trajetÓrias de vida, constituiÇÃo profissional e …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf ·...

133
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO KELEN DOS SANTOS JUNGES TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E AUTONOMIA DE PROFESSORES PONTA GROSSA 2005

Upload: others

Post on 09-Aug-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

KELEN DOS SANTOS JUNGES

TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E

AUTONOMIA DE PROFESSORES

PONTA GROSSA

2005

Page 2: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

KELEN DOS SANTOS JUNGES

TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E

AUTONOMIA DE PROFESSORES

Dissertação apresentada à Banca de Defesa do Programa de Mestrado em Educação, Linha de Pesquisa Ensino e Formação de Professores, da Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Dra. Priscila Larocca.

PONTA GROSSA

2005

Page 4: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

Ficha catalográfica elaborada na UEPG/BICEN

Junges, Kelen dos Santos W815 Trajetórias de vida, constituição profissional e autonomia de professores. Ponta Grossa, 2005.

125p.; il. Dissertação (mestrado)- Universidade Estadual de Ponta

Grossa - PR. Orientadora: Profª. Dra. Priscila Larocca

1-Formação de professores. 2-Constituição profissional

docente. 3-Autonomia docente. 4-Trajetórias de vida. I. T. CDD :370.71

Page 5: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

Dedico este trabalho como símbolo de todo meu afeto e carinho

Aos meus pais Ilgo e Suely, de quem

procuro imitar os exemplos de amor, honestidade e humildade. Obrigada pelo início de minha própria história. Obrigada por não medirem esforços em prol de minha formação e da realização de meus sonhos. Agradeço dia após dia por vocês serem os meus pais.

Aos meus irmãos Simone, Peterson e Suelen, pelo respeito, pelo carinho, pelo ombro amigo e sincero. Obrigada por fazerem parte da minha vida.

Ao meu esposo Junior, pelo amor, pela

amizade, pela paciência, pela compreensão dos momentos ausentes, distantes e de minha dedicação a este trabalho. Obrigada pelo apoio incondicional à minha realização pessoal e profissional. Você é indispensável na construção da nossa história de vida.

Page 6: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

AGRADECIMENTOS

A Deus pela minha existência, pela proteção e por guiar-me nos caminhos da minha história de vida.

À Professora Doutora Priscila Larocca, exemplo de dignidade, dedicação, amizade e

sabedoria. Minha sincera gratidão por sua orientação segura e pela presença marcante em

cada página deste trabalho.

Aos Professores Doutores Luis Fernando Cerri, Sérgio Antonio da Silva Leite e

Esméria de Lourdes Savelli, membros da banca examinadora de qualificação deste trabalho,

pela atenção e excelentes sugestões apresentadas.

Aos professores sujeitos de minha pesquisa, por sua especial e essencial participação

neste trabalho. Obrigada por compartilharem comigo as histórias de suas preciosas vidas.

Aos meus colegas de mestrado, especialmente a Ignês Figueiredo, Egeslaine De

Nez e Francisca Júlia Camargo Dresch, por todos os momentos que passamos juntas, por

dividirmos as mesmas angústias e expectativas, por tornarem essa jornada mais interessante e

animada. Saudades.

Ao GEPEP - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Psicologia da UEPG, pelo

acolhimento e por ter-me inserido nos caminhos da pesquisa.

Ao Colégio Estadual São Cristóvão, em especial aos Diretores Jair Brugnago e

Adilson Machado, pelo incentivo, pela compreensão e disponibilização de tempo para a

concretização do mestrado.

A todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para realização deste trabalho,

muito obrigada.

Page 7: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

...Que eu desejo amar Todos que eu cruzar Pelo meu caminho.

Como sou feliz! Eu quero ver feliz

Quem andar comigo, Vem!...

Guilherme Arantes – Jon Lucien

Page 8: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

RESUMO

Este trabalho tem como objetivos principais identificar, descrever e analisar o processo de constituição e autonomia profissional docente. Parte-se da análise das funções da escola na sociedade, compreendendo que as concepções de formação de professores assumiram estas mesmas funções no decorrer da história da educação brasileira. A abordagem histórico-cultural, fundamentada em Vigotski, ajuda a explicar o processo de constituição e autonomia profissional docente, numa perspectiva dinâmica e contínua de internalização do social para o individual. Adota-se a história oral de vida como recurso metodológico para se cumprir os objetivos propostos, utilizando-se de um roteiro semi-estruturado, para entrevistar quatro professores da educação básica dos municípios de Porto União/SC e de União da Vitória/PR, selecionados a partir de critérios previamente estabelecidos. As histórias orais de vida dos Sujeitos são analisadas a partir de três grandes eixos: percurso pessoal, percurso formativo e percurso profissional, dos quais emergiram elementos da constituição e autonomia profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem respeito a experiências da infância, juventude e constituição da família, destacando-se a internalização de valores e normas de comportamento relativos à obediência como aspecto comum entre os Sujeitos. O percurso formativo trouxe elementos da escolarização básica, formação acadêmica e extra-acadêmica. No que concerne à escolarização básica, destacam-se os seguintes elementos: as dificuldades enfrentadas para estudar; a internalização de normas aprendidas no ambiente familiar; os modelos de professores; a relação entre escolha profissional e questões de gênero e os estágios curriculares. Na formação acadêmica destacam-se as motivações presentes na escolha do curso de Ensino Superior e as contribuições dessa formação para o exercício profissional docente. Os elementos que se destacam na formação extra-acadêmica são o ambiente de trabalho do professor; as exigências dos cargos e funções ocupadas nas instituições nas quais os professores trabalharam ou trabalham e a dedicação à pesquisa. O percurso profissional revela elementos do início e desenvolvimento da carreira docente; do cotidiano profissional e das realizações e obstáculos do percurso profissional. O início e desenvolvimento da carreira aponta os seguintes elementos: as formas de ingresso na carreira; as primeiras experiências no magistério; as oportunidades de carreira na educação além da docência; a participação em entidades de classe e a política educacional vivenciada pelos Sujeitos. O cotidiano profissional denota elementos como os contextos colaborativos entre os docentes; a concepção de coletivo e a influência de cotidianos não-escolares. Com relação às realizações e aos obstáculos do percurso profissional, destacam-se o convívio com os alunos como elemento de realização e, o relacionamento com colegas de trabalho, as más condições de trabalho e a organização escolar, como obstáculos da carreira docente. Como resultado final, considerou-se que o processo de constituição profissional do professor e de sua autonomia se dá durante toda a sua trajetória de vida, a partir das relações sociais que estabelece e da maneira como as internaliza. É um processo histórico-cultural. Palavras-chave: constituição profissional docente; autonomia docente; trajetórias de vida;

formação de professores.

Page 9: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

ABSTRACT

This paper aims at identifying, describing, and analyzing the process of teaching constitution and professional autonomy. The starting point is the analysis of the functions of the school in society, understanding that the conceptions of teacher development have been taking on these functions in the history of Brazilian education. The historical–cultural approach, founded on Vigotski, helps to explain the process of teaching constitution and professional autonomy in a dynamic and continuous perspective of internalization from the social to the individual. The life history told orally is adopted as a methodological resource to fulfill the aims of this study, by means of a semi-structured outline to interview four elementary school teachers from Porto União-SC e União da Vitória-PR, selected according to the criteria previously set. The oral life histories of the individuals are analyzed starting from three great axes: personal development, formative development, and professional development, in which elements from teaching constitution and professional autonomy emerged. In the personal development such elements are concerned with experiences from childhood, youth, and family constitution, with emphasis on the internalization of values and behavior patterns related to obedience as a common aspect between the individuals. The formative development brought elements from elementary school, college, and from outside college. As far as elementary school is concerned, the following elements are prominent: the difficulties faced in order to study; the internalization of norms learned at home; the models provided by the teachers; the relation between professional choice and the matter of gender and curricular stages. In the academic formation the focus is on the motivation present in the choice of a course and the contributions of this formation for working as a teacher. The elements that were prominent in the extra academic formation are the teaching environment, the demands of the positions and functions in the institutions where teachers worked or still work and the dedication to research. The professional development reveals elements from the beginning and from the development of the teaching career, from the professional routine and realizations and obstacles on the professional development. The beginning and the development of the career point out the following elements: the ways in which one starts his career; the first teaching experiences; the career opportunities in education, besides teaching; the participation in class institutions and the educational policy experienced by the individuals. The professional routine denotes elements such as collaborative contexts between teachers, the conception of collective and the influence of non-scholar routines. As far as realizations and obstacles of the professional development are concerned, the sociability with the students as an element of realization stands out, and the relationship with colleagues, the bad working conditions and the school organization stand out as obstacles in the teaching career. As a final result, the process of professional constitution of the teacher as well as the process of constitution of his autonomy is considered to take place in the course of his life, from the social relations that he establishes and from the way he internalizes them. It is a historical-cultural process.

Key words: professional teaching constitution; teaching autonomy; course of life; teacher

formation.

Page 10: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

INTRODUÇÃO

A constituição e autonomia profissional de cada professor está diretamente

relacionada a sua história de vida, ou seja, às relações sociais que estabelece, às oportunidades

vivenciadas e ao modo como as internaliza ao longo dessa trajetória.

Sob esta perspectiva, importa conhecer quem é o professor: sua origem

sociocultural, suas crenças, sua formação, sua escolarização, no sentido de captar elementos

que permitam compreender melhor como esse profissional se constitui e conquista uma

autonomia em sua trajetória de vida.

Essa intenção tem como pano de fundo algumas indagações: Como se dá o processo

de constituição profissional docente? Que tipos de experiências e relações pessoais,

profissionais e formativas contribuem para a constituição profissional docente? E, no processo

de constituição profissional, como o professor desenvolve uma autonomia?

A partir dessas inquietações, traçaram-se dois objetivos principais: a) identificar,

descrever e analisar o processo de constituição profissional docente; b) identificar e analisar a

autonomia no processo de constituição profissional docente.

Esses objetivos implicam em conhecer e explicitar vivências e percursos pessoais,

formativos e profissionais de professores em suas trajetórias de vida, para captar e analisar

elementos e modos por meio dos quais engendram um processo real de constituição autônoma

dos professores.

Page 11: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

Optou-se, neste trabalho, por utilizar a história oral como caminho metodológico

registrando-se as histórias de vida de quatro professores, dois homens e duas mulheres, que

atuaram e atuam no sistema educacional dos municípios de Porto União/SC e União da

Vitória/PR.

As obras de Fonseca (1997), Fontana (1997), Nóvoa (1995ab), Thompson (1998) e

Vigotski (1998, 2000ab) foram muito inspiradoras e nortearam particularmente a construção

deste trabalho, que se encontra organizado em quatro capítulos.

O Capítulo I procura esboçar as principais concepções de formação de professores

relacionadas às funções que a escola foi assumindo ao longo do tempo na sociedade, tecendo-

se uma perspectiva histórica da educação brasileira. Este capítulo pretende demonstrar que a

formação de professores esteve e está em consonância com as funções que a escola assume na

vida social e econômica da população.

O Capítulo II versa sobre a constituição profissional docente, destacando a

autonomia nesse processo, expondo as principais teorias divulgadas a esse respeito, definindo

a abordagem histórico-cultural, fundamentada em Vigotski (1998, 2000ab), como a teoria que

melhor explica o processo de constituição e autonomia profissional docente. Este capítulo,

então, trata da constituição profissional, considerando os professores como pessoas em

constante processo de formação e como profissionais, cujas vidas e profissão desenvolvem-se

em um processo que se entrelaça com ambientes, condições, escolhas, relações e contextos

socioculturais, entendendo a autonomia como uma emancipação pessoal, como uma tomada

de posição, como uma busca e exercício constante da trajetória docente.

O Capítulo III explicita a história oral de vida, como opção e fundamentação

metodológica da pesquisa. Nesse capítulo estão descritos os caminhos seguidos, tais como os

critérios de seleção dos sujeitos, o modo como as histórias de vida foram construídas e os

procedimentos utilizados para a coleta e análise dos dados.

Page 12: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

No Capítulo IV, as histórias orais de vida dos professores frisam experiências e

relações próprias de cada um, certamente aquelas que julgam mais significativas em sua

trajetória ou que sejam úteis para alguém. As histórias são analisadas e confrontadas com os

referenciais teóricos, abordando três eixos definidos como centrais neste trabalho, para

abordar o processo de constituição e autonomia profissional de professores: percurso pessoal,

percurso formativo e percurso profissional, dos quais emergiram elementos significativos da

constituição e autonomia profissional docente.

Os resultados referentes ao eixo percurso pessoal, que abrange elementos da

infância, da juventude e da constituição familiar do professor, revelaram a internalização de

valores e normas de comportamento relativos à obediência como aspecto comum entre os

Sujeitos.

O eixo percurso formativo refere-se à escolarização básica do professor, sua

formação acadêmica e extra-acadêmica. No que concerne à escolarização básica, destacam-se

os seguintes elementos: as dificuldades enfrentadas para estudar; a internalização de normas

aprendidas no ambiente familiar; os modelos de professores; a relação entre escolha

profissional e questões de gênero e os estágios curriculares. Na formação acadêmica

destacam-se as motivações presentes na escolha do curso de Ensino Superior e as

contribuições dessa formação, para o exercício profissional docente, tanto em termos de

instrumentais teórico-metodológicos quanto em termos de instrumentais críticos. Os

elementos que se destacam na formação extra-acadêmica são o ambiente de trabalho do

professor; as exigências dos cargos e funções ocupadas nas instituições, nas quais os

professores trabalharam ou trabalham e a dedicação à pesquisa.

O eixo percurso profissional inclui o início e o desenvolvimento da carreira

profissional, o cotidiano profissional, as realizações e obstáculos vividos pelo professor nesse

percurso. O início e desenvolvimento da carreira aponta os seguintes elementos: as formas de

Page 13: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

ingresso na carreira; as primeiras experiências no magistério; as oportunidades de carreira na

educação além da docência; a participação em entidades de classe e a política educacional

vivenciada pelos Sujeitos. O cotidiano profissional denota elementos como os contextos

colaborativos entre os docentes; a concepção de coletivo e a influência de cotidianos não

escolares. Com relação às realizações e obstáculos do percurso profissional, destacam-se o

convívio com os alunos, como elemento de realização e, o relacionamento com colegas de

trabalho, as más condições de trabalho e a organização escolar, como obstáculos da carreira

docente.

Nas Considerações Finais apresentam-se constatações e reflexões da pesquisadora

conforme o trabalho de pesquisa realizado, resgatando os objetivos propostos. A partir da

análise das histórias orais de vida, considerou-se como resultado final que o processo de

constituição e autonomia profissional do professor se dá durante toda a sua trajetória de vida,

a partir do conjunto das experiências vivenciadas em cada um de seus percursos: pessoal,

formativo e profissional. A constituição e autonomia profissional dos professores é

influenciada pelo contexto sociocultural, pelas relações sociais que estabelecem e pela

maneira como as internalizam. É um processo histórico-cultural.

É importante destacar que este trabalho representa uma das perspectivas possíveis

para a análise do processo de constituição profissional docente e sua autonomia. Nele são

apresentadas algumas possibilidades de interpretação das histórias de vida dos professores,

evidentemente singulares. Por isso, não se tem a pretensão de tecer generalizações, nem de

esgotar o tema. Sabe-se que as histórias dos professores não são estatisticamente

representativas, mas considera-se que são significativas, isto é, são vidas que representam

uma geração, uma concepção de professores de um determinado período histórico e espaço

social. São diferentes histórias, diferentes experiências, diferentes modos de ser e agir, que

Page 14: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

revelam alguns elementos e promovem reflexões sobre o processo de constituição do

professor e de sua autonomia.

Page 15: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem
Page 16: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

CAPÍTULO I

FUNÇÕES DA ESCOLA E CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

“’História’ é exatamente o passado sobre o qual os homens têm de voltar o olhar, a fim de poderem ir à frente em seu agir, de poderem conquistar seu futuro.”

Jörn Rüsen

A formação dos professores segue, ao longo do tempo, movimentos imbricados na

relação educação – sociedade, a partir de funções que são esperadas da escola, em diferentes

momentos históricos, face à pressão de forças sociais, econômicas e políticas.

De acordo com Aranha (1996) e Cambi (1999), a escola, como se conhece hoje, é

produto de transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas durante os séculos XVIII e

XIX. Pode-se citar algumas dessas transformações: a laicização dos indivíduos e das classes

sociais, a difusão de idéias (expansão da alfabetização e difusão do livro), a expansão das

indústrias, o início do capitalismo e a construção de um mercado mundial. Nesse período, a

sociedade reconheceu a necessidade de manter uma instituição para transmitir saberes que

preparassem o indivíduo para a vida em sociedade e que desenvolvessem suas habilidades

pessoais e a partir daí, reestruturou e atualizou a organização escolar, a fim de torná-la funcional

para o desenvolvimento da nova sociedade industrial. É nesse contexto que ao longo da história, a

Page 17: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

15

escola, como instituição social, foi assumindo diversas funções, sempre de acordo com a

realidade e objetivos da sociedade na qual se insere.

É nesse sentido que este capítulo procura demonstrar que as principais concepções de

formação docente estiveram e estão em consonância com as funções que a escola assumiu no

decorrer da história da educação brasileira. Apesar de não pretender aprofundar análises dos

aspectos históricos e da relação educação - sociedade, essa perspectiva apresenta-se como um

importante recurso de compreensão dos caminhos seguidos pela formação de professores no

contexto brasileiro.

As primeiras escolas brasileiras foram fundadas pela Companhia de Jesus, a partir de

1549, ano em que o primeiro governador geral, Tomé de Souza, chega ao Brasil acompanhado

por diversos jesuítas chefiados pelo Padre Manuel da Nóbrega. Com a intenção de aumentar o

número de adeptos à fé católica e, atender aos interesses dos colonizadores, os jesuítas

promoveram uma ação maciça de catequese dos índios e educação dos filhos dos colonos. A

função da escola, nesse período, foi a de domesticar os índios, ensiná-los a ler e a escrever a

língua dos colonizadores, formar novos sacerdotes e compor a elite intelectual da colônia, além

de controlar a fé e a moral dos habitantes da nova terra. (ARANHA, 1996; LIMA, [19--];

WEREBE, 1994).

Conforme Lima ([19--]), a missão religiosa dos jesuítas acabou por substituir um órgão

governamental de promoção da educação, de modo que o que se fez foi subvencionar o setor

privado, em vez de fortalecer o Poder Público para assumir a responsabilidade pela educação do

povo. O tipo de sistema escolar implantado pelos jesuítas não serviu à educação popular,

desviando-se para atender os filhos dos donatários, sesmeiros e burocratas, a fim de prepará-los

para exercer a hegemonia cultural e política. Tal dualidade na educação é um problema que

acompanha os brasileiros até os dias de hoje.

Page 18: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

16

Portanto, desde seus primórdios, a ação docente no Brasil reproduzia o pensamento

religioso medieval ocidental, fundado pelo cristianismo. Seguidores da Ratium Studiorum1, os

jesuítas legaram um ensino de caráter verbalista, retórico, conservador, repetitivo e memorístico

que ainda perdura na educação brasileira.

A Ratium Studiorum, resultante da orientação dos jesuítas para a formação dos docentes

das escolas por eles implantadas, foi a primeira diretriz para a atuação dos professores que se tem

registro no Brasil. Era composta por diversas regras e orientações que deveriam ser seguidas

rigorosamente pelo professor, tais como:

Fim. - Como as artes e as ciências da natureza preparam a inteligência para a teologia e contribuem para a sua perfeita compreensão e aplicação prática e por si mesmas concorrem para o mesmo fim, o professor, procurando sinceramente em todas as cousas a honra e a glória de Deus, trate-as com a diligência devida, de modo que prepare os seus alunos, sobretudo os nossos, para a teologia e acima de tudo os estimule ao conhecimento do Criador. [...] Autores infensos ao Cristianismo. - Sem muito critério não leia nem cite na aula os intérpretes de Aristóteles infensos ao Cristianismo; e procure que os alunos não lhes cobrem afeição. [...] Repetição na aula. - No fim da aula, alguns alunos, cerca de dez, repitam entre si por meia hora o que ouviram e um dos condiscípulos, da Companhia, se possível, presida à decúria. Disputas mensais. – Cada mês haja uma disputa na qual arguam não menos de três, de manhã, e outros tantos, de tarde; o primeiro, durante uma hora, os outros, durante três quartos de hora. [...] Rigor na forma da disputa. – Desde o início da lógica se exercitem os alunos de modo que de nada se envergonhem tanto na disputa como de se apartar do rigor da forma; e cousa alguma deles exija o professor com mais severidade do que a observância das leis e ordem da argumentação [...] (FRANCA apud GADOTTI, 2002, p. 73-75).

1 Ratium Studiorum, promulgada em 1599, representava a pedagogia jesuítica. Era o plano de estudos, de métodos e a base filosófica dos jesuítas. Baseava-se na cultura e ideologia ocidental.

Page 19: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

17

Através dos elementos de seu conteúdo, percebe-se que a Ratium Studiorum constituiu-se

um instrumental, pelo qual os jesuítas davam conta de cumprir com a função social

domesticadora que a colônia delegava à escola: catequizar os índios e controlar a fé e a moral dos

novos habitantes da terra, ao mesmo tempo em que preparava as elites diferenciadamente.

Após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, a educação passou a

ser responsabilidade do Império. O magistério, contudo, já carregava as marcas da catequese e

do sacerdócio, e a escola, impregnada da pedagogia jesuítica, privilegiava uma educação elitista

omitindo-se de uma educação popular emancipadora.

O primeiro curso oficial de formação de professores no Brasil ocorreu em 1835, com a

fundação da primeira Escola Normal de caráter público, em Niterói, no Rio de Janeiro.

(WEREBE, 1994). Mas Passos (1995) enfatiza que, à medida que eram criadas, as primeiras

escolas normais brasileiras fechavam devido ao pequeno número de alunos e à falta de condições

mínimas de funcionamento. Foi em 1882 que as escolas normais começaram a existir

efetivamente, alcançando um certo desenvolvimento no período republicano.

Conforme Saviani (2000, p. 6), a organização da escola tradicional inspirou-se no

princípio de que educação é direito de todos e dever do Estado. Esse princípio decorria do

interesse da burguesia que se consolidava no poder e que pretendia construir uma sociedade

democrática (a democracia burguesa) que, para tanto, necessitava de uma população

suficientemente esclarecida. Emergiu daí, a escola como instrumento principal para “converter os

súditos em cidadãos”.

Na pedagogia tradicional, a função da escola de transmitir saberes eruditos, acumulados

no decorrer da história da humanidade e sistematizados pela ciência, supõe uma perspectiva em

que o professor é o único detentor do saber de determinada área do conhecimento, devendo

transmitir, por meio de exposições, as verdades científicas, posicionando-se como o centro do

Page 20: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

18

processo educativo. Os professores aprendiam, em seus cursos de formação, que os alunos apenas

deveriam assimilar passivamente todas as informações transmitidas e que a aprendizagem

dependeria do esforço isolado e próprio de cada aluno.

A partir da primeira Constituição Republicana2, a Escola Normal passou à

responsabilidade dos Estados e, como salienta Werebe (1994, p. 42) “seu status continua mal

definido: não é uma escola secundária, nem tampouco uma escola profissional, mas uma escola

de ensino geral que, não obstante, conduz ao exercício do magistério.”

No início do século XX, inúmeros debates em torno da educação ocorreram em todo o

mundo. Percebia-se que a escola não cumpria o papel de universalizar o ensino e promover a

equalização social. Concluiu-se, então, que o motivo estava associado ao tipo de escola baseado

na pedagogia tradicional. Originou-se daí, uma outra proposta de escola, fundada numa nova

teoria da educação. Objetivou-se superar a pedagogia tradicional vigente, com o movimento

denominado de Escola Nova.

Saviani (2000, p. 9) afirma que o ideário da Escola Nova partiu dos princípios da

pedagogia tradicional, mantendo a crença na função de equalização social da escola, mas

deslocando o eixo do “intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; do

professor para o aluno; do esforço para o interesse; da quantidade para a qualidade [...]”. Essa

mudança de enfoque também norteou os princípios da formação docente.

2 Constituição Federal do Brasil de 1891.

Page 21: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

19

A partir da perspectiva escolanovista, o aluno passou a ser o centro do processo ensino-

aprendizagem, entendido como ser ativo e curioso. Mais importante era ensiná-lo a aprender a

aprender. A função do professor passou a ser orientar, organizar e propiciar situações de

aprendizagem, de acordo com as características de cada aluno, para que ele pudesse buscar, por

si, conhecimentos e experiências.

A tendência escolanovista teve seu apogeu no Brasil na década de 30, por meio de um

grupo de educadores liderados por Fernando de Azevedo, entre eles Anísio Teixeira e Lourenço

Filho, todos participantes ativos da Associação Brasileira de Educação - ABE.

Em 1932, foi apresentado no Rio de Janeiro e em São Paulo, sob a luz da Escola Nova, o

Manifesto dos Pioneiros, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por mais vinte e cinco

educadores brasileiros. Esse documento teve grande relevância para a história educacional

brasileira, pois desencadeou um movimento em prol da reconstrução e reformulação da educação

pública nacional, que sofria da “falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos

graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo”. (AZEVEDO,1958, p. 71). Como

proposta, o Manifesto abordava a necessidade de uma política educacional para o país, bem como

de a educação nacional caracterizar-se como pública, única, laica, gratuita e obrigatória. Sugeria-

se:

A organização da educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário, do técnico e do profissional, a criação de universidades e de institutos de alta cultura, para o desenvolvimento dos estudos desinteressados e da pesquisa científica. (AZEVEDO, 1963, p. 667).

O Manifesto postulava que os professores de todos os níveis de ensino deveriam efetivar

uma preparação geral nos estabelecimentos de ensino secundários, no entanto, deveriam ter sua

Page 22: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

20

formação pedagógica, em cursos universitários, em faculdades ou escolas normais elevadas em

nível superior e incorporadas às universidades. Nesse contexto,

A formação universitária dos professôres não é sòmente uma necessidade da função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sôbre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e ideais3. (AZEVEDO, 1958, p. 77).

Apesar da proposta inovadora, o tipo de escola implantado no movimento da Escola

Nova não conseguiu operar significativas mudanças no sistema educacional e nem amenizou as

desigualdades sociais como pretendia. Na análise de Saviani (2000), as conseqüências foram

mais negativas do que positivas: ao despreocupar-se com a disciplina e com a transmissão de

conhecimentos, acentuou a diferença entre educação popular e educação da elite dominante. Para

ele, houve um rebaixamento do nível do ensino destinado às camadas populares e um

aprimoramento da qualidade do ensino destinado às elites.

