traduÇÕes da polÍtica de ensino superior no contexto … · a partir de abordagem qualitativa...

250
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ IDORLENE DA SILVA HOEPERS TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO DA PRÁTICA EM INSTITUTOS SUPERIORES DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO BRASIL E DE PORTUGAL ITAJAÍ, SC 2017

Upload: others

Post on 06-Oct-2020

8 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

1

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

IDORLENE DA SILVA HOEPERS

TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO DA

PRÁTICA EM INSTITUTOS SUPERIORES DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO

BRASIL E DE PORTUGAL

ITAJAÍ, SC

2017

Page 2: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

2

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura

Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE

Curso de Doutorado em Educação

IDORLENE DA SILVA HOEPERS

TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO DA

PRÁTICA EM INSTITUTOS SUPERIORES DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO

BRASIL E DE PORTUGAL

Tese apresentada ao colegiado como requisito

parcial à obtenção do grau de Doutor em Educação

– área de concentração: Educação – Políticas para

a Educação Básica e Superior.

Orientador: Prof.a Dr.

a Regina Célia Linhares

Hostins.

ITAJAÍ, SC

2017

Page 3: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

3

UNIVALI

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura

Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE

Curso de Mestrado Acadêmico em Educação

CERTIFICADO DE APROVAÇÃO

IDORLENE DA SILVA HOEPERS

TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO DA

PRÁTICA EM INSTITUTOS SUPERIORES DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO

BRASIL E DE PORTUGAL

Tese avaliada e aprovada pela Comissão

Examinadora e referendada pelo Colegiado do

PPGE como requisito parcial à obtenção do grau de

Doutor em Educação.

Itajaí (SC), 2 de fevereiro de 2017.

Membros da Comissão:

Orientadora: ______________________________________

Prof.ª Dr.ª Regina Célia Linhares Hostins

Membro Externo: _______________________________________

Prof.ª Dr.ª Rosânia Campos (UNIVILLE)

Membro Externo: _______________________________________

Prof.ª Dr.ª Dora Maria Ramos Fonseca de Castro (UA)

Membro representante do colegiado: _______________________________________

Prof.ª Dr.ª Cássia Ferri

Page 4: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

4

Aos que lutam pela igualdade de direitos e deveres.

Page 5: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

5

AGRADECIMENTOS

Tenho muito e bons motivos para agradecer:

Ao Instituto Federal Catarinense (IFC) e, em especial, ao Campus Camboriú, onde

exerço minhas atividades, pois o afastamento durante parte do tempo de doutoramento foi de

suma importância para a imersão nos estudos.

À Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), minha escola no processo formativo e

local onde, também, ingressei na docência no Ensino Superior. Um lugar de muitos

significados e aprendizagem, que contribuiu decisivamente para minha trajetória profissional.

Ao Instituto Politécnico do Porto (P.Porto), em Portugal, por me receber em outro

―sítio‖ e possibilitar o desenvolvimento de parte da pesquisa que hoje se materializa.

Aos gestores do IFC e P.Porto que, como participantes da pesquisa, contribuíram de

modo ímpar para o desenvolvimento deste processo de aprendizagem.

À Prof.a Dr.

a Regina Célia Linhares Hostins, orientadora que, com seu conhecimento e

experiência, foi mostrando os equívocos e aprimorando minha capacidade analítica.

À Prof.a Dr.

a Dora Maria Ramos Fonseca de Castro, por ter aceitado o desafio de

acompanhar e co-orientar minha pesquisa no P.Porto e por suas contribuições teóricas.

Aos Professores integrantes da banca de qualificação e defesa pelas contribuições e

pelo tempo dedicado à leitura atenta desta tese.

À Capes, pois ser Bolsista do Observatório de Políticas Educacionais proporcionou

apoio financeiro e possibilitou aprendizagens que, por meio das pesquisas desenvolvidas, se

somaram à minha atuação profissional.

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa do Observatório de Políticas Educacionais, por

dividirem comigo as reflexões e as aprendizagens das pesquisas que realizamos em conjunto.

Aos funcionários das duas instituições; na UNIVALI, em especial à Mariana e à

Tânia; e no P.PORTO, aos funcionários da Biblioteca, ―sítio‖ onde passei meus dias de

estudos mais intensos, por terem estado sempre dispostos a auxiliar nas questões que surgiam.

Aos colegas professores do IFC, porque tenho consciência de que, quando nos

afastamos para formação, são eles que assumem mais atividades para suprir nossa ausência.

Aos acadêmicos que, como meus orientandos, alguns em vias de conclusão de suas

pesquisas, também sentiram meu afastamento ao trocarem de professor orientador.

Aos Professores do PPGE, pelas contribuições teóricas e reflexões durante o percurso

das disciplinas.

Page 6: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

6

Dito isso, considero que o agradecimento é necessário, eu diria essencial. Ao

agradecermos movimentamos energias positivas. No processo de doutoramento, vivemos

muitos momentos de tensão, de ansiedade, de angústias e de cansaço físico e mental extremos.

Inicialmente, temos uma turma, conhecemos novas pessoas e, ao cursar as disciplinas nas

apresentações de seminários, em meio a mil e uma leituras, estudos e exigências dos

professores quanto às sínteses necessárias na elaboração e no aprofundamento do

conhecimento, vivemos também em um espaço de transição.

Aos poucos, as disciplinas terminam e a conversa interior com os autores e o pavor das

linhas em branco fica mais intensa. As ideias estão expostas, a essência também, mas o ato de

compreender e abstrair o que lá está escrito é um movimento intenso e complexo que somente

se consegue com muito esforço. Fazer uma tese e uma pesquisa pautada na ética, na seriedade

e no comprometimento implica fazer escolhas e, para cada uma delas, seremos cobrados pelos

avaliadores. São escolhas teóricas, metodológicas, organizacionais em meio a tantas outras, e

a sombra da tese está sempre a nos acompanhar. É necessário produzir, mas até entendermos

que não é tudo o que lemos que deve estar na tese também demora um tempo. Isso é um

aprendizado imprescindível.

Para além do aprofundamento dos conhecimentos, há outras partes boas, momentos

intensos na descoberta do novo. Entre elas, estão as pessoas. Algumas passam, mas os amigos

que ficam têm um papel fundamental, eu diria que são a essência. Neste processo, fiz bons

amigos, principalmente no grupo dos “Dalits”. Alguns já conhecia, mas com certo

afastamento; e outros foram chegando tão intensamente que a dimensão temporal já não

importava. Não será necessário citar nomes, mas cada um deles vai se reconhecer aqui. Há os

que são luz, os alegres, os sensíveis, os exigentes, os discretos, mas todos disponíveis para

ajudar e sempre muito próximos, pois, quando as coisas ficavam nebulosas, eles lembravam

que estavam ali, bem ao meu lado.

Foram muitos almoços, cafés, trocas de abraços, angústias, boas conversas e risadas,

mas o que importava mesmo era celebrar a energia, o encontro que de tão significativo rompia

a barreira dos grupos deste ou daquele professor orientador. Estes ficarão e continuarão

porque são preciosos, joias raras. Se aqui fiz bons amigos, há também aqueles que chegaram

em circunstâncias profissionais, mas com igual valor. Entre eles, há uma pessoa ímpar, Sônia

Fernandes. Eu a considero a maior responsável por este processo que está agora em vias de

finalização. Com ela, aprendi a ver possibilidades que, antes, somente conseguia ver

dificuldades - isso foi decisivo para chegar até aqui. Não é necessário termos um milhão de

Page 7: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

7

amigos, mas é imprescindível que tenhamos alguns bons e sinceros - e estes fazem a

diferença. Parece um contrassenso, mas com eles, ao dividirmos, somamos.

Agradeço ainda:

Aos familiares que acompanharam este processo, alguns deles mais próximos e outros

mais distantes, com eles sempre há uma possibilidade de aprender. Em especial, à Maria, por

estar sempre perto comemorando e incentivando minhas conquistas, mesmo quando havia um

oceano a nos separar.

Ao Vilmar, marido e companheiro de longa data, que suportou minhas ausências em

momentos nos quais as tarefas cotidianas ficavam muito mais a seu encargo. Quando o

processo se tornava árido e desgastante, era ele quem ouvia minhas angústias e, calmamente,

me lembrava da importância de ter-se calma e persistência.

Ao Fabrício, meu grande presente, que não é somente filho, mas também um amigo

precioso, que está sempre pronto para uma boa conversa com palavras de incentivo, em

especial neste processo de doutoramento. Aos dois minha eterna gratidão e respeito, pois são

pessoas ímpares. Cada um a seu modo compreendeu a importância dos momentos de

afastamento e brindam comigo este momento.

Aos meus pais, Otávio e Dozolina, que, hoje, me acompanham em outra dimensão,

mas continuam presentes em minha vida. Termino com eles, mas, na verdade, foi onde tudo

começou. Foi com eles que aprendi a valorizar o conhecimento e que, para sermos felizes,

precisamos de muito pouco. A essência e a sensibilidade estão nas pequenas coisas e se as

mãos são pontes, contei com muitas delas nesta travessia.

Agradeço ainda a uma LUZ maior que me move e me guia.

Obrigada!

Page 8: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

8

Ao concluir mais esta etapa do meu processo de formação e como professora que sou, não

posso deixar de manifestar minha indignação com os recentes acontecimentos

e encaminhamentos da política educacional brasileira. Mais uma vez, como

política de governo, a educação é tratada como privilégio de alguns,

aprofundando as desigualdades e negando a educação

como direito de todos.

Por esse motivo me reporto a Orwell:

Todos são iguais

mas alguns são mais iguais

do que os outros.

George Orwell

Page 9: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

9

RESUMO

Esta Tese, vinculada à Linha de Pesquisa Políticas para a Educação Básica e Superior e ao

Observatório de Políticas Educacionais, tem por objeto a política de ensino superior no

contexto dos Institutos Superiores de formação profissional no Brasil e em Portugal. O

problema consiste em analisar como são traduzidas essas políticas, notadamente as dirigidas à

Pós-Graduação e às atividades de pesquisa e à produção do conhecimento nos Institutos cuja

identidade original esteve centrada, prioritariamente, na formação técnica. A tese é de que na

tradução das políticas, no contexto da prática, os institutos constroem suas estratégias e táticas

forjadas em redes de poder e disputas sustentadas na luta pela construção/afirmação da

identidade institucional no campo do Ensino Superior, buscando reconhecimento nas

atividades relacionadas à Pós-Graduação, pesquisa e produção de conhecimento. A tese

sustenta-se na compreensão de que as políticas, geradas em contextos globais, influenciam as

agendas das políticas nacionais e, estas, por sua vez, ao chegar nas instituições, são

interpretadas e traduzidas em diferentes configurações, por diferentes atores, em um

movimento tal que produz efeitos na gestão e na identidade institucional. O objetivo geral

deste trabalho foi analisar a tradução das políticas de Ensino Superior, notadamente as

dirigidas à Pós-Graduação e consequentes atividades de pesquisa e produção do

conhecimento, pelos gestores do Instituto Federal Catarinense (IFC) no Brasil, e do Instituto

Politécnico do Porto (P.Porto) em Portugal. Mais especificamente, buscou-se: a) identificar as

redes de influência e de produção de textos das políticas para o Ensino Superior no contexto

brasileiro e português, notadamente a partir da década de 1990; b) compreender no contexto

das políticas para o Ensino Superior a constituição da identidade do IFC no Brasil e do

P.Porto em Portugal; c) identificar as estratégias e táticas adotadas pelas instituições, com

vistas à implantação/consolidação da Pós-Graduação e da pesquisa no contexto de

reorganização como instituições de Ensino Superior. Os referenciais teórico-metodológicos

que ancoram esta tese pautam-se na abordagem do Ciclo de políticas (BALL; BOWE, 1992) e

na teoria do Policy Enactment (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012) que evidencia o processo

dinâmico e não linear de resposta à política e o papel dos diferentes atores como protagonistas

do policy work no contexto da prática. A partir de abordagem qualitativa comparada,

utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais, nacionais e

institucionais circunscritos àqueles que impactaram diretamente na reorganização da

Educação Superior no âmbito dos institutos; b) empíricas: entrevista semiestruturada,

composta por seis questões abertas, com 16 gestores (oito de cada instituição) das áreas de

Pós-Graduação, Pesquisa e Conselhos Técnico-Científicos. O estudo evidencia que a agenda

globalmente estruturada para as reformas na educação na década de 1990 produziram efeitos

nas políticas para o Ensino Superior, as quais chegaram aos Institutos estudados, em tempos

distintos, porém de maneira contundente, interferindo na reorganização de suas identidades

antes direcionadas prioritariamente para a formação técnica. Por influências das políticas

globais, tanto no contexto brasileiro como de Portugal, foram estabelecidos a diversificação

do Ensino Superior, o encurtamento do tempo nas formações, o vínculo entre o

desenvolvimento econômico e a educação, os discursos de eficiência e qualidade, as

regulações externas e, principalmente, as assessorias técnicas e financeiras como garantias

para a implantação das recomendações nas reformas efetuadas. Na constituição/consolidação

de suas identidades, em face das novas diretrizes da política, os institutos estão inseridos no

Ensino Superior com o alargamento de suas atividades, o que fatalmente interfere na

construção da identidade e atinge gestores e professores. Nesse posicionamento, estes lidam

com as disputas, as redes internas de poder, os constantes embates e as necessidades de

acordos e as latentes condições que precisam ser criadas para ser reconhecida como uma

Page 10: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

10

instituição de pesquisa e Pós-Graduação aliada à necessidade de fabricar uma imagem de

compromisso desta com a política, decorrente dos processos avaliativos externos. Nessa luta,

estratégias e táticas vão sendo forjadas na dificuldade de diálogo e de articulação entre as

ações, na declaração de acordos, nas disputas por áreas de domínio, na sobreposição de

poderes, mas também na identificação de possibilidades expressa nos desejos de convergência

e não esfacelamento das identidades originárias, de verticalização de currículos, de

fortalecimento do olhar para as demandas locais e interesses regionais, de consolidação da

pesquisa e redes de pesquisa, de estímulos à produção científica, de referencialidade em

determinadas áreas de conhecimento e inovação como estratégia de marcar presença, ser

visível e competitivo no espaço do Ensino Superior.

Palavras-chave: Ciclo de políticas. Policy enactement. Contexto da prática. Política para o

Ensino Superior. Instituto Federal Catarinense. Instituto Politécnico do Porto.

Page 11: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

11

ABSTRACT

This Thesis is linked to the Line of Research Policies for Basic and Higher Education

Research, and to the Observatory of Educational Policies. Its object of research is Higher

Education policy in the context of the Higher Education Institutes of Vocational Education in

Brazil and Portugal. The research problem consists in analyzing how these policies are

translated, especially those geared towards Postgraduate studies and the activities of research

and production of knowledge, in Institutes whose original identity was primarily built on

technical education. The theory is that in the practical application of the policies, the institutes

built their strategies and tactics forged in networks of power and disputes sustained in the

struggle for the construction/affirmation of institutional identity in the field of Higher

Education, seeking recognition in activities related to Postgraduate education, research and

the production of knowledge. The theory is supported by the understanding that policies,

generated in global contexts, influence the agendas of national policies and, in turn, when they

reach institutions, are interpreted and translated in different configurations, by different

actors, into a movement that influences the institutional management and identity. The main

objective of this work was to analyze the translation of Higher Education policies, especially

those aimed at Postgraduate studies and consequent activities of research and production of

knowledge, by the managers of the Instituto Federal Catarinense (IFC), in Brazil, and the

Instituto Politecnico do Porto (P. Porto), in Portugal. More specifically, we sought to: a)

identify the networks of influence and production of texts for Higher Education policies in the

Brazilian and Portuguese context, particularly since the 1990s; b) understand, in the context of

Higher Education policies, the constitution of the identity of the IFC in Brazil and of P. Porto

in Portugal; and c) identify the strategies and tactics adopted by the institutions in the

implantation/consolidation of Postgraduate studies and research in the context of

reorganization as Higher Education Institutions. The theoretical-methodological references

that support this thesis are based on the approach of the Policy Cycle (BALL; BOWE, 1992)

and Policy Enactment theory (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012), which highlights the

dynamic, non-linear process of response to the policy and the role of the different actors, as

protagonists of the policy work in the context of practice. Based on the comparative

qualitative approach, two types of sources were used: a) documental: international, national

and institutional documents, circumscribed to those that directly impacted the reorganization

of Higher Education in the scope of the institutes; and b) empirical: semi-structured

interviews, consisting of six open questions, with 16 managers (eight from each institution) in

the areas of Postgraduate studies, Research and Technical-Scientific Counselling. The study

shows that the globally structured agenda for education reforms in the 1990s produced effects

on Higher Education policies, which reached the institutes studied, at different times, but in a

decisive manner, influencing the reorganization of their identities, which were previously

focused primarily on technical education. Due to the influence of global policies, in both the

Brazilian and Portuguese contexts, there occurred a diversification of Higher Education,

shortening of education time, link between economic development and education, efficiency

and quality discourses, external regulations, and in particular, technical and financial

advisories, as guarantees for the implementation of the recommendations in the reforms

carried out. In the constitution/consolidation of their identities, faced with the new policy

guidelines, the institutes are inserted in Higher Education with the extension of their

activities, which ultimately influences the construction of their identities and affects the

managers and professors. In this new positioning, they deal with disputes, internal power

networks, constant clashes, and the demand for agreements and latent conditions that need to

be created in order for the institutions to be recognized as research and Postgraduate

Page 12: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

12

institutions, along with the need to construct an image of commitment to the policy, due to

processes of external evaluation processes. In this struggle, strategies and tactics are being

forged in the difficulty of dialogue and articulation between the different actions, in the

declaration of agreements, in disputes over domain areas, in the overlapping of powers, and in

the identification of opportunities, expressed in the desires for convergence and in the

disruption of the original identities, verticalization of the curricula, strengthening of the ability

to cater for local demands and regional interests, consolidation of research and research

networks, stimulation of scientific production, referentiality in certain areas of knowledge,

and innovation as strategy to mark their presence, becoming more visible and competitive in

the area of Higher Education.

Keywords: Policy cycle. Policy enactment. Context of practice. Policy for Higher Education.

Instituto Federal Catarinense. Instituto Politécnico do Porto.

Page 13: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

13

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Distribuição dos campi no Estado de Santa Catarina 41

Figura 2 - Mapa do Distrito do Porto com as localizações dos três campi 48

Figura 3 - Composição dos campi com suas sete Escolas e Institutos 50

Figura 4 - Composição dos campi com suas oito Escolas e Institutos 51

Figura 5 - Década de ingresso dos entrevistados no IFC 56

Figura 6 - Década de ingresso dos entrevistados no P.Porto 58

Figura 7 - Rede de Influências de Políticas Globais nas Políticas Educacionais do Brasil e de

Portugal 67

Figura 8 - Processo de Bolonha e alterações no Ensino Superior 89

Figura 9 - Organização do Ensino Superior português conferente de grau após instituição do

Processo de Bolonha 93

Figura 10 - Representação dos subsistemas de ensino Português 123

Figura 11 - Evolução do Sistema Politécnico na prática 125

Figura 12 - Dilemas dos gestores na configuração da política no IFC 144

Figura 13 - Estratégias e táticas do IFC na tradução das políticas 169

Figura 14 - Dilemas dos gestores na configuração da política no P.Porto 178

Figura 15 - Estratégias e táticas do P.Porto na tradução das Políticas 207

Figura 16 - Estratégias e táticas comuns ao IFC e P.Porto 215

Page 14: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

14

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Documentos nacionais selecionados 59

Quadro 2 – Documentos Institucionais selecionados 60

Page 15: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

15

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Titulação dos professores efetivos dos cinco campi do IFC 42

Tabela 2 - Total de cursos, alunos e docentes em cada campus do IFC 46

Tabela 3 - Número de trabalhadores docentes P.Porto (2014) 52

Tabela 4 - Total de Cursos e alunos nas sete Escolas / Institutos do P.Porto (ano base 2015) 53

Tabela 5 - Total de Cursos nas oito Escolas / Institutos do P.Porto (ano base 2016) 54

Tabela 6 - Cursos Superiores criados a partir de 2010 nos campi de origem do IFC 57

Tabela 7 - Quadro de docentes, técnicos administrativos e alunos das Escolas Agrotécnicas

Federais e Colégios Agrícolas vinculados à proposta prévia para constituição do

IFC 102

Tabela 8 - Número de docentes efetivos por nível de formação nas Escolas Agrotécnicas

Federais e Colégios Agrícolas vinculados à proposta prévia de composição do IFC

102

Tabela 9 - Composição mínima do corpo docente/investigador exigidos nos ensinos superior

universitário 182

Page 16: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

16

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A3ES Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior

AACEF Avaliação / Acreditação e Ciclos de Estudo em Funcionamento

ARI Assessoria de Relações Internacionais

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BSM Plano Brasil Sem Miséria

CAC Colégio Agrícola de Camboriú

CAEE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CECISP Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos

CEFET Centros Federais de Educação Tecnológica

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

CEPROF Centro Educacional Profissional de Fraiburgo

CERTIFIC Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada

CET Curso de Especialização Tecnológica

CNAVES Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior

CNE Conselho Nacional de Educação

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CTC Conselho Técnico Científico

CTESP Cursos Técnicos Superiores Profissionais

CTFP Contrato de Trabalho em Funções Públicas

DDE Diretoria de Desenvolvimento de Ensino

DE Dedicação exclusiva

DGES Direção Geral do Ensino Superior Português

DRH Diretoria de Recursos Humanos

Page 17: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

17

EAF Escolas Agrotécnicas Federais

EAFS Escola Agrotécnica Federal de Sombrio

ECTS European Credit Transfer System

ESE Escola Superior de Educação

ESHT Escola Superior de Hotelaria e Turismo

ESMAD Escola Superior de Média Artes e Design

ESMAE Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo

ESTG Escola Superior de Tecnologia e Gestão

ESTSP Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto

ETI Equivale a tempo integral

ETVARPE Escola Técnica Vale do Rio do Peixe

EUR-ACE Agência European Accreditation Engineering Programmes

EURASHE Associação Europeia de Instituições de Ensino Superior

EV Escolas Vinculadas às Universidades Federais

FAPESC Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa

Catarina

FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia

FHC Fernando Henrique Cardoso

FIC Formação Inicial e Continuada

FMI Fundo Monetário Internacional

FURB Fundação Universidade Regional de Blumenau

GQT Gerência da Qualidade Total

IFC Instituto Federal Catarinense

IFET Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPP Instituto Politécnico do Porto

Page 18: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

18

ISCAP Instituto Superior de Contabilidade

ISEP Instituto Superior de Engenharia

LB Lei de Bases do Sistema Educativo

LDB Lei de Diretrizes e Bases Nacional

MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MEC Ministério da Educação

MP Mestrado Profissional

MQ Manual de Qualidade

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

NAPNE Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PB Processo de Bolonha

PDI Plano de Desenvolvimento Institucional

PE Planejamento Estratégico

PET Programa de Educação Tutorial

PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

PNPG Plano Nacional de Pós-Graduação

Prodocência Programa de Consolidação das Licenciaturas

PROEJA Programa Nacional de Educação de Jovens e Adultos

PROEP Programa de Expansão da Educação Profissional

PROEX Pró-Reitoria de Extensão

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PROPI Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação

PROUNI Programa Universidade para Todos

SEMTEC Secretaria de Educação Média e Tecnológica

Page 19: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

19

SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

SISTEC Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica

TAE Técnico Administrativo da Educação

TESP Técnicos Superiores Profissionais

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UE União Europeia

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UTC Unidade Técnico-Científica

UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Page 20: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

20

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 22

2 PERCURSO PARA O ESTUDO DA TRADUÇÃO DAS POLÍTICAS 32

2.1 ABORDAGEM DE STEPHEN BALL COMO MÉTODO DE PESQUISA NAS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS 32

2.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA 36

2.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO 39

2.3.1 Perfil dos Campi do IFC 40

2.3.2 Perfil dos Campi do Instituto Politécnico do Porto – P.Porto 47

2.4 OS PARTICIPANTES DA PESQUISA 55

2.4.1 Os gestores do IFC 55

2.4.2 Os gestores do P.Porto 58

2.5 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS 59

2.5.1 Coleta de dados 59

2.5.1.1 Fontes documentais 59

2.5.1.2 Entrevistas 61

2.5.2 Análise de dados 63

3 AS INFLUÊNCIAS GLOBAIS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E EM PORTUGAL 64

3.1 INFLUÊNCIAS NAS POLÍTICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL 69

3.2 INFLUÊNCIAS NAS POLÍTICAS PARA O ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL 83

3.3 UNIÃO EUROPEIA E PROCESSO DE BOLONHA: AS IMPLICAÇÕES PARA O

ENSINO SUPERIOR EUROPEU 88

4 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DOS INSTITUTOS NO BRASIL E EM

PORTUGAL: MOVIMENTOS DA POLÍTICA 99

4.1 A MATRIZ DE CONSTITUIÇÃO DO IFC: FORMAÇÃO TÉCNICA E FORMAÇÃO

TECNOLÓGICA 99

4.1.1 O IFC no contexto de criação e expansão da Rede de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica 103

4.1.2 O olhar dos gestores sobre a identidade do IFC nos documentos institucionais 108

4.2 A MATRIZ DE CONSTITUIÇÃO DO P.PORTO: FORMAÇÃO TÉCNICA E ENSINO

SUPERIOR DE CURTA DURAÇÃO 118

4.2.1 Os Institutos Politécnicos no contexto de criação e expansão 120

4.2.2 A Declaração de Bolonha e as implicações para a organização do Ensino Superior

português 121

4.2.3 O olhar dos gestores sobre a identidade do P.PORTO nos documentos institucionais 126

Page 21: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

21

5 INTERPRETAÇÕES E TRADUÇÕES DA POLÍTICA NO IFC 134

5.1 DILEMAS DA TRANSIÇÃO DA IDENTIDADE DE PROFESSOR / PESQUISADOR

PARA GESTOR 135

5.2 CONTRADIÇÕES DA POLÍTICA: DIRETRIZES, AVALIAÇÃO E REALIDADE EM

MOVIMENTO 145

5.2.1 A exigência da verticalização 152

5.3 FRAGILIDADE DO DIÁLOGO E ARTICULAÇÃO DO PLANEJAMENTO ENTRE

SETORES 157

5.4 ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO DA POLÍTICA DE PÓS-GRADUAÇÃO NO IFC 162

6 INTERPRETAÇÕES E TRADUÇÕES DA POLÍTICA NO P.PORTO 172

6.1 DILEMAS DA TRANSIÇÃO DA IDENTIDADE DE PROFESSOR/PESQUISADOR

PARA GESTOR 172

6.2 CONTRADIÇÕES DA POLÍTICA: DIRETRIZES, AVALIAÇÃO E REALIDADE EM

MOVIMENTO 178

6.2.1 As polêmicas da oferta dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTESP) 189

6.3 FRAGILIDADES DO DIÁLOGO E ARTICULAÇÃO DO PLANEJAMENTO ENTRE

SETORES 197

6.4 ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO DA POLÍTICA DE PÓS-GRADUAÇÃO NO

P.PORTO 199

7 CONSIDERAÇÕES 210

REFERÊNCIAS 219

APÊNDICES 234

ANEXOS 240

Page 22: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

22

1 INTRODUÇÃO

―Nada existe de permanente, a não ser a mudança‖. Em tempos de neoliberalismo, as

palavras de Heráclito de Éfeso parecem continuar pertinentes à realidade que se apresenta. Há

um constante movimento que, por meio das políticas, altera a forma e as funções internas do

Estado vinculadas ao contexto externo. Transitar entre o local e o global, nos limites desta

tese, significa aproximar-se de elementos que, presentes nos dois contextos, auxiliam na

compreensão das realidades, especificamente aquelas voltadas ao Ensino Superior e à Pós-

Graduação de duas instituições públicas situadas no Brasil e em Portugal, objeto deste estudo.

Ao olhar para realidades distintas, na perspectiva dos estudos comparados, observa-

se um movimento, uma trama entre vários fios. Dessa trama participam tanto as redes de

influência, como as pessoas e as instituições que constroem estratégias e táticas para

responder aos desafios colocados pelas políticas em contextos locais específicos (BALL,

2012a). Há uma agenda globalmente estruturada para a educação (DALE, 2004), na qual as

ações locais legitimam as indicações de acordos e pressões gestadas em locais distantes,

também como resultado das posições de poder que determinadas pessoas, a exemplo dos

Ministros, ocupam dentro dos Estados quando participam de discussões maiores. Ou seja, por

meio da rede de relações, as ideias políticas movem-se e envolvem outros atores que as

traduzem para suas realidades, tornando opacas as fronteiras entre o local e o global.

Há um jogo de interesses que situa o Estado, não como vítima, mas como

estrategista, pois são as políticas de governo que direcionam as ações e redefinem suas

funções para o alcance de metas fixadas globalmente. Este parece ser um dos fatores que

historicamente tem influenciado descontinuidades e direcionamentos nas políticas e

interferido na definição das reformas, com destaque para as reformas educacionais, em todo o

mundo, nomeadamente aquelas desencadeadas após os anos de 1990.

Os países selecionados para o estudo – Brasil e Portugal – vivenciaram, no período

nomeado, suas últimas reformas educacionais e expressam, nas suas políticas, as influências

de direcionamentos globais para a educação, nomeadamente as direcionadas ao Ensino

Superior dirigidas à Pós-Graduação, a exemplo da diversificação da oferta com a criação de

―[...] uma série de instituições de baixo custo, com distintas missões, funções e modalidades

de desempenho [...]‖ (WORLD BANK, 1998, p. 3). No Brasil, a aprovação da Lei de

Page 23: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

23

Diretrizes e Bases da Educação Nacional1 (LDB Nº 9.394/1996) e, posteriormente, a Lei de

Criação dos Institutos (LEI Nº 11.892/2008) marcam a reorganização do Ensino Superior e a

luta dos Institutos de formação Tecnológica para forjarem seu lugar nesse nível de ensino. Em

Portugal, o processo iniciado em 1986, com a aprovação da Lei de Bases do Sistema

Educativo2 (LB Nº 46/1986), teve seu desfecho com as alterações posteriores, visando

adequar a Lei e o ensino superior às exigências de Bolonha, o que também impactou

sobremaneira na tradução das políticas no interior dos Institutos Politécnicos.

É nesse contexto que se inserem as duas instituições as quais, por meio do

testemunho dos seus gestores, participaram desta pesquisa. No Brasil, o Instituto Federal

Catarinense (IFC), criado em 2008; e, em Portugal, o Instituto Politécnico do Porto (P.Porto),

criado em 1979. Ambos têm suas origens longevas e, consideradas suas peculiaridades, são

originários das Escolas de Artífices e dos Institutos Industriais e Comerciais respectivamente.

Seus percursos históricos, e, portanto, constitutivos de suas identidades, assentam-se no

1 Conforme esta lei, que rege o Sistema Educacional Brasileiro, a educação escolar é composta por dois níveis:

Educação Básica e Educação Superior. A Educação Básica é formada pela Educação Infantil, Ensino

Fundamental e Ensino Médio, obrigatória dos quatro aos dezessete anos de idade. A Educação Infantil é ofertada

até os cinco anos de idade. Até os três anos, é de caráter facultativo e oferecida em creches. A partir dos quatro

anos de idade, torna-se obrigatória sendo oferecida nas pré-escolas. O Ensino Fundamental tem duração de nove

anos, dividido em anos iniciais, com duração de cinco anos e anos finais, com duração de quatro anos. Nos anos

iniciais, prioritariamente por um professor e, nos anos finais, por professores distintos, conforme a área do

conhecimento. O Ensino Médio, última etapa da Educação Básica, tem três anos de duração e poderá, desde que

atendida à formação geral, preparar para o exercício de profissões técnicas. É ministrado por vários professores,

conforme a área do conhecimento. Desse modo, a Educação Profissional poderá ser desenvolvida articulada ao

Ensino Médio, ou de forma subsequente para aqueles que já o concluíram. O Ensino Superior é formado pelos

cursos de Graduação e Pós-Graduação que compreende os programas de mestrado, doutorado, especialização,

aperfeiçoamento e extensão desde que atendidos os requisitos fixados pelas instituições de ensino. Há, ainda, as

modalidades especiais dirigidas à Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos. 2 A Lei de Bases do Sistema Educativo Português (Lei Nº 46, de 14 de outubro de 1986) foi posteriormente

alterada pelas Leis Nº 115, de 19 de setembro de 1997, e Lei Nº 49, de 30 de agosto de 2005. Na maior parte, as

alterações referiram-se ao Ensino Superior, sem alterações significativas quanto à organização geral do Sistema

de Ensino. No Capítulo II, dessa Lei, está definida a organização que engloba a educação pré-escolar, a educação

escolar e a educação extra-escolar na perspectiva da educação continuada. A educação escolar compreende a

Educação pré-escolar, o Ensino Básico, o Ensino Secundário e o Ensino Superior. A Educação pré-escolar é de

caráter facultativo e pode ser frequentada dos três aos cinco anos de idade. O Ensino Básico é universal,

obrigatório (dos seis aos quinze anos), gratuito, com duração de nove anos. Está organizado em três ciclos: o

primeiro de quatro anos (globalizante e sob a responsabilidade de um único professor), o segundo de dois anos

(organizado por áreas interdisciplinares com professores que atuam nas suas áreas específicas) e o terceiro de

três anos com plano curricular unificado envolvendo áreas vocacionais diversificadas e um professor por

disciplina. O Ensino Secundário, obrigatório e gratuito, tem duração de três anos e somente pode ser frequentado

por aqueles que completaram com aproveitamento o Ensino Básico. É organizado de forma a contemplar

elementos de formação técnica, tecnológica e profissionalizante, além da cultura e da língua portuguesa. Há

ainda as modalidades especiais de educação escolar compreendidas como: educação especial, educação

profissional, o ensino recorrente de adultos, o ensino à distância e o ensino português no estrangeiro, sendo cada

uma delas regida por legislações especiais. O ensino superior é dividido entre universitário e politécnico, porém

somente as licenciaturas e os mestrados são comuns aos dois. A oferta formativa do doutorado é exclusiva das

universidades.

Page 24: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

24

ensino técnico e profissionalizante, com o objetivo de preparar mão de obra básica para o

mercado de trabalho, nomeadamente indústria, comércio e agricultura.

Atualmente, as duas instituições estão inseridas no Ensino Superior e na Pós-

Graduação; no entanto, ambas também são pressionadas pelas determinações oriundas das

políticas nacionais, o que pode ser entendido como limitações e desafios que alteram sua

lógica organizacional e influenciam sua identidade, pois interferem no seu âmbito de atuação.

Além disso, em cada contexto, a expressão ―educação tecnológica‖ tem significado distinto.

Enquanto, no Brasil, estende-se da Educação Básica ao Ensino Superior, em Portugal essa

expressão vincula-se ao ensino secundário. Essa diferenciação opera como um marcador das

peculiaridades do processo formativo em cada país e dos seus sistemas de ensino.

Essas duas realidades distintas, de lógicas institucionais e organizacionais, são

delineadas pelas políticas educacionais, especialmente nesta tese: as voltadas ao Ensino

Superior dirigidas à Pós-Graduação. Em ambas e em tempos históricos distintos, a identidade

institucional foi alterada com as políticas de expansão do Ensino Superior para responder ao

movimento das reformas educacionais desencadeadas globalmente e às pressões da população

quanto ao acesso a esse nível de ensino. Em Portugal, esse movimento iniciou nos anos de

1970, e, no Brasil, mas tardiamente, nos anos de 2000.

No Brasil, o Instituto Federal Catarinense (IFC), pertencente à Rede Federal de

Educação Profissional, Científica e Tecnológica, é composto, atualmente, por quinze campi e

uma reitoria situada em Blumenau. Foi formado inicialmente pela integração das Escolas

Agrotécnicas Federais de Concórdia, de Rio do Sul e de Santa Rosa do Sul, conhecida como

Escola Agrotécnica Federal de Sombrio, que se dedicavam, precipuamente, à oferta de

formação profissional técnica de nível médio, em suas respectivas áreas de atuação, além da

inclusão dos Colégios Agrícolas de Camboriú e Araquari, até então vinculados à Universidade

Federal de Santa Catarina.

Com essa nova organização, o IFC insere-se no campo da Educação Superior, com

foco, conforme Decreto Nº 6.095/2007, nos cursos de bacharelados de natureza tecnológica,

cursos de licenciatura e cursos superiores de tecnologia, visando a formação de profissionais

para os diferentes setores da economia (BRASIL, 2007b). Outra exigência refere-se à

implantação de programas de Pós-Graduação (tanto lato como stricto sensu), processo que faz

parte da política de governo de expansão e interiorização da Educação Superior no contexto

brasileiro.

Esse arranjo vem trazendo/provocando desdobramentos que necessitam ser

investigados. Conforme a Lei de criação, em seu artigo 2º:

Page 25: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

25

Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional,

pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e

tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de

conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos

desta Lei. (BRASIL, 2008b, p. 1).

No contexto português, o Ensino Superior é dual e composto pelo ensino universitário

e ensino politécnico. O Instituto Politécnico do Porto (IPP), atualmente identificado como

P.Porto, está inserido no Ensino Superior Politécnico que, como subsistema, vem sendo

problematizado e discutido por vários autores, a exemplo de Antunes (2005) e Amaral (2005),

dentre outros. O Ensino Superior Politécnico foi criado em 1979, em substituição ao Ensino

Superior de curta duração que havia sido instituído em 1977, momento em que se deu a

formalização dos dois subsistemas de Ensino Superior.

Entre as décadas de 1980 e 1990, em um processo mais moroso do que o previsto no

Decreto de criação, as escolas e os institutos foram integrados ao P.Porto. Atualmente, é

composto pelo Instituto Superior de Engenharia (ISEP), Instituto Superior de Contabilidade

(ISCAP), Escola Superior de Educação (ESE), Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo

(ESMAE), Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (ESTSP), Escola Superior de

Tecnologia e Gestão (ESTG), Escola Superior de Média Artes e Design (ESMAD), Escola

Superior de Hotelaria e Turismo (ESHT).

Para efeito de legislação, os subsistemas são diferenciados, o que vem gerando

resistências e desdobramentos no campo de atuação institucional. Enquanto o universitário

está mais voltado à investigação científica, o politécnico estaria mais vinculado à investigação

aplicada, com maior proximidade aos setores industriais. No entanto, na prática, o que se

observa é um sombreamento das atividades e um campo intenso de disputas entre

universidades e institutos, alargada em certa medida pelas políticas educacionais vigentes e

que impactam sobremaneira na identidade.

Se, por um lado, há algumas conquistas via legislação, a exemplo do ingresso no

Ensino Superior; por outro, a mesma legislação provoca entraves que transitam desde a

diferenciação do financiamento até os limites da oferta formativa. Além desse fato, na década

de 2000, como resultado da adesão de Portugal à Declaração de Bolonha ocorrida em 1999, o

Ensino Superior português foi reestruturado, impactando diretamente na organização e no

funcionamento das instituições educativas, entre elas o P.Porto.

No caso brasileiro, o processo de mudanças causou e tem causado profundas

inquietações e embates, dada a abrupta alteração da identidade das instituições atingidas por

essa política no campo da formação tecnológica. Particularmente, vivenciei esse processo

Page 26: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

26

logo após meu ingresso como docente no IFC. Vivi e observei os dilemas e a necessidade de

olhar para essa nova institucionalidade evidenciada no cotidiano, nas trocas de ideias e de

angústias com os colegas de trabalho. Tudo era muito novo e, nesse novo, muitos professores

e técnicos administrativos foram chegando. O lugar historicamente ocupado pelo ensino

técnico era ampliado com o ingresso do Ensino Superior, trazendo consigo os

desdobramentos da Pós-Graduação e os desafios de implantá-la.

Nesse contexto, o IFC está vivendo tempos de transição que lhe impelem ao processo

de reestruturação, tirando-o do lugar confortável conquistado como instituição reconhecida no

ensino técnico. Há uma identidade anterior e uma outra a ser construída, em um campo de

atuação e em uma cultura institucional que não muda de uma hora para outra e que, por outro

lado, não pode negar sua história anterior. Na Lei, o novo papel institucional a ser

desempenhado está claro, porém, nas condições reais e objetivas do cotidiano, há necessidade

de ser construído. A política vai sendo traduzida internamente pelos atores institucionais e

pelas estratégias que respondem aos desafios.

Com o ingresso no doutorado, e, posteriormente, como bolsista no Grupo de Pesquisa

do Observatório de Políticas Educacionais, as inquietações iniciais foram ampliadas com os

estudos sobre as redes de políticas globais (BALL, 2012a). Esses estudos, aliados ao interesse

em conhecer outras realidades e lógicas de organização no contexto internacional, levaram-

me a realizar o estágio doutoral (de quatro meses) no Instituto Politécnico do Porto em

Portugal, o qual mantém convênios de parcerias com o IFC, minha instituição de origem. O

propósito do estágio foi compreender, no contexto das políticas públicas, como ocorreu a

construção e a transição da identidade institucional do P.Porto e quais as estratégias e táticas

adotadas pela instituição para o seu reconhecimento como instituição de formação científica

superior, de modo a estabelecer conexões – similaridades e distanciamentos - com a realidade

brasileira.

Para além da atual conjuntura, considerei importante conhecer a gênese desses dois

institutos para melhor compreender o momento atual de transição identitária. Essa tarefa

requereu a compreensão das origens das referidas redes, as lutas pelo poder, as disputas e o

processo pelos quais as ações foram tomando a atual forma. Assim, assume relevância o

contexto histórico no qual as ações foram desencadeadas. Nesse caso, é o ato de olhar por

dentro as políticas educacionais, considerando a via de mão dupla entre distintos lugares,

sejam eles internacionais, nacionais, regionais ou locais. Tais instituições não ficaram imunes

às influências das políticas governamentais e sofreram com descontinuidades e rupturas

expressas nos cortes orçamentários de financiamentos, readequações curriculares e

Page 27: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

27

pedagógicas, intensificadas nas políticas educacionais dos governos a partir da década de

1990, momento no qual se dá o recorte temporal de análise desta pesquisa.

Na conjuntura mais ampla, nos últimos anos e, mais intensamente, a partir da década

de 1990, Brasil e Portugal vêm passando por profundas mudanças em seu cenário econômico,

político, social e educacional. Tais movimentos não são exclusivos do Brasil e Portugal;

atingem a maioria das sociedades ocidentais, tanto desenvolvidas como em desenvolvimento,

especialmente no setor público, quanto às formas de organização da provisão social (BALL,

2006).

Essas transformações estão inseridas, principalmente, no contexto do neoliberalismo3

tatcherista, desencadeado no Reino Unido, nos anos oitenta. A partir desse período, conforme

alguns autores, a exemplo de Chauí (2001), Afonso et al. (2007), Silva Júnior e Spears (2012),

a lógica do Estado de bem-estar social com mudanças genéricas, situadas nas formas de

emprego, cultura, valores e financiamentos, é alterada. São afetadas também as relações

sociais que atingem, em grande medida, as estruturas organizacionais, os estilos

administrativos e, principalmente, os papéis das instituições públicas.

Com essa ruptura, passa-se, então, lentamente, para um Estado de trabalho, não

somente pautado no discurso fordista de produtividade e de planejamento, mas,

principalmente, reforçado pelo argumento de flexibilidade e de empreendedorismo. Nessa

lógica, há reconfiguração da participação do Estado que se reestrutura, permitindo-se, por um

lado, atravessar pelas leis do mercado e, por outro, mantendo-se intencionalmente como

Estado avaliador por meio de políticas públicas de avaliação e, entre elas, mais

especificamente, as voltadas ao Ensino Superior e à Pós-Graduação.

Outro ponto importante que merece destaque na instalação da lógica neoliberal, tanto

no Brasil quanto em Portugal, refere-se à influência de organizações financeiras

internacionais e multilaterais, a exemplo do Banco Mundial (BM), Organização das Nações

3 É um sistema econômico que defende a intervenção mínima do Estado na economia, deixando o mercado se

autorregular com total liberdade. O chamado neoliberalismo corresponde ao momento em que entra em crise o

Estado de Bem-Estar, de estilo Keynesiano e social-democrata, no qual a gestão dos fundos públicos era feita

pelo Estado como parceiro e regulador econômico, que operava a partir da ideia e da prática de planejamento

econômico e da redistribuição da renda por meio de benefícios sociais conquistados pelas lutas sindicais e

populares dos anos 1930-1940. Sua certidão de nascimento foi a crise capitalista do início dos anos de 1970,

quando o capitalismo conheceu, pela primeira vez, um tipo de situação imprevisível, isto é, baixas taxas de

crescimento econômico e altas taxas de inflação: a famosa ―estagflação‖. Na perspectiva do que viria a ser

designado como neoliberalismo, a crise fora causada pelo poder excessivo dos sindicatos e dos movimentos

operários que haviam pressionado por aumentos salariais e exigido o aumento dos encargos sociais do Estado e

teriam, dessa maneira, destruído os níveis de lucro requeridos pelas empresas, desencadeando os processos

inflacionários incontroláveis (CHAUÍ, 2001, p. 17-18).

Page 28: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

28

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo Monetário Internacional

(FMI), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre outras.

Essas agências, por meio da cooperação bilateral, têm acentuada participação nas

alterações em curso, pois seus documentos indicam ações que devem ser implementadas pelos

países emergentes com ―[...] o discurso ‗justificador‘ das reformas que, preparadas em outros

contextos, necessitavam erigir consensos locais para sua implementação‖ (SHIROMA;

CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 430, grifo das autoras).

Na década de 1990, a lógica neoliberal na organização da educação, especialmente a

superior, atingiu seu ápice no Brasil e em Portugal, ainda que sob a maestria de diferentes

organizações. No Brasil, no contexto latino-americano, o Banco Mundial, em conjunto a

outras organizações mencionadas, produziu as orientações para a reorganização do Estado e

do Ensino Superior, a exemplo do papel desempenhado pela União Europeia (UE) em

Portugal.

Nessa lógica, com o passar do tempo, os discursos de excelência, de produtividade, de

qualidade, de competitividade e de visibilidade tornaram-se atribuições da cultura do novo

gerencialismo, com ênfase nos resultados e nas formas de controle, muitas vezes em

detrimento do processo. Da mesma forma, ganha força o discurso da diversificação da oferta

do Ensino Superior e da simplificação de modelos educacionais com ampliação de respostas

às necessidades de mercado. Esse novo modelo afeta a estrutura e a cultura das instituições

que buscam não só se adequar às novas demandas da política, mas também estabelecer formas

de resistência e de demarcação de suas legítimas identidades nesse espaço de luta.

Nessa perspectiva, as razões para o desenvolvimento da presente pesquisa sustentam-

se:

na necessidade de aprofundar estudos, na perspectiva da educação comparada, sobre

as políticas educacionais para os Institutos e sua inserção no campo do Ensino

Superior, no Brasil e em Portugal;

na relevância de analisar os desdobramentos e as respostas dos gestores dos Institutos

às políticas, as quais vêm produzindo mudanças significativas na configuração

institucional, no seu perfil de formação e na gestão do Plano de Desenvolvimento

Institucional, Planejamento Estratégico e Manual de Qualidade;

na importância do direcionamento do olhar para os diferentes contextos geradores das

políticas públicas e sua consequente tradução no contexto da prática onde são

Page 29: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

29

produzidas diferenciadas formas de condução, interpretação e definição de

estratégias;

na oportunidade de conhecer a política deste outro ponto de vista, de um lugar no qual

são criados espaços de manobra e de construção de estratégias específicas para a

implantação das mudanças.

A presente pesquisa insere-se no contexto do processo de transição, que envolve

ambas as instituições, na construção de uma nova identidade que traz uma história e uma

identidade anterior, bem como os esforços institucionais na implantação/consolidação e

organização da Pós-Graduação. Esse movimento exigiu e exige, dessas instituições, um olhar

voltado ao novo contexto, para além da técnica, com a inserção da inovação vinculadas às

políticas de governo e aos desafios presentes encontrados pelos gestores em momentos e

espaços nem sempre planos e delimitados.

Em face do contexto apresentado e do referencial teórico-metodológico que guiou esta

tese, fundamentado, primordialmente, nos estudos de Ball (2012a), Ball, Maguire e Braun

(2012), Teodoro (2003), Antunes (2005), Robertson (2009), delineou-se a seguinte questão de

pesquisa: Como são traduzidas as políticas de Ensino Superior, notadamente as dirigidas

à Pós-Graduação e consequentes atividades de pesquisa e produção do conhecimento, no

Instituto Federal Catarinense (IFC), no Brasil, e no Instituto Politécnico do Porto

(P.Porto), em Portugal?

Inseridas nessa problemática anunciada, há outras questões que decorrem da questão

principal:

Como se constituem as redes de influência e de produção de textos das políticas para o

Ensino Superior nos contextos brasileiro e português, notadamente a partir da década

de 1990?

Como ocorre a constituição da identidade do IFC no Brasil e do P.Porto em Portugal?

Quais as estratégias e as táticas adotadas pelas instituições, com vistas à

implantação/consolidação da Pós-Graduação e da pesquisa no contexto de

reorganização como instituições de Ensino Superior?

Com o intuito de prosseguir com esse desafio, apresenta-se como objetivo geral desta

tese: Analisar a tradução das políticas de Ensino Superior, notadamente as dirigidas à

Pós-Graduação e consequentes atividades de pesquisa e produção do conhecimento,

Page 30: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

30

pelos gestores do Instituto Federal Catarinense (IFC), no Brasil, e do Instituto

Politécnico do Porto (P.Porto), em Portugal.

Na sequência, os objetivos específicos:

Identificar as redes de influência e de produção de textos das políticas para o Ensino

Superior no contexto brasileiro e português, notadamente a partir da década de 1990.

Compreender, no contexto das políticas para o Ensino Superior, a constituição da

identidade do IFC, no Brasil, e do P.Porto, em Portugal.

Identificar as estratégias e as táticas adotadas pelas instituições, com vistas à

implantação/consolidação da Pós-Graduação e da pesquisa no contexto de

reorganização como instituições de Ensino Superior.

Tendo como fio condutor as argumentações, as indagações e os objetivos

apresentados, a tese aqui defendida é a de que, na tradução das políticas, no contexto da

prática, os institutos constroem suas estratégias e táticas forjadas em redes de poder e

disputas sustentadas na luta pela construção/afirmação da identidade institucional no campo

do Ensino Superior, buscando reconhecimento nas atividades relacionadas à Pós-Graduação,

à pesquisa e à produção de conhecimento.

A tese sustenta-se na compreensão de que as políticas, geradas em contextos globais,

influenciam as agendas das políticas nacionais e, estas, por sua vez, ao chegarem nas

instituições, são interpretadas e traduzidas em diferentes configurações, por diferentes atores,

em um movimento tal que produz efeitos na gestão e na identidade institucional. No caso dos

institutos estudados, a Pós-Graduação, as atividades de pesquisa e a produção do

conhecimento são o ponto fulcral no processo de afirmação e de consolidação de suas

identidades como instituições de Ensino Superior.

O alcance dos objetivos elencados para esta tese está diretamente atrelado às escolhas

metodológicas considerando suas peculiaridades e organização. É exatamente o referencial

teórico e o percurso metodológico que darão suporte às análises e à caracterização da pesquisa

descritas no segundo capítulo da tese.

Na sequência, no capítulo três, o foco de análise recairá sobre as redes de influência e

o processo de elaboração das políticas desencadeado nos dois países. Busca-se empreender

um movimento de olhar com maior proximidade para as influências sofridas pelo Brasil e por

Portugal na peculiaridade de seus contextos, quanto à elaboração de políticas locais,

Page 31: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

31

nomeadamente aquelas dirigidas ao Ensino Superior e pensadas para adequar seus sistemas de

ensino às exigências de agendas maiores, gestadas globalmente. Em cada contexto e em

tempos distintos, as influências dos vários organismos internacionais fazem-se presentes na

produção dos textos, evidenciando, também, o movimento de forças desiguais.

No capítulo quatro, a abordagem vincula-se à compreensão da identidade do IFC e do

P.Porto, no âmbito das políticas para o Ensino Superior. Foi na busca pela origem, que, por

meio da legislação, procurou-se identificar qual era a identidade pretendida por tais

instituições no momento histórico, político, econômico e educacional de sua criação. Nesse

movimento, estão também, em evidência, as recomendações dos organismos internacionais.

Por outro lado, desvela-se o processo de metamorfose pelo qual os institutos compelidos pela

legislação vão alterando sua identidade em meio a resistências e disputas. Ainda, nesse

capítulo, apresentam-se os depoimentos dos gestores sobre a identidade institucional e o seu

olhar sobre o modo pelo qual foram elaboradas as diretrizes de planejamento institucional

sistematizadas nos documentos norteadores.

Nos capítulos cinco e seis, serão abordados, em momentos distintos para cada

instituição, as interpretações e as traduções da política, identificando, por meio dos

depoimentos dos gestores, as estratégias e as táticas utilizadas em cada lócus para responder

aos desafios impostos pela política em cada contexto, como um campo de disputas intra e

inter institucional, notadamente as dirigidas para a Pós-Graduação e as consequentes práticas

de pesquisa e produção do conhecimento. Na sequência desses capítulos, será apresentado o

desfecho da pesquisa.

Page 32: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

32

2 PERCURSO PARA O ESTUDO DA TRADUÇÃO DAS POLÍTICAS

Neste capítulo, apresento o referencial analítico norteador do estudo, pautado na

abordagem de Stephen Ball como método de pesquisa nas políticas educacionais, a

caracterização e a delimitação da pesquisa, a descrição do perfil geral dos institutos objeto do

estudo - IFC (Brasil) e o P.Porto (Portugal) - e seus campi, os procedimentos de coleta e de

análise de dados.

2.1 ABORDAGEM DE STEPHEN BALL COMO MÉTODO DE PESQUISA NAS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS

As principais contribuições de Stephen Ball e seus colaboradores para esta tese são a

abordagem do ciclo de políticas, o conceito de redes políticas e a teoria do policy enactment

utilizada na tradução das políticas.

A abordagem do ciclo de políticas desenvolvida por Stephen Ball e Richard Bowe, na

década de 1990, traz valorosas contribuições para a análise do presente objeto de estudo. Para

a análise de políticas públicas educacionais em diferentes contextos, Stephen Ball (2009)

esclarece que o ciclo de políticas é um método, uma maneira de pesquisar e teorizar sobre

políticas e não uma explicação das políticas. A ideia de que as políticas são implementadas é

rejeitada, pois, segundo Ball (2009), não há um processo linear entre o texto escrito das

políticas e a dimensão prática. Entre um e outro extremo há alternâncias.

A prática é investida de valores locais e pessoais, nos quais ajustes e acordos em

instâncias secundárias fazem-se presentes e são necessários. Nesse sentido, Ball (2011), ao

escrever sobre a inclusão das pessoas nas políticas, destaca:

[...] políticas colocam problemas para seus sujeitos, problemas que precisam ser

resolvidos no contexto. Soluções para os problemas postos pelos textos políticos

serão localizadas e deveria ser esperado que discernissem determinados fins e

situações confusas. Respostas que precisam, na verdade, ser ―criativas‖. As políticas

normalmente não dizem o que fazer; elas criam circunstâncias nas quais o espectro

de opções disponíveis sobre o que fazer é reduzido ou modificado ou em que metas

particulares ou efeitos são estabelecidos. Uma resposta ainda precisa ser construída

no contexto, contraposta ou balanceada por outras expectativas, o que envolve

algum tipo de ação social criativa. (BALL, 2011, p. 45-46).

Ao considerar todas as variantes citadas, Ball e seus colaboradores propuseram um

ciclo contínuo constituído por três contextos principais: contexto de influências, contexto da

produção de texto e contexto da prática. Cada contexto apresenta-se inter-relacionado com os

Page 33: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

33

demais e envolve disputas e embates que têm como protagonistas lugares e grupos de

interesse distintos.

O contexto de influências é o lugar dos discursos políticos, onde, normalmente, as

políticas são pensadas. É a esfera de atuação dos partidos políticos, das redes sociais, lugares

nos quais os conceitos são legitimados formando a base para a política. Caracteriza-se por um

momento de embate porque, muitas vezes, recebe apoio; enquanto, em outros, recebe as

resistências daqueles que têm o poder de influenciar o espaço público de ação.

Nesse espaço, também estão inseridas as comissões e os grupos representativos no

processo de formulação das políticas nacionais. Entre eles podem ser considerados os

contextos mais globais e internacionais, seja mais diretamente pelo fluxo de ideias constituído

por meio das redes políticas e sociais que envolvem a circulação internacional de ideias, seja

pelo processo de importação de políticas. Ou, ainda, pela venda de soluções no mercado

político, utilizando as publicações em artigos, periódicos, livros e conferências nos quais os

idealizadores, por um lado, apresentam suas ideias e, por outro, criam ambientes favoráveis à

movimentação das ideias consensuadas e disseminadas para além das fronteiras nacionais. Os

organismos internacionais, como o BM, a OCDE, a UNESCO, o FMI e a UE também

exercem influências significativas sobre as políticas nacionais, a partir de suas exigências e

recomendações. Contudo, não há mera transposição das políticas; elas são reinterpretadas e

recontextualizadas pelos estados-nação em seus contextos específicos ao efetuar a

transposição entre a esfera global e a local.

Em outra instância, no movimento descendente, situa-se o contexto da produção de

texto geralmente articulado com ―a linguagem do público mais geral‖ como representante das

políticas. Os textos envolvem negociações e intenções internas ao Estado e ao processo de

formulação da política em que, algumas vozes, são mais ouvidas do que outras. Após a

elaboração das políticas nos momentos legislativos, faz-se necessária a leitura vinculada ao

tempo e ao espaço específico do seu contexto de produção, no qual a ausência de passividade

marca novamente interesses dos grupos que competem entre si pelo controle das

representações da política.

No contexto das práticas, as políticas carregam limitações materiais e possibilidades.

Apesar de serem intervenções textuais, suas consequências são sentidas, vividas, inseridas.

Mais uma vez esse contexto não recebe passivamente o texto escrito. Tais textos estão sujeitos

a reinterpretações e recriações; produzem efeitos e consequências muitas vezes traduzidas em

mudanças significativas na política original. Assim, por exemplo, no caso do IFC e P.Porto,

os gestores, ao participarem das decisões, também fazem um movimento entre suas

Page 34: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

34

convicções pessoais e o que é esperado deles pelas instituições, lançando mão de estratégias e

táticas produtoras de sentido.

Em uma leitura mais aprofundada do ciclo de políticas, Ball e seus colaboradores vêm

trabalhando com a teoria do policy enactment e ampliando o contexto da prática (BALL,

MAGUIRE; BRAUN, 2012; BALL, 2013a). Para os autores, a interpretação é apenas uma

leitura inicial, com o objetivo de aproximar-se do sentido da política. A tradução, por sua vez,

vincula-se à compreensão do texto dentro dos limites da ação, nos quais ocorre um processo

de re-representação, reordenação, que se processa por meio de várias práticas materiais e

discursivas.

―Enactments‖ constituem respostas em curso à política, às vezes durável, às vezes

frágil, nas diversas redes e cadeias de relações. No entanto, essa resposta não é direta nem

reproduz linearmente as diretrizes da política. É na interação e na inter-relação entre diversos

atores, textos, conversas, tecnologias e objetos (artefatos) que a política é interpretada,

traduzida, reconstruída e refeita em diferentes, mas similares caminhos (BALL; MAGUIRE;

BRAUN, 2012).

Nas pesquisas em escolas secundárias inglesas, Ball, Maguire e Braun (2012)

exploram a teoria da interpretação/tradução da política no contexto da prática, ou seja, a

política como estratégia discursiva por meio da análise do conjunto de textos, de

acontecimentos, de artefatos e de práticas que retratam o processo de escolarização, a

produção do estudante, os propósitos da escolarização e a construção pelos professores, como

um conjunto constituinte da formação discursiva da escola em suas pesquisas. Uma dessas

pesquisas foi financiada pelo Conselho de Pesquisa Social (ESRC) intitulada Policy

enactments in the secondary school, desenvolvida entre outubro de 2008 e abril de 2011.

Para suas análises, Ball, Maguire e Braun (2012) destacam a importância de quatro

contextos e suas dimensões:

1. O contexto situacional, que se interessa em conhecer os aspectos históricos e

sua inter-relação com o ambiente escolar.

2. As culturas profissionais, que dizem respeito aos compromissos assumidos

dentro da escola pelos professores, seus valores e como eles moldam a atuação

política (enactment). A forma como os atores políticos veem e entendem as

políticas depende do lugar onde literalmente estão.

3. Os contextos materiais, os quais se voltam aos aspectos físicos das escolas, sua

infraestrutura, sua tecnologia de informação.

Page 35: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

35

4. Os contextos externos mais amplos, os quais geram expectativas e pressões

advindas da política nacional, refletindo a centralidade da preocupação com o

desempenho (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012).

Nessa perspectiva, o discurso pode ser um instrumento de poder que define o modo

como certas declarações adquirem o estatuto de verdade. Encontra-se no escrito, no dito e no

pensado, como regras discursivas que definem as razões, tornando possível o exercício do

poder. Do mesmo modo, estão presentes as resistências, as quais operam na interpretação e na

reinterpretação dos eventos sob vários aspectos, entre eles os profissionais, os pessoais, os

emocionais e os psicológicos.

Assim, os estudos de Stephen Ball que utilizam a abordagem teórico analítica das

políticas públicas, com a abordagem do ciclo de políticas (BALL, 2009) e a teoria do

enactment4 (BALL, 2013a), possibilitam a análise das políticas públicas como espaço de

reflexão e compreensão sobre os múltiplos contextos que envolvem o fazer políticas e de

como os sujeitos se apropriam e traduzem tais políticas no campo prático e no campo

discursivo. Nesses campos, estão presentes as redes, as relações de poder, as resistências, as

responsabilizações que se instalam e se desenvolvem sob a perspectiva das práticas

individuais do coletivo institucional.

―A resistência é normalmente considerada como um exercício coletivo da atividade

política pública‖ (BALL; OLMEDO, 2013, p. 85), não como o cuidado de si exposto por

Foucault, mas como espaço no qual são produzidas subjetividades. Desse modo, conforme os

autores, o neoliberalismo faz surgir novos atores, novas redes e novas subjetividades,

reconfigurando a governamentabilidade em outros espaços de decisão e ação na lógica da

competição.

Ao aproximar o olhar sobre as políticas e o modo como as redes influenciam sua

elaboração nos contextos locais, aqui considerados Brasil e Portugal, e, dentro deles, nos

micro espaços das instituições, revela-se uma importante possibilidade de compreensão dos

movimentos e das múltiplas conexões. Nos contextos também estão presentes as

4 Segundo Mainardes, em nota de revisão do livro Como as escolas fazem política: Atuação em escolas

secundárias (BALL, 2016, p. 3): ―O termo enactment é de difícil tradução. Originalmente, essa palavra tem sido

usada no contexto legal para descrever o processo de aprovação de leis e de decretos. […] os autores a utilizam

no sentido teatral, referindo-se à noção de que o ator possui um texto que pode ser apresentado/representado de

diferentes formas. O texto, no entanto, é apenas uma pequena parte (porém, uma parte importante) da produção.

Os autores usam esse termo para indicar que as políticas são interpretadas e materializadas de diferentes e

variadas formas. Os atores envolvidos (no caso, os professores) têm o controle do processo e não são ―meros

implementadores‖ das políticas. Para a Língua Portuguesa, ―policy enactment‖ pode ser entendido como as

políticas que são encenadas, colocadas em ação‖.

Page 36: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

36

interpretações e as traduções como respostas latentes às políticas em diferentes arenas. Nessas

arenas, a interpretação apresenta-se na estratégia e a tradução envolve as táticas, mas ambas

também podem estar intimamente entrelaçadas e sobrepostas nas ações dos sujeitos que, nesse

caso específico, são representadas pelas traduções dos gestores.

Nessa perspectiva, não há fenômeno totalizante, mas sim peculiaridades e fragilidades

nas ações caracterizadas por limites, ausências e divisões. Esses discursos e ações são

produzidos no interior das instituições como novas relações, novos procedimentos e novas

identidades que, por sua vez, materializam novas formas de organização de redes internas, do

espaço e do tempo. Da mesma forma, ocorre a produção e a constituição de um conjunto de

práticas discursivas, de eventos e de textos que contribuem para as respostas políticas nas

relações e nos processos mais amplos da estrutura social e cultural.

Nesse movimento permeado entre o global e o local, nos limites desta tese, realizou-se

o esforço de compreensão entre textos, discursos e práticas forjados nas redes internas dos

dois institutos e expressos nas formas de organização e nas estratégias e táticas específicas a

cada contexto.

2.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

A opção metodológica desta pesquisa centrou-se na abordagem qualitativa comparada,

pois se buscou durante as análises aspectos qualitativos e comparados que interferiam ou

contribuíam para a temática em questão. Considerou-se essa abordagem coerente com o tipo

de estudo realizado porque abria-se a possibilidade de olhar para o processo no lócus de

atuação dos participantes onde, conforme avançavam as análises, os significados iam sendo

construídos. O exercício foi de compreensão e os ambientes analisados guardavam íntima

relação com a realidade social mais ampla no constante movimento entre o geral e o

específico.

Para Garrido (1986), a metodologia comparada é uma das metodologias de base que

busca compor capacidades fundamentais para o entendimento humano, nomeadamente a

compreensão espacial. ―Sobre o ponto de vista descritivo, comparar inclui três aspectos: ver,

analisar e ordenar, cada um deles terá maior ou menor relevância conforme aquilo que se

compara.‖ (GARRIDO, 1986, p. 127). Nessa perspectiva, os debates e análises sobre a

política evoluíram recentemente de uma perspectiva de ―política doméstica‖ para uma

perspectiva do ―domínio público‖ no contexto global, nos quais os problemas complexos são

colocados aos estudos das políticas educacionais. Essas abordagens, nomeadamente a

Page 37: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

37

educação comparada, abriram possibilidades de olhar para as políticas educacionais,

movimentando as análises entre o local e o global e vice-versa, em estreita relação entre a

política e a centralidade do poder (TEODORO, 2003).

A maior parte dos estudos realizados na perspectiva comparada com finalidade

científica não tem como principal objetivo chegar a decisão concreta, mas compreender e

aumentar o conhecimento de determinadas realidades que poderão levar a ações concretas

futuras. Garrido (1986) ainda esclarece que a comparação não pode assentar-se em realidades

completamente heterogêneas, o que resultaria no exercício de situar somente as diferenças, de

outro modo, também não há possibilidade de comparar o que é igual. ―Para que exista

comparabilidade, que é o mesmo que dizer possibilidade de comparação, é preciso que haja

homogeneidade entre os fenômenos que se comparam. Homogeneidade quer dizer

semelhança em seus traços constitutivos, em seus princípios essenciais.‖ (GARRIDO, 1986,

p. 132).

Na perspectiva da educação comparada também são bem-vindas as contribuições de

Cowen (2012) ao destacar que o ―ato de ler o global‖ muda continuamente, ―[...] significa a

seleção de uma agenda de trabalho acadêmico, a identificação de ansiedades e perplexidades

inseridas em uma interpretação das partes estrangeiras do mundo que são vistas – no sentido

de que tais localidades tornam-se deliberadamente visíveis‖ (COWEN, 2012, p. 407). Nesse

sentido, quando o pesquisador considera essas possibilidades, ele vê coisas diferentes, pois a

agenda de pesquisa vai alterando conforme vão surgindo novas inquietações e novos

questionamentos.

No campo específico da educação e das políticas educacionais, trata-se de um

exercício de olhar para os textos produzidos, para os discursos, para as práticas e como estes

desencadeiam lógicas de organização e ação em determinados contextos. ―[...] é preciso que a

educação comparada seja um meio de compreender o outro, sobretudo o outro que é tão

diferente e que olha o mundo com outros sentidos e com outros sentimentos.‖ (NÓVOA,

2009, p. 53). É o movimento entre o global e o local que, com a globalização, intensifica as

relações em nível mundial, estabelecendo conexões com o local, de modo que estes são

influenciados por fenômenos iniciados em outros lugares e, principalmente, o modo como

estes movimentos são apropriados pelas diferentes nações.

Considerando seu significado mais global, o processo educativo constitui além

disso, como acertadamente se vem assinalando nos últimos anos, um sistema social

em permanente estado de vinculação com outros sistemas sociais; e em

consequência é muito difícil estudá-lo em separado retirando-o destas outras

realidades sistêmicas. O sistema político, o sistema econômico, o sistema cultural, o

Page 38: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

38

sistema de informação, o sistema de crenças, etc. incluem referências contínuas e

fundamentais ao sistema educativo de uma região, de um país ou de um grupo de

países. Raro é o âmbito, de ação ou de estudo, que não provoque consequências

diretas ou indiretas sobre a educação (insumos) ou que não seja afetado pela

educação (por seus produtos). (GARRIDO, 1986, p. 202).

Buscando captar esse movimento destacado por Garrido, julgou-se que a entrevista

com roteiro semiestruturado seria uma opção acertada e justificada pelo fato de desenvolver-

se a partir de um roteiro básico que permitiria, se necessário, fazer adequações, esclarecer

pontos que não tivessem ficado claros ou ainda complementar informações. No caso desta

pesquisa, a entrevista possibilitou extrapolar o âmbito do texto da política, de forma a auxiliar

na compreensão de como traduzem e pensam os gestores sobre as políticas em suas práticas.

É nesse sentido que as fontes documentais se fizeram necessárias, pelo fato de que as leis

estão expressas em textos legais das políticas para a educação. Neles, foi possível retirar

evidências imprescindíveis para o processo analítico, no exercício de compreensão de como

ocorre o fluxo das ideias e consensos por meio das redes políticas e como essas ideias são

materializadas no contexto da prática pelos gestores em suas redes internas.

Ao considerar que coleta e análise de dados são etapas do processo que se

retroalimentam, também foi utilizada a triangulação entre os documentos norteadores das

políticas nacionais e internacionais, os documentos institucionais e as entrevistas realizadas.

Esse modo de entrelaçar as informações significa ―[...] antes de tudo tentar escapar da fácil

interpretação daquilo que estaria ‗por trás‘ dos documentos, procurando explorar ao máximo

os materiais, na medida em que eles são uma produção histórica, política; na medida em que

as palavras são também construções [...]‖ (FISCHER, 2001, p. 199, grifo do autor). A

triangulação, por sua importância, merece destaque, pois são os cruzamentos que nos

permitem observar várias vezes determinado fenômeno. ―Ela pode nos dar mais confiança de

que determinamos corretamente o significado ou [...] de que precisamos analisar as diferenças

para enxergar significados múltiplos e importantes‖ (STAKE, 2011, p. 139).

Quer seja para confirmar o que já havia sido encontrado ou mostrar que há outros

significados, até então implícitos, ou ainda para revelar a complexidade das análises, a

triangulação é um ponto positivo a ser considerado. A exemplo dos sujeitos ligados à

educação em suas funções específicas, podem ser considerados três aspectos para triangulação

(TRIVIÑOS, 2013): os processos e os produtos centrados no sujeito, que, nesta pesquisa,

especificamente se referem aos gestores; os elementos produzidos no ambiente do sujeito,

nesse caso os instrumentos legais (documentos institucionais), entre outros; e os processos e

os produtos originados pela estrutura socioeconômica e cultural do macro-organismo social

Page 39: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

39

do sujeito, aqui entendidos como os documentos criados no âmbito nacional e internacional

de cada realidade, para responder às demandas específicas.

2.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO

Conforme assinalado na introdução, o recorte temporal selecionado para esta tese foi a

partir dos anos de 1990 até o presente, pelo fato de que, nessa década, ocorreu uma ampla

reforma educacional, designadamente no Ensino Superior, tanto no Estado brasileiro como no

português, influenciando as políticas educacionais, que, em função da legislação em vigor,

alterou significativamente a organização das instituições nos dois contextos. A pesquisa

empírica desenvolvida realizou um duplo movimento entre o contexto brasileiro, no âmbito

do IFC, e o contexto português, no âmbito do P.Porto, pois o lócus no qual essas instituições

se situam é também o espaço de construção de respostas aos desafios impostos pela nova

legislação. Os aspectos relevantes foram captados na dinâmica de espaço-tempo no qual o

IFC e P.Porto, ambas instituições públicas, se organizam para responder às demandas

decorrentes das atuais políticas públicas nos seus contextos específicos de atuação.

O IFC foi recentemente constituído (2008), mas, anteriormente a essa transformação,

há um percurso histórico de mais de meio século de algumas das instituições que agora o

compõem. Suas origens estão nas Escolas de Artífices (1909)5. Essa instituição é formada por

uma estrutura multicampi complexa. Cada campus possui organização própria e diferenciada,

desde número de professores, alunos e técnicos administrativos, além da infraestrutura física e

administrativa requerida e organizada de acordo com a demanda de cursos em cada realidade,

prevista em lei, com a necessidade de contemplar as demandas locais e regionais, nas quais as

unidades estão instaladas. Desse modo, no IFC, há grande variedade de campi e cursos, ainda

que se tenha em vista a verticalização do ensino, em concordância aos documentos legais.

Esse perfil diferenciado de cada campus será objeto dos próximos itens.

O P.Porto foi criado em 1979, mas suas origens ancoram-se em tradicionais

instituições conhecidas anteriormente como Escola Industrial do Porto (1852) e, algum tempo

depois, Instituto Comercial do Porto (1886). Essas instituições passaram por várias alterações

5 As Escolas de Artífices foram criadas no início do século XX, quando, em 1909, o então Presidente da

República Nilo Peçanha, por meio do Decreto Nº 7.566, instaurou 19 Escolas de Aprendizes Artífices

subordinadas ao Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Seu objetivo inicial era preparar

o jovem, em risco social, econômico e socialmente desfavorecido para o mundo do trabalho, oferecendo o ensino

de um ofício, por meio da qualificação de mão de obra, útil às necessidades industriais; um sujeito disciplinado

que se manteria assim, longe da ociosidade e dos vícios, tornando-se útil à nação (BRASIL, 1909).

Page 40: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

40

e rupturas quanto ao processo formativo de mão-de-obra básica para o comércio e indústria.

Com o passar do tempo e novos encaminhamentos nas políticas educacionais portuguesas,

também ampliaram sua área de atuação. Atualmente, oferecem graduação, pós-graduação e

mestrado, além de cursos técnicos de nível superior, que serão objetivo de discussão em

capítulo posterior.

A organização administrativa e pedagógica do P.Porto, a exemplo do IFC, é formada

por complexa estrutura multicampi com variada oferta de cursos em áreas distintas do

conhecimento, as quais contemplam vários perfis formativos alocados em oito

escolas/institutos e uma presidência.

2.3.1 Perfil dos Campi do IFC

A gestão central do Instituto Federal Catarinense (IFC) está localizada na Reitoria,

na cidade de Blumenau, e organizada conforme o organograma (Anexo A). No total são 8.781

alunos matriculados, distribuídos em 100 cursos6, com 1.585 servidores computados em seus

campi de lotação, sendo destes 808 docentes subdivididos em 694 efetivos - entre eles, 649

com dedicação exclusiva (DE). Além desses, há 84 professores substitutos7, 30 temporários,

com carga horária de 20 ou 40 horas, e 777 técnicos administrativos. Na Reitoria não há

docentes lotados, porém há professores que desempenham suas funções na administração

central.

Na figura 1, pode-se observar como está a distribuição dos campi no Estado, com

abrangência em todas as regiões geográficas.

6

Somente são considerados os cursos ativos cadastrados no Sistema Nacional de Informações da Educação

Profissional e Tecnológica (SISTEC), coordenado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

(SETEC/MEC. 7 A contratação de professores substitutos e temporários está prevista na Lei Nº 8.745/93, artigo 2º, IV -

admissão de professor substituto e professor visitante, § 1º - A contratação de professor substituto de que trata o

inciso IV do caput poderá ocorrer para suprir a falta de professor efetivo em razão de: I - vacância do cargo; II -

afastamento ou licença, na forma do regulamento; ou III - nomeação para ocupar cargo de direção de reitor, vice-

reitor, pró-reitor e diretor de campus. O professor temporário está contemplado no mesmo artigo 2º, X -

admissão de professor para suprir demandas decorrentes da expansão das instituições federais de ensino,

respeitados os limites e as condições fixados em ato conjunto dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e

Gestão e da Educação. (BRASIL, 1993c, p. 18937).

Page 41: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

41

Figura 1 - Distribuição dos campi no Estado de Santa Catarina

Fonte: Homepage

8 da Reitoria. Adaptada pela autora para fins de pesquisa.

Os números da Figura 1 correspondem aos seguintes campi: Abelardo Luz (2),

Araquari (3), Blumenau (4), Brusque (5), Camboriú (6), Concórdia (7), Fraiburgo (8), Ibirama

(9), Luzerna (10), Rio do Sul (11), Santa Rosa do Sul (12), São Bento do Sul (13), São

Francisco do Sul (14), Sombrio (15) e Videira (16), além da Reitoria (1), instalada na cidade

de Blumenau.

Nos campi a gestão, de modo geral, está organizada em Direção geral, Diretoria de

Desenvolvimento de Ensino (DDE), Coordenação de Ensino, Coordenações de Cursos e

responsáveis por outros setores, a exemplo da Pesquisa e Pós-Graduação. Os cursos, tanto os

técnicos como os de graduação, podem se repetir em vários campi de acordo com as

necessidades da região na qual estão localizados.

Na sequência, apresenta-se breve perfil9 de cada campus a partir dos dados coletados

nas suas homepages e da consulta aos dados do Censo Interno realizado bimensalmente pela

Reitoria, publicado no mês de novembro, tendo como referência os meses de setembro e

outubro (2015). Nesse Censo, não estão computadas as matrículas referentes aos cursos

oferecidos no Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)10

.

8 Disponível em: <http://www.ifsc.edu.br/campus>. Acesso em: 5 set. 2015.

9 Inicialmente, são listados os perfis das cinco escolas que deram origem ao atual Instituto Federal Catarinense e,

na sequência, as pertencentes ao plano de expansão dessa instituição. 10

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi criado pelo Governo Federal,

em 2011, por meio da Lei 12.513/2011, com o objetivo de expandir, interiorizar e democratizar a oferta de

cursos de educação profissional e tecnológica no país. O Pronatec busca ampliar as oportunidades educacionais e

de formação profissional qualificada aos jovens, trabalhadores e beneficiários de programas de transferência de

renda. (Fonte: http://portal.mec.gov.br/pronatec).

Page 42: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

42

Nos cinco campi selecionados, a atual titulação dos professores encontra-se assim

distribuída:

Tabela 1 - Titulação dos professores efetivos dos cinco campi do IFC

Campus Licenciados e

Bacharelados

Especialistas

(Pós-Grad.) Mestres Doutores Total

Araquari 3 3 50 35 91

Camboriú 3 8 61 33 105

Concórdia 1 3 44 32 80

Rio do Sul 4 5 44 35 88

Santa Rosa do Sul 5 6 50 25 86

Total 16 25 249 160 450

Fonte: Diretoria de Gestão de Pessoas – Reitoria IFC (novembro, 2015). Adaptada pela autora para fins de

pesquisa.

Considerando o total de quinze campi, os cinco campi que originaram o IFC

concentram mais de 55% dos docentes (450 de um total de 808) e mais de 55% dos Técnicos

Administrativos da Educação (TAEs) (428 de um total de 777 - Censo, novembro, 2015).

Camboriú – o Colégio Agrícola de Camboriú (CAC) foi fundado em 8 de abril de

1953, fruto de acordo firmado entre a União e o Estado de Santa Catarina, com publicação no

Diário Oficial de 15 de abril de 1953. Suas atividades pedagógicas foram iniciadas em 1962

com o oferecimento do curso Técnico em Agricultura, passando a denominar-se, em 1973,

Curso Técnico em Agropecuária. Inicialmente, a responsabilidade pela escola pertencia à

Diretoria do Ensino Agrícola do Ministério da Agricultura, com a parte pedagógica vinculada

à Secretaria de Ensino de segundo grau do MEC. Em 25 de janeiro de 1968, com a publicação

do Decreto Nº 62.178 (BRASIL, 1968b), a responsabilidade administrativa e financeira do

colégio foi transferida para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com vínculo

direto à Pró-Reitoria de Ensino, oferecendo o ensino de segundo grau profissionalizante. O

local possui 9.024 m² de área construída.

Araquari - fundado em 26 de fevereiro de 1954 por meio de acordo firmado entre a

União e o Estado de Santa Catarina, sob a denominação inicial de Escola de Iniciação

Agrícola Senador Carlos Gomes de Oliveira, com publicação no Diário Oficial Nº 63, de 18

de março de 1954. Suas atividades iniciaram somente em 1959, pois, apesar de ser uma escola

destinada ao ensino agrícola, ela não possuía a terra em condições de cultivo na qual os alunos

pudessem pôr em prática os conhecimentos adquiridos. Até o ano de 1963, três turmas de

operários agrícolas formaram-se. Após esse período, a instituição foi transformada em

Ginásio Agrícola Senador Gomes de Oliveira, formando seis turmas de Mestre Agrícola.

Em 1968, o então Ginásio Agrícola foi integrado ao Sistema Federal de Ensino e

transferido para a Universidade Federal de Santa Catarina sob a Denominação de Colégio

Agrícola Senador Carlos Gomes de Oliveira, pelo Decreto Nº 62.163, de 25 de janeiro de

Page 43: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

43

1968, publicado no Diário Oficial da União em 26 de janeiro de 1968 (BRASIL, 1968a). Sua

finalidade era a de formar técnicos agrícolas em nível de segundo grau, em conformidade com

a Portaria Nº 59, de 24 de julho 1981, emitida pela Secretaria de primeiro e segundo grau do

Ministério da Educação (IFC, 2014a). Em seu percurso histórico de quase meio século, em

suas dependências, foi ministrado somente o curso Técnico em Agropecuária, nas

modalidades concomitante e subsequente ao Ensino Médio.

Concórdia – Suas atividades foram iniciadas em março de 1965 sob a denominação

de Ginásio Agrícola. Seu funcionamento foi autorizado pelo Decreto Nº 60.731, de 19 de

maio de 1967, e sua primeira turma formou-se em 1968. Em 12 de maio de 1972, por força do

Decreto Nº 70.513, passou a denominar-se Colégio Agrícola. Após algum tempo, em 4 de

outubro de 1979, passou a denominar-se Escola Agrotécnica Federal de Concórdia. A Lei Nº

8.731, de 16 de novembro de 1993, transformou-a em Autarquia Federal vinculada ao MEC.

Com o Decreto Nº 2.147, de 14 de fevereiro de 1997 (BRASIL, 1997a), por meio da

Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC), adquiriu autonomia didática,

disciplinar, administrativa, patrimonial e financeira. Possui área construída de 70.300 m².

Rio do Sul – A Escola Agrotécnica Federal de Rio do Sul foi criada pela Lei Nº 8.670,

de 30 de junho de 1993. Iniciou suas atividades oferecendo o curso de Técnico em

Agropecuária, no sistema de Escola Fazenda, com duração de três anos, em regime de

internato e semi-internato. Como Escola Agrotécnica, a instituição já possuía um terreno na

área urbana, centro da cidade, e outro na área rural.

Santa Rosa do Sul – Conhecido como campus de Sombrio, foi formado por uma

unidade central instalada no município de Santa Rosa do Sul e uma unidade descentralizada,

situada no município de Sombrio. É importante destacar que a unidade de Sombrio

recentemente conquistou autonomia administrativa. A antiga Escola Agrotécnica Federal de

Sombrio (EAFS) foi inaugurada em 5 de abril de 1993 com o objetivo de atuar como uma

Unidade de Ensino Descentralizada da Escola Técnica Federal de Santa Catarina, localizada

em Florianópolis. Mais tarde, por meio da Lei Nº 8.670, de 30 de junho de 1993 (BRASIL,

1993a), passou a denