trágico em schopenhauer

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schopenhauer

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    O FUNDO TRGICO DA EXISTNCIA EM SCHOPENHAUER

    Helen Silva Magalhes*

    Harley Mantovanni**

    RESUMO Este artigo tem como objetivo investigar o trgico no pensamento de Schopenhauer como elemento essencial, e sua Filosofia do otimismo prtico, resultado de sua metafsica, promovendo uma Filosofia do consolo e teraputica entendida como catarse. Para Schopenhauer, a vida oscila entre o sofrimento, a dor e o tdio. Porm, h momentos iluminados, redentores do viver como a beleza, o amor compassivo e a santidade, em que o homem tem a oportunidade de dissolver sua individualidade numa unio mstica com o todo. Pretende-se, a partir da anlise da metafsica do amor, demonstrar uma relao entre o trgico e a vida, e a partir da anlise Shopenhaueriana sobre a morte, apontar como alcanar uma filosofia do consolo. Nesses termos, esta pesquisa apresenta a importncia de Schopenhauer na histria da Filosofia, uma melhor compreenso do homem em suas relaes consigo mesmo, com o outro e com o mundo onde ele vive.

    Palavras-chave: Sofrimento. Trgico. Catarse.

    O que existe no presente j no existe no passado, e tudo que existiu no passado j no existe tal qual era. Quanto ao futuro ainda no chegou. Quando menos se espera, aquilo que supnhamos duradouro desaparece, o mundo um incessante devir. (Arthur Schopenhauer )

    INTRODUO

    Este trabalho, por ser de natureza terica, se realizar por levantamentos bibliogrficos, anlise terica e crtica das fontes pesquisadas. Tem por objetivo apresentar uma definio do trgico no pensamento de Schopenhauer como elemento essencial de sua Filosofia, que vista como pessimista apenas do ponto de vista terico, mas otimista na prtica, promovendo uma Filosofia do consolo entendida como catarse. Apresentar-se- a definio do trgico em termos estticos, apontando para uma insuficincia dessa definio e sua necessria complementao coma definio ontolgica do trgico, bem como a anlise da metafsica do amor, procurando demonstrar uma relao entre o trgico e a vida. Finalmente, este artigo procurar demonstrar, a partir da anlise Schopenhaueriana sobre a morte, como podemos alcanar uma Filosofia do consolo.

    * Bacharel em Filosofia pela Faculdade Catlica de Uberlndia.

    ** Professor do Curso de Filosofia da Faculdade Catlica de Uberlndia.

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    1 A definio do trgico e a catarse

    No partiremos de uma definio fixa e fechada do trgico em Schopenhauer, pois, em sua obra, tal noo no se define pontualmente, mesmo quando temos diante dos nossos olhos as referncias diretas ao trgico que o filsofo nos apresenta. A definio pretendida , antes, melhor alcanada atravs de uma anlise reflexiva acerca do seu pessimismo metafsico que se fundamenta sobre uma noo-realidade nuclear em sua filosofia, qual seja a Vontade. Nesses termos, e em virtude da compreenso prvia da correlao ntima entre o trgico e a Vontade, apresentaremos a definio do primeiro, extraindo-a da caracterizao ontolgica da Vontade em Schopenhauer. E o nosso ponto de partida privilegiado , de acordo com o nosso autor, a prpria existncia humana que transita entre dois mundos, o mundo como Vontade e o mundo como representao. Sobre a existncia humana, afirma:

    [...] Queremos considerar na existncia humana o destino secreto e essencial da Vontade. (...), e assim nos convencer suficientemente de como, em essncia, incluindo-se tambm o mundo animal que padece, toda vida sofrimento (alles Leben Leiden ist) (SCHOPENHAUER, 2005, 56, p. 400).

    De antemo, temos que na existncia humana que encontramos a Vontade como o destino que nos escapa e que no podemos conhecer. Alm disto, em que pese a considerao da essncia da Vontade, no apenas a existncia humana, mas tambm a animal, so essencialmente sofrimento. Resta compreender as condies que autorizam o filsofo a afirmar que toda vida sofrimento, e em que consiste esse sofrimento generalizado. Avanamos que as condies e a consistncia do sofrimento se fundamentam no apenas no querer, mas no querer egosta que se manifesta apenas no indivduo fenomnico como desejo deste indivduo motivado por suas representaes igualmente fenomnicas1.

    1 Em que pese o egosmo como um querer radicalizado de si mesmo e, portanto, como fonte de dor e de

    sofrimento, diz-nos Schopenhauer: [...] cada indivduo, que desaparece por completo e diminui ao nada em face do mundo sem limites, faz, no entanto de si mesmo o centro do universo, antepondo a prpria existncia e o bem-estar a tudo o mais, sim, do ponto de vista natural est preparado a sacrificar qualquer coisa, at mesmo a aniquilar o mundo, simplesmente para conservar mais um pouco o prprio si-mesmo, esta gota no meio do oceano. Eis a a mentalidade do egosmo, o qual essencial a cada coisa da natureza (2005, 61, pp. 426-7). O sofrimento prprio do egosmo consiste, justamente, no apenas no fato de o egosta querer manter seu prprio si-mesmo, mas tambm, no fato de o egosta identificar-se impropriamente com este si-mesmo individual que no passa de um fenmeno, de uma sombra, de uma iluso. Eternamente insatisfeito, o egosta alimenta-se de efemeridades e de descontinuidades constitutivas da pluralidade dos indivduos ou da multiplicidade fenomnica.

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    Schopenhauer enfatiza que o mundo apresenta-se com inmeros indivduos em um tempo e espao sem medida, e dores sem limites, e a responsvel por tudo isso a Vontade, que se objetivando, apresenta-se como fenmeno, ou seja, como um desejo insacivel. neste sentido que, para Schopenhauer, to impossvel a vontade deixar de querer de novo atravs de uma satisfao, quanto o tempo findar ou comear. Inexiste para ela um preenchimento duradouro, para todo o sempre satisfatrio e que coroaria os seus esforos. como o tonel das Danaides (2005, 65, p. 462).

    A Vontade em si mesma infelicidade, insatisfao, esforo, em vista de algo a ser alcanado, sede ardente, cobia e sofrimento. Reforaremos amide que uma das causas das dores e do sofrimento entre os homens se d no princpio de individuao, tendo em vista que o egosmo est presente no homem e este fonte de dor e sofrimento, o qual se v atormentado por conflitos ntimos e externos e pelo fato de no saber como lidar com esses sentimentos, se comporta de maneira conflituosa e confusa. E como cada um tende a pensar da mesma forma ocorrem os choques de egosmos sem limites. Para se livrar de obstculos que possam impedir o bem estar do homem, sendo um desses obstculos o outro indivduo, o homem, na necessidade de conservar sua existncia, desencadeia sentimentos de raiva, clera, dio e se possvel, esmaga quem nele provoca tais sentimentos. Assim sendo, o egosmo no homem manifestao da Vontade de viver, a qual se afirma no corpo como seu fenmeno privilegiado. Neste sentido, o homem vive a iluso de individuao e afastamento dos outros, considera as outras pessoas como meros fantasmas. Tendo em vista esta vontade cega do viver, o homem, para procriar sua espcie e viver eternamente atravs da indestrutibilidade de seu ser, serve-se do amor como artifcio de manifestao da Vontade. Ora, em Schopenhauer, quando falamos de indivduo, representao e fenmeno, s podemos nos encontrar no mundo como representao. este mundo que, agora, comearemos a descrever, atentando-nos para as condies em que, nele, o trgico tanto se apresenta quanto se define. O mundo como representao est submetido, absolutamente, ao princpio de razo suficiente que, em termos gerais, constitudo pelas formas fenomenais do conhecimento, a saber: o espao, o tempo e a causalidade. No a nossa preocupao apresentar todas as interaes entre essas formas fenomenais do conhecimento representativo, mas, antes, descrever, em linhas gerais, como elas caracterizam o que Schopenhauer chama de principium individuationis e analisar como este principium se insere na considerao do sofrimento e da tragicidade da existncia.

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    O tempo, o espao e a causalidade, dizem respeito, exclusivamente, representao que, ento, definida pela fenomenalidade. No apenas o fenmeno determinado pela individualidade, mas tambm, o indivduo fenmeno. Logo, estamos, aqui, na dimenso da multiplicidade fenomnica fundamentada pelo princpio de razo suficiente, que a traduo racionalista do Vu de Maia hindu que nos encobre a realidade una, primordial e verdadeira, a saber, a Vontade, reservando-nos apenas aparncias ilusrias, falsas e efmeras.

    O princpio de razo a forma universal de todo fenmeno. O ser humano em seu agir, como qualquer outro fenmeno, tem de estar submetido a ele [...]; o indivduo, a pessoa, no Vontade como coisa-em-si, mas como fenmeno da Vontade, e enquanto tal j determinado e aparece na forma do fenmeno, o princpio de razo (SCHOPENHAUER, 2005, 23, p. 172)2.

    Sob o domnio do princpio de razo ou seja, no mundo como representao no h liberdade de ao por parte do ser humano, ento fatalisticamente determinado por seu apego s ilusrias aparncias individuais que motivam os seus desejos egostas sem jamais satisfaz-los plenamente. Tal insatisfao dor e sofrimento que se fundamentam no querer, pois, a base de todo querer

    [...] necessidade, carncia, logo, sofrimento, ao qual consequentemente o homem est destinado originariamente pelo seu ser. Quando lhe falta o objeto do querer, retirado pela rpida e fcil satisfao, assaltam-lhe vazio e tdio aterradores, isto , seu ser e sua existncia mesma se lhe tornam um fardo insuportvel. Sua vida, portanto, oscila como um pndulo, para aqui e para acol, entre a dor e o tdio (SCHOPENHAUER, 2005, 57, pp. 401-2).

    O homem, no conseguindo ir alm do princpio de individuao, se interessa pela aparncia que, devido sua efemeridade, jamais lhe satisfar e eliminar a sua dor e o seu sofrimento. Desejando a aparncia e consumindo-a, o homem consumido pelo vazio e pelo tdio, dos quais ele no escapa se no conseguir despojar-se da sua individualidade e do seu egosmo. Entre querer e alcanar flui sem cessar toda vida humana. O desejo, por sua prpria natureza, dor; j a satisfao logo provoca saciedade: o fim fora apenas aparente: a posse elimina a excitao, porm o desejo, a necessidade aparece em nova figura (SCHOPENHAUER, 2005, 57, p. 404). O desejo enquanto manifestao da Vontade apenas

    2 Confira ainda 3-5, pp. 47-62, onde se l que as formas fenomenais do conhecimento no asseguram a

    diferenciao entre a vida e o sonho. Alm disso, vale reforar que a conexo causal d apenas a regra e a ordem relativa ao seu aparecimento no espao e no tempo, sem nos permitir conhecer mais concretamente aquilo que aparece. Ademais, a lei de causalidade vale somente para representaes [...] (SCHOPENHAUER, 2005, 17, p. 155). Ou seja, a causalidade no vai alm do fenmeno ou da representao do indivduo, ela no nos conduz ao que se encontra, em sua continuidade essencial e metafsica, alm da pluralidade descontnua da aparncia.

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    gera e perpetua a continuidade da descontinuidade fenomnica entre os indivduos que, ento, apenas oscilam entre o vazio e o tdio. A partir do que dissemos at este momento acerca da dor e do sofrimento de toda Vida, sobretudo refletindo sobre suas condies, afirmamos autorizados pelo prprio Schopenhauer, que o sofrimento humano a fuga do trgico; sua mais fundamental condio esta covardia, cujas dimenses, sintetizamos em duas, por ns consideradas centrais, quais sejam; a cognoscente e a moral. No entanto, o filsofo admite que, embora muito dificilmente e apenas para alguns espritos raros e superiores, esta covardia pode ser superada atravs de um rduo e espinhoso processo catrtico que nos conduzir, por fim, no apenas ao consolo, mas, sobretudo, ao consolo do trgico. hora de descrever e de definir este processo catrtico que qualifica, em termos gerais, aquele que por ele passa de heri trgico. Primeiramente, a arte que nos insere nesse processo e, neste sentido, a primeira figura do heri trgico, o gnio. Em que pese este incio do Caminho do Consolo, sem descrevermos a hierarquizao das artes, consideramos ser suficiente a definio da contemplao esttica.

    2 A catarse esttica como dimenso do trgico

    Superando sua individualidade, o homem pode escapar dos sofrimentos contnuos prprios da descontinuidade fenomnica, e, um dos meios para a realizao dessa superao do individualismo enquanto responsvel por esses sofrimentos a contemplao esttica, que passaremos a caracterizar. De imediato, perguntamos: o que contemplado na contemplao esttica?

    Nessa contemplao acedemos s Idias Eternas ou formas imutveis, por Schopenhauer entendidas como os graus determinados de objetivao da Vontade. De natureza platnica, essas formas arquetpicas de todas as coisas sempre so, mas nunca vm a ser, ou seja,

    a elas [Idias] no convm a pluralidade, pois cada uma, conforme sua essncia, una, j que a imagem arquetpica mesma, cujas cpias ou sombras so as coisas efmeras isoladas da mesma espcie e de igual nome. s Idias no cabem nascer nem perecer, pois so verdadeiramente, nunca vindo-a-ser nem sucumbindo como suas cpias que desvanecem (...). Eis a a doutrina de Plato (SCHOPENHAUER, 2005, 31, p. 238)3.

    3 Em outros termos, a Idia simplesmente se despiu das formas subordinadas do fenmeno concebidas sob o

    princpio de razo (Schopenhauer, 2005, 32, p. 242).

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    Uma vez que escapam pluralidade ou descontinuidade individuais e fenomnicas, a Idia platnica diz respeito e nos conduz universalidade do imperecvel, do contnuo e da unidade primordial, que ser, finalmente, a da Vontade. Atravs da contemplao esttica da Idia, superamos a efemeridade ilusria enquanto dimenso responsvel pela dor e pelo sofrimento, essencialmente motivados e motivadores dos nossos interesses. J a contemplao esttica uma contemplao desinteressada. Neste sentido, a contemplao esttica a anulao do corpo como um objeto entre objetos, com os quais mantm as mesmas e variadas relaes e referncias segundo o princpio de razo que, particularizando os objetos, torna-os atraentes e interessantes para o indivduo, ento, igualmente particularizando em sua empiricidade. A contemplao esttica, indo alm desse servilismo do conhecimento segundo o princpio, encarna a transio do conhecimento comum das coisas particulares para o conhecimento das Idias (...) quando o conhecimento se liberta do servio da Vontade (SCHOPENHAUER, 2005, 34, p. 245). Por a, podemos avanar a contribuio da contemplao esttica, em que pese o nosso percurso rumo a uma filosofia do consolo. Na transio que caracteriza essa contemplao, percorrendo-a em repouso, o sujeito cessa de ser meramente individual e, agora, puro sujeito do conhecimento destitudo de Vontade (...), repousando e absorvendo-se nessa contemplao (idem, ibidem). Neste caso, o indivduo se perdeu (ou foi dissolvido), junto com o seu querer na intuio no-individualizante da Idia atemporal.

    A existncia para Schopenhauer semelhante roda de Ixion4 de desejos nunca totalmente satisfeitos , segundo a Mitologia Grega . Para cada desejo satisfeito h pelo menos dez no satisfeitos e quando o ser humano se limita a seguir o conhecimento mundano, iguala-se aos prisioneiros da caverna platnica que viam somente as aparncias. Porm existe um momento privilegiado em que se pode considerar a essncia das coisas, deixando de lado o sofrer, o qual faz com que a roda de Ixion pare de girar e possibilita a sada da caverna. Esse momento o da contemplao esttica da Idia do Belo. Neste momento, as aparncias deixam de enganar e os desejos, de provocar sofrimentos sendo possvel captar a verdade e que ocorre a negao da Vontade. um momento de conforto na vida de labor e sofrimento. Neste sentido, o indivduo deixa sua prpria individualidade e se entrega contemplao da beleza5. O sujeito emprico se transforma em puro sujeito do conhecer, e o que possibilita este estado uma oportunidade para que isso ocorra, seja um momento externo ou uma disposio

    4 Cf. Schopenhauer, 2005,PP.266-267, 38.

    5 Cf. Schopenhauer,1974,p.36, 41.

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    interna. Nesta ocasio, no mais possvel distinguir o contemplador do contemplado, pois formam uma s unidade. E ao deixar de se perguntar o porqu dos objetos, o indivduo no mais deseja e no mais se interessa pela causa das coisas, se vo ou no satisfazer a vontade. Pelo fato de no haver mais preocupao com as aparncias, o indivduo pode contemplar a natureza ou a arte como um momento curativo.

    Neste sentido, Schopenhauer diz que na contemplao desinteressada, uma exigncia para o conhecimento da idia, como contemplao pura, dissoluo da intuio, perda no objeto, esquecimento de toda individualidade, supresso do modo de conhecimento submetido ao princpio de razo e que apreende apenas relaes e em que, simultnea e inseparavelmente, a coisa individual observada se eleva idia de sua espcie, o individuo cognocente ao sujeito puro do conhecer liberto da vontade, e ambos como tais no se situam mais no curso do tempo e todas as outras relaes (SCHOPENHAUER, 2005, 38, p. 32).

    Diante do sobredito, o que a arte para Schopenhauer? A definio de arte inseparvel da funo que o filsofo lhe reconhece, e que exige,

    ao mesmo tempo, a considerao da genialidade. 6 (SCHOPENHAUER, p.253, 36).

    3 A esttica como Filosofia do consolo

    Schopenhauer considera catrtica tanto a contemplao da natureza quanto a da Arte, porm na contemplao da natureza o indivduo ter mais dificuldades para abster-se dos interesses de objetos da realidade e d maior nfase arte, tendo em vista que nela, o gnio intui o interior do mundo e em seguida empresta os olhos para que os demais possam ter acesso ao belo, libertando-se ento por instantes de estados existenciais dolorosos. Segundo Schopenhauer, todos tm a capacidade de intuir as idias, uns mais outros menos.

    O gnio reside na capacidade de conhecer independentemente do princpio de razo, portanto de conhecer, em vez das coisas singulares (...), as idias delas, de ser correlato da idia, logo, no mais indivduo, mas puro sujeito do conhecer. (SCHOPENHAUER, 2005, 37, p. 31).

    Se no homem comum, h uma predominncia da vontade sobre o intelecto, no gnio se d o contrrio, e considera o intelecto uma espcie de sol que ilumina o mundo e consegue fazer apreenso das coisas no seu ntimo para depois comunicar aos outros essa

    6 Sobre a genialidade, confira Schopenhauer, 2005, 36, p. 253. Os nossos argumentos relativos anlise da

    contemplao esttica encontraram grande apoio no livro Schopenhauer: a decifrao do enigma do mundo (ano), de Jair Barboza, especificamente entre as pginas 56 e 62.

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    essncia. Neste sentido, no qual o artista, na medida em que empresta seus olhos aos outros, lhes permite a contemplao desinteressada os quais, neste momento de estado esttico, saem do mundo temporal, desaparecendo a pluralidade, ento a unidade csmica restabelecida, sendo negada ao mesmo tempo, promovendo consolo e aquietamento.

    4 Metafsica do amor: o Eros e o consolo da superao

    Ao considerar o amor, Schopenhauer faz metafsica. O amor revela-nos como um animal metafsico, e a nfase recai Schopenhauer faz questo de frisar sobre a animalidade. Para ele, isto significa que o amor (em sua dimenso ertica circunscrita pela fenomenalidade regida pelo princpio de individuao que apenas estimula a satisfao imediata, pessoal e passageira) uma considervel fonte de dor e de sofrimento. Nesta sua dimenso fenomnica, o amor desejo ertico e reproduo da repetio que encarcera os indivduos s suas iluses necessrias para a manuteno de uma falsa comodidade. Entretanto, assim como toda realidade, em seu ntimo essencial para alm de sua dimenso fenomnica, o amor se nos manifesta em sua tragicidade autodiscordante e dilacerada, mediante a qual ele se dilata e sai dos seus limites, mediante a qual ele no se quer, e sem querer, completamente despojado de quaisquer interesses, o prprio amor se torna consolo. Este o amor real e verdadeiro, aquele que, restaurando a continuidade csmica por trs dos acontecimentos descontnuos e nos reintegrando ao imperecvel, ensino, proteo e quietude. A seguir, exporemos como alcanamos o amor como consolo, salientando, como sua condio necessria, a tragicidade ntima pela qual ele participa e se une realidade essencial, verdadeira e apaziguadora.

    Mas a experincia esttica no o suficiente para cessar o sofrimento, seria um aquietamento passageiro, apenas silenciaria momentaneamente a Vontade. Assim, a plena negao de todo o querer somente pode ser alcanada por meio da tica surgida no interior da pessoa em forma de atos, conduta e discurso de vida. Este no pode ser comunicado, mas deve surgir no ntimo do indivduo, encontra-se no em palavras, mas exclusivamente nos atos, na conduta, no discurso de vida do homem. (SCHOPENHAUER, 1995, p. 471).

    Tudo tem uma causa fenomnica. Sendo o homem fenmeno da Vontade, sofre, ama, morre, visto que, a mesma movimento. O ser humano em seu agir, como qualquer outro

    fenmeno tem de estar submetido a ele. (SCHOPENHAUER, 2004.p.170)

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    E como a prpria vida a afirmao da vontade, seja o funcionamento de todo o corpo inclusive o instinto sexual. Schopenhauer diz os rgos genitais serem o verdadeiro foco da vontade, pois garantem a eterna existncia e perpetuao da humanidade e uma manifestao de vontade de vida. (Wille zum Leben). Diz Schopenhauer, ser o amor um pretexto que a vontade encontrou para a procriao. Acontece desde a atrao fsica e psicolgica at enfim, a relao sexual, tudo para que um novo for venha ao mundo.

    Que esta determinada criana seja procriada, eis o verdadeiro fim de todo romance de amor, apesar de ser inconsciente para seus participantes (....). Por mais alto que possam gritar tambm aqui as almas elevadas e sentimentais, sobretudo as enamorada, sobre o realismo spero da minha viso, digo-lhes que cometem um erro(... ). A inclinao crescente entre dois amantes , propriamente falando, j a vontade de vida de um novo indivduo, que eles podem e gostariam de procriar (SCHOPENHAUER, 2004, p.10).

    Schopenhauer diz que, no momento em que o homem encontra-se enamorado, pensa estar fazendo um bem a si, mas na verdade, faz-se objeto da natureza, encontra-se iludido e esta, o instinto a servio da Vontade, para a preservao da vida. E que por trs disso se encontra Eros, o deus do amor e do sexo, como principal causador dos problemas que o amor e a vontade de viver causam. Atravs de sua flecha envenenada de paixo, leva o homem a se embriagar de amor e o confunde atravs de seus truques e armadilhas. o principal causador de todos os romances e traies da vida sentimental. Encontra-se por trs dos dramas e formaes de casais. Diz Eros ser um demnio, que a todos se esfora para passar a perna e quando quer, consegue atingir suas vtimas. Sendo o amor um grande mecanismo que a humanidade dispe para poder perpetuar sua espcie ao longo da vida, estando de maneira presente, porm disfarada para que a humanidade consiga existir, afirmando, portanto a Vontade.

    O amor entre o homem e a mulher simplesmente a vontade de viver de um novo indivduo desejando a oportunidade de sofrer no mundo cruel, falso e desumano e aonde cada dia o amor vai se desintegrando. Apesar de ser inconsciente para seus participantes, a maneira de atingi-lo assunto secundrio. (SCHOPENHAUER, 2004, P. 10).

    Tendo em vista, que este o verdadeiro fim, a perpetuao da nova gerao, uma das formas de afirmao da Vontade. E at que esse fim seja atingido, ou seja, a posse do ser amado, podem ocorrer muitos sofrimentos e angstias ao homem. E quando duas pessoas se olham cheias de desejo, j a vontade de uma nova vida querendo vir neste mundo. Ali nasce a primeira semente de o novo ser. Ento para que esta nova vida se apresente no mundo, necessrio que um determinado homem e uma

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    determinada mulher se interessem um pelo outro, sintam excitao sexual e se unam para gerarem filhos e se vejam entrelaados por um desejo que a vontade manipula em prol do fim que almeja que a gerao de uma nova vida. Diz Schopenhauer: J mesmo no encontro de seus olhares cheios de desejo se inflama a nova vida, anunciando-se como uma individualidade vindoura harmoniosa e bem contituida. (SCHOPENHAUER, 2004, p.11). O sentimento do amor ocupa grande parte dos pensamentos das pessoas, exercendo prioridade e deixando assuntos importantes postergados. Faz com que os bens materiais e a posio social deixem de ter importncia se a pessoa amada no corresponde. Ento nada mais importa. As geraes futuras dependem das questes amorosas das geraes presentes, tendo em vista que, no se concretizando a unio, no haver um novo ser e assim sucessivamente e ocorreria o fim da espcie. Embora parea uma questo simples, traz muita dor, angstia e sofrimento aos coraes apaixonados e desassossego s pessoas. Para que o mpeto, o furor, a angstia e a aflio? Trata-se simplesmente de cada Joo encontrar sua Maria: Porque tal ninharia deveria desempenhar um papel to importante e trazer sem cessar perturbao e confuso para a vida humana bem regrada? (SCHOPENHAUER p. 8. 2004). Ento Schopenhauer enfatiza que, por causar tanto tumulto vida humana, que o assunto deve ser tratado com a devida importncia, sendo levado a srio e profundidade. Todo enamorar encadeia-se no gozo fsico. E este impulso sexual a manifestao da Vontade, a qual se apresenta disfarada do amor para enganar a conscincia. Mesmo que no haja o corresponder amoroso, faz-se necessria a posse do ser amado. Por este motivo ocorrem as unies foradas, estupros e outros. Disso do provas todos os casamentos forados, bem como os freqentes favores comprados de uma mulher, com valiosos presentes apesar de sua averso, e tambm os casos de estupro (SCHOPENHAUER, 2004, p. 10).

    Os genitais, mais do que qualquer outro membro externo do corpo, esto submetidos meramente Vontade e de modo algum ao conhecimento (...). Os genitais so o princpio conservador vital, assegurando vida infinita no tempo. Com semelhante qualidade foram venerados entre os gregos no phallus e entre os hindus no linga, os quais, portanto, so o smbolo da afirmao da Vontade. (SCHOPENHAUER 60, p. 424).

    Outra forma de amor o amor-compaixo (gape). Este, como na contemplao do belo nega a Vontade. E praticado por pessoas caridosas, de carter elevado e pelos santos. Sendo considerado por Schopenhauer como superior, tendo em vista que, procura evitar o sofrer, neutralizando as dores da existncia, em vez de perpetu-las. Neste sentido, colocar-

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    se no lugar do outro, homem ou animal, desaparecendo a diferena entre o eu e o no-eu, sentimentos esses em que se assenta o egosmo. O conduzir uma boa ao, a compaixo para Schopenhauer o nico fundamento da tica.

    Ao identificar as sensibilidades, o indivduo procura diminuir os sofrimentos do mundo, no considera as pessoas mais como meros fantasmas, ou seja, seres sem importncia, e at por meio de sacrifcio como fez Jesus perante a humanidade. A compaixo possibilita a proteo do mundo e seus habitantes, mediante o amor desinteressado. O que permite penetrar na unidade do mundo. Neste sentido, a base tanto da tica quanto da esttica se encontra a unidade metafsica da Vontade. Pois as duas eliminam o abismo que separam o eu do no-eu e negam a Vontade.

    5. A morte no significa o fim

    Tendo em vista a vida como afirmao da Vontade, o homem teme a morte e a considera um grande mal. Schopenhauer enfatiza: sendo a morte a musa inspiradora da Filosofia e que dificilmente se teria filosofado sem ela. Por consider-la um grande mal, chora a morte de seus prximos e a deseja aos seus inimigos. Ento Schopenhauer diz na pag 64 Aquele poderoso apego vida , portanto irracional e cego: s explicvel pelo fato de que todo o nosso ser em si mesmo j a Vontade de vida, para a qual, portanto,esta vida tem de valer como o bem supremo, por mais amarga , breve e incerta que ela sempre possa ser, e pelo fato de que a Vontade, em si e originariamente, destituda de conhecimento e cega.Ao contrrio em seguida enfatiza: O conhecimento, ao contrrio, bem longe de ser a origem do apego vida, atua at contra este, na medida em que desvela a ausncia de valor da mesma e, assim combate o temor da morte. (SCHOPENHAUER, 2004, p. 64). O homem, diferentemente dos animais pelo uso da razo, teme e se angustia com a morte, principalmente pelo fato do desaparecimento do organismo e por ser o reverso da Vontade de vida, tendo em vista que o apego vida irracional e cego, portanto destituda de conhecimento. E que o intelecto advindo da natureza, a servio da Vontade 7, sendo que ele, o intelecto ilude o indivduo para objetivao da mesma.

    7 Sobre o fenmeno individual e temporal da Vontade, confira Schopenhauer 2004, p. 89.

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    E enfatiza Schopenhauer que, desaparece com a morte apenas a conscincia individual, a qual produto e resultado da vida orgnica, porm a fora que na vida havia e atuava essa no cessa e no se torna em nada. E ainda afirma Schopenhauer:

    Quis apenas mostrar com isso que ns mesmos reconhecemos imediatamente s foras mais baixas da natureza uma eternidade e ubiqidade, das quais a transitoriedade de Quis apenas seus fenmenos fugazes em nenhum momento nos desencaminha. Tanto menos, portanto, pode nos ocorrer de tomar o cessar da vida pela aniquilao do princpio vivificante, logo a morte pelo inteiro sucumbir do homem. (SCHOPENHAUER. P.73. 2004).

    Schopenhauer diz que todos somos a essncia csmica una e indivisvel, pelo fato de estarmos interligados com todos na natureza e eles em ns8. Tendo em vista, a morte no ser dolorosa, o sofrimento sim. A vida contm a morte e a morte contm a vida, sendo as duas emanaes da Vontade. Nisto, apenas a conscincia individual interrompida com a morte, pois no sono tambm ela o . Schopenhauer enfatiza ser o sono uma pequena morte; e a morte um grande sono, do qual cada um acorda ao nascer, e quando o indivduo vem ao mundo acorda de uma morte anterior. Quem morre nunca desaparece.

    Sempre e por toda parte o circulo autentico smbolo da natureza porque ele o esquema do retorno. Este de fato a forma mais geral na natureza, que ela adota em tudo, desde o curso das estrelas at a morte e nascimentos dos seres orgnicos, e apenas por meio do qual, na torrente incessante do tempo e de seu contedo, torna-se possvel uma existncia permanente, isto , uma natureza. (SCHOPENHAUER, 2004, p.84).

    Ento diz Schopenhauer que todos fazemos parte de uma essncia una com o mundo, sendo que essa essncia e nossa Vontade e seu fenmeno, nossa representao. Nestes termos, quando se tm conscincia dessa unicidade, no haveria mais o temor da morte e a permanncia no mundo, visto que esta diferena desapareceria. (SCHOPENHAUER, 2004, p.100). Tendo em vista que o egosmo est ligado Vontade de vida e o homem a objetivao dessa Vontade, e pelo fato de limitar somente a si sua existncia e considerar os outros apenas como meros fantasmas, a morte traz algo que o ensina a destituir-se disso, de forma a lhe proporcionar a viver nos outros indivduos. E ainda, cessar a diferena entre interior e exterior, entre o No-Eu e o Eu-absoluto.

    8 Assim, j considerada como fora natural, a fora vital permanece por inteira imune mudana das formas e

    estados que a srie de causas e efeitos produz, somente qual esto submetidos o nascer e o perecer, como se mostra na experincia. At aqui, portanto, deixa-se j demonstrar com segurana a imortalidade de nosso verdadeiro ser. ( Schopenhauer, 2004,p.74 ).

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    E conclui Schopenhauer: Se vivesse sempre, em virtude da imutabilidade do carter, agiria sempre da mesma maneira. Por isso, tem de cessar de ser o que , para poder, a partir do germe do seu ser, ressurgir como um novo ser e outro ser. Assim a morte rompe quaisquer vnculos, tornando a vontade de novo livre: pois a liberdade reside no Esse-( ser ), no no Operari( agir): Finditur nodus cordis, dissolvununtur omnes dubitationes, ejusque opera evanescunt ( cindido ser o n do corao, resolvidas sero todas a as dvidas, e suas obras se esvanecero), um muito famoso dito dos Vedas, que todos os vedantas repetem com freqncia. (SCHOPENHAUER, 2004, p.139).

    CONCLUSO

    Arthur Schopenhauer foi o primeiro filsofo a falar do amor de uma maneira no superficial, mas, abrangente. Ele diz que o amor Eros, nada mais do que um artifcio da natureza para atingir seu objetivo principal, que o da conservao das espcies e para garantir sua existncia eterna. No existe a individualidade, mas, o ser humano em geral que o nico valioso. A felicidade ilusria, pois, se houvesse o sofrimento, cairamos na monotonia, ento tambm, na tristeza. Na Filosofia schopenhaueriana, a essncia do homem no sua razo, mas sim, a Vontade de vida. O amor Eros ento, a contribuio de um indivduo para que a vida que havia nele continue. Schopenhauer enfatiza que atravs de prticas ascticas, ou seja, do amor gape podemos nos livrar da Vontade que domina e do instinto, dando fim ao ciclo vicioso de vida, reproduo e morte. Na morte o que acaba a razo, junto com as lembranas e os sentimentos de quem a possua. A Vontade de vida a nica imortal.

    Quem no procura expandir seu poder intuitivo, ou seja, sair do particular para tentar descobrir o universal, se limitar a conhecer somente o em si dos indivduos. Temos, segundo Schopenhauer, que aprofundar nossa pesquisa colocando o indivduo como sendo parte do universal, explorando suas idias, sua essncia, sendo assim, conseguiremos chegar a uma certeza das coisas. Somente estes que se contentam a essa limitao tm medo da morte e a vem como sua aniquilao. J nos intelectuais, o que acontece o destemor. Nossa razo s capaz de determinar os fenmenos que ocorrem, e no o princpio certo dos acontecimentos, pois estes se revitalizam a cada dia. Por isso necessrio que haja o cessar do que somos para surgir um novo ser renovado. Com isso a morte liberta a Vontade, j que ela, a morte,no se baseia no agir e sim no ser.

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    REFERNCIAS

    BARBOSA, Jair. Schopenhauer, a decifrao do enigma do mundo.So Paulo: Moderna, 1997.

    MANN, Thomas. Grandes Mestres do Pensamento. So Paulo: Formar Ltda. 1987.

    PERNIN, Marie-Jos. Schopenhauer. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar. 1995.

    SCHOPENHAUER, Arthur. Metafsica do Amor, Metafsica da Morte. So Paulo: Martins Fontes. 2004.

    SCHOPENHAUER, Arthur. Parerga e Paralipomena. So Paulo: Martins Fontes, 2004.