Numa tentativa de remediar o quadro, radicalizou-se ainda mais, na formação de

professores, a preocupação com os métodos pedagógicos, o que levou à busca pela eficiência

instrumental na formação docente através da pedagogia tecnicista.

No Brasil, o tipo de escola proposto pela pedagogia tecnicista foi assumido no final da

década de 1960, após o golpe militar de 1964, já que correspondia à orientação econômica,

política e ideológica do regime militar vigente.

De acordo com Aranha (1996), para a implantação do projeto educacional, o governo

militar fez diversos acordos, que só se tornaram públicos em 1966. Foram os acordos MEC-

USAID (Ministério da Educação e Cultura – United States Agency for International

3 Foi mantida a ortografia original da obra.

Page 23: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

21

Development), mediante os quais o Brasil conseguiu recursos financeiros e assistência técnica

para a execução da reforma da educação brasileira. Nesses acordos, o Brasil atrelava seu sistema

educacional ao modelo econômico imposto pela política norte-americana para a América Latina,

visando impulsionar a industrialização e atender aos interesses do capitalismo.

Já que, para desenvolver o país, os militares privilegiaram o caminho técnico do capital,

visando desenvolver cidades, indústrias e a economia nacional, um dos principais objetivos da

escola passou a ser o de proporcionar habilitação de mão-de-obra para o mercado de trabalho.

Daí porque as propostas de formação de professores interessavam-se em racionalizar o ensino,

pelo uso de meios e técnicas consideradas mais eficazes para a aprendizagem.

A principal função da escola deixa de lado a transmissão de saberes como fazia na

pedagogia tradicional ou a inserção e aceitação do indivíduo na sociedade, como fazia na

pedagogia nova. À escola interessa, nesse novo momento, educar um indivíduo para que seja

competente, eficiente e produtivo para a sociedade.

Os currículos e planejamentos educacionais, nesse contexto, passaram a organizar-se

mediante recursos audiovisuais, textos programados e livros didáticos, minimizando as

possibilidades de debates ou questionamentos críticos. Sob essa perspectiva foi promulgada a Lei

de Diretrizes e Bases (LDB) 5692/71, que transformou o antigo Curso Normal em habilitação

para o Magistério, que passou a fazer parte do conjunto de cursos profissionalizantes de 2º grau.

A objetivação, a mecanização e a maximização de resultados que eram os propósitos do

trabalho fabril também eram perseguidos no processo educativo. Daí ocorreu que os cursos de

formação de professores foram marcados fortemente pelas concepções de treinamento,

capacitação ou reciclagem. Marin (1995) ao realizar uma análise desses termos, mostra que o

treinamento na formação de professores significou modelação do comportamento dos professores

para que adquirissem habilidades e destrezas para realizar a prática educativa. A idéia de

Page 24: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

22

reciclagem, por sua vez, levou à implementação de cursos rápidos e descontextualizados,

abordando o ensino de forma superficial, enquanto o termo capacitação sugere a inculcação de

idéias, processos e atitudes como verdades a serem simplesmente aceitas pelos professores.

Percebe-se que essas concepções visavam à aplicação de técnicas e à operacionalização de

objetivos, como se o ensino e a formação de professores se resumissem apenas à prática de

resolução de problemas instrumentais.

Esse modelo de formação foi denominado por Schön4 (1983) racionalidade técnica,

como hoje ainda é reconhecido. Para Pérez Gómez (1995, p. 96), a racionalidade técnica é “uma

concepção epistemológica da prática, herdada do positivismo, que prevaleceu ao longo de todo o

século XX, servindo de referência para a educação e socialização dos profissionais em geral e dos

docentes em particular.” De acordo com a racionalidade técnica, o professor deve utilizar

rigorosamente os conhecimentos teóricos e instrumentais procedentes da pesquisa científica,

aplicando-os à prática, para atingir objetivos educativos pré-determinados e solucionar problemas

imediatos. Há nessa concepção, portanto, uma forte separação entre teoria e prática.

A prática na sala de aula e na escola, na perspectiva da racionalidade técnica, é apenas

um campo de aplicação da teoria, ou seja, “a prática converte-se num processo de treino para

utilizar o método científico (investigação) na resolução de novos problemas e no alargamento do

conhecimento profissional.” (PÉREZ GÓMEZ, 1995, p. 109). Por isso, os estágios nas matrizes

curriculares dos cursos de licenciatura estavam (e ainda estão, em algumas instituições)

programados para o final do curso, supondo-se que o aluno-mestre vá aplicar, a posteriori, os

conhecimentos teóricos e científicos adquiridos nos primeiros anos da formação.

4 Este autor, em sua primeira obra a respeito do assunto (1983), não se refere propriamente a racionalidade técnica ou à reflexão que será tratada mais adiante, no exercício docente, mas aos profissionais em geral. Porém, tal foi a pertinência de sua teoria para a formação de professores, que Schön (1995, 1998) escreveu e participou da publicação de outras obras específicas sobre a prática docente.

Page 25: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

23

Contreras (2002, p. 105) é um importante autor que realiza a crítica da racionalidade

técnica, fazendo ver que como concepção de formação de professores, é reveladora de “sua

incapacidade para resolver e tratar tudo o que é imprevisível, tudo o que não pode ser

interpretado como um processo de decisão e atuação regulado segundo um sistema de raciocínio

infalível, a partir de um conjunto de premissas”.

As três grandes facetas assumidas ao longo da história pela escola brasileira

(Tradicional, Nova e Tecnicista) retratam concepções conservadoras sobre o papel da educação, à

medida que advogam que a sociedade não precisa ser alterada, que o papel da educação não é o

de transformação da sociedade, mas o de sua conservação e reprodução através da adaptação dos

indivíduos à vida social. O professor, nesse contexto, é um instrumento da reprodução social,

cuja autonomia é sufocada e desconsiderada.

Ao final da década de 70 e meados da década de 80, a educação brasileira foi

influenciada por novas tendências que emergiram no final da Ditadura Militar, mais precisamente

durante a lenta abertura política que se deu no país. Nesse processo, surgiram críticas mais

acentuadas à educação e à escola conservadoras pelas teorias crítico-reprodutivistas, que

apontavam o papel da educação de reproduzir a ideologia da classe social dominante, atendendo

aos interesses da elite capitalista.

Essas teorias, embora não revelassem uma proposta pedagógica, empenharam-se em

explicar a estrutura e a organização da escola como está instituída, determinada socialmente pela

classe dominante. As principais teorias crítico-reprodutivistas são: Teoria da Escola como

Aparelho Ideológico do Estado, desenvolvida por Althusser; a Teoria da Escola como Violência

Simbólica, elaborada por Bourdieu e Passeron e a Teoria da Escola Dualista elaborada por

Baudelot e Establet (SAVIANI, 2000).

Page 26: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

24

No conjunto, estas teorias mostram que a escola contribuiu significativamente para a

reprodução da sociedade dividida em classes e para a manutenção do modo de produção

capitalista. O professor, nesse contexto reprodutivo, é formado para ser instrumento da

reprodução e da conservação da sociedade. A autonomia docente, entendida como capacidade

crítico-analítica, praticamente inexiste ou é sufocada.

Se a escola, como foi explicitado no início deste capítulo, foi criada pela sociedade, para

atender seus interesses, poderia ter outra função, que não a de reproduzir essa sociedade? Se a

evolução da sociedade e do sistema escolar for estudada de forma linear, realmente a escola não

poderia participar de um processo de transformação social.

Acredita-se, porém, que a relação escola - sociedade não é linear nem estática e que o

processo de humanização, ao reconhecer que indivíduos dominados não são plenamente

constituídos pelo capital, supõe considerá-los como sujeitos históricos, cujas vidas, em vários

aspectos ultrapassam os ditames da ideologia capitalista. Nessa perspectiva, a escola passa a ser

um possível espaço de transformação social, para uma ação revolucionária, como propõem Freire

(2001), Gadotti (1998) e Saviani (2000).

No Brasil, a perspectiva da escola transformadora nasceu da organização de movimentos

de educadores5 e da discussão sobre a formação dos professores. Esse ideal tomou corpo em meio

a muitas greves dos educadores e amplos debates sobre educação e reformas curriculares.

A mobilização dos profissionais da educação, intensificada em fins da década de 70,

atingiu maior visibilidade pública nos anos 80, tanto no que se referiu às lutas salariais e por

melhores condições de trabalho, quanto no que se referiu à melhoria da educação e da formação

5 Entre os principais movimentos, associações científicas e sindicais, pode-se destacar a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd), a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e eventos de grande porte como as Conferências Brasileiras de Educação (CBE). Ver Shiroma et al. (2002).

Page 27: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

25

profissional. Nesse contexto, conquistaram seu espaço as chamadas teorias críticas6 da educação.

Enquanto as teorias crítico-reprodutivistas apontavam que a escola era determinada pela

sociedade e que correspondia aos interesses da classe dominante, esse novo grupo de teorias

busca meios para reverter esse quadro de dominação.

As teorias críticas concebem que a escola somente deixará de ser um meio estratégico de

legitimação da classe dominante, quando oportunizar o acesso à classe popular ao saber

sistematizado, científico e socialmente elaborado, decorrente de uma trajetória histórica.

Para as teorias críticas, os pontos de partida e de chegada da educação e do ensino

devem centrar-se na prática social. Professor e aluno são considerados agentes sociais e históricos

e, como tais, devem buscar soluções para os problemas detectados em sua realidade pela

problematização e pela apropriação do conhecimento e da cultura na escola.

Para Freire (2001, p. 32), a educação bancária e conservadora deve ser substituída por

uma educação problematizadora, capaz de inserir o homem criticamente no mundo social. A

educação deve fazer da “opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que

resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e

refará.”

A conscientização, talvez, possa ser considerada a palavra-chave dessa tendência que

supõe que a classe dominada somente deixará de ser oprimida se tomar consciência crítica de sua

própria condição de classe e de sua realidade. A partir de então, é possível uma ação

transformadora para a construção de uma sociedade mais justa.

Nas teorias críticas, a formação do professor privilegia dois aspectos básicos: o caráter

político da prática pedagógica e o compromisso com a educação das classes populares. Tal

6 Entre os principais representantes no Brasil estão: Dermeval Saviani, Paulo Freire, Moacir Gadotti, Carlos Roberto Jamil Cury, José Carlos Libâneo.

Page 28: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

26

mudança de enfoque na formação de professores expressou o movimento da sociedade brasileira

de superação do autoritarismo implantado a partir de 1964 e a busca de caminhos de

redemocratização. Correspondente a esse fato, novas orientações filosóficas e sociológicas na

pedagogia influenciam os cursos de formação docente, que passa a buscar algo além dos métodos

e das técnicas ao procurar discutir as relações escola-sociedade, ensino-pesquisa, professor-aluno,

teoria-prática, entre outras.

No plano internacional, em oposição ao modelo da racionalidade técnica, disseminou-se

o modelo da racionalidade prática, para o qual o professor é um prático reflexivo, cuja atividade

deve consistir em pesquisa e reflexão da própria prática pedagógica, a fim de compreendê-la e

reconstruí-la continuamente, à medida que busca soluções para as situações problemáticas de um

complexo cotidiano escolar. Conforme Pérez Gómez (1995, p. 102), o modelo da racionalidade

prática partiu

da análise das práticas dos professores quando enfrentam problemas complexos da vida escolar, para a compreensão do modo como utilizam o conhecimento científico, como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e modificam rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e inventam procedimentos e recursos.

O modelo da racionalidade prática tem como teórico precursor Schön7, que retomou o

tema da reflexão como inerente às atividades de qualquer profissional. O autor, que obteve as

raízes de sua teoria nos estudos de Dewey8, propõe que, pela reflexão, teoria e prática apareçam

7 A teoria de Schön foi difundida no Brasil no início da década de 90, após a participação de um grupo significativo de educadores brasileiros no I Congresso sobre Formação de Professores nos Países de Língua e Expressão Portuguesas, realizado em Aveiro, no ano de 1993, e pela divulgação da obra de Nóvoa (1995a). Reformas educacionais ocorridas em inúmeros países nessa época, inclusive no Brasil, tiveram como norteadora a teoria da racionalidade prática. (PIMENTA, 2002). 8 Para Dewey (1959, p. 13) a melhor maneira de pensar é o pensamento reflexivo, que significa “a espécie de pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria e consecutiva.”

Page 29: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

27

inter-relacionadas. Schön (1995, 1998) dividiu a prática reflexiva em três componentes básicos: o

conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação.

O conhecimento na ação pode ser entendido como aquela ação que realizamos quase

instantânea e espontaneamente diante de uma determinada situação, utilizando-nos de

conhecimentos já adquiridos. Caracteriza-se pelo saber fazer, ou seja, é um conhecimento que se

demonstra na execução da ação e não implica, necessariamente, uma verbalização. É tácito.

A reflexão na ação supõe pensar no que fazemos, ao mesmo tempo em que atuamos. A

reflexão ocorre concomitantemente à ação. Na análise de Pérez Gómez (1995, p. 104): “é um

processo de reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requeridos pela análise

racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e

com a grandeza da improvisação e criação.”

A reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação refere-se à análise que o professor faz

posteriormente a sua ação. O professor distancia-se de sua ação e avalia minuciosa e criticamente

as características e efeitos de sua própria prática, percebendo as ações que deve reformular ou

permanecer. O saber produzido a partir da reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação exige

o uso de uma explicação, de uma descrição.

Pérez Gómez (1995, p. 105) diz que, na reflexão sobre a ação, “o profissional prático,

liberto dos condicionamentos da situação prática, pode aplicar os instrumentos conceptuais e as

estratégias de análise no sentido da compreensão e da reconstrução da sua prática.” 9

Ao lado dessas reflexões, a década de 90 caracterizou-se por uma enorme desvalorização

do profissional do magistério, principalmente em função de salários muito baixos e pela

conseqüente luta dos profissionais da educação por melhores condições de trabalho.

9 A tradução é lusitana.

Page 30: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

28

Em resposta a essas lutas, princípios para a valorização do magistério foram pauta da

Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na Tailândia em 1990, convocada pela

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das

Nações Unidas para a Infância e Adolescência (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial. Foi consenso entre os presentes nessa Conferência

que um dos elementos decisivos no sentido de se implementar a educação para todos era o

professor. Um dos compromissos internacionais firmados, inclusive pelo Brasil, voltou-se para a

melhoria urgente das condições de trabalho e da situação social docente.

Entretanto, no mesmo momento, há a crescente disseminação do modelo neoliberal na

sociedade, acompanhado da globalização e da evolução tecnológica. Esse modelo tem como

máxima principal “menos Estado e mais mercado”. Conforme Azevedo (1997, p. 15), o

neoliberalismo apregoa que os “poderes públicos devem transferir ou dividir suas

responsabilidades administrativas com o setor privado, um meio de estimular a competição e o

aquecimento do mercado, mantendo-se o padrão de qualidade na oferta dos serviços.”

A função da escola, nesse contexto, direciona-se para o preparo dos indivíduos para as

exigências científico-tecnológicas do novo século, defendendo como necessário o

desenvolvimento de habilidades e competências adequadas dos indivíduos às constantes e

contínuas necessidades geradas pelo capital.

Na formação de professores, iniciou-se um processo sustentado na idéia de que a

formação inicial é importante, mas não é a única instância de formação, pois assim como a

sociedade está em constante evolução, o professor também deve estar. Emergiu desse contexto a

expressão “formação continuada”10, para designar as atividades de formação realizadas em

10 Autores como Candau (1997), Libâneo (2001), Marin (2000), Nascimento (1997), Rodrigues e Esteves (1993) escrevem com autoridade sobre esta expressão.

Page 31: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

29

congressos, eventos, cursos, após a formação inicial do professor. Utilizando-se das palavras de

Nascimento (1997, p. 70), a formação continuada compreende

toda e qualquer atividade de formação do professor que está atuando nos estabelecimentos de ensino, posterior à sua formação inicial, incluindo-se aí os diversos cursos de especialização e extensão oferecidos pelas instituições de ensino superior e todas as atividades de formação propostas pelos diferentes sistemas de ensino.

Paralelamente a tais inovações, vários estudiosos nacionais, como Geraldi (1998) e

Pimenta (2002) e internacionais, como Contreras (2002), Giroux (1997) e Zeichner (1993),

inspirados nas teorias críticas da educação, perceberam e apontaram limites da teoria de Schön

no contexto da educação, avançando a respeito, ao proporem novos enfoques sobre a função da

escola, o papel do professor e sua formação.

O pesquisador americano Zeichner, desde a década de 70, centrou suas pesquisas na

maneira como os professores aprendem a ensinar e em como auxiliá-los nesse processo. Para ele,

assim como para Schön, a reflexão do professor deve partir de sua própria experiência e não se

descarta o auxílio das teorias científicas. Mas há, ainda, um diferencial de concepção, pois

enquanto Schön considerava que a prática reflexiva poderia ser feita individualmente, Zeichner

(1993) postula que ela deve ser realizada em diálogo com outros professores, discutindo suas

aflições e analisando sua prática, pois, para ele, a individualidade limita muito as possibilidades

de crescimento do professor.

Ao delinear a sua concepção, Zeichner (1993) apresentou três características da prática

reflexiva.

A primeira delas é a de que a atenção do professor, além de estar voltada para sua

própria prática, deve perceber o contexto no qual ela se situa. Disso deriva que o professor deve

Page 32: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

30

estar atento às questões sociais que circundam seus alunos, sua sala de aula, sua escola, mantendo

um contato constante com a comunidade.

A segunda característica de prática reflexiva é a tendência democrática e emancipatória,

que reconhece o caráter político da ação docente, pois “a reflexão dos professores não pode

ignorar questões como a natureza da escolaridade e do trabalho docente ou as relações entre raça

e classe social, por um lado, e o acesso ao saber escolar e o sucesso escolar, por outro.”

(ZEICHNER, 1993, p. 26).

A terceira característica é o compromisso com a reflexão, como prática social. Sugere

que sejam organizadas, nas escolas, “comunidades de aprendizagem”, nas quais o professor tenha

a oportunidade de trocar idéias, socializar suas reflexões e problematizar suas experiências,

podendo um professor apoiar e sustentar o crescimento do outro, caracterizando, portanto, o

trabalho docente como trabalho coletivo.

Giroux espelha-se no conceito de intelectual orgânico de Gramsci para a sua concepção

de professores como intelectuais críticos e transformadores. Gramsci (1991) considera intelectual

qualquer indivíduo que possua uma qualificação técnica específica e que tenha a função de

organizar e dirigir sua classe social. Argumenta Giroux (1997, p. 161) que, ao se utilizar da

categoria de intelectual, pode-se repensar a natureza da atividade docente, à medida que

Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-se a atividade docente como forma trabalho intelectual em contraste com sua definição em termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas.

Page 33: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

31

Segundo Masson (2003, p. 44), na perspectiva de Giroux, “a reflexão amplia seu próprio

alcance, incluindo a compreensão dos efeitos que a estrutura institucional exerce sobre a maneira

pela qual os professores pensam sobre a própria prática, bem como o sentido social e político do

seu trabalho.”

Entende-se, assim, que para atingir o papel de intelectual crítico, o professor deve

analisar sistematicamente sua situação como profissional, os aspectos políticos, sociais, culturais

e econômicos que permeiam a escola e seus alunos, questionar seu próprio trabalho, suas

concepções de escola, currículo, ensino, metodologias e assumir a responsabilidade da produção

e utilização do conhecimento, firmando compromisso com a transformação do pensamento e da

prática dominantes.

O trabalho dos docentes como trabalho intelectual também significa, para Contreras

(2002, p. 157-158), um trabalho crítico. Trata-se de

desenvolver um conhecimento sobre o ensino que reconheça e questione sua natureza socialmente construída e o modo pelo qual se relaciona com a ordem social, bem como analisar as possibilidades transformadoras implícitas no contexto social das aulas e do ensino.

Se Giroux (1997) postula que o professor tem um papel decisivo na construção de uma

sociedade justa, democrática e na formação de cidadãos ativos e críticos guiados pelos princípios

da solidariedade e da esperança, isso implica que deva conhecer os valores e ideologias

subjacentes aos documentos oficiais e legais e às políticas que direcionam todo o trabalho

educativo, passando a lutar por sua participação neles.

Assim, essa responsabilidade dos professores para com os estudantes e a sociedade exige

que o professor não assuma uma postura neutra diante de sua função educativa e social, e sim

posicionada e politizada. Isso vem ao encontro da definição do professor como intelectual,

Page 34: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

32

transformador e crítico, tal como defende Contreras (2002), ligando-a à idéia de autoridade

emancipadora. Nesse sentido, o professor tem a obrigação de problematizar o contexto que

envolve as práticas sociais e acadêmicas, primando por princípios de liberdade, justiça social e

democracia. Há um compromisso com a contestação popular ativa, considerando todos os grupos

e setores da comunidade relacionados com os problemas educacionais.

Portanto, de mero transmissor de conhecimentos, neutro, preocupado apenas com o seu

aprimoramento técnico, o professor passa a agente político, sujeito ativo, autônomo,

comprometido com a transformação social das camadas populares. Como um profissional crítico-

reflexivo, que pensa sobre a sua ação, inserido no coletivo escolar, na sociedade que se tem e cuja

atividade se alia à pesquisa.

Assim, se é evidente que existe uma estreita relação entre a escola e a sociedade e que o

sistema escolar é um subsistema da sociedade e que é também um espaço de luta social - em que,

em um extremo está a escola com um papel conservador e, no outro extremo, está a escola com

um papel transformador, em que a educação é prática social libertadora - cabe questionar: e o

professor, para quem trabalha? Em que extremo se encontra? E, ainda, ele reconhece esses

extremos?

Percebe-se que a formação, a construção e a percepção da atuação profissional do

professor ora é essencialmente reprodutora e ora é extremamente crítica. De uma parte a

formação exige do professor técnica e competência, de outra parte exige consciência e

criticidade. Acredita-se, assim, que é no espaço dessas contradições que o sujeito vai-se

constituindo professor. Suas escolhas, seu contexto de vida, como chega ou não a uma condição

de autonomia para pensar, decidir e agir estão diretamente relacionados a um processo de

desenvolvimento que ocorre durante toda a trajetória de vida do professor. É um processo em que

Page 35: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

33

cada pessoa, cada profissional, ao longo de sua história, forma-se e transforma-se em interação

social.

Por isso, a constituição profissional e a autonomia vão além dos cursos que têm a

intencionalidade de formar o professor. Abrange também as iniciativas das comunidades em que

se inserem os professores, a vida familiar, a subjetividade do professor, as condições sociais,

culturais e econômicas que se relacionam com o trabalho docente. Compreende, por isso, tanto a

formação inicial como as inúmeras oportunidades e não-oportunidades de aperfeiçoamento

profissional, seja pela dimensão de qualificação por meio de cursos, pela dimensão do exercício

profissional na escola ou pela dimensão da própria vida dos professores.

Desse modo, é importante neste trabalho tomar as noções de constituição e autonomia

como elementos essenciais da formação de professores, buscando perceber o professor como um

todo, considerando-o em seus múltiplos aspectos, tais como os cognitivos, os afetivos, os

socioeconômicos e considerando, ao mesmo tempo, tanto a validade dos espaços formais, quanto

dos informais no seu processo constitutivo.

Page 36: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

CAPÍTULO II

CONSTITUIÇÃO E AUTONOMIA PROFISSIONAL DOCENTE

“Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte.”

Paulo Freire

No capítulo anterior foram apresentadas algumas concepções de formação de

professores, que tomam direções distintas conforme as funções que a escola desempenha durante

a história da educação brasileira, considerando-se as relações entre educação e sociedade. Pôde-

se perceber que cada modelo ou concepção de formação entende de modo peculiar as funções que

devem ser desempenhadas pelo professor na escola e na sociedade, assim como as finalidades e

as exigências da prática educativa, influenciando o processo de constituição e autonomia

profissional dos professores.

Assim, quando se trata do processo de constituição dos professores, é impossível não

pensar na situação destes como profissionais. Todavia, as referências aqui feitas ao profissional

não pretendem adentrar na ampla discussão sobre profissionalização, profissionalidade, suas

características e conceitos afins11, pois, conceber o professor como um profissional,

semiprofissional ou proletário é uma polêmica antiga e está longe de alcançar um consenso entre

11 De acordo com Imbernón (2002), a profissionalidade engloba as características e capacidades específicas da profissão e profissionalização é o processo socializador de aquisição de tais características.

Page 37: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

35

os estudiosos da questão, tendo em vista que qualquer conceito não é ingênuo e depende do

contexto e da ideologia em que ele é produzido.

É importante, contudo, pontuar que autores como Contreras (2002) e Imbernón (2002)

escrevem a respeito, fazendo referência aos professores como semiprofissionais, “já que lhes falta

autonomia com relação ao Estado que fixa sua prática, carentes de um conhecimento próprio

especializado e sem uma organização exclusiva que regule o acesso e o código profissional.”

(CONTRERAS, 2002, p. 57).

De maneira diferente, Costa (1995), após analisar a questão do profissionalismo,

posiciona-se, considerando o professor como um profissional. A autora concorda que os

professores realmente estão vinculados ao Estado, que possuem independência e autonomia

limitadas, mas considera que elas existem e os docentes têm campo de atuação definido

socialmente, embora em processo de transformação. Ela justifica sua posição, utilizando-se do

conceito de profissão de Nóvoa (apud COSTA, 1995, p. 152), como um

Conjunto de interesses relativos ao exercício de uma atividade institucionalizada, da qual o indivíduo retira seus meios de subsistência, atividade que exige a posse de um corpo de savoir-faire e a adesão de condutas e comportamentos, notadamente de ordem ética, definidos coletivamente e reconhecidos socialmente.

Em um de seus artigos, García (1998, p. 63) retoma o tema em pesquisas realizadas

sobre o profissional professor. Para esse autor, uma das novidades mais significativas nos últimos

anos foi o início de pesquisas preocupadas em analisar, numa perspectiva mais global e sistêmica,

“os processos de mudança e inovação a partir de dimensões organizacionais, curriculares,

didáticas e profissionais.” É nesse contexto que emergiram estudos sobre a constituição

profissional docente.

