum de

    representar o espao em sistemas informatizados atravs de tcnicas matemticas e

    computacionais. O espao geogrfico tinha para cada um seu significado especfico ao mesmo

    tempo em que era nosso denominador comum.

    A formao adquirida neste perodo alterou profundamente minha forma de estabelecer

    estratgias analticas sobre meu objeto de interesse: as cidades. Tinha agora um repertrio de

    2Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

  • 15

    tcnicas de anlise espacial que ampliava as possibilidades de utilizao das informaes

    geogrficas para alm do exerccio baseado em interpretaes de conjunto de materiais

    cartogrficos no sentido mais tradicional como havamos sido formados na graduao. A

    conscincia da natureza matemtica das representaes computacionais do espao permitia

    que modelssemos e operssemos as diversas camadas de informao geogrfica gerando

    novos conjuntos de informao impossveis de serem produzidos de outra forma.

    O trabalho que ora apresento situa-se neste contexto que brevemente expus. Entretanto, este

    conhecimento instrumental adquirido, para ser vantajoso, deve necessariamente ser aplicado

    luz de teorias e conceitos pertinentes ao objeto de anlise em questo. Neste ponto, retomo

    minhas antigas e ainda vlidas interrogaes sobre as cidades. Se o papel do urbanista visa

    fundamentalmente interveno no espao urbano, preciso que ele reconhea os processos

    constituintes deste espao. Entendo como necessrio um exame aplicado sobre as teorias

    econmicas que fundamentam o debate sobre o mercado de terras urbanas dentro do campo

    do urbanismo.

  • 16

    1 INTRODUO

    Este trabalho apresenta novas possibilidades metodolgicas no campo do urbanismo atravs

    da aplicao de tcnicas derivadas da cincia da geoinformao a luz das teorias de economia

    urbana. Tem, neste sentido, um carter instrumental, na medida em que prope e aplica

    mtodos inovadores de investigao emprica de estruturas urbanas desenvolvidos na forma

    de trs ensaios. Os estudos buscam apontar as atuais possibilidades de tratamento de

    informao espacial em sistemas de informao geogrfica em aplicaes desta natureza.

    Cada ensaio se dedica a apresentao e anlise de uma questo especfica identificada como

    relevante dentro das teorias da economia urbana no contexto de cidades brasileiras.

    Na ltima dcada, observou-se no Brasil um forte movimento de valorizao de terra urbana.

    Isto tem aprofundado a disputa por localizaes no espao urbano, e por consequncia,

    promovido alteraes nas estruturas espaciais intraurbanas nas cidades em diversas regies do

    pas. O entendimento de como estes movimentos se processam passa pela capacidade de

    formulao de hipteses derivadas de um referencial conceitual que, sob meu ponto de vista,

    merece ser aprofundado na produo acadmica brasileira.

    O que se reconhece como padro socialmente excludente de nossas cidades tem sua origem

    no modelo de mercado que no foi capaz de articular as lgicas da regulao urbanstica e a

    lgica da necessidade que motivaram a organizao e instrumentalizao social que

    resultaram em formas de coordenao individual/coletiva de ocupao do solo urbano

    (ABRAMO, 2007). O mercado imobilirio frequentemente tido como instrumento na

    conformao de vizinhanas e comunidades com significativo grau de homogeneidade

    interna, atuando diretamente nos processos de substituio de moradores atravs de transaes

    atomizadas de imveis usados ou na converso de usos de solo em novas incorporaes.

    Ainda que por justificativas diversas, tal reconhecimento se d tanto nas abordagens

    econmicas neoclssicas quanto nas clssico-marxistas operando, por um lado, atravs da

    "soberania do consumidor" e, por outro, pela "lgica do capital" (SMOLKA, 1992).

    Observado sob uma perspectiva dinmica, este processo de substituies, permanncias e

    assentamentos implica em transformaes na estrutura espacial das cidades que podem ser

    gradativas ou abruptas em funo das condies macroeconmicas combinadas com

    circunstncias locais. Qualquer que seja o modo, interferem nas regularidades e

    irregularidades das estruturas urbanas no que se refere especificamente ao grau de

  • 17

    concentrao espacial da populao urbana e seus empregos (ANAS; ARNOTT;

    SMALL,1998). Estas irregularidades esto relacionadas forma como a cidade se expande no

    processo de converso de novos terrenos em usos urbanos com o desenvolvimento de

    edificaes e infraestruturas. Alm disso, internamente, est relacionada tambm ao padro de

    segregao socioespacial resultante do processo de ocupao contnua, ou melhor, da forma

    como diferentes grupos sociais se assentam no espao construdo relativamente uns aos

    outros.

    O modelo monocntrico inicialmente formulado por Alonso (1964) e suas variaes

    sequenciais introduzidas por Mills (1967) e Muth (1969) prevalece por dcadas como a mais

    influente representao da estrutura espacial urbana dentro da literatura sobre economia

    urbana. O modelo se baseia em uma cidade hipottica, onde todos os empregos localizam-se

    em um ponto central da cidade, para o qual todos os moradores devem se deslocar

    cotidianamente. Assumindo que todos os moradores so racionais e buscam maximizar suas

    funes de utilidades face sua restrio oramentria, decidiro suas localizaes frente s

    despesas que tero com o custo do deslocamento ao trabalho e aos gastos com o consumo do

    imvel. Esta relao pode ser esquematicamente representada atravs de uma funo

    decrescente com origem no ponto central da cidade, na qual sua inclinao depende

    basicamente do custo marginal de deslocamento (transporte) e do tamanho do lote. Esta

    relao usualmente apresentada na forma de um gradiente de renda da terra. A intuio

    fundamental contida nesta construo que consumidores vivendo longe do centro tero

    maiores custos com transporte e devem ser compensados de alguma forma, pois do contrrio

    todos viveriam prximo ao centro. Esta compensao se d na forma de um preo menor por

    metro quadrado.

    O arcabouo analtico propiciado por este modelo permite que sejam relacionados diversos

    aspectos da estrutura espacial intraurbana em uma perspectiva sistmica, e no isolada como

    so comumente analisados os processos de expanso e disperso urbana, segregao

    socioespacial, valorizao do preo da terra e variaes nas densidades populacionais. Este

    modelo o fato estilizado mais simples e operacional da estrutura espacial urbana. Entretanto,

    a concepo baseada em um nico centro de negcios pode ser rompida sem que haja prejuzo

    das relaes estabelecidas entre renda da terra e custos de transporte como j demonstrado em

    diversos trabalhos (FUJITA; OGAWA, 1982).

  • 18

    Ainda que o modelo permanea atual at os dias de hoje como um referencial de grande

    influncia, trata-se basicamente de um modelo de equilbrio geral, e como tal assume

    condies que simplesmente no aderem aos contextos espaciais que dominam a anlise das

    cidades. Tal desacoplamento no chega a invalidar sua aplicabilidade na medida em que se

    podem atribuir razes distintas para seu mrito, entretanto, impe queles que nele se apoiam,

    a necessidade de estabelecer claramente os limites e alcances das concluses dele derivadas.

    Segundo Arnott (2012, p.67), as principais virtudes do modelo so: primeiro, ele propicia uma

    concepo geral integrada da estrutura urbana, incorporando e relacionando efeitos de

    polticas de uso do solo, transporte e habitao de forma sistmica; segundo, o modelo tem

    derivado resultados extremamente ricos e diversificados na medida em que se situa no limite

    preciso entre a trivialidade e a intratabilidade, qualidade necessria aos bons modelos;

    terceiro, como um modelo de equilbrio geral, permite simular efeitos de polticas sobre

    diferentes grupos populacionais considerando os canais sobre os quais cada iniciativa afeta as

    diferentes utilidades; e quarto, tem alcanado relativo sucesso em anlises empricas

    explicando diversos padres observados em cidades reais.

    Em relao s crticas e limitaes do modelo, muitas derivam das condies altamente

    restritivas que ele assume. Porm, nas cidades reais, invariavelmente nos confrontamos com

    estas condies nada excepcionais. Entre as mais problemticas esto a ausncia de retornos

    incrementais de escala na produo, o que de certa forma coloca em xeque a prpria noo

    derivada das foras de aglomerao que regem a concentrao das atividades em cidades; a

    desconsiderao do efeito de externalidades, porm no h como negar que em aglomeraes

    urbanas no incidam externalidades negativas como congestionamentos e poluio; a

    incapacidade de tratamento dos bens pblicos coletivos, presente em uma srie de atributos

    que compe o espao urbano como servios pblicos e infraestrutura de comunicaes.

    (ARNOTT, 2012, p.53). Para Richardson (1978), a falta de capacidade de superar estas

    condicionantes restritivas foi um dos motivos pelo qual a economia seguiu por dcadas

    negligenciando este campo de estudo. Para ele, dificilmente a anlise econmica convencional

    capaz de revelar a complexidade da grande cidade, crivada de externalidades e

    excrescncias que inviabilizam a abordagem a partir do marginalismo neoclssico. Tal

    viso compartilhada por Krugman (1998) para o qual, a tardia introduo da dimenso

    espacial no mainstream da anlise econmica consequncia da evoluo de modelos hoje

    capazes de lidar com cenrios de competio imperfeita tornando possvel, portanto, analisar

    processos marcados pela presena de economias de escala com retornos crescentes. Nesta

  • 19

    perspectiva, a estrutura espacial intraurbana pode ser analisada como resultado da atuao de

    foras centrfugas e centrpetas, ou de atrao e repulso que acabam por definir a disputa

    por localizaes de firmas e das residncias atravs do espao intraurbano (KRUGMAN,

    1998; FUJITA; KRUGMAN; VENABLES, 1999).

    No que se refere aplicabilidade destes modelos para contextos urbanos nos chamados pases

    em desenvolvimento, os modelos cannicos de economia urbana neoclssica assumem

    condies ainda mais restritivas. Dentre as mais problemticas esto aquelas em que todos os

    proprietrios observam as normas e regulaes urbansticas, requerem autorizaes legal para

    alteraes no uso da terra, pagam os encargos fiscais da propriedade e onde as transaes so

    todas realizadas sob regimes contratuais formais. Ademais, esses modelos assumem que a

    terra urbana totalmente servida de infraestrutura no momento em que so ocupadas e as

    construes esto finalizadas (SMOLKA; BIDERMAN, 2012). A questo ento que se coloca

    a aplicabilidade deste arcabouo terico em contextos como o brasileiro. Neste sentido,

    apoio-me na viso preconizada por Smolka e Biderman (2012) na qual a massiva

    informalidade presente nas cidades destes pases deve ser encarada no como um mero

    problema de pobreza urbana, os assentamentos informais coexistem lado a lado a

    assentamentos formais e h uma interdependncia estrutural no funcionamento do mercado de

    terras que regem as transaes em ambos os casos. Ao colocarmo-nos nesta perspectiva,

    entendemos como vlida a aplicabilidade destes modelos. Eles contribuem para a

    compreenso das inter-relaes existentes nos processos de ocupao e uso do solo com

    determinantes derivados de polticas pblicas que ultrapassam o escopo tradicional da atuao

    do planejamento urbano de regulao de usos e coeficientes de aproveitamento. Nveis de

    acessibilidade, custos de transporte pblico e polticas de taxao de uso da terra so

    exemplos de variveis que devem ser consideradas de forma sistmica quando da definio de

    estratgias de planejamento urbano e que podem ser incorporadas a estes modelos.

    A discusso que se coloca no quanto aplicao ou no deste arcabouo terico, mas em

    como us-lo na construo das representaes das estruturas urbanas e no processo analtico.

    Da mesma forma que a utilizao das tcnicas e metodologias derivadas do campo da

    Geoinformao, a delimitao criteriosa da aplicao no campo da economia regional e

    urbana requisito fundamental para o sucesso ou fracasso do processo e das possveis

    proposies dele derivadas na perspectiva do planejamento urbano. Se a atuao do urbanista

  • 20

    visa fundamentalmente a interveno no espao urbano, saber reconhecer estas possibilidades

    representa, a meu ver, um ganho significativo no repertrio do urbanista.

    Parte-se do pressuposto que possvel estabelecer representaes matemtico-computacionais

    destes conceitos atravs de estratgias de representao capazes de relacionar a parte e o todo

    urbano em sistemas de informao geogrfica. Neste sentido, o trabalho espera contribuir para

    a constituio dos territrios digitais (RAMOS; CMARA; MONTEIRO, 2007), expresses

    quantitativas de conceitos sobre os diferentes processos ambientais e socioeconmicos que

    acabam por definir o ambiente urbano. Atravs destas representaes, buscar inserir o

    territrio no centro das decises polticas e econmicas que seguem continuamente

    conformando essas cidades e as condies objetivas de vida que elas propiciam.

    A utilizao de modelos quantitativos vem crescendo na mesma intensidade em que cresce a

    disponibilidade de dados georreferenciados em nveis cada vez mais prximos a escala do

    indivduo. Acredito, como preconiza Michael Batty (2011), que estamos diante do desafio de

    construo de uma nova Cincia das Cidades, um novo campo de conhecimento onde

    convergiro diferentes campos disciplinares que sero operados a partir de teorias de sistemas

    complexos baseados em grandes conjuntos de dados e metodologias computacionalmente

    intensivas hoje acessveis para seu tratamento. Assim, as teorias derivadas da economia

    urbana, planejamento de transportes, sociologia, entre outras sero as bases para a

    constituio desta nova abordagem verdadeiramente transdisciplinar. "Neste contexto, os

    modelos sero aplicados cada vez mais para 'informar' do que 'predizer' orientando as decises

    no campo das polticas pblicas" (BATTY, 2011 p.13).

    O trabalho est organizado em torno de trs ensaios apresentados em cada um dos prximos

    captulos. Cada ensaio contm uma reviso sobre as referncias mais relevantes identificadas

    na literatura para cada um dos temas abordados. Aps situar cada proposta metodolgica em

    relao aos objetivos especficos, cada ensaio apresenta uma proposta metodolgica seguida

    de uma anlise emprica aplicada em cidades brasileiras. Na medida do possvel, apesar de

    centrados em torno de estudos de caso aplicados a cidades em particular, todos os ensaios

    buscam estabelecer propostas metodolgicas de aplicabilidade ampla, baseando-se em dados e

    instrumentos possveis de serem obtidos para outras cidades.

  • 21

    O prximo captulo traz o primeiro ensaio que tem como objetivo investigar as relaes que

    possam existir entre os processos de expanso urbana e a segregao socioespacial na cidade

    de So Paulo. Situando a discusso dentro de uma perspectiva de economia urbana, o ensaio

    parte do pressuposto de que ambos os processos esto relacionados s foras de mercado

    habitacional, incluindo suas falhas inerentes, que acabam por definir a distribuio dos grupos

    populacionais de acordo com suas caractersticas socioeconmicas. O estudo se debrua sobre

    uma questo central ao debate urbanstico atual que a ocupao contnua das reas de

    fronteira urbana e na forma como este processo impacta a estrutura urbana. Ao estabelecer

    uma abordagem emprica integrada que seja capaz de analisar atravs de representaes

    quantitativas os processos de expanso e segregao, o estudo traz evidncias de que existe

    uma relao direta entre os processos de expanso na segregao espacial. A metodologia

    possibilita tambm compreender que o impacto na segregao se d maneira diferenciada para

    diferentes grupos sociais na cidade. Utilizando-se de tcnicas de regresso com variveis

    instrumentais obtidas atravs de sensoriamento remoto e processamento de imagens, os

    resultados podem informar o debate sobre o funcionamento do mercado de terras nas franjas

    das cidades e no papel que a deciso de poltica habitacional tem no padro de segregao que

    domina nossas cidades.

    O segundo captulo traz o ensaio onde tratamos de analisar as questes relativas distribuio

    dos empregos na cidade de So Paulo e suas consequncias para os modelos de economia

    urbana baseados em gradientes de renda e valor da terra. No debate urbanstico, a cidade de

    So Paulo frequentemente reconhecida por sua estrutura excessivamente monocntrica e a

    esta caracterstica associam-se os graves problemas de trfego e circulao que a cidade

    apresenta. Essa percepo disseminada raramente associada a estudos empricos capazes de

    revelar o nvel de concentrao das atividades ou a identificao de seus subcentros. Inserindo

    este debate na perspectiva da economia urbana, o ensaio revisita algumas das metodologias

    aplicadas na literatura e prope um mtodo de identificao de subcentros baseado em

    regresso espacialmente ponderada e procedimentos de anlise exploratria de dados

    espaciais. A metodologia incorpora a informao estrutural da densidade populacional como

    varivel de perturbao no modelo em nico estgio. Tal estratgia permitiu revelar as reas

    onde havia as maiores presses por ocupaes residenciais do solo urbano em funo das

    proximidades com as reas de concentrao de atividades. O que se conclu que o

    zoneamento restritivo e discricionrio, muitas vezes justificados por argumentos estticos e de

    sade pblica, acaba muitas vezes atuando como instrumento de excluso social reforando os

  • 22

    processos de informalidade urbana e segregao socioespacial pela presso que exerce nos

    preos do solo urbano.

    O terceiro captulo traz o ensaio no qual retomamos a discusso sobre os processos de

    expanso urbana, porm situando a discusso a partir de uma perspectiva dinmica em

    cidades mdias em rpido crescimento demogrfico. Neste contexto, h o reconhecimento de

    que a composio dos preos da terra nas reas limtrofes da mancha urbana sofre uma forte

    influncia de expectativas de retornos levando a uma sobrevalorizao do preo gerada por

    processos de reteno de terras. Neste ensaio propomos uma metodologia indita de

    representao das caractersticas de expanso urbana atravs da utilizao de imagens de

    sensoriamento remoto no desenvolvimento de mtricas de expanso urbana. Em uma anlise

    aplicada s cidades amaznicas de Marab e Santarm, buscamos caracterizar em uma

    perspectiva comparada os processos de converso da terra em usos urbanos nas ltimas trs

    dcadas. Incorporando a informao sobre os usos do solo anteriores a converso para uso

    urbano, criamos uma escala de potencial de converso relativo a cada uso. A partir da

    aplicao das mtricas de paisagem extradas por processamento digital de imagens, geramos

    gradientes de potencial de converso para cada cidade nos perodos analisados. Os resultados

    apontam diferenas nos padres observados em cada cidade que experimentam atualmente

    surtos econmicos de natureza semelhante, porm em fases distintas de desenvolvimento.

    O ltimo captulo apresenta uma concluso geral do trabalho, retomando as premissas

    estabelecidas em cada ensaio frente aos resultados obtidos. Ademais, trata de indicar os

    pontos de articulao entre cada ensaio frente ao referencial terico e instrumental comum

    adotado. Por fim, estabelece as limitaes e perspectivas identificadas para desenvolvimento

    de trabalhos futuros.

  • 23

    2 DISPERSO URBANA E SEGREGAO SOCIOESPACIAL NA

    METRPOLE PAULISTANA

    2.1 Disperso urbana e segregao socioespacial: a estrutura urbana e seus processos

    constituintes

    A forma como se d expanso das reas urbanas e a segregao socioespacial so pontos

    centrais do debate sobre economia urbana e seguem pautando a agenda atual de pesquisa.

    comum na literatura ver estes tpicos analisados como processos isolados, tomados em

    perspectivas que extrapolam fronteiras disciplinares. No campo da nova economia urbana, as

    anlises se apoiam no referencial terico da economia neoclssica que embasa os modelos de

    uso do solo derivados das funes de renda da terra. Ainda que este referencial terico

    apresente limitaes relacionadas ao alcance do modelo no tratamento das chamadas falhas de

    mercado que povoam a economia espacial (ARNOTT, 2012), ele nos permite avaliar de

    forma integrada estes dois processos a partir de estratgias analticas como aquelas baseadas

    em esttica comparativa3.

    Aps a publicao do modelo de Alonso (1964) e as variaes sequenciais introduzidas por

    Mills (1967) e Muth (1969), passaram-se alguns anos at que se aplicasse esttica

    comparativa na anlise da estrutura espacial urbana. O precursor desta abordagem foi

    Wheaton (1974) verificando a influncia qualitativa dos diferentes parmetros atravs da

    simulao de "choques" no sistema em equilbrio. Ele demonstra os efeitos que alteraes no

    tamanho da populao, na renda e nos custos de transporte acarretam s estruturas urbanas no

    que se refere aos gradientes de renda da terra, nas densidades populacionais e na extenso

    territorial da cidade. As concluses gerais, ainda que necessariamente analisadas dentro do

    alcance relativo do modelo simplificado, apontam para importantes inter-relaes como o

    efeito direto do aumento dos custos marginais de transporte no encolhimento do limite urbano

    e no aumento da densidade nas reas centrais, ou ainda, o efeito que o aumento generalizado

    de renda per capita exerce na tendncia a expanso do limite da cidade e diminuio das

    densidades nas reas centrais.

    3 Esttica comparativa o estudo de como o preo de equilbrio e a quantidade variam quando se alteram as

    condies bsicas. Varian (2003) apresenta uma boa descrio do tema.

  • 24

    Logo aps a publicao de seu trabalho precursor, Wheaton (1976) introduz uma variao ao

    exerccio inaugural de esttica comparativa atravs da segmentao da populao em dois

    grupos de rendimento per capita. Pode-se dizer que este o primeiro trabalho a aplicar esta

    abordagem na anlise da distribuio espacial de grupos com diferentes perfis

    socioeconmicos. O objetivo do trabalho era avaliar se a existncia de grupos heterogneos

    dentro de uma mesma cidade aumentaria ou diminuiria o nvel de bem-estar geral se

    comparada a cidades mais homogneas. Naquele momento, como concluso geral, o trabalho

    demonstrava que a maior heterogeneidade era preferida por ambos os grupos e tanto ricos

    como pobres se beneficiavam de uma cidade diversificada. Entretanto, logo aps sua

    publicao, Arnott et al. (1978) publicam uma extenso daquele trabalho justificando que as

    condies assumidas naquele exerccio eram muito generalistas. Entre elas estava a condio

    de que os custos de transporte no dependiam dos nveis de rendimento e eram iguais para os

    dois grupos. Ademais, as preferncias do consumidor eram tambm iguais entre os grupos.

    Como resultado, foi demonstrado que a relao direta entre diversidade e maior nvel de bem-

    estar para todos, nem sempre era verdadeira e dependia do padro de localizao (ricos no

    centro e pobres na periferia ou vice-versa) e da proporo de variao que o custo de

    transporte apresentava em funo da renda.

    O modelo simplificado construdo para dois grupos de rendimentos se apoia na diferena

    potencial que possa existir entre as funes de bem-estar de cada grupo, ou em outras

    palavras, das preferncias agregadas de seus indivduos. Assim, haver para cada grupo uma

    funo de utilidade definida em termos de seu consumo de terra e o consumo de todos os

    outros bens agregados. A renda do imvel obtida para cada grupo depender de suas

    respectivas restries oramentrias determinadas pelos custos do transporte em funo de sua

    localizao na cidade e pelo respectivo nvel de rendimento de cada grupo.

    Imaginando-se que, como no exerccio desenvolvido por Wheaton (1976), a cidade

    composta por dois grupos, teremos para cada grupo um gradiente de renda semelhante ao

    apresentado em Biderman (2001, p.63) (Figura 2.1). Onde, cada grupo populacional estar

    diferenciado no espao urbano em relao proximidade ao centro da cidade. No exemplo

    empregado no grfico, o grupo populacional 1 (p1) tem maior disponibilidade de renda para o

    consumo do imvel do que o grupo 2 (p2). Alm disso, tem maior averso ao deslocamento

    relativo ao tamanho do lote. Estas caractersticas implicam em uma inclinao negativa maior

    no gradiente de preos para o grupo 1 do que para o grupo 2. Tomado em seu nvel de

  • 25

    simplificao, esta representao coerente com os padres de macrossegregao que

    usualmente encontramos nas cidades brasileiras. Entretanto, como o prprio autor aponta,

    seria perfeitamente possvel um equilbrio inverso onde os mais pobres se concentrariam nas

    reas centrais da cidade, padro recorrente em cidades norte-americanas.

    Figura 2.1 - Gradiente de renda da terra em funo da distncia ao centro principal para

    uma cidade com dois grupos populacionais com rendas diferentes.

    Fonte: Biderman (2001) onde rArepresenta o valor da renda da terra agrcola, m a distncia em

    relao ao centro onde h o ponto de interseco entre os gradientes de renda dos dois grupos e d*

    o limite da mancha urbana.

    Dentro do arcabouo representacional propiciado pelo modelo, a distribuio espacial dos

    grupos e o decorrente padro de segregao socioespacial funo das diferentes funes de

    bem-estar de cada grupo e do custo proporcional do transporte (incluindo-se a o tempo gasto

    no deslocamento) para cada grupo. LeRoy e Sonstelie (1983) estudaram a interferncia que a

    utilizao de diferentes modais de transporte por diferentes grupos de rendimento exercem

    nas escolhas de localizao dos grupos de mais alta renda na estrutura urbana. A anlise

    baseia-se na forma como a relao entre a quantidade demandada por habitao e

  • 26

    deslocamentos cotidianos reage variao de rendimento dos indivduos, ou seja, na relao

    entre a elasticidade-renda da demanda por habitao e a elasticidade-renda do custo marginal

    do transporte. No caso da primeira exceder a segunda, a localizao dos grupos de maiores

    rendimentos per capita apresentariam o padro suburbano (modelo norte-americano). Uma

    relao inversa entre as elasticidade-renda para habitao e transporte levaria o grupo de

    maior rendimento a procurar habitaes em reas mais centrais (modelo cidades brasileiras).

    Novamente aqui, apesar de simples, o modelo nos propicia um ambiente de reflexo que

    coloca de maneira no absoluta, mas relacional, as situaes de equilbrio possveis nos

    processos de segregao decorrente da competio entre os diferentes grupos por localizaes

    na cidade. Na medida em que parte importante dos custos relacionados ao transporte deriva da

    medida do tempo gasto no deslocamento em relao aos nveis de rendimento dos diferentes

    grupos populacionais, a prpria medida de desigualdade entre os nveis de rendimento entre

    os diferentes grupos interfere nos padres de segregao resultante.

    Seguiram-se outros trabalhos que aplicaram estratgias similares para a anlise da distribuio

    de diferentes grupos socioeconmicos nas cidades (SASAKI, 1990; GLAESER; KHAN;

    RAPPORT, 2000). Em todos estes trabalhos, h, ainda que no explicitamente, uma

    perspectiva simultnea de que os arranjos e rearranjos espaciais dos grupos sociais nas

    cidades tambm estavam relacionados aos processos de expanso das cidades. No horizonte

    destes estudos, estava em curso um intenso processo de suburbanizao e descentralizao de

    atividades que as cidades, sobretudo as norte-americanas, vinham experimentando desde o

    fim da segunda guerra mundial. O deslocamento massivo dos grupos de maior poder

    aquisitivo para os subrbios, ao mesmo tempo em que ocupavam novas e extensas reas

    residenciais de baixa densidade, exacerbavam os efeitos do isolamento de grupos de menor

    renda nas reas mais centrais e antigas dos centros urbanos. Este movimento chegou a ser

    denominando de white flight (BOUSTAN, 2010) e associado dentro da literatura a

    problemas de fundo social e fiscal alm dos analisados no referencial de evoluo natural das

    cidades nos modelos ortodoxos de economia urbana (MIESZKOWSKI; MILLS, 1993).

    Ainda que a anlise dos processos de crescimento e expanso urbana tenha entrado na agenda

    de pesquisa na segunda metade do sculo passado, o tema j suscitava discusses no incio do

    sculo quando se constituam as primeiras grandes cidades modernas na Europa e Amrica do

    Norte. Em 1915, o escocs Patrick Geddes publica seu livro Cities in Evolution cujo

    contedo o mais coerente apanhado de suas vises sobre as cidades e as regies. Geddes foi

  • 27

    um visionrio pouco compreendido em seu tempo, mas que inaugurou a noo de

    planejamento regional e cunhou termos como conurbao e megalpole at hoje

    aplicados na caracterizao de processos urbanos contemporneos. Naquele momento,

    Geddes antecipava os efeitos da revoluo tecnolgica e chamava a ateno para o fato de que

    as novas tecnologias luz eltrica e o motor a combusto interna causavam efeitos de

    disperso e conglomerao nas grandes cidades. (HALL, 2002, p.153).

    Em meados dos anos 1950, encontram-se os primeiros estudos que tratam do tema da

    expanso e disperso de reas urbanas. Havia ento o reconhecimento de que as reas urbanas

    apresentavam um crescimento intenso e desordenado frequentemente associado a ocupaes

    suburbanas descontnuas e de baixa densidade populacional. Naquele momento, j se atribua

    ao processo de expanso urbana excessiva impactos estticos e econmicos negativos. No

    comeo da dcada de sessenta, o urbanista William H. Whyte [1958] escreve o artigo

    intitulado Urban Sprawl onde cunha o termo e inaugura a discusso sobre o processo de

    suburbanizao apontando de maneira enftica as consequncias do que ele mesmo define

    como:

    The problem of the pattern of growth - or rather, the lack of one. Because of the leapfrog

    nature of urban growth, even within the limits of most big cities there is to this day a

    surprising amount of empty land. But is scattered; a vacant lot here, a dump there - no one

    parcel big enough to be much of use. And it is with the same kind of sprawl that we are

    ruining the whole metropolitan area of the future. In townships just beyond today's suburbia

    there is little planning, and development is being left almost entirely in the hands of the

    speculative builder.(WHYTE, 1958, p.124-125). 4

    No plano urbanstico, a difuso do automvel juntamente com a soluo das vias expressas

    urbanas alterou definitivamente a evoluo da estrutura espacial urbana no sculo XX e

    introduziu um novo paradigma no planejamento e desenho urbano que orientou o

    desenvolvimento em todas as grandes cidades do mundo. Um cone sempre lembrado o

    plano de Parkways desenvolvido na dcada de 1920 por Robert Moses. Este plano modificou

    irreversivelmente a configurao espacial da cidade de Nova York abrindo os caminhos para

    4O problema do padro de crescimento ou melhor, da falta de um padro. Devido natureza descontnua do

    crescimento urbano, mesmo dentro dos limites da maioria das grandes cidades, h hoje em dia uma

    surpreendente quantidade de terra vaga. De forma pulverizada, um lote vazio aqui, um terreno baldio acol -

    nenhuma parcela suficientemente grande para que se destine um uso. o mesmo padro de disperso que est

    arruinando nossas futuras regies metropolitanas. Nos municpios para alm dos subrbios atuais h pouco

    planejamento, e o desenvolvimento est sendo deixado totalmente na mo de incorporadores especulativos.

  • 28

    novas frentes de expanso suburbana baseada no automvel. (HALL, 2002, p.298). Aps a

    segunda guerra, em regio ento acessvel pelo sistema de Parkways, mais de trezentos acres

    de terra agrria em Long Island fora convertido em subrbios dando origem a emblemtica

    Levittown, cujo nome recebeu em referncia aos seus construtores Levitt e Sons. Surgia um

    dos primeiros empreendimentos urbanos produzido em massa nos EUA e que no tardou a ser

    replicado em diversas outras partes do pas (GOTTDIENER, 2010). Este novo ciclo

    marcado pelo desenvolvimento intenso de reas de baixa densidade, polinucleao e disperso

    de atividades comerciais. Na Europa, tambm estava em plena marcha o processo de

    reconstruo das cidades e, apesar das diferenas significativas na economia e no papel do

    estado no planejamento urbano, tambm se observava um decrscimo nas densidades

    populacionais urbanas na medida em que as habitaes sociais eram construdas em reas

    perifricas, extenses urbanas planejadas ou ainda em novas cidades. A demanda por

    habitaes vinha de famlias proprietrias de automveis que se dispunham morar a distncias

    cada vez maiores dos centros de suas cidades histricas (COUCH; LEONTIDOU;

    PETSCHEL-HELD, 2007).

    As evidncias de que as mudanas nas tecnologias e infraestruturas de transporte so uma

    condio necessria expanso das reas urbanas raramente so desconsideradas nos estudos

    sobre expanso e disperso urbana. Alguns estudos buscaram demonstrar empiricamente esta

    associao atravs de mtodos economtricos (BAUM-SNOW, 2007; HANDY, 2005). As

    concluses em geral mostram que de fato h esta associao, mas que inmeros outros fatores

    incidem nesta relao e que estes no podem ser desprezados quando se buscam estabelecer

    relaes causais. Esta associao tambm estabelecida quando se analisam a distribuio

    espacial dos grupos sociais na estrutura urbana, entretanto geralmente se estabelecem

    hipteses sobre as diferentes capacidades de utilizao das tecnologias e modos de transporte

    a partir dos custos associados a cada uma delas (entendendo que o fator tempo tambm

    componente deste clculo do custo). O prprio trabalho de LeRoy e Sonstelie (1983), citado

    anteriormente, estabelece seus cenrios de segregao e expanso urbana a partir da evoluo

    decrescente dos custos associados ao transporte individual na simulao dos processos de

    suburbanizao e regentrificao. Hipteses semelhantes foram estabelecidas em outros

    trabalhos. (KAIN, 1968; GOBILLON; SELOD; ZENOU, 2007).

    A influncia das tecnologias de transporte (e seus custos associados) que embasam o modelo

    cannico da economia urbana, apesar de preponderante, no o nico fator associado aos

  • 29

    processos de expanso e segregao socioespacial nas cidades. Vrios outros aspectos so

    relacionados na literatura como potencializadores da expanso urbana excessiva e indutores

    de segregao. Destacam-se nesta discusso os problemas derivados dos processos

    especulativos no mercado de terras. Este comportamento opera sobre as expectativas de

    valorizao da terra. Neste ponto h certo consenso entre os estudos de que a especulao,

    assim como as melhorias nas condies de acessibilidade, sempre est presente nos processos

    de expanso urbana (CLAWSON, 1962; HARVEY; CLARK, 1965; BAHL, 1968). Segundo

    Archer (1973), a especulao de terras e o consequente desenvolvimento descontnuo e

    extensivo da cidade em suas franjas so vistas como falhas de mercado provocadas,

    sobretudo, pelas polticas de preos das empresas pblicas e privadas na especificao dos

    custos de servios de infraestrutura urbana, pela aparente incapacidade dos compradores de

    estimar os custos diferenciais de deslocamento entre as diferentes localizaes e as prprias

    incertezas inerentes ao mercado de terras. H autores, entretanto, que no associam

    especulao um efeito negativo nos processos econmicos das cidades entendendo que faltam

    comprovaes empricas e que, em teoria, podem existir benefcios associados reteno de

    terras. (MUTH, 1975; MILLS; HAMILTON, 1993).

    O referencial adotado pelos estudos at aqui citados so as cidades norte-americanas que

    exibem padres especficos no que se refere suburbanizao e segregao socioespacial. No

    caso latino-americano, a grande expanso das reas urbanas na segunda metade do sculo XX

    se deu de forma distinta, com processos sociais e econmicos subjacentes que em diversos

    aspectos se diferenciam daqueles observados nas cidades norte-americanas ou da Europa

    Ocidental. Na realidade, em muitos casos evita-se a utilizao do termo urban sprawl, ou de

    sua traduo literal urbanizao dispersa, na caracterizao dos processos de expanso urbana

    de metrpoles latino-americanas pela associao direta ao padro suburbano de segregao de

    alta renda e baixa densidade (OJIMA, 2007a). Aqui, associam-se aos processos de expanso

    urbana o que se convencionou chamar de periferizao, expanses urbanas tambm

    segregadas, porm de baixa renda e nem sempre de baixa densidade. Muito da agenda de

    pesquisa sobre a urbanizao latino-americana e, especificamente, a brasileira dedicada a

    compreender este padro de macrossegregao (VILLAA, 1998; MARICATO, 1996;

    KOWARICK, 1979; SANTOS, 1996). Em sua anlise, comum o reconhecimento dos

    mesmos processos indutores de segregao e expanso encontrado na literatura norte-

    americana e europeia. Predomina aqui tambm a viso de que os dois processos esto inter-

    relacionados e derivam de mudanas nas infraestruturas de transportes e nos comportamentos

  • 30

    especulativos do mercado. Um bom exemplo pode ser observado na descrio sinttica que o

    gegrafo Milton Santos faz da organizao interna das metrpoles brasileiras:

    As cidades, e sobretudo as grandes, ocupam, de modo geral, vastas superfcies, entremeadas

    de vazios. Nessas cidades espraiadas, caracterstica de uma urbanizao coorporativa, h

    interdependncia do que chamo de categoriais espaciais relevantes desta poca: tamanho

    urbano, modelo rodovirio, carncia de infraestruturas, especulao fundiria e imobiliria,

    problemas de transporte, extroverso e periferizao da populao, gerando, graas s

    dimenses da pobreza e seu componente geogrfico, um modelo especfico de centro-

    periferia. Cada qual destas realidades sustenta e alimenta as demais e o crescimento urbano, ,

    tambm, o crescimento sistmico dessas caractersticas. As cidades so grandes porque h

    especulao e vice-versa; h especulao porque h vazios e vice-versa; porque h vazios as

    cidades so grandes. O modelo rodovirio urbano fator de crescimento disperso e do

    espraiamento da cidade. Havendo especulao, h criao mercantil da escassez e o problema

    do acesso terra se acentua. Mas o dficit de residncias leva especulao e os dois juntos

    conduzem periferizao da populao mais pobre e, de novo, ao aumento do tamanho

    urbano. As carncias em servios alimentam a especulao, pela valorizao diferencial das

    diversas fraes do territrio urbano. A organizao dos transportes obedece a essa lgica e

    torna ainda mais pobres os que devem viver longe dos centros, no apenas porque devem

    pagar caro seus deslocamentos como porque os servios e bens so mais dispendiosos nas

    periferias. E isso fortalece os centros em detrimento das periferias, num verdadeiro ciclo

    vicioso. (SANTOS, 1996, p.95-96)

    A perspectiva dicotmica ainda predomina na anlise das metrpoles brasileiras at porque

    no h suficientes evidncias de que o padro de macrossegregao centro-periferia no

    represente a realidade atual destas metrpoles. Entretanto, h um crescente reconhecimento de

    que no interior destes espaos de pobreza e riqueza, bem como nas suas interseces

    espaciais, observam-se crescentes nveis de heterogeneidade (TORRES ET AL, 2002;

    CALDEIRA, 2000). Diferenciaes internas introduzem maiores nveis de complexidade

    atravs do processo de segregao observada em escalas mais prximas. Estas transformaes

    podem ser ilustradas pela narrativa que Tereza Caldeira faz sobre a evoluo dos padres de

    segregao da cidade de So Paulo:

    Ao longo do sculo XX, a segregao social teve pelo menos trs formas diferentes de

    expresso no espao urbano de So Paulo. A primeira estendeu-se do final do sculo XIX at

    os anos 1940 e produziu uma cidade concentrada em que diferentes grupos sociais se

    comprimiam numa rea urbana pequena e estavam segregados por tipos de moradia. A

    segunda forma urbana, a centro-periferia, dominou o desenvolvimento da cidade dos anos 40

    at os anos 80. Nela, diferentes grupos sociais esto separados por grandes distncias: as

    classes mdia e alta concentravam-se nos bairros centrais, com boa infraestrutura, e os pobres

    viviam nas precrias e distantes periferias. Embora os moradores e cientistas sociais ainda

    concebam e discutam a cidade em termos do segundo padro, uma terceira forma de vem se

    configurando desde os anos 80 e mudando consideravelmente a cidade e sua regio

  • 31

    metropolitana. Sobrepostas ao padro centro-periferia, as transformaes recentes esto

    gerando espaos nos quais diferentes grupos sociais esto muitas vezes mais prximos, mas

    esto separados por muros e tecnologias se segurana, e tendem a no circular e interagir em

    reas comuns. (CALDEIRA, 2000, p.211).

    De modo geral, a tradio da sociologia urbana marxista que predomina na anlise urbanstica

    que tem dominado a discusso sobre os estudos das decises de localizao intraurbana no

    Brasil no concebe a possibilidade de abordagens microeconmicas. As principais crticas

    referem-se excessiva simplificao espacial dos modelos adotados e perspectiva do agente

    individual como protagonista da estruturao do espao pela simples maximizao de suas

    utilidades, sem considerar os processos dominao e estruturas de poder que determinam os

    desequilbrios de oportunidades de acesso terra urbana. A falta de uma explicao

    microeconmica das decises de localizao residencial e da coordenao que produzem

    levou a proposio de abordagens heterodoxas dentro do campo da economia. O trabalho de

    Pedro Abramo (2007) contribui nesta perspectiva baseando-se no conceito de externalidade de

    vizinhana. Dele, deriva uma abordagem direta sobre o processo de segregao socioespacial

    como resultado de um comportamento intencional de famlias cuja deciso de localizao

    residencial parte do desejo de estabelecer relaes de vizinhana de famlias do mesmo perfil

    socioeconmico. Tal argumento j havia sido defendido pelo economista Thomas Schelling

    (1969) quando desenvolveu seu clssico trabalho onde prope a utilizao de modelos para

    descrever os processos de segregao derivados do que ele chamou de comportamentos

    individuais discriminatrios. O trabalho de Schelling foi pioneiro na proposio de modelos

    dinmicos de segregao socioespacial e, a partir de seus experimentos, definiu estratgias

    metodolgicas para tratar de aspectos como a escala de anlise na definio e extenso da

    vizinhana, o tratamento de minorias populacionais nas configuraes espaciais das reas

    segregadas, as diferentes regras de preferncia que determinam os movimentos espaciais dos

    diferentes grupos, e o papel da configurao inicial da distribuio espacial nos padres

    espaciais que emergem em processos dinmicos de segregao.

    Ao que parece, os fatores at aqui considerados de natureza econmica, tecnolgica e social

    so indutores de transformao da estrutura urbana e atuam conjuntamente nas tendncias de

    expanso urbana e segregao socioespacial. Nos diversos campos disciplinares que dedicam

    estudos sobre a questo urbana, tanto altos nveis de segregao socioespacial quanto de

    disperso urbana so entendidos como aspectos negativos com consequncias perversas nos

    custos de implantao de infraestruturas urbanas, na oferta de servios e equipamentos e nos

  • 32

    nveis de desigualdade social. Apesar de haver considervel acmulo de estudos sobre o

    padro disperso de crescimento urbano e segregao socioespacial, a perspectiva econmica

    que domina a discusso sobre o tema enfrenta o desafio de estabelecer representaes

    empricas e operacionalizveis destes conceitos. Alguns trabalhos tm dedicado esforos na

    proposio de diferentes mtricas de disperso urbana e tambm de segregao socioespacial.

    Em geral, estes estudos enfocam apenas um destes processos e limitam-se a uma perspectiva

    descritiva das estruturas espaciais urbanas.

    2.2 Medidas de disperso urbana e segregao socioespacial

    No que se refere representao da disperso e forma urbana, pode-se dizer que foi Colin

    Clark (1951) o precursor na abordagem da anlise da estrutura urbana atravs de gradientes de

    densidade em seu clssico artigo sobre "densidades de populaes urbanas". Nele, estabeleceu

    que a densidade populacional decresce de forma exponencial em funo da distncia em

    relao ao centro de negcios principal da cidade. Esta relao pode ser representada

    seguindo uma funo na forma de () = onde D(x) a densidade populacional em

    unidades de populao por unidade de rea e x a distncia ao centro de negcios. Clark se

    apoia em duas generalizaes que para ele so tomadas como vlidas e universalmente

    aceitas. A primeira afirma que para qualquer grande cidade, com exceo do distrito central

    de negcios, o qual possui poucos habitantes, encontram-se distritos mais densos no interior

    da estrutura urbana e que a densidade decresce progressivamente na medida em que nos

    afastamos para os distritos mais externos da cidade. A segunda generalizao afirma que na

    maioria das cidades, na medida em que o tempo passa, a densidade diminui em todos os

    distritos internos mais populosos e aumenta nos distritos mais afastados. Assim, a cidade

    como um todo tende a se espalhar em distncias cada vez maiores ao centro original neste

    movimento. Estas generalizaes esto ilustradas no artigo com dados estimados para um

    conjunto de cidades europeias e americanas que parecem confirmar a teoria. Entretanto, alm

    da riqueza de dados reunida sobre as cidades na primeira metade do sculo XX, o artigo

    pouco explora as causas para a ocorrncia destes padres. Esta mesma abordagem foi

    replicada em um trabalho recente desenvolvido por Cotelo e Rodrigues (2011) que estimaram

    com dados censitrios georreferenciados os gradientes de densidade populacional e de renda

    para 12 regies metropolitanas no Brasil. Com exceo de Braslia, todas as estruturas

  • 33

    intraurbanas apresentam empiricamente gradientes de densidade populacional decrescentes

    reafirmando a validade do modelo de Clark.

    O trabalho de Galster et all. (2001) desenvolve a definio conceitual e operacional de oito

    dimenses de disperso urbana. A primeira dimenso a densidade populacional e

    densidadede empregos sendo esta a mais difundida medida de disperso na literatura. A

    segunda a continuidade da mancha urbana procurando medir a existncia de vazios urbanos

    e sua extenso. A terceira uma medida de concentrao relacionada ao grau em que as

    unidades habitacionais ou empregos esto desproporcionalmente localizados em algumas

    poucas reas ou espalhados de forma uniformemente atravs do espao. A quarta medida

    uma medida de agrupamento (Clustering) e tem relao direta com a medida anterior

    diferenciando-se na forma como espacialmente se organiza as reas desenvolvidas. A quinta

    dimenso esta relacionada ao nvel de centralidade da estrutura urbana medida em funo

    das distncias mdias das reas desenvolvidas ao Centro de Negcios identificado onde se

    localiza a Sede da Prefeitura do Municpio. A sexta dimenso a nuclearidade que envolve a

    identificao de ns ou ncleos na estrutura urbana. A stima e oitava dimenso, usos mistos

    e proximidade, esto basicamente relacionados ao arranjo espacial de diferentes usos na rea

    urbana. O fato mais interessante dentro desta proposta de operacionalizao das mtricas de

    disperso a utilizao de um suporte espacial nico para todas as mtricas baseado em uma

    grade regular de clulas de igual tamanho. A utilizao deste espao celular abre perspectivas

    interessantes no que se refere possibilidade de integrao de outras bases de dados.

    Outra estratgia para a construo de mtrica de disperso urbana tem sido proposta em

    alguns estudos recentes e est baseada na utilizao de imagens de satlites como fonte de

    dados primrios. Tanto os trabalhos de Burchfield et al (2006) como o Angel et al (2011) se

    apoiam nesta fonte de informao na busca por representar a dimenso do arranjo espacial da

    estrutura urbana. O primeiro utiliza uma medida de disperso urbana construda a partir dos

    dados do National Land Cover Data (NLCD) de 1992. O NLCD uma base de dados

    construda a partir de imagens Landsat TM classificada em 21 classes de uso da terra em

    resoluo espacial de 30X30 metros com recobrimento de toda a extenso territorial dos

    EUA. O trabalho tambm integrou as bases do Land Use and Land Cover Digital Data que

    derivado em grande parte de imagens areas obtidas em torno do ano de 1976 e disponvel no

    U.S. Geological Survey. A partir desta base de dados, os autores selecionaram as classes de

    uso residencial para construir uma medida simples na forma de percentual da terra no

  • 34

    desenvolvida (ou ocupada) no entorno imediato cobrindo 1Km2 de cada clula de uso

    residencial. A partir desta medida local de disperso urbana, os autores criaram uma medida

    global para cada regio metropolitana calculando o percentual mdio deste nvel de

    desenvolvimento em torno das clulas de uso residencial. Esta medida global de disperso

    urbana calculada para cada regio metropolitana utilizada pelos autores como varivel

    dependente testando num modelo de regresso sua relao com uma srie de outras variveis

    que poderiam determinar maiores nveis de disperso urbana. As variveis independentes

    includas no modelo so de natureza demogrfica, ambiental e econmica. A grande

    contribuio deste trabalho foi, alm de propor um ndice de disperso urbana construdo a

    partir das imagens de sensoriamento remoto, utilizar as variveis fsico-ambientais geralmente

    desconsideradas em anlises similares.

    O uso de imagens de satlite classificadas como as utilizadas no indicador de disperso

    urbana proposto em Burchfield et al (2006) pode apresentar limitaes especialmente quando

    se trata da identificao das reas ocupadas de baixa densidade bem como da diferenciao

    dos usos urbanos. Em Irwing e Bockstael (2007) foram realizadas comparaes entre os dados

    do NLCD com bases derivadas de levantamentos planimtricos para algumas das metrpoles

    estudadas em Burchfield et al (2006). Baseados nas matrizes de confuso encontradas, os

    autores refutam as concluses de Burchfield et al (2006) que indicam que a extenso da

    disperso urbana permaneceu praticamente inalterada no perodo entre 1976 e 1992 uma vez

    que os dados do NLCD tendem a subestimar a disperso. Isso porque os dados do NLCD no

    identificam bem as reas ocupadas de baixa densidade populacional. Segundo os autores,

    apenas 8% das reas com estas caractersticas foram corretamente classificadas na base do

    NLCD. Alternativamente, o estudo de Irwing e Bockstael (2007) prope a utilizao de

    medidas de fragmentao derivadas das abordagens tpicas da Ecologia da Paisagem5 como

    forma a capturar padres espaciais de desenvolvimento urbano.

    5O termo Ecologia da Paisagem foi inicialmente proposto pelo gegrafo alemo Carl Troll no ano de 1939 e

    nasceu de uma perspectiva interdisciplinar interessada no estudo das interaes complexas entre as comunidades

    biolgicas e o ambiente. Esta perspectiva analtica se colocava a partir do desenvolvimento dos estudos

    cientficos que utilizavam as primeiras imagens areas ento disponveis (TROLL, 1971). Recentemente a

    ecologia da paisagem tem se renovado dentro da emergncia de conceitos como sustentabilidade e tambm

    apoiada nos avanos das tcnicas geocomputacionais. Muito desse movimento deve-se em grande parte aos

    desafios metodolgicos que o estudo das mudanas climticas induzidas por fatores antropognicos fomentou e a

    um crescente reconhecimento de que so necessrias abordagens sensveis aos padres espaciais definidores das

    estruturas de paisagem (HOBBS, 1997).

  • 35

    O trabalho desenvolvido em Angel et al (2011) tambm deriva da tradio analtica da

    Ecologia da Paisagem quando prope a utilizao de imagens de satlite para construir

    mtricas das cinco dimenses, que para os autores so necessrias compreenso dos

    processos de disperso urbana. A primeira a prpria medida da extenso da terra

    urbanizada, usualmente derivada da quantificao dos pixels classificados como superfcie

    impermeabilizada (impervious surface), os autores propem formas para diferenciao das

    reas centrais, intermedirias e franjas da mancha urbana bem como a identificao das reas

    abertas capturadas dentro das manchas urbanizadas contnuas. A segunda dimenso a

    densidade medida como a relao mdia entre a populao e a rea urbanizada. A terceira

    dimenso a fragmentao medida como a proporo de reas abertas existentes entre as

    reas j desenvolvidas e entre as novas reas de expanso urbana. Nesta dimenso se

    diferenciam os padres espaciais de expanso urbana em trs tipos: desenvolvimentos

    internos a mancha urbana j consolidada (infill), novos desenvolvimentos contguos mancha

    urbana nas franjas da cidade (extension) e novos desenvolvimentos no contguos mancha

    urbana (leapfrog). A quarta dimenso a centralidade calculada como a proporo da

    populao que vive prxima ao centro de negcios. Por fim, a quinta dimenso a

    compacidade, relacionada diretamente com a forma da mancha urbana e o grau em que ela se

    aproxima a uma forma circular ou a um padro tentacular menos compacto. Para cada uma

    destas dimenses foi proposto uma srie de mtricas e indicadores com o objetivo especfico

    de operacionalizao destas dimenses para que se pudessem estabelecer estratgias analticas

    capazes de estabelecer um quadro comparativo das 120 grandes aglomeraes urbanas

    existentes ao redor do mundo.

    No Brasil, poucos so os trabalhos que se dedicaram a construo de representaes

    quantitativas de disperso urbana. Entre estes, destaca-se o trabalho desenvolvido por Ojima

    (2007b) que em sua tese de doutorado prope um indicador de disperso urbana dentro de

    uma abordagem comparativa entre as metrpoles do pas. O indicador inclui quatro

    dimenses: densidade, fragmentao, orientao e centralidade. As trs primeiras

    dimenses seguem a lgica dos indicadores propostos na literatura internacional, com a

    diferena de utilizar exclusivamente as bases geogrficas do censo demogrfico. A quarta

    dimenso bastante inovadora e utiliza dados de movimentos pendulares para identificar os

    padres de mobilidade intra-metropolitano atravs das propores de movimentos pendulares

    com destino ao centro principal ponderado pela intensidade do total de movimentos

    pendulares em relao populao total. Por fim, o autor aplica uma normalizao nos

  • 36

    ndices e calcula a posio relativa de cada aglomerado no contexto metropolitano nacional

    atravs no que se refere ao grau de disperso urbana.

    No que se refere representao da segregao socioespacial, os primeiros estudos derivam

    da tradio norte-americana de enfocar o aspecto racial nos estudos de segregao que

    ganham fora a partir dos anos 50 com os movimentos por direitos civis contra as leis

    segregacionistas (MASSEY; DENTON, 1987). Neste perodo, surgem alguns estudos

    propondo mtricas de segregao socioespacial, sendo que o mais difundido neste tipo de

    anlise o ndice de dissimilaridade proposto por Duncan e Duncan (1955). O tema da

    segregao seguiu na agenda de pesquisa incorporando outros aspectos relacionados no

    apenas com a questo tnica e racial, mas tambm a dimenso da segregao de natureza

    socioeconmica. Diferentemente das medidas de disperso e expanso urbana que apenas

    recentemente se diversificaram dentro da agenda de pesquisa, diversas mtricas de segregao

    socioespacial foram propostas na literatura. A dissertao de mestrado da arquiteta Flvia

    Feitosa (2005) faz uma ampla reviso do conjunto de iniciativas que tinham por finalidade a

    quantificao da estrutura de segregao socioespacial das cidades. Alm do esforo de

    catalogao realizado pela pesquisadora, ela apresenta uma organizao destas propostas

    dentro de trs perodos: a primeira fase rene as primeiras iniciativas com a proposio dos

    ndices dicotmicos, onde apenas dois grupos populacionais eram considerados na medida,

    em geral dois grupos raciais. A segunda fase inclui as medidas de segregao para vrios

    grupos. Este segundo conjunto de iniciativas decorria da constatao de que em muitos casos,

    para alm da questo racial, havia tambm a segregao por critrios socioeconmicos para os

    quais a classificao em apenas dois grupos era insuficiente na descrio dos padres de

    segregao. Por fim, em meados da dcada de 80, a terceira fase nascia do reconhecimento da

    falta de sensibilidade espacial dos ndice