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191 Educação, Batatais, v. 5, n. 2, p. 191-212, 2015 Transtorno do Espectro Autista (TEA): definição, características e atendimento educacional Amanda Cristina dos Santos PEREIRA 1 Marily Oliveira BARBOSA 2 Glorismar Gomes da SILVA 3 Rosimeire Maria ORLANDO 4 Resumo: Considerando o processo de inclusão escolar de crianças público- -alvo da educação especial na rede regular de ensino e a importância de conhecimento técnico para os professores que atuarão com esse público, o presente trabalho objetivou apresentar uma visão geral acerca das características da criança com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e o atendimento educacional a ser oferecido. Foi realizada uma revisão da literatura das principais legislações, serviços e discussões da temática. A educação especial deve ser vista como um serviço de direito da pessoa com deficiência, portanto, sua importância para a inclusão escolar desse público- -alvo fica evidente. Considera-se que a inclusão escolar é direito desses alunos e benéfica para todos os envolvidos; para que haja sucesso nesse processo, é preciso uma parceria entre professores, pais, funcionários e alunos. O atendimento educacional especializado e o trabalho colaborativo entre professor de ensino comum e professor de educação especial são ferramentas fundamentais para o atendimento adequado e aprendizagem efetiva dos alunos com TEA. Palavras-chave: Transtorno do Espectro do Autismo. Educação Especial. Formação de Professores. 1 Amanda Cristina dos Santos Pereira. Mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciada em Educação Especial pela mesma instituição. E-mail: <amanda. [email protected]>. 2 Marily Oliveira Barbosa. Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Licenciada em Educação Física pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>. 3 Glorismar Gomes da Silva. Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Graduada em Fisioterapia e Educação Física (UFPB). E-mail: <[email protected]>. 4 Rosimeire Maria Orlando. Pós-doutora pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Doutora em Educação Escolar pela Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Mestre em Metodologia do Ensino também pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde atualmente é Professora adjunta no curso de Licenciatura em Educação Especial e no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial. E-mail: <[email protected]>.

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Transtorno do Espectro Autista (TEA): definição, características e atendimento educacional

Amanda Cristina dos Santos PEREIRA1

Marily Oliveira BARBOSA2

Glorismar Gomes da SILVA3

Rosimeire Maria ORLAndO4

Resumo: Considerando o processo de inclusão escolar de crianças público- -alvo da educação especial na rede regular de ensino e a importância de conhecimento técnico para os professores que atuarão com esse público, o presente trabalho objetivou apresentar uma visão geral acerca das características da criança com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e o atendimento educacional a ser oferecido. Foi realizada uma revisão da literatura das principais legislações, serviços e discussões da temática. A educação especial deve ser vista como um serviço de direito da pessoa com deficiência, portanto, sua importância para a inclusão escolar desse público- -alvo fica evidente. Considera-se que a inclusão escolar é direito desses alunos e benéfica para todos os envolvidos; para que haja sucesso nesse processo, é preciso uma parceria entre professores, pais, funcionários e alunos. O atendimento educacional especializado e o trabalho colaborativo entre professor de ensino comum e professor de educação especial são ferramentas fundamentais para o atendimento adequado e aprendizagem efetiva dos alunos com TEA.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro do Autismo. Educação Especial. Formação de Professores.

1 Amanda Cristina dos Santos Pereira. Mestranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciada em Educação Especial pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>.2 Marily Oliveira Barbosa. doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Licenciada em Educação Física pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>.3 Glorismar Gomes da Silva. doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do norte (UFRn). Graduada em Fisioterapia e Educação Física (UFPB). E-mail: <[email protected]>.4 Rosimeire Maria Orlando. Pós-doutora pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar). doutora em Educação Escolar pela Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho (UnESP). Mestre em Metodologia do Ensino também pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde atualmente é Professora adjunta no curso de Licenciatura em Educação Especial e no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial. E-mail: <[email protected]>.

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Autism Spectrum Disorder (ASD): definition, characteristics and educational services

Amanda Cristina dos Santos PEREIRAMarily Oliveira BARBOSAGlorismar Gomes da SILVA

Rosimeire Maria ORLAndO

Abstract: Considering the process of inclusion of public-school children target of special education in the regular school system and the importance of technical knowledge for teachers who will work with this population, this study aimed to present an overview about the characteristics of the child with Autism Spectrum disorder (ASd) and care education being offered. A literature review was conducted of the main laws, services and thematic discussions. The Special education should be seen as a person’s right to service disabled, therefore, its importance to the inclusion of this public-school target is evident. It considers that the school inclusion of these students is right and beneficial for everyone involved; so there is success in this process, it needs a partnership between teachers, parents, staff and students. The specialized education and collaborative work between teachers of regular education and special education teacher are fundamental tools for proper care and effective learning of students with ASd.

Palavras-chave: Autism Spectrum disorder. Special Education. Teacher Training.

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1. INTRODUÇÃO

O público alvo a ser atendido pela educação especial é extenso, principalmente ao pensarmos que esta deve auxiliar todos os alunos, com suas diferentes peculiaridades. Em se tratando do aluno com Transtorno Global do desenvolvimento, mais especificamente o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), foco da nossa pesquisa, Belisário Filho (2010) indica que esse transtorno se caracteriza pela presença de um desenvolvimento acentuadamente prejudicado na interação social e comunicação, além de um repertório marcantemente restrito de atividades e interesses. As manifestações desse transtorno variam imensamente, a depender do nível de desenvolvimento e idade. Os alunos com TEA apresentam diversas formas de ser e agir, com respostas diferentes entre si.

Atualmente, a Associação Americana de Psiquiatria relaciona o diagnóstico por meio das características da díade do TEA composta por (a) déficit na interação social e comunicação e (b) comportamentos e interesses restritos e repetitivos (APA, 2014). Assim:

[...] os Transtornos Globais do desenvolvimento (TGd), que incluíam o Autismo, Transtorno desintegrativo da Infância e as Síndromes de Asperger e Rett foram absorvidos por um único diagnóstico, Transtornos do Espectro Autista. A mudança refletiu a visão científica de que aqueles transtornos são na verdade uma mesma condição com gradações em dois grupos de sintomas: déficit na comunicação e interação social; padrão de comportamentos, interesses e atividades restritos e repetitivos. Apesar da crítica de alguns clínicos que argumentam que existem diferenças significativas entre os transtornos, a APA entendeu que não há vantagens diagnósticas ou terapêuticas na divisão e observa que a dificuldade em subclassificar o transtorno poderia confundir o clínico dificultando um diagnóstico apropriado (ARAUJO; nETO, 2014, p. 70).

Os autores Gupta e State (2006, p. 30) indicam que “[...] o autismo e os transtornos do espectro do autismo (TEA) possuem as mais fortes evidências de terem bases genéticas”, enfatizam que os dados são confiáveis e que recentes descobertas na área oferecem a

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possibilidade de avanços na descoberta da real causa do autismo e dos demais transtornos do espectro (SCHWARTZMAn, 2011).

dadas as afirmações desses autores, é fundamental que se quebrem os paradigmas do TEA como doença, dando-se a compreensão da especificidade como um transtorno que se manifesta na infância e prossegue na vida adulta.

O diagnóstico do TEA na área médica permanece sendo eminentemente clínico. Para classificar o indivíduo, buscam-se critérios clínicos, por meio de profissionais da área da saúde (médicos psiquiatras e neuropsiquiatras), estes se apoiam nos relatos dos pais e/ou responsáveis sobre a observação da criança, relacionado ao seu desenvolvimento comportamental. Os médicos buscam apoio na avaliação de outros profissionais da saúde (psicólogos e psicopedagogas). Para excluir outras hipóteses de diagnóstico, são feitos exames laboratoriais e por imagem, contudo, o diagnóstico é eminentemente clínico (SCHWARTZMAn, 2011). Após o diagnóstico médico, o indivíduo com TEA necessita de auxílio multidisciplinar para contribuir com o desenvolvimento biopsicossocial.

nesse sentido, o presente estudo visa apresentar temáticas relacionadas à inclusão escolar do aluno com TEA; Atendimento Educacional Especializado, trabalho colaborativo com o professor e alguns métodos relacionados ao desenvolvimento educacional para o indivíduo com TEA, a saber: intervenções psicoeducacionais (Método Son Rise, TEACCH, ABA, Integração Sensorial e Equoterapia), além dos aspectos relacionados ao professor da sala regular e o professor do AEE, trabalho colaborativo e recursos e materiais pedagógicos que favorecem a inclusão de alunos com TEA.

2. INCLUSÃO ESCOLAR

A inclusão escolar diz respeito às novas atitudes em relação às ações que permeiam o ambiente escolar, tendo como um dos pontos norteadores o acesso à educação para todos os indivíduos, independentemente de este ser ou não do público-alvo da educação especial (BARBOSA; FUMES, 2012). A inclusão escolar traz o

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pressuposto de que a escola é que tem que se ajustar aos educandos, ao invés destes se ajustarem àquela. O espaço escolar deve ser pensado de maneira flexível, a fim de atender cada educando de forma particularizada (PACHECO, 2007). nessa perspectiva, entendemos a educação inclusiva como um processo que inclui todas as pessoas, tendo por base a partilha de responsabilidades por todos os agentes da comunidade escolar, e não uma luta de reivindicações travada por alguns profissionais. não é apenas o professor que transformará a escola em inclusiva, mas sim a união entre coordenadores, professores, demais funcionários e família (PIRES, 2006).

A comunidade escolar precisa conhecer e compreender as peculiaridades de cada educando para atuar com segurança, acredita Cunha (2008, p.8 5), para quem é imprescindível que o professor invista “[...] tempo no conhecimento desse aluno através do cotidiano escolar para que se possa estabelecer as estratégias pedagógicas e reconhecer as possibilidades de aprendizado”. dessa forma, quanto maior o nível de entendimento do profissional da educação, melhor será o tipo de intervenção direcionado aos educandos com deficiência.

de acordo com nunes (2012, p. 289), os professores ainda possuem “[...] concepções caricaturizadas sobre a síndrome do autismo”, prejudicando o processo de inclusão escolar do indivíduo com TEA, quadro que perpetua a exclusão. Segundo a autora, as instituições escolares possuem diversos déficits, como carências de rede de apoio e desconhecimento das estratégias efetivas de ensino voltadas para a educação especial. Além de aumentar a ansiedade em lidar com o educando, tais aspectos influenciam as práticas pedagógicas empregadas e diminuem as expectativas dos docentes no que diz respeito à educabilidade de seus educandos.

A educação necessita reconhecer, em todos os seres humanos, a capacidade de evoluir, ressalta Orrú (2012). Partilhando tal pensamento, Santos (2011, p. 47) assegura que a educação, “responsável pelo desenvolvimento psicológico dos indivíduos, por sua transformação e, consequentemente, por sua atuação no sentido de transformar a realidade em que estão inseridos”, possui papel importante no desenvolvimento dos indivíduos.

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Inclusão do Estudante com TEA

Silva (2010) aponta que, a partir da inclusão no ensino comum, a convivência compartilhada oportuniza contatos sociais, favorecendo, assim, o desenvolvimento dessa criança. Cintra, Jesuino e Proença (2010) compartilham desse ponto de vista, enfatizando que o estímulo recebido pelo educando com o transtorno no ambiente escolar, no que se refere à socialização, é a base para o seu desenvolvimento, assim como para o de qualquer outra criança.

Especificamente sobre a inclusão escolar da criança com TEA, diversos autores que se debruçaram sobre a temática consideram possível a inclusão desse público (CInTRA, JESUInO; PROEnÇA, 2010; LAZZERI, 2010; BARBOSA; FUMES, 2012; CHIOTE, 2013). Mas cabe ressaltar o que Chiote (2013, p. 21) aponta:

Incluir a criança com autismo vai além de colocá-la em uma escola regular, em uma sala regular; é preciso proporcionar a essa criança aprendizagens significativas, investindo em suas potencialidades, constituindo, assim, o sujeito como um ser que aprende, pensa, sente, participa de um grupo social e se desenvolve com ele e a partir dele, com toda sua singularidade.

Para a inclusão escolar se efetivar, é preciso que o indivíduo tenha acesso à escola regular, possibilitado por diversos documentos legais. Em se tratando do educando com TEA, houve, em 2012, a promulgação da Lei nº 12.764, sendo este o primeiro documento oficial a falar especificamente do educando com TEA (BRASIL, 2012). na Lei, é apresentada a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012). O documento, que relaciona aspectos como critérios relacionados à educação, saúde, moradia e mercado de trabalho, traz um importante legado: igualar o indivíduo à pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais (BRASIL, 2012). Outro aspecto importante diz respeito ao direito à educação e à matrícula, definido pelo artigo 7º:

O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de educando com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 03 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos. § 1º Em caso de reincidência, apurada por processo administrativo,

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assegurado o contraditório e a ampla defesa, haverá a perda do cargo (BRASIL, 2012, p. 3).

de acordo com a Lei, a instituição escolar deverá matricular, bem como ofertar, quando comprovada a necessidade, um acompanhante especializado (BRASIL, 2012). Este, segundo a nota Técnica nº 24 do Ministério da Educação, deverá ser “[...] disponibilizado sempre que identificada a necessidade individual do estudante, visando à acessibilidade às comunicações e à atenção aos cuidados pessoais de alimentação, higiene e locomoção” (BRASIL, 2013, p. 4). A intervenção do acompanhante necessita ser articulada a todas as atividades realizadas no contexto escolar: atividades da sala de aula, atividades do atendimento educacional especializado e demais atividades escolares.

Cabe salientar que o serviço realizado pelo acompanhante especializado “[...] deve ser periodicamente avaliado pela escola, juntamente com a família, quanto a sua efetividade e necessidade de continuidade” (BRASIL, 2013, p. 4). Esse procedimento considera que o indivíduo com TEA inicialmente pode necessitar do serviço e com o passar do tempo conquistar autonomia nas atividades realizadas na escola; para tanto, a gestão escolar necessita observar e avaliar esse serviço, tendo sempre em foco que o acompanhamento não deverá restringir ou dificultar o desenvolvimento pessoal e social do educando.

O Atendimento Educacional Especializado

Belisário Filho e Cunha (2010) observam que esses educandos em muito se beneficiam com as atividades realizadas pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE), haja visto que se trata de um serviço que contribui para o acesso e a participação de todos no ambiente escolar (BRASIL, 2011), embora este não deva ser o único serviço ofertado para esse público.

O AEE funciona na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), que “[...] são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento

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educacional especializado” (BRASIL, 2011, n.p.). nas SRM, são desenvolvidas atividades que têm por objetivo auxiliar o processo de ensino aprendizagem a partir de materiais didáticos pedagógicos diferenciados dos da sala de aula comum e de diferentes estratégias, adaptando-se, assim, aos educandos com deficiência (BRAUn; VIAnnA, 2011; BARBOSA; FUMES, 2012). O plano do AEE deve contemplar:

[...] identificação das habilidades e necessidades educacionais específicas; a definição e a organização das estratégias, serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade; o tipo de atendimento conforme as necessidades de cada estudante; o cronograma do atendimento e a carga horária, individual ou em pequenos grupos (BRASIL, 2013, n.p.).

Em se tratando do Plano do AEE, a Resolução n.º 4/2009 indica que este deve ser elaborado e executado pelo professor do AEE em articulação com os professores do ensino regular, da família e de diversos outros profissionais, como terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, entre outros. “Este plano deve ter o objetivo de eliminar barreiras de aprendizagem” (BRASIL, 2013, p. 3).

Cintra, Jesuino e Proença (2010) esclarecem que o AEE não deve ser confundido com reforço escolar ou mera repetição dos conteúdos curriculares desenvolvidos na sala de aula. Seu objetivo é constituir um conjunto de procedimentos específicos que auxiliem no processo de ensino e aprendizagem. Lazzeri (2010, p. 33) afirma que as atividades do AEE para estudantes com TEA “[...] devem ser diversificadas, criativas e instigadoras de outras possibilidades de aprendizado diferentes das utilizadas em sala regular”. Tendo por objetivo de otimizar a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes que favoreçam a inclusão escolar do indivíduo.

Professor da Sala Regular e o Professor do AEE: Trabalho Co-laborativo

Considerando o exposto, é imprescindível que o atendimen-to educacional especializado esteja vinculado ao Projeto Político-

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-Pedagógico (PPP) e integrado às ações pedagógicas da escola (BRASIL, 2009; 2013). A parceria entre os professores do AEE e os da sala de ensino regular é preconizada nos diversos documentos legais (RESOLUÇÃO nº 4/2009; nOTA TÉCnICA nº 24/2013). A articulação entre esses dois profissionais tem por finalidade a cons-trução de redes de apoio com vistas a um melhor atendimento do educando por meio dos recursos pedagógicos da SRM, buscando ampliar as suas habilidades, promovendo a sua autonomia e a ple-na participação no sistema escolar (BRASIL, 2009; 2010; 2013). A parceria, conforme a Resolução nº 4/2010, é uma obrigação da escola, devendo ela:

Efetivar a articulação pedagógica entre os professores que atuam na sala de recursos multifuncionais e os professores das salas de aula comuns, a fim de promover as condições de participação e aprendizagem dos alunos (BRASIL, 2010, p. 4).

Observa-se que a parceria faz parte das atribuições do professor do AEE. É o que garante a nota Técnica nº 24/2013, do Ministério da Educação (MEC), ao evidenciar que:

[...] os professores das classes comuns e os do AEE devem manter interlocução permanente com o objetivo de garantir a efetivação da acessibilidade ao currículo e um ensino que propicie a plena participação de todos (BRASIL, 2013, p. 5).

3. INTERVENÇÕES PSICOEDUCACIONAIS

Método Son-Rise

O programa foi desenvolvido na década de 1970 pelo The Autism Treatment Center of America, em Massachusetts, nos Estados Unidos, por pais de uma criança com TEA. Por meio da experimentação criativa com seu filho, o casal desenvolveu o método Son-Rise (TOLEZAnI, 2010).

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Segundo Santiago e Tolezani (2011), nos momentos em que a criança realiza os comportamentos estereotipados5, os pais devem se aproximar e demonstrar aceitação, por exemplo, imitando os movi-mentos da criança. Então, é possível identificar quais são suas prefe-rências sensoriais para planejar atividades. Quando a criança estiver habituada com o tratamento é que se propõem atividades.

O método:[...] oferece uma abordagem educacional prática e abrangente para inspirar as crianças, adolescentes e adultos com autismo a participarem ativamente em interações divertidas, espontâneas e dinâmicas com os pais, outros adultos e crianças (TOLEZAnI, 2010, p. 8).

Para a aplicação do método, é criado um espaço na casa da família projetado para diminuir os estímulos ambientais que poderiam distrair a criança.

É totalmente lúdico, com ênfase na diversão, os facilitadores e os pais seguem o interesse da criança e oferecem atividades motivadoras, para que a criança participe voluntariamente (TOLEZAnI, 2010).

TEACCH

O método TEACCH visa indicar, especificar e definir de maneira operacional os comportamentos que devem ser trabalhados, bem como organizar o espaço físico, desenvolver horários e sistemas de trabalho, esclarecer e explicitar as expectativas e usar materiais visuais, sempre dando atenção especial ao ambiente social e de aprendizagem e à ação clara de proporcionar uma estrutura para todo o ensino (WILLIAMS; WRIGHT, 2008; ORRÚ, 2012).

Esta abordagem, segundo Williams e Wright (2008), tem por objetivo ajudar indivíduos com TEA a cultivar a independência dentro de seu potencial máximo, entre os principais direcionamentos

5 diversos autores afirmam que estes envolvem as mãos (bater palmas, estalar os dedos, abanar os dedos) ou todo o corpo (balançar-se para frente e para trás, inclinar-se abruptamente ou oscilar o corpo), bem como apresentam movimentos motores peculiares, como por exemplo, o caminhar na ponta dos pés e andar em círculos sem objetivo, contudo tais movimentos não são uniformes e característicos em todos os indivíduos com TEA (CUnHA, 2010; ASSUMPÇÃO JUnIOR; KUCZYnSKI, 2011).

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estão o foco no indivíduo, visto que cada programa é individualizado, reconhecendo que todos são diferentes.

Orrú (2012) afirma que o TEACCH é eficaz no trabalho com crianças com TEA, principalmente por possuir uma metodologia que produz o efeito esperado na modificação dos comportamentos. O treino das habilidades é eficaz em ambientes controlados, com estímulos direcionados para a resposta esperada.

ABA

Outra estratégia educacional utilizada pelos princípios do behaviorismo e que busca a compreensão do comportamento é o ABA. O método observa, analisa e explica a associação entre o ambiente, o comportamento humano e a aprendizagem (LIMA, 2012). Conforme o autor supracitado, todos os comportamentos, de um modo geral, são aprendidos e, por conta disso, intencionalmente ensina a criança a exibir comportamentos mais adequados no lugar de comportamentos-problema, buscando sempre generalizá-los a novos ambientes e situações.

Bagaiolo, Guilhardi e Romano (2011) mencionam que as principais teorias do ABA dizem respeito ao reforço positivo do comportamento, disponibilização do retorno imediato como consequência da ação (reforço positivo), comparação de cada educando consigo mesmo, apresentação do conteúdo de uma ordem de complexidade crescente, monitoramento constante do desempenho do educando e programação de uma aprendizagem sem erros. Ainda sobre isso, Lima (2012, p. 44) afirma que:

As tarefas são definidas de forma muito específica de maneira que a criança consiga acertar o máximo possível. As tarefas são repetidas de forma contínua até a criança dominar a resposta. Para modelar o comportamento da criança são utilizadas várias técnicas de condicionamento.

no método ABA, a modulação do comportamento é um conceito-chave para as intervenções, bem como as técnicas de condicionamento do comportamento. Tais ações recebem diversas

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críticas, visto que o condicionamento do comportamento, como aponta Lima (2012), dificulta a espontaneidade e a ação do sujeito em sociedade, principalmente em ambientes pouco estruturados.

Integração Sensorial

A teoria da integração sensorial foi fundada pela dra. A. Jean Ayres, nos Estados Unidos, nos anos de 1960, cuja investigação lhe possibilitou criar uma avaliação e intervenção para as desordens sensoriais. Em seu estudo, investigou a natureza da forma do cérebro processar a informação sensorial de forma a usá-la para a aprendizagem, para as emoções e o comportamento. Sua teoria propõe que a integração sensorial atue no cérebro de forma que este organize a sensação do nosso corpo e do ambiente para que seja possível usar o corpo de forma eficaz no ambiente (MAILLOUX; ROLEY; BRIAn, 2012).

Está indicada para crianças em idade escolar sem desordens motoras severas ou mentais e é comumente usada com crianças diagnosticadas com TEA. A teoria de integração sensorial de Ayres fundamenta-se em alguns testes (Sensory Integration Praxis Tests – SIPT) e muitas observações que contribuíram para a identificação de muitos dos distúrbios sensoriais. Baseia-se em princípios considerados essenciais para a condução das intervenções, alguns deles são:

[...] realizados por profissionais qualificados, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e terapeuta da fala [...]. Ambiente seguro com equipamentos que possam estimular a sensação vestibular (o sistema vestibular é responsável por manter o equilíbrio, a postura e orientação do corpo no espaço) [...]. Sensações proprioceptivas (para detecção de movimento e posicionamento do corpo), sensações táteis e oportunidades para a práxis; atividades que promovam controle postural, motor oral e controle óculo motor, incluindo segurar-se contra gravidade e manter controle enquanto se move pelo espaço [...] (MAILLOUX, ROLEY; BRIAn, 2012, p. 7).

A família e os professores têm papel importante no sentido de perceber algumas dificuldades em nível sensorial, uma vez que os distúrbios sensoriais se evidenciam quando da entrada da criança

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na creche, podendo persistir até a vida adulta. Estão incluídos nessa terapia exercícios que envolvem o desenvolvimento da atenção, concentração, audição, compreensão, equilíbrio, coordenação e o controle da impulsividade nas crianças. Um plano de avaliação e tratamento é necessário para fornecer os estímulos adequados para cada situação. Os estímulos sensoriais são compostos de atividades corporais completas por meio de diferentes tipos de equipamentos (balanço, salto etc.).

Equoterapia

de acordo com a Associação nacional de Equoterapia (An-dE-Brasil), a Equoterapia é:

[...] um método terapêutico que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com deficiência e/ou com necessidades especiais.

A Equoterapia emprega o cavalo como agente promotor de ganhos a nível físico e psíquico. Esta atividade exige a participação do corpo inteiro, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da força muscular, relaxamento, conscientização do próprio corpo e aperfeiçoamento da coordenação motora e do equilíbrio, constituindo-se um tratamento complementar de apoio à reabilitação neurossensoriomotora, para crianças com dificuldades ou deficiências físicas, mentais e/ou psicológicas, que utiliza o cavalo como instrumento de trabalho em uma abordagem, multi e interdisciplinar.

A interação com o cavalo, incluindo os primeiros contatos, os cuidados preliminares, o ato de montar e o manuseio final desenvolvem novas formas de socialização, autoconfiança e autoestima (AndE-BRASIL, 2015). Quando a criança monta no cavalo, há um ajuste tônico da musculatura para responder aos desequilíbrios provocados pela movimentação do animal, assim, ocorre um grande número de ajustes tônicos, sendo requisitadas informações exteroceptivas, que são provenientes dos nossos sentidos, principalmente tato, olfato, visão e audição. Esse trabalho sensorial acontece pelo contato de os glúteos e faces internas das

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coxas com o animal, das mãos em contato com as rédeas e com o pelo; pelos sons das batidas dos cascos do cavalo, da voz do terapeuta, do vento passando pelas folhas das árvores; sente-se o cheiro característico do cavalo e do ambiente, que pode ser um picadeiro fechado ou um bosque.

As crianças com TEA são beneficiadas com a prática da Equoterapia, pois o sentimento de empatia e afetividade que acaba sendo despertado em relação ao cavalo, aliado ao fato de se praticar uma atividade física/esportiva, lúdica e divertida ao ar livre e em contato com a natureza, despertam um sentimento extremamente prazeroso. O prazer provoca mudanças biológicas e favorece o armazenamento de quaisquer informações, uma vez que estão sendo adquiridos em momentos extremamente agradáveis, o que impulsiona a tentar repetir. Essas boas sensações carregadas de novas informações têm como resultado final o aprendizado.

4. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS

no documento Saberes e Práticas da Inclusão voltado para a Educação Infantil, é indicado que o professor não deve expor o aluno com TEA aos demais da turma. A prática de preparar a turma com informações antecipadas pode prejudicar o processo educacional, uma vez que o social pode ser influenciar neste. Assim, o documento indica que se deve apresentar as informações a partir dos questionamentos dos alunos da turma, permitindo espontaneidade para a condução das informações e da sensibilização dos demais alunos (BRASIL, 2004).

Se necessária uma conversa com a turma, o aluno com TEA pode ser encarregado de uma tarefa externa, evitando que se sinta constrangido. nessa situação, a atitude do professor deve considerar uma conversa coletiva que se paute na discussão da diferença do aluno no aspecto específico ao levantado pela turma e nos pontos positivos da personalidade e potencialidades da criança com TEA (BRASIL, 2004).

dentre as estratégias pedagógicas propostas no documento citado, em sala de aula, o professor pode considerar: (a) estabelecimento de rotina, por meio de agenda, exposição na lousa,

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caderno; (b) instruções orais objetivas acerca do que se solicita à criança; (c) em situação de comportamentos estereotipados e ecolalia, a atenção da criança deve ser transferida a outra tarefa ou atividade; (d) proporcionar situações em que as crianças da turma oportunizem a participação da criança com TEA em alguma tarefa/atividade, como oferecer brinquedos, ajuda e solicitar ajuda da criança com TEA; (e) o ensino deve ser baseado não só na exposição verbal, mas em outros recursos também; (f) apresentar tarefas curtas e uma por vez e aumentá-las gradualmente; elaborar regras de convivência e utilizá-las; (g) observar o que desencadeia as situações de comportamento inadequado e interferir antes da situação, mudando a tarefa. Gradualmente, a exposição da criança com TEA às situações pode ser trabalhada, a fim de não mais desencadear um comportamento inadequado; reforçar sempre o comportamento adequado e nunca o inadequado. (h) na situação do comportamento inadequado (gritar, autolesionar-se, jogar objetos), o professor deve considerar os riscos à integridade física do aluno e o melhor ambiente para acalmá-lo; (i) não permitir que o aluno não realize tarefa alguma: professor pode solucionar isso por meio de reestruturação das atividades, da rotina, do número de tarefa; e, (j) criar um meio de comunicação, a depender da necessidade do aluno.

Implementando estratégias pedagógicas apropriadas ao ensino de crianças com TEA, é possível que a inclusão escolar desses educandos ocorra de maneira a garantir o direito de acesso, permanência e aprendizagem no sistema educacional regular. É imprescindível que o estudante com TEA tenha acesso e aprendizagem aos conteúdos escolares em conjunto com a turma ao qual o estudante frequenta.

nesse sentido, Melo (apud nUnES; AZEVEdO; SCHIMIdT, 2013) evidencia a importância dos planos de ensino numa pesquisa que visou compreender as percepções de professores sobre estratégias pedagógicas adotadas com educandos com TEA. Participaram 376 professores. Por meio da elaboração coletiva de cem planos de aula, os resultados apontaram que quando os professores planejam as estratégias pedagógicas de sala de aula, considerando as características do desenvolvimento da criança com TEA, tornam-se capazes de planejar e alcançar objetivos mais claros, que darão sentido ao

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objeto de conhecimento, tornando o processo de aprendizagem mais motivador.

5. RECURSOS E MATERIAIS PEDAGÓGICOS QUE FAVO-RECEM A INCLUSÃO DE ALUNOS COM TEA

Quanto aos recursos e materiais pedagógicos que fazem parte da prática docente, cabe ao professor saber utilizá-los para maximizar a aprendizagem de seus alunos. Partindo desse pressuposto, segundo Merch (1996, p. 123):

[...] os jogos e materiais pedagógicos não são objetos que trazem em seu bojo um saber pronto e acabado. Ao contrário, eles são objetos que trazem um saber em potencial. Este saber potencial pode ou não ser ativado pelo aluno. Em segundo lugar, o material pedagógico não deve ser visto como um objeto estático sempre igual para todos os sujeitos. O material pedagógico é um objeto dinâmico que se altera em função da cadeia simbólica e imaginária do aluno. Em terceiro lugar, o material pedagógico traz em seu bojo um potencial relacional, que pode ou não desencadear relações entre as pessoas. Assim, o objeto que desencadeou relações muito positivas em uma classe pode ser o mesmo que paralisará outra. Em quarto lugar, o material pedagógico são objetos que trazem em seu bojo uma historicidade própria. Além de portar a historicidade de cada aluno e professor, eles apresentam também a historicidade da cultura de uma dada época.

É preciso que o professor atue como mediador entre o material e a criança, conduzindo-a a um processo de aprendizagem maximizador e não limitador. no educando com TEA, segundo Lampreia (2007, p. 107) “[...] há falhas em habilidades que precedem a linguagem como o balbucio, a imitação, o uso significativo de objetos e o jogo simbólico”. Assim, cabe ao professor mediar essa interação a depender da necessidade e especificidades do aluno.

Considerando o aparato legal atual, as escolas devem oferecer materiais e recursos para o público-alvo da educação especial, a fim de facilitar o desempenho e desenvolvimento dessa população.

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As funções e definições dos recursos que se referem à tecnologia assistiva (TA), segundo Gonçalves (2010, p. 41) são:

[...] uso e implementação de qualquer instrumento, serviço, suporte, estratégia e prática que vão auxiliar na funcionalidade e melhorar os resultados esperados para a realização de uma atividade, seja ela acadêmica, atividade de vida diária, mobilidade, locomoção e comunicação. Portanto, pode ser classificado como sendo qualquer item, produto ou equipamento, adquirido e produzido comercialmente ou personalizado, com o intuito de manter, melhorar ou incrementar as habilidades funcionais de indivíduos com deficiência.

Segundo Berch (2006), a TA enriquece e aumenta as competências do aluno em suas ações e interações por meio de estratégias e criação de alternativas para a comunicação, escrita, mobilidade, leitura, brincadeiras e artes.

Assim, é preciso pensar em quais tecnologias o aluno com TEA necessita para sua maior autonomia e participação nas atividades dentro e fora da escola. Bersch (2006, p. 283), com base na California State University Northridge – Center on Disabilities, propõe a organização de dez passos necessários para a implementação e acompanhamento da Tecnologia Assistiva para alunos com deficiência:

1. histórico e conhecimento do aluno/usuário da TA;2. identificação das necessidades no contexto escolar;

3. identificação de objetivos a serem alcançados pela equipe;

4. avaliação das habilidades do aluno;

5. seleção/confecção e teste de recursos;

6. tempo para aprender a utilizar o recurso;

7. orientação para aquisição;

8. implementação da TA;

9. seguimento e acompanhamento do aluno na utilização da TA;

10. desenvolvimento e fortalecimento de equipe durante todo o processo.

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Considerando esses passos, pode-se verificar que não é somente a presença de um recurso que significa sucesso e progresso do aluno. Esses passos indicam que é preciso atenção e reflexão acerca do material escolhido, da viabilidade do recurso, do uso em si, da manutenção do recurso e do acompanhamento contínuo. É preciso pensar em quais tecnologias o aluno com TEA necessita para sua maior autonomia.

Com as contribuições de Cook e Hussey (2002), pode-se compreender as TA’s em dois grupos: baixa e alta tecnologia. Os de baixa tecnologia tratam de recursos simples, que não utilizam energia elétrica. A desvantagem é que apresentam função limitada e a vantagem é que são mais disponíveis, possuem baixo custo e menor treinamento para o uso. Os de alta tecnologia são mais complexos e multifuncionais, envolvem sistemas computadorizados, como softwares e em como funções o uso por alunos com dificuldade de fala, de aprendizagem e necessitam de instrução individualizada, ou de alunos com dificuldades motoras. Geralmente, representam a única alternativa para acesso ao currículo, como escrita, leitura, sistemas de comunicação.

A viabilidade de criar um material, considerando as características e as necessidades do aluno, proporciona um aprendizado tanto para o professor quanto para o aluno. Os recursos de alta tecnologia viabilizam a dinamicidade à aprendizagem. Assim, pode-se inferir a importância dos recursos na aprendizagem dos alunos que possuem TEA: maiores possibilidades de sucesso.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola regular é a base para o desenvolvimento das crianças com TEA. Em se tratando do AEE e do aluno com TEA, as pesquisas demonstram ser um desafio atuar com esses alunos, visto que há barreiras no contexto educativo. Contudo, estas estão paulatinamente sendo rompidas e os alunos com TEA cotidianamente estão tendo acesso às escolas e realizando progressos.

Há necessidade da existência de uma parceria entre o AEE, escola e família, pois é por meio dessa união que os alunos com TEA

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poderão construir aprendizados que possibilitem a independência na vida. O AEE e a parceria colaborativa se constituem como mais uma ferramenta para auxiliar no desenvolvimento acadêmico dos alunos com TEA, uma vez que estes têm direito a receber uma educação de qualidade em ambientes acolhedores, que promovam não apenas o aprendizado para a vida estudantil, mas para toda a vida.

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