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SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 24/09/2015 LOCAL : AUDITÓRIO CALOUSTE GOUBENKIAN – FUNDAJ TEMA: SUDENE DEPOENTES: FRANCISCO DE OLIVEIRA CLEMENTE ROSAS RIBEIRO ADALBERTO ARRUDA ULRICH HOFFMAN DÉLIO MENDES PLINIO MONTEIRO SOARES

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TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 24/09/2015

LOCAL : AUDITÓRIO CALOUSTE GOUBENKIAN – FUNDAJ

TEMA: SUDENE

DEPOENTES:

FRANCISCO DE OLIVEIRA CLEMENTE ROSAS RIBEIRO

ADALBERTO ARRUDA ULRICH HOFFMAN

DÉLIO MENDES PLINIO MONTEIRO SOARES

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HENRIQUE MARIANO – Bom dia a todos, vamos fazer a abertura da nossa sessão pública da Comissão Estadual de Memória e Verdade Dom Helder Câmara. Inicialmente eu gostaria de justificar a ausência do nosso Coordenador Geral, Fernando Coelho, mas ele está em deslocamento de João Pessoa para Recife, e está havendo uma manifestação que atrasou a chegada dele aqui, mas ele está a caminho, e logo que ele chegue, ele assumirá a presidência dos trabalhos. Eu gostaria de convidar, inicialmente, para compor a mesa o professor Francisco

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de Oliveira, que aqui já se encontra (aplausos), Clemente Rosas Ribeiro (aplausos), e o advogado Adalberto Arruda (aplausos). Também na mesa já se encontra a professora Socorro Ferraz, relatora desta sessão pública que abordará os aspectos e os efeitos da repressão na Superintendência da SUDENE de 64 em diante com o golpe militar e gostaria de registrar também as seguintes presenças: como representantes da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, Manoel Jerônimo e a Dra. Maria do Carmo Tabosa; o nosso consultor Dr. José Almino, que aqui se encontra; Abelardo Caminha, ex funcionário da SUDENE e Graça Oliveira, presidente do SINDSEP- PE. Inicialmente passarei a palavra à professora Socorro Ferraz, que fará um resumo a respeito do objetivo desta sessão pública e, ato contínuo, convidaremos o professor Francisco de Oliveira para que ele inicie o seu depoimento. Então, com a palavra a professora Socorro Ferraz.

SOCORRO FERRAZ – Bom dia. Em 17 de fevereiro de 1959, no Salão do Catete, parlamentares, ministros, os governadores do Nordeste, e Dom Helder Câmara, foram acolhidos pelo Presidente Juscelino Kubitschek e Celso Furtado para testemunharem o lançamento da Operação Nordeste, que JK chamava de META 31. Na mesma cerimônia, o presidente assinou uma mensagem ao Congresso, encaminhando o projeto da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, SUDENE, e assinou também, nessa mesma ocasião, um Decreto instituindo o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste com sede no Recife. Segundo Francisco Oliveira, que hoje nos honra com a sua presença, “um vasto sopro de esperança varreu a região”. A SUDENE, desde cedo, enfrentou resistências a partir das elites nordestinas, temerosas por perdas de privilégios, até de setores atrasados do Congresso Nacional. Com o golpe civil militar de 1964 e a instauração do IPM da SUDENE, dirigido pelo General Salvador batista do Rêgo, não foram apenas os funcionários atingidos por medidas de repressão, de prisões, perseguições, perda do emprego, violação dos direitos humanos, mas se abateu sobre a instituição a mão pesada do estado autoritário, no sentido de desmontar todo um projeto pensado para o desenvolvimento dessa região e sua integração com outras regiões do país. Esta sessão da Comissão de Memória e Verdade Dom Helder Câmara tem por objetivo obter dos depoentes informações que esclareçam a sociedade de Pernambuco as circunstâncias em que essas violações de direitos humanos se deram, como também quais foram as razões para mudanças tão bruscas no plano de ação da SUDENE, estruturado em torno de quatro diretrizes: o aumento dos investimentos industriais e a organização da economia da zona semiárida, e dessas duas se derivaram outras duas: o aumento da produção de alimentos na faixa úmida e o deslocamento da fronteira agrícola da zona do semiárido em direção ao interior maranhense e Goiânia. Então, o que esta Comissão deseja saber para o seu relatório final é exatamente o que motivaria um estado, um estado autoritário, a desmontar um órgão que tinha esses objetivos? É isso que nós estamos esperando ouvir dos depoentes. E agradecemos, desde já, a presença de todos. Nós sabemos das dificuldades de se deslocar nesse país, o país é um continente, e as dificuldades são cada vez maiores. Nós agradecemos muito a presença de vocês e esperamos um trabalho conjunto onde todos vão ser importantes nos seus depoimentos.

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HENRIQUE MARIANO – Eu, antes de passar a palavra ao professor Chico Oliveira, eu quero registrar a presença dos demais integrantes da Comissão, os advogados Áureo Bradley, Roberto Franca, Humberto Vieira, o professor Manoel Moraes e a, advogada também, Nadja Brayner. E registrar a presença de vários assessores, historiadores da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara. Esta sessão será dividida em dois períodos. O período da manhã, onde nós ouviremos o professor Chico Oliveira, Clemente Ribeiro e Adalberto Arruda. A tarde iremos ouvir Ulrich Hoffman, Délio Mendes e o professor Plínio Monteiro Soares. Como já ressaltado pela professora Socorro Ferraz, eu também, em nome da Comissão, agradeço sinceramente a presença de todos vocês, convidados e depoentes. Nós reconhecemos, não é professora, a dificuldade e o esforço pessoal de muitos de vocês que se deslocaram inclusive de outros estados da Federação, pra se encontrar aqui na Comissão prestando este valoroso depoimento, isto é uma demonstração que pessoalmente nos engrandece e principalmente nos emociona, saber que nós fomos capazes de mobilizar pessoas tão importantes, com uma atuação política tão representativa como vocês tiveram no passado e tem no presente. Então eu agradeço sinceramente a presença de todos vocês, inclusive aqueles que não irão prestar depoimento, mas que compareceram a esta sessão, a fim de contribuir com o trabalho da Comissão da memória e Verdade Dom Helder Câmara. Professor Chico Oliveira é nascido em Recife, é sociólogo, mais conhecido como Chico de Oliveira e um dos mais importantes cientistas políticos do Brasil. Preso durante três meses e torturado pelos órgãos de repressão, reside atualmente em São Paulo, onde atua como professor titular de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP. Foi Superintendente Adjunto da SUDENE, no período de 59 à 64, justamente quando a instituição era presidida pelo economista Celso Furtado. Professor Chico Oliveira, eu gostaria da sua compreensão, mas antes do senhor iniciar a sua fala, a qual poderá ser desenvolvida livremente, de acordo com o que lhe convier, e dentro, se possível, do escopo já declinado pela Comissão, pela professora Socorro Ferraz, mas para fins de registro dessa sessão pública que está sendo gravada e filmada, eu peço ao senhor que decline o seu nome todo e sua identidade e, ato contínuo, possa iniciar a sua exposição. Mas, de logo, agradeço a sua presença e a de todos os demais.

DEPOIMENTO DE FRANCISCO DE OLIVEIRA:

CHICO DE OLIVEIRA – Bom dia a todos,... a tecnologia conspira sempre contra mim (refere-se ao uso do microfone) ... bom, meu nome completo é muito longo, de modo que pode até cansar, por que é nome de ladrão de cavalo, não é? Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira. Meus pais é que são responsáveis por essa longa lenga lenga. Então, eu sou aqui, como dizia Antônio Maria, “do Recife com orgulho e com saudade”. Me fiz aqui, estudei aqui, nos colégios populares, como o Salesiano, e fiz a Universidade do Recife, antiga Faculdade de Filosofia de Pernambuco, da Universidade do Recife. Não era lá grande coisa o curso, era bastante fraco, tínhamos alguns nomes dos melhores de Recife, mas em geral o curso era bastante fraco. Para os que se pretendiam sociólogos, o melhor curso era o de Matemática, onde nós todos naufragávamos. Os outros cursos eram dados por figuras eminentes do pensamento da Província mas eles botavam o assistente, não é? Então não foi grande coisa. E aquele canudo

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servia pra pouca coisa, a não ser bater na cabeça de um moleque mais atrevido, mesmo assim não fazia dano nenhum. Então depois daí, eu saí para o que, eufemisticamente, se chamava mercado de trabalho. E me dei conta, ao passar a soleira da porta, que não existia nem mercado nem trabalho. Então era, na verdade, meter-se numa aventura. Eu fui bater no Banco de Nordeste que mantinha um escritório de Estudos Econômicos, e era ali onde acolhia esses desviados: sociólogos, economistas, historiadores. A partir daí a coisa deslanchou, mas como uma boa parte dos meus conterrâneos, no fim das contas tive que ir pra São Paulo. Por que aqui não dava. Depois do golpe, principalmente. Você era convidado a ir à Casa de Detenção a cada 15 dias e ficava desagradável. Tinha gente que tinha uma maletinha já pronta com cueca, pijama, camisa pra trocar, mas eu me recusei a isso e aí fui pro Rio e de lá pra São Paulo. O resto é uma história comum, não fiz nada de excepcional. O que é que eu fiz na SUDENE pra vocês hoje pedirem meu depoimento? Eu caí na melhor época. Eu entrei na SUDENE, era tão simples que vocês nem acreditam. Por que depois o serviço público (...?...) era tão simples como isso. O Fernando de Oliveira Mota, vocês não conhecem mais, já se foi, o Fernando passou em São Paulo e me disse: “Por que você não volta pra Recife? “Eu disse: “Por quê?” Ele disse: “Por que o Celso está fazendo uma coisa nova lá”. Eu fui, tomei o avião, fui pro Rio, me entrevistei com ele. Ele não queria saber se eu tinha feito curso de CEPAL, se... de onde eu era. Ele olhou assim, com um certo ar de superioridade e disse: “ Converse ali com o Medeiros...” Medeiros era o pau pra toda obra, era o Secretário Geral da SUDENE... “e veja o que ele pode fazer.” Medeiros também não tinha muita papa na língua: “Quantas passagens você precisa pra voltar pra Recife?” Foi assim, tão simples quanto isso. Depois, evidentemente, que o serviço público inventa vários requisitos, e aí eu fiquei 5 anos, não é? De 59 a 64. É claro que a gente, sempre ao relembrar, constrói o seu período de ouro, com alguns acertos e muita fantasia. Esse foi o meu período de ouro. Novo, jovem, sem muita regra, o Celso, que ainda ia subir mais no conceito nacional, mas o Celso simplesmente não tinha nem oficial de gabinete. Que era comum na alta burocracia brasileira. Nada! Não tinha nada disso. Não tinha negócio de pedir audiência, imagine! Então foi um período rico de decisões importantes e chefiadas por Celso Furtado. Vocês não conheceram, alguns conheceram, o Plínio, o Hoffman, o Celso era um republicano exemplar, se alguém quisesse defini-lo pode dispensar suas qualidades intelectuais e chama-lo de republicano exemplar. A República era tudo pra ele, e nada abaixo disso. Um pequeno episódio, que eu não vou encher vocês de episódios, diz tudo: Como o Celso era da Paraíba mas tinha pouco contato aqui com o Nordeste, um dia, algum gaiato, querendo agradar, por que a SUDENE também não era nenhum paraíso, também tinha os “puxa saco”, e um “puxa saco” indicou o tio do Celso pra ser contratado pela SUDENE. O tio do Celso não tinha nada pra dar, já tinha passado o Cabo da Boa Esperança e estava se encaminhando..., ele foi admitido. Mas tinha outro, meu compadre Jáder, que era radical que nem a raiz da macaxeira, que cismou com o parente do Celso e demitiu ele. O Celso nem tomou conhecimento, tal era a isenção dele em relação ao que era público. Nem tomou conhecimento. Provavelmente depois, em idas à Paraíba, ouviu reclamação da tia, da irmã, da avó, mas estava feito. Eu que era o operador, ele nem me consultou, nem me perguntou nada. E isso facilitou muito o que a SUDENE foi em seu primeiro período. Não falo de segundos e

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terceiros pois já não vivia aqui e não gosto de falar disso. Mas o primeiro período era de uma conduta exemplar. Nada transigido nos princípios do serviço público. O Celso era uma personalidade. Um caráter muito forte, muito discreto, tinha duas coisas que ele prezava muito, o concurso dele do DASP, de servidor público, e em segundo lugar ter sido voluntário da FEB. Isso de voluntário da FEB teve enorme importância, por que, “d’un autre temps”, o Exército era muito presente nas instituições civis. O Exército tinha uma plêiade de oficiais muito bem formados que não tinham nada o que fazer, por que a guerra tinha passado e então ele requisitava topógrafos, cartógrafos, engenheiros, geólogos, tudo lá; e com isso preencheu os quadros da SUDENE do início. Depois entrou num período de formação dos nossos próprios quadros, com o inestimável auxílio da Universidade do Recife. O departamento de Geologia, por exemplo, foi quase todo fundado com estímulo da SUDENE. Um departamento novo e a gente teve muito contato. A SUDENE destinou-se, basicamente, foi às teorias de planejamento que estivessem em moda, à grande influência da CEPAL pra ensinar planejamento e tal, mas quando você chegava no batente não era nada daquilo. Nas minhas pretensões de sociólogo eu achava que ia assinar grandes atos, na verdade eu assinava demissões, transferências, quer dizer, isso é que era administrar o planejamento. Mas nós não estávamos enquadrados em nenhum sistema de serviço público, de modo que as nomeações eram exclusivamente de escolha da própria SUDENE. Fez-se isso durante certo tempo até que, mais pra diante, o tal senador Virgílio Távora, vejam bem, a esquerda é culpada de tudo no Brasil mas, na verdade, quem faz patifaria é a direita. O senador Virgílio Távora fez uma lei que enquadrou todo mundo como funcionário público, aí acabou a flexibilidade que se tinha. Felizmente isso não resultou em nenhum desastre. Foi passeio num mar calmo? Não, de jeito nenhum. Nós tivemos fortes inimigos desde o princípio. O mais notório deles era o senador Argemiro Figueiredo, da Paraíba, que desenvolveu uma luta feroz contra a aprovação do plano de criação da SUDENE. Essas alianças e contradições variaram ao longo desses 5 anos, depois não sei como se deu. De início, por exemplo, a liderança do Cid Sampaio que era governador de Pernambuco, funcionou muito a favor. Ele era um desenvolvimentista também, bem na linha juscelinista, e tentou tornar Pernambuco um polo de atração das indústrias que se instalassem. Como ele era udenista, rapidamente virou oposição. Havia dubiedade de governadores. Aqui nós estamos fazendo um depoimento, então nós estamos além do bem e do mal. Havia governadores, como Aluísio Alves, enorme força no Rio Grande do Norte, e no Nordeste: um patife, simplesmente um patife! Havia o Virgílio Távora que além de coronel da reserva do exército era (...?...) no Ceará, muito forte. O Virgílio Távora chantageava todo o tempo, através de pequenas coisas, eu me lembro... não vou fazer disso aqui um discurso de memória, que é chato, mas falando da compra de banana, reparem bem: banana, eu tive que brigar com Aluísio Alves por que ele estava comprando banana no estado e era assim, à nível da miudeza, mas na verdade o objetivo principal naqueles anos era tirar o Celso da Superintendência e, por tabela, o Aluísio Alves me disse na cara: “Esse comunistazinho safado que você botou aí pra nos perturbar”. O objetivo era derrubar o Celso por que a SUDENE, digamos, na honra do presidente Juscelino, da sua memória, jamais traficou influência. O Celso foi nomeado pelo impacto que ele demonstrou à Juscelino. Até por que o famoso plano de

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Juscelino não era mais do que o resumo do grupo BNDES/CEPAL, que existiu no Rio e foi o Celso que organizou. Então as metas do grupo BNDES/CEPAL foram transferidas para o governo de Juscelino. Celso tinha enorme prestígio e foi nomeado sem Juscelino consultar alguma força política que pudesse fazer oposição. E assim seguiu pelos presidentes anteriores, não é? Quer dizer, Celso aguentou Jango, Jânio Quadros e Juscelino. Um superintendente com três presidentes, cada um mais diferente do que o outro. No golpe ele não resistiu, não é?

(Muitas falas paralelas, chegada de Dr. Fernando Coelho)

FERNANDO COELHO – Bom dia a todos.

CHICO DE OLIVEIRA – No golpe ele não resistiu, nem podia resistir, por que aí foi... fomos, retirados da SUDENE. Tiveram alguma dignidade com o Celso, principalmente por que ele era FEBiano, não é? Ele tinha feito parte da FEB, na Itália, e era um oficial da reserva do Exército. Tiveram dignidade, o tiraram do Recife e o levaram ao Rio, aí ele foi convidado pela Universidade e foi pros Estados Unidos e depois pra França. Quanto aos rapapés, os do segundo time, cadeia! Cadeia pra aprender o que é bom pra tosse. A minha experiência da ditadura demorou pouco, felizmente. Quarenta e cinco dias no Derby, tratado a pão de ló, por que a gente sempre conta as misérias, não é? Mas fui tratado a pão de ló, meu irmão era major da PM, o que faz diferença, não é? Essa história que os sociólogos cantam em prosa e verso de “parentela” funciona mesmo. Mesmo num regime excepcional. Meu irmão era major da polícia. Mas tem gente que ficou muito traumatizada desde então. Eu tenho grandes amigos que não aguentaram, alguns vivem amargando até hoje. Mas eu a partir daí vi que ficar no Recife era ter que me exibir ao Quartel General, então resolvi me mandar pra São Paulo, seguindo a trajetória de boa parte dos meus conterrâneos e aí encerrou-se a história. Muito obrigado e vamos pra frente. (Aplausos)

FERNANDO COELHO – Primeiro eu devo justificar um pouco o meu atraso. Eu estou vindo de João Pessoa e estou ainda em convalescência por que fraturei o fêmur, mas de qualquer maneira estou fazendo progressos. Por essa razão e inclusive as dificuldades na estrada, sobretudo no trecho de Abreu e Lima, é que cheguei com atraso. Peço desculpas a todos e, dando prosseguimento aos trabalhos, passo a palavra para Clemente Rosas, conhecido de todos.

DEPOIMENTO DE CLEMENTE ROSAS:

CLEMENTE ROSAS – Bom dia. Bem quatro pessoas ainda vão falar depois de mim. Então eu vou me limitar a como entrei... primeiro eu tenho que dizer meu nome, não é? Clemente Rosas Ribeiro, identidade 2342- OAB/PE.

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FERNANDO COELHO – bem, eu pediria a Clemente, antes que ele começasse, que se possível também desse algumas palavras sobre o problema da morte, no dia 1º de abril, na passeata dos estudantes, e que você inclusive testemunhou.

CLEMENTE ROSAS – Testemunhei e escrevi um artigo sobre isso: “Eu estava lá”. Depois foi republicado com outro título: “Abril despedaçado”. Posso disponibilizar. Bem, eu vou falar sobre isso a pedido do Dr. Fernando Coelho. Mas eu vou então falar como entrei na SUDENE, por que entrei e qual a minha experiência na área de cooperação internacional, onde eu trabalhei. E vai haver muito depoimento aí sobre tudo o mais que ocorreu na SUDENE.

(Pergunta inaudível na plateia)

CLEMENTE ROSAS – O epílogo deste livro que eu escrevi sobre minha experiência no movimento estudantil, fala da forma como entrei na SUDENE e por que entrei. Eu vou ler só um trechinho: “A ideia de arquivar todos os sonhos de mudança que tive como estudante, no movimento estudantil, e simplesmente ganhar dinheiro me repugnava. Como mergulhar na atividade profissional conservando a perspectiva de ação política? As estruturas partidárias paraibanas, montadas no clientelismo, não ofereciam espaço. O único partido digno desse nome era ilegal. Era o velho Partidão, como vocês sabem. Foi aí que Janizo Pontes Costa, colega formado um ano antes, falou na SUDENE. Ele entrou na SUDENE e a autarquia estava convocando recém diplomados habilitados a integrar seus quadros. Devia se enviar currículo indicando as razões por que se desejava trabalhar lá. Depois havia que redigir uma monografia sobre um tema informado por telegrama e, no final, submeter-se a uma entrevista. Se julgado apto, o candidato era inscrito num curso intensivo de Desenvolvimento Econômico fazendo jus a uma bolsa de manutenção e , finalmente, se aprovado em tal curso, era contratado pela SUDENE. No comando desse rigoroso processo seletivo, como diretor de recursos humanos, estava Naílton Santos, auxiliado por Marcos Lins. Ambos egressos do movimento estudantil, onde eu os vira brilhar”. Bem, vendo isso, eu me habilitei, atravessei todo esse processo, e quando chegou na fase final, que era a entrevista e que o Naílton se deslocou pra João Pessoa pra fazer, eu tinha caído de hepatite infecciosa grave e estava, segundo os preceitos da época, recolhido à cama um mês, sem poder me levantar, e com dieta, que era a forma de se curar hepatite. Então, eu tive a ideia, como as entrevistas seriam dadas no Conselho Estadual de Desenvolvimento, e eu tinha um cunhado que trabalhava lá, eu pedi que convidasse Naílton pra almoçar na casa dos meus pais, aonde eu estava, na Praia Formosa. E Naílton aceitou e assim ele teve oportunidade de falar comigo. Houve um episódio interessante, essa comissão já ouviu muita história triste, muita história de torpezas, sofrimentos, talvez seja receptiva e eu espero que seja, a um fato e eu nem posso ser acusado de politicamente incorreto por que eu contei ao Naílton e ele riu também. Ele estava lá, na sua brilhante negritude, como eu costumo me referir, sentado na mesa, com meus pais, meus irmãos, aí nós tínhamos uma mãe preta que serviu a duas gerações de nossa família, minha mãe e os irmãos dela e a nós todos, os filhos, que morreu centenária, estava lá na parte de trás da casa e como ela tinha muita autoridade sobre as pessoas que ela criou, ela chamou lá minha mãe e disse: “Marcília, o que é

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que esse nêgo tá fazendo aí sentado na sala?” (Risos) Aí foi preciso minha mãe dizer que era um amigo dos meninos, eu e meu irmão Nelson, muito instruído, era um doutor. E aí ela aceitou bem. Vinte e cinco anos depois, quando eu e Naílton já tínhamos nos reintegrado à SUDENE, eu tentei reviver esse episódio, que seria assim as bodas de prata do meu relacionamento com a SUDENE, não é? Por que a entrevista foi o começo. Eu ia reproduzir toda a cena, por que o ambiente era o mesmo, mas infelizmente não foi possível, Naílton tinha um compromisso e eu perdi essa chance. Na entrevista ele sentou-se lá ao lado da minha cama e disse: “Entrevista é pra quem a gente não conhece. Você eu já conheço, então não temos o que conversar”. Foi assim que eu entrei na SUDENE. E fui, depois de uma conversa com marcos Lins, que era uma espécie de auxiliar de Naílton, fui trabalhar na cooperação internacional. Por que eu tinha sido, no meu tempo de dirigente da União Nacional dos Estudantes, eu tinha sido vice presidente de intercâmbio internacional, falava inglês e francês, então, muito embora nessa época a CI não tinha esse nome ainda, era chamada de GAP, Grupo da Aliança para o Progresso, que não me simpatizava nada, Marcos Lins me convenceu de que a CI ia se construir e que a missão era controlar a ação dos americanos em sua política de assistência técnica ao Nordeste. Começou com a visita que Dr. Celso Furtado fez ao presidente Kennedy, falou dos problemas do Nordeste, já havia muita notícia dos riscos que o Nordeste tinha de se converter num novo Vietnam, etc. e conseguiu uma determinada verba para ser aplicada, segundo os sonhos dele, nos planos de desenvolvimento que a SUDENE ia implementar. Foi uma ilusão por que, de fato, o governo americano implantou no Nordeste uma missão, U-S-A-I-D, Assistência Internacional para o Desenvolvimento dos Estados Unidos, a gente chamava USAID. Por que esse pessoal que veio pra cá, eram vários especialistas em diversas áreas, todos muito bem remunerados em dólar, morando em mansões alugadas em Boa Viagem e se deslocando em carro com ar condicionado, o que era uma raridade nesse tempo, ninguém tinha. Eu lembro de alguns deles. Na realidade, eles não vieram colaborar com o plano de Celso Furtado, eles vieram também pra planejar e orientar os recursos para as prioridades deles, definidas por eles. Então o nosso papel era exatamente tentar controlar isso. Como se fosse um pequeno Ministério de Relações Exteriores da SUDENE. Me lembro do nome de alguns deles: John Javrotsky, Donald Finberg , James Houska e Dennys Goulet. O primeiro teve um ato de nobreza. Depois de 64, quando nós todos estávamos inseguros, e o meu chefe na época, que era José Macedo Lins estava recolhido lá na sua casinha lá de Olinda, ele foi até lá, Macedo não quis recebe-lo, se escondeu, mandou dizer que não estava, e ele deixou um bilhete dizendo se colocando à disposição, caso ele precisasse, pra ajudar em alguma coisa. E outro tipo curioso era o James Houska, que esse parece, segundo Naílton, a grande preocupação dele era como gastar os dólares que ele recebia. Por que não tinha lá nenhum brilho intelectual, encontrava Naílton na noite recifense e fazia questão sempre que podia de pagar as despesas. E assim ficaram amigos. E o tipo diferenciado era o Dennys Goulet que seria um americano com estilo europeu, não é? Ele estava fazendo uma tese de doutorado, o título era “A ética do desenvolvimento” baseado naquela máxima que o importante não é ter mais, é ser mais. Então esse era um tipo diferenciado que inclusive foi afastado do que se chamava “Program Office” da USAID, por que casou com uma brasileira. Então, segundo as

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regras americanas, casar com uma nativa era condição impeditiva ara certas funções. A esposa dele era irmã de uma pessoa que era Relações Públicas do Banco do Nordeste nesse tempo... Banco... Banco Nacional do Norte, era Artur Reinaldo Maia Alves. Reencontrei muitos anos depois o professor Dennys Goulet numa conferência na Fundação Joaquim Nabuco, aqui, em que ele era professor da Universidade... uma Universidade americana com nome francês: “Notre Dame” , e tive o prazer de relembrar esse tempo. Era um tipo realmente diferenciado. Mas o nosso trabalho era desse tipo e eu podia citar alguns casos concretos de conflito entre o que a SUDENE queria e o que os americanos queriam. O caso mais ilustrativo é o “ Fortaleza Emergency Power”. No tempo que a energia elétrica de Paulo Afonso ainda não chegava em Fortaleza, cogitou-se de ter um gerador termo elétrico para atender as necessidades da cidade enquanto as linhas de Paulo Afonso não chegassem. Isso seria custeado pelo governo americano com recursos para se comprar esse gerador enquanto a energia de Paulo Afonso não chegasse. O que ocorreu é que ao discutir o convênio, esperava-se que uma vez Fortaleza abastecida de energia elétrica, esse gerador pudesse ser deslocado para outros lugares, segundo as prioridades da SUDENE, para que pudesse atender outras populações. Eles incluíram no convênio uma regra que qualquer deslocamento tinha que ter autorização prévia da USAID, com o que nós não concordamos e Dr. Celso manteve a nossa posição. Veio até um advogado de Washington especialmente pra isso, não falava uma palavra de português, conversou conosco, não se resolveu, foi a Dr. Celso e ele manteve a posição. Aí eu me lembro que uma hora lá lendo o texto ele disse que não, isso não era uma questão de “wording”, era questão de princípios. E o princípio é esse: vocês estão querendo fazer uma doação com uma cláusula onerosa, quase uma reserva de domínio, e nós não aceitamos isso. E aí ficou o impasse. Acabou sendo resolvido de uma forma conciliatória, até por que os técnicos da área disseram que o gerador podia ficar como uma unidade de reserva para quando houvesse panes ou qualquer outro tipo de problema com a linha de Paulo Afonso. E assim foi feito. Mas o princípio de autoridade da SUDENE foi mantido. Outro caso foi a tendência de monopolização da assistência técnica que havia. Nesse tempo a SUDENE recebia propostas de assistência técnica de vários países. De Israel, da França, da Alemanha e dos Estados Unidos, naturalmente, além das organizações internacionais, OEA e Nações Unidas e OLA. Em determinado momento, foi um cochilo nosso, nós não percebemos a malícia, já havia uma missão francesa no Vale do Jaguaribe, que era GEVJ- Grupo de Estudos do Vale do Jaguaribe, e uma outra de Israel no interior do Piauí, estudando águas subterrâneas e uma missão das Nações Unidas no São Francisco, que é a origem de todos os projetos de irrigação do Nordeste, começaram lá nesse grupo de irrigação do São Francisco e os americanos chegaram com a ideia de fazer um contrato de estudo de quinze bacias hidrográficas do Nordeste. Era o que restava, não é? E nós concordamos. Depois é que descobrimos: o objetivo era fechar a área pra que não entrasse mais nenhum outro grupo de assistência de nenhum outro país. Por que de repente apareceram os alemães nos oferecendo esse tipo de assistência e nós fomos ver que não havia mais bacia sobrando. Bom, aí, isso já foi na gestão posterior, Dr. Celso já não estava mais lá, e essa foi uma grande decepção nossa. Nós verificamos que havia um prazo pra início dos trabalhos e que o governo americano não tinha cumprido o prazo. Depois disso,

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eram 2 meses, o convênio podia ser considerado rescindido. E aí nós propusemos ao novo superintendente João Gonçalves de Souza, que ele cancelasse com base nos termos do próprio convênio e oferecesse uma daquelas bacias à assistência técnica alemã. E João Gonçalves não teve coragem de fazer isso. Então ficaram lá as 15 bacias, não foram estudadas nem pelo governo americano nem por ninguém e nós ficamos frustrados. Nos últimos momentos, eles chegaram ao ponto, e eu já estou falando da fase posterior, de criar uma comissão interna na SUDENE com funcionários da USAID participando. Assinaram dois funcionários que eram da USAID. Isso chegou pra nós, na Cooperação Internacional, e o então diretor teve a coragem de mandar pra Assessoria Jurídica questionando se um servidor de outro governo podia dar parecer em documentos internos da SUDENE. Obviamente não podia. Mas o pessoal não tinha qualquer limite quanto a isso. Eu trouxe aqui e vou deixar em poder dessa Comissão mais ou menos uns 10 pareceres que eu tive o cuidado de guardar nunca pensei que algum dia pudesse ter alguma utilidade, e acredito que agora tem. Tinham questões, propostas da USAID que nós dávamos parecer contrário, todos os pareceres foram desconsiderados e... por que na minha opinião, e é uma ideia que eu tenho, João Gonçalves de Souza foi aquele que os americanos queriam que fosse indicado pra substituir o Dr. Celso Furtado. Por que era um homem claramente incapaz pra função. Era um funcionário da Organização das Nações Unidas que trabalhava na Cooperação Técnica. Era só distribuir bolsas, não tinha... cearense de nascimento, muito tempo morando no exterior e sem qualquer compreensão, sem qualquer noção, da dimensão do trabalho da SUDENE. Ele atendia as reivindicações, como um pedido de um governador ou outro. Então veja, esse aqui, só pra citar a natureza dos pareceres: Era uma proposta, um documento que eles chamavam PIOT – Projeto para Implementação de Ordem Técnica – aí variava: quando era C era “comodities”, quando era P era “participants”, quer dizer, bolsistas, enfim, aí começaram as propostas de trazer técnicos pra cá, através de PIOTs, que eram submetidas à nossa aprovação. Esse aqui, por exemplo, era de um técnico em habitação que ia trabalhar no “staff” da USAID. Não era pra SUDENE, e isso eram recursos do Acordo do Nordeste. Nós demos o parecer contrário, claro. Esse outro também, um técnico em merenda escolar para o “staff” da USAID, parecer contrário nosso. Terceiro, uma contratação de uma instituição chamada “American Institute for Free Labor Development”, é uma associação para o desenvolvimento do trabalho, para orientar aqui as Ligas Camponesas e os órgãos de representação de operários e de camponeses, sobre como operar, certo? Esse aqui, naturalmente, teve parecer contrário nosso. Até por que é o tipo de assistência que, como o próprio João Gonçalves chegou a reconhecer, mas não teve coragem de manter perante os americanos, é um tipo de assistência que seria mais adequada a uma instituição multinacional, Nações Unidas, coisas desse tipo, não um governo estrangeiro. Um outro... assistência técnica à USAID... técnico em educação de adultos, esse para assistência à SUDENE, como se a gente não tivesse bastante conhecimento nessa área, a começar com o famoso programa de Paulo Freire e outros, não é? E esse aqui foi um técnico chamado Shirley Jonh Bocks, que eu não sei se por algum tipo de preconceito, no currículo dele dizia que a nacionalidade era UK – United Kingdom, e a gente ficava se perguntando a origem disso, mas depois descobrimos. Ele era um cingalês, do Ceilão, com físico de indiano, veio aqui, mas logo

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depois veio o movimento militar e ele ficou encostado. E quando ele foi nos procurar pra reclamar disso, dizendo que ia assinar o relatório final “blindfolded”, como ele diz, sem ver nada, dizendo “Eu não vi nada, só vi um posto médico, não tive acesso aos dados, e queria saber se vai ser assim mesmo?” O que havia é que o novo diretor da área de hidrologia da SUDENE achava que havia um conflito de assistências técnicas por que os americanos estavam trabalhando nisso e ele não dava acesso ao cingalês, quando na realidade o contrato com as Nações Unidas era anterior ao contrato com os americanos. E assim foram meus últimos tempos na cooperação Internacional da SUDENE. Era uma frustração atrás da outra. O Instituto Brasileiro de Ação Municipal ...para a USAID, um técnico pra USAID, da mesma forma. E por último, pra não ser cansativo, eu vou contar um caso que eu corria, quando eles tinham a política de sair oferecendo às instituições, ao DNER, aos DERs, aos governos estaduais, oferecendo bolsas, viagens, tanto para o que eles chamam “VIP – Very important People” como pra outros e depois chegavam com esse fato consumado, o pessoal já de passaporte na mão, todo mundo achava uma beleza viajar para o exterior naquele tempo, pra SUDENE aprovar. E um desses era uma viagem de engenheiros aos Estados Unidos por dois meses. Era um programa muito mais turístico. E isso como envolvia capacitação de pessoal, foi para parecer da Diretoria de Recursos Humanos, com Dr. Naílton Santos, que deu parecer contrário, alegando que era muito mais importante que eles conhecessem as estradas do Nordeste, viajando pelo interior do Nordeste do que ir passear nos Estados Unidos. Isso provocou um surto de... até de racismo, por que os vivas ao governador do Alabama que era, se não me engano Wallace, que depois foi presidente e que foi louvado por eles. Isso criou um problema muito sério, que levou o Dr. Celso a pedir que a gente oficiasse a representação das equipes, dizendo que eles não podiam fazer isso. Que não podiam estar oferecendo bolsas nem qualquer tipo de coisa sem combinar com um programa anterior com a própria SUDENE. E assim que se passou. Eu poderia dizer, em relação a essa gestão de João Gonçalves, que foi, eu vou usar uma palavra forte, foi o abastardamento da SUDENE, por que tudo o que havia de autoridade técnica, de tratamento mais ou menos independente à região como um todo e não na base de reivindicação dos governadores de estado, tudo isso foi abandonado. Olhe, num primeiro momento, nós tivemos um interventor, um militar, era o general Expedito Samp...Ramalho...de Alencar...alguma coisa assim. Era um homem humilde, chegou lá, respeitava todo mundo, não causou muito problema. Passou só alguns meses, mas a gestão após Celso foi o começo do fim, não é? Eu só... acho que estou falando há muito tempo, mas vou terminar daqui a pouco. A ponto de, o desencanto foi tal que funcionários administrativos pediam demissão da SUDENE. Cito um exemplo significativo: Zeneide Rezende. Zeneide era secretária. Ele quando recebia um pedido de demissão, mandava chamar o funcionário pra saber por que e Zeneide disse, simplesmente, que não acreditava mais na SUDENE. Era uma funcionária administrativa. Teve o caso de Bonfim, Raimundo Bonfim, amigo de Naílton, baiano, que pediu licença pra fazer uma bolsa no exterior e o João Santos tentou convencê-lo do contrário, e ele disse: “Não, se o senhor negar, eu peço demissão e vou. Não há possibilidade de não ir. Agora, imaginei que seria de interesse da SUDENE depois, mas não vai ser.” E ele acabou concordando. E assim foi, muita gente saiu, alguns saíram como resultado

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dos inquéritos, e esse é o ponto que eu vou falar, o que é que eu sofri, o que os colegas sofreram. Eu fui, tive talvez o privilégio de ser o primeiro técnico da SUDENE a ser preso na SUDENE. Só que nesse caso não foi por conta de nenhuma atuação relacionada com a SUDENE. Foi simplesmente por que eu era casado de pouco, meu irmão também e tinha mais um outro irmão nosso que era estudante de agronomia e aqui nós morávamos numa espécie de república, e eles foram procurar meu irmão Nelson, que trabalhava na Secretaria Assistente do Cabo, era delegado da Secretaria Assistente, era uma turma que administrava conflitos entre camponeses e proprietários rurais, uma função muito delicada, e Nelson um dia caiu na clandestinidade e só foi voltar a vida normal muitos anos depois, a história dele é longa. E eles prenderam o cunhado de Nelson que era Evaldo Gonçalves, um dos pernambucanos mais torturados por aqui, é possível que a Comissão já tenha ouvido falar dele, e Evaldo, sob tortura, deu o endereço de Nelson, por que ele sabia que Nelson não estava em casa. Então foi uma forma de aliviar um pouco, provisoriamente, o sofrimento. E assim eles foram lá na minha casa e por conta disso eu fui detido. Mas só fiquei 24 horas na Secretaria de Segurança, não fui maltratado, o meu problema mais foi de limitações que eu tive, posteriores, como obstáculos à emprego. Depois disso eu fui indicado por um colega que foi Superintendente da SUDENE depois, foi meu colega de curso, a gente trabalhou junto na SUDENE, Leonides, fui indicado pra ser representante do governo do Piauí junto à SUDENE. No Piauí, distante, as condições de comunicação naquele tempo eram muito precárias, e o pior: não se sabia de nada. Então tinha que ter pelo menos assim, no escritório, pelo menos um representante aqui. E assim foi feito. Eu fui lá, fui recebido pelo Governador Petrônio Portela, com todas as honras, conheci o secretariado todo, ao voltar, o gabinete do Superintendente João Gonçalves de Souza, que era chefiado por um cavalheiro chamado Amorim, esqueci o primeiro nome dele, mandou pedir informações ao meu respeito e veio a minha ficha. E com base nisso o governador foi pressionado, mandou pedir muitas desculpas e desfez o convite. Bom, depois disso, eu fui trabalhar, curiosamente, numa instituição financiada pelo Governo Americano, que era a FUNDINOR – Fundação para o desenvolvimento Industrial do Nordeste. Foi... é curioso como essa instituição foi criada, por que criou-se o fantasma de que a SUDENE era uma instituição estatizante e era contra o desenvolvimento do Nordeste com base em iniciativas privadas. Nada mais falso! Mas criou-se esse clima e achou-se que se devia criar uma instituição, uma fundação sem fins lucrativos para motivar o empresariado a investir no Nordeste, divulgar os incentivos que estavam começando a funcionar, e aí foi criada a FUNDINOR. Com parte de recursos do SESI, com apoio da Federação Nacional das Indústrias e uma substancial ajuda americana. Pois bem, eu fui aceito pra trabalhar com esse pessoal e eles sabiam muito bem dos meus antecedentes. Inclusive cheguei a ser entrevistado por um americano, um senhor já de 80 anos, apreciador de uísque, George Gellhorne, que tinha sido, simplesmente, na guerra, comandante de um porta aviões americano, então era uma figura que foi importante mas estava encostada e, eles faziam muito isso, despachava esse pessoal para dar assistência técnica nos países do chamado terceiro mundo. Mesmo assim eu não fui recusado. Eu fiz o meu trabalho lá, que era esse; eram dois tipos de viagens, um voltado pros municípios dinâmicos da região Nordeste, que a gente ia mostrar a importância da industrialização, como

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o município devia se preparar para receber eventualmente um empreendimento industrial, a forma de coletar informações, enfim, criar um clima favorável a receber investimento industrial. E o outro tipo de viagens era pro sul, divulgando o sistema de incentivos e fazendo publicações promocionais dos estados. O que é que a Paraíba tem importante, quais são as... qual a vocação industrial, enfim. Esse trabalho foi feito por dois anos depois se esgotou e eu saí. Eu dou isso como exemplo de que essa restrição... como foi estúpida, como foi burra da parte das autoridades! Por que eu fui trabalhar numa instituição que era, em parte, financiada pelo governo americano. Além disso ainda sofri... respondi a três processos e sofri limitações, quando eu estava na FUNDINOR, por exemplo, e queriam me mandar pro exterior, pra uma temporada em Porto Rico, que era um país com experiência nesse tipo de promoção industrial, eu não consegui tirar passaporte. Pouco depois eu tentei fazer uma reciclagem, fazer um mestrado de economia na Universidade aqui e, ao final do curso, como eu era o único da turma que falava inglês, me ofereceram uma bolsa nos Estados Unidos. Eu era casado já, com um filho pequeno, disseram: “Não, a gente complementa sua bolsa, com sua mulher e seu filho”. Insistiram que eu fosse. Eu não pude tirar passaporte. Eu não ia mais fazer esse curso e depois sair frustrado. Então minhas restrições foram desse tipo. A forma como eu me salvei, me livrei dos processos: nós fomos todos interrogados na SUDENE. Eu passei um dia depondo, sem qualquer maltrato, evidente. Mas ao final disso nós fomos inocentados pelo CGI, Comissão Geral de Investigações. Era uma Comissão Nacional. Todos fomos inocentados por que não havia nada de concreto com relação à nós. No meu caso o que havia era do passado, do meu passado de política estudantil. Mesmo assim, com a turma que o professor Chico Oliveira falou que tinha sido estatutária, era a turma mais antiga que tinha sido convertida pelo projeto do Virgílio Távora em funcionário público, nós éramos celetistas ainda, a turma nova. A turma minha, de Hoffman... éramos CLT. Então podíamos ser demitidos, não havia problema nenhum. E assim foi. Mesmo inocentados nós todos fomos demitidos e eu tive a honra de figurar entre os vinte e poucos que estão nesse documento que eu vou repassar à Comissão. Mesmo assim, fomos todos demitidos. Todos tinham pouco tempo de casa, o valor da indenização era pequena, e fomos demitidos. Isso gerou um processo, eu tenho aqui a cópia da denúncia, feita pelo promotor militar Francisco de Paula Aciolly Filho, e desse processo nós nos safamos cada grupo recorrendo ao seu advogado e era um habeas corpus que determinava o trancamento da denúncia por inépcia. Quer dizer, hoje é que eu vejo qual era o sentido dessa inépcia da denúncia. Está aqui a peça do Francisco Aciolly, você lê todinha e não vê, a não ser palavreado, “tudo fizeram para aumentar a subversão, semear o ódio de classe...” não tem um formato concreto que seja tipificado como crime, mesmo na Lei de Segurança da época. Não tem nenhum, então a denúncia realmente não teve cabimento. Até na forma da lei, nem cita a lei, e para se ter a dimensão de que era realmente inepta eu vou ver aqui e dizer pra vocês quais... por que isso tudo era julgado pelo Tribunal Militar, quais os generais que faziam parte desse Superior Tribunal Militar e que votaram todos pelo cancelamento do processo por inépcia da denúncia: Ministro Chefe- Presidente – General Olímpio Mourão Filho; outro membro, General Pery Constant Bevilácqua; outro, Tenente Brigadeiro Gabriel Grun Moss, um dos três que se manifestaram contra a posse de Jango;

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quem mais? General Otacílio Terra Ururahí; General Ernesto Geisel, todos esses foram favoráveis à decisão de cancelar o processo, essa denúncia. Esse foi o processo da SUDENE. E o da UNE, eu fui... esse é um ponto, uma referência, que eu quero fazer também no lado positivo, eu fui excluído até sem saber. Vim saber depois. Os companheiros da Paraíba, entre os quais estava Lindberg Farias, um médico, pai do Lindberg Farias que hoje é senador, que foi líder dos “cara pintada”, o Lindberg Farias pai foi meu companheiro e foi da Diretoria da UNE no ano anterior ao meu e foi responsável pela minha indicação como representante da Paraíba na UNE. Ele, através de um irmão que era advogado, Leidson Farias, já bastante escolado, ele e outros impetraram um “habeas corpus” pra nos livrar desse processo, e o Leidson foi ao Rio falar com Alcides Carneiro, que era um ministro civil, integrante do STM – Alcides Carneiro. Esse foi um dos grandes tribunos da Paraíba. É o que se fala sempre, que eram os dois grandes tribunos na segunda metade do século passado, eram Raimundo Asfora e Alcides Carneiro. Muita gente ia aos comícios só pra ouvir Alcides Carneiro falar, e ele é um tipo muito democrático. Ele conhecia meu pai, não eram amigos, apenas conhecia, e meu pai nunca pediu nada a ele em favor de mim. Nunca pediu, mas ele sabia de mim, por que a Paraíba não é uma terra muito grande e eu tive uma certa notoriedade por conta dessa missão na UNE e já escrevia, gostava de literatura, e quando o pessoal chegou para ele com o documento, não sei se era uma petição de “habeas corpus”, e junto com a procuração dos constituintes, meu nome não estava, por que eu morando aqui não acompanhei essa articulação. E ele ao ver a lista, ele disse “Tudo bem, mas onde é que está aqui o menino de Evandro?”, o nome do meu pai, não é? Aí o pessoal: “Mas Ministro, nós não tivemos a oportunidade, ele mora em Recife, e a gente não pode se articular...”, “Não, mas vamos resolver isso, alguém bora o nome dele aqui, alguém assina por ele, eu não vou verificar isso não. Nem ninguém vai questionar. Pode botar o nome dele aqui”. E foi assim que eu fui beneficiado por essa decisão. É uma coisa que até me comove por que eu não tive oportunidade de agradecer a ele. Ele morreu e eu não tive. Eu fiz esse registro na Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa, lá em João Pessoa além da Comissão Estadual tem uma Comissão Municipal. Eu fiz esse registro lá e faço aqui. Era um espírito democrático e eu devo a ele esse grande favor. Foi também Alcides Carneiro que pediu a liberdade de Gregório Bezerra dizendo que Gregório devia ser libertado para contar aos seus netos as suas aventuras. E houve um político lá na Paraíba, que eu não sei o nome, que não era lá essas... não era esquerdista, mas na Paraíba aconteceu uma coisa engraçada, o pessoal da UDN queimou o quanto pôde o pessoal do PSD, fosse esquerdista ou não. Muita gente foi cassada sem ter nada a ver com a história. E Alcides Carneiro disse “Senhores Ministros, meus colegas, esse homem não é esquerdista coisa nenhuma, ele está querendo ganhar uma eleição. Eu que sou abstêmio, eu tomei cachaça em jejum pra ganhar uma eleição”. E com isso ele conseguiu muita coisa. Era um espírito democrático que atuou suavizando as decisões do STM. Logo nos primeiros tempos da revolução. Depois a coisa mudou. Bem, eu acho que o essencial, na minha experiência, eu já registrei e queria encerrar com um trecho de um artigo que eu escrevi e publiquei aqui no Diário de Pernambuco no tempo que tinha terminado o governo militar e estava havendo a recomposição da SUDENE e a indicação de um civil para dirigi-la e a briga política foi terrível. Nesse tempo toda a

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autoridade técnica havia desaparecido, então ficava uma briga entre partidos. Agora lembrei que no final tenho que contar a história que o Dr. Fernando me pediu. Vou contar. Mas eu quero... para que vocês avaliem o que era a SUDENE pra nós e em que se converteu, são quatro parágrafos que eu vou ler desse texto aqui: “Para compreender o nível de expectativa em torno da SUDENE nesta abençoada fase de renascimento democrático do país, é importante lembrar o que representava ela em seus tempos primórdios em relação a gente e, em especial, ao jovem da região. Para toda uma geração recém saída dos bancos universitários era nada menos do que a perspectiva de plena realização pessoal, profissional e política através do engajamento na mais nobre das missões, a redenção econômica do Nordeste. E só quem viveu aqueles momentos pode bem testemunhar o entusiasmo e o desprendimento com que todos se dedicavam ao trabalho. Depois veio 1964 com toda a sua carga de equívocos e incompreensões em relação à autarquia de desenvolvimento regional. Seus melhores cérebros começaram a emigrar para o exterior e para a iniciativa privada. Sob o comando de João Gonçalves de Souza os critérios técnicos e pessoais para recrutamento, formação e promoção de quadros foram sendo paulatinamente abolidos, e os critérios políticos, com “p” minúsculo, para o cumprimento de reivindicações estaduais foram sendo adotados. Sem o carisma de um chefe respeitado pela sua competência, dedicação e honestidade, a equipe foi dominada pela viuvez e pelo desencanto. Até modestos funcionários administrativos pediram demissão por não acreditarem mais na SUDENE. O processo de esvaziamento de perda da autoridade técnica, com as sequelas de degradação salarial, baixo rendimento de trabalho e retirada das atribuições continuou ao longo de todo o período autoritário, com dois breves momentos de retorno, logo contidos: as gestões Euler Bentes Monteiro e Rubens Costa. Os demais superintendentes até os anos recentes de abertura, pouco entendiam de desenvolvimento, estavam ali cumprindo ordens ainda que estas equivalessem, simplesmente, as de montar guarda a um monumento em ruínas. De planejadores responsáveis por toda a ação do governo federal da região já enfrentando o desafio das reformas estruturais, a SUDENE converteu-se em mera administradora de incentivos ao empresariado e repassadora de recursos segundo critérios pre estabelecidos por instâncias superiores. Os Planos Diretores, antes aprovados pelo Congresso foram abolidos. De interlocutor direto da Presidência da República o seu Superintendente passou a subordinado de um ministério cuja principal característica era o artificialismo e a falta de organicidade. Por fim até os incentivos se foram pulverizando por outras regiões e setores e os recursos de repasse minguando a cada ano. É dispensável dizer que toda a capacidade de adaptação e auto regulação foi sendo perdida. O último esforço importante de correção de rota em razão de problemas emergentes deu-se com a criação do FINOR em 1974. Mas ainda prevalecem os critérios de prioridade para locação de recursos de incentivo para empresas estaduais e agrícolas estabelecidos em 1969. Como se mais de 15 anos não fosse período suficiente para impor um reexame da questão. A instituição ossificou-se quedando-se, hirta, à margem do tempo”. Isso foi o que aconteceu com a SUDENE. Sem falar nos outros horrores que vocês já ouviram e vão ter oportunidade de ouvir. Eu queria só encerrar contando, como já contei nesse artigo, o que ocorreu em 1º de abril. Quando eu me deslocava de minha casa, do apartamento onde morava lá em Boa Viagem, eu comecei a ver,

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nas pontes, as metralhadoras instaladas, os carros se deslocando e achei que havia alguma coisa de anormal. Por que a manchete do Última Hora desse dia dizia: “Tropas legalistas marcham contra Minas”. Era uma manchete otimista que já não tinha mais nenhuma razão de ser. Chegando na SUDENE estava aquela agitação frenética, a gente ficava só sem saber o que fazer, sem saber como se orientar e a SUDENE, nesse tempo, era muito perto do Palácio que já estava a essa altura cercado. E eu tive ainda, num eco da minha experiência de política estudantil, tive a ideia de subir na base de um poste e falar pra multidão, pedindo que todo mundo fosse pra Escola de Engenharia, que era onde se tinha notícia que os estudantes estavam reunidos discutindo o que fazer. Nessa hora houve até a explosão do motor de um carro, eu imaginei ser um tiro, eu me estremeci todo, mas não era. E daí uma boa parte do pessoal se deslocou para a Escola de Engenharia. Chegando lá, ficamos assistindo aquela assembleia, até que um rapaz, não sei quem foi, chegou com a notícia de que o Palácio estava cercado e com a proposta de que os estudantes se deslocassem pra lá pra salvar o Governador. Proposta totalmente romântica, mas que não foi nem votada. Ao cabo da fala dele houve aquele rumor enorme e todos desceram pra baixo da Escola de Engenharia em direção ao Palácio do Governador. Na rua a gente tentava agregar algumas pessoas, umas se aproximavam, outras não, mas afinal chegou esse grupo de talvez duzentos ou trezentos estudantes, de outras escolas também, em direção... passando exatamente na frente da SUDENE, em direção ao Palácio. Aí houve uma linha de soldados que estava preparada e começou a avançar contra nós. Um passo, que não é nem um passo de ganso, era um passo de autômato, uma coisa esquisita. E começaram a atirar, inclusive pra cima, pelo menos o que eu vi... houve outras coisas que eu só tive conhecimento depois. Quando começou isso, por conta da minha experiência de movimento estudantil eu sabia que não adianta, você pode até, com uma massa enorme, enfrentar os soldados armados, mas a desproporção tem que ser muito grande. Foi o que foi feito no Irã antes da queda do Xá, multidões imensas que passavam e os soldados as vezes pediam perdão à Alá e deixavam de atirar. Mas não era o nosso caso. Nós tínhamos 200 a 300 pessoas, com uma bandeira do Brasil na frente, e aí nós começamos a recuar. Eu fiquei numa ruazinha que fica ao lado do edifício da SUDENE, e alguns dos estudantes tomaram esse caminho, a ponto que ficamos de um lado da rua e de outro lado já os soldados armados. Depois que houve o tiroteio eu me escondi, eu estava até acompanhado da minha mulher, na época, me escondi e me abaixei atrás de um carro, uma rural willis que estava na esquina. Ao me levantar eu vi já um corpo estendido na calçada e foi uma visão muito chocante, por que ele estava caído de costas, um silêncio completo, e coberto de sangue. Desfigurado completamente, eu nunca imaginei que um tiro pudesse fazer um estrago daquele. Todo o rosto dele foi desfigurado. Só os olhos se via. Um buraco enorme e à medida que ele respirava o sangue se espalhava pela calçada. Eu ainda tive medo por que tinha um outro irmão meu que estava lá na passeata e eu cheguei a pensar que podia ter sido ele. Não foi, e eu me lembro de um colega, não quero declinar o nome dele por que talvez ele se encabule dessa atitude, era um universitário, Socorro conhece. Nessa hora ele estava me puxando por trás da rural e eu disse “O que é isso, companheiro, isso é tiro de festim, vamos em frente!” Aí eu simplesmente mostrei, “Veja aí!” Quando ele olhou pra o corpo caído com

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sangue ele desapareceu. Aí foi a retirada final. Dobrou-se a bandeira, escondemos a bandeira na bolsa de uma mocinha, um jipe foi parado, quem conta bem isso também é o nosso amigo Aécio Gomes de Matos que estava à frente, e o rapaz foi socorrido, foi levado, essa pessoa do jipe não se sabe quem foi, teve essa generosidade por que o carro deve ter ficado todo cheio de sangue, e o rapaz morreu logo ao chegar ao Pronto Socorro. O outro morto, esse eu conheci, era companheiro do Partido, Ivan Aguiar, mas não vi nada, só soube depois, que ele encostou-se... foi ferido... Ivan, romanticamente, foi encontrado antes e andava com um revólver: “Não morro sem levar ninguém comigo” Por certo esboçou alguma reação e levou um tiro no peito, encostou-se ao muro e foi escorregando até cair, eu vim saber depois. Foram as duas vítimas desse movimento, quer dizer, uma atitude romântica que tinha todas as possibilidades de acabar de forma trágica. E talvez nem fosse necessária, por que a garotada estava desarmada, com exceção de Ivan, e não ia conseguir fazer coisa nenhuma. E por ultimo o que eu conto, a parte final do meu artigo, que é um pouco de frustração nossa, que quando a gente já estava em plena retirada, ali pela Conde da Boa Vista já, e alguém, uma senhora que estava no jardim da casa dela, disse: “O que é isso? Que movimento é esse?” E aí a minha mulher respondeu: “O exército está matando o povo”. Aí a senhora disse: “Bem feito pra vocês não estarem fazendo agitação por aí”. Isso é o ponto triste da história. E acho que no primeiro momento o que houve de mais trágico foi o sacrifício desses dois rapazes, um era menor de idade inclusive, e o outro era também jovem. Essa história está contada e eu repeti agora a pedido de Dr. Fernando Coelho e com essa conversa eu queria terminar um pouco mais alegre, mas são as circunstâncias. Eu dou por encerrado o meu depoimento e agradeço.

(Aplausos)

HENRIQUE MARIANO – Eu registro as presenças de Ana Limeira, ex servidora da SUDENE e presidente da Associação de Servidores e autora do livro “Nós bem que tentamos”. Leda Alves, Secretária de Cultura da Prefeitura da Cidade do Recife, o advogado Paulo Henrique Maciel e Germana Siqueira.

FERNANDO COELHO – Tem a palavra Adalberto Arruda, também conhecido de todos.

DEPOIMENTO DE ADALBERTO ARRUDA SILVA:

ADALBERTO ARRUDA – Adalberto Arruda Silva, OAB 2241. Eu vou começar meu depoimento falando das razões por que entrei na SUDENE, como entrei na SUDENE, acho que devo também depor sobre o que imagino ter sido a SUDENE àquela época. Eu acho que foi um projeto realmente revolucionário e democrático, a SUDENE era um super ministério e isso foi o grande projeto de Celso, e que infelizmente o sistema, digamos assim, obscurantista e reacionário do governo ditatorial que se implantou em 64, assustado com as propostas desse projeto que era calcado duma nova visão da teoria econômica que não era uma visão meramente clássica nem mesmo só keynesiana, mas que envolvia componentes ecléticos, digamos assim, inclusive marxistas, do ponto de vista da teoria do poder econômico. Decerto assustados com a imagem de Celso e com o processo em marcha, sobre o qual eu vou falar

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alguma coisa, desmontou toda aquela “fantasia organizada”, conforme Celso disse, e depois retomou o assunto falando na chamada “fantasia desfeita” com a sua tristeza e, digamos assim, com a sua desilusão de tudo o que poderia ter sido feito mas do qual muito se orgulhava e do qual podemos nos orgulhar, pelo que se fez, o que já foi bem expressivo. Mas como entrei na SUDENE? Celso, no dizer de um livro recente de Fernando Henrique Cardoso sobre Celso, teria entre outros méritos o de o de instalar, usemos essa palavra, no pensamento e na terminologia, digamos assim da intelligentsia internacional, no chamado “economês”, saindo de Keynes para o “economês” ou então o economicismo, então foi mais ou menos isso que ocorreu no final... ou no início da década de 60, quando com os trabalhos de Celso, em particular, como o “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”, ele já tinha também desenvolvido esse trabalho dos clássicos, digamos assim, dos livros clássicos para a formação histórico cultural brasileira, que é a “Formação Econômica do Brasil”, publicada em 59 e “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento” em 1961. Então, repitamos, é o economicismo que também se passou para os estudantes das mais... essa juventude aqui, como Clemente se reportou da época como uma verdadeira paixão, uma coqueluche, digamos assim. Era o Direito, nós que saímos da Faculdade de Direito, o direito fundamental é o direito econômico e a segurança econômica. É uma oportunidade de trabalho, isto é que é o primeiro de todos os direitos que deve ser assegurado aos indivíduos. Isso era a visão desenvolvimentista de Celso, por que no projeto e no conceito de desenvolvimento, e eu vou aqui me antecipar, antes de falar ainda no processo de entrada, e repetir um conceito, e posso voltar ao assunto, que foi desdobrado no chamado Curso de Seleção e Treinamento, do qual eu participei quando entrei na SUDENE, explicitado esse conceito tanto por Celso, que foi um dos professores do curso, sete dias de curso onde ele tomou por base o livro “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”, mas de Carlos Lessa, a política econômica que ele desdobrou onde o processo de desenvolvimento implicava, necessariamente, em se assegurar à totalidade da população ou à quase totalidade da população, uma renda real per capita satisfatória, crescente e sustentada, num clima de liberdade e de relativo igualitarismo. Esse era o conceito explicitado cada componente desse a gente discutia em aula e discutia em seminários: renda per capita satisfatória, e Paulo Freire que foi um dos outros professores do curso também retomava este tema com esse conceito ao longo do curso, a renda satisfatória ao nível, naturalmente, da época, historicamente determinada; crescente, o processo de desenvolvimento não podia ficar com aquele baixo nível, digamos assim, de satisfação material, ou de atendimento material das necessidades humanas numa sociedade ainda subdesenvolvida, com baixa qualidade de vida, condições precárias de saúde, educação, de habitação, de qualidade de vida em última análise, crescente e sustentada. Muito bem, mas retomemos. Então, função disso, dessa paixão pelo economicismo, e desse conceito de que o grande direito não é o direito penal, não é o direito civil, é o direito econômico. Então eu vou é atender ao convite de Celso. E me submeti então aquilo que foi um edital publicado em jornal, por que entramos na SUDENE por concurso público, e aqui eu tenho um documento do concurso público por edital da própria SUDENE, a admissão por concurso público atendendo esse edital e aqui tem um documento também da própria SUDENE que relata: “...inscreveram-se 154 candidatos para esse processo de seleção...”

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vejam bem, e aqui a gente tinha candidatos de muitos estados do Brasil e vejam aí como a imagem da SUDENE não ficava só presa a Pernambuco e aos estados vizinhos, mas a São Paulo, nosso ilustre e honrado e competentíssimo companheiro professor Ulrich Hoffman, do ITA, engenheiro notável, ele veio de São Paulo, atendendo a esse chamamento aqui do Nordeste. Ouvindo essas vozes convocatórias para a peleja do desenvolvimento e o direito econômico, o que revela essa visão humanística interior que bem o qualifica dentro de uma visão mais complexa do que essa que eu estou aqui apenas mencionando. Então repitamos, inscreveram-se 154 candidatos, admitidos 83 que participaram do curso. Desse total, aprovados 37. Eu quero dizer que nem todos desses 37 foram contratados pela SUDENE por que alguns desses 37 foram funcionários que nem submeteram a concurso inicial e o governador do estado pediu que eles viessem fazer o curso; então alguns desses 37 não se submetiam por que o curso era de seleção: 83 iniciaram o curso e saíram 37. Advogados, economistas, engenheiros, químicos, pessoal sempre portador de diploma superior, apresentavam curriculum vitae e monografia de natureza econômica e social, submetia-se a uma entrevista. Uma observação sobre essa entrevista: essa entrevista era conduzida, Clemente já fez menção, basicamente por Naílton Santos. Naílton Santos e Marcos Lins, que foi colega do meu curso de Seleção e Treinamento. E eu tive como colegas Marcos Lins, Antônio Cerqueira, do exterior Marcos foi pra FAO, faleceu em Roma, uma pessoa notável, Fernando José de Barros Correia, professor universitário, intelectual, produziu muitos livros, pessoa de uma cultura excepcional, eu quero destacar aqui outro colega de curso, Rui de Albuquerque, esse também foi demitido conosco, juntamente conosco em 31/12/64, por um ofício do Ministério do Interior, Gal. Cordeiro de Farias, que se reportava à expressão “incompatibilidade ideológica para exercício do serviço público”. Era o que constava no ofício, e nos demitiu. Então eles tinham essa visão, que nós éramos subversivos. Mas eu quero dizer que na seleção desse curso, Naílton buscava selecionar aqueles candidatos que potencialmente tinham espírito participativo, tinham espírito aberto, combativo, então já se via que havia uma... por exemplo, reporto que na minha seleção ele me questionou sobre... eu era primo de Julião, Adalberto Arruda da Silva Julião, e ele me perguntou se eu era primo de Julião e a minha opinião sobre Julião e me perguntava também, por que isso veio à tona, veio à baila, eu como estudante de Direito como voluntário, fui delegado do Partido Socialista na eleição de Arraes e saí daqui e fui trabalhar em Bodocó, onde acompanhei toda a eleição que foi... tem uma história interessantíssima, aqui não cabe, mas é uma verdadeira aventura, e que trabalho social e político eu produzi na época. Muito bem, imagino que esse depoimento, que eu não pensava fosse levantar na hora da entrevista, mas ele provocou e foi uma coisa que positivou a minha referência para eu receber a aprovação da entrevista. E eu já tinha me esforçado bastante também na apresentação do trabalho técnico. E aqui nesse depoimento eu faço registro, fui aprovado em segundo lugar no referido curso, está aqui o documento. Muito bem. Quero dizer que nós éramos então técnico em desenvolvimento e eu guardo, da época, como lembrança essa carteira aqui, de técnico em desenvolvimento, que nos dava condição e recomendação para termos contato com qualquer órgão do serviço público federal, estadual ou municipal e solicitarmos informações cabíveis, compatíveis. Nós tínhamos, por conseguinte, um status especial. Celso imaginava que um

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técnico em desenvolvimento era uma espécie de tropa de choque, digamos assim, do processo de desenvolvimento que ele conduzia, do chamado superministério, por que, repito, a nossa visão era que a SUDENE era também uma grande reforma administrativa, era uma reforma de choque na administração, vou me permitir voltar ao assunto na época. Direi ainda, referentemente à minha pessoa, do ponto de vista da minha participação na SUDENE, que trabalhei junto com Naílton no Departamento de Assistência Técnica e Formação de Pessoal, tive oportunidade de participar de muitas atividades como expositor, sobre Teoria do Desenvolvimento, em cursos diversos aqui em Pernambuco e noutros estados. Quero dizer até que um desses rapazes que foi assassinado, o Ivan Aguiar, participou de um desses cursos e eu tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente, ele foi, de uma certa forma, meu aluno, e o assunto era Introdução ao Sistema de Desenvolvimento Econômico, com uma carga horária relativa e uma apostila que eu produzi e distribuía na época, sobre esses conceitos básicos de desenvolvimento econômico, por que era uma novidade na época, PIB, PIB p/c, fator produtivo, sistema econômico, população economicamente ativa, pirâmide demográfica, e por aí abaixo, todas essas coisas, processo de acumulação, sistema distributivo, sistemas econômicos, planejamento, o que é o planejamento, essas coisas todas estavam dento desse modelo. Digo que, tendo sido... eu fui... antes de falar na minha demissão, ao longo do tempo, eu devo dizer que fui preso dentro da repartição e fiquei 5 dias aqui na Secretaria de Segurança Pública, no primeiro dia foi um choque, eles queriam me levar para o “buque”, junto com os presos comuns, 1964, 13 de agosto de 1964. Eu tinha casado faziam dois meses e eu vou tomar a liberdade... não! Desculpem, isso é romantismo demais. Por acaso tem uma foto da minha esposa, no dia do casamento, aqui nessa pasta. Desculpem, mas voltemos ao assunto. Então eu quero dizer que, entre outras coisas, nos interrogatórios a que eu fui submetido, um curso que nós demos... Naílton Santos e Celso montaram um programa com o IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal, que era dirigido na época por uma figura muito interessante, um professor universitário, Diogo Lordeiro de Melo, autor de diversos livros de Administração Municipal, pernambucano, uma figura simpaticíssima, então montamos um programa de cursos para os Secretários de Prefeitura. Secretários de Prefeitura na época era estratégico. Naílton e Celso achavam que era preciso levar a visão desenvolvimentista e melhorar o nível técnico desse tipo de profissional nas prefeituras. E eu era encarregado de dar esses cursos que foram promovidos no estado da Bahia, no estado do Rio Grande do Norte, de Sergipe, de Alagoas, Penedo, por exemplo, no estado de Alagoas, aqui pertinho de Pernambuco, na Paraíba em Cajazeiras, no Piauí. Pois bem, esse curso foi considerado, digamos assim, obscurantísticamente, como curso subversivo, vocês imaginam? Por que nós falávamos a linguagem do planejamento, a linguagem do economicismo, a linguagem do progresso econômico, a linguagem da modernidade. E eu paguei um preço por esses cursos, tive que prestar esclarecimentos sobre a atividade desses cursos, quero dizer que após a saída em 31/12/64, procurei refazer minha vida, não foi fácil, eu montei um escritório de planejamento, tive a honra de me reunir com Hoffman, foi meu sócio, era “Adalberto Arruda, Hoffman & (...?...)”, genro de Hiram Pereira que foi do Partidão, nós todos participamos do Partido na época, tivemos essa honra, e eu quero dizer a vocês que era

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assessoria jurídica, econômica e esse escritório durou 1 ano e pouco aproximadamente, por que o Hoffman foi procurado por um... não sei se foi o Ibiapina, dizendo a ele que ele tinha só 48 horas pra deixar o Recife por que não podia garantir pela segurança física dele e os “revolucionários”, os companheiros estavam preocupados com a presença dele aqui em Pernambuco. A insegurança dele era total, a í a esposa dele, Marisa, tinha sido presa inclusive, se não me engano, Hoffman, num “buque” de polícia lá em Caxangá, se não me engano. Em Caxangá, a circunstância era essa. Agora eu quero registrar pra vocês, que eu fui vítima de uma prisão no governo ditatorial, a insegurança e o terror que é uma prisão quando não se está num estado de direito. Por que num estado de direito a prisão já é uma punição forte, é uma punição até questionável, hoje se diz que se prende demais e é preciso suavizar as penas, mas num estado ditatorial, por que o terror é individual, havia tortura na época e forte, e a família fica desesperada. Eu fiquei 5 dias, mas meu pai, que era um homem bem relacionado, amigo por exemplo de Josué de Castro, procurou um promotor que era vizinho da casa dele, de repente me deu um branco aqui pra declinar o nome dessa pessoa, e ele correu, era uma pessoa influente, e foi me visitar, por que eu estav... ninguém podia contatar comigo, e isso me deu mais tranquilidade. Mas eu quero dizer que lá onde eu estava, nas salas, a noite, as pessoas eram retiradas pra fazer depoimentos a noite, às 11 horas da noite, esse era o sistema. Devo dizer também, que depois de desfeita nossa sociedade, eu continuei no Recife, passei uma temporada em São Paulo, dois anos em São Paulo, onde fiz alguns contatos, voltei ao Recife e tive a oportunidade de fazer mais uma sociedade então com Rui Albuquerque e Hélio Ribeiro. Hélio foi um desses que ficou na SUDENE mas pediu demissão, desinteressou-se pela continuidade de um órgão que já, pra ele, não tinha mais aquele apelo. Era uma figura interessantíssima, ele tinha uma vocação empresarial, também passou pelos quadros do Partido. Rui Albuquerque não. Rui era católico fervoroso, amigo e vizinho de Paulo Freire, e trabalhou no Movimento de Cultura Popular. Foi diretor da Casa de Detenção no governo Arraes, foi ele que na Casa de Detenção implantou um sistema de, acho que Dr. Fernando se lembra disso, era um conserto de automóveis, pintura, meia sola em sapatos, naquela época se botava meia sola em sapato, foi ele que introduziu isso, e constitui também os chamados “ninhos de amor”, a possibilidade de visitas íntimas, na época exigia-se, contudo, a condição de ser casado regularmente, atestado de casamento civil para que pudesse receber a visita íntima. Mas o Rui foi a pessoa que deu esse passo forte, (comentário na plateia e risos) com firma reconhecida, depois ele foi substituído se não me engano pelo... pelo coronel... falava pouco... coronel Ferraz, Olinto Ferraz, que o substitui. E o Rui saiu conosco, nas mesmas circunstâncias, depois faleceu num desastre, deixou a família... No nosso retorno pra SUDENE... perdão, ainda não! Estou falando ainda nas circunstâncias. A vida não foi fácil. Tive a satisfação de trabalhar também em consultoria, quem me deu uma contribuição muito importante foi o companheiro Abelardo Caminha, que está aqui presente e também foi demitido, também participou de alguns trabalhos técnicos oferecendo a sua contribuição técnica, como economista, quando estávamos lá com alguns excessos de trabalho, com tarefas específicas, nos deu essa honra de trabalhar conosco por algum tempo já no segundo escritório que já não era Planor - Planejamento e Organização com Hoffman e (...?...), era um

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escritório que eu montei em 68 ou 69, retomando, quando voltei de São Paulo, e tendo como sócio então, repito, Rui Albuquerque e Hélio Ribeiro. Faleceu Rui, faleceu Hélio, fiquei só no escritório. Mas alguns funcionários meus presos; Paulo Alberto de Almeida Dias, torturado, 40 dias sem ser identificado, com 40 dias eu o retirei da Secretaria de Segurança Pública, foi um momento seríssimo, quando eu saía com Paulo, meu funcionário, consegui tirá-lo lá da Casa de Detenção, ele quando foi preso Mércia disse: “Adalberto, você também está... é melhor você deixar o Recife e fugir”. Eu procurei Paulo Cavalcanti, meu amigo, “Não, Adalberto, você é um profissional, conhecido aqui na cidade, você tem responsabilidade com empresas, na Junta Comercial, no Poder Judiciário, tem processos no poder judiciário que você cuida disso, fica tranquilo. Não vão mexer contigo”. E eu continuei aqui no Recife, mas num regime de insegurança e por que não dizer de terror. Aí a gente vê quanto vale a democracia. A democracia é como a saúde. A gente quando a perde... só quando a gente adoece é que sente o valor da democracia. E devo dizer que Celso, a visão... indubitavelmente , e esse depoimento com ele é um consenso, endossado por Fernando Henrique e outros que analisaram ele, era um reformista democrata. Não obstante, a sua formação cultural foi eclética, ele fez o curso de marxismo na França na Academia de Ciências Políticas com o famoso professor Auguste (...?...) em 1946 e publicou diversos trabalhos sobre Marx e a teoria econômica, juntamente com marxistas internacionais famosos, como Roger Garaudy, Theodor Adorn, (...?...), publicando trabalhos juntamente com Celso, trabalhando nesse assunto. Mas Celso combinava, era um eclético, repito, o conceito de teoria econômica clássica, os neoclássicos, digamos assim, keynesiana, retomava o fortalecimento da demanda com a ação do estado, intervenção do estado dosada, e também a visão histórica e crítica do marxismo. Esses eram os instrumentos na mente de Celso. E eu quero até aqui aproveitar pra uma crítica. Quando eu retornei a SUDENE, na segunda Lei da Anistia, por que a primeira Lei da Anistia não me interessava, não tive interesse por ela, mas na segunda, foi em 1979, mas na segunda Lei da Anistia, quando eu retornei a SUDENE, retornei por que era um problema de resgate político, e havia uma perspectiva já de uma Assembleia Nacional Constituinte, não posso dizer Regime Jurídico Único, e eu retornei e encontrei valorosos companheiros lá, que resistiram, procurando fazer o que podiam, mas evidentemente uma SUDENE bem diferente, enfraquecida, a gente já fez esse registro, e o pessoal um tanto assim também desorientado ainda, não sei se devo usar essa expressão, talvez desnorteado até um ponto, fazendo o possível, por que o órgão, em sua grande parte, tinha alguns conflitos internos num contexto desses, por exemplo, eu fiz questão de ir a União Soviética em 80, onde fiquei 30 dias fazendo uns estudos. Voltei, escrevi algumas coisas e dei algumas palestras sobre o assunto, estudei lá o processo de planejamento familiar que pra eles era uma forma de libertação da pessoa do domínio do modelo de vida. Aqui, escrevi sobre o planejamento familiar e houve uma reação incrível! O pessoal achava que o planejamento familiar era reacionarismo, uma posição de direita, não foi fácil pra tentar, com a equipe da casa, defender isso, o planejamento familiar no processo São Vicente, no Projeto de Apoio ao Pequeno Produtor Rural e nos projetos da SUDENE. Eu assumi isso e não foi possível trabalhar isso por que o pessoal tinha essa posição e me isolaram achando que a minha posição era uma posição de direita,(...?...), o planejamento familiar, embora que eu

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dizia na época, no calor da disputa, as suas empregadas domésticas não estavam fazendo planejamento familiar por que como algum cara de direita dizia, eu quero a minha empregada doméstica evangélica, analfabeta e cheia de filhos. Pra ser sempre dependente. Mas não é isso. Vamos em frente. Eu quero dizer que retornei à SUDENE e encontrei, repito, um quadro de companheiros de grande valor, haviam ainda conflitos internos que enfraqueceram o grande debate interno do departamento de planejamento, também de incentivos fiscais, era uma luta fratricida dentro do órgão, autofágica, uma visão desse tipo... falta de liderança. Por que a SUDENE também começou com o mito de uma super liderança que era Celso Furtado, e esse mito ficou marcado na época na história da SUDENE. E eu acho que todos aqueles que foram sudenianos sempre tiveram consciente ou inconscientemente essa busca dessa liderança forte que era Celso e que não houve na superintendência comum. O que é que eu posso dizer mais? Eu trago aqui documentos, não vou falar do processo, Clemente já fez uma análise muito boa, muito objetiva, sobre o problema do processo judicial, do nosso afastamento até o nosso retorno a SUDENE na segunda lei da Anistia, como foi o meu caso e acho que o dele também. Eu dizia que a SUDENE no projeto de Celso era um órgão quase superministério, e eu quero dizer isso, vejam bem, eu quero dizer que a SUDENE, está aqui, eu trago aqui a Operação Nordeste, uma conferência que Celso fez, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros onde ele, entre outros registros, mostra que em 1939, logo depois da guerra, perdão, antes da guerra, pouco antes da Segunda Guerra, o Nordeste participava com 30% do PIB nacional: “a participação do Nordeste no Produto Interno Bruto Brasileiro antes da Guerra era cerca de 30% e hoje é de 11%”... Isso já em 1959, 11%. E eu quero dizer ainda que ele fazia uma análise interessante: “As desigualdades econômicas, quando alcançam um certo ponto, institucionalizam. Tal fato que observamos nas sociedades humanas a tendência das desigualdades a se institucionalizarem e a formarem classes sociais”. Isso é a linguagem de Celso. “Também pode ocorrer entre as regiões de um mesmo país, quando a desigualdade entre níveis de vida de grupos populacionais atinge certos limites, tende aí a institucionalizar-se. A reversão espontânea é praticamente impossível...”, daí , que Celso achava que só a intervenção do Estado com os instrumentos de política econômica administrados pelo Estado; um certo grau de intervenção maior do Estado e o planejamento econômico. Repito palavras dele ainda: “Além disso, como os grupos econômicos mais poderosos são os que detém o comando da política, a reversão mediante a atuação de órgãos políticos também se torna extremamente difícil”. Então ele sentia, sabia da dificuldade política de implementar um projeto revolucionário. Tive o cuidado de trazer por que... Tem outras passagens aqui. Devo, em complemento, em relação ainda à ação da SUDENE, trazer ainda o que se fez: o projeto foi um projeto arrojado, que a gente lê, tanto a Lei que instituiu a SUDENE, eu trouxe cópia, Lei 3692, mas sobretudo o primeiro Plano Diretor da SUDENE, que a SUDENE utilizou como instrumento básico, um Plano que era aprovado no Congresso Nacional com dotações específicas e essas dotações do Plano não caiam, digamos assim, em exercício findo e a SUDENE tinha... vejamos aqui alguns poderes especiais, vejam essa situação da SUDENE: “Por Lei fica aprovado a 1ª Etapa do Plano Diretor...” mais adiante “...vigorarão por três anos... é facultado à SUDENE promover a organização, a incorporação ou a fusão de sociedade de

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economia mista...” Celso construiu 11 a 13 sociedades de economia mista. E a tese que se desenvolvia no citado curso de Seleção e Treinamento, n o curso de PDE, era aquele espaço onde o setor empresarial privado se não tivesse vocação, não tivesse dinamismo, a sociedade não podia parar e cabia ao Estado avançar e construir. Então se fez sociedade de economia mista pra pesca, perfuração de poços, era PENESA – Pesca do Nordeste S.A, companhia de serviços gerais, Companhia de Águas e Esgotos do Nordeste, CAENE, a CANESA, Companhia de abastecimento, aliás essa foi uma iniciativa importantíssima de Celso, por que esse trabalho foi puxado por um grande economista internacional da FAO, professor Luiz Vasconcelos, que foi o fundador das Centrais de Abastecimento do Nordeste aqui, da CEASA, que se espalhou pelo Brasil inteiro, essas centrais de abastecimento. Era uma forma de facilitar o abastecimento das empresas e de assegurar uma oportunidade para que o pequeno produtor rural pudesse, nesse espaço, auferir uma melhor renda pelo seu produto eliminando a figura do intermediário que se apropriava de maior parte da sua renda, dando mais eficiência ao sistema econômico e melhorando o sistema de distribuição. Isso foi mais um projeto exitoso que veio da SUDENE. Como foi exitosa também a visão da primeira SUDENE de trabalhar com a micro e pequena empresa, ao construir o Núcleo de Assessoria Industrial, era o NAI, que foi a semente para o desenvolvimento e criação hoje do SEBRAE. Isso foi iniciativa de Celso. Mas quero dizer que iniciativas desse tipo, como criar empresas, trabalhar com o planejamento econômico, por que o planejamento implica visão rápida, racionalidade nos processos de decisão econômica, decisão política governamental, e era isso que assustava os setores obscurantistas e reacionários da época que se opunham a SUDENE confundindo planejamento com sociedade fechada, com planejamento centralizado e com comunismo. Eu devo dizer que alguns cursos de Economia que Celso, eu acho que Francisco pode confirmar isso, Celso permitia que alguns funcionários, ele era muito austero e devo dizer que morava num apartamento de três quartos em Boa Viagem, andava de Rural Willis, quem via guardava sempre dele essa postura de austeridade, que não foi morar numa casa colonial nem no Acaiaca, poderia muito bem mas não o fez, tinha um apartamento discreto, em Boa Viagem, e dava essa lição de austeridade, e até a atuação de qualquer funcionário da casa que fosse ensinar a noite era... (fala de Dr. Fernando Coelho fora do microfone)... no Pina, muito bem, no Pina ele morava, que na época tinha uma imagem desgastada, péssima, lembrou bem. Hoje está melhorada mas na época... era socialmente desgastada. Pois bem, eu quero voltar a dizer que essa visão e o projeto de SUDENE, alguns poderes especiais listados aqui no que eu sublinhei, agora, entre outros, a SUDENE era participação em órgãos governamentais, Celso... veja bem: “...a Superintendência de desenvolvimento do Nordeste integrará o Conselho da Superintendência de Moeda e Crédito, a SUMOC”. É como hoje o Conselho de Política Monetária. A SUDENE integrava o Conselho. Celso integrava esse Conselho. Mais, o Conselho de Política Aduaneira, Celso integrava o Conselho de Política Aduaneira, é o que eu digo: superministério. Não podia ser um ministério por que o ministério tem ação setorial e a SUDENE não queria ser ministério, queria ser uma Superintendência, digamos assim, especial, ligada diretamente à Presidência da República, com todos esses poderes. Integrava também a Comissão de Financiamento da Produção que determinava a política econômica pra financiamento de Banco do Brasil, de

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BNB, de Caixa Econômica, pra financiar a produção rural e a produção industrial. A SUDENE integrava todos esses órgãos. E repito, os recursos, as designações orçamentárias para projetos e constantes do orçamento da SUDENE eram recolhidos ao Banco do Brasil e depois ao Banco do Nordeste. Tem portanto esses poderes especiais todos, o planejamento econômico tinha uma outra função, antes da SUDENE dizia Celso, ele diz isso tanto em “Operação Nordeste” como diz também em outros trabalhos que ele escreveu, o Nordeste tinha diversos órgãos públicos federais que aqui trabalhavam, cada um com um plano, o DNOCS tinha um, o DNER tinha outro, cada um tinha um. A SUDENE integrou e esses órgãos todos ficaram subordinados ao planejamento centralizado da SUDENE. E ainda mais, aquele aspecto político a que nós nos reportamos aqui, o Celso criou um Conselho Deliberativo constituído pela SUDENE, que foi uma criação também genial. Por que genial? Por que os governadores da época viam em Celso uma grande liderança e todos estavam alinhados com Celso em contraponto a qualquer reação ou do Governo Central ou de estados do sul do país. Dentro de uma visão nacionalista de integração, por que o projeto de Celso era nacional desenvolvimentista. Era a integração nacional com a recuperação das áreas menos desenvolvidas da região, mas numa visão fundamentalmente de integração social, distribuição de renda no plano pessoal, de cada indivíduo. Quero dizer que se discutia na época coisas... eu vou dizer uma coisa a vocês, discutia-se na época, sabia-se que na União Soviética de uma política de reduzir a diferença de renda entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Veja bem, esse era um tema que se discutia no modelo socialista da União Soviética da época. Isso se discutia no nosso curso de planejamento econômico, era evidentemente uma proposta muito difícil de se trabalhar. Era preciso estimular o trabalho, e essa foi a tese que prevaleceu. Isso, lá mesmo, foi uma visão romântica. Depois lá também se discutia reduzir a distribuição de diferença de renda entre o trabalho rural e o da cidade. Eu quero dizer que eu estive lá nos anos 80 e o maior atleta do time de Moscou ganhava três salários mínimos. E a primeira bailarina do Teatro Bolshoi ganhava dois ou três salários mínimos, não mais que isso. Era uma política diferente completamente do mundo ocidental agora o sistema era fechado, obviamente conforme se sabe, é difícil sustentar isso. E uma questão ainda séria lá era a questão da libertação da mulher para o trabalho que foi uma das grandes conquistas do século XX e que se afixou, se fortaleceu fundamentalmente a partir de 68, sem dúvida, não é, no dizer até de Simone de Beauvoir, e no de outros, o próprio Garaudy também; a libertação da mulher, isso virou uma variável que na época que não se trabalhava com clareza no modelo socialista soviético e nem era esse o modelo que Celso pretendia aqui. Até por que ainda que o Plano Diretor procurava incorporar a atividade privada nas atividades econômicas, criando inclusive incentivos fiscais, foi aqui que começou o artigo 34, depois no Segundo Plano Diretor 18, permitindo que as empresas nacionais pudessem deduzir 50% do imposto de renda para aplicar em projetos de empresas privadas que viessem se instalar no Nordeste. E essas empresas podendo também gozar de isenção de imposto de renda por 10 anos, dando um diferencial em que Celso discutia diferentemente dos (...?...) Que é incentivo dado, nos resultados, a uma empresa que tem que ser economicamente viável e usufruir esse benefício apenas se ela tiver lucro, mas pra ela ter lucro ela tem que ter consistência técnica, econômica

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e financeira. Tem que ter viabilidade, tem que servir à sociedade. Vejam bem, eu estou dizendo isso e isso era argumento de Nilson Holanda, que foi professor de projetos por exemplo, de Carlos Lessa, que foi professor de projetos, de Aníbal Pinto Santa Cruz, marxista lá do Chile, que veio aqui, nosso professor do curso de projetos; mas também se discutia o incentivo, nessa perspectiva de um modelo democrático, social democracia onde a empresa privada tem um papel relevante, um papel forte, em função de ser apoiada, mas aquela empresa privada voltada para a prestação de serviços, fundamentalmente deve ser a boa empresa e repito: se dar incentivo na muleta de uma isenção de imposto no custo, que é o ICMS, que é do custo, e tornar talvez uma empresa de baixa eficiência, de baixa produtividade, viável, comparativamente com o concorrente. Era um benefício que se dava, o da implantação, o 3418, por que não havia, digamos assim, poupanças, não havia recursos disponíveis e o financiamento as vezes não era um instrumento suficiente, era recurso de formação de capital, que era o caso do 34 e depois 18 e isso era fomentar o incentivo para a empresa no curso da implantação e nos resultados. Filosofia diferente da atual guerra fiscal, e isso se debatia na época e eu acho que é uma tese que ainda se pode retomar, perfeitamente válida, no sistema de hoje. Eu estou trazendo essas coisas por que acho que é o momento. Agora devo dizer que toda essa fantasia organizada foi vista com obscuridade e violência pelo modelo reacionário que já se fez referência, a reação de parte da oligarquia regional e poderes também do sul que patrulharam a SUDENE e setores da chamada filosofia da segurança nacional, que achavam que o projeto sudeniano de, como a gente está vendo, estruturalismo, desenvolvimentismo, e um relativo estatismo de criação de empresas ilimitadamente, até onde fosse necessário, planejamento econômico com racionalidade, isso seria um projeto perigoso para uma visão conservadora da sociedade. Então veio a repressão violenta nesses termos que aqui eu já me referi, o ilustre companheiro Chico Oliveira já falou e Clemente também discorreu com muita riqueza com um depoimento muito rico sobre esse assunto também. Eu fiz referência por que...Marcelo Mário melo foi funcionário meu. Trabalhou comigo, hoje poeta, escritor famoso, ficou quantos anos preso, 7 anos? 10 anos! Por carregar ideias desse tipo, não queria tocar fogo em nada. Só foi um crime terrível que se cometeu contra a SUDENE, contra o Nordeste, pelo sistema militar, pelo sistema de 64 que cometeu, de modo particular para esta região um mal muito maior do que fez para o resto do Brasil, desmontando uma fantasia organizada, desmontando um projeto agressivo, modernizador, revolucionário, para beneficiar a população regional e beneficiar todo o país que foi o projeto original de Celso Furtado, fazendo-o brutalmente. Bom, era esse o depoimento que eu teria a fazer, eu quero agradecer a atenção de todos, e dizer que continuamos pela vida com essas mesmas ideias, com essa mesma visão do mundo. Isso é pra nós uma condição de felicidade e de dignidade. Obrigado. (Aplausos)

FERNANDO COELHO – Antes de interromper a sessão que prosseguirá a partir das 14 horas eu quero passar a palavra a Socorro Ferraz relatora dessa matéria para as considerações cabíveis e depois facultar a palavra aos membros da Comissão. A tarde serão ouvidos 3 companheiros

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já aqui listados Ulrich Hoffman, Délio Mendes e Plínio Soares, também de todos conhecidos e várias vezes aqui mencionados. Socorro com a palavra.

SOCORRO FERRAZ – Bem, nós queremos dedicar esta sessão ao companheiro Jáder de Andrade, (aplausos).

Platéia – Jáder de Andrade!

Todos – Presente! Agora e sempre!

Filha de Chico de Oliveira – ...e sempre, meu padrinho!

(Aplausos)

SOCORRO FERRAZ – Bem, está aqui presente uma funcionária da SUDENE que foi presidente da Associação dos Servidores, que é Ana Luísa. Ela escreveu um livro que se chama: “SUDENE – Nós bem que tentamos”. E há muita coisa interessante nesse livro, e eu até recomendaria à Comissão, se pudéssemos recomendar à CEPE, pra ser republicado, por que há depoimentos e há também uma memória do que aconteceu na SUDENE depois do golpe. E ela, na página 54, ela diz que, o título é “Sonhar é preciso”, “...era vão imaginar como entre nós ocorreu que fossem passageiras e inocentes as consequências daquele 1º de abril. De imediato foi instituído o medo e em continuidade foram se estabelecendo a desconfiança, a angústia, o desencanto, as Comissões de Inquérito, o prejulgamento, o afilhadismo, a incompetência, o autoritarismo, a injustiça. E se introduziram em nossa linguagem comum novos e tristes vocábulos, como cassação, dedurismo, linha dura, fuga, exílio, esvaziamento.” Uma das coisas mais interessantes desse livro, tem muitas coisas interessantes, inclusive um depoimento fantástico do César Garcia, quando a SUDENE completou 30 anos. No final ele faz um depoimento muito importante sobre isso. Mas uma das coisas que mais me chamou atenção foi o fato de que, como num processo kafkiano, as autoridades da SUDENE iniciaram internamente um processo de demissão de funcionários cujos algozes acusadores eram da SUDENE e os defensores também da SUDENE. Como eram processos marcados com um “cabra marcado para morrer”, era um processo já que se sabia que a pessoa ia ser demitida, aquele que ia defender o colega não conseguia. E aí se sentia completamente incompetente e às vezes até com uma vergonha, como eu tenho discutido muito com a minha colega Vera, a questão do silêncio foi uma coisa terrível em todas essas instituições. O silêncio foi algo que era mais do que um discurso, as pessoas começaram... tem duas questões que aparecem, é a culpabilidade e o silêncio, em quem não tem culpa. Como nesse caso, por exemplo, a própria Ana Luísa, ela vai defender um colega, não consegue ter êxito, o colega é demitido, e ela se acha culpada por isso. Então isso foi um processo de crueldade também, de uma violação de um direito de uma pessoa, de várias pessoas dentro dessa instituição. Algo muito sofisticado, mas para destruir a resistência que poderia ainda haver lá dentro. Então é sobre isso também que estamos investigando. No IPM da SUDENE aparece no dia 21/09/64 o encarregado do IPM, Salvador Batista do Rêgo, solicita ao Secretário de Segurança diligências para cumprir mandato de prisão preventiva

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expedido pela Auditoria da 7ª Região Militar “...contra indiciados neste IPM Abelardo Andrade Caminha Barros, Djalma Freire Borges, Estevão Strauss, Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira, Jáder Figueiredo de Andrade Silva, Marcos Correia Lins, Maria Cealis Barreto Novaes, Naílton de Almeida Santos e Risoleta Célia Ezequiel Cavalcanti.” Esses já eram para prisão, mandatos para que as pessoas fossem presas, mas muitos funcionários foram demitidos. Mesmo antes de serem presos foram demitidos. Nessa relação dos que foram denunciados pela 7ª RM, e Clemente já fez referência, essa relação ela é de setembro de 76. Aparecem os 24 nomes que são os seguintes: Abelardo de Andrade Caminha de Barros, Adalberto Arruda Silva, Antônio Augusto Carneiro Leão, Antônio Othon Pires Rolim, Arthur de Souza Linhares, Clemente Rosas Ribeiro, Clóvis Bráulio de Carvalho Filho, Délio Mendes da Fonseca e Silva Filho, Dorival Rodrigues, Edson Filismino da Silva, Estevão Strauss, Fernando José de Barros Correia, Marcos Correia Lins, Inácio de Souza Farias, Jáder Figueiredo de Andrade Silva, João Melo Filho, Maria Cealis Barreto Novaes, Mario Lima Wu, Naílton de Almeida Santos, Natanias Ribeiro Von Sohsten, Plínio Monteiro Soares, Rivadavia Brás de Oliveira, Rui de Albuquerque e Ulrich Hoffman. Foram os 24 denunciados que alguns estão aqui e uma grande parte já é falecida. Vamos então abrir para que outros membros da Comissão possam se pronunciar. Por favor, Roberto Franca e, na sequencia, Gilberto.

ROBERTO FRANCA – Roberto Franca, para os que não sabem, membro da Comissão da Verdade. Eu queria fazer só uma rápida observação por que além dos casos individuais que nós estamos examinando sobre as violências aos mortos e desaparecidos, nós fazemos o resgate, tentamos fazer o resgate, também de como a repressão se abateu sobre os diversos setores da sociedade, no caso, pernambucana. Essa audiência de hoje é especificamente sobre uma consequência da ação do regime militar sobre um órgão estratégico, como falou Arruda, do planejamento, do desenvolvimento de uma região. Então não é um exame pontual de casos, que fizemos diversas audiências, para identificar autores, vítimas e as circunstâncias da morte. Nesse contexto é sabido, a grande participação do governo americano dentro daquele contexto da guerra fria, e em função disse eu queria aproveitar a oportunidade para perguntar ao Clemente Rosas, pela função que ele exerceu na SUDENE, embora não tenha a ver talvez necessariamente com a SUDENE, mas ele se referiu às negociações com a USAID, e nós tivemos também aqui, eu menos, informações sobre a Aliança para o Progresso e já temos mais informações sobre o financiamento do IBAD à campanha política. Eu queria perguntar ao Clemente se ele tem informações, pelo nível de relacionamentos que ele tinha, sobre essas duas presenças americanas aqui: o financiamento de campanha através do IBAD e a Aliança para o Progresso, que eu pessoalmente em 67/68, eu fiz uma visita ao município do Cabo, à Jussaral, a convite do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que organizou a primeira greve de trabalhadores rurais depois de 64. Era, se não me engano, João Luís, não sei onde anda João Luís, mas foi uma greve importante e os estudantes secundaristas fizeram pedágios para ajudar essa greve. E ele me convidou a visitar Jussaral, que é um distrito do Cabo, que eu já não sei nem como chegar. Mas ao chegar lá, passei dois dias com ele, lá, e encontrei um agente da Aliança para o Progresso fazendo um mapeamento detalhado de toda

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a realidade social e populacional daquele distrito. Então eu achei muito estranho, naquela época, que houvesse esse nível, por que era uma radiografia, se houvesse em outros lugares, era uma radiografia detalhada de uma situação de uma cidade na área canavieira pernambucana. Mas então a pergunta, Clemente, é se você tem alguma informação, mesmo de fatos que não tenham a ver necessariamente coma SUDENE, mas que tenha a ver com essa política, com essa presença americana aqui antes e depois do golpe.

CLEMENTE ROSAS – Não. Eu infelizmente não tenho, mas eu faria só algumas observações. A Aliança para o Progresso no Nordeste, ficou praticamente envolvida com essa missão americana. Pelo menos naquilo que chegou à nível da SUDENE. Então o que eles faziam aqui era o que era feito pela representação da USAID aqui. Agora o IBAD é outro esquema. Havia uma fonte de recursos que era bastante pródiga pros americanos, que era o chamado “Acordo do Trigo”. A SUDENE não tinha nada a ver com isso, mas tinha esse conhecimento. Havia excedente na produção do trigo nos Estados Unidos que ficavam estocados, armazenados, e aquilo tinha um custo, certo? Então eles conceberam um programa pelo qual eles forneciam esse trigo ao governo brasileiro e o governo brasileiro pagava em cruzeiros. À primeira vista seria um programa maravilhoso, a gente ia abastecer o país de trigo que hoje é... que nesse tempo a produção de trigo do Brasil era muito insuficiente e pagar sem dólares, pagar em dinheiro. Esse dinheiro ficava aqui e era o que era usado pra financiar IBAD e outras coisas desse tipo, entendeu? E tinha também um estudo que tinha a participação do movimento estudantil também, e com isso eles financiavam. E alguns políticos não tinham nenhuma cerimônia. Eu me lembro de um na Paraíba, um, se não me engano, chamado Batista Brandão, que recebeu tantos mil cruzeiros do IBAD. Eles financiavam todos os políticos que eram declaradamente de direita ou simpáticos aos americanos. Não temos conhecimento de uma ação desse tipo mas eu estou me lembrando da proposta para a qual eu dei parecer negativo que era a atuação de uma instituição americana, American Institute for Free Labor, uma coisa dessas, que era um grupo que queria fazer mais ou menos isso que você observou. Tentar colher informações e fazer a cabeça das lideranças camponesas segundo aquilo que eles imaginavam que seria o correto. Agora, na SUDENE não passou nada disso não.

GILBERTO MARQUES – Sr. Presidente, meus colegas da Comissão, meu nome é Gilberto Marques. Eu conversei ontem com o advogado Paulo Henrique Maciel, que está presente e todos nós conhecemos, e ele lembrou um fato importante, por que eu acho que o papel da Comissão, como disse Roberto, é salientar, descobrir, investigar mortos e desaparecidos, mas a gente tem compromisso com esse passado inteiro. Ariano Suassuna dizia, saudoso Ariano, que elogio é pra se fazer na frente, então quem sofreu e está vivo precisa ser ressaltado. Hoje, Socorro já falou, e pelo próprio elenco, na posição em que foi lido por você Socorro, nos processos da 7ª Região, aconteceu o que é comum nos processos criminais. No processo criminal da 7ª região que envolvia os funcionários da SUDENE, o nome que encabeçava esse rol era o de Abelardo Caminha de Barros que está aqui presente. O título no processo criminal é o comum. É assim: “Abelardo Caminha e outros”. Abelardo Caminha e os outros caminhavam no mesmo sentido que o Ministério Público escolheu. Portanto eu faço questão de fazer esse

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registro, por que o cabeça do processo, até pra quem chega depois, diz assim: “O mais perigoso é esse!” (falas fora do microfone) Se você quiser falar no microfone... pra ficar o registro do que você falou... se não estiver gravado, não entra na gravação que nós estamos fazendo. O operador está lá vendo. Pode falar no microfone, você tem um microfone aí.

ABELARDO CAMINHA – Estou dizendo que essa propriedade de ordem alfabética depois me trouxe muitas dificuldades em outros momentos que me obrigaram a passar pela ditadura. Por que o IPM da SUDENE vai ser “Abelardo Caminha e outros...”, o que é que você fazia na SUDENE? Eu digo: “Eu não fazia nada. Eu só apareci por que era estudante e funcionário da SUDENE e fui ser oficial de gabinete de Dr. Arraes, e depois eu era do Comitê Universitário dos Comunistas. Aí eu saí e não voltei para a SUDENE. E não respondi esse inquérito por que eu fugi. (Risos).

GILBERTO MARQUES – E essa forma de chamar o governador: o falecido Dr. Arraes é interessante, não é? Por que ficava Abelardo e Arraes, tudo na letra A, e ele continuava na cabeça. Certamente Arraes foi capitão de algum outro processo também começando “Arraes e outros”. O processo criminal por si só Socorro, já é, dizem os clássicos, uma pena. Uma forma de punir, por conta da pecha e essa pecha hoje não é nada. Nos governos de seita, nos governos de facção, nos governos de privilégio e todo governo de ditadura assim o é, as penas começam até pelo apontamento. Quando mais pela denúncia criminal e por esse nome estampado na capa do processo, o que não é nenhum pouquinho lisonjeiro. É preciso, portanto, a gente fazer sempre a saliência de coisas dessa natureza. E Ariano, o mesmo Ariano, dizia: “Quanto à crítica, por mais contundente e correta que seja, é melhor fazer pelas costas por que pela frente é falta de educação”. Então a gente vai fazer esse elogio e eu queria também Socorro, salientar a história da eloquência do silêncio. Na ditadura de Getúlio o Código de Processo Penal inseriu o direito de ficar calado, apesar de ter a ressalva própria do tempo e da ditadura. O texto de Nelson(...?...)e Roberto Lira dizia: “ Pode ficar calado, mas o silêncio poderá ser usado em prejuízo da sua defesa.” Na Constituição cidadã de 88, nessa parte, prevalece o direito de permanecer calado e às vezes o silêncio é a maior eloquência do discurso. Tá lá na história de Cícero, no Senado Romano, que também era advogado. Portanto eu acho que esse registro é importante, hoje a gente brinca e ri com essas coisas, mas o simples fato de dizer... eu estava com Fernando numa reunião em Brasília, Paulo Brossard bateu no meu joelho, ele era o líder no Senado: “Você é comunista!” Eu disse: “Que é isso, senador?” Era um perigo dizer isso publicamente. Nem por brincadeira. Ele disse: “É, você está tomando voto, por que todo mundo está tomando uísque”. Aí eu comecei a tomar cuidado de tomar uísque quando tivesse gente estranha. Muito obrigado.

ADALBERTO ARRUDA – Perdão, se me permite, é com relação à questão levantada por Roberto Franca. Clemente, eu trabalhava no DRH, Recursos Humanos, eu estava lá no programa de educação. Eu quero apenas fazer uma breve observação, que eu acho que Roberto gostaria de ouvir. O programa Aliança para o Progresso, entre outras coisas, trazia pra cá uma filosofia tipicamente de mudança econômica reducionista, trabalhar só pra educação,

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o resto está tudo errado, planejamento, etc. E alguns governadores, Francisco Oliveira já fez referência a um desses, ágeis e, digamos assim, entre aspas, “astutos”, Aluísio Alves entre outros, se antecipavam nas negociações dando um “by pass” na SUDENE, para conseguir... e conseguiam. Então havia uma... a Aliança então fazia entendimentos, tentava por fora, o que não deveria legalmente fazê-lo, e o RG do Norte chegou a ser beneficiado com tanto dinheiro que chegou a construir escolas que não tinha como um poder estadual manter. Construía o prédio, mas não tinha como pagar as professoras e manter os cursos do colégio. Por que devo dizer, que a SUDENE decerto também não abandonou, a SUDENE criou uns programas até arrojado demais como por exemplo a bolsa, bolsa vestibular para carreiras especiais e profissionais de nível superior, engenharia, geologia, agronomia e mais algumas outras e pagava um salário mínimo pra pessoa fazer um curso preparatório pro vestibular e fazer... perdão, e depois de passar no vestibular, fazer todo um curso, isso no curso superior. Já disse que em relação às Universidades, autorizava técnicos da SUDENE, faço aqui uma observação: no curso de Economia da Católica a cadeira não se chamava planejamento, chamava-se fomento econômico. Esse era o nome que se dava no Portugal de Salazar. Era fomento econômico, e Celso, através de um dos seus... levou à discussão o que era Projetos, que também não havia naquela cadeira, era coisa profundamente instrumental para um economista fazer o projeto, saber fazer o relatório, definir os objetivos, fazer avaliação, levantar os investimentos, custo operacional, previsão, fazer a capacidade de pagamento, etc., e introduziu essa cadeira que não tinha nos cursos de Economia. Repito, em relação a isso aí a SUDENE teve também impacto modificativo e modernizador até nesses termos em relação ao curso superior. E no curso básico, no curso fundamental que era essa experiência do RG do Norte, esse foi o assunto que eu acompanhei mais de perto, lá no chamado DRH. Muito obrigado.

MANOEL MORAES - Eu queria, presidente Dr. Fernando Coelho, aproveitar a oportunidade também como disse Socorro, acho que a homenagem a Jáder é mais do que benvinda, ele é uma referência pra toda uma juventude nesse estado, eu participei dessa juventude que teve o acesso a Jáder e ele era uma figura... enfim, uma homenagem mais do que justa e está sendo importante pra todos nós essa manhã. Eu queria também lembrar outra pessoa que é Denis Bernardes, e ele escreveu também sobre esse tema do Nordeste, ele tinha uma cadeira na pós graduação de Serviço Social que era O Estado e o Desenvolvimento Regional. E Denis fez um texto, professor, que cita o senhor, eu queria Dr. Francisco Oliveira até que o senhor pudesse tratar desse assunto, por que ele coloca o seu conceito de formas diferenciadas de acumulação. Ele chega a citar o senhor no texto dele, numa avaliação que o senhor faz sobre o modelo de desenvolvimento que havia anteriormente e que parece que o senhor qualifica, denunciando que havia um modelo que diferenciava criando essa segregação entre o norte e o sul; o sul que se desenvolve por estar mais próximo, me parece, dos políticos que tinham o projeto da velha política do café com leite, e isso se desenvolve depois e o que o senhor vem tentar trazer com esse conceito e o que é que isso impacta na SUDENE. Se o senhor pudesse trazer isso pra gente seria extremamente importante por que isso depois é retomado em

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outros textos, como de Tânia Bacelar, que também trabalha essa questão de como essa diferença, de como esse tratamento, entre aspas, “republicano” diferenciado entre as regiões tem a ver também com o projeto de Estado e a ditadura amplifica essa lógica de Estado, como disse Adalberto, traz o conceito de Nordeste e segurança nacional. Que foi outro trecho de um texto também importante pra esse tema de Maria (...?...), e eu gostaria Adalberto, que você pudesse aprofundar sobre as Ligas Camponesas. O que é esse componente que é tratado de forma tão grave? Quer dizer, qual é a lógica de segurança nacional, qual é o medo que a segurança nacional tinha do desenvolvimento dessa região? Por que parece que há vários movimentos antes da SUDENE, e aqui eu vou terminando, que tentam travar essa discussão. Um dele é a Carta de Salvação do Nordeste, Principais Pontos e Resoluções Finais. Uma pergunta pra quem quiser falar. Essa Carta de Salvação do Nordeste era de 55, é um encontro que acontece aqui em Recife, 20 a 27 de agosto de 1955, e ela tem uma direção muito importante. Arraes participa da elaboração dessa carta, você tem entre outros, Francisco Julião, Clodomir Moraes, há uma lista de pessoas que participam desse movimento que é anterior a SUDENE. E nesse processo, essa carta, essa proposta, me parece que ela é estruturante de outro modelo de desenvolvimento. Não sei se Dr. Francisco pudesse falar dessa carta e da importância dela.

GILBERTO MARQUES – Eu me esqueci de fazer uma pergunta, importante, eu acho. O golpe que atropelou o sonho, o golpe de 64, esse sonho de Furtado, de vocês todos, da SUDENE, não matou de vez a SUDENE, ela veio morrer posteriormente. E eu ouvia muito, apesar de em 64 eu ter 9 anos, na sequência, a história do 3418 que depois se transformou em FINOR. E eu pergunto, a corrução do governo de seita, do governo de facção, ela passou por esses projetos? Por que era o que eu ouvia, apesar de ser menino. Havia o privilégio de empresas que apareceram por aqui mas só no papel, ou no muro, ou na placa que se botou no terreno e esse dinheiro que se investia para o desenvolvimento do Nordeste terminou não sendo usado com esse efetivo propósito? Se vocês pudessem falar sobre isso...

CLEMENTE ROSAS - Eu acho importante, por que eu conheci o sistema como SUDENE, como técnico de elaboração de projetos e como executivo de um projeto que se beneficiou dos incentivos. Eu posso dizer, muito simplesmente, que houve desvio, houve corrução, mas no caso da SUDENE era uma coisa pontual, entre pessoas, muito diferente do que foi na SUDAM e que era uma corrução institucionalizada. Eu defendo essa tese em qualquer ambiente, sem qualquer medo. Conheci umas pessoas da SUDAM, as pessoas sérias que eu conheci eram consultores, não tinham função executiva. Uma foi, todos conhecem, o Sérgio Buarque, irmão de Cristóvão, um grande economista, e outra foi o professor Armando Mendes, uma espécie de um Celso Furtado do Norte. Uma velha figura. A direção da SUDAM sempre foi totalmente submissa aos políticos de lá e não tinha escrúpulos de contrariar inclusive determinações legais de como administrar esses incentivos. Sempre foi assim. Enquanto a SUDENE foi criada no topo de um movimento que envolvia uma série de iniciativas anteriores, como foi aqui citado, de manifestos, teve o encontro de Salgueiro, e tudo isso, quer dizer, no topo de um movimento popular, houve até, Dr. Chico Oliveira já citou isso em outras ocasiões e eu repito,

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foi a primeira vez que se viu a massa na rua pra defender um plano, não era defender pessoas. Pra defender o plano da SUDENE. Enquanto isso ocorreu assim, no caso da SUDAM, eu assisti, eu participei da reunião de criação da SUDAM, foi feito a bordo de um navio turístico, o Rosa da Fonseca, iniciando em Manaus e se deslocando até Belém, certo? Ao longo de cinco dias de viagem é que se desenvolveram os debates para criação da SUDAM. Muitos empresários, eu me lembro de um que era empresário do setor imobiliário, Antônio Seixas Galdiano, e alguns desses empresários levaram suas secretárias, entre parêntesis, e assim foi a criação da SUDAM. Quer dizer, é uma coisa que choca frontalmente com o que foi a SUDENE. E ao longo do tempo, a SUDAM, em várias ocasiões, simplesmente administrava o sistema de incentivos contrariando disposições legais. Eu podia explicar isso... mas talvez tome muito tempo. O que eu quero dizer é que realmente houve desvios na SUDENE, pontuais, sobretudo no governo militar, e que continua ainda um pouco após o governo militar. Agora, muitas vezes isso era feito no interesse de políticos e contra a orientação dos técnicos mais sérios da SUDENE. Houve uma série de propostas no sentido de ajustar, de aperfeiçoar, de evitar desvios, de dar à SUDENE poder de coibir esses desvios mas eram todas arquivadas no Congresso. Houve várias propostas nesse sentido. A coisa só entrou finalmente nos eixos, curiosamente, na gestão do general Milton Moreira Rodrigues, recente. E eu tive o gosto de ser um braço direito do general, por que eu era procurador geral da SUDENE, e a SUDENE então começou a cancelar todos os projetos irregulares ou inviáveis ou, ocasionalmente, quando havia indícios de ilícito penal, se fazia notícia crime ao Ministério Público pra que o Ministério Público processasse, e no plano de implemento fiscal há ações de execução fiscal. Isso nós fizemos, foram centenas de projetos que foram cancelados. Em todos os casos eles recorriam a muitos advogados, aos melhores advogados, no sentido de impedir a SUDENE de fazer isso. Eu tive oportunidade de defender a SUDENE, não por qualidades pessoais minhas, mas pela causa, que era justíssima. Em todas elas nós conseguimos manter a orientação de cancelar. As execuções continuaram, a SUDENE foi extinta, aí depois tudo isso passou para a Advocacia Geral da União e eu não pude acompanhar mais. Mas o depoimento que eu queria dar era esse.

GILBERTO MARQUES – É por isso que eu usei a expressão “o golpe que atrapalhou o sonho”. O sonho vem de antes, vem desse projeto de criação e efetivo...

CHICO DE OLIVEIRA – Evidentemente, e isso é até uma nota entre parêntesis, a SUDENE foi extinta formalmente pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Pode haver alguma contradição mais explícita? Quer dizer, um grande sociólogo, hoje não é nada mais por que faz 20 anos que não escreve coisa com coisa. (risos) Mas foi um grande sociólogo, algumas obras fundamentais. Pois Fernando Henrique extinguiu a SUDENE ao invés de reformá-la. A SUDENE, SUDAM e tudo o que parecia tinha que ir junto. Isso é... É dos poucos políticos importantes que nunca deram atenção ao Nordeste. Isso é raro na história brasileira. Ele perseguiu.

FERNANDO COELHO- Perseguiu. Eu chefiava, no governo de Miguel Arraes, na época de Fernando Henrique, a Assessoria do Governador, e nós pudemos constatar o tratamento discriminatório e injusto contra Pernambuco e o Nordeste. Quer dizer, uma linha que me fez,

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desde então, decidir, que não voto mais em candidato de São Paulo. Salvo vindo de outra região.

CHICO DE OLIVEIRA – Então a SUDENE, seu projeto, sua trajetória, sempre tiveram muitos inimigos. Contado hoje parece uma coisa que foi... era do consenso, mas a SUDENE não nasce da cabeça de Minerva. Isso, o Celso é a grande figura, sem ele não existiria, mas você mesmo citou antes o Congresso de Salvação do Nordeste, que foi basicamente uma iniciativa do Partidão, quer dizer, vamos botar a história nos seus pontos. O Partido Comunista Brasileiro tinha uma enorme influência na política brasileira. Depois que caiu na ilegalidade também continuou. Com todas as desvantagens para o nosso processo democrático e para os seus militantes. Mas a Minerva aí é outra, a Minerva é o Partidão, com as grandes ideias modernizadoras. Então o Congresso de Salvação é o grande predecessor da SUDENE, que se resume depois no famoso Seminário de Garanhuns. Aí se dá o deslanche mesmo. E JK que era extremamente atilado e instruído pelo seu grande assessor que era (...?...) Câmara, um embaixador que preferia estar no Brasil assessorando do que estar tomando uísque nas recepções. (...?...) Câmara é que instrui todo o processo e termina nas mãos de Juscelino. Juscelino aí dá a canetada, cria o CODENO e envia ao Congresso a Lei que cria a SUDENE. Quer dizer esses também são aspectos, as vezes personalistas, mas que precisam ser recuperados. Quer dizer, Juscelino não tem nenhuma boa imagem no Nordeste e, no entanto, é dele e do seu governo a grande iniciativa. Evidentemente, muito bem assessorado. Quer dizer, uma assessoria que tinha (...?...) Câmara e Celso Furtado, como dizia Sílvio Luís, comentarista, “pela mãe dos meus filhinhos”! Não tem muito igual, não é? É isso que, a gente vai nesse tipo de encontro, tentando refazer os pontos, essa linha contínua de História. O processo da SUDENE é uma sucessão de tentativas de iniciativa, não é? Que culmina com o Seminário de Garanhuns, em 58, onde aí, há uma espécie de reivindicação. E Getúlio já tinha tentado. Por isso que me surpreende que Fernando Henrique seja o único político importante que é, praticamente, anti nordestino. Isso não existe na história do Brasil. Então Juscelino dá um passo decisivo, evidentemente ancorado em uma bela assessoria que era Celso Furtado, (...?...) Câmara, Luís Soares Pereira, o maranhense que deu assessoria a... Rômulo de Almeida, que era o chefe da assessoria econômica. É uma história riquíssima de tentativas sucessivas de encontrar o caminho. O banco do Nordeste é de Vargas. Mas até se perceber que um banco não é exatamente uma instituição de desenvolvimento, demorou tempo e aí a coisa da SUDENE, digamos assim, estava madura para dar passos ousados, estava madura, era uma reivindicação, não era uma coisa da cabeça de Minerva, era uma forte reivindicação popular e popular quer dizer, veiculada, intermediada, trabalhada por organizações que eram populares, afinal de contas poucos partidos foram tão populares como o partido comunista que era o principal veiculador. O Partido Comunista Brasileiro como o Partido Comunista em geral, do resto do mundo tem uma história trágica. Ele é o grande veiculador da modernidade e é anulado por ela. Como ele falou em sonho, sonhamos comunistas e acordamos capitalistas. (risos)

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ADALBERTO ARRUDA – Me permita, Presidente, a fazer um pequeno acréscimo sobre esse ponto, sobre FHC. Toda experiência que eu, digamos, sudeniano, tive com ele, vou relatar: uma foi que eu participei do grupo de trabalho da SUDENE na Assembleia Constituinte, da Assembleia Nacional Constituinte, que foi dirigido por Carneiro Leão. E lá em Brasília eu fui sorteado pra visitar o senador, nós saíamos de dois a dois e visitávamos aquelas pessoas chave. E, com o senador Fernando Henrique, eu tive oportunidade. Eu quero dizer que marcamos a primeira audiência e na segunda ele nos recebeu. Preconceituoso, meio arrogante, ele é, mas quero dizer que a posição dele foi de quase não querer nos escutar. E eu levava estatísticas, levava tudo, ele teve que nos aguentar e escutar muito bem as estatísticas e esse discurso nosso. Ele escutou pacientemente e não falou muito, não, mas escutou. Uma outra experiência foi quando na campanha eleitoral, eu já estava fora da SUDENE, aposentado, na campanha eleitoral dele eu era chefe de gabinete da assessoria técnica da Federação das Indústrias, administração de Armando Neto. E coordenei a visita de todos os candidatos a presidente lá na Federação das Indústrias. Ele chegou com uma hora/uma hora e meia de atraso ele esclareceu e nós entendemos muito bem, evidente, ele se atrasou por que foi fazer entrevistas com a imprensa, foi dar entrevista como candidato, nós sabíamos disso. Era a campanha política dele. Mas nós organizamos a coisa, cada presidente de sindicato, indústria química, indústria açucareira, indústria mecânica, indústria da construção civil, o presidente do sindicato fazia uma exposição e entregava um documento a ele. A reunião terminou já bastante tarde, mas eu quero dizer que ele escutou mais do que falou e levou todos esses trabalhos, mas quatro ou cinco dias depois eu ouvi um depoimento, de um assessor dele que eu, circunstancialmente, encontrei em Brasília, dizendo que tinha dado uma surra nos empresários porque puxou a reunião e os empresários estavam com preguiça de ir até tarde. Então eu quero dizer que... eu ouso dizer, que Celso era um sujeito elegante e cortês, extremamente cortês, discreto, mas extremamente cortês diferentemente de Fernando Henrique, sem dúvida, no que pese a admiração que eu tenho por Fernando Henrique pelo seu trabalho intelectual e pelos seus livros, que são, sem dúvida, respeitáveis. Em relação ao 3418, me permitam dizer, Clemente já deu uma explicação assim, completa, mas eu quero só ajuntar aqui um dado que é de uma publicação, quem sabe pode ser incorporado aqui ao Relatório da Comissão, é a publicação do livro de Mário Martins, “O Nordeste que deu certo”, da editora Comunicart de 1993, quando ele discute esse assunto, a questão já era mencionada de maneira muito forte. Primeiro ele chama atenção de que o Nordeste em função da atividade sudeniana, sem dúvida, por que nós já vimos que de 39 até 40 (...?...) pra baixo, e as projeções de Celso eram que isso aí ia aumentar, se não houvesse conforme a gente viu uma ação do setor público organizada e mudancista, revolucionária e modernizadora; Então eu quero dizer que de 65 a 85 a economia nordestina teve um crescimento médio maior que o Japão, de 6,3% e para 5,5% que foi o da economia japonesa e em muitos períodos também o crescimento da economia nacional. Ação de SUDENE, sem dúvida, o fator modificador. Agora em relação ao 3418, no depoimento de um companheiro de Clemente lá no setor de Incentivos Fiscais, que é o José Geraldo Vanderlei, que foi diretor na época, técnico do maior respeito, ele diz o seguinte sobre o assunto: Comparando os incentivos fiscais de SUDENE, que

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ele chama atenção que foram muito bem aplicados não obstante os riscos, que há numa parceria público privada. O sistema 3418 era uma parceria público privada, sem dúvida, não era? Então dizia ele: “Em apenas 4 anos, a USIMINAS que consumiu 6 bilhões de dólares, ITAIPÚ no mesmo período tem 18 bilhões de dólares, as usinas nucleares que nem sequer entraram em funcionamento, 12 bilhões de dólares, as indústrias surgidas com o apoio da SUDENE criaram cerca de três milhões de empregos diretos e indiretos e são responsáveis por 70% dos impostos industriais arrecadados na região.” Ele chama a atenção de que isso significou cerca de 8 bilhões de dólares para a SUDENE. De modo que é como Clemente fez o registro, extensivo e muito esclarecedor, e apenas acrescentaria em relação à SUDAM, a SUDENE aprovava projetos agropecuários de 100 mil hectares, com recursos de incentivo do FINAM e logo que o sistema de incentivos se estendeu pra lá eles passaram a ter uma participação muito maior do que o FINAM na arrecadação de incentivos do que nós aqui no Nordeste. Obrigado.

GILBERTO MARQUES – Presidente, pela ordem. Socorro, eu queria fazer uma pergunta. Você referiu-se...

SOCORRO FERRAZ – Só um momento... tem uma pessoa inscrita, que é Nadja Brayner.

GILBERTO MARQUES – Certo, mas é só pra fazer uma colocação rápida. Quando você se referiu aos processos internos, processos administrativos da SUDENE, eu entendi que pessoas que fizeram a acusação eram colegas, da mesma forma que, a colegas, foram dadas as defesas. E essas defesas algumas vezes ficaram silentes.

SOCORRO FERRAZ – Não. As defesas defenderam, mas as defesas não tiveram êxito. Os “colegas”, digamos entre aspas, eram pessoas recém chegadas ou chefes da confiança dos ditadores.

FERNANDO COELHO – Nadja Brayner, com a palavra.

NADJA BRAYNER – Obrigada. Bom, em primeiro lugar eu queria cumprimentar todos os integrantes da mesa e de forma particular os depoentes. A minha observação é rápida, o que eu queria chamar atenção é que a própria condução, vamos dizer assim, de Celso Furtado à SUDENE, já foi, é bom que se diga, um ato de coragem do próprio Juscelino, por que como bem colocou Chico de Oliveira, já havia uma campanha contra, fortemente contra, o nome de Celso Furtado. E foi necessária inclusive uma mobilização grande, inclusive pela imprensa, inclusive também apoio da própria Igreja através de Helder Câmara e um conjunto de forças políticas que deram esse respaldo para a nomeação dele. Eu tenho uma entrevista dada por Celso Furtado em 82, onde ele faz um registro interessante dizendo inclusive que: “...naquela época houve uma campanha pessoal tremenda contra mim, dizendo que eu era comunista, e isso, aquilo e tal...” Ele então, circulou em meios militares, ele chama atenção que contou... a campanha de mobilização a favor da indicação do nome dele... por que inclusive Juscelino primeiro criou a SUDENE e depois fez a indicação do nome dele inclusive como uma estratégia

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pra poder facilitar essa indicação. E ele diz o seguinte, que contou com o apoio do Correio da Manhã, do Jornal O Estado de São Paulo, mostrando que houve uma grande mobilização. Então, quer dizer, a própria criação da SUDENE, a própria nomeação de Celso Furtado, nasce dentro dessa conjuntura de luta e de resistência e de inovação, claro. Por que a gente não pode esquecer como o próprio Juscelino assumiu o governo, as condições em que ele assumiu. Não se pode esquecer a América Latina no contexto mundial da guerra fria, enfim, tudo o que estava se passando. Então eu acho que essa resistência e essa luta da SUDENE, a importância dela, é de uma particularidade realmente histórica fundamental, por que foi nessa conjuntura, com todas as dificuldades, que se ousou. E acho que também que todos os técnicos, não é, aqueles que foram compor esse projeto tinham clareza sobre isso. O que é que era o Nordeste naquela época? Era um barril de pólvora. As Ligas tinham sido fundadas em 58. E não foi a toa que os americanos, a USAID, a Aliança para o Progresso, se instalaram aqui no Nordeste. A gente tem documentos inclusive pontuais com relação a participação de vários, vamos dizer assim, informantes americanos, disfarçados através de coisas que vinham se instalar aqui no Nordeste. Então, isso aí é um registro que eu queria fazer e queria lembrar que a SUDENE também criou a sua própria Associação de Servidores que teve um papel extremamente importante não só voltado pros interesses dos seus técnicos, mas também dentro da política maior, por que também se integrou ao CONSINTRA, aos movimentos sociais, que estavam em ação na época. OK, obrigada.

FERNANDO COELHO – Tendo em vista o adiantado da hora, quero avisar, conforme foi lembrado aqui, que o restaurante da Fundação, aqui ao lado, poderá atender a todos os presentes para o almoço. Declaro suspensos os trabalhos...

CLEMENTE ROSAS – Podia deixar só eu complementar, no caso, em relação ao que Nadja falou. Eu acho que o essencial no caso foi que o Dr. Celso Furtado conquistou a confiança de Juscelino, na famosa reunião do Palácio Rio Negro, em que ele disse a Juscelino o que Juscelino nunca tinha ouvido. Quer dizer, dar uma nova versão, uma nova interpretação ao que estava acontecendo no Nordeste, num processo de empobrecimento e não era totalmente por causa da seca. A partir daí, Juscelino foi que deu sustentação a ele. Só houve o questionamento para sua substituição na mudança de governo, com o Jânio Quadros, quando o Virgílio Távora chegou a ele e disse: “Olhe, talvez a gente precise dessa posição pra uma composição política.” Foi a partir daí. Mas louve-se a atitude de três presidentes com perfis totalmente diferentes: Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros e João Goulart. Todos três mantiveram Dr. Celso, inclusive Jânio deu acesso a ele às reuniões ministeriais. Jânio, com toda a sua loucura, Dr. Celso foi viajar por que já esperava ser substituído e ele chamou o José Aparecido, isso é contado nas memórias de Dr. Celso: “Chama esse rapaz aqui, todo mundo me pede tudo e ele não me pede nada! O que é que está acontecendo?” E aí conversou com Dr. Celso e o manteve. E João Goulart também. João Goulart, que era um homem limitado, como todo mundo sabe, intelectualmente...

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CHICO DE OLIVEIRA – Não era nada limitado! Nem intelectualmente. Leia o livro sobre João Goulart e você se surpreenderá.

DÉLIO MENDES – ele foi um grande presidente da república desse país e não foi julgado corretamente.

CLEMENTE ROSAS – Deixem eu terminar. Eu estou sendo mal compreendido, eu estou querendo fazer um elogio a João Goulart. Eu continuo achando que ele não tinha nenhum brilho intelectual...

CHICO DE OLIVEIRA – Tinha sim!

CLEMENTE ROSAS - ...mas ele teve a dignidade de dizer, quando falaram que Dr. Celso ia ser substituído, ele disse: “Eles querem, os políticos, é que eu assine a demissão de Dr. Celso. Mas eu não vou fazer isso nem que me cortem a mão”. Isso é contado pelo próprio Celso Furtado nas suas memórias.

CHICO DE OLIVEIRA – Não é verdade isso. Goulart não era nada limitado. Esse é um discurso que a direita inventou sobre Goulart. Goulart, ao contrário...

CLEMENTE ROSAS - Aceito a ressalva.

CHICO DE OLIVEIRA - ... era um dos políticos mais preparados da alta cúpula. Na média, dos mais preparados que nós tivemos a chance de ver. Na verdade a tragédia do governo de Goulart é uma coisa mais ampla. O golpe ali, não metaforicamente, já vinha a galope. Então, ninguém nunca resistiu a golpe militar no Brasil e Goulart já tinha esse condão, mas não era nada de governo medíocre, nem incapaz, nem incompetente. Ao contrário. Leiam o livro sobre a biografia de Jango que a gente se surpreende muito. Mesmo pra macaco velho ainda tem muita surpresa pra ser contada.

FERNANDO COELHO – Eu penso da mesma maneira. Os trabalhos serão reiniciados a partis das 14 horas, nesse mesmo local.

(aplausos)

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FERNANDO COELHO – Eu convido a compor a mesa, os depoentes que falarão em seguida: Ulrich Hoffman, Délio Mendes e Plínio Monteiro Soares. Declaro reabertos os trabalhos. Passo a palavra a professora Socorro Ferraz para dar continuidade aos depoimentos. Socorro, com a palavra.

SOCORRO FERRAZ – Bem, boa tarde, já estão à mesa os depoentes que são Ulrich Hoffman, Plínio Monteiro Soares e Délio Mendes. Vamos dar pra cada um quarenta minutos pra exposição...

DÉLIO MENDES – Olhe, não houve limitação de tempo de manhã, então eu peço as mesmas condições...

SOCORRO FERRAZ – Eu vou explicar por que não houve e houve. Houve tacitamente um certo limite, ninguém ultrapassou 40 minutos e nós ficamos controlando e vendo que ninguém ultrapassou 40 minutos. Agora eu vou explicar essa segunda parte que foi antipática, por eu ter dito, mas é por que há um limite para o uso do auditório. Nós poderíamos ficar até 12 e meia/ 1 hora, mas agora a tarde nós só vamos poder ficar até às 18. Não é isso?

JOELMA GUSMÃO – Dezessete horas.

SOCORRO FERRAZ – Desculpem, dezessete horas. Então é por essa razão que a gente está com mais essa preocupação. Mas também queremos dedicar essa segunda parte da sessão à dois técnicos da SUDENE que foram muito importantes: Naílton Santos e Marcos Lins. (aplausos). E sem mais demoras vamos então passar a palavra ao Ulrich Hoffman.

DEPOIMENTO DE ULRICH HOFFMAN

ULRICH HOFFMAN – Pessoal, muito boa tarde, é um prazer escutar de novo ser chamado de “Rufman”, por que lá pras outras bandas o pessoal me chama “Rófman”, chego aqui é “Rúfman”. É uma satisfação estar aqui entre vocês. Eu sou um pouco diferente daqueles que falaram pela manhã, por que eu estou meio fora, não é? Todo o pessoal que falou pela manhã é um pessoal mais integrado, é o nosso Nordeste, é o nosso Pernambuco, não é? Verdade que eu me sinto, e escrevi isso num jornal em São Paulo, me sinto um pernambucano de coração, certo? Quando faleceu o Jorge Carneiro da Cunha eu escrevi um artigo sobre o pensamento humanista dele e relembrei da convivência com ele e falei que era um pernambucano de coração. Em primeiro lugar eu queria fazer uma declaração que eu acho importante e quero fazer aqui para o nosso presidente Dr. Fernando Coelho, por que esse esforço que vocês estão fazendo aqui é muito, muito importante. Vou até... o tempo é curto e eu até escolhi aquilo que eu quero aqui conversar com vocês, para valorizar esse trabalho de memória e de entender, relembrar, compreender o passado, na direção do futuro. Na direção do futuro. Acho que essa é a questão principal. Até eu acho que vão ter um grande desafio aí de poder extrair sinteticamente aquelas lições mais importantes que o esforço de volta ao passado nos traz. O

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Henrique até agradeceu o esforço que a gente fez pra vir aqui e eu quero dizer que vocês não tem que agradecer a mim coisa nenhuma, tá certo? E tem que agradecer a Socorro Ferraz que com sua doçura e afetividade conseguiu fazer com que eu largasse, porque eu sou professor universitário, faço consultoria, é um monte de aula toda noite que eu tive que reorganizar pra poder estar aqui com vocês por que eu achava que realmente valia a pena essa conversa e foi realmente muito interessante a manhã, muito emocionante até escutar o que Chico de Oliveira, o braço direito do Celso Furtado, o braço direito não, o braço esquerdo do Celso... (risos), o Clemente, o Adalberto, foram conversas muito, muito interessantes e a intervenção de vários de vocês também e eu acho que a questão é mais desse ponto de vista que foi abordado pela manhã que é essa questão de entender os processos em relação à SUDENE. O que aconteceu aqui, no estado de Pernambuco, particularmente, focado nesse extraordinário... nessa extraordinária experiência histórica econômica social que foi a SUDENE. Que a busca do entendimento do que passou deve ser o nosso centro. Eu até peguei aqui um antigo relatório pessoal e também da minha esposa que eu conheci aqui, ou seja, além de tudo, há toda a constituição da família, as quatro netas, são produtos da minha vinda aqui para o estado de Pernambuco onde eu conheci Marize Pimenta e aqui está o relatório dos nossos problemas pessoais, por que eu quero deixar os problemas pessoais de lado, mas entrego aqui à Comissão, por que eu queria me concentrar na questão da SUDENE. Vamos lá. Eu falei “o que é que eu vou, depois das palavras do Chico, ou do Clemente, do Adalberto, o que que seria importante sinteticamente abordar, até pra colocar aqui em discussão com vocês?” Eu acho que é uma questão, que eu acho que a Comissão, o Fernando, deve ter já respondido tudo isso. Pra que serve esse trabalho de vocês? E qual o objetivo disso afinal? Afinal, tanto esforço, tanto recurso, do Estado, para quê? Então eu entendo que tem duas questões: uma é a questão dos problemas, da ditadura, que levam sofrimento e não só as mortes e torturas, mas também toda a desconstrução de muitas vidas. Socorro falou dos problemas psicológicos que ocorreram, as dificuldades que envolveram milhares e milhares de pessoas. Esse sofrimento pessoal, social, é importante recolocar, por que as pessoas dizem: “Não, passado é passado”, mas não, é importante estar sempre presente a ideia de que a pior coisa do mundo é ditadura. Deve-se não fazer nenhuma concessão à possibilidade de quebrar um estado de direito. Acho que essa é a questão fundamental, certo? E é importante também a gente entender esses processos que estão aí, por exemplo, o que nós falamos aqui de manhã é muito importante, numa série de questões que foram objeto das iniciativas pós golpe e eu queria analisa-las do ponto de vista dos interesses que estão atrás disso. Começa pela palavra planejamento que foi muito repetida aqui pela manhã. Por que de repente essa atitude contrária ao planejamento? Não é um problema ideológico, é um problema de interesses. A ideologia está aí para configurar formas racionalizadas de explicação do por que. Por que planejamento significa participação efetiva do estado, não como um estado interventor, nenhum... nem Celso Furtado, nem Chico Oliveira, ninguém falava em estado interventor, falava na responsabilidade do estado em cumprir as suas funções na educação, na saúde, no saneamento e no desenvolvimento econômico. Celso, quando cria estímulos ao desenvolvimento industrial, não tem nada aí do tipo estatizante, nem totalitário, nem coisa

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nenhuma. É uma visão de por ordem e organizar, orientar, a economia, a sociedade, a infraestrutura, na direção dos interesses sociais. Então o planejamento quando desprezado é um problema puramente ideológico. Uma ideologia que representa interesses. Celso Furtado toma a iniciativa, o Chico falou hoje de manhã, do Conselho, certo? De juntar os governadores num Conselho e esses governadores votarem, eles, as verbas, os recursos que a União, que a Federação colocava aqui para os estados do Nordeste. Por que a crítica ao Conselho? Por que essa coisa de o Celso Furtado queria mandar? Não! Queria o quê? Que os governadores passassem pela transparência pública. Era possível a presença de jornalistas naquelas reuniões, e todos os projetos tinham que vir com projetos. Até estranho não é? Projeto com projeto. Não, mas todo projeto, toda ideia de alguma estrada tinha que ter por trás a justificativa econômica e social, certo? Então essa ideia da transparência, de colocar que todos os recursos fossem fundamentados em projetos e que toda a importância do projeto fosse explicitada, era uma coisa que quebrava o costume de como cada governador recebia seus recursos, como se chama hoje também de verbas parlamentares, não é, cada um usa onde quer as emendas, não é? Mas o governador cria sua emenda pra fazer passar a estrada pela terra dele. Ou seja, Celso Furtado, de certa forma estava quebrando esses interesses. Eu vim aproveitar essa experiência muitos mais anos depois quando eu fui Secretário Adjunto de Habitação do governo Serra em São Paulo e tinha lá uma aprovação dos projetos habitacionais. A senhora que cuidava disso tinha o Mercedes novo todo ano, viajava pra Europa duas ou três vezes, claro! Por que pra aprovar um projeto habitacional, aqueles que tinham recursos... não eram projetinhos de habitação social de pobre não, eram aqueles grandes conjuntos habitacionais lá em Itu, outros de golfe, na praia, e tal, uma moça lá guardava na gaveta, projetos de 5... que cinco! 50, 500 milhões, ela não ia largar sem nenhum trezentos mil, não é? Daí eu lembrei desse Conselho, e criei um Conselho: representantes da SABESP, representantes da Secretaria de Meio Ambiente, todo mundo sentado, uma vez por semana reunia, aberto, eu convidei o cara da OAB, todo mundo sentado e tinha que explicar o voto. Ou seja, o senhor da SABESP ao autorizar o projeto ele tinha que dizer explicitamente, publicamente, fazia a ata, e colocava no Diário Oficial. Quer dizer, a transparência do Conselho eu acho que é um exemplo histórico que nós devemos seguir hoje. E aí, teve até bastante avanços legais, a LAI, não sei se vocês conhecem, a Lei de Acesso à Informação, que obriga todas as instituições federais, estaduais e municipais a colocar o orçamento no site da prefeitura, do estado. A colocar a execução orçamentária, a colocar todos os contratos, aí o pessoal as vezes me fala: “Pô, Alemão, tu defendes isso aí, mas você acha que o povo vai entrar em site?” Se o povo não entra em site, o presidente lá de uma organização social entra, o deputado da oposição entra, o... como é que chama... o jornalista entra. Então essa ideia da transparência que é fundamental na democracia moderna, no sentido de a sociedade poder controlar o seu gestor. Infelizmente, eu não conheço aqui o estado de Pernambuco, mas falo do estado de São Paulo, pega uma instituição importante como a (...?...). Entra no site pra ver se tem lá orçamento, pra ver se tem os salários, pra ver se tem lá a execução orçamentária. Infelizmente não tem. Uma organização que se diz responsável pelas questões da administração, da melhoria administrativa do estado de São Paulo deveria ser a primeira a dar

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o exemplo de colocar, com transparência, toda a sua execução orçamentária e inclusive distribuição de salários, etc., para que as pessoas possam ter um controle social. Acho que é uma questão muito importante. E nessa questão das questões que nós aprendemos, eu digo nós, todos os que participaram desse processo aí de sonho, de construção da SUDENE, e que chegou a cumprir um papel muito importante, apesar de num período relativamente curto, por que deixou sementes apesar do que foi dito hoje pela manhã, no sentido de que essa experiência foi cortada, foi... tem até uma expressão que está no livro do Celso Furtado, no sentido de chamar isto um sonho cortado, mas eu acho que ele foi cortado de certa forma. Hoje nós estamos, entre tantas outras coisas, estamos recolocando esse sonho, da possibilidade de num país com tantos potenciais, numa região tão importante, que a gente possa, relembrando o passado, aprendendo com o passado, poder nos prevenir de um lado e de outro lado ter coragem, ter disposição e ter ânimo pra construir um Brasil melhor pra todos. É isso que eu queria colocar.

(Aplausos)

SOCORRO FERRAZ – O Hoffman entregou à Comissão, ele disse que era um pouco da vida pessoal, mas é realmente a experiência dele depois de 64 em relação a todas as arbitrariedades que foram feitas com ele e com a família dele. Eu perguntaria se você não quer ler.

ULRICH HOFFMAN – Não.

SOCORRO FERRAZ – Não quer. Quer que eu leia? Não.

ULRICH HOFFMAN – Não. É que eu achei que essas questões pessoais não era o caso. Mas é até muita emoção, um texto que me custou lágrimas nos olhos lembrar todos aqueles problemas do passado mas eu acho que eles tem um significado pessoal, eu até aproveitei pra entregar isso aos meus filhos e tem um significado pessoal importante, certo? Mas do ponto de vista do trabalho aqui da Comissão, eu centrei naquilo que eu achava mais significativo e que eu gostaria de discutir com vocês por isso até fui bastante sintético.

SOCORRO FERRAZ – mas eu faço a pergunta por que a Comissão gostaria que isso constasse do relatório.

(falas fora do microfone)

FERNANDO COELHO – Continuando os depoimentos passo a palavra ao professor Plínio Monteiro Soares.

DEPOIMENTO DE PLÍNIO MONTEIRO SOARES

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PLÍNIO SOARES – Cinquenta anos! Muito tempo, não é? Então, algumas coisas a gente já não lembra com tanta nitidez e outras ficaram para sempre na lembrança. Me dei ao cuidado de ir ao Arquivo Público, ao Ministério Público da Justiça, que hoje guarda essas coisas dos organismos de repressão e verifiquei que havia um informe do antigo SNI, que é curto e eu vou passar depois a professora com a esperança de que eventualmente possa servir às pesquisas que estão sendo desenvolvidas. Eu cheguei à SUDENE através do Curso de Desenvolvimento Econômico. Eu fui da primeira turma. Eu trabalhava então no SESI e na Federação das Indústrias numa pesquisa que a Confederação Nacional da Indústria desenvolvia em Pernambuco, na época, para determinar a demanda de treinamento de mão de obra industrial. Logo lá fui advertido numa certa ocasião, pelo superintendente, que ele não queria sarna pra se coçar. “O senhor pode ser comunista lá fora, aqui dentro da Federação das indústrias, não”. E aquilo me causou uma surpresa muito grande, mas o fato é que eles indicaram... havia a Confederação Nacional da Indústria, que publicava uma revista chamada “Desenvolvimento e Conjuntura”, João Paulo de Almeida Magalhães, e essa pesquisa estava na tela e eles estavam interessados em ter gente que pudesse trabalhar com esses assuntos. Isso já era a influência do ISEB, que é um assunto que se tocou aqui muito rapidamente, o ISEB e a CEPAL naquela época, Comissão Econômica para a América Latina, foram se encontrando no início do governo Kubitschek. Chegou a editar inclusive, o ISEB, dois livros do professor Celso Furtado, um deles inclusive foi mencionado hoje aqui. Este ano, eu vou passar depois esse material para a professora, este ano saiu uma tese agora em fevereiro, estudando de uma forma sistemática esse período desse encontro entre o ISEB e a CEPAL, onde aparece a figura de Mário Magalhães da Silveira e Guerreiro Ramos, além dos outros que fizeram o ISEB. O professor Mario Magalhães da Silveira era um dileto amigo do professor Francisco Oliveira e do professor Celso Furtado, teve uma influência forte nos nossos projetos e nas concepções, na forma de encarar os assuntos do futuro. Ele era casado com Nise Silveira Magalhães, a Dra. Nise, uma psiquiatra famosa e que depois desse período da prisão a gente passou a partilhar, eu e Rosa Maria, a compartilhar da amizade deles, tanto pelo fato de que eles tinham sido colegas do professor Francisco Oliveira como pelo fato de que nós morávamos ainda no Rio de Janeiro. O início da minha participação nessas coisas já vinha do Sindicato dos Bancários, por que Gilberto Azevedo e outros faziam do Sindicato dos Bancários, do CONSINTRA, uma força arregimentadora respeitável. Antes mesmo de chegar ao SESI onde trabalhavam, na época, Ariano Suassuna e o professor Paulo Freire além de um vereador chamado José Guimarães Sobrinho, que participou do Congresso de Salvação do Nordeste anos atrás com Clodomir Moraes, naquele link que se falou hoje das confluências que antecederam a SUDENE. A Confederação Nacional da Indústria, por um lado fez aquele seminário de Garanhuns que deu lugar a dois volumes bem nutridos com especialistas do país inteiro. A Igreja com Dom Helder e o bispo de Natal fez por seu lado a sua contribuição. E o Congresso de Salvação do Nordeste onde o José Guimarães Sobrinho tinha participado. Então eu trabalhava, nessa época com Paulo Freire e Ariano Suassuna no SESI, na Federação das Indústrias e eu parti para vir fazer o primeiro curso de Desenvolvimento Econômico da SUDENE, que era uma cópia absolutamente certa do curso da CEPAL. O curso da CEPAL tem uma história muito interessante que eu não

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sabia. Na biografia que o Centro Celso Furtado acaba de publicar sobre Raul Prebisch, o argentino que abrigou Celso Furtado durante 10 anos como chefe da Divisão Estratégica da CEPAL, que definiu as políticas para a América Latina em contraposição ao liberalismo dos organismos das Nações Unidas, a CEPAL tinha e até o cidadão que fez essa biografia, ele dizia que a divisão de Celso era a divisão vermelha. O outro bloco era do Jorge Almada. Jorge Almada era um agrônomo que fez curso na Universidade de Harvard e era amigo dos democratas cristianos, como se dizia lá no Chile. Após esse curso o Dr. Francisco e o Jáder me mandaram pro Chile pra fazer um Seminário lá, onde eu passei três meses, depois eu fui a Cuba. Por que o Regínio Boti, que trabalhou na CEPAL, aqui no Rio de Janeiro, morou no Rio de Janeiro, e trabalhou 10 anos com Celso Furtado, ele foi parte daquele grupo do BNDES e do CEPAL que fez as raízes dos projetos, as estratégias, as discussões sobre técnicas de planejamento que a CEPAL dispunha na época para esses assuntos na América Latina. Sempre com aquela concepção de que a industrialização tem um papel chave na transformação de países agrícolas ou predominantemente agrícolas em países industriais. Estávamos, naquela época, crentes dessas coisas. O que eu não sabia era que o ISEB, nessa tese que foi publicada agora em fevereiro, eu trouxe até, vou deixar com a professora o início, uma parte da tese, algumas discussões sobre isso, e voltando ao assunto do Regínio Boti, no relatório do SNI, e isso que eu só vim saber agora, há poucos anos, havia uma informação esquisita, que o Regínio Boti tinha estado em Recife e que eu tinha recebido essa pessoa aqui. Isso não é verdade. Ele morou no Rio de Janeiro ali entre Ipanema e Copacabana, mas trabalhando nas Nações Unidas sob as ordens de Celso Furtado. Quem havia passado por aqui na véspera antes do golpe de 64 eram alguns agrônomos que Che Guevara, Ministro da Indústria, estava interessado em culturas de exportação. No Brasil tem algumas coisas que interessam e eles vieram aqui para o IPA, uma instituição de pesquisa que tem aqui, e o diretor do IPA era uma pessoa que tinha trabalhado com Jáder lá na SUDENE, isso já no governo Arraes. Eles vieram e tomaram as informações de agrônomos, eram informações técnicas e tal, e aí veio o golpe. Nessa ocasião eu fui recolhido preso, ainda dentro da SUDENE, e os agrônomos cubanos ficaram aqui em Recife. Rosa Maria e algumas senhoras, a senhora do Guimarães Sobrinho e outras pessoas, cuidaram da saída desse povo daqui, por que o Brasil tinha relações com Cuba, e eles estavam aqui com passaporte, tudo regular, mas até explicar essa história, alguém ia ficar sem os dedos ou sem as unhas. De modo que foi um momento muito difícil. Eu fiquei na Secretaria de... eu vou entrar no link pessoal muito rapidamente... já se tocou muito nesses assuntos hoje e se a gente for contar essas histórias vai desfocar. Eu fiquei um tempo na Secretaria com o famoso Alvinho, o Álvaro Costa Lima, eu chamo atenção que uma boa parte da minha memória não tem mais nada, são 75 anos, a enciclopédia que o Dr. Fernando Coelho escreveu, a enciclopédia dele, que me lembra muitos desses detalhes. O Alvinho, ele colocava a gente lá sentado e tinha um tal de “buque”, lá em baixo, onde o sujeito entrava assim, da cor do Hoffman, e saía verdinho, assim, quinze dias depois o cara estava verde, por que era um inferno, era um inferno. Depois eles me botaram na Companhia de Guardas e Francisco Julião tinha chegado preso já de Brasília. Tinha uma “solitária” lá, e eu fiquei numa das “solitárias” e ele conta no livro, muito engraçado, “Até quarta, Isabella”, que eu era um cartesiano que

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ficava conversando com ele e tal. E provavelmente, de alguma forma, era cartesiano, por que eu só vim a entender um pouco de marxismo mais adiante, recebi algumas lições do povo mais... Eu fiquei algum tempo lá na Cia de Guardas e fui para o RO 105. Nesse RO 105, aí vi um assunto que interessa diretamente à Comissão. Num livro, Ivo Valença aparece como torturado, numa descrição adequada, mas uma Comissão de personalidades aqui do Recife visitou os quartéis e diz que o Ivan Rui, que acumulava na anarquia de cargos, que Gaspari fala nos livros dele, na anarquia ele acumulava a Secretaria de Segurança com o Comando do Quartel. E chegou até a destratar um general, está aqui no livro, que era o comandante que não aderiu ao golpe, o Comandante da 7ª Região, perdão... agora deu um branco... eu estava...

PLATÉIA – Ivo Valença.

PLÍNIO SOARES – Ivo Valença! Num certo dia, cinco horas da tarde, entra de sala adentro, dentro do RO, eles botaram uma metralhadora .50 na frente do corredor, não sei pra quê, por que a gente já estava dentro, (Audálio?) estava comigo nessa mesma cela, não sei por que eles botaram essa metralhadora .50 que é um monstro pra guerra e tal, e a gente lá dentro. De repente cinco horas da tarde entram dois generais: o general Ernesto Geisel e o Murici, e um oficial com uma... um negócio de comando, um bastão de comando, e os três ficaram... ouviram, a maioria era de camponeses, que contavam os constrangimentos e as pancadarias que sofriam e quando terminaram eu adiantei o passo, eu tinha prestado serviço militar com o capitão Antão de Carvalho, e o vice era primo de Fernando Henrique, filho do Marechal (...?...) Cardoso, e eu sabia mais ou menos a linguagem. Eu adiantei o pé e disse: “Aqui tem um caso de tortura. Aquele senhor que estava ali...” Ivo Valença era muito disciplinado, do Partidão, não é? Por isso que ele não quis contar nenhum relato dos encontros dele com Ibiapina. Então ele disse: “Isso é mentira”. Aí eu me virei pro Geisel e pro Murici que mantinham a austeridade de oficial superior e disse: “O senhor está vendo que não tem diálogo...” Ele disse: “Diálogo com comunista safado não existe”. Aí já botou a bengala na minha frente. Eu me calei e percebi que ele tinha cometido um erro fatal, não é, por que... Neste livro, tem uma discussão muito interessante de Luís Viana Filho, sobre a guerra interna entre os oficiais e (...?...). Eles estavam em conflito aqui com o Castelo, só que era muito secreto, evidente, e eram rebeldes, eles não obedeciam. Pra atender o meu habeas corpus do Superior Tribunal Militar foi uma... e depois mandaram avisar, “se ele ficar mais um dia aqui, volta”, e iam começar tudo de novo. Pediram a prisão preventiva de Sérgio Rezende, por exemplo, colocando meu nome e o de Othon junto, Othon Pires Rolim, que não veio hoje. De modo que ele perdeu a partida. Mais tarde esteve num tal de GERAN, um cruzamento do IAA com a SUDENE, copiou a legislação e fez um monstro aí pra salvar os usineiros, por que parece que foi isso que ele queria fazer, perdeu tudo e nem chegou ao generalato. Eu encontrei no lançamento de um Caderno de Desenvolvimento do Centro Celso Furtado, no Senado, o professor Vamiréh Chacon, daqui de Pernambuco, que é professor, e ele me contou... e aí eu perguntei: “E o Ivan Rui?” E ele disse que se suicidou. É verdade isso?

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DÉLIO MENDES – Bom, uma coisa que eu sei é que ele morreu misteriosamente. Se foi suicídio, foi uma forma dos policiais da ditadura de tirarem ele do caminho...

PLÍNIO SOARES – Ah, bom! O Vamiréh me falou isso por que o Vamiréh o conhecia bem, mas de qualquer maneira eu trago esse maldito relatório do SNI. O relatório é extremamente... é uma coisa da GESTAPO, viu? Uma coisa terrível. Ele atribui mais qualidades a mim do que a Mao Tsé Tung, é uma coisa descarada, própria para... por exemplo, diz que eu fiz curso de guerrilha em Cuba. Eu fui a Cuba com dois colegas que tinham feito o curso da FAO e do BIRD, trouxe os diplomas da FAO e do BIRD, eu fui bolsista deles, e o BIRD era dirigido por um americano. Tinham os brasileiros lá que foram do ISEB e da assessoria de Vargas, referidos hoje aqui, trabalharam com Rômulo Almeida e trabalharam... e o Evaldo Correia Lima foi do ISEB, daí a importância da tese e desse esforço sistemático onde o Mário Magalhães da Silveira aparece já com a influência pesada dele sobre Guerreiro Ramos. Aquela “Cartilha do aprendiz de sociólogo” é um livro de grande importância por que o Guerreiro Ramos conseguia realmente inverter aquela tendência do tropicalismo, de Salazar e outras tendências perigosas que existiam e que eu não gostaria de falar por que não é do... eu aliás fiz um curso com Gilberto Freyre também. Eu fiz um curso de Interpretação Inter Regional do Brasil, era alguma coisa assim. Lá na Faculdade de Direito. Ele deu um curso daqueles que o Diretório dá pra estudantes e eu fiz até o curso sobre isso, aquela voz pastosa e tudo, mas ele ainda não tinha metodologia científica no sentido do curso da CEPAL. Por quê? E isso foi o melhor da SUDENE. Nos achados daquele primeiro movimento que o Partidão fez, Congresso de Salvação do Nordeste, no que os bispos fizeram depois em Garanhuns... perdão, a Confederação Nacional da Industria fez em Garanhuns, e os bispos fizeram também em Natal, não há ligação, há muitas ideias, alguém fala sobre agricultura... eu já estou passando do tempo?... da excelência, da oportunidade disso e daquilo, mas ninguém articulou uma estratégia para um organismo, e aí a genialidade do Celso. O tal Conselho Deliberativo, juntar principalmente os governadores udenistas que tinham ganhado as eleições, e fazer como nas Nações Unidas, a Secretaria Executiva do Superintendente era um penduricalho do ponto de vista institucional ao Conselho. O Conselho era tudo. Só que como o professor Celso Furtado era “A enciclopédia”, ele tinha uma sede de saber infinito. Quando ele conversava com os técnicos ele aprendia com Strauss... Petrolina, por exemplo, não existiria esse polo de fruticultura se ele não tivesse trazido das Nações Unidas especialistas do mundo inteiro pra estudar pra estudar o perfil pedológico, não é o perfil de solo, por que o perfil de solo é uma análise de solo de 50 reais, de duzentos reais, mas o pedológico é milhões de dólares. Ele conseguiu trazer especialistas, uns (...?...) das Nações Unidas, na época. Aquilo salinizava rapidamente. Graças a esse... não existia a EMBRAPA na época... isso era um dos links, a possibilidade da SUDENE como interface da Academia é perfeito. Eu hoje penso que até deveria haver um Conselho dos Reitores anexado, se houvesse poder político do jeito que Celso e o professor Francisco tiveram, por que daria pra você pegar todo o mestrado e o doutorado e avançar em todas as direções. Por que há muitas direções que a gente sequer tocou, que foi, por exemplo, o problema da população da Coréia, do Japão, da Alemanha, da escolaridade da população. Você não consegue um

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progresso econômico sustentável se você não tiver, independente das teses do povo (...?...) lá de Chicago do capital humano, a experiência ensinou isso, os soviéticos ensinaram isso também lá no outro polo completamente diferente. De modo que voltando a essa tal coisa, ele atribui a minha presença aqui com Regínio Boti, que eu recebi Regínio Boti aqui em Recife e tal, isso é uma fantasia. Ele era Ministro do Planejamento em Cuba e tem uma coisa: ele era formado pela Universidade de Harvard, era daquelas famílias ricas de Cuba que botava os filhos nos Estados Unidos. Ele foi professor, ele foi subordinado de Celso durante dez anos. (...?...) Loyola, que foi depois assessor nº 1 de Che Guevara, quando Ministro da Indústria e Comércio na Conferência de (...?...), ele era formado em Harvard. Era marxista já no tempo que estava na CEPAL, mas isso era um marxismo (...?...) e tal, não é? Eu sou um menino de Caruaru, então... Mas ele convidou a gente, eu fui lá, com dois colegas e tal e não deu nem pra ver muito por que a gente tinha acabado de ser bolsista do Banco Interamericano e da FAO, e a gente estava interessado em coisas de agricultura e tal. Uma ótica mais... Mas a propósito ainda das coisas de Dr. Jáder que muito bem foi homenageado hoje aqui, eu queria lembrar algumas coisas interessantes. Ele era economista, mas ele tinha uma sensibilidade fantástica. Ele recebia o Padre Melo de manhã e recebia o Arrudão que foi do Comitê Central do partidão a tarde. E não alterava. Uma ocasião eu fui ao interior visitar uns campos de palma forrageira. Nós tínhamos um especialista lá, Dr. Pessoa, Santiago Pessoa, que foi me doutrinando sobre a parte que interessava a ele que era o gado, os touros, a evolução genética, a importância da engenharia na revolução genética, e eu voltei e perguntei “Jáder, mas como é esse negócio da revolução genética?” Ele me disse : “Ah, você não sabe? O problema não é o touro, o problema são os donos dos touros que aqui são todos usineiros.” (risos) Ele descobriu a economia política da genética de Mao, era fantástico. Ele matou a charada. “Ah, você não sabe? O problema não são os touros, o problema são os donos dos touros”. Eu digo: “Mas que donos?” Ele: “São todos usineiros”. Então ele tinha essa percepção, seu padrinho. Há outras coisas aqui, mas tudo apontava no relatório, para qualquer serviço, qualquer briga que me metesse por aí, eu estava treinado em Cuba, em guerrilha. Imagina, não dava nem tempo. O professor Regínio era economista, fazia os artigos, saía na Revista Econômica Brasileira, do Sindicato dos Economistas, uma revista editada, que Celso Furtado era presidente da revista. Tinha artigos de Delfim Neto, artigos do tipo três páginas de econometria para resumir um livro de trezentas páginas, ele era alfabetizado em assuntos matemáticos. Eu nem sei como, por que dizem que ele era contínuo da Gessy Lever. Então é um gênio. Ultimamente ele tem defendido o Governo que está aí contra os Tucanos. Eu não sei, tem esse viés. De modo que passo o relatório... tem outras propriedades aqui, mas tem sobretudo, o fato de que durante toda a ditadura eu fiquei preso, há informação falsa de que eu tinha sido... de maneira que eu era um candidato à morte. Qualquer um daqueles que depois do AI 5, daquela fase que nós todos conhecemos, foram apanhados, foram trucidados se tiveram esse perfil. Esse é um assunto que merece... esse tal arquivo dá conta de que eu também tenho meus pecados. Depois da anistia eu trabalhei em vários ministérios, fui até TDE da SUDENE, o SNI tem isso. Tal técnico de desenvolvimento econômico... e aquelas pessoas que tinham o curso da CEPAL, que a CEPAL deu vários anos, o professor Francisco andou fazendo lá, no passado, acho que ele vai aparecer

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aqui com Mário Magalhães em outros. Tá aqui Baltar, Antônio Baltar, foi nosso professor de projetos, grande professor, depois ele fez um Manual de Projetos quando estava no exílio; amigo do Padre Lebret; de Pelópidas, de Pelópidas, alguém falou em Bradley hoje; Coutinho, o engenheiro, Murilo Coutinho, Murilo também está na lista da tese; tem os professores Mário Magalhães, e tal. Depois ele acabou caindo na malha do inquérito do ISEB. Há duas coisas que ainda me impressionam muito e é muito um assunto da Academia por que já não caberá um esforço enciclopédico desses, mas é o acervo da USAID que o Clemente falou exaustivamente hoje, e esse acervo já está à disposição naquela ONG nova de acesso à informação, dá um número de teses infinito. O que é que esses americanos estavam aqui? O Lincoln Gordon trabalhou no Plano Marshall. Saiu um livro agora sobre a história da CIA, em português, com todo o acervo liberado. Desse acervo, o que aparece no livro do Professor Francisco Oliveira, na verdade, são do “Elegia a uma Re (li) gião” que depois se transformou numa edição ampliada do “A noiva da Revolução”, onde eu sou contemplado como refugiado em Brasília. Esse acervo pode revelar coisas extraordinárias por que neste livro aqui o Lincoln Gordon confessa que deu dinheiro mesmo pro IBAD, aqueles cruzeiros do Acordo do Trigo. E aparecem outras coisas também. Aparece um mensalão, no Japão, pago e assumido pelos americanos. Aparece um na França, eles pagaram as eleições na França, e aparece um na Itália, não foi pouco dinheiro. Em certo momento chegou a 5% do Plano Marshall. Tá lá na documentação americana. Então esse acervo que é tocado, de passagem, no livro do professor Francisco de Oliveira, mas ele mão tinha o dom de adivinhar as fitas que estavam lá, esse Lincoln Gordon tinha trabalhado no Plano Marshall na Europa. Eu espero uma biografia dele a qualquer hora por que aí vamos saber exatamente por que esse entusiasmo pelo Brasil. Outro que me impressiona é a possibilidade da análise do 3418. Por que o 3418, que eu saiba, eu trabalhava na agricultura, ele foi bolado com a ajuda de Gileno de Carli. Um deputado conservador, usineiro e, portanto, foi uma coisa que funcionou, operou. Esse ex vice presidente de Lula fez um império em Minas Gerais com o 3418. Além do que eu calculo que dez ou vinte bilhões de dólares devem ter vindo pro Nordeste, e as taxas de crescimento aqui durante a ditadura parece que foram mais altas que no resto do país. Eu não analisei esse assunto mas acho que é por aí. Portanto esse acervo é uma caixa preta na mão do Banco do Nordeste, que só os parlamentares podiam fazer a Universidade chegar a ter acesso sobre a análise técnica, econômica, financeira, científica, desse acervo. Esses dois acervos, o da USAID e o do 3418, acho que é pertinente, já que estamos aqui falando dessas coisas. A ultima coisa que eu queria falar era sobre... ah sim, o negócio da tortura de Ivo Valença, que aparece no livro de uma forma correta, mostrando que ele foi sufocado e tal, etc., mas na mesma página aparece meu nome dizendo o que a tal coisa das personalidades aqui viu. Ouviram dos presos uma declaração deque o Ivan Rui tratara eles muito bem, está aqui no livro. Eu fiquei sob choque. Eu tive uma experiência traumática que teve consequências por que o Murici ficou calado, o Geisel, esse deu conta que o Ministro da Guerra era terrorista, demitiu-o num golpe contra o (...?...) e esse Ministro que caiu, que foi derrubado, dizia “esse Geisel é um esquerdista”. O Frotinha dizia “Esse...esse..” e ele se entregou. Chegou a se entregar pro irmão. E fez a abertura e no Gaspari ele aparece com um retrato relativamente bom. Mas não há dúvida de

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que ele entrou em choque com o grupo dos terroristas. Portanto, essa parte da minha Bíblia... eu fui discípulo de Germano Coelho, eu e Rosa assinamos o Manifesto de Fundação do MCP. Cinquenta anos é muito tempo! (Aplausos) Eu apanho o meu autógrafo do professor um dia. Eu tenho outros exemplares em casa, mas esse aí é da Comissão.

(falas fora do microfone)

FERNANDO COELHO – Dando continuidade aos trabalhos, passo a palavra ao professor Délio Mendes.

DEPOIMENTO DE DÉLIO MENDES:

DÉLIO MENDES – Eu vou desde logo me qualificar. Délio Mendes da Fonseca e Silva Filho, meu nome é maior do que o teu então não vem aqui botar banca não. (Risos) Identidade 456351- SSP/PE e CPF ou CIC: 005.063.704/53. (falas fora do microfone). Não, eu tenho certeza. Do SNI eu tenho aqui um documento, eu tenho aqui um documento, o meu habeas data, que mostra que eles me perseguiram até, quer dizer, oficialmente me perseguiram até 89, ou seja, depois da Constituição. Eu quero dizer uma coisa, eu sou do Partido Comunista Brasileiro, aquele que falaram aqui tão bem dele, eu sou ainda hoje e entrei nesse partido depois da declaração de março, que é a primeira declaração de um partido brasileiro de compromisso com a democracia. A declaração de março do partido Comunista é o primeiro documento que tem essa perspectiva. Eu sou membro ainda hoje, fui candidato a vereador e a vice governador de Pernambuco por esse Partido e me sinto muito honrado. Eu sou marxista e vou trazer praqui uma perspectiva de leitura da SUDENE a partir da perspectiva da luta de classes. Eu vou dizer, por exemplo, que a SUDENE é o momento em que a burguesia brasileira, segundo este que está a meu lado, em que a burguesia brasileira quer unificar o espaço brasileiro. Unificar o espaço para o capital. É muito interessante, por que ficou na cabeça de alguns que nós tínhamos um compromisso, nós tínhamos aqui um compromisso com a transformação da região. Transformação em termos do socialismo ou de coisas do mesmo valor, mas o que acontece, o que acontece e que é importante que a gente se lembre, é que a SUDENE é que é fruto da contradição. Boa parte dos técnicos pôs na cabeça, incorporou, essa ideia de transformação pro socialismo. E seria muito difícil. Eu quero dizer a vocês, por exemplo, que o conflito de classes no campo, no Brasil, nasce em 1850 com a Lei de Terras. Por que até então não havia propriedade da terra. Você tinha a posse mas não tinha a propriedade. E o que dava identidade e valorização aos proprietários de terra era terem escravos. Só a partir de 1850, com a Lei de Terras é que você passa a ter o conflito entre o latifúndio, o latifúndio com a propriedade, e os trabalhadores. É interessante a gente pensar nessas coisas pra começar pensando, por exemplo, na SUDENE. Eu entrei na SUDENE por que eu era um jovem, desempregado, filho de uma família operária, meu pai era operário do textifício Santa Maria, aquela fábrica que está ali na... está ali os seus restos do que lhe resta, que inclusive tem uma indenização que eu devo ter um pedaço; naquela empresa, textifício Santa Maria, meu pai era operário. E eu estava desempregado, tinha saído da Aeronáutica onde fui soldado, e estava na

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rua e vi um anúncio: “Contínuo – servente – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste...” Aí, era no Edifício Tereza Cristina, isso em agosto de 1961. Eu fui lá, me mandaram depois fazer uma prova ali onde era a instituição federal da saúde, eu cheguei lá, aí tinha um sujeito... eu era quarto ano ginasial... eu fazia o quarto ano ginasial. E quando cheguei lá o cara disse : “Eu sou advogado, sou não sei o quê”, aí eu pensei “Lasquei-me”, não é? Mas quando chega o dia eu vou ver a lista dos aprovados aí tem no quarto lugar um sujeito chamado Délio Mendes da Fonseca e Silva Filho. E eu fiquei. Dr. Celso tinha mandado contratar três e eu vou saindo, já no fim do corredor, e Jacaúna, que era o chefe de pessoal me chama e diz: “Délio, vem cá”. Aí eu disse: “O que é, Jacaúna?” Ele disse: “Que maravilha! Dr. Celso mandou eu contratar o quarto”. E eu entrei na SUDENE, aprovado nesse concurso público, em 22 de agosto de 1961. O que é que ocorre na SUDENE? Dentro da SUDENE, com essa divisão que eu já mostrei, o pessoal que estava interessado em unificar o espaço econômico para o capital e aqueles que queriam ter um projeto para além do projeto do capital. E esses sujeitos que ora estão na minha frente, como meu companheiro de prisão Plínio Monteiro Soares, Fernando Barbosa, Socorro, Alves Dias, meu irmão, amigo, autor do Cristo nu, foi bater na cadeia por que fez o Cristo nu, uma das maiores apreciações religiosas que se tem sobre o Cristo... É muito interessante e eu queria fazer uma homenagem: a minha primeira homenagem é em relação a três pessoas, nas quais eu homenageio todos aqueles que passaram por esse período de SUDENE. E eu que passei pelo período fora e dentro, eu nunca saí da SUDENE. A SUDENE foi minha casa todo o tempo necessário pra minha militância interna. Eu fui um militante interno em todos os momentos. Inclusive os meus companheiros que estavam fora, quando queriam alguma coisa se referiam a mim e vinham a mim. Eu tenho prazer de ser um dos “Abelardos”, eu sou os “outros”. Abelardo Caminha Barros e outros. E é interessante por que no processo, no processo que nós participamos juntos... uma vez conversando com Paulo Cavalcanti, depois do que eu vou contar agora, depois do fim do processo, ele disse: “Délio, se tu fosses condenado por todos os artigos que estavam na pronúncia, tu ias passar mais de 120 anos, mas tu não vais passar esse tempo vivo!” Mais de 120 anos. Por quê? Houve um fator muito interessante: os amigos aqui presentes eram doutores, não é? Aí, principalmente os pequenos funcionários, quando eram perguntados na Comissão de Inquérito, diziam: “Foi Délio” E eu fiquei... foi uma maravilha, por que eu fiquei como uma figura excepcional. Isso me levou, inclusive fez com que eu me sentisse cada vez mais responsável por aquele pessoal. Mas tem um fato que clemente começou a conversar e que eu preciso conversar por que tenho mais detalhes sobre ele. É sobre os habeas corpus. Aqui tinham umas pessoas que tinham algum dinheiro e contrataram uns advogados melhores, evidentemente. Eu era como aquelas figuras como diz o matuto: “eu não tinha no cu o que periquito roa”, (risos) então o que foi que eu fiz? O pessoal da SUDENE me pagou Fernando Tasso de Souza pra fazer o fim da minha prisão preventiva. Mas no processo, eu fui falar com meu amigo dileto e querido a quem eu rendo a minha homenagem, Paulo Cavalcanti, e ele me chamou e disse: “Olha, tu estás lascado, ou tu vais pro exterior agora, como a gente queria te mandar desde o princípio...” mas eu não tinha condições, se eu fosse pro exterior eu tinha me lascado por que eu não aguentava ficar fora desse país sem poder voltar depois, na época do meu doutorado na Espanha eu passei quatro

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anos e não teve problema, por que eu podia vir ao Brasil ao tempo que quisesse etc. e tal. Mas uma coisa que é interessante é que Paulo disse: “Houve aí uma conversa e tu vais te lascar.” Eu digo “Por quê, Paulo?” “Por que eles vão fazer o seguinte: vão dar 6 meses, um ano, aos doutores com direito a sursis, vão absolver alguns e tu vais pra cadeia. Tu queres ir pro exterior? ” Eu disse: “Não, eu prefiro ficar aqui, na cadeia. Eu já passei tanto tempo, não é? Eu já passei 6 meses da minha vida na cadeia.” Se bem que em boas companhias como Plínio, como outros, tá certo? Mas aí eu disse “Não, veja o que você faz.” Ele disse: “Eu vou fazer um habeas corpus, agora, aviso logo: se o habeas corpus não passar no Tribunal Militar ou no Superior Tribunal Federal, aí não tem mais dúvida, tu vais te lascar pro resto da vida, por que aí vai endurecer muito a pena ao teu respeito. Tu topas?” Eu digo: “Paulo, não tem opção, tem? Então faz isso.” Aí Paulo Cavalcanti conseguiu que me defendesse Heleno Fragoso, no Pleno do Tribunal Federal. Eu perdi esse documento, por que tinha uma coisa belíssima, que é o voto do general, que foi um general que aderiu ao golpe, mas que era liberal, profundamente liberal: Peri Bevilacqua. Ele disse que o meu habeas corpus saiu no Superior Tribunal Militar por inépcia da denúncia e falta de justa causa. Foi o primeiro. Aí o pessoal veio a mim perguntar como é que eu tinha saído daquela. E eu não sei qual foi de vocês que saiu logo depois e logo depois, no outro habeas corpus foi encerrado aquele processo da SUDENE. Então eu tenho esse mérito, de ter encerrado o processo da SUDENE. E teve outra coisa, isso me fez ficar na SUDENE. Eu fui contínuo, fui por concurso interno... por que os meus amigo, uma coisa que é interessante, meus amigos que ficaram na SUDENE, de direita ou esquerda, com raríssimas exceções dos dedos duros e outros cupinchas, eles foram extremamente leais, extremamente amigos. Eu gosto muito de me referir, por exemplo, ao meu amigo José Antônio, por que ele acompanhou parte da aventura e fez parte dessa aventura que foi a resistência dentro da SUDENE. Ninguém nunca imaginou que gente como Zélia Ferreira, gente como a que nós colocamos com o título de “a dama da democracia” da SUDENE, que é Ana Luísa Limeira, a quem eu tenho o maior carinho possível. (Aplausos) Eu quero me dirigir no meio do meu depoimento, eu quero me dirigir com carinho, a minha filha Flávia, minha mulher Fátima, e ao meu neto que está aqui na minha frente Antônio Celestino. Por que eles fizeram com que eu atravessasse esses anos de dificuldade, por que a SUDENE era o espaço do terror e nós vivíamos extremamente pressionados. Qualquer coisa que falavam, por exemplo, eu participava de trabalhos por que eu tenho o hábito de escrever e geralmente me davam pra escrever relatórios. Por que eu tinha o hábito de escrever. Mas nunca saia com meu nome por que as pessoas viviam dizendo: “Não bota não o nome de Délio por que senão a vaca vai pro brejo”. E, vejam mesmo, é uma coisa interessantíssima, por exemplo, eu fui convidado pra ir pra CEPAL, eu tenho esse documento. Por que eu fiz um curso que era obrigatório pra quem ascendia e o professor, não me lembro do nome dele não, aquele chileno, ele me indicou pra eu ir fazer o curso e ir pela SUDENE. Mas eu fui ter uma fala extremamente surrealista com o coronel Lima, que era a nossa espada, era a espada sobre nossas cabeças. Era o homem do SNI. Ele me disse: “Ô Délio, se você tivesse ganho eu estava aí e você aqui.” E eu disse a ele: “Não. Eu não tenho nenhuma tendência de ser policial.” Aí ele disse: “Pois é. Pois se você sair não volta. Se você sair, e aqui você não tira passaporte, você não tira documento nenhum pra

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ir ao exterior”. Veja mesmo, depois eu devia fazer o mestrado. Eu já tinha sido aprovado no mestrado de Campina Grande, não consegui ir por causa do SNI. Fui conversar de novo com o mestre da espada, aí o que é que houve? Ele me disse assim: “Não senhor, o senhor não pode ir.” Mas aí houve um sujeito, como eu disse antes, a SUDENE tem uma vantagem muito grande: como ela foi criada à sombra da ética, esse espírito ficou na SUDENE durante muito tempo. Então Ronaldo Tavares, ele disse ao Superintendente: “Simplesmente não há mais treinamento no meu departamento por que a minha primeira prioridade de todos os técnicos é Délio, que é um dos meus melhores técnicos...” e isso eu já sabia, por que eu tinha consciência “...e não pode ir. Então eu não faço mais.” Então foi assim que ele conseguiu que eu fosse fazer o mestrado em Desenvolvimento Urbano. Fi-lo e fi-lo bem. Vejam mesmo, essa é a história da SUDENE. A história, por exemplo, que tocou em Alves Dias, por que ele mesmo na SUDENE, ele tinha como eu tinha e outros companheiros tinham, lá fora, uma vida de resistência à ditadura. Eu estou aqui falando por que essa ditadura que foi sobretudo, ...eu tenho o nome dela aqui, por que eu quero colocar ela bem direitinho...a ditadura da maldade. Vejam mesmo, a gente fala sempre que as ditaduras da Argentina, do Chile, e inclusive há uma tese defendida pela direita brasileira, de que aqui a ditadura foi muito fraquinha. Fraquinha uma ova. Eu não passei uma vez pela Secretaria de Segurança que, de noite, não houvesse um cara dizendo lá fora: “Ó, minha gente, jogou-se 6 pelo mar...”ou “...ontem a gente arrancou os ovos não sei de quem.” Entendeu? Isso era uma prática a mesma prática que tinha lá no (...?...) de bater as bandeiras de noite para que nós não dormíssemos e de tirar companheiros para irem presos para outro lugar, outra prisão, mais para nos amedrontar. Essa ditadura brasileira foi a ditadura que tirou a paz e implantou o terror na sociedade brasileira. É preciso que a gente tenha muito cuidado por que senão a gente termina esculhambando João Goulart quando os esculhambados estão muito longe de João Goulart, este nobre presidente brasileiro. O que fez inclusive iniciar o processo democrático, que teve a sensibilidade, digamos assim, de ver que você não podia ter uma democracia sem ter atores múltiplos. E ele deixou que organizassem os atores que não eram os atores da classe dominante. Deixou começar a organização de um momento belíssimo, aquele que compõe a aprovação do primeiro Plano Diretor da SUDENE em praça pública, com o Sr. Cid Sampaio, que foi vaiado quando começou a falar, e que disse assim: “Feliz o povo que ainda pode vaiar o seu governador”. Mas o que é interessante é que você teve um outro momento belíssimo, foi o comício dos 80 mil, quando Miguel Arraes disse: “Esse mar de gente que aqui veio não foi simplesmente para ver os olhos do senhor governador. Foi para exigir do Sr. Presidente as reformas de base essenciais à transformação desse país”. Eu quero dizer que me tocou, como tocou a vários companheiros que estão aqui, vários que já foram pro andar de cima e vários que não puderam estar aqui, o que nos tocou foi a vontade de avançar no sentido da transformação democrática desse país. De implantar uma democracia, burguesa como tal, onde nós sabemos que a Reforma Agrária, e disso nós tínhamos consciência, não é uma reforma para o socialismo, ela é uma reforma que consolida o poder da burguesia. É por isso que a gente diz nesse país que nunca foi completa a revolução burguesa. Por que a revolução burguesa foi feita sem atingir os seus objetivos fundamentais e um desses objetivos é a Reforma Agrária. Eu queria falar muito, por que eu acho que eu tenho

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muita coisa pra dizer. Eu vi esses companheiros saírem da SUDENE algemados alguns, outros empurrados. Vi. É por que hoje ninguém vive dizendo “eu fui torturado, eu fui...qualquer coisa”, não é de bom tom, mas eu digo sempre uma coisa: passei péssimos momentos, vi companheiros que tinham méritos e que podiam alongar seus estudos no exterior, não o fazerem por conta das dificuldades do SNI. Tudo que circulava em forma de pensamento, qualquer coisa que se tinha que fazer, lá tinha o dedo do SNI. E é interessante que o SNI, eu fui professor do Instituto de Ciência Política e lá tinha algumas coisas que a gente não podia fazer. Palhares chegava e dava uma amarrada nas nossas coisas. Ele dizia : “Não falem camponês, falem rurícolas” e eu vou falar uma b.... dessas? Como ele também não queria que se dissesse “golpe de 64”, mas “revolução de 64”. Era de lascar, por que até no léxico queriam mexer. Olhem, eu quero dizer uma coisa a vocês, graças a Deus, a Ana Luísa a Jô e a tantos outros, Abelardo Caminha... eu tive o prazer de botar uma faixa na frente da SUDENE na anistia, dizendo : “Os comunistas da SUDENE saúdam Abelardo Caminha”. Teve momentos belíssimos. Teve militantes maravilhosos como Janiro Pontes... Janiro era atrapalhado, vocês não sabem o que é que nós sofremos quando ele cismava que nós tínhamos feito um ato (...?...). A gente comia da banda podre! O pau cantava! E terminava, e só terminava com a interferência de Paulo Cavalcanti, o nosso maior guru. Eu acho que, vejam mesmo, eu falei numa série de pessoas, mas queria com um carinho todo especial me lembrar do momento em que Hoffman e Marisa numa daquelas quedas de comitê central, ele fazia parte do comitê central em Pernambuco, foi sacrificado. Lembro uma coisa muito interessante, que eu coloquei-o como um elemento difícil de se esconder. Você não podia esconder Hoffman, com esse tamanho! Com essa cara! E com esse cabelo vermelho! Você não podia esconder em canto nenhum. Eles eram do comitê estadual e mais uma vez eu lembro a vocês: esse Partido que eu ainda hoje faço parte, como se disse aqui, ele sempre foi parte da memória fundamental do povo brasileiro. Como eu disse, em 1958, ano que eu entrei no partido, esse partido fez a Declaração de Março, que é o primeiro documento de evocação democrática desse país. E é interessante por que é esse partido que em 67, no seu Congresso, no VI Congresso, ele diz: “A grande tarefa do povo brasileiro é a assembleia nacional constituinte”. E é interessante, por que aí há uma diferença muito grande. Há um certo advogado da SUDENE, que é... deixo de falar o nome dele senão eu vou ser dedo duro igual a ele, e eu não quero ser, ele era da Comissão de Inquérito e ele naquela ânsia de mostrar serviço aos militares, ele balançava o papel, eram dois, mas ele era o falante, ele balançava o papel assim “Diga, velho, quem são os cinquenta e seis direitistas que você ia fuzilar quando vocês ganhassem o golpe.” Isso ele fez! E isso foi o que me fez impedir, por que eu fiz chegar à mão de Dorany uma informação de que se ele fosse... Dorany o trouxe de volta pra SUDENE, a Anistia anistia também porcarias... e ele ia ser chefe de divisão. Era um cargo pequeno, mas que não podia ser ocupado por um bandido daquela espécie. É muito interessante, por que a SUDENE não é aquele organismo que nós esperávamos que fosse, das grandes transformações sociais. Ele queria avançar no sentido de unificar o espaço brasileiro, como diz o meu amigo, num livro maravilhoso, aquele que ele escreveu, ele psicografou de Ghandi, que é o “Elegia para uma re(li)gião”. Por que Ghandi, ele tratou, sobretudo... Eu ainda tenho cinco minutos? Que maravilha! Por que por

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mim eu ainda falava uma hora e meia. Agora eu quero deixar clara uma coisa a vocês, eu quero terminar esses meus cinco minutos fazendo uma homenagem fundamental a todos os meus amigos de fora e dentro da SUDENE, inclusive quando eu fui candidato a vereador eu tive 226 votos; voto pra “moléstia dos cachorros”, por que de todo o dinheiro que eu apurei pra campanha eu ainda fiquei com cento e cinquenta mil réis e dei a meus amigos pra tomar de cachaça. Uma coisa muito interessante, esses meus 226 amigos, esses meus amigos da SUDENE, meus amigos do Sindicato, Graça, aqueles meus dois amigos lá atrás, eu quero dizer uma coisa a vocês, esse país tem um grande futuro e é um futuro socialista. Socialista! Nós vamos transformar essa Pátria, como diria o meu amigo Antônio Conselheiro, na pátria do leite e do mel.

(Aplausos)

FERNANDO COELHO – A palavra franqueada aos membros da comissão. Ninguém? Manoel Moraes.

MANOEL MORAES – Eu queria que Plínio falasse mais do CONSINTRA, que é uma experiência importante, por conta da relatoria sindical, se ele pudesse falar um pouco, acho que Nadja também...

NADJA BRAYNER – É. E pra Délio também, queria ouvir sobre a associação da SUDENE, ela foi fundada, funcionou, depois voltou e foi muito perseguida e ela também fez parte do CONSINTRA, não é? Então estaria somado a essa questão que Manoel colocou.

MANOEL MORAES – Há o Sindicato dos Bancários também que o senhor citou...

PLÍNIO SOARES – Bem, pelo tempo decorrido, deve haver um numero de análises, inclusive feita pela Academia, muito grande a respeito da Frente do Recife, CONSINTRA, Bancários aqui, no período. Eu era muito jovem quando, eu não tinha nem feito o serviço militar, quando fui participante da chapa de Gilberto Azevedo. Fui antes de prestar o serviço militar. José Raimundo, do Banco do Brasil, o Banco do Brasil naquela época, era uma espécie de Banco Central. Ele desempenhava as funções do Banco Central juntamente com a SUMOC. E eu fui bancário. Chegou a ocasião em que houve a eleição de Gilberto Azevedo e eles me colocaram na suplência. No outro dia da eleição, vitoriosa a chapa, eles me demitiram por que o Banco onde eu trabalhava que era o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, ele era meio estatal, ele era ligado a Juscelino, e Aluísio Palhano se posicionou com a direção do banco e disse: “Não, ele não será demitido, por que ele é, já agora, dirigente sindical, como suplente.” Eu não entendia muito, por que naquele tempo eu era realmente muito jovem, eu não tinha nem feito o serviço militar, foi um assunto que eu até pulei aqui propositadamente. Esse serviço militar eu fiz depois, por que como era obrigatório, eu não tinha alternativa e eu tive que aceitar a demissão, recebi os trocados que o banco tinha que me pagar de indenização e fui fazer o serviço militar. No serviço militar existia um jornal chamado “Semanário”, na época nós vencemos duas... Aragarças e Jacarecanga... e eu peguei o jornal e joguei no carro do general

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Bandeira que era o chefe do Serviço Secreto da Cia do QG do IV Exército. Metade do expediente era dado no Quartel General do IV Exército, e só haviam dois sujeitos que liam esse jornal no quartel, um capitão chamado Peres, que era oficial, e não era doido de jogar o jornal dentro do carro do sujeito do Serviço Secreto, e eu mesmo. Então, a noite, quando a gente se recolhia, o cabo me disse: “Olha, o general Bandeira vai dar 30 dias de solitária em você”. Mas ele não teve força por que o general Lott, no anticomunismo dele, ele era de uma solidez! O governo Juscelino, a meta extraordinária desse faraó, que tem algo de burguês, de faraó, de (...?...), e de todas as coisas grandes que o presidente Roosevelt não fez, e Stálin também amigo, por que, nós não teríamos tido a vitória da guerra lá no leste se o (...?...), que era do comitê central, declarou isso, se não tivesse tido a ajuda do presidente Roosevelt. Mas morreram 27 milhões de russos, mas voltando a esse assunto, e só 450 mil norte americanos, diz Arthur Schlesinger, aquele historiador norte americano, de forma que o custo para o povo soviético desse desastre galáctico foi terrível... me desviei... ah, CONSINTRA. Ah, então eu prestei o serviço militar e nesse serviço militar eu jogava o jornal “Semanário” que era um jornal de uma qualidade excelente na época e que tem a ver também com essa tese. Vai aparecer aí a Fundação Getúlio Vargas, a Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas, combatendo a ideologia americana do gerente, do manager, já com a influência do ISEB e da CEPAL. A tese... e o Mário Magalhães da Silveira era o homem na liderança da EBAP, aquela escola de Administração Pública. No Brasil não havia nem a regulamentação da profissão de administrador, como não tinha a de sociólogo. Eu ganhei um ano sabático lá no CEBRAP do professor Francisco Oliveira, e tive direito a um registro da profissão de sociólogo. Um dia encontrei Miguel Arraes e ele me contou que também tinha um semelhante. Aí eu digo: “Mas semelhante como? Você não é bacharel em Direito da turma de 37?” Ele disse : “Sou, mas quando fizeram a regulamentação da profissão de economista eu me candidatei como... como...” eu estou falando isso por que nossa diretora de pessoal era Ana Maria...

DÉLIO MENDES – Ana Luísa Limeira

PLÍNIO SOARES – Limeira, é, exatamente. Ela já foi embora? Bom, então eu não vou ter esse registro por que o Tribunal, o Supremo Tribunal Federal me deu ano passado o registro finalmente e a SUDENE, finalmente, já colocou 9 dos 10... 7 dos 10 ou dos 9 que foram... e eu ganhei, com isso, esse ano sabático que eu passei no CEBRAP, então eles me deram o título, o registro de sociólogo. Mas afinal isso viria a propósito de... de que mesmo? Dizia ele, ele me contou, ele era um fantástico contador de histórias, que quando ele queria se livrar da bancada federal, que entrava no avião, ele tinha medo das cobranças e do aperto dos deputados federais, e num dia eu vim pra cá, numa viagem familiar, e ele aí me contou histórias fantásticas, uma dessas histórias foi essa de que ele ganhou o título de economista por que não tinha regulamentação, e dava direito. Ele tinha exercido a profissão, mas não tinha... a Academia dele tinha sido na Faculdade de Direito. Isso aí é um outro capítulo que caberia uma enorme conversa a respeito do setor do... esse que se juntou com a CEPAL, do ISEB, onde a Dra. Hoffman, irmã do distinto engenheiro que está aqui, foi pra SUDENE depois de fazer um curso desses do ISEB. Um pouquinho antes do golpe militar ela foi trabalhar na

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SUDENE e ela depois foi professora acadêmica. Elza Hoffman, não, Helga Hoffman. É, mas ela fez o curso do ISEB, por que isso aparece no IPM. É uma coisa que também o Centro BNDES, o Centro Celso Furtado lá do BNDES evidentemente já tem a cópia do IPM inteiro, por que o projeto Brasil Nunca Mais copiou na íntegra e o colocou na Suíça. Esse negócio voltou pro Brasil agora no regime democrático de modo que é possível agora os acadêmicos se debruçarem sobre as nossas meias verdades, por que a idade vai corrompendo a qualidade da informação. Você terá a informação. Esse general que citaram o nome dele aqui no IPM, que eu nem falo no nome dele, é um imbecil de nível muito baixo. Eu citei o nome dos outros dois que eu enfrentei dentro do cárcere, mas esse nome eu não menciono, por que o que ele fez com Sérgio Rezende, foi um serviço para os coronéis rebelados daqui. Isso vai ser contado logo que o estudo... está contado em parte no livro do... mas não conta tudo. Depois eu estive na casa de Sérgio Rezende que é um grande amigo nosso e tal e eu vi o velho marechal, estava uma brasa ainda naquele tempo, não é? Mas isso tudo, a qualidade da informação, os acadêmicos só vão descobrir logo, logo, se esse acervo começar... o do 3418, o da USAID e... o do IPM da SUDENE. Acredito que por aí. Agora, essa informação que consta da enciclopédia, eu insisto nisso por que não tem memória. Miguel Arraes dizia que era o melhor livro que tinha saído sobre 64. A memória do professor Francisco Oliveira, Celso Furtado, sobre a SUDENE, ela é setorial, embora abrangente com respeito à região em certos assuntos do setor público. Mas essa memória do 3418 ela vai ser... ela vai revelar cruzamentos fantásticos do ponto de vista de ciência...

DÉLIO MENDES – Olha, eu vou... como vocês pediram que eu desse a minha opinião, o Conselho Sindical dos Trabalhadores, o CONSINTRA, ele correspondia, do ponto de vista estadual, aquela estrutura que você tinha da CGT. A CGT, que é um instrumento também não bem estudado, tanto não bem estudado quanto não bem estudado é o governo Jango, aquela estrutura da CGT enraizava-se em todo o país e aqui sob a forma do CONSINTRA. Eu tenho o prazer de ter sido escalado numa das eleições da época, para trabalhar com o Conselho Sindical dos Trabalhadores. Me lembro de figuras como Gilberto Azevedo que vocês falaram, que era do meu partido, outro também Cícero Targino Dantas, e outros que fizeram parte desse processo muito grande. Olhe, eu vou pedir desculpas pra dizer só uma coisa. Alves Dias me pediu que eu lembrasse que, às vésperas do golpe, e é muito interessante, na véspera do golpe eu tive reunião com o Almirante Dias Fernandes, com essa maravilha de pessoa que era o coronel, o major Hugo Trench, que foi comandante da Polícia Militar e que fez com que, durante a época, os policiais chegassem junto de você, sendo você rico, pobre ou qualquer coisa, e dissesse: “Cidadão! Eu quero lhe revistar”. E é muito interessante, por que Alves Dias, eu aproveito quando vou falar de Alves Dias pra lembrar de Zélia, que eu falei há pouco, que foi uma grande combatente nossa do dia a dia, uma coisa que é interessantíssima é que nós fizemos uma divisão de tarefas para nos prevenirmos de qualquer coisa durante o golpe, e Alves Dias ficou... eu vou contar uma coisa agora, e vou contar na gozação, e Alves Dias ficou de dar conta de uma amiga nossa que era companheira de Naílton e tinha vindo de Minas. Eu estou me lembrando e estou vendo que ele confundiu com Vilma. Vilma era uma moça TDE

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que tinha vindo de Minas, e ele disse que era namorada de Naílton, só que Naílton tinha o mérito de ter grandes integrantes namoradas, tá certo? Alves Dias, eu estou relatando a sua proeza e dizendo que eu não sei se a moça era namorada de Naílton. Eu queria dizer a vocês que o COSINTRA era um instrumento de fundamental importância, eu fui pra interior, eu fui pra área dos camponeses, pra fazer campanha pro Cícero Targino Dantas e pelos companheiros que eram... Cândido Duarte Pereira, que era candidato pelo Conselho Sindical dos Trabalhadores, que era indicado pelo Conselho.

FERNANDO COELHO – Com a palavra o membro da Comissão Dr. Humberto Vieira de Melo.

HUMBERTO VIEIRA – Dr. Plínio, meu nome é Humberto Vieira de Melo, sou membro da Comissão, eu primeiro... se o senhor não quiser dizer o nome o senhor não diz, mas o senhor falou de uma pessoa aí, o Superintendente da Federação das Industrias, e nós temos, um dos nossos caminhos de estudos é a questão do financiamento da repressão. E existe uma publicação do próprio exército, a Memória Oral do Exército, em que alguns generais, alguns coronéis, alguns oficiais daquela época deram entrevistas e falaram sobre a situação em Pernambuco, alguns deles. E entre essas entrevistas existe um que quando é perguntado quem era que ajudava ele menciona o nome desse superintendente, que era um ex FEBiano. Se o senhor acha que não gostaria de dizer o nome... acho que na época João Paulo Alimonda era o presidente

PLÍNIO SOARES – Na Federação das Indústrias, o presidente nessa época em que nós fomos indicados pro curso da SUDENE, era Renato Brito Bezerra de Melo e o Auditor da 7ª RM era um ex funcionário do SESI, um bacharel em Direito, ele se aproveitou da denúncia, no meu caso, e botou o Renato Brito Bezerra de Melo como se fosse da minha mais intima intimidade e eu nunca falei com o Renato Bezerra de Melo, que além de usineiro era dono de uma enorme indústria têxtil aqui. Parece que era do grupo Othon. Mas era uma personalidade conhecidíssima.

HUMBERTO VIEIRA – Não, mas eu estou falando do superintendente, o senhor se lembra do nome? Se eu disser o nome o senhor confirma?

PLÍNIO SOARES – Claro.

HUMBERTO VIEIRA – Garret.

PLÍNIO SOARES – Não. Era... ele era integralista, ele era... esse eu não me esqueço por que ele mandou me chamar, e eu estava desarmado, eu era garoto...

HUMBERTO VIEIRA – Inclusive depois do golpe, alguns depoimentos foram tomados na sala... ele era superintendente do SESI então?

PLÍNIO SOARES – Do SESI.

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HUMBERTO VIEIRA – Essa pessoa era o superintendente da FIEPE.

PLÍNIO SOARES – Nesse tempo o SESI ficava atrás daquele prédio... detrás da SUDENE. Ali funcionava o SESI e a Federação das Indústrias.

HUMBERTO VIEIRA – Essa pessoa que eu estou falando era superintendente da FIEPE?

PLÍNIO SOARES – Ele era superintendente do SESI. E ele criava um ambiente muito liberal por que José Guimarães Sobrinho, por exemplo, era um vereador socialista...

HUMBERTO VIEIRA – É por que, inclusive, segundo esses depoimentos, alguns depoimentos inclusive de empresários, foram tomados na sede, na sala dessa pessoa. Esse ex superintendente da FIEPE, que era esse Garret, que é um ex FEBiano. Foi integralista, FEBiano e era o superintendente em 64. Mas da FIEPE, não do SESI.

PLÍNIO SOARES – Esse era do SESI, e lá estavam Ariano Suassuna, José Guimarães Sobrinho que foi da mesma turma de Ariano na Faculdade, Paulo Freire, e ele foi quem fez o pedido... naquele tempo a escassez de pessoal treinado era enorme e como aparece muito bem nessa tese da EBAP, da Fundação Getúlio Vargas, do CEPAL se unindo com o ISEB, muito antes da fundação da SUDENE, mas no período Kubitschek. João Paulo de Almeida estava dirigindo essa pesquisa e eu fui um daqueles que participaram da... e um dia ele me chamou e disse: “Olhe, eu não quero sarna pra me coçar. O senhor pode ser comunista lá fora, aqui dentro não.” Eu saí dali arrasado por que eu era um jovem, eu era quase adolescente. Mas Ariano e Paulo Freire tinham liberdade e ele era extremamente hábil no trato com esse grupo, por que era um grupo de esquerda notório e o ambiente era um ambiente de pesquisa mesmo e eu andei quase em todas as fábricas aqui com os colegas pra fazer o levantamento ocupacional e projeções da... era o professor Novaes o diretor da pesquisa, um dos diretores do SENAI. Uma pessoa que tinha uma segurança enorme nesse negócio de treinamento de mão de obra e do anel industrial e com a chegada da SUDENE e a necessidade de treinamento era uma coisa... Depois um dia eu fui ao professor Cândido Mendes acompanhado de Francisco Oliveira e ele discutiu com Francisco bastante sobre demanda de necessidade de treinamento que ele estava envolvido numa pesquisa e tal. Eu fiquei calado, mas assisti essa conversa lá no Rio de Janeiro entre o professor Francisco Oliveira e Cândido Mendes de Almeida que, aliás, tinha sido do ISEB. Então essa tese sobre o ISEB e Mário Magalhães da Silveira e Cândido Mendes e também aquele que foi general do exército, era o único general que foi do Partidão.

DÉLIO MENDES – Nelson Werneck Sodré.

PLÍNIO SOARES – Nelson Werneck Sodré tem uma discussão enorme sobre esse negócio dos cursos. Por que os cursos do ISEB, a partir de certo momento, passaram a ser não só para oficiais, eles treinaram mil e tantas pessoas. E os oficiais do exército tinham acesso ao curso do ISEB. E isso foi uma das razões por que talvez o golpe não teve a característica de Sukarno, daquelas coisas abomináveis. A própria SUDENE, ela tinha no organismo dela o Estado Maior

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das Forças Armadas. Ele tinha assento no Conselho, não tínhamos nada de secreto. Isso é que é uma das coisas que interessa discutir. Nós não tínhamos nada de secreto... tinha assento no Conselho. Era um general, até mais tarde veio a ser candidato a presidente, General Albuquerque Lima. Esse eu não conheci pessoalmente, mas Dr. Francisco era o superintendente na ausência de Celso, que foi Ministro do Planejamento, e demoradamente Ministro do Planejamento, o Conselho se reunia sob a batuta dele. Então ele mantinha um diálogo permanente com esse povo. E as lições não eram sobre política eram coisas técnicas. É importante esse estudo da CEPAL com o ISEB. Não sei se eu lhe respondi,

HUMBERTO VIEIRA – Respondeu, é que não era a mesma pessoa. Eu tinha pensado que era o superintendente da FIEPE. Mas a pessoa que teve o diálogo com o senhor foi o superintendente do SESI. E a pessoa que esse general fala era o superintendente da FIEPE. Estou satisfeito.

PLÍNIO SOARES – Chico está dizendo que eu não respondi mas o senhor concorda. Ele sempre teve o dom da boa ironia, viu?

FERNANDO COELHO – Continua franqueada a palavra aos membros da Comissão.

MANOEL MORAES – Eu tinha uma última pergunta, Dr. Fernando, talvez Dr. Francisco Oliveira pudesse falar, sobre um projeto que acontece de colonização no Maranhão. Que é um projeto que demarca uma certa história da SUDENE em relação a toda uma estratégia. O senhor teria alguma lembrança? Por que começou esse projeto de colonização no Maranhão? Por que tinha toda uma expectativa em relação a própria região da zona da mata de Pernambuco, não é? Por que essa opção do Maranhão?

FRANCISCO DE OLIVEIRA – A opção pelo Maranhão era daquelas coisas que você está correndo atrás da História. Os chamados excedentes populacionais, mas isso é uma teoria superada, já se dirigiam pro Maranhão. Então quando a SUDENE pensou em abrir uma fronteira pro Maranhão era correr atrás do prejuízo. As populações já se dirigiam pro Maranhão e a SUDENE foi muito pouco efetiva, na verdade, em promover migração pro Maranhão. Na verdade criou-se lá o departamento mais importante de desenvolvimento agrário, comandado por Jáder de Andrade, criou-se lá um quisto com... como era o nome do sujeito que dirigia? Ivanildo. Criou-se um quisto e o Ivanildo tornou-se um ditador lá dentro, dirigindo aquilo que a SUDENE pensava que era o projeto do Maranhão. Aquilo é um capítulo triste, não é pra apagar da história por que faz parte dessa história, mas é um capítulo triste dessa tentativa de domar ou conduzir melhor a migração pro Maranhão. Com lances muito tristes, não é? Uma funcionária antiga da SUDENE, Risoleta Ezequiel, foi presa numa gaiola suspensa pelo Ivanildo. Ele tornou-se realmente um ditador e foi um trabalho difícil tirá-lo desse quisto que se formou. É um capítulo fracassado e triste da intervenção da SUDENE e na tentativa de dirigir o processo de povoamento do Maranhão. Mas já estava superado quando...

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MANOEL MORAES – Dr. Francisco, e já que foi dito por Plínio, esse diálogo seu com os militares, o que é que os militares que compunham o Conselho da SUDENE imaginavam? Qual era o pano de fundo? Qual era o entendimento que eles tinham? Quais eram os projetos que eles queriam e quais as informações que eles obtinham da SUDENE como meios estratégicos pra o pensamento do mundo?

FRANCISCO DE OLIVEIRA – Olha, é um pouco gaiato, mas os militares não pensavam nada. Eles faziam parte do Conselho da SUDENE, isso era da Lei, da lei e não só da Lei, da esperteza do Celso. Ele tinha sido da FEB, ele tinha um prestígio muito alto no Exército, por ser FEBiano. E ele era oficial da reserva, chama-se oficial da reserva. Mas o projeto de Lei da SUDENE e finalmente a Lei saiu da mão dele e Juscelino assinou até sem saber muito. Já existia um membro representante do Estado Maior das Forças Armadas no Conselho da SUDENE, mas eles não tinham projeto nenhum. O projeto de golpe caminhava ao largo, no Conselho da SUDENE isso não teve, não tinha repercussão. Era toda a ala golpista do exército que conduzia o processo de conspiração paralelamente, do qual, como os cariocas diziam com muito bom humor, mas o Brasil perdeu tanta coisa que perdeu até o bom humor carioca, eles chamavam “o corcunda do nosso drama” ao Marechal Castelo Branco. (Risos) Ele saiu do comando... o exército tinha algumas táticas pra lidar com os seus quadros, não é? Os piores elementos eles mandavam pro Nordeste. Ou eram piores por que eram muito incompetentes ou eram piores... por que o exército promove mesmo sem você ter mérito, mandavam os piores pra cá também. Então você conhecia aqui quem foi comandante da 7ª RM e depois do IV Exército. Humberto Castelo Branco, Artur da Costa e Silva... eu estava no comando da SUDENE numa certa crise, e o Paulo Guerra que era o governador, o vice do Cid Sampaio... Quem era o vice de Cid? Pelópidas? Não, então eu já estou que nem o Plínio... tô baratinado. Mas Paulo Guerra disse que ia mandar invadir a SUDENE pra tirar de lá os sacos de milho e feijão que a Aliança para o Progresso mandava. Eu fui ao General Artur da Costa e Silva: “Olhe general, eu não tenho soldados, então cabe ao senhor defender” Ele disse, “Não, o governador não é maluco, não vai fazer uma coisa dessas”. Eu voltei pra sede da SUDENE, a gente ficava ali no edifício do IAPI, JK, até altas horas da noite e tal. E eu ia voltando com o rabo entre as pernas. É quando Jáder, que tinha ótimas sacações, disse: “Eles estão preparando um golpe, Chico. Se você for dizer que não tem condições aí...” o primeiro ministro, quem era? Tancredo Neves! “...aí o Tancredão vai mandar ocupar a SUDENE. Não façamos isso”. A gente voltou pra sede da SUDENE, redigimos uma nota e foi pros jornais no outro dia. A cidade amanheceu no outro dia, vocês podem conferir isso na imprensa, com uma nota da SUDENE esclarecendo tudo. Aí a gente furou o balão do golpe. No outro dia era a reunião exatamente do Conselho Deliberativo, e cada Estado mandava quem ele queria como representante, raramente eram os próprios governadores, no outro dia apareceu Lael Sampaio, o irmão do Cid, no Conselho da SUDENE, mas aí a bola dele já estava furada. Aí foi um fiasco mesmo. Então isso tudo vai acumulando e em 64 eles dão o golpe.

DÉLIO MENDES – Eu gostaria de fazer um adendo às suas palavras, Chico, no que diz respeito ao projeto do Maranhão. O projeto do Maranhão foi tudo isso que ele disse. Mas o projeto do

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Maranhão faz parte de uma estratégia ao longo do tempo que dizia respeito a não mexer com os interesses do latifúndio. Eu acho muito interessante, por que vocês sabem aqui que nesse país a lei de terra comanda toda a organização e toda a lei agrária inclusive com uma coisa interessante. A Lei de Terra fez com que a Constituição de 88, que é extremamente avançada, em assuntos sociais e etc., na questão da terra ela retrocede no tempo e no espaço. Então eu acho que isso aí está dentro disso. Depois veio já mais tarde o Polonordeste, o Funrural, o Prorural, etc., diversas coisas que tinham como objetivo tocar na estrutura agrária sem mexer com os interesses do latifúndio brasileiro.

FRANCISCO DE OLIVEIRA – Mas isso é correr atrás do tempo. A tendência populacional já estava... já se dirigia pra lá. Isso tudo é uma teoria populacional muito complicada, malthusiana, que dizia “excedentes populacionais” e tal. Na verdade se você olhar, trabalhar com os termos demográficos, a pressão demográfica/Km2 no Nordeste é baixíssima. Todo mundo pensa que é altíssima, mas não é. Na verdade esse conceito vale alguma coisa ou não vale nada. A pressão populacional é grande na chamada zona da mata, mas no vasto sertão é ínfima. Na verdade esse conceito não vale nada, é um conceito malthusiano, em que, segundo Malthus haveria duas leis atuando, isso é conhecido, a lei de crescimento da população e uma lei de crescimento dos recursos da terra. O capitalismo deixou de ser de terra faz séculos. Mas até os anos 50 ainda tinha uma forte discussão no Brasil sobre a lei malthusiana. Todo mundo achava que não dava, a pressão populacional... Coisa nenhuma! E é uma discussão inteiramente superada, não se trata mais disso.

PLÍNIO SOARES - Eu poderia acrescentar, já que eu estava escalado pra falar sobre o Maranhão, eu estive poucas vezes lá. Mas o Dr. Francisco conhece outras camadas de acontecimentos de memória a respeito desse assunto. Mas tem uma importância enorme o negócio do projeto do Maranhão. Existia um embaixador americano aposentado de nome (...?...) que esteve lá e ficou impressionado com o tamanho das bananas. Acontece que como é pre Amazônia, e isso aí é outro problema, não é demográfico, no terceiro ano eles vão derrubando e queimando o solo, é predatório. É uma estrada que Juscelino tinha aberto do Maranhão na direção do Pará. Além de outras considerações políticas de que o sul da Bahia tinha sido grilado na base da pistola e ninguém podia mais mexer na colonização naquela área, era um dos argumentos lá do professor, se correu pro Maranhão, que já era uma área de invasão. Toda vez que havia uma seca relevante, daquela pesada, se corria pra cima da mata, por que o Maranhão tem essa dualidade, uma área seca e outra pre amazônica. Mas o solo lá ele é muito raso e no terceiro ano de uso vira areia e se vai adiante. Portanto, o nível de tecnologia que se chegava ao nível de prancheta, na época eu me lembro que João da Costa que tinha estado na África e foi pro IPA depois com Jáder, o cálculo é que a gente precisaria de todos os técnicos agrícolas das escolas do Brasil pra sustentar o projeto. O nível de tecnologia era... por que precisaria de uma cultura permanente tipo dendê, e a precipitação pluviométrica lá não era das melhores para a cultura do dendê, e que tem umas exigências hídricas próprias em Tefé, em cima, ou nos arredores de Belém, algumas pequenas áreas naquela região. Um dia desses eu vi uma declaração do Veloso que foi substituto de Campos

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no Ministério do Planejamento, o homem que fundou o IPEA, etc., Rosa trabalhou no IPEA uns bons anos, ele reclamava que foi um desastre o regime militar ter mexido nos solos amazônicos. Quer dizer, não dá pra generalizar sobre solos na Amazônia, são diferenciados e tal. Tem uns com propensão pra soja, por exemplo, na área de Mato Grosso, mas nas áreas de mata, já o custo da derrubada é astronômico além de que aqueles solos se transformam. E ele confessa que foi um desastre monumental do governo militar ter caminhado nessa direção de uso de solos amazônicos para fins agrícolas. E que esse fenômeno da... eu estava no Chile na ocasião, tinha ido pro tal seminário do BID e que eles dizem que eu fui fazer guerrilha, do BID e da FAO, e eu comentei lá com o pessoal da FAO que estava administrando o curso, o curso não tinha nada de subversivo, era um professor norte americano chamado Sólon Barraclough, conhecido na América Latina, professor da Universidade de (...?...), então eles comentaram isso que realmente os solos eram de altos riscos. O tal embaixador americano, ajudou a essa lenda e criaram uma empresa chamada COLONE, já no governo militar, e essa COLONE que já tinha os antecedentes que o Dr. Francisco falou aí... a Dra. Risoleta tinha estudado na EBAP, essa EBAP da tese, portanto tinha sofrido alguma influência do ISEB e da CEPAL, e tinha morado em Paris, estudado, trabalhado, em Paris. Está agora numa situação precária de saúde, eu soube essa semana, a Risoleta. De modo que ela foi e passou por esse perigo, mas houve também uma coisa... um motorista da SUDENE resolveu tomar umas carraspanas e deu uma surra num índio, e a área era fronteiriça dos índios. Eu mesmo fiquei com muito... Strauss foi com Dr. Celso lá e a gente foi, numa caravana maior, e tinha lugares que você só chegava de avião. Eu fui designado, juntamente com os advogados da SUDENE, o Celso botou meu nome lá no meio da Comissão de Inquérito pra apurar o tal espancamento. Por que a imprudência da cachaça do motorista fez com que os índios tocassem fogo no acampamento da SUDENE. E ele abriu inquérito imediatamente. Ele tinha experiência de guerra então ele sabia perfeitamente quando as coisas esquentavam. O Celso tinha esse condão de conhecer o... foi da guerra, foi da FEB. Então ele percebia rapidamente o que era que podia dar e com os índios podia dar numa guerra antiga e podia até se transformar noutra coisa. Mas o tal embaixador americano foi quem prevaleceu e aí o Banco Mundial entrou e meteu empréstimo na tal COLONE, a tal empresa, uma dessas que foram estatais, mistas, que não pode se confundir com economia mista do professor Samuelson, esse equilíbrio entre o estatal e... as economias mistas da SUDENE eram empresas de economia mista. Não era a economia mista do professor Samuelson. De modo que o golpe chegou e eu é que fui pra cadeia. Eu não sei o resultado dessa Comissão de Inquérito, deve ter morrido lá nos... os índios então seguiram seu destino. Mas o Veloso conta que o desastre dos militares no aproveitamento de terras amazônicas foi monumental, devido a esse fato de que os solos não foram... afinal, não fizeram lá o que Celso Furtado conseguiu fazer em Petrolina que os solos eram muito rasos, ele fez estudos pedológicos, dava uma salinização infernal com a irrigação e a partir desses estudos das Nações Unidas, um estudo caríssimo dos horizontes de solo, pedológico, não é de análise de solos, eles tiveram um sucesso enorme e aí ainda hoje tem na tal Califórnia e aquilo é origem na SUDENE. Foi a argúcia de Strauss, de Jáder e de Celso Furtado que perceberam...

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mas quem conhece essa história é o superintendente, eu estou aqui como peão, então não posso mesmo cinquenta anos depois...

FRANCISCO DE OLIVEIRA – Não, isso aí tudo é... foi uma série de experts desses que tinham muita experiência em trópicos, por que a França colonizou boa parte da África, e a SUDENE conseguiu através da Assistência Técnica das Nações Unidas trazer alguns desses franceses. Eles foi que orientaram, primeiro o levantamento do são Francisco e depois indicando as áreas em que podia haver aproveitamento, mas isso dá uma história longa, vocês não estão aqui pra ouvir isso, existe uma série de mitos brasileiros que quando você toca no real aí ele se desfaz. O Plínio já falou um pouco sobre isso. A Amazônia, por exemplo, é um grande mito, pra opinião leiga. Para a opinião leiga a maior floresta tropical do mundo é de uma fertilidade extraordinária. Ao contrário, o solo da Amazônia é fragílimo, e só aguenta mesmo cultura permanente. Só aguenta árvore. Se você botar milho ali, aquilo desaparece em uma geração. Não chega nem a uma geração. Então são muitos mitos. É bom, a gente vive de mitos, nem só de pão vive o homem, mas quando você toca no real pode produzir um desastre, que nem alguns solos da Amazônia que foram perdidos irremediavelmente, por que aquilo se formou há milhões de anos. De repente você toca fogo... A SUDAM tentou copiar o modelo da SUDENE, mas é a história de um desastre.

FERNANDO COELHO – Continua franqueada a palavra para os membros da Comissão. Não havendo mais quem queira arguir eu queria agradecer aos depoentes, dizer da riqueza de todos os depoimentos, que todos presenciaram, atendeu exatamente os objetivos da Comissão ao convidá-los e, de logo, comunicar que no dia 8 de outubro, provavelmente nesse mesmo local...

NADJA BRAYNER – Será na ADUFEPE, na Universidade Federal, Auditório Paulo Rosas.

FERNANDO COELHO – Já corrigindo, a ser realizado na ADUFEPE, no Auditório Paulo Rosas, que foi um dos fundadores da SUDENE, perdão, do MCP nós nos reuniremos novamente e estão todos convidados. Agradecendo, portanto, aos depoentes e aos presentes, até o dia 8, seguramente. Está encerrada a sessão.--------------------------------------------------------------------------