Page 38: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

36

Como tema de investigação, a constituição profissional docente engloba temáticas, tais

como: o pensamento do professor, o processo de aprendizagem dos professores como pessoas

adultas, teorias sobre o ciclo vital dos professores, processos de desenvolvimento profissional do

professor e outros.

Segundo Sadalla (2000), o criador da linha de investigações sobre o pensamento do

professor é o americano Lee Shulman, quando coordenou um painel apresentado no Congresso

do National Institute of Education, em 1975. O painel coordenado por Shulman intitulava-se “O

ensino como processamento de clínico de informação” e destinava-se a descrever a vida mental

do professor.

A partir de então, inúmeras pesquisas referentes ao pensamento do professor enfocam

teorias e crenças que fundamentam e norteiam o pensamento do professor e suas implicações

para a ação docente. (SADALLA, 2000).

Sobre o processo de aprendizagem adulta, Cavalcanti (2004) e García (1999) destacam a

teoria da “andragogia”, proposta pelo americano Malcom Kowles, a partir de 1970, que postula

uma arte e ciência de ajudar o adulto a aprender. Conforme esses autores, a andragogia de

Knowles baseia-se em cinco princípios, que podem ser aplicados ao processo de constituição

profissional docente.

O primeiro princípio explicita que o adulto, incluindo o professor, em seu processo

maturacional e de formação, evolui de um estado de dependência para um de independência e

autonomia. O segundo é de que o adulto acumula um amplo rol de experiências que servem de

substrato para sua aprendizagem. Como supõe a racionalidade prática, esse princípio assegura

que o professor gera conhecimento, a partir da reflexão sobre sua experiência.

O terceiro afirma que os interesses do adulto pelo aprendizado dependem de sua real

utilização em seu papel social, em sua profissão. A aprendizagem dos professores deve

Page 39: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

37

considerar necessidades percebidas por eles mesmos. Esse princípio relaciona-se com o quarto,

que argumenta que os adultos professores esperam uma imediata aplicação do que aprendem,

minimizando sua atenção para conhecimentos a serem úteis futuramente. Assim, o professor

tende a voltar-se mais para a aprendizagem, a partir de problemas do que de conteúdos.

O último princípio é de que o adulto professor aprende mais por motivações e impulsos

internos do que por recompensas ou motivações externas.

Sobre o ciclo vital, as contribuições de Huberman (1995) são muito significativas. Esse

autor estudou o desenvolvimento da carreira docente, admitindo seis fases ou etapas, pelas quais,

independentemente da idade, passariam os professores. A primeira delas é a entrada na carreira

docente que vai, em geral, do primeiro ao terceiro ano de ensino. Nessa fase o professor toma os

contatos iniciais com a prática pedagógica e com o sistema educativo.

A segunda fase é a da estabilização, que compreende do quarto até o sexto ano de

docência, em que o professor está mais seguro tanto em suas decisões e seus objetivos, quanto em

seu local de trabalho. É o período, geralmente, da nomeação oficial e no qual adquire certa

estabilidade financeira. São freqüentes os sentimentos de crescente competência pedagógica que

cria a sensação de descontração, confiança e conforto.

A próxima etapa é a de diversificação, que ocorre entre sete e vinte e cinco anos de

carreira. Nesse período o professor se propõe a diversificar e até a “arriscar”, com certa

freqüência, novos usos de materiais didáticos, modos de avaliação, organização do trabalho na

sala de aula. Observa-se uma tentativa do professor de criar e enfrentar desafios para não cair na

rotina. O professor procura participar de associações da categoria, comissões de reformas

educacionais e até ocupar cargos administrativos. Nessa etapa também (correspondente à metade

da carreira), o docente passa a se questionar sobre a própria profissão. Para Huberman (1995, p.

43) ,

Page 40: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

38

as pessoas examinam o que terão feito da sua vida, face aos objectivos e ideais dos primeiros tempos, e em que encaram tanto a perspectiva de continuar o mesmo percurso como a de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na insegurança de outro percurso12.

Em seguida, vem a fase de serenidade e distanciamento afetivo, compreendida, em

geral, próximo a vinte e cinco e trinta anos de carreira. Trata-se “menos de uma fase distinta da

progressão na carreira do que de um estado ‘de alma’ [...]” (HUBERMAN, 1995, p. 43). Os

professores passam por um certo saudosismo da energia e do entusiasmo da juventude na

profissão. Em contrapartida, evocam uma grande serenidade em relação às suas atividades.

Demonstram maior tranqüilidade para resolver possíveis conflitos e menos preocupação em

melhorar sua prática. Ocorre um afastamento dos alunos. A relação professor/aluno passa a ser

mais distante, atribuindo-se isto à diferença de idade entre um e outro.

Na seqüência, é possível identificar que os docentes podem ficar menos acessíveis e

indispostos a mudanças. Essa fase é denominada por Huberman (1995) de conservantismo, que

corresponde a uma tendência que se verifica com a idade, no sentido de nostalgia do passado, de

maior rigidez e dogmatismo, para uma resistência mais firme às inovações.

E, finalmente, chega-se à fase de desinvestimento, ou seja, o final da carreira, a

aposentadoria. Em geral, dos 35 aos 40 anos de carreira é freqüente uma libertação progressiva

do investimento em tudo que diz respeito ao trabalho, uma maior consagração de tempo a

interesses exteriores à escola e a uma vida social de maior reflexão.

Huberman (1995) alerta que o desenvolvimento de uma carreira ou de uma vida é um

processo e não uma série de acontecimentos lineares e uniformes. Portanto, apesar de sua

pesquisa revelar uma seqüência normativa ou tendências centrais nos ciclos de vida docente, as

etapas apresentadas não são pré-determinadas. Ao contrário, são processos que diferem de

12 A tradução é lusitana.

Page 41: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

39

professor para professor, devido a fatores maturacionais, sociais e históricos, que influenciam o

transcurso de uma carreira. O autor delineia a seguinte figura como resumo esquemático de sua

pesquisa:

Anos de carreira Fases/Etapas

1-3

4-6

Entrada, Tateamento

Estabilização. Consolidação de um repertório pedagógico

7-25 Diversificação. Ativismo Questionamento

25-35

35-40

Serenidade. Distanciamento afetivo Conservantismo

Desinvestimento

(sereno ou amargo)

Figura 1: Quadro síntese do ciclo de vida profissional docente de Huberman. Extraído de Huberman (1995, p. 47).

Pode-se observar, na figura, que a carreira docente teria um ciclo comum até a fase de

estabilização. A partir de então, pode seguir rumos diversos, o que determinará se a carreira terá

um final harmonioso, sereno (trajetória do lado esquerdo da figura) ou amargurado (trajetória do

lado direito da figura).

A concepção que se refere à formação de professores que recentemente vem sendo

utilizada pela literatura internacional por autores como Bolívar (2002), García (1995, 1999),

Imbernón (2002), Nóvoa (1995ab), Ponte (1998), Sá-Chaves (1997), e pela literatura nacional

como Chakur (2001), Leite (2000), Mizukami (2002), Mizukami e Monteiro (2002), Pimenta

(2002) e Silva (2000), fundamenta-se no conceito de desenvolvimento profissional.

Page 42: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

40

Autores como Bolívar (2002), García (1995), Nóvoa (1995ab) e Ponte (1998) assinalam

que o desenvolvimento profissional pressupõe que a formação docente inicia na sua formação

como pessoa, como indivíduo, que permanece como um processo que se dá no decorrer de toda a

sua carreira.

A idéia de desenvolvimento profissional abrange um sentido mais amplo de formação

pois, incluindo cursos e congressos, também admite a participação do professor em atividades

como projetos, grupos de estudos, trocas de experiências, leituras, participações na sociedade,

inserções culturais e sociais do professor e suas reflexões, que podem estar restritas ou não ao

âmbito da escola ou do ensino superior.

Segundo Silva (2000, p. 11):

Considerando que o “desenvolvimento profissional” se estrutura não só no domínio de conhecimentos sobre o ensino, mas também em atitudes do professor, relações interpessoais, competências ligadas ao processo pedagógico entre outras, os professores terão de mobilizar nas suas práticas não só conhecimentos específicos das disciplinas que lecionam, mas um conjunto de outras competências que concorrem para o sucesso dessas práticas e, conseqüentemente para o seu desenvolvimento e realização profissional e pessoal.

A partir desta concepção, buscando retratar o desenvolvimento profissional docente, o

americano Howey (1985)13 identifica seis dimensões: desenvolvimento pedagógico,

conhecimento e compreensão de si mesmo, desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento

teórico, desenvolvimento profissional e desenvolvimento da carreira.

O desenvolvimento pedagógico enfoca o “ensino em áreas específicas do currículo, em

táticas instrucionais genéricas como aquelas relacionadas ao gerenciamento da sala de aula [...]”

(HOWEY, 1985, p. 59). Refere-se a saber ensinar, ou seja, transpor seus conhecimentos

13 A tradução é livre.

Page 43: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

41

científicos para a prática, de forma que seus alunos aprendam. Implica que o professor domine

processos didáticos e tecnologias educativas, relacionando-os com objetivos e propostas

curriculares. Nessa dimensão, o professor precisa conhecer bem o seu ambiente de trabalho, que

é a escola, e toda a comunidade na qual está inserida.

Tavares (1997), que prefere denominar essa dimensão de “competência pedagógica”,

afirma que é uma dimensão fundamental para todo profissional da educação, pelo papel

potenciador que tem em relação às demais, que terá de desenvolver no seu desempenho.

Quanto ao conhecimento e compreensão de si mesmo, é imprescindível ao professor

conhecer o desenvolvimento humano, especialmente que tenha uma imagem equilibrada de si

próprio e um sentimento de auto-realização. Essa dimensão está diretamente relacionada ao

autoconhecimento do professor como pessoa e como profissional e seu relacionamento com os

outros (alunos, pais, colegas de trabalho etc.). Inclui valores e atitudes do professor, sua

disposição em saber compartilhar experiências, comunicar-se sempre, buscando promover seu

desenvolvimento pessoal e profissional.

O desenvolvimento cognitivo refere-se à aquisição de conhecimentos e à capacidade

docente de aperfeiçoar estratégias de processamento de informação. Pode-se incluir, nesta

dimensão de Howey (1985), o que Tavares (1997) denomina de “competência científica” e que

Ponte (1998) designa de “formação científico-cultural”, que implica conhecer e dominar

teoricamente a área de conhecimento que leciona, relacionando-a com outras áreas. O professor

deve ter também uma visão global de sua cultura, estando a par dos acontecimentos e inovações

da sociedade e da educação do contexto no qual se situa.

A outra dimensão do desenvolvimento profissional do professor, proposta por Howey

(1985, p. 61), é o desenvolvimento teórico, que consiste em os professores esclarecerem e

sistematizarem suas percepções e atitudes, por meio da reflexão sobre as crenças que norteiam

Page 44: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

42

sua prática em sala de aula. “A postura não-reflexiva, não-exploratória dos professores pode

contribuir para uma prática questionável e certamente contribui para a imagem prosaica

dominante dos professores.”

Na seqüência, Howey (1985) assinala a dimensão do desenvolvimento profissional do

professor, situando o aperfeiçoamento de base do conhecimento de sua profissão, mediante

investigação. Para Ponte (1998), ao realizar uma investigação gerada numa dificuldade concreta,

no âmbito da prática profissional, o professor pode melhorar suas condições de trabalho e

conseguir resultados mais relevantes.

A última dimensão apontada por Howey (1985) é o desenvolvimento da carreira. Para

ele, as carreiras de inúmeros docentes podem ganhar maior destaque de duas formas

fundamentais. Em primeiro lugar, pela adoção de papéis diferenciados, realísticos e

complementares pelos professores, especialmente, os do Ensino Fundamental. Em segundo, por

meio do desenvolvimento de habilidades e papéis de liderança, com uma hierarquia viável para

os professores, de forma que lhes permita manter responsabilidades com a educação.

Diante do exposto, percebe-se que Howey organiza uma tentativa de abordar o

desenvolvimento profissional do professor de uma forma abrangente, estabelecendo suas

dimensões. Contudo, esse autor desconsidera, em sua teoria, a dimensão política do

desenvolvimento profissional docente. Em nenhuma das dimensões elencadas menciona a

participação ativa do professor na sociedade, seja atuando em agremiações da categoria ou

refletindo sobre as finalidades educativas na relação educação – sociedade.

Entretanto, analisando a produção de Freire (1999, 2003), Freire e Horton (2003),

Giroux (1997) e Imbernón (2002), constata-se que a dimensão política possui extrema relevância

para o desenvolvimento profissional docente, pois é imprescindível que o professor compreenda

a estrutura e o funcionamento da sociedade e do sistema educativo do qual faz parte, quem são e

Page 45: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

43

o que objetivam seus dirigentes e mantenedores. É preciso que o professor “seja capaz de,

estando no mundo, saber-se nele.” (FREIRE, 2003, p. 16).

Pela dimensão política, o professor compromete-se com a sociedade, com a sua

profissão e com a instituição em que trabalha. Comprometer-se, aqui, é no sentido que Freire

(2003, p. 18-19) denota:

Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história. Este compromisso com a humanização do homem, que implica uma responsabilidade histórica, não pode realizar-se através do palavrório, nem de nenhuma outra forma de fuga do mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos. [...] Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experienciá-lo, num ato que necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros.

Comprometer-se com a educação e politizar a atividade docente, significa, então, não

ser neutro, nem passivo, diante da sociedade e das ações políticas que a permeiam, fazendo

opções, definindo um posicionamento. Implica uma postura crítica, na qual o professor lute por

direitos, melhorias salariais, sociais e trabalhistas. Exige que o professor conheça a legislação

vigente e que seja capaz de fazer análises de cunho socioeconômico, de denunciar injustiças,

bem como reconheça sua função social, como profissional da educação, que não age de forma

ingênua, mas com segurança e consciência.

A dimensão política na constituição profissional do professor estabelece exigências, de

certa forma rigorosas, sobre a capacidade de tomada de decisão e de responsabilidades dos

professores. Portanto, implicitamente, encontra-se aí uma versão de autonomia profissional

docente.

Autonomia docente é um noção entendida neste trabalho, de acordo com os estudos de

Contreras (2002) e Giroux (1997), como uma emancipação pessoal, independência intelectual e

Page 46: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

44

profissional da autoridade, do controle repressivo e ideológico, instituídos pelos órgãos

dominantes no poder, no exercício de sua profissão e de sua cidadania. Supõe, nesse sentido, que

o professor invista em seu próprio desenvolvimento profissional. Deve fazer valer nessa

autonomia a organização, planejamento e participação de atividades que contribuam para o seu

desenvolvimento profissional. Tal como entender que, conforme Ponte (1998, p. 10):

Investir na profissão, agir de modo responsável, definir metas para o seu progresso, fazer balanços sobre o percurso realizado, reflectir com regularidade sobre a sua prática, não fugir às questões incómodas mas enfrentá-las de frente, são atitudes que importa valorizar14.

Segundo García (1999), é na aprendizagem autônoma que a aprendizagem do adulto

torna-se mais significativa. A aprendizagem autônoma consiste em o próprio docente se

responsabilizar por planejar, desenvolver e avaliar suas experiências de aprendizagem. Inclui

todas as atividades profissionais e de formação, nas quais o professor, individual ou

coletivamente, toma a iniciativa de promovê-las.

Mas importa perguntar: Onde, quando e como o professor adquire esse sentido de

responsabilidade e autonomia? Qual é o lugar da autonomia no seu processo de constituição

profissional?

Embora as abordagens e estudos apresentados até aqui considerem aspectos relevantes

para o processo de constituição e autonomia profissional docente, acredita-se que os estudos que

podem responder de forma mais completa às questões do processo de constituição profissional

docente e sua autonomia (questões centrais deste trabalho) estão inseridos numa abordagem

histórico-cultural.

14 A tradução é lusitana.

Page 47: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

45

A abordagem histórico-cultural foi desenvolvida por um grupo de psicólogos soviéticos

liderado por Lev Semenovich Vigotski15. Tal é a amplitude e complexidade dos estudos de

Vigotski, que se pretende fazer referência apenas aos aspectos que se consideram centrais em sua

teoria e que correspondem ao interesse desse trabalho16.

Conforme Molon (2003) há um consenso entre os diversos autores que se dedicam a

analisar os estudos de Vigotski de que o princípio básico de sua teoria é que as formas superiores

de comportamento consciente do homem originam-se de sua vida em sociedade, nas relações

sociais que mantém com outros seres humanos.

Por essa razão, a abordagem histórico-cultural postula o homem como “um agregado de

relações sociais encarnadas num indivíduo.” (VIGOTSKI, 2000a, p. 33). Isto significa que o

homem se constitui como ser humano não pelas suas características elementares (naturais ou

biológicas) que herda de seus antepassados, mas nas relações que estabelece com a história social

dos homens. Pino (2000, p. 61) esclarece que o social ao qual se refere Vigotski, especificamente,

é o social humano, cuja emergência, com maior razão que a das formas animais de sociabilidade, tem de ser explicada por princípios outros, e não os meramente naturais ou biológicos. As formas humanas de organização social, em que a sociabilidade natural se concretiza, são obra do homem e, como tal, obedecem a leis históricas que determinam as condições concretas de sua produção. É o caráter histórico dessa produção que define o social humano. (grifo do autor).

Da mesma forma, o professor constitui-se professor, não por vocação ou por herança,

mas nas relações que estabelece na dinâmica do seu meio social, em toda a sua história pessoal,

15 Vigotski baseia-se, especialmente, nas obras de Marx, Engels e Hegel (MOLON, 2003; PINO, 2003; ZANELLA, 2004) 16 Molon (2003) revela que a obra de Vigotski não trata de maneira explícita sobre a constituição do sujeito e menciona alguns fatos que dificultam uma interpretação mais fidedigna e completa e um acesso mais direto aos escritos de Vigotski. Entre outros, cita o fato de a obra do autor ser inacabada, devido à sua morte prematura e o problema das traduções de seus escritos, originalmente versados em russo.

Page 48: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

46

como, por exemplo, a sua vivência social geral e no seio familiar, no ambiente escolar ou no

exercício profissional.

Pino (2003) observa que para Vigotski o termo “história” tem dois significados

distintos, mas que são interdependentes: um significado geral e outro restrito. O primeiro, em

termos gerais, tem um sentido filogenético. Refere-se à história da espécie humana, do homem

como parte da natureza, de que herda suas características elementares. O segundo tem um

sentido ontogenético, pois se refere à história do próprio ser humano, como indivíduo singular,

cultural.

Sendo assim, pode-se afirmar que o desenvolvimento do homem é um desenvolvimento

histórico que é constituído por uma relação dialética entre a natureza e a cultura. A cultura como

a “totalidade das produções humanas portadoras de significação” (PINO, 2003, p. 45, grifo do

autor), torna-se parte da natureza humana num processo histórico, ao longo do desenvolvimento

da espécie e do indivíduo.

A relação entre o homem e a natureza, entre o homem e o outro, é sempre mediada por

produtos culturais humanos como os instrumentos e os signos, que conferem à atividade humana

seu caráter produtivo. Considera-se instrumento tudo o que se interpõe entre o homem e o

ambiente, ampliando e modificando seu modo de ação natural. Já o signo, é um instrumento

psicológico, é um meio criado pelo homem para representar, evocar a realidade material ou

imaterial. Para Vigotski (2000b, 1998) o sistema de signos mais importante para o homem é a

linguagem, que possibilita a comunicação social, o estabelecimento de significados

compartilhados por determinado grupo cultural, a percepção e interpretação dos objetos, fatos e

situações de sua realidade, a estruturação e organização do pensamento.

Page 49: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

47

A apropriação17 dos instrumentos e dos signos, enfim, da própria cultura pelo sujeito,

ocorre sempre na interação com outro sujeito. É na relação com o outro, mediada pelos signos,

que o homem apropria-se das significações18 socialmente construídas. Assim, também, o

professor, em seu processo de constituição apropria-se da cultura da sociedade na qual vive e dos

conteúdos e significados inerentes a sua profissão por meio de outras pessoas e pares com os

quais se relaciona. Apropria-se, entre outros, de valores, de normas, das formas culturais de

pensar e agir, de se relacionar com os outros e com ele mesmo.

Sobre as significações, Pino (2000, p. 55) afirma que “é a significação que tem o poder

de converter o fato natural em fato cultural e, dessa maneira, permite a passagem do plano social

para o pessoal”, decorrente de um processo de internalização. No processo de internalização, o

indivíduo reconstrói internamente (processo intrapessoal) as atividades culturais com as quais

interagiu externamente (processo interpessoal). A internalização das relações sociais corresponde

ao processo que constitui as funções psicológicas superiores. Esse é o movimento que, para

Vigotski, caracteriza a constituição do sujeito.

Entende-se, assim como Cunha (2000, p. 139), que a internalização não é uma simples

transposição do externo para o interno, acredita-se que a

17 Smolka (2000, p. 37) discute os vários significados que pode assumir o termo “apropriação”, dependendo das posições e dos modos de participação dos sujeitos nas relações. Conclui, portanto, que a apropriação é uma categoria essencialmente relacional: “a apropriação não é tanto uma questão de posse, de propriedade, ou mesmo de domínio, individualmente alcançados, mas é essencialmente uma questão de pertencer e participar nas práticas sociais.” 18 De acordo com Zanella (2004, p. 131, nota de rodapé), “a significação refere-se a ‘o que as coisas querem dizer’, aquilo que alguma coisa significa. Como as coisas não significam por si só, e nem tão pouco significam a mesma coisa para indivíduos diferentes, depreende-se que a significação é fenômeno das interações, sendo, pois social e historicamente produzida.”

Page 50: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

48

dinâmica que se estabelece entre o que está fora e o que está dentro do homem é mediada pela produção e interferência da subjetividade. A constituição do sujeito é um processo histórico complexo que envolve, ao mesmo tempo, uma dimensão externa e contextual, uma dimensão interna referente a indivíduos e grupos e também uma dimensão singular, configurada a partir das duas anteriores. Podemos denominar de subjetiva essa dimensão singular que constitui grupos ou sujeitos.

Portanto, a teoria histórico-cultural não percebe o homem como passivo, somente como

uma cópia ou conseqüência de suas relações sociais. Entende o homem como um ser interativo,

que produz cultura e se transforma com as relações sociais. Esse entrelaçamento do social com o

pessoal pressupõe um processo de subjetivação19 do sujeito, pois, ao apropriar-se da história

humana, imprime a ela sua própria marca. (ZANELLA, 2004).

Dessa maneira, entende-se que a constituição do sujeito se dá pela unidade do natural

com o cultural, tanto pelas relações sociais que estabelece com outros sujeitos quanto pelo

sentido subjetivo que nelas incute. Assim como Cunha (2000, p. 39), considera-se que o processo

de constituição profissional do professor implica um processo de internalização, isto é, “aquilo

que o professor vai-se tornando não é resultado apenas de influências externas ou de uma aptidão

interna”. Trata-se de um processo histórico-cultural. O processo de internalização está

diretamente relacionado às possibilidades de desenvolvimento de ações autônomas, envolvendo

os conceitos de nível de desenvolvimento real, nível de desenvolvimento potencial e zona de

desenvolvimento proximal de Vigotski.

Para Vigotski (2000b), o nível de desenvolvimento real é o nível de desenvolvimento

das funções mentais que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já

completados. Isto é, o nível de desenvolvimento real alude às conquistas e formas culturais já

internalizadas pelo sujeito. Estas foram dominadas e consolidadas, de tal forma que o sujeito já

19 Molon (2003) expõe, baseada em sua pesquisa sobre as reflexões de Vigotski, que a subjetividade “significa uma permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do outro e do eu.”

Page 51: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

49

consegue desenvolvê-las sozinho, sem o auxílio de outras pessoas, ou seja, de forma autônoma.

O nível de desenvolvimento potencial diz respeito ao que o sujeito pode ser capaz de fazer, se

contar com a ajuda de uma outra pessoa.

A zona de desenvolvimento proximal é caracterizada por Vigotski (1998) como a

distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da ação

autônoma e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela ação colaborativa. Esse

conceito é de extrema importância, pois permite a compreensão da dinâmica interna da

constituição do sujeito. Sob essa perspectiva, acredita-se que a autonomia é uma busca, uma

construção e um exercício permanente deste processo de constituição.

Sendo assim, todas as questões e considerações convergem à afirmação de que o sujeito

– professor é constituído nas (e na história das) práticas sociais20 das quais participa e que possui

estruturas e mecanismos21 que lhe são íntimos, subjetivos, que lhe permite, em algum grau,

conquistar independência em relação às pressões sociais. Percebe-se, então, que a autonomia é

um fim a ser alcançado pelo processo de constituição do sujeito.

O processo de constituição profissional do professor, quando refletido a partir do

processo de constituição do sujeito tal como definido pela abordagem histórico-cultural, permite

constatar que a constituição do professor e a conquista de sua autonomia, estão diretamente

relacionadas com as experiências desse profissional, quaisquer que sejam elas, em sua trajetória

pessoal, formativa ou profissional.

Dias-da-Silva (1998, p. 36) salienta que o professor é “sujeito de um fazer docente que

precisa ser respeitado em sua experiência e inteligência, em suas angústias e seus

20 Pino (2003, p. 53) identifica as práticas sociais como “formas socialmente instituídas, de pensar, de falar e de agir das pessoas em função das posições que ocupam na trama de relações sociais de uma determinada formação social.” 21 Nesses termos, cabe ressaltar que as funções psicológicas superiores, principal objeto de estudo de Vigotski, referem-se a processos voluntários, ações conscientemente controladas, mecanismos intencionais.

Page 52: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

50

questionamentos, e compreendido em seus estereótipos e preconceitos.” Portanto, o professor

deve ser considerado simultaneamente como pessoa e como profissional.

Se a constituição do professor é um processo contínuo que envolve a sua vida como um

todo, estudá-la tendo em vista sua autonomia, requer um olhar sobre as condições pessoais,

sociais, históricas, formativas e econômicas em que ele se insere, coerentemente com os

pressupostos histórico-culturais.

Page 53: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

CAPÍTULO III

PERCURSO METODOLÓGICO

“O homem necessita estabelecer um quadro interpretativo do que experimenta como mudança de si mesmo e de seu mundo, ao longo do tempo, a fim de poder agir nesse decurso temporal, ou seja, assenhorar-se dele de forma tal que possa realizar as intenções de seu agir.”

Jörn Rüsen

3.1 Objetivos da pesquisa

Este estudo centra-se no processo de constituição profissional de professores e em sua

autonomia profissional. Foram definidos como objetivos da pesquisa:

a) Identificar, descrever e analisar o processo de constituição profissional docente;

b) Identificar e analisar a autonomia no processo de constituição profissional docente.

Diante desses objetivos, optou-se pela história oral de vida de professores como

principal recurso metodológico.

Page 54: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

52

3.2 Fundamentando a opção metodológica: a história oral - perspectivas teóricas

A história oral, embora seja a primeira fonte histórica de que se tem notícia (LE GOFF,

1996), passou, durante muitos séculos, desprezada pela historiografia clássica, que questionava

sua fidedignidade. Conforme Ferreira (1994), mesmo com a criação da Escola dos Annales22, que

provocou profundas transformações no campo da história, propondo uma “nova” concepção

histórica, o uso dos relatos orais, das histórias de vida e das biografias continuava sendo

desqualificado.

Essa resistência, todavia, não foi suficiente para extinguir o interesse pelos relatos orais.

O aparecimento do gravador permitia, agora, registrá-los. De acordo com Ferreira (1994), a

coleta de depoimentos pessoais, mediante um gravador, iniciou-se com o jornalista norte-

americano Allan Nevins, na década de 40. A partir de então, aos poucos, a história oral foi

conquistando seu espaço na historiografia, tendo seu auge a partir da década de 70, com crescente

valorização da abordagem qualitativa nas pesquisas de cunho científico.

A pesquisa qualitativa é predominante nas Ciências Humanas e passou a ser utilizada

com maior vigor a partir da década de 70, quando novas orientações filosóficas e estudos

metodológicos perceberam que a pesquisa quantitativa, fundamentada na concepção positivista,

não seria o único meio de legitimação do conhecimento.

22 Em 1929, foi criada na França a Revista Annales. Idealizada pelos franceses Febre e Bloch, pretendia exercer uma liderança intelectual nos campos da história econômica e social. Pouco a pouco os Annales converteram-se no centro de uma escola histórica: a Escola dos Annales. A École des Annales era constituída por um grupo de historiadores que pretendiam implantar um novo tipo de história, postulando uma pesquisa interdisciplinar, uma história voltada para os problemas sociais, para a história de uma coletividade e não de indivíduos específicos e para uma uma história total , não restrita a uma ou outra esfera da vida humana.

Page 55: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

53

Essa concepção de pesquisa caracteriza-se por valorizar a subjetividade e o contexto

real, simbólico e histórico dos sujeitos envolvidos numa perspectiva integrada. No campo da

história, essas transformações permitiram que a história oral ocupasse um novo lugar nos debates

historiográficos. (FERREIRA, 1994).

No Brasil, a utilização da história oral iniciou-se na década de 7023, com a criação do

programa de história oral do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do

Brasil (CPDOC)24, da Fundação Getúlio Vargas, em 1975, no Rio de Janeiro. Esse foi um dos

responsáveis pela criação da Associação Brasileira de História Oral (ABHO), oficializada em

1993.

Segundo Ferreira (1996), a história oral também sofreu resistências e indiferenças pela

academia brasileira. O número de trabalhos publicados foi reduzido. Somente na década de 90

esse quadro começou a se modificar, acentuando um crescimento significativo de publicações e

reflexões a respeito da história oral.

Exemplos dessa valorização estão nos inúmeros trabalhos que se servem da história oral

para realizar suas pesquisas. Vários são publicados e apresentados em eventos científicos

específicos da área, como o Encontro Nacional de História Oral, os encontros do Grupo de

Estudos e Pesquisas em História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR), Associação

Nacional de História (ANPUH), entre outros.

Para Fonseca (1997), é possível identificar três tendências no campo da história oral, nas

pesquisas atuais: a história oral temática, a tradição oral e a história oral de vida.

23 De acordo com Ferreira (1996), a oralidade já era usada como fonte de pesquisa pelos cientistas sociais brasileiros, mas não havia a preocupação de produzir documentos gerados a partir da relação entre o depoente e o pesquisador, acompanhada de um gravador. 24 Segundo Meihy (1996) e Ferreira (1996), este é um dos mais importantes e prestigiados experimentos de história oral da América Latina.

Page 56: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

54

A primeira tendência, a história oral temática, como aponta Ferreira (1994), envolve a

coleta de entrevistas e depoimentos orais para esclarecerem determinados temas, períodos do

tempo histórico ou para preencher lacunas deixadas pelas fontes escritas.

Como explica Fonseca (1997), a narrativa, nesse caso, não diz respeito, necessariamente,

à totalidade da vida da pessoa, mas aos aspectos da vivência, os quais constituem informações

para a reconstituição de fatos, eventos ou problemáticas do passado.

Souza (1996) utilizou-se da história oral temática para estudar as representações do

professor sobre seu próprio trabalho e a politização do espaço escolar. Optou pelos depoimentos

orais para investigar movimentos de reivindicações e de lutas dos professores do final dos anos

70 e meados de 80, em uma determinada escola de São Paulo.

A segunda tendência trata dos estudos de tradição oral. Vansina (apud

FONSECA,1997), explica que, para muitas sociedades, a oralidade é um meio de preservação de

suas tradições, mitos e valores que passam de uma geração a outra. Desse modo, para essa

tendência, fazem parte dessa tradição os costumes, os hábitos domésticos, os ritos e tudo o que o

coletivo grupal considera importante para o funcionamento e existência daquela sociedade.

A terceira tendência refere-se à história oral de vida, em que as narrativas não servem

apenas para esclarecer e perpetuar o passado, ou simplesmente complementar documentos

escritos. Nesse caso, as fontes orais pretendem dar voz e vez aos sujeitos, privilegiando as

experiências pessoais, a vivência e as representações individuais.

Castro (2002, p. 1-2) salienta que os estudos sobre vidas de professores encontram na

história oral uma importante opção metodológica:

Page 57: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

55

Esta incide sobre o passado dos entrevistados, sobre aspectos da vida social, particularmente da esfera do cotidiano, que não são geralmente escritos ou documentados de outras formas. É escrita a partir do trabalho com a memória, evocando o passado, o qual está inserido num contexto familiar, social e nacional.

Partindo da assertiva de Bourdieu (2002, p. 183), de que falar de história de vida é, no

mínimo, reconhecer que a vida é uma história e que “uma vida é inseparavelmente o conjunto dos

acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa

história”, pode-se afirmar que uma história de vida permite perceber marcas características

próprias de cada percurso profissional e pessoal, bem como perceber como cada um constrói sua

identidade e vivencia seu processo de formação.

De acordo com Castro (2002, p. 2),

ao narrar sua trajetória, os professores refletem sobre ela, reconstroem o passado, trazendo para o presente aspectos importantes, às vezes relegados a um canto da memória que, no momento da entrevista, são interpretados e analisados pelos entrevistados, à luz do seu quadro de referência atual.

Cada história oral de vida evoca o passado por meio de uma memória25 individual que se

entrelaça com uma memória coletiva26. Uma reforça a outra. Assim, cada percurso, que é único,

mostra as diversas interações do professor com seu meio social, no decorrer de seu

desenvolvimento pessoal, profissional e formativo.

25 Para Le Goff (1996, p. 423), a memória é “um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas.” 26 Memória coletiva pode ser definida como “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem do passado...” (LE GOFF, 1996, p. 472).

Page 58: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

56

Nesse sentido, cabe destacar o trabalho pioneiro de Bosi (1994)27, que recorre a histórias

de vida de adultos (velhos) para constituir um estudo sobre a construção da memória e a

importância das lembranças. Propõe a conservação das narrativas e da troca de experiências. Para

ela, “a narrativa da própria vida é o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de

lembrar. É a sua memória.” (BOSI, 1994, p. 68, grifo da autora).

No campo da literatura internacional, pode-se destacar, além do estudo sobre o ciclo de

vida do professor de Huberman (1995), já referenciado no capítulo anterior, os trabalhos de

Cavaco (1999) e Goodson (1995).

Cavaco (1999) realiza um trabalho similar ao de Huberman. Por meio da história de vida

de dezessete professores do ensino secundário de Portugal, procura compreender o percurso

pessoal e profissional do professor, ao longo da idade, na relação com diversos aspectos próprios

do ato educativo, na relação com o saber e com ele mesmo.

O pesquisador Goodson (1995) evidencia que dados sobre a vida dos professores são

fatores importantes para as investigações educacionais, essenciais para a análise do

desenvolvimento curricular. Clarifica sete argumentos a favor do uso de histórias de vida. O

primeiro é de que os dados pessoais e idiossincráticos presentes nos discursos dos professores são

muito pertinentes para a interpretação de sua linha de conduta e prática.

O segundo argumento é que as experiências de vida e o ambiente sociocultural são

inerentes e constituintes da pessoa que somos e elementos significativos na prática profissional.

Em conseqüência, no terceiro e quarto argumentos, o autor afirma que o estilo de vida do

professor, dentro e fora da escola, interferem em seus modelos de ensino e em sua prática

27 Ferreira (1996) frisa que ainda que Bosi jamais tenha usado a expressão “história oral”, suas indicações sobre a memória passaram a servir de modelo para todo um segmento de pesquisadores que se utilizam da história oral.

Page 59: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

57

educativa. Considera que o direcionamento da carreira só pode ser entendido mediante uma

compreensão detalhada da vida do professor.

Da mesma forma, no quinto e sexto argumentos, aponta que as etapas da carreira, as

decisões e percepções relativas a ela somente podem ser analisados no próprio contexto no qual

acontecem.

Goodson (1995, p. 75) finaliza seu rol de argumentações salientando que:

os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar-nos a ver o indivíduo em relação com a história do seu tempo, permitindo-nos encarar a intersecção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, contingências e opções que se deparam ao indivíduo.

Ainda que sejam incipientes as produções sobre esse tema na literatura brasileira, há

vários trabalhos relevantes, entre os quais pode-se citar as obras de Fonseca (1997), Freitas

(2000) e Soares (1991).

Soares (1991), ora como pesquisadora, ora como narradora, relata sua própria história de

vida intelectual. Sua história de vida revela tendências e aspectos da história da educação

brasileira.

Fonseca (1997, p. 11), por meio da história oral de vida de treze professores que atuaram

em vários níveis de ensino, discute como é ser professor de história no Brasil. Reflete sobre os

“múltiplos caminhos, práticas e opções construídos ao longo da vida por algumas pessoas, em

diversos espaços e contextos históricos do Brasil, tendo em comum, nas suas trajetórias, o ofício:

o ensino de história.”. A obra dessa autora foi significativa para a construção deste trabalho.

Mais recentemente, Freitas (2000), com a intenção de investigar a questão da leitura e da

escrita, entrevistou sete professoras alfabetizadoras aposentadas, com experiência em escolas

Page 60: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

58

públicas, fazendo uma retrospectiva da vida de escrita e leitura de cada uma, desde a infância até

os dias atuais, relacionando o contexto escolar, a formação e o contexto social.

Embora os vários autores mencionados tenham enfoques e especificidades singulares,

todos privilegiam e reafirmam a história oral de vida como um importante recurso metodológico

para as pesquisas educacionais.

Diante do que já foi exposto, torna-se evidente que o conhecimento e a pesquisa são

mediatizados por uma metodologia, cuja escolha não é aleatória e sua função é a de ajudar a

explicar a realidade.

A opção pela história oral de vida, no campo da abordagem qualitativa, deu-se por se

acreditar que, para conhecer o processo de constituição profissional docente e a autonomia

docente, ou seja, conhecer as vivências pessoais e profissionais, as escolhas, os percursos por

meio dos quais o sujeito se tornou professor, como se sente e se percebe professor, é preciso

saber sobre a vida do professor e perceber sua trajetória. Somente a história de vida possibilita

esse conhecimento, criando laços de cumplicidade entre dois sujeitos: pesquisador e pesquisado.

Nóvoa (1988, p. 16)28 afirma que o pesquisador precisa considerar que a história de vida

deve organizar-se de acordo com um eixo de investigação para assegurar o desenvolvimento de

uma reflexão teórica e que deve estruturar-se “através de uma construção retrospectiva de um

dado percurso de vida, organizada a partir de determinados pontos de viragem.”

Sendo assim, a pesquisa foi planejada e organizada a partir de três grandes eixos29 de

investigação, considerados centrais na constituição e autonomia profissional docente.

28 Nóvoa utiliza a nomenclatura “biografia” ou “autobiografia” para as histórias de vida. Partilham dessa mesma posição Bolívar (2002), Fontoura (1995) e Gonçalves (1995). 29 Esses eixos foram elaborados baseando-se, especialmente, nos estudos de Fonseca (1997) e Gonçalves (1995).

Page 61: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

59

O eixo que trata do percurso pessoal do professor, em termos de crescimento individual,

personalidade e interação com o meio; o eixo que se refere ao percurso formativo do docente, que

inclui todas as atividades que contribuíram para sua atuação pedagógica e profissionalização e,

por fim, o eixo que aborda o percurso profissional, que abrange todas atividades que o professor

exerceu como profissional da educação e sua relação com o grupo com o qual conviveu.

3.3 Critérios de seleção dos sujeitos

Tendo em vista os objetivos formulados, a definição dos sujeitos desta pesquisa levou

em conta alguns critérios:

a) ter atuado ou ainda atuar como professor da educação básica (conforme a

nomenclatura atual)30, podendo, simultânea ou concomitantemente, também ter atuado ou estar

atuando no ensino superior;

b) ter-se aposentado a partir do ano de 2000 ou que esteja em vias de aposentadoria

(final de carreira). Esse item exclui o critério etário pois, segundo a legislação brasileira, há

variações no encerramento da carreira, de acordo com o sexo ou início da vida profissional.

c) ter características diversificadas em relação a estado civil, raça, sexo, formação,

experiência em escolas, atuação em níveis de ensino, exercício de funções, posições religiosas,

políticas e teóricas.

30 Conforme a LDB 9394/96, a educação básica compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. (BRASIL, 1996).

Page 62: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

60

Para tanto, optou-se pela escolha intencional dos dois primeiros sujeitos e, para a

seleção, foi elaborada uma lista de nomes indicados pela própria pesquisadora, respeitando-se os

critérios definidos. Os dois últimos entrevistados foram sujeitos sugeridos pelos dois primeiros

entrevistados.

Foram entrevistados, então, quatro professores: dois homens e duas mulheres. Além do

aprofundamento de análise que um número reduzido de sujeitos possibilita, nas pesquisas

qualitativas, nas quais se inclui a história de vida, “a preocupação central não é a de se os

resultados são susceptíveis de generalização, mas a de que outros contextos e sujeitos a eles

podem ser generalizados.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 66). O interesse está muito mais no

processo do que simplesmente nos resultados ou produtos.

3.4 Procedimentos de coleta de dados

Para a realização da pesquisa, os procedimentos de coleta de dados das histórias de vida,

inspiraram-se na técnica da entrevista recorrente31, a partir de um roteiro semi-estruturado32.

Inspirou-se na entrevista recorrente, à medida que, na sessão seguinte, o sujeito podia

rever seu relato da sessão anterior já transcrito pelo pesquisador. Podia, então, manifestar-se

sobre ele, confirmando sua veracidade, modificando-o ou ampliando-o. Assim como essa

31 Baseando-se em Larocca (1996). Este procedimento, conforme Zanelli (1992, p. 66), representa uma importante estratégia de pesquisa: “a classificação dos conteúdos, permitida pelas inferências ou pelos referenciais peculiares ao pesquisador, e retorno desses conteúdos para checagem do participante, propicia uma estratégia de controle mútuo entre o pesquisador e o participante no sentido de refinar a comunicação...”. 32 Este roteiro foi adaptado de Fonseca (1997). Vide Anexo A – Roteiro de Entrevistas, p.

Page 63: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

61

dinâmica possibilitou à pesquisadora confirmar suas inferências, completar e esclarecer dados

que considerou necessários para a pesquisa, desencadeando novas informações.

O roteiro semi-estruturado não se constituiu em seqüência rígida de questionamentos e

dados a serem relatados, mas apenas como um roteiro dos itens principais a serem abordados,

para a orientação do próprio sujeito.

Rosenthal (2002) destaca que, para se entender partes individuais da história de vida,

deve-se dar ao entrevistado tempo e espaço suficiente para criar e organizar sua narrativa. Então,

no primeiro contato feito com os sujeitos, com dois deles realizado por telefone e com outros dois

pessoalmente, foram explicados os objetivos da pesquisa e, constatando a possibilidade de

participação destes, foi fornecida uma ficha impressa, na qual foram preenchidos alguns dados

pessoais, profissionais e de formação, que serviram para a caracterização33 de cada um dos

sujeitos, e também foi fornecido o roteiro da entrevista para o relato da história de vida.

O local e os horários das entrevistas foram escolhidos pelos próprios sujeitos e eram

marcados de uma sessão para a outra. A única sugestão dada pela pesquisadora para esta escolha

foi para que fosse um ambiente e um momento em que eles se sentissem à vontade e que,

também, possibilitasse a gravação, evitando ruídos e interrupções de outras pessoas. A primeira

sessão com o primeiro sujeito foi realizada em 23 de abril de 2004, e a última, com o quarto

sujeito, em 11 de outubro de 2004.

Foram realizadas, em média, três sessões de entrevista com cada sujeito e cada uma

delas teve a duração de, aproximadamente, uma hora. Nas primeiras sessões de cada sujeito,

antes de iniciar a história de vida, foi preenchida a ficha de caracterização, com exceção do

segundo e quarto sujeitos, que já a levaram preenchida no primeiro encontro.

33 Esta ficha foi adaptada de Larocca (1996). Vide Anexo B – Ficha de Caracterização dos Sujeitos, p.

Page 64: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

62

Durante as sessões, foi dada ao entrevistado a oportunidade de relatar sua história de

vida, de expor sua opinião e suas expectativas sobre o real, de modo que fluíssem informações e

conhecimentos a respeito do assunto, em sua própria linguagem. A pesquisadora teve a cautela de

não direcionar as respostas do entrevistado. As perguntas, quando necessárias, foram feitas pela

pesquisadora, de maneira simples e direta, para evitar confusões de sentido.

Sob a autorização do professor, a entrevista foi registrada por um gravador e,

posteriormente, transcrita. A transcrição foi realizada diretamente no computador. Logo após,

cada gravação foi ouvida novamente, sendo acompanhada com a transcrição, para conferir se

houve alguma falha de digitação ou mesmo de entendimento das palavras do sujeito.

Acreditando-se nas palavras de Thompson34 (1998, p. 271), de que “uma entrevista é

uma relação social entre pessoas, com suas convenções próprias, cuja violação pode destruí-la”,

antes de cada sessão, especialmente antes da primeira sessão de cada sujeito, houve uma conversa

informal entre pesquisadora e sujeito, no intuito de sanar possíveis dúvidas com relação à

pesquisa e, principalmente, para descontrair os sujeitos, que inicialmente demostravam um pouco

de ansiedade pela presença do gravador. Essa conversa antes de cada sessão, que não foi gravada,

permitiu estreitar a interação entre o pesquisador e o sujeito, possibilitando melhor

aprofundamento das informações obtidas.

Baseando-se nos estudos da abordagem histórico-cultural, de Fonseca (1997) e

Gonçalves (1995), a história de vida de cada um dos sujeitos centrou-se em três aspectos

fundamentais, ou, em três eixos básicos do processo de constituição profissional docente e de sua

autonomia. O primeiro eixo referiu-se ao percurso pessoal, solicitando dados sobre quando e

onde o entrevistado nasceu; sua família, sua infância; modo de vida; crenças religiosas e

34 De acordo com Meihy (1996), esta é a obra que tem servido de modelo teórico para os trabalhos de história oral no Brasil. Foi publicada pela primeira vez em 1978, sob o título The voice of the past.

Page 65: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

63

políticas; a vida na escola como aluno; mudanças residenciais; acontecimentos marcantes; o

cotidiano; juventude; casamento; filhos etc.

O segundo eixo referiu-se ao percurso formativo propriamente dito, devendo o sujeito

abordar sobre quando e onde estudou; curso superior: como foi o ingresso e a duração do curso,

relacionamento com colegas e professores, disciplinas, leituras, preparação pedagógica, estágios,

participação em agremiações, casos interessantes, influências teóricas e políticas; pós-graduação;

participação em cursos de extensão, congressos; ambientes e estratégias de formação continuada

(Por incentivo de quem? Promovido por quem?) etc.

Em seguida, foram abordados aspectos referentes ao percurso profissional: por que,

como, quando e onde iniciou a carreira; expectativas com relação à carreira; percepções com

relação ao ensino no decorrer da carreira; os concursos; convites; as instituições e níveis de

atuação; estabilidade; condições de trabalho; salário; participação de associações da categoria;

relacionamento com os colegas e alunos; metodologia; reformas educacionais, sociais, políticas e

econômicas; realização com a profissão etc.

Após esgotados os dados do roteiro, houve liberdade para que o sujeito pudesse expor

algo que achasse conveniente.

Page 66: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

64

3.5 Procedimentos de análise dos dados

A primeira fase de análise dos dados foi preliminar, separando-se, numa matriz de

verbalizações35, os conteúdos das histórias de vida de cada um dos sujeitos, de acordo com os três

eixos estabelecidos previamente: percurso pessoal, percurso formativo e percurso profissional.

Sem perder de vista a afirmação de Rosenthal (2002), de que ao analisar uma história de

vida deve-se respeitar sua seqüência narrativa e analisar as partes isoladas, considerando que

estão inseridas no conjunto, numa segunda fase, os dados obtidos em cada um dos eixos foram

subdivididos em unidades significativas das falas de cada um dos sujeitos, de acordo com os

objetivos e interesses da pesquisa, a partir de características e tendências comuns depreendidas

das histórias de vida dos professores.

No primeiro eixo, denominado de percurso pessoal, foram identificadas, nas histórias de

vida dos professores, duas unidades significativas: uma que descreve a infância e a juventude e

outra que discorre sobre o casamento e a constituição da família de cada um deles.

No segundo eixo, denominado de percurso formativo, foram identificadas três unidades

significativas nas falas das histórias de vida dos professores: a primeira que trata sobre a

escolarização básica, a segunda unidade que se refere à formação acadêmica e a terceira que

descreve a formação extra-acadêmica dos sujeitos.

35 Adaptada de Larocca (1996). Ver Anexo C – Matriz de Verbalizações, p.

Page 67: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

65

No terceiro eixo, denominado de percurso profissional, identificaram-se também três

unidades significativas nas falas dos professores: a primeira refere-se à escolha pela profissão e a

entrada na carreira docente. A segunda unidade significativa assinala os principais obstáculos e

realizações da carreira e a terceira relata o cotidiano profissional de cada um dos professores.

A terceira fase, ou seja, a análise e interpretação final e sistemática das histórias de vida,

somente ocorreu no encerramento da coleta de dados de todos os sujeitos, após esgotadas suas

possibilidades de contribuição.

Partilhando da afirmativa de Barros e Lehfeld (1999, p. 62), de que “analisar e

interpretar significa buscar o sentido mais explicativo dos resultados da pesquisa”, na etapa final

de análise e interpretação sistemática, foram realizadas leituras sucessivas das histórias de vida

dos docentes, a fim de se elaborar inferências críticas e conexões.

Por uma questão de organização da própria pesquisadora, optou-se pela análise das

histórias de vida dos quatro docentes conjuntamente, considerando cada um dos eixos e, por

conseguinte, em cada uma das unidades significativas de suas falas. Baseando-se no argumento e

Lüdke e André (1986, p. 1), de que “para se realizar uma pesquisa é preciso promover o

confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o

conhecimento teórico acumulado a respeito dele”, os dados obtidos foram confrontados,

discutidos com os referenciais teóricos, sem perder de vista os objetivos definidos.

Page 68: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

CAPÍTULO IV

TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORES: POSSÍVEIS INTERPRETAÇÕES

“Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia.”

Ecléa Bosi

As histórias apresentadas aqui correspondem à vida de quatro professores. Para as

análises tecem-se interpretações possíveis, o que não limita desdobramentos em outras

conclusões e indagações. Assim, também, os eixos e unidades significativas das falas dos

sujeitos apresentadas não excluem a possibilidade de outras classificações.

As falas dos sujeitos, a partir daqui, aparecerão destacadas entre aspas e em itálico,

para diferenciá-las do restante do texto. Optou-se por não corrigi-las no texto transcrito, no

que se refere ao padrão correto da língua portuguesa (conjugações verbais, concordâncias

verbais e nominais, vícios de linguagem etc.) como forma de preservar a especificidade da

cultura de cada um37 e a especificidade de uma história oral de vida. As reticências que

aparecem na transcrição dessas falas significam que partes das falas dos sujeitos foram

omitidas pela pesquisadora, a fim de reunir apenas os trechos referentes à unidade e à análise

em questão.

Decidiu-se, também, por não se nominar os sujeitos, preservando sua identidade.

Sendo assim, cada sujeito recebeu um número, conforme a ordem cronológica em que

37 Opção semelhante pode ser observada no trabalho de Cerri (2000).

Page 69: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

67

ocorreram as entrevistas. Da mesma forma, nomes de pessoas e instituições citadas pelos

sujeitos foram abreviados, deixando-se somente a letra inicial.

4. 1 Caracterizando os sujeitos

O contato inicial com o primeiro sujeito, identificado como Sujeito 1, foi realizado

pessoalmente, momento em que foi convidado a participar da pesquisa, explicando-lhe as

finalidades e procedimentos dela. O Sujeito 1 aceitou o convite e, em seguida, foram-lhe

entregues a ficha de caracterização e o roteiro da entrevista, sendo marcada a data da primeira

sessão: 23 de abril de 2004. Na primeira sessão, iniciou seu relato lendo um texto que havia

levado pronto, baseado no roteiro que havia recebido, mas, no decorrer do relato, o texto

escrito foi sendo deixado de lado, e a sua história de vida fluiu com as lembranças que foram

sendo apuradas pela memória. As sessões seguintes ocorreram nos dias 26 de abril e 11 de

junho do mesmo ano, totalizando duas horas de gravações. As três sessões foram realizadas

no ambiente de trabalho do sujeito, após o horário de expediente.

O Sujeito 1 nasceu em 1949, no município de Cruz Machado, uma cidade do interior

do Paraná e atualmente reside no município de União da Vitória38. Possui 55 anos de idade, é

mulher, é casada, mãe de três filhos, professora com graduação em Pedagogia e

especialização em Fundamentos, Teoria e Análise do Processo Educacional e Perspectivas

para a Realidade Brasileira. Trabalhou com as séries iniciais do Ensino Fundamental durante

dezessete anos, atuando como professora e, posteriormente, como supervisora escolar durante

38 União da Vitória é um município do Estado do Paraná que faz divisa com o município de Porto União, em Santa Catarina. O marco divisor é uma linha de trem. A distância entre Cruz Machado e Porto União / União da Vitória é de 30 km, aproximadamente.

Page 70: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

68

nove anos. Atuou também, durante quatro anos, no ensino fundamental de 5ª a 8ª série.

Atualmente trabalha há nove anos no Núcleo Regional de Educação de União da Vitória.

Com o segundo entrevistado, denominado de Sujeito 2, o contato inicial deu-se

pessoalmente, ocasião em que foi convidado a participar da pesquisa, explicando-se suas

finalidades e procedimentos. O convite foi aceito de imediato. Nesse mesmo momento,

foram-lhe entregues a ficha de caracterização e o roteiro da entrevista, sendo marcada a data

da primeira sessão: 14 de maio de 2004. Na primeira sessão, realizada no ambiente de

trabalho, o sujeito iniciou seu relato, lendo um texto que havia levado digitado e, inclusive,

em disquete, caso a pesquisadora quisesse utilizar, baseado no roteiro que havia recebido.

Assim como ocorreu com o Sujeito 1, durante a entrevista, o texto escrito foi sendo deixado

de lado, e a sua história de vida fluiu com as idas e vindas de sua memória. A sessão seguinte

ocorreu no dia 11 de junho do mesmo ano, na residência do sujeito, totalizando uma hora e

quarenta minutos de gravações.

O Sujeito 2 nasceu em 1943, no município de Porto União e reside em União da

Vitória. Possui 61 anos de idade, é mulher, também casada, mãe de quatro filhos, professora

com graduação em História, especialização em História e Mestrado em Educação na linha de

pesquisa História e Memória. Lecionou para toda a educação básica durante vinte e cinco

anos. Nas séries iniciais do Ensino Fundamental também atuou como supervisora escolar

durante oito anos. Foi coordenadora dos pólos de Magistério da região, como membro da

equipe de ensino do Núcleo Regional de Educação de União da Vitória durante três anos. Há

dezessete anos dedica-se ao Ensino Superior estadual, como docente nas disciplinas de

Introdução ao Estudo da História, Metodologia do Ensino de História, Antropologia Cultural

e Patrimônio Cultural, bem como, atua em cargos administrativos da instituição superior.

Com o Sujeito 3, o primeiro contato foi por telefone. O convite foi aceito

prontamente. Foi-lhe enviado a ficha de caracterização e o roteiro de entrevista, sendo

Page 71: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

69

marcada a primeira sessão para o dia 12 de julho de 2004, no sítio do sujeito. No início da

primeira sessão, antes de iniciar a gravação, foi preenchida a ficha de caracterização e o

sujeito pediu alguns esclarecimentos com relação ao roteiro e à pesquisa. Ao contrário dos

dois primeiros sujeitos, não usou nenhum texto escrito, baseou-se apenas no roteiro e, à

medida que as lembranças iam aflorando, a história de vida ia-se delineando. As sessões

seguintes realizaram-se na residência do sujeito, nos dias 29 de julho e 28 de setembro do

corrente, totalizando duas horas e cinqüenta minutos de gravações.

O Sujeito 3 nasceu em 1943, no interior do município de Porto União, hoje distrito

de Lança. Reside atualmente em Porto União, possui 61 anos de idade, é homem, é casado,

pai de duas filhas, professor com graduação em Ciências e Biologia, especialista em Biologia.

Lecionou por 16 anos no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries na disciplina de Ciências e

leciona, há 29 anos, no Ensino Médio, na disciplina de Biologia. Atua há 20 anos no Ensino

Superior com as disciplinas de Biologia, Botânica e Ecologia.

Com o quarto e último sujeito, Sujeito 4, o contato inicial também foi por telefone e

o convite para participar da pesquisa foi atendido prontamente. A pesquisadora lhe enviou a

ficha de caracterização e o roteiro. A primeira sessão foi marcada para o dia 28 de setembro

de 2004, no ambiente de trabalho da pesquisadora. Como o Sujeito 4 levou a ficha de

caracterização já preenchida para a entrevista, após a conversa inicial sobre a própria

pesquisa, o professor iniciou o relato de sua história de vida. Embora tenha sido orientado de

que o roteiro era apenas uma sugestão dos dados a serem abordados, observou-se que tentou

segui-lo com certo rigor. As sessões seguintes ocorreram nos dias 7 de outubro, ainda no

ambiente de trabalho da pesquisadora, e em 11 de outubro do corrente, no ambiente de

trabalho do sujeito. Totalizaram-se três horas e cinqüenta minutos de gravações.

Page 72: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

70

O Sujeito 4 nasceu em 1953, na cidade de Rebouças39 e reside em União da Vitória.

Possui 51 anos de idade, é homem, é divorciado, tem um filho, é professor com graduação em

História e especialização em História. Leciona há vinte e três anos, com um intervalo de seis

anos, na educação básica de 5ª a 8ª séries e ensino médio. Foi diretor de escola durante oito

anos e secretário por dois anos. Trabalhou como Gerente de Recursos Humanos no ramo

empresarial por dez anos. Há treze anos leciona no ensino superior privado, nas disciplinas de

Universidade e Sociedade, História do Contestado e A Sociedade e a Informática. Atua há

nove anos como coordenador de um cursinho pré-vestibular.

A seguir, as histórias de vida estão organizadas a partir de três eixos básicos:

percurso pessoal, percurso formativo e percurso profissional. Os três eixos estão subdivididos

em unidades significativas, depreendidas das histórias de vida dos sujeitos.

4.2 O percurso pessoal

O foco principal desse eixo é a trajetória pessoal dos sujeitos, entendida como um

processo de crescimento individual, em termos de personalidade, valores, habilidades,

escolhas, relacionamento familiar e social. Está subdividido em duas unidades significativas a

seguir:

4.2.1 A infância e a juventude

Esta unidade trata da vida pessoal dos Sujeitos, desde seus primeiros anos de vida,

suas experiências de crianças, adolescentes e jovens, com a família e amigos, salientando

39 Rebouças é um município do Estado do Paraná, a 100 km, aproximadamente de distância de União da Vitória.

Page 73: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

71

elementos que emergiram de seus relatos, considerados relevantes para a constituição e

autonomia profissional docente: atitudes, normas e valores morais, culturais e religiosos.

Observando-se as histórias de vida, pode-se afirmar que os Sujeitos tiveram uma

infância muito saudável e alegre, ao lado de seus pais e irmãos. Relatam episódios divertidos,

com brincadeiras e aventuras, como passeios de trem, banhos em rios, viagens etc. Mas, o

Sujeito 1, ao contrário dos demais, com semblante triste, conta que sua infância e a de seus

dois irmãos foi muito difícil e dura, por terem que trabalhar desde criança, seja ajudando a

mãe nos afazeres domésticos, seja auxiliando o pai nos serviços de carpintaria. Conta que os

filhos eram cobrados para cumprirem suas responsabilidades, quase não tendo tempo para

brincar.

As quatro histórias de vida desta pesquisa revelam que a formação familiar foi muito

rigorosa e, às vezes, autoritária, com relação à educação e ao respeito que se deveria ter com

os outros e com os próprios membros da família. O Sujeito 4, por exemplo, conta que

“naquela época só o olhar do pai bastava pra você ter uma postura diferente” e, ainda

salienta que essa exigência fez com que se tornasse submisso e obediente, primeiramente, aos

pais, professores e outras pessoas, reduzindo sua autonomia para opinar, decidir e agir. De

acordo com Reis (2004), a atuação familiar é vivida intensamente pelos sujeitos, sendo

marcada fortemente por componentes emocionais e ideológicos que estruturam de forma

profunda a personalidade de seus membros.

Os Sujeitos também expõem que a formação religiosa sempre esteve presente no

ambiente familiar, como relata o Sujeito 1: “fez [sua mãe] que fizéssemos a catequese e

tomássemos todos os sacramentos [...]”. A fala do Sujeito 2, pode ser tomada como outro

exemplo, quando afirma que “ os ensinamentos que nós temos a partir da doutrina cardecista

nos fazem ver o outro como nosso irmão, necessitado de ajuda, de amor [...]. Acho que esses

valores sempre foram muito importantes pra que eu valorizasse o aluno, o colega que está a

Page 74: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

72

meu lado e a minha família.”. Já o Sujeito 4 assinala que a religiosidade “é que mantém muito

o equilíbrio em minha vida atualmente.”

Sobre a juventude, os sujeitos, em geral, lembram com saudosismo. Era “uma

juventude muito sadia, nossa diversão era ir aos bailes, dançávamos muito, era muito gostoso

[...]” (Sujeito 1). A juventude do Sujeito 2 e do Sujeito 3 pode ser conhecida, quando contam

a respeito de sua formação na escolarização básica. O Sujeito 3 relata suas experiências no

Seminário de L., primeiramente, depois no seminário de R. N. e, em seguida no Seminário de

A., onde sempre desenvolveu atividades junto à horta e ao pomar.

Os Sujeitos 1 e 4 somente lamentam o fato de terem sido muito tímidos na juventude.

Relata o Sujeito 1: “a gente perdeu muitas oportunidades por causa da timidez [...]”. Ela

aponta o Padre P., seu professor de Artes no Curso Normal Regional40, como um dos

responsáveis por deixá-la mais desinibida: “[...] que ensaiava peças de teatro e fazia com que

apresentássemos na comunidade [...]. Foi muito bom, ajudou-nos a perder bastante a

timidez.”

O Sujeito 4 relata que não freqüentou festas ou bailes, porque seus pais não

concordavam, a não ser que fosse para acompanhar as irmãs nos aniversários das colegas.

Além de ter participado de grupos de jovens e de ter bom relacionamento com os amigos,

destaca na sua juventude o fato de ter prestado serviço militar. No quartel sentiu-se

valorizado, por ter conquistado boas classificações nos testes e obtido algumas promoções.

Ao mesmo tempo que valoriza esse período, coloca como desvantagem a falta de negociação,

de flexibilidade, próprias do autoritarismo militar. Mas revela que se adaptou com facilidade e

até, pode-se dizer, com sucesso, no exército, justamente porque a educação rigorosa e de

40 De acordo com o Decreto - Lei nº 8.530 de 02 de janeiro de 1946, o Ensino Normal dividia-se em dois ciclos. O primeiro ciclo destinava-se ao Curso Normal Regional, com a duração de 04 anos (equivalendo à 5ª à 8ª série), que formava regentes para o ensino primário. O segundo ciclo destinava-se à Escola Normal, com a duração de 03 anos (equivalendo ao Ensino Médio, hoje), que formava professores para o ensino primário. (BRASIL, 1946).

Page 75: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

73

extrema obediência que recebera em casa condizia com o comportamento esperado de um

bom soldado, naquele período.

Observa-se que o período vivenciado no exército pelo Sujeito 4 corresponde ao

período em que predominava na sociedade e na educação brasileira a Ditadura Militar, que

exigia obediência, eficiência e dedicação à Pátria. Ser submisso às ordens superiores da

hierarquia era condição para não sofrer punições, desagravos e obter certas recompensas.

Do conjunto de vivências referentes à infância e juventude relatadas pelos Sujeitos,

percebe-se que normas, valores morais, atitudes e comportamentos exigidos na formação

familiar e religiosa tornam-se marcantes no percurso pessoal de cada um deles. Se, como

afirma Nóvoa (1995c), não há como separar a pessoa do professor, pode-se inferir que esses

elementos influenciaram também a formação escolar e a atuação profissional dos Sujeitos.

Constata-se, então, que as vivências da infância e da juventude são constituintes do

sujeito adulto - pessoa, do sujeito adulto – professor. Na trama das relações sociais de cada

percurso pessoal, os sujeitos se constituem pela apropriação das experiências práticas e

intelectuais, dos valores éticos, religiosos, culturais e das normas que regem seu cotidiano de

vida.

4.2.2 A constituição da família

O casamento, a saída da casa dos pais, a constituição da própria família, são fatos

relevantes no percurso pessoal dos Sujeitos. Esta unidade interessa-se pelo desenrolar desses

fatos na vida de cada um dos professores pesquisados, trazendo à pauta a questão de gênero e

a transposição de valores e normas culturais internalizados na infância e juventude.

O casamento representou para as professoras um momento marcante em suas vidas.

Segundo o Sujeito 1, que é mulher, o casamento lhe proporcionou segurança pois,

Page 76: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

74

diferentemente do seu pai, seu marido a incentivava e a valorizava. Chama a atenção que os

dois Sujeitos mulheres (1 e 2) dedicaram-se e dedicam-se ainda à família, ao marido e filhos,

afirmando freqüentemente a intenção de buscar harmonia na convivência e no

relacionamento. A preocupação e o investimento na educação e formação dos filhos é

transparente nas duas professoras. Essas atitudes revelam a representação das professoras

pesquisadas da figura materna que tiveram na infância e juventude.

Emerge de suas falas a dificuldade para relacionar a vida pessoal com a vida

formativa e profissional. Para Fontana (1997, p. 96), a atividade profissional implica “modos

de ação e preocupações distintas das práticas familiares, passando a dividir com estas, a

determinação das atividades da mulher, a definição de prioridades e sua própria motivação

frente a elas.” Disso decorre, em termos de constituição profissional, que, para a mulher

professora, os papéis de esposa, dona de casa, mãe ou filha não são excluídos, mas

acrescentam-se papéis decorrentes da atividade profissional, rompendo, muitas vezes, com

uma relação de continuidade entre os papéis de equilíbrio da vida cotidiana.

Por exemplo, o Sujeito 2 registra que quando estava cursando o último ano da

faculdade, teve o seu quarto filho: “Então foi uma dificuldade: trabalhava de manhã e à noite

tinha que estudar, tinha que deixá-los com a babá, às vezes não tinha babá [...]”. Face a tais

compromissos familiares, chegou a recusar uma proposta de trabalho: “Ao terminar o Curso

de História recebi convite para lecionar Estudos Sociais no Colégio T. de F., no entanto, não

aceitei, por estar, na época, com meus filhos pequenos e em idade escolar [...]”.

Diferentemente dos Sujeitos mulheres, os Sujeitos homens (3 e 4) afirmam não ter

encontrado nenhuma dificuldade em conciliar a vida familiar com a vida profissional.

Percebe-se que essa afirmação se deve ao fato de que quem acumulava as funções de

administração da casa e do cuidado dos filhos eram suas esposas. Coube a eles, portanto, a

Page 77: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

75

tarefa de apenas cuidar da vida profissional, para suprir as necessidades financeiras da família,

como exigia a sociedade na época.

A condição masculina de provedor está de tal modo introjetada na cultura, que o

Sujeito 4 chegou a comentar que, quando cursava a faculdade, era a sua esposa quem o

ajudava na elaboração dos trabalhos solicitados por seus professores, para a sua formação

profissional. Disse que não tinha tempo de fazê-los devido ao trabalho na empresa. Quer

dizer, homem e mulher têm condições e atribuições diferenciadas. A questão de gênero

aparece como variável interveniente para a vida pessoal, acadêmica e profissional em ambos

os casos.

Quanto à experiência de ser pai, o Sujeito 3 praticamente não fala a respeito, já o

Sujeito 4, contou brevemente como decorreu o período de gestação e de como auxiliou sua

esposa na educação do filho.

Implícita ou explicitamente, é comum na história de vida dos quatro professores

encontrar a transposição dos valores e normas culturais que regeram a educação que

receberam de seus pais, inclusive para a educação de seus filhos. Pode-se tomar como

exemplo a fala do Sujeito 3, quando indagado se os valores que recebeu de seus pais e no

seminário (de seriedade, honestidade, de dedicação aos estudos) influenciaram na educação de

seus filhos: “Sim, tanto que as duas [filhas] saíram-se muito bem [...], nunca precisei chamar

a atenção para que elas estudassem.”

Outro dado interessante, que se observa nas falas dos Sujeitos, é que estes depositam

na escolarização dos filhos a esperança de um futuro melhor. Todos investiram nessa

escolarização e exigiram dos filhos muita dedicação aos estudos e respeito para com os

professores. Tais valores, recebidos na infância e juventude, foram internalizados pelos

Sujeitos e, parecem influenciar significativamente os percursos formativos e profissionais.

Page 78: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

76

Do conjunto dos dados referentes à constituição da família, emergem como

significativos na constituição e autonomia profissional docente, os elementos de gênero e da

transposição de valores recebidos na própria educação familiar.

No percurso pessoal dos professores pesquisados é uma constante a relação e a

aprendizagem social. Então, pode-se afirmar que estes Sujeitos se formam e se transformam

em suas relações com o outro. Nas relações sociais que estabelecem, eles também exercem o

papel de “outro”, passando a influenciar a constituição e autonomia de sujeitos que fazem

parte de sua trajetória pessoal.

4.3 O percurso formativo

Este eixo aborda aspectos relativos à formação dos sujeitos: sua escolarização básica

e sua formação profissional (acadêmica e extra-acadêmica). Está subdividido em três

unidades a seguir:

4.3.1 A escolarização básica

Nesta unidade são analisados elementos que tratam das experiências dos Sujeitos na

educação básica, englobando seus primeiros anos escolares até a formação no Ensino Médio.

Destacam-se os seguintes elementos: dificuldades enfrentadas para estudar, a internalização

de normas aprendidas no ambiente familiar, os modelos de professores, a relação entre

escolha profissional e questões de gênero e os estágios curriculares.

Page 79: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

77

Durante a escolarização básica, as histórias de vida dos quatro sujeitos revelam o

cultivo de atitudes de extrema obediência e respeito às pessoas mais velhas. Tais atitudes

parecem internalizadas de tal forma, que os sujeitos relatam que sempre foram alunos

exemplares, com boas notas e bom comportamento perante os professores. Comentam que a

metodologia utilizada pelos professores, no geral, fundamentava-se na Pedagogia Tradicional,

pois privilegiava a memorização dos conteúdos, baseando-se em “pontos” retirados dos livros.

Ressaltam também a rigidez quanto à disciplina escolar.

Os Sujeitos também têm em comum o enfrentamento de dificuldades para concluir

a escolarização básica, seja devido à condição financeira familiar ou ainda à distância entre a

residência e a escola, como é o caso do Sujeito 3, que tinha que caminhar dois quilômetros,

todos os dias, para chegar à escola e depois caminhar mais dois para voltar para casa. Uma

dificuldade peculiar que este sujeito passou refere-se a diferenças lingüísticas: enquanto

aprendia a língua portuguesa na escola, em casa falava-se somente o alemão.

É interessante destacar certas particularidades da história escolar do Sujeito 3 que, a

partir da 5ª série, iniciou seus estudos num seminário, pois seus pais decidiram, e ele

concordou, que iria ser padre. Fica bem claro, pela sua história de vida, que essa decisão se

deve ao fato de que, na época, a década de 50, o sacerdócio era entendido como uma

alternativa de ascensão social. Nas localidades do interior, principalmente na área rural, ser

padre era uma das poucas opções para mudar de vida, atingindo um certo status social, que a

profissão de agricultor não proporcionava.

Nos seminários nos quais estudou, o Sujeito 3 conta que era reconhecido por seus

superiores como um seminarista sério, comportado e dedicado. Além do compromisso com os

horários de estudo, vivia constantemente envolvido com atividades voltadas para a natureza,

cultivando hortas e pomares. Não é por acaso que, mais à frente, seu interesse vai centrar-se

na área de ciências, pois desde então, conta: “ler romances, difícil, não conseguia ler, só

Page 80: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

78

obrigado mesmo pelo professor. Mas eu caía nos livros de química, física, esses livros eu

devorava, eu gostava.”

No ano de 1963, embora ainda sentindo vontade de ser padre, o Sujeito 3 vivenciou

dúvidas que questionavam desde a estrutura da Igreja e outros aspectos teológicos, até mesmo

a vontade de conhecer um pouco da vida fora do seminário, com todos os seus obstáculos.

Nessa época, saiu do Seminário e passou os dois anos seguintes (1964 e 1965) em Curitiba,

onde terminou o Ensino Médio. Mas, ao final de 1965, retornou à vida de seminarista, no Rio

de Janeiro.

Com certa regularidade, é possível perceber que todos os sujeitos recordam-se de

professores que marcaram sua passagem pela escola, e que, de certa forma, esses modelos de

professores vieram a influenciar sua atuação profissional, seja de forma positiva, seja de

forma negativa. Conforme Mizukami (2002, p. 16), “[...] se atribui grande força às

experiências do professor acumuladas ao longo de sua vida – que, em geral, constituem

inspiração (ou anti-inspiração), na maioria das vezes inconsciente, à sua configuração como

um profissional ao longo da carreira.” Nesse sentido, os Sujeitos surpreendem-se agindo por

influência de ex-professores, como é o caso do Sujeito 1, que se recorda carinhosamente do

Padre P. e de Dona L., do Curso Normal Regional. O primeiro, por tê-la ajudado a diminuir

sua timidez, com o dinamismo de suas aulas, e a segunda, porque “ ela foi uma professora

maravilhosa, uma amiga e ela chegou até mim de uma maneira muito simples, que um dia a

gente falando de casa e moradia e eu imaginava que ela morasse num palácio, ela pegou e

me levou à casa dela e a casa dela era que nem a minha, era normal.” Mais tarde, o Sujeito 1

também levou dois de seus alunos, que eram órfãos, para conhecer sua casa.

Os Sujeitos 3 e 4 parecem ter boas lembranças dos professores da escolarização

básica, mas não citam um em especial. O Sujeito 3 apenas comentou que gostava

especialmente dos professores da área de Ciências (área de seu interesse) e das experiências

Page 81: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

79

que realizavam nos laboratórios e que isso veio a influenciar profundamente sua atuação

profissional.

O Sujeito 2 tem boas recordações de duas professoras: a Professora J., sua primeira

professora que a alfabetizou e a Professora E., de História, de 5ª a 8ª série e depois, do Ensino

Superior. Emocionada, revela que a Professora E. foi muito significativa, atribuindo-lhe a

opção pelo Curso de História na faculdade e de “ conquistas que atingi na sociedade, os

cargos que venho ocupando, eu sempre procurei me inspirar [...]. Respeitava muito os alunos

e isso foi uma coisa que sempre me chamou atenção [...]. Porque pra mim foi legal, acho que

isso está sendo legal para os meus alunos também.”

Outros modelos de professores servem para orientar o “não fazer” como docente, ou

seja, servem de “anti-inspiração” como denota Mizukami (2002). Tal como conta o Sujeito 1,

sobre uma Professora que: “ me mandava para o quadro e me dava um branco, porque tudo

que a gente aprendia tinha que escrever no quadro, e eu esquecia, ela me chamava de

foguinho e eu ficava brava [...]. Eu jamais repetiria uma coisa dessas [...]”.

Os exemplos dados pelos Sujeitos de seus professores da escolarização básica que,

segundo eles, agiam de forma incorreta ou incômoda, serviram como antimodelos nas suas

auto-análises como professores, visando não repetir as mesmas atitudes com os seus alunos.

Sendo assim, cabe registrar a afirmação de Fontana (1997, p. 68-69) de que

somente em relação a outro indivíduo tornamo-nos capazes de perceber nossas características, de delinear nossas peculiaridades pessoais e nossas peculiaridades como profissionais, de diferenciar nossos interesses das metas alheias e de formular julgamentos sobre nós próprios e sobre o nosso fazer.

Page 82: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

80

É na relação com outro ser humano que o indivíduo também se reconhece como

humano e tem a possibilidade de refletir sobre si mesmo, sobre a sua história, sobre seu

ambiente sociocultural41, tornando-se mais seguro para tomar decisões e agir.

Uma importante decisão na vida de um indivíduo é sobre seu trabalho e sua

profissão. A escolha profissional é, portanto, outro elemento que emergiu como significativo

das trajetórias de vida dos professores.

A decisão de ser professora foi tomada pelos Sujeitos 1 e 2, já na escolarização

básica42, quando optaram por fazer o Curso Normal.

Para o Sujeito 2, a escolha pelo magistério era a única opção para as mulheres.

Embora dizendo que sempre tivesse vontade de ser professora, confessa que, somente durante

a Escola Normal, identificou-se com o magistério. Relata que: “o Curso Normal não

preparava só para ser professora, preparava para o casamento também. O tipo de conteúdo,

as disciplinas que nós tínhamos, economia doméstica, as prendas domésticas, tudo isso então

era uma preparação para o casamento.” Possivelmente, por esse motivo, é que o Sujeito 4

conta que foi aconselhado pela Diretora para não prosseguir na Escola Normal Regional, pois

“não era coisa pra homem”.

Embora o Sujeito 1 tenha afirmado que sua opção pela profissão foi despertada ainda

quando criança, que a tenha escolhido por gosto, implicitamente sua escolha pelo magistério

também está muito calcada nos valores culturais e sociais da época: profissão feminina

legitimada socialmente, assim como para o Sujeito 2.

41 Neste trabalho, o ambiente sociocultural refere-se tanto a fatores abrangentes como o espaço e contexto histórico onde o sujeito se desenvolve, seu nível socioeconômico, quanto ao grupo cultural com o qual o sujeito estabelece relações. 42 Optou-se por se tratar da formação inicial para a docência dos Sujeitos 1 e 2 nesta unidade, baseando-se na legislação brasileira atual, que inclui o Curso Normal no nível Médio de Ensino que, hoje faz parte da Educação Básica.

Page 83: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

81

Esses dados remetem à análise de que a preparação para a maternidade e para a vida

doméstica eram motivos relevantes para a escolha pelo magistério. Há, portanto, uma estreita

relação entre escolha profissional e gênero.

A feminização da profissão docente se deu no Brasil no fim do século XIX, já em

meados do século XX. Podia-se observar que as classes das Escolas Normais, se não inteiras,

eram predominantemente compostas por mulheres. É o caso do Sujeito 1 que relata que se

formaram 85 mulheres na sua turma da Escola Normal.

O instinto natural feminino de mãe era considerado ideal para a educação das

crianças, pois, como afirma Costa (1995), concebia-se que quem se ocupava em educar e

conduzir seus filhos, no lar, certamente também seria capaz de se ocupar da tarefa de educar

os filhos de uma nação.

De acordo com Almeida (1998), Campos (2002) e Demartini e Antunes (2002),

somam-se aos motivos de preparar para a maternidade e vida doméstica, outros como: a

necessidade de encaminhar as moças ao exercício de uma profissão digna; a baixa

remuneração (os homens desvinculavam-se do magistério para optar por outras profissões que

lhes dessem melhores condições de sustentar uma família); o fato de a mulher poder conciliar

as atividades profissionais e domésticas, devido à curta jornada de trabalho e às férias

escolares. Tais argumentos vêm ao encontro dos estudos de Enguita (1989, p. 240), nos quais

alude a que é muito provável que as jovens, especialmente as da classe média, procurassem

uma simbiose entre o que é ensinado na escola e os elementos tradicionais do papel de

mulher, “construindo assim uma feminidade mais aberta a uma incorporação parcial dos

valores masculinos, isto é, dos valores recompensados pela sociedade global.”.

Enguita (1989, p. 127) ainda expõe que as mulheres não são completamente ingênuas

a esse respeito. Elas muitas vezes são conscientes das restrições e das obrigações decorrentes

do casamento, mas também são realistas nesse caso. Sabem que, nas condições sociais nas

Page 84: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

82

quais se encontram, a rejeição ao casamento poderia acarretar custos econômicos e sociais. “O

culto do romance as protege contra esses custos e lhes dá poder real na família, enquanto

reproduz em parte as restrições dos papéis econômicos e de gênero tradicionais.” (grifo do

autor).

Sendo assim, pode-se questionar: Face à condição de mulheres, os Sujeitos 1 e 2

fizeram realmente escolhas ou foram escolhidas pela sociedade para serem professoras? De

acordo com Fontana (1997, p. 112),

Os lugares sociais e históricos que ocupamos é que nos tornam reais, determinando o conteúdo de nossa criação pessoal e cultural. Essa determinação tanto delineia quanto delimita as possibilidades entre as quais escolhemos. Assim, no processo de escolha, no jogo entre as influências, imposições, adesões e resistências, escolhemos e somos também escolhidos.

Ou será que a profissionalização das professoras não se deveu ao fato de poderem,

por meio do magistério, romper os limites da estrutura patriarcal então predominante? Cabe

então, refletir: Será que a escolha pela profissão “professora” não significava a conquista de

um espaço na sociedade, em que era permitido à mulher acumular algum poder?

A imagem de “professora” que os Sujeitos 1 e 2 tinham em suas recordações é que

“era uma pessoa chique, muito linda, delicada. Sempre de salto alto e bem vestida. Então,

era um perfil de uma grande dama [...]” (Sujeito 1). As falas das duas professoras desta

pesquisa, acentuam em comum o desejo de exercer uma atividade, um trabalho com

repercussão social, compensação financeira e outras oportunidades de realização pessoal que

não somente a vida doméstica.

Mesmo, talvez, sem a real ciência das professoras, percebe-se que o fato de

acumularem as funções de esposas e profissionais lhes rendeu um poder relativo na família e

na sociedade, pois não era mais somente o homem que provia as necessidades financeiras da

casa e da família. Além de conquistar certa independência financeira e contribuir no sustento

Page 85: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

83

da família, a mulher “professora” passava a ter, cada vez mais, voz e vez nas decisões com

relação à casa e à sociedade. Costa (1995, p. 184), baseada em sua pesquisa sobre trabalho

docente e gênero, afirma que “em muitas situações emerge o maternal e o afetivo [na atuação

profissional feminina], em outras, se projetam e avolumam posturas de ‘novas’ mulheres, ou

seja, as professoras conquistando sua profissionalização.”

Conforme Fontana (1997, p. 94), cada um dos papéis sociais assumidos pelos

sujeitos “determina uma série de atividades práticas, mobiliza funções psicológicas, implica

modos de relação, valores e prioridades que se ordenam de modos distintos nas diferentes

esferas da vida social.” Nesse sentido, é possível pensar numa heterogeneidade e instabilidade

de posicionamentos. É um movimento não linear, em que a mulher-mãe, a mulher-esposa, a

mulher-filha e a mulher-professora constituem-se simultânea e reciprocamente.

Louro (2001) esclarece que, embora eficazes na constituição e autonomia das

professoras, percebe-se que as diferenciações de gênero e os papéis exigidos pela sociedade

para as mulheres concorrem com outras e se transformam historicamente, graças às

resistências dos sujeitos, das mudanças sociais, econômicas e políticas, gerando novas formas

de organização. A partir de então, homens e mulheres, professores e professoras, passam a se

constituir diversamente, afastando-se parcialmente do caráter maternal da atividade docente e

buscando dar a ela uma conotação mais política e profissional.

Outro elemento que se destaca com importância na constituição e autonomia das

professoras que optaram pelo magistério, desde a Escola Normal, foram os estágios

curriculares. Segundo elas, os estágios curriculares lhes proporcionaram muita segurança e

foram essenciais em sua formação profissional.

O Sujeito 1, lembrando do Normal Regional, conta que “o estágio era na prática,

dávamos aulas planejadas em diários de classe, a professora da sala só assistia e avaliava

[...]” e sobre a Escola Normal “era bem puxado, realmente preparava a gente, foi nos anos

Page 86: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

84

de 64 a 68 [...]. O estágio era terrível, porque você tinha que ir muito bem preparada, de

guardapozinho e fiscalizavam até a maneira de você apagar o quadro, a maneira de você

falar, a maneira de você andar na sala [...]”.

Nota-se, na verdade, que os estágios curriculares acabavam sendo apenas uma réplica

da atuação de seus professores em sala de aula. Não era permitido criar ou adaptar outras

metodologias que não aquelas consideradas ideais pelos ensinamentos do curso.

Considerando os elementos destacados nesta unidade, têm-se: a internalização de

normas e atitudes do ambiente familiar, as dificuldades para estudar, a adoção de modelos de

professores, a relação entre escolha profissional e gênero, bem como a segurança

proporcionada pelos estágios curriculares como experiências influentes no processo de

constituição e autonomia profissional docente. Tais influências e pressões do grupo social

vivido pelos professores não se exercem sobre algo inerte, pelo contrário, o sujeito humano é

dinâmico e transforma-se constantemente.

4.3.2 A formação acadêmica

Esta unidade refere-se à formação dos Sujeitos pesquisados no Ensino Superior e em

cursos de pós-graduação. Nela emergiram dois tipos de elementos partícipes da constituição e

autonomia profissional docente. Um que se refere às motivações presentes na escolha da

formação acadêmica e outro que revela as contribuições dessa formação para o exercício da

docência, tanto no que se refere a instrumentais teórico-metodológicos, quanto ao que se

refere a instrumentais críticos.

Quanto às motivações presentes na escolha da formação acadêmica, os dados

retratam diferenças entre os Sujeitos. O Sujeito 1 revela dois motivos principais para o seu

ingresso, em 1974, no curso de Pedagogia: a ampliação de seus conhecimentos, beneficiando

Page 87: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

85

seu desenvolvimento profissional e a passagem de um nível para outro em seu plano de

carreira, o que implicou aumento salarial.

O Sujeito 2, devido aos compromissos familiares com marido e filhos pequenos,

deixou um intervalo de dez anos entre a sua formação na Escola Normal e o seu ingresso na

faculdade em 1971, no Curso de História. O motivo que a levou à faculdade foi a preocupação

de poder contribuir mais, como Supervisora Escolar, com a ação educativa das professoras da

escola onde trabalhava.

Diferentemente das mulheres, os sujeitos homens tiveram sua formação inicial para a

docência apenas no Ensino Superior e nenhum deles optou pela Licenciatura com a intenção

primeira de atuar como professor. O Sujeito 3 optou pelo curso de Ciências e Biologia, por

sua estreita ligação com a natureza e com a pesquisa, para satisfazer sua curiosidade e vontade

de descobrir as coisas. Também, para ter um curso reconhecido além dos muros do Seminário,

pois, as dúvidas com relação aos dogmas da Igreja Católica vinham alimentando sua decisão

pela desistência de se tornar padre.

O Sujeito 4 optou pelo curso de História, por sempre ter tido um bom rendimento nas

aulas de História na sua escolarização básica. Após ter-se formado em História, chegou a

iniciar outra graduação na área empresarial, mas não terminou, porque decidiu sair desse ramo

e iniciar sua carreira no magistério. Começou a atuar como professor, para complementar sua

renda financeira e só depois disso, segundo ele, viu-se identificado com a profissão.

Os relatos dos Sujeitos mostram que a educação recebida na família, os valores

internalizados, as normas e atividades sociais, a imagem e os modelos de professores da

escolarização foram determinantes nas motivações particulares dos Sujeitos para a escolha do

curso e para o aproveitamento deste em sua carreira.

Quanto à contribuição do curso superior para o exercício profissional, no que diz

respeito a instrumentais teórico-metodológicos, os Sujeitos expõem que seu Curso Superior,

Page 88: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

86

em termos de conteúdos, da ampliação de seus conhecimentos teóricos e práticos da profissão,

o curso teve a sua importância, mas criticam a metodologia utilizada pela maioria dos

professores, fundamentada na pedagogia tradicional. A esse respeito, o Sujeito 2 relata:

“alguns professores exigiam a decoreba e trabalhavam a História de forma linear,

cronológica, factual e heróica”. Os Sujeitos também contam que seus professores da

formação acadêmica não incentivavam a pesquisa e nem a formação em cursos de pós-

graduação.

Os professores pesquisados sentem que o fato de terem cursado o Ensino Superior no

período de Ditadura Militar privou-os de algumas atividades e de certos conhecimentos. Para

o Sujeito 2, por exemplo, o período da Ditadura Militar prejudicou sua formação no que diz

respeito à discussão de questões filosóficas e políticas da sociedade brasileira: “não tínhamos

acesso a algumas leituras que foram tiradas da biblioteca, não podíamos ler Marx e todas

essas questões [...], nenhuma discussão política [...], não havia muito debate, não havia

oportunidade de a gente desenvolver mais esse lado”.

O período da Ditadura Militar também influenciou o desenvolvimento profissional

do Sujeito 1 em seus estágios na Escola Normal. Segundo ela, o uso do mimeógrafo foi

proibido: “Quando foi barrado o uso do mimeógrafo eu fiquei pensando, mas por quê? Então

alguém disse que não podia porque você poderia estar multiplicando alguma coisa que não

devia.”

Nota-se que as histórias de vida de um indivíduo podem auxiliar a compreender

períodos da história da sociedade, ambas se entrelaçam, pois a história individual está inserida

na história de um coletivo. Como se pode perceber nos dados, a Ditadura Militar no Brasil foi

um período marcado pela repressão e censura, imprimindo na educação o caráter

antidemocrático e não-crítico daquela proposta ideológica de governo. O Decreto - Lei nº 477,

promulgado em de 26 de fevereiro de 1969 corresponde a esta afirmação:

Page 89: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

87

Art 1o Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que: I - Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento; II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele; III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe; IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; V - Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno; VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública. § 1o As infrações definidas neste artigo serão punidas: I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza pelo prazo de cinco anos; II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento e a proibição de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por prazo de três (3) anos. § 2o Se o infrator for beneficiário de bolsa de estudo ou perceber qualquer ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não gozar de nenhum desses benefícios pelo prazo de cinco (5) anos. § 3o Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada do território nacional [...] (BRASIL, 1969).

Devido a este Decreto, nesse período, principalmente nos grandes centros urbanos,

vários professores foram presos e/ou demitidos, universidades foram invadidas e vigiadas,

estudantes foram presos, feridos e alguns até mortos em confrontos com a polícia. Nas

cidades do interior, essa violência militar parece ter sido mais amena, mas também afetou a

formação docente, especialmente, no que diz respeito ao acesso a instrumentais críticos,

como relataram os Sujeitos desta pesquisa.

O sofrimento causado pelo autoritarismo e pelos interesses econômicos e políticos da

Ditadura parece ter atingido, de modo peculiar, o Sujeito 3. A preocupação com o

questionamento e análise crítica da realidade parecem princípios muito arraigados em grande

parte da sua trajetória de vida, pois conta das constantes repreensões de seus superiores na

Igreja, relatando que foi coagido e ameaçado de prisão pelo então Governo Militar. Na

condição de seminarista, ele trabalhava como professor de ensino supletivo, no interior da

Page 90: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

88

cidade de Petrópolis/RJ e visitava as casas dos paroquianos, alertando-os para que para não se

deixassem explorar pelos grandes fazendeiros.

Não é por acaso, portanto, o Sujeito 3 parece notar e fazer, em relação aos outros três

Sujeitos, uma leitura mais crítica acerca da divisão da sociedade em classes economicamente

diferentes e, conseqüentemente, com oportunidades e funções sociais distintas. Suas ações

tentam minimizar essas diferenças, por meio de esforços de conscientização dos oprimidos:

“nós víamos, que o povo era explorado por eles [grandes fazendeiros] e nós combatíamos

essa questão [...]. Mas, com isso, caímos nas más graças das autoridades da época que nos

chamaram atenção para não fomentar essas idéias ou, do contrário, seríamos presos. Então,

com certo cuidado, não pregávamos abertamente essas nossas idéias.” Essa leitura crítica da

sociedade não é percebida em nenhuma outra história de vida dos professores desta pesquisa.

O Sujeito 4, por exemplo, é um bom contraponto. Embora critique o valor atual do

salário mínimo no país e observe a estratégia do Governo de provocar a desunião da classe

dos professores, parece não notar a dinâmica da hierarquia econômica e do poder na

sociedade. Adota uma visão liberal, afirmando que o sucesso depende da capacidade inata e

do esforço próprio de cada um, desconsiderando um conjunto de fatores históricos, sociais,

econômicos e políticos: “Você, como professora, poderia chegar a um desses cargos [direção

escolar], dependendo da tua capacidade [...]. Eu vejo que as coisas devem ocorrer dentro de

um fluxo normal, natural. [...] Você tem que trabalhar e automaticamente o dinheiro aparece

[...]. Você nasce com aquilo, só você tem que procurar despertar aquilo.”

A grande maioria dos professores, devido às más condições de trabalho e

compensação financeira, assume diversos compromissos profissionais, enfrentando uma

intensa jornada de até 60 horas semanais de trabalho. O Sujeito 4, por exemplo, trabalha em

cinco empregos diferentes. Isso promove a alienação, pois na falta de tempo, é impossível

Page 91: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

89

uma análise crítica. De acordo com Contreras (2002), o controle burocrático, a rotina, a

intensificação do trabalho conduzem a uma redução da autonomia.

Mas, como explicar o fato do Sujeito 3, professor como os outros Sujeitos, conseguir

fazer uma análise mais crítica da sociedade? Como explicar o fato de ele parecer mais

autônomo? Como explicá-lo, sabendo que os Sujeitos desta pesquisa nasceram em lugares

próximos uns dos outros, têm origens sociais semelhantes e passaram pelos mesmos modelos

conservadores de formação escolar? Afinal, o que marcaria o diferencial na constituição do

Sujeito 3?

O Sujeito 3, fruto também de uma educação disciplinadora e autoritária, revela que,

mesmo cumprindo todas as atividades de seminarista por cerca de vinte anos, teve tempo

suficiente para dedicar-se aos estudos, o que se deu em excelentes condições: laboratórios

equipados, bibliotecas com grande acervo etc. Teve tempo e condições para realizar as

leituras de sua preferência, além daquelas indicadas pelo seminário. Diferentemente do que

relatam os demais Sujeitos, para o Sujeito 3 a leitura fazia parte de sua vida diária.

Freqüentemente buscava autores que pudessem sanar suas dúvidas e anseios com relação à

ciência e à Igreja. Infere-se disso que a leitura e o hábito de analisar as leituras que fazia,

foram diferenciais na constituição e autonomia desse Sujeito. O Sujeito 3 assumiu sua vida

fora da Igreja, como marido e pai, bem mais tarde do que os outros Sujeitos desta pesquisa.

Acrescenta-se a isso o fato de que as sociedades possuem elementos condicionantes das ações

e da formação dos sujeitos. Entretanto o desenvolvimento das pessoas não é o mesmo em

todas elas. Como a teoria histórico-cultural anuncia, aí está o processo de constituição do

sujeito e, por sua vez, de sua autonomia.

Para Vigotski (2000b), o processo interpessoal que se dá na relação com a sociedade

é transformado num processo intrapessoal. Os contextos culturais podem ser semelhantes ou

até mesmo idênticos para todos os sujeitos, mas há elementos diferenciais, como se verifica

Page 92: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

90

na história de vida do Sujeito 3. O que fez diferença para esse Sujeito superar as

determinações do momento histórico foram dois fatores: tempo e acesso à leituras críticas.

Os demais Sujeitos parecem não ter rompido completamente com a visão liberal de

sociedade, de escola, de educação. Nem mesmo a pós-graduação parece fazer diferença, pois

os quatro professores contam que têm especialização lato-sensu, cada um na sua área de

formação da graduação, mas observou-se que comentam apenas superficialmente a respeito,

parecendo que essa instância de formação não foi tão significativa quanto a graduação. O

Sujeito 2 é o único que cursou mestrado. Afirma apenas que esta formação stricto-sensu foi

uma experiência enriquecedora, uma grande realização em sua vida. Não há outro tipo de

expressão que permita dar outro significado à pós-graduação nas histórias de vida dos

Sujeitos. Isso faz refletir que não são cursos ou títulos que garantem uma formação acadêmica

que conduza à autonomia. Ela depende de outros fatores contextuais na formação do

professor.

O que se evidencia nas histórias é a força do ambiente sociocultural experienciado

pelos professores, assim como esclarece Goodson (1995), com efeito significativo sobre os

elementos destacados nesta unidade: nas motivações presentes na escolha do curso e nas

contribuições do curso para o exercício da docência, seja em termos de instrumentais teórico-

metodológicos, seja em termos de instrumentais críticos ou não-críticos. De acordo com os

Sujeitos desta pesquisa, a formação e, por sua vez, a constituição e autonomia profissional de

um professor, são muito influenciadas pelas diversas experiências de sua trajetória pessoal,

pelo contexto histórico, pelas relações sociais que estabelece, pela cultura, entre outras.

Page 93: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

91

4.3.3 A formação extra-acadêmica

A formação extra-acadêmica, nesta unidade, inclui as atividades praticadas pelos

Sujeitos que contribuíram para o exercício da docência, além da educação formal recebida na

escola ou em instituições de Ensino Superior. São destacados elementos como o próprio

ambiente de trabalho dos Sujeitos, as exigências dos cargos e funções ocupadas nas

instituições nas quais trabalharam ou trabalham e a dedicação à pesquisa.

Percorrendo sua trajetória formativa, os professores concluem que o ambiente que

mais promoveu seu desenvolvimento profissional além dos muros da Instituição do Ensino

Superior, foi a escola, o ambiente de trabalho. Percebem que o dia-a-dia da profissão, a

prática na sala de aula e na instituição escolar foram imprescindíveis para a aprendizagem da

docência, ou seja, para a constituição do ser professor. Como conclui Libâneo (2001, p. 23) “é

no exercício do trabalho que, de fato, o professor produz sua profissionalidade.”

Considera-se que é na experiência, com o seu cotidiano profissional, isto é, no

exercício da docência, com as condições apresentadas, que os sujeitos se constroem

historicamente como homens, como pessoas, como profissionais, como professores. Para os

Sujeitos, essas experiências são vividas e tratadas de acordo com valores, sentimentos, normas

e tradições sociais e culturais.

Sendo assim, a docência e a constituição profissional do professor passa a ser

entendida como um percurso de aprendizagens, construído no tempo, na presença constante

do outro, nas interações face-a-face com colegas e alunos, “apontando os sinais e indícios

impressos no vivido e no ensinando (na identificação e na oposição) a lê-los, a interpretá-los e

reinterpretá-los [...]”. (FONTANA, 1997, p. 122).

Se o percurso formativo profissional dos professores pode conquistar grandes

avanços, com a participação em cursos de pós-graduação, congressos, pesquisas, leituras,

Page 94: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

92

pode ter também períodos de estagnação. Nos Sujeitos desta pesquisa, a participação em

cursos, congressos e eventos na área educacional, esteve presente durante suas histórias de

vida. Porém, nota-se que tal participação se deve, em grande parte, às exigências próprias dos

cargos e funções que ocuparam nas instituições nas quais trabalharam, em sua grande maioria,

promovidas pelos órgãos oficiais.

Embora as histórias de vida dos professores revelem que grande parte de sua

formação profissional se deve às exigências das instituições e dos órgãos nos quais

trabalharam e trabalham, as falas dos professores colocam em questão a responsabilidade

do professor por sua própria formação.

Nóvoa (1995d, p. 25) argumenta que “estar em formação implica um investimento

pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, visando à

construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”43. Nessa

perspectiva, o Sujeito 3 é o que parece ser mais independente das exigências dos órgãos

oficiais com relação à sua própria formação. Como estava (e está) sempre com alguma

pesquisa ou experimento científico em andamento, parece buscar, sem pressões externas, a

formação necessária para realizá-los. Vê o conhecimento científico como elemento essencial à

resolução de algum problema real. Foi assim que o Sujeito 3, ainda no seminário, inventou

uma máquina de trançar fios, para facilitar seu trabalho manual de desfiar e trançar fios de

meias velhas, para fazer redes, cobertores etc. Também criou uma plantação de arroz no

seminário para economizar custos com a compra desse alimento. Recentemente, dedica-se à

pesquisa sobre o efeito do pó de pedra basáltica como adubo em plantações. Vislumbra-se que

nele está introjetada uma mentalidade de pesquisa.

43 A tradução é lusitana.

Page 95: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

93

Nesse contexto, cabe citar autores como André (2001), Behrens (2003) e Demo

(1996) que ressaltam que o ato de “pesquisar” do professor é um importante recurso para a

sua formação, para a sua prática e, pode-se dizer, para a conquista de sua autonomia. A

pesquisa possibilita ao professor refletir sobre sua prática pedagógica, produzir

conhecimentos, descobrir novos caminhos e buscar possíveis soluções para resolver

problemas cotidianos.

Dessa forma, o sujeito se constitui professor tanto pela apropriação e reprodução de

concepções já estabelecidas social e culturalmente, e inscritas no saber dominante das

instituições educativas, quanto pela elaboração e interpretação particular das formas de

entendimento da atividade docente, tecidas em sua vivência pessoal e profissional com o

ensino (FONTANA, 1997).

Mediante os dados trazidos pelos Sujeitos, pode-se afirmar que o ambiente de

trabalho do professor, ou seja, as instituições com as quais teve ou tem contato, as exigências

dos cargos e funções ocupados e a dedicação à pesquisa são elementos significativos na

constituição e autonomia profissional do professor.

Observa-se que o percurso formativo é um processo que perpassa toda a trajetória de

vida dos professores. Nele aparecem marcadas pelos Sujeitos tanto as experiências do

percurso pessoal, da trajetória formal. que acontece no interior das instituições formadoras, ou

organizada por órgãos oficiais, como o exercício profissional e as oportunidades dele

decorrentes.

Page 96: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

94

4.4 O percurso profissional

Este eixo refere-se à trajetória profissional dos sujeitos: a entrada na carreira, o

desenvolvimento da carreira, a integração do professor em seu meio profissional, cargos e

funções ocupadas, sua atuação profissional. Está subdividido em três unidades significativas:

o início e o desenvolvimento da carreira profissional; o cotidiano profissional e realizações e

obstáculos do percurso profissional.

4.4.1 O início e o desenvolvimento da carreira profissional

Esta unidade trata das vivências dos Sujeitos como professores, desde os primeiros

anos da carreira até o momento atual. Destacaram-se nela os seguintes elementos emergentes

dos relatos dos professores: as formas de ingresso na carreira docente, as primeiras

experiências no magistério, as oportunidades de carreira na educação além da docência, a

participação em entidades de classe e a política educacional vivenciada pelos Sujeitos.

Os Sujeitos ingressaram pela primeira vez na profissão de duas formas distintas:

por meio de concursos ou testes e por meio de indicação política. A segunda forma de

ingresso foi o meio encontrado pelo Sujeito 2, que relata uma conversa entre seu pai (Seu T.)

e o prefeito do município na época (Seu F.): “[...]‘_ Seu T., o Senhor não tem uma casinha

para me alugar? Porque o bairro tá crescendo e as crianças estão precisando de escola, eu

gostaria de fazer umas duas salas de aula, para começar[...]?’. E o meu pai respondeu: ‘_

Olha, Seu F., eu construo uma escola se o Senhor puser minha filha para trabalhar!’ [...]. O

meu pai construiu e o Prefeito me nomeou até que eu fizesse o concurso depois para o

Estado.”

Page 97: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

95

Este relato do Sujeito 2 nos mostra que conseguir um emprego em órgãos públicos

por meio de indicação política ou por troca de favores parecia ser muito comum na época

(décadas de 60 e 70). No entanto, os Sujeitos privilegiam os concursos públicos, salientando

os benefícios que proporcionam, tais como estabilidade, plano de saúde, plano de carreira,

salário satisfatório (na época). Esses benefícios, especialmente, a estabilidade, passam a ser

conquistas da carreira, consideradas muito importantes pelos Sujeitos, assim como propõe

Huberman (1995).

Mas os Sujeitos, no geral, enfrentaram algumas dificuldades no início da carreira. O

Sujeito 1, por exemplo, conta que “ trabalhava 4 horas [...], quando chovia não passava

nada, era um atoleiro só. Nós íamos de trem e pulávamos num potreiro que tinha lá, que até

hoje eu não sei direito onde fica e andávamos o restante até a escola.”.

Ao contrário das mulheres, e talvez por não terem cursado a Escola Normal como

elas, os Sujeitos 3 e 4 contam que se sentiram um pouco inseguros em suas primeiras

experiências no magistério. O Sujeito 4 ainda relata que sua experiência de dez anos no setor

de recursos humanos na empresa em que trabalhava ajudou-o a relacionar-se bem com os

alunos, mas lhe faltavam “conteúdos”, para ministrar as aulas de História, elaborar

planejamentos etc., pois ele mesmo afirma: “É triste estar naquela época fazendo uma

faculdade por fazer [...]. Eu deixei meu diploma adormecido durante 9 anos como professor,

mas não porque ele não tinha valor, eu é que não dava o valor que ele merecia [...]”.

O Sujeito 3 teve sua primeira experiência como professor quando foi catequista e no

período em que fora professor do ensino supletivo, fundado pelo Seminário. Então, na

verdade, o Sujeito 3 começou a atuar como professor sem ter formação específica para tal,

para atender uma necessidade do Seminário, da Igreja com a qual tinha compromisso. Conta

que gostou da experiência, pois percebeu que, como professor, poderia expor suas idéias.

Mais tarde, depois de ter feito sua graduação, passou a dar aulas no seminário, de Ciências e

Page 98: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

96

Biologia, e constatou que além de fomentar idéias, podia realizar seus desejos na ciência,

conjugando as atividades docentes com a de pesquisador.

Com relação à permanência no trabalho docente, assim como conclui Souza (1996),

os professores revelaram tanto um comportamento de conformismo em relação às exigências

e condições sociais (garantia de sobrevivência, falta de opção, possuir um diploma, ter uma

profissão, estabilidade etc.), quanto de resistência a essa mesma sociedade, identificando-se

com a sua escolha, vislumbrando no magistério uma realização pessoal e profissional e a

possibilidade de transformação e formação cultural. Como diz o Sujeito 3: “O professor

trabalha com idéias [...]. Eu acho que o professor ainda é um campo onde ele tem bastante

liberdade de pensamento, dentro da sala de aula, liberdade de influenciar e dele criar

também.”

Assim como expõe Souza (1997), se o ingresso na carreira docente ocorreu como

mecanismo de conformismo, é na vivência desses professores que as relações sociais

mostram-se como são: ambíguas, contraditórias, marcadas ao mesmo tempo por relações de

conformismo e de resistência. Sem contestar abertamente o determinado, os professores o

reinterpretam e o reelaboram com base na experiência, conferindo-lhes novos significados,

rumo à autonomia.

Nesse sentido, constata-se que os professores estão envolvidos tanto na reprodução,

como indicam Gadotti (1998) e Saviani (2000), quanto na contestação das imposições

econômicas ou culturais, como indicam Cury (1986), Freire (2003) e Giroux (1997). Nem

sempre as reproduzem, também resistem a elas, manifestando significados e práticas que são

relativamente autônomas.

A esse respeito, tomando por base os estudos de Apple (1989) e Enguita (1989),

pode-se pensar que os professores possuem uma autonomia relativa. Ao mesmo tempo em

que endossam e estão vinculados ao poder do sistema econômico, social e político, encontram

Page 99: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

97

meios de contrariá-lo e resistir, participando de movimentos reivindicatórios, reformulando

currículos, realizando pesquisas etc. Paralelamente à história do grupo social do qual

participam, elaboram sua própria história, sua trajetória de vida.

Os dados dos Sujeitos mostram também que o exercício de outras atividades além

da docência, durante o desenvolvimento de suas carreiras também é fator contribuinte do

profissional docente. Algumas atividades ocorreram paralelamente à docência e outras a

interromperam, por um certo período. Por exemplo, um dado que coincide nos percursos

profissionais dos Sujeitos 1 e 2, é o fato de as professoras terem atuado como supervisoras

escolares de 1ª a 4ª séries, em meados da década de 80. De acordo com Cardoso (1997), pode-

se distinguir três vertentes que influenciaram a função do supervisor escolar. A primeira

vertente do conceito da supervisão, a mais antiga e tradicional, atribui ao supervisor(a) a

função de inspeção e fiscalização das atividades escolares. Deveria verificar e garantir o

cumprimento da legislação, documentação, matrículas, instalações, seguindo padrões rígidos

em todo o país.

A segunda vertente surgiu aproximadamente na década de 50 e se ampliou com a

aprovação da LDB 4.024/61. Emerge a função de orientação pedagógica da supervisão

escolar, na qual, cabia ao supervisor escolar orientar os professores mais jovens, para um

desempenho mais eficiente em sua prática pedagógica. Como orientador pedagógico, o

supervisor escolar devia selecionar exercícios e materiais didáticos variados, ministrar aulas

de demonstração, elaborar provas etc. Firmava-se “a divisão do trabalho escolar, em que um

grupo de professores pensa, organiza e planeja e outro grupo executa [...]”. (CARDOSO,

1997, p. 88).

A terceira vertente, por influência norte-americana, é introduzida no Brasil pelo

Programa de Aperfeiçoamento do Magistério Primário. Visava à melhoria do desempenho do

Page 100: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

98

professor primário, por meio de treinamentos, incentivando métodos e técnicas de ensino

modernas, como anunciava o modelo da racionalidade técnica na formação de professores.

Nota-se que a transição do conceito de supervisão escolar e, em conseqüência, do

entendimento das próprias funções do professor, coincide com uma transição econômica,

política e social do país. Especialmente, esta última vertente apresentada, está fundamentada

na tendência tecnicista, preconizada pelo Governo Militar e pelos acordos MEC – USAID.

O Sujeito 1 e o Sujeito 2 vivenciaram esse processo de transição da função do

supervisor escolar o que, de acordo com seus relatos, aconteceu lentamente. A professora -

Sujeito 2, quando atuava como docente, indignava-se com a função de fiscalização e controle

exercida pelo supervisor: “[...] no dia da prova, que era com data marcada, a supervisora

chegava com as provas prontas, lacradas e entregava as provas para uma outra professora

que ia aplicar para os meus alunos e eu sempre briguei muito por causa disso.”

Num outro momento da carreira, o Sujeito 2 passa a exercer a função de supervisora

e não mais de professora e conta: “Nos unimos assim, num grupo [de supervisoras] que

pensava igual e a primeira coisa que conseguimos mudar, nós ainda continuávamos fazendo

a prova, mas antes dela ser mimeografada, nós fazíamos reunião com as nossas professoras e

mostrávamos as provas para elas, para que elas pudessem opinar em alguma questão.

Aceitávamos sugestões, porque era um direito da professora, ela que tinha todo esse processo

do conhecimento junto com as crianças e fiquei nove anos como supervisora e, nos últimos

tempos, as professoras já organizavam suas provas e nós assessorávamos nesse sentido

[...]”.

Esses dois momentos do percurso profissional do Sujeito 2, primeiro como

professora e depois como supervisora, apontam essa inversão de posições como um elemento

de mudança na carreira e na constituição autônoma dessa professora. A oportunidade de

exercer a função de supervisora possibilitou exercer sua autonomia para alterar uma realidade

Page 101: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

99

com a qual não concordava, embora ainda respeitasse ordens superiores (levou quase nove

anos para que o supervisor não elaborasse mais as provas).

Já o Sujeito 1, diante dessa situação, embora não concordasse com o papel de

fiscalizar os professores, diz sempre ter cumprido sua função de supervisora, não explicitando

alguma ação para que ocorresse uma mudança, indicando uma reprodução da situação.

Por estes relatos dos Sujeitos 1 e 2, como supervisoras, pode-se notar que a atuação

autônoma do professor se deve, não somente às oportunidades que lhe são apresentadas para

exercê-la, mas também ao modo como as percebe. Nessa perspectiva, Contreras (2002, p.

197) escreve que a autonomia “não é um estado ou um atributo das pessoas, mas um

exercício, uma qualidade da vida que vivem.” Isto é, as pessoas conduzem-se autonomamente

em determinadas situações sociais, estando sujeitas ao seu processo de constituição. Por

exemplo, mais tarde, o Sujeito 1, ao participar da Associação dos Professores do Paraná

(APP-Sindicato), parece adotar uma outra postura.

Então, um elemento que também emerge como marcante na constituição e autonomia

profissional docente refere-se à participação em entidades de classe.

O Sujeito 1 foi membro ativo da APP-Sindicato, na década de 80, durante dois anos.

Expõe que essa participação contribuiu para o seu desenvolvimento profissional, no sentido

de perceber a importância da dimensão política na ação docente, ou seja, de o professor

posicionar-se diante de seu contexto profissional e social: “[...] me levou a respeitar a

opinião dos outros e a tomar uma posição principalmente [...]. O posicionamento é muito

importante e só ali mesmo que eu pude perceber.”

Entendendo que a formação docente, assim como diz García (1999), refere-se à área

de conhecimentos, investigações e propostas teórico-práticas interessadas nos processos por

meio dos quais os professores em formação, ou em exercício, envolvem-se em experiências

de aprendizagem, adquirem ou melhoram conhecimentos, competências e disposições, que

Page 102: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

100

lhes permitem intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da

escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem, a

participação dos professores em entidades ou movimentos da classe, torna-se também um

meio de formação, de constituição profissional e de exercício da autonomia.

O caráter, em geral, político e crítico desses movimentos pode permitir ao professor

uma visão crítica da realidade, de sua situação, como profissional, de sua prática pedagógica.

Pode incentivar uma emancipação pessoal da repressão, uma superação de imposições

ideológicas, assim como propõe as teorias críticas da educação, que consideram o professor

como sujeito de um pensar e agir. Como um sujeito histórico, comprometido socialmente,

como postulam Freire (1999, 2003), Gadotti (1998) e Giroux (1997).

Nessa perspectiva, a política educacional vivenciada pelos Sujeitos surge como um

outro elemento relevante no processo de constituição e autonomia profissional docente.

Quanto à política educacional, os professores registraram grandes e importantes

reformas educacionais que marcaram o ensino e, também, suas carreiras. Criticam o fato de o

governo sempre seguir modelos educacionais de outros países, sem consultar ou preocupar-se

com a formação dos professores, para assumir tal reforma. O Sujeito 1 justifica afirmando

que, na ocasião da implantação da LDB 5692/71, os estudos foram superficiais e por isso,

“muitas coisas não deram certo”.

Entre as reformas educacionais também citam a LDB 9394/96. Os Sujeitos 1 e 2

posicionam-se, afirmando que esta proporcionou uma maior liberdade e autonomia para os

professores e escolas, mas que ainda falta maior participação da classe na discussão e

elaboração de novas diretrizes, projetos pedagógicos e planos educacionais nacionais. A esse

respeito, cabe ressaltar a reflexão de Contreras (2002, p. 219), ao afirmar que

Page 103: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

101

Quando os processos de decisão do que se deve fazer na escola excluem os professores, ou lhes impõem os limites de suas competências, o que devem decidir ou não, excluindo também a participação social e estabelecendo como únicos interlocutores os aparelhos da administração, estamos diante de um tipo de relação que só estimula a obediência, ou ao contrário, o engodo e a desobediência, mas dificilmente a autonomia [...]

Em continuidade a esta reflexão, é possível notar então que, apesar de os professores

terem oportunidades para se constituirem mais autonomamente, ao poderem participar de

movimentos e associações da classe, ainda estão à margem das políticas educacionais. Assim,

encontram-se numa situação contraditória, que é de resistência e, ao mesmo tempo, de

reprodução, constituindo uma espécie de autonomia limitada. Mais uma vez, reforça-se a idéia

de que a autonomia, no processo de constituição profissional docente, está relacionada ao

posicionamento político, às oportunidades, escolhas, relações sociais e ao modo como o

sujeito internaliza essas vivências.

Diante de todos os dados já expostos, os professores pesquisados realizam uma breve

análise de seu desenvolvimento profissional. Particularmente, o Sujeito 1, refletindo sobre o

momento atual, que o define como o “novo paradigma”, reconhece que teria atitudes

diferentes como professora. Percebe que sua atuação educativa de anos atrás, em sala de aula,

não seria mais adequada aos dias de hoje, devido às mudanças na sociedade e na própria

escola : “[...] quando a gente se lembra das coisas que aconteciam e vê agora o novo parecer,

o novo paradigma, você fica pensando, meu Deus, quanta coisa errada eu fiz!”.

Mas, ao se indagar por quais razões que cada um dos professores ensinou ou ensina

desta ou daquela maneira, age desta ou daquela forma, é possível concordar com Fonseca

(1997) que supõe que um amálgama dinâmico de sentimentos, gostos, experiências, valores e

de relacionamentos consolidou-se no decorrer do tempo e das interações sociais, mediante

concepções e comportamentos que identificam a maneira própria de ensinar e de ser de cada

um dos professores.

Page 104: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

102

De acordo com os trabalhos de Cunha (2000), Fontana (1997), Fonseca (1997),

Soares (1991) e Souza (1996), pode-se afirmar que uma certa maneira particular de ser e agir

que cada um possui é formada a partir da influência exercida pelos sistemas formativos e

normativos, pela economia, pela política, pela cultura, pelas interações com outras pessoas,

por pertencer a uma geração etc.

Os elementos apontados nesta unidade como as formas de ingresso na carreira,

oportunidades de carreira na educação além da docência, participação em entidades de classe

e a política educacional vivenciada pelos Sujeitos, conduzem à afirmação de que os

professores são uma multiplicidade de papéis sociais internalizados numa só pessoa.

Acredita-se que é nesse sentido que Nóvoa (1995c) salienta que a maneira como o

professor age como profissional está diretamente dependente do que ele é como pessoa. E o

que o professor é como pessoa está diretamente relacionado ao que ele é como profissional.

São faces que se completam e se constituem reciprocamente.

Portanto, cada sujeito não é somente professor ou professora. É também homem e

mulher, cidadão, avó, pai e filho, mãe e filha, irmão, esposo, esposa, o professor inexperiente,

o professor pesquisador, a supervisora, a militante, o professor que trabalha em cinco escolas,

entre outros.

4.4.2 O cotidiano profissional

Com base na concepção de cotidiano de Heller ([198-]), entende-se o cotidiano como

o espaço de experiências e de construção histórica de todo homem e do homem inteiro.

Portanto, é no espaço cotidiano da escola que os professores trabalham e vivenciam

experiências, embates, alegrias e decepções; constroem conceitos e relacionamentos; ensinam,

aprendem e constituem-se. Esta unidade refere-se às vivências dos Sujeitos nas instituições e

Page 105: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

103

espaços educacionais nos quais trabalharam ou trabalham, ao longo de sua carreira

profissional, salientando os seguintes elementos: os contextos colaborativos, a concepção de

coletivo dos professores e a influência de cotidianos não-escolares no cotidiano docente.

No cotidiano profissional, a prática educativa dos sujeitos expressa vários aspectos

apontados nas dimensões do desenvolvimento profissional de Howey (1985), tais como a

busca pelo domínio da área de conhecimento a que se dedicam e como transpor didaticamente

esses conhecimentos aos alunos; conhecer a escola, a instituição na qual trabalham; exercer

papéis de liderança; a preocupação com a aprendizagem dos alunos e com as condições de

trabalho.

Nas histórias de vida dos Sujeitos, o cotidiano se expressa na convivência e no

relacionamento com os colegas, em que o respeito pelo próximo e a coletividade para a

realização de um bom trabalho são apontados como essenciais pelos professores. Para o

Sujeito 1, o convívio com os colegas foi “sempre de muita amizade [...], fazíamos as festas

na escola, as comemorações. Era muito bom.”

É unânime entre autores como García (1999), Fullan e Hargreaves (2000), Nóvoa

(1995a), Ponte (1998) e Zeichner (1993), a importância atribuída ao trabalho colaborativo

entre professores. Os contextos colaborativos, sejam eles institucionais, associativos, formais

ou informais, oportunizam ao professor interagir com seus pares, expondo experiências e

opiniões, obtendo informações e sugestões importantes para a sua prática. A prática

profissional do professor pode, assim, ser favorecida por um movimento, a partir das

experiências de outros professores. Assim, o professor constitui-se e desenvolve-se num

contexto de relações e não isoladamente. E a autonomia está, portanto, “na relação com o

outro e na interpretação dessa relação.” (CUNHA, 2000, p. 132).

Mas é interessante observar que o Sujeito 2 sugere que a cooperação profissional

pressupõe que todos os envolvidos no trabalho educativo de uma instituição definam

Page 106: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

104

objetivos comuns: “[...] para que a gente possa caminhar com mais unidade, todos os

departamentos tendo os mesmos posicionamentos”. O Sujeito 4, da mesma forma, entende

que para haver coletivo não deve haver conflitos ou divergências de idéias, como por

exemplo, afirma que “uma classe [a dos professores], para ser unida, não pode estar

disputando entre ela mesma a liderança.”

As falas desses Sujeitos revelam uma posição de coletivo que emerge da concepção

de uma educação homogeneizadora, apolítica, vivida e internalizada por eles. Como ser

autônomo, numa concepção de coletivo como massa, com todos pensando e agindo da mesma

forma?

O coletivo não significa unidade absoluta de posicionamentos e ações. Os sujeitos

são pessoas singulares, isto é, considera-se que cada qual tem o seu modo particular de pensar

e agir, devendo buscar meios e oportunidades de expô-los, exercitando sua autonomia. As

divergências de idéias e posturas, à medida que são discutidas, contribuem para um

crescimento individual e também coletivo, influenciam na constituição autônoma do

professor. Os conflitos, na verdade, são inerentes à idéia de coletivo. Como denota Arendt

(1983, p.12)

[...] tudo o que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além da linguagem [do signo] e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um político. Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos. (grifo nosso)

De acordo, então, com Arendt (1983), e também com a concepção histórico-cultural,

é na relação, no diálogo com o outro, que o sujeito aprende e se apropria do vivido, que se

transforma e se constitui no que é, que se particulariza. A interação entre indivíduos

Page 107: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

105

particulares, mediada pelos signos, desempenha um papel fundamental na constituição do

sujeito e na construção de sua autonomia.

Um outro elemento que marca os relatos dos Sujeitos nesta unidade são as

experiências vividas em cotidianos não-escolares. A cotidianidade e as experiências vividas

fora do ambiente escolar influenciam a atuação profissional dos professores pesquisados. Isto

é explicitado claramente, por exemplo, na fala do Sujeito 4, quando traz para o seu cotidiano

de professor elementos de outros cotidianos vividos por ele, valendo-se de suas experiências

como coroinha da Igreja, no Exército e nas empresas em que trabalhou para organizar suas

aulas e sugerir mudanças na organização do sistema escolar, com relação à ocupação do cargo

de Diretor: “Por que um comandante é transferido? Por que um gerente é transferido de

Banco? Por que um vigário troca de Paróquia? Por que exatamente um diretor de escola não

poderia ter um salário digno de um administrador, com visão na parte de administração, na

parte pedagógica, em tudo e também receber uma transferência, quando ocorre um

problema?”.

A influência de elementos de outros cotidianos, além da escola, para o Sujeito 4

foram tão marcantes que ele os toma como modelos em seu percurso profissional docente. E,

com certa regularidade, entre os quatro Sujeitos desta pesquisa, elementos vividos no

cotidiano familiar e formativo também influenciam o cotidiano profissional, como é o caso do

Sujeito 3 que conta que a vida no seminário era muito regular, rígida, sincera, não era

permitido “colar” de jeito algum e “[...] naturalmente estas atitudes eu guardei com muita

rigidez [...] passei também a idéia aos alunos [...]”. Nesse sentido, cabe citar a análise de

Fontana (1997) que conclui que as relações que o sujeito estabelece com os outros, os modos

de agir com e sobre os outros, tornam-se formas de relação e de ação sobre ele mesmo.

Vigotski (2000b) aponta que o desenvolvimento humano caminha para a

transformação de funções sociais em funções psicológicas. Mas a constituição do sujeito não

Page 108: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

106

é um processo de absorção passiva da cultura, e sim um processo de transformação, de

síntese, em que o sujeito atribui significados próprios às ações, chegando a uma autonomia.

4.4.3 Realizações e obstáculos do percurso profissional

Esta unidade traz elementos que, segundo os relatos dos Sujeitos, significam alegria

e realização na carreira docente, como o convívio com os alunos e, também aponta elementos

que significam obstáculos do percurso profissional, como a relação com colegas de trabalho,

as más condições de trabalho e a organização da escola.

As realizações do percurso profissional destacadas pelos professores estão

prioritariamente relacionadas ao convívio com os alunos. É sobre esse aspecto, portanto, que

os Sujeitos de pesquisa contam a satisfação pessoal e profissional: “Sempre os momentos em

que eu convivi com os meus alunos, considero como melhores momentos. Até hoje eu tenho

uma ligação muito forte com os meus alunos.” - (Sujeito 2).“Eu acho que melhores

momentos eu colocaria a sala de aula de 1ª a 4ª. Foi muito bom, tanto no início quanto

quando eu peguei o segundo padrão, que eu voltei.”- (Sujeito 1). “São tantos momentos de

satisfação, desde aquele bilhete que você recebe do aluno até uma homenagem [...]”-

(Sujeito 4).

Sobre os obstáculos do percurso profissional, peculiarmente, o Sujeito 1 descreve um

fato relacionado ao convívio com uma colega de trabalho, que quase a levou à desistência

da profissão: “[...] uma diretora muito insegura e imatura, ao mesmo tempo, que quase não

aparecia na escola. Como eu estava lá doze horas, as professoras se apegavam, tinham

confiança, porque eu dava respostas pra elas [...], me apunhalando pelas costas, me

colocando à disposição do Núcleo.” Esse fato certamente repercutiu na trajetória profissional

do Sujeito 1, pois segundo Fontana (1997, p. 133), “as relações de trabalho que nos afastam

Page 109: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

107

de nossos pares empobrecem nossa constituição como profissionais e como sujeitos [...]”. Vê-

se, mais uma vez, que o trabalho coletivo mediado pelo diálogo, é um importante recurso para

a atividade docente.

Tecendo uma visão crítica do momento atual, os Sujeitos destacam também, como

um dos maiores obstáculos do percurso profissional as más condições de trabalho nas

escolas, citando a falta de valorização da profissão docente, os baixos salários e o número

reduzido de profissionais nas equipes pedagógicas, destinados a auxiliar o professor e a

contribuir na gestão escolar.

Para o Sujeito 3, aspectos negativos como os citados parecem até causar-lhe certo

mal-estar44, interferindo em seu investimento na carreira de professor. Acredita que a escola,

da maneira como está organizada hoje (laboratórios não adequados, desinteresse dos alunos

e da Direção, falta de tempo, falta de recursos financeiros etc.), não viabiliza seus projetos de

pesquisa. Observa que isto o desanima e receia que possa estar prejudicando os alunos em sua

aprendizagem. Então, pretende logo aposentar-se.

Ao contrário dos demais sujeitos, o Sujeito 2 parece ter uma visão otimista, pois

afirma que “houve uma revolução no ensino [...], houve melhora em todos os sentidos [...]”.

Percebe que a escola, os professores reconhecem as mudanças que ocorreram e ocorrem na

sociedade, como cita as inovações tecnológicas e novas metodologias, e diz adaptar sua ação

pedagógica a elas. Isto, para ela, eleva a qualidade do ensino. Nota essa mudança também

entre os acadêmicos do curso em que leciona na faculdade, que estão mais participativos e

cada vez mais preocupados com sua formação.

Pode-se inferir que essa divergência sobre a percepção das condições da escola

atualmente, deve-se às oportunidades e trajetórias vividas por cada um deles, no decorrer de

44 A expressão mal-estar docente, segundo Esteve (1999, p. 98), é utilizada para descrever “os efeitos permanentes de caráter negativo, que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que exerce a docência, devido à mudança social acelerada.”

Page 110: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

108

seu percurso profissional e da especificidade de seu trabalho docente. Como assinala Fontana

(1997, p. 137):

As especificidades da organização do trabalho docente também nos constituíram e seguem nos constituindo. Vivendo-as, dentro e fora do espaço escolar, produzimos as professoras que somos. Em suas confluências e oposições às muitas outras dimensões e papéis sociais que nos constituem, fomos transformando-as em parte de nós, fomos imprimindo-lhes nuances e tonalidades singulares.

Sendo assim, os dados mostram que todos os professores participantes desta

pesquisa, cada qual com a sua singularidade, tiveram obstáculos a serem superados como

momentos de desânimo, ansiedade e até mesmo mágoas, mas também tiveram muitas

realizações: passaram por grandes e longos tempos de tranqüilidade, conforto e alegrias.

Ambos – obstáculos e realizações – afetaram e afetam o percurso profissional docente.

Portanto, o desenvolvimento da carreira docente não é linear nem simétrico, difere de

professor para professor, devido às influências socioculturais às quais está exposto e ao modo

como percebe, internaliza e interpreta essas influências.

Nos relatos dos Sujeitos, é possível identificar a fase de estabilização de que trata

Huberman (1995), na qual os professores sentem-se mais seguros com relação à profissão e há

um comprometimento definitivo com o ensino. Mas, os professores desta pesquisa, com

exceção do Sujeito 3, mesmo chegando ao final de suas carreiras, parecem não se inserirem na

fase de desinvestimento na profissão. Pelo contrário, eles têm planos futuros na carreira

docente. O Sujeito 1, logo que se aposentar, pretende voltar a estudar, ingressar em um

programa de Mestrado, para lecionar no Ensino Superior. O Sujeito 2, embora pretenda se

dedicar mais à família quando se aposentar, diz que tem compromisso com a instituição em

que trabalha, pelos próximos quatro anos, e esse tempo, possivelmente, pode-se estender. O

Sujeito 4 pretende dedicar-se mais a si mesmo, descansar, mas afirma ainda querer percorrer

uma longa caminhada na docência.

Page 111: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

109

O processo de rememoração da trajetória de vida oportunizou às professoras

refletirem sobre seu próprio desenvolvimento profissional, repensarem ações, atitudes,

escolhas e também fazerem planos para o futuro. Ao final dos relatos, os próprios professores

reconhecem que o processo de constituição profissional e de sua autonomia se dá pelo

desenvolvimento conjugado do percurso pessoal, formativo e profissional. Esses aspectos

entrelaçam-se durante as trajetórias de vida e também mesclam-se durante o delineamento da

história oral.

Page 112: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. [...] Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo.”

Paulo Freire

O presente trabalho partiu das seguintes indagações: Como se dá o processo de

constituição profissional docente? Que tipos de experiências e relações pessoais, profissionais

e formativas contribuem para a constituição profissional docente? E, no processo de

constituição profissional, como o professor desenvolve uma autonomia?

Estas indagações traduziram-se em dois objetivos que nortearam a organização da

pesquisa: a) identificar, descrever e analisar o processo de constituição profissional docente e

identificar; b) analisar a autonomia no processo de constituição profissional docente, a partir

das histórias de vida de quatro professores, dois homens e duas mulheres.

Sem pretensão de esgotar o tema, tecer generalizações ou encontrar respostas

definitivas para os objetivos propostos, esta pesquisa possibilitou destacar algumas indicações

importantes para a compreensão do processo de constituição e autonomia profissional

docente.

As histórias de vida dos professores não constituem apenas uma reprodução do

passado, constituem uma representação do passado, reinterpretado à luz do presente. É com o

olhar do presente que o sujeito percebe seu passado, relata-o e o analisa. Assim, se os dados

Page 113: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

111

revelados nos relatos dos professores fazem parte da memória de cada um deles, constata-se

que a memória dos sujeitos “não é o acesso a um continente de lembranças armazenadas, mas

uma elaboração, governada pelo sujeito presente, de aspectos do passado.” (CERRI, 2000, p.

115).

Bosi (1994) e Oliveira (2004) fazem ver que apesar de a história oral ter o seu

enfoque nos aspectos individuais da vida de cada sujeito, ao mesmo tempo uma memória

coletiva é ativada, pois à medida que cada indivíduo conta a sua história, ele se encontra

envolto em um contexto histórico e cultural, estabelecendo relações sociais, pertencendo a um

grupo, classe ou categoria que participa de um passado comum. A convivência com

familiares, amigos, no ambiente escolar e profissional desenvolve uma memória coletiva.

Desse modo, pode-se dizer que os dados desta pesquisa revelaram aspectos da história da

sociedade e de um coletivo de sujeitos – professores. Tais aspectos foram determinantes na

história individual de cada um dos sujeitos pesquisados, revelando, ainda, que o processo de

constituição é coletivo. O caráter coletivo advém à medida que o sujeito estabelece relações

sociais, sendo singular, à medida que imprime, nessas relações sociais, a sua marca, a sua

subjetividade.

Sob essa perspectiva, constatou-se por meio das histórias de vida, que o sujeito –

professor é um todo, um conjunto complexo de vivências pessoais, formativas e profissionais,

pois no decorrer de todos os relatos, esses percursos mostram-se entrelaçados por meio de

múltiplos movimentos, que dificultam, muitas vezes, a distinção entre um e outro. Cada um

desses percursos oportunizou diferentes experiências e relações sociais e, estas, por sua vez,

promoveram a internalização de novos conteúdos, valores, crenças, normas e atitudes,

formação de gostos e estilos.

Acredita-se que o processo de constituição profissional docente se dá a partir de um

amplo processo, que inclui, desde a suas experiências no seio familiar, sua escolarização, até

Page 114: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

112

o exercício profissional, propriamente dito e, todos esses aspectos encontram-se reunidos na

dinâmica da história da sociedade e da história de cada sujeito em particular (CUNHA, 2000).

A constituição do sujeito - professor não resulta, assim, de uma simples transposição

da realidade exterior para a interior, mas é um processo de internalização, que envolve,

simultaneamente, uma dimensão externa e cultural, e uma dimensão interna, subjetiva, de

cada sujeito em permanente reconstrução. É um processo histórico-cultural.

Os elementos externos – culturais, que aparecem nas histórias de vida dos Sujeitos,

como o período histórico em que viveram, a escolaridade e a formação acadêmica, a

convivência com os pais e irmãos, o casamento, filhos, os modelos e concepções de formação

escolar, o cotidiano profissional, as condições econômicas, as dificuldades e realizações, são

muito próximos e semelhantes, revelando tendências comuns entre eles. Mas, as escolhas, as

relações sociais que estabeleceram e o modo como cada sujeito – professor as trata é

particular, “uma vez que o significado, de que cada um deles se revestiu, dependeu do lugar

que cada personagem ocupou na trama de relações em que cada história foi-se tecendo.”

(FONTANA, 1997, p. 134). Por isso, ainda que os fatores constitutivos possam ser muito

próximos e até os mesmos, para todo e qualquer sujeito, o processo de constituição de cada

professor é singular, é uno.

As situações experienciadas e as posições assumidas pelos Sujeitos em seus

percursos pessoais, formativos e profissionais evidenciam que a complexa interação com o

seu ambiente sociocultural, com as relações sociais e com a sua subjetividade podem ser

consideradas como fundamentos do processo de constituição dos professores.

Nas histórias de vida analisadas nesta pesquisa, todos os elementos que emergiram

das falas dos Sujeitos apontados no Capítulo IV são significativos na constituição e autonomia

profissional docente. Entretanto, alguns elementos se sobressaíram, demostrando uma forte

Page 115: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

113

influência na constituição dos professores, tais como: as questões de gênero, a formação

familiar e da escolarização básica e o exercício profissional.

Sobre as questões de gênero, a sociedade, a cultura de modo abrangente, indica a

cada momento quais comportamentos são esperados e aceitos para homens e mulheres. Por

conseguinte, em vários momentos das histórias de vida dos professores pesquisados é possível

distinguir e relacionar, sem mesmo nominar, quais dos Sujeitos são mulheres e quais são

homens. Há diferenças nas trajetórias de vida e na constituição desses como docentes, por

serem homens ou mulheres. Diferenças que vão desde o tratamento recebido na família

(ajudar nos afazeres domésticos, no caso das mulheres), a valorização do casamento e o

relacionamento com os filhos, na escolha da profissão e até na imagem que se tem de

professor.

Da formação familiar e da escolarização básica, os Sujeitos internalizaram

comumente valores morais, éticos e religiosos, normas de comportamento e atitudes. Essa

formação produziu significados e sentidos que os acompanharam desde o início até o final de

seus relatos, ou seja, por toda a vida de cada um. Os modelos de pai, mãe e de professores são

assumidos por eles nas posições que ocupam na sociedade.

É na dinâmica do exercício profissional, sobretudo, que os Sujeitos se reconhecem

como professores, assumindo hábitos, posturas, posições, mobilizando experiências,

discutindo, construindo sua prática pedagógica no dia a dia da sala de aula. Na relação com os

alunos, colegas, superiores, no cotidiano é que se constituem como profissionais.

E o desenvolvimento da autonomia revelou-se como inerente e simultâneo ao

processo de constituição de cada professor. Inúmeras situações vividas pelos Sujeitos, como a

educação rigorosa recebida na família, exemplos de professores autoritários, a formação

escolar conservadora, a formação acadêmica no período de Ditadura, a formação sacerdotal

ou no exército, a idéia de um coletivo sem conflitos, as condições de trabalho, entre outras,

Page 116: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

114

influenciam, reduzindo e limitando o desenvolvimento da autonomia, chegando, por vezes,

até a anulá-la.

A questão da falta de tempo emerge das trajetórias da maior parte dos Sujeitos como

um fator significativo na redução da autonomia. Trabalhar em cinco empregos diferentes,

conciliar o trabalho com as atividades domésticas (no caso dos Sujeitos mulheres), são

exemplos de que o professor, muitas vezes, não consegue o tempo necessário para dedicar-se

a leituras e para proceder a uma análise crítica da realidade, de sua própria formação e

profissão. Além disso, não são compensados financeiramente para prover o sustento da

família e ainda investir em sua formação, como apontam Apple (1989) e Ponce (2004). Outra

conseqüência da falta de tempo assinalada por Silva (1991) é o afastamento do professor das

relações de diálogo com seus pares e de seu envolvimento em movimentos e associações da

classe, incentivando o individualismo, levando-o à alienação. Isto faz com que o professor

acabe fossilizando práticas e comportamentos.

Mas, considerando que a autonomia suscita uma emancipação pessoal e ideológica,

uma conscientização e um posicionamento político e coletivo, uma construção permanente,

em contrapartida, existem outras situações experienciadas pelos Sujeitos pesquisados que a

fomentam e a oportunizam como: exemplos de professores dinâmicos e críticos,

oportunidades de exercer cargos administrativos, a sala de aula e a participação em

movimentos e associações da classe. Por meio do relato do Sujeito 3, pode-se concluir que o

estudo, a pesquisa, a leitura e o hábito de análise crítica da leitura foram, em sua trajetória,

fatores relevantes na construção da autonomia docente. Isso sugere que esses fatores devem

ser mais incentivados e valorizados na formação docente.

Baseando-se nos dados desta pesquisa, pode-se afirmar que a autonomia no processo

de constituição profissional docente desenvolve-se de forma relativa como concluem Apple

(1989) e Enguita (1989). Os professores em alguns momentos e situações apenas agem como

Page 117: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

115

meros executores e reprodutores, às vezes, sem perceber ou mesmo por conveniência, para

atingir seus propósitos particulares. Em outros momentos, agem com resistência, com

consciência e criticidade.

Acredita-se que um dos meios de o professor ampliar o desenvolvimento de sua

autonomia, além de conhecer e refletir sobre seu contexto histórico-cultural, é se

autoconhecer, compreender os modos pelos quais se constitui, pois como denota Contreras

(2002, p. 214), a autonomia significa “[...] um processo dinâmico de definição e constituição

pessoal de quem somos como profissionais, e a consciência e realidade de que esta definição e

constituição não pode ser realizada senão no seio da própria realidade profissional [...]”.

Esta pesquisa mostra que rememorar e refletir intimamente sobre sua história de

vida, relacionando-a aos intervenientes socioculturais, pode possibilitar ao professor conhecer

suas limitações e encontrar meios para rompê-las, compreender que seu processo de formação

não é ingênuo e nem intermitente e que a autonomia deve ser uma busca permanente. Pode

permitir ao professor questionar-se, porque ensina deste ou daquele jeito, entender o porquê e

como se tornou o que é e, especialmente, perceber que não é um ser acabado, mas um sujeito

histórico, que está em constante constituição.

A partir dessa perspectiva, conhecer a trajetória de vida, o processo de constituição,

de uma autonomia e incentivar o autoconhecimento de futuros profissionais da educação,

passa a ser um desafio para os cursos de formação de professores e para a escola. É uma

relação que deve e merece ser mais bem explorada em outras pesquisas, pois como sublinha

Freire (1999), o espaço profissional docente é um “texto” para ser, permanentemente, lido,

interpretado, analisado, escrito e reescrito.

Page 118: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, J. S. de. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São Paulo: UNESP, 1998. ANDRÉ, M. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 2. ed. São Paulo: Papirus, 2001. (Coleção Prática Pedagógica). APPLE, M. W. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. ARANHA, M. L. de A. História da educação. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1996. ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983. AZEVEDO, F. de. A educação entre dois mundos: problemas, perspectivas e orientações. São Paulo: Melhoramentos, 1958. (Obras Completas, v. XVI). ______. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1963. AZEVEDO, J. M. de. A educação como política pública. Campinas: Autores associados, 1997. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo). BARROS, A. de J. P. de; LEHFELD, N. A. de S. Projeto de pesquisa: propostas metodológicas. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. 3. ed. Curitiba: Champagnat, 2003. (Série Educação: Teoria e Prática). BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. (Coleção Ciências da Educação). BOLÍVAR, A. (Org.). Profissão professor: o itinerário profissional e a construção da escola. Bauru: EDUSC, 2002.

Page 119: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

117

BOSI, E. Memória de sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M. de M.; AMADO, J. Usos e abusos da história oral. 5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p.183-181. BRASIL. Decreto – Lei nº 8.530 de 2 de janeiro de 1946. Lei Orgânica do Ensino Normal. Disponível em: < www.soleis.adv.br>. Acesso em: 15 jun. 2004. BRASIL. Decreto - lei nº 477 de 26 de fevereiro de 1969. Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb10b.htm>. Acesso em: 20 jun. 2004. BRASIL. Lei nº 9394/96 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. In: CURY, C. R. J. Legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. (Coleção O que você precisa saber sobre). CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999. CAMPOS, M. C. S. de S. Formação do corpo docente e valores na sociedade brasileira: a feminização da profissão. In: ______; SILVA, V. L. G. da (Coord.). Feminização do magistério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. p. 13-37. CANDAU, V. M. Formação continuada de professores: tendências atuais. In: ______ (Org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 51-68. CARDOSO. H. Supervisão: um exercício de democracia ou de autoritarismo? In: ALVES, N. (Coord.). Educação & Supervisão: o trabalho coletivo na escola. 8. ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 71-96. CASTRO, M. de. Memória, pesquisa e formação de professores: aspectos metodológicos relativos ao uso da história oral. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL, 6., São Paulo, 2002. Anais... São Paulo: Associação Brasileira de história Oral, 2002. 1 CD ROM. CAVACO, M. H. Ofício de professor: o tempo e as mudanças. In: Nóvoa, A. (Org.). 2. ed. Profissão professor. Porto: Porto Ed., 1999. p. 155-191.

Page 120: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

118

CAVALCANTI, R. de A. Andragogia: a aprendizagem nos adultos. Disponível em: <http://www.rau-tu.unicamp.br/nou-rau/ead/document/?view=2>. Acesso em: 20 fev. 2004. CHAKUR, C. R. de S. L. Desenvolvimento profissional docente: contribuições de uma leitura piagetiana. Araraquara: JM Ed., 2001. CERRI, L. F. Ensino de história e nação na publicidade do milagre econômico: Brasil: 1969-1963. 2000. 287 f. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, 2000. CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. COSTA, M. V. Trabalho docente e profissionalismo. Porto Alegre: Sulina, 1995. CUNHA, M. D. da. Constituição de professores no espaço-tempo da sala de aula. 2000. 259 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, 2000. CURY, C. R. J. Educação e Contradição: elementos para uma toria crítica do fenômeno educativo. 2. ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1986. DEMARTINI, Z. de B. F.; ANTUNES, F. F. Magistério primário: profissão feminina, carreira masculina. In: CAMPOS, M. C. S. de S.; SILVA, V. L. G. da (Coord.). Feminização do magistério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. p. 69-93. DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados, 1996. DEWEY, J. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição. 3. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1959. (Atualidades Pedagógicas, v. 2). DIAS-DA-SILVA, M. H. G. F. O professor e seu desenvolvimento profissional: superando a concepção do algoz incompetente. Cadernos CEDES, Campinas, v. 19, n. 44, p. 33-45, abr. 1998. ENGUITA, M. F. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

Page 121: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

119

ESTEVE, J. M. Mudanças sociais e função docente. In: Nóvoa, A. (Org.). 2. ed. Profissão professor. Porto: Porto Ed., 1999. p. 93-123. FERREIRA, M. de M. História oral: um inventário das diferenças. In: ______. (Coord.). Entre-vistas: abordagens e usos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994. p. 1-13. ______. História oral e tempo presente. In: MEIHY, J. C. B. (Org.). (Re) Introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996. p. 11-21. (Série eventos. Encontro Regional de História Oral Sudeste – Sul 1.,1995, São Paulo). FONSECA, S. G. Ser professor no Brasil: história oral de vida. Campinas: Papirus, 1997. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). FONTANA, R. A. C. Como nos tornamos professoras?: aspectos da constituição do sujeito como profissional da educação. 1997. 212 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, 1997. FONTOURA, M. M. Fico ou vou-me embora? In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Ed., 1995. FREITAS, M. T. DE A. (Org.). Memórias de professoras: história e histórias. Juiz de Fora, MG: UFJF, 2000. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 11. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (Coleção Leitura). ______. Pedagogia do oprimido. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. ______. Educação e Mudança. 27. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003 FREIRE, P.; HORTON, M. O caminho se faz caminhando: conversas sobre educação e mudança social. Petrópolis: Vozes, 2003. FULLAN, M.; HARGREAVES, A. A escola como organização aprendente: buscando uma educação de qualidade. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Page 122: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

120

GADOTTI, M. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 11. ed. São Paulo: Cortez, 1998. ______. Histórias da idéias pedagógicas. 8 ed. São Paulo: Ática, 2002. (Série Educação). GARCÍA, C. M. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação do pensamento do professor. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p. 51-76. ______. Pesquisa sobre formação de professores: o conhecimento sobre aprender a ensinar. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 9, p. 51-75, set./dez.1998. ______. Formação de Professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Ed., 1999. GERALDI, C. et al. (Org.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras; ALB, 1998. GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. GONÇALVES, J. A. M. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Ed., 1995. p. 141-169. GOODSON, I. F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Ed., 1995. p. 31-61. GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. HELLER, A. O cotidiano e a história. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, [198-]. HOWEY, K. Six major functions of staff development: an expanded imperativ. Journal of Teacher Education, v. 36, n. 1, p. 58-64, 1985. HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Ed., 1995. p. 31-61.

Page 123: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

121

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 77). LAROCCA, P. Conhecimento psicológico e séries iniciais: diretrizes para a formação de professores. 1996. 263 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996. LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 1996. LEITE, S. A. da S. Desenvolvimento profissional do professor: desafios institucionais. In: AZZI, R. G.; BATISTA, S. H. S. da S.; SADALLA, A. M. F. de A (Org.). Formação de professores: discutindo o ensino de psicologia. Campinas: Alínea, 2000. p. 39-66. LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 3. ed. rev. amp. Goiânia: Alternativa, 2001. LIMA, L. de O. Estórias da educação no Brasil: de Pombal a Passarinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Brasília, [19--]. LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. A. Pesquisa qualitativa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino). MARIN, A. J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções. Cadernos CEDES, Campinas, n. 36, p. 13-20, 1995. ______. (Org.). Educação Continuada: reflexões, alternativas. Campinas: Papirus, 2000. MASSON, G. Políticas para a formação do pedagogo: uma crítica às determinações do capital. 2003. 169 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, 2003. MEIHY, J. C. B. (Re) Introduzindo a história oral no Brasil. In: ______. (Org.). (Re) Introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996. p. 1-10. (Série eventos. Encontro Regional de História Oral Sudeste – Sul, 1.,1995, São Paulo).

Page 124: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

122

MIZUKAMI, M. da G. N. et al. Escola e aprendizagem da docência: processos de investigação e formação. São Carlos: EdUFSCAR, 2002. MIZUKAMI, M. da G. N.; MONTEIRO, F. M. de A. Professoras das séries iniciais do ensino fundamental: percursos e processos de formação. In: ______ ; REALI, A. M. de M. R. (Org.). Formação de professores, práticas pedagógicas e escola. São Carlos: EdUFSCAR, 2002. p. 175-201. MOLON, S. I. Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky. Petrópolis: Vozes, 2003. NASCIMENTO, M. das G. A formação continuada dos professores: modelos, dimensões e problemática. In: CANDAU, V. M. (Org.). Magistério: construção cotidiana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 69-92. NÓVOA, A. O método (auto) biográfico na encruzilhada dos caminhos (e descaminhos) da formação dos adultos. Revista Portuguesa de Educação, v. 1, n. 2, p. 7-20, 1988. ______. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995a. ______. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Ed., 1995b. ______. Os professores e as histórias da sua vida. In: ______. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Ed., 1995c. p. 11-30. ______. Formação de professores e profissão docente. In: ______. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995d. p. 15-34. OLIVEIRA, V. F. de. Diálogos entre história oral e educação: memória, conhecimento e identidades. In: ROMANOWSKI, J. P.; MARTINS, P. L. O.; JUNQUEIRA, S. R. A. (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba: Champagnat, 2004. p. 167-179. PASSOS, J. C. dos. O surgimento do professor primário no Brasil: uma visão histórica. Revista Ágora, Caçador, v. 2, n. 2, p. 63-74, jul./dez. 1995. PÉREZ GÓMEZ, A. O pensamento prático do professor. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p. 93-114.

Page 125: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

123

PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17-52. PINO, A. O social e o cultural na obra de Vigotski. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 71, p. 45-78, jul. 2000. ______. A psicologia concreta de Vigotski: implicações para a educação. In: PLACCO, V. M. N. de S. (Org.) Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo: EDUC, 2003. p. 33-61. PONCE, B. J. O tempo na construção da docência. In: ROMANOWSKI, J. P.; MARTINS, P. L. O.; JUNQUEIRA, S. R. A. (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba: Champagnat, 2004. p. 99-114. PONTE, J. P. da. Da formação ao desenvolvimento profissional. In: PONTE, J. P. da. Actas do ProfMat. Lisboa: APM, 1998. p. 27-44. Disponível em: <www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/plano_das_sessoes.htm-28k>. Acesso em: 15 jul. 2003. REIS, J. R. T. Família, emoção e ideologia. In: LANE, S. T. M.; CODO, W. (Org.) Psicologia social: o homem em movimento. 13. ed. 4. reimp. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 99-124. RODRIGUES, A.; ESTEVES, M. A análise de necessidades na formação de professores. Porto: Porto Ed., 1993. ROSENTHAL, G. A estrutura e a gestalt das autobiografias e suas concepções metodológicas. In: FERREIRA, M. de M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da História Oral. 5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p. 193-200. SÁ-CHAVES, I. (Org.). Percursos de formação e desenvolvimento profissional. Porto: Porto Ed., 1997. SADALLA, A. M. F. de A. et. al. Teorias implícitas na ação docente: contribuição teórica ao desenvolvimento do professor prático-reflexivo. In: AZZI, R. G.; BATISTA, S. H. S. da S.; SADALLA, A. M. F. de A. (Org.). Formação de professores: discutindo o ensino de psicologia. Campinas: Alínea, 2000. p. 21-38.

Page 126: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

124

SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 33. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2000. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo). SCHÖN, D. A. The reflective practioner: how professionals think in action. Londres: Temple Smith, 1983. ______. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. p. 77-92. ______. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1998. SHIROMA, E. O. et al. Política educacional. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. SILVA, E. T. da. O professor e o combate à alienação imposta. 2. ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo). SILVA, A. M. C. e. A formação contínua de professores: uma reflexão sobre as práticas e as práticas de reflexão em formação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 72, ago. 2000. Disponível em: <www.scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302000000300006&ingnrm=isso&ting=p>. Acesso em: 04 abr. 2003. SMOLKA, A. L. B. o (im)próprio e o (im)pertinente na apropriação das práticas sociais. Cadernos Cedes, Campinas, v. 20, n. 50, p. 26-40, abr. 2000. SOARES, M. Metamemória – memórias: travessia de uma educadora. São Paulo: Cortez, 1991. SOUZA, A. N. de. Sou professor, sim senhor! Campinas, SP: Papirus, 1996. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). TAVARES, J. A formação como construção do conhecimento científico e pedagógico. In: SÁ-CHAVES, I. (Org.). Percursos de Formação e desenvolvimento profissional. Porto: Porto Ed., 1997. p. 59-73. THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

Page 127: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

125

VIGOTSKI, L. S. Pensamento e Linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ______. Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 71, p. 21-44, jul. 2000a. ______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. 4. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2000b. WEREBE, M. J. G. 30 anos depois: grandezas e misérias do ensino no Brasil. São Paulo: Ática, 1994. ZANELLA, A. V. Atividade, significação e constituição do sujeito: considerações à luz da psicologia histórico-cultural. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 1, p. 127-135, 2004. ZANELLI, J. C. Formação profissional e atividades de trabalho: a análise das necessidades identificadas por psicólogos organizacionais. 1992. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1992. ZEICHNER, K. M. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa, 1993

Page 128: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

126

ANEXO A - ROTEIRO PARA A ENTREVISTA

HISTÓRIA ORAL DE VIDA

Percurso pessoal: quando e onde nasceu; sua família, sua infância; o modo de vida; as

crenças religiosas e políticas; mudanças residenciais; acontecimentos marcantes; o

cotidiano; juventude; casamento; filhos etc.

Percurso formativo: quando e onde estudou; a vida na escola como aluno; curso

superior: como foram o ingresso e a duração do curso, relacionamento com colegas e

professores, disciplinas, leituras, preparação pedagógica, estágios, participação em

agremiações, casos interessantes, influências teóricas e políticas; pós-graduação;

participação em cursos de extensão, congressos; ambientes e estratégias de formação

continuada (Por incentivo de quem? Promovido por quem?) etc.

Percurso profissional: por que, como, quando e onde iniciou a carreira; expectativas

com relação à carreira; percepções com relação ao ensino no decorrer da carreira; os

concursos; convites; as instituições e níveis de atuação; estabilidade; condições de

trabalho; salário; participação de associações da categoria; relacionamento com os

colegas e alunos; metodologia; reformas educacionais, sociais, políticas e econômicas

etc. Você se sente realizado nesta profissão? Se pudesse fazer tudo de novo, seria

professor novamente?

Page 129: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

127

ANEXO B - FICHA DE CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

1. DADOS PESSOAIS: Nome: _____________________________________________________________________ Idade: _____________________________________________________________________ Naturalidade: _______________________________________________________________ Sexo: ________ Estado Civil: ___________________________ nº de filhos: ____________ FORMAÇÃO ACADÊMICA: 2.1 GRADUAÇÃO Curso: _____________________________________________________________________ Instituição: _________________________________________________________________ Ano de Conclusão: ___________________________________________________________ 1.2 ESPECIALIZAÇÃO “LATO SENSU”: Curso: _____________________________________________________________________ Instituição: _________________________________________________________________ Ano de Conclusão: ___________________________________________________________ Título da Monografia: ________________________________________________________ 1.3 MESTRADO: Curso: _____________________________________________________________________ Instituição: _________________________________________________________________ Ano de Conclusão: ___________________________________________________________ Título da Dissertação: ________________________________________________________ 1.4 DOUTORADO: Curso: _____________________________________________________________________ Instituição: _________________________________________________________________ Ano de Conclusão: ___________________________________________________________ Título da Tese: ______________________________________________________________ 2. EXPERIÊNCIA DOCENTE Ensino Fundamental (Séries Iniciais) _____ Anos Ensino Fundamental (5ª A 8ª) _______ Anos Ensino Médio _____ Anos Em Cursos de Capacitação de Professores (Magistério) ______ Anos Curso Superior ______ Anos. Disciplinas: 3. EXPERIÊNCIA TÉCNICO-ADMINISTRATIVA: Foi Diretor de Escola: _______ Anos Foi Supervisor Escolar: _________ Anos

Page 130: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

128

Foi Orientador Educacional: ________ Anos Foi Coordenador Pedagógico: ______ Anos Outro: 4. INSTITUIÇÕES ONDE TRABALHA Nome: ________________________________________________________________________ Período: ________________________________Local: _________________________________ Atividade: _____________________________________________________________________ Nome: ________________________________________________________________________ Período: ________________________________Local: _________________________________ Atividade: _____________________________________________________________________ 5. DESENVOLVE OU DESENVOVEU ATIVIDADES DE EXTENSÃO? (descrever) ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6. DESENVOLVE OU DESENVOLVEU PESQUISAS? (descrever) ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 7. PUBLICAÇÕES NA ÁREA DE ATUAÇÃO E/OU FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

(fornecer os dados) ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 8. COMUNICAÇÕES/PALESTRAS EM EVENTOS: (especificar) _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Page 131: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

129

ANEXO C - MATRIZ DE VERBALIZAÇÕES

Percurso

pessoal

Percurso

formativo

Percurso

profissional

Suscitam

esclarecimentos

Dado Pág. Dado Pág. Dado Pág. Dado Pág.

Page 132: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 133: TRAJETÓRIAS DE VIDA, CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL E …livros01.livrosgratis.com.br/cp095750.pdf · 2016-01-26 · profissional docente. No percurso pessoal, tais elementos dizem

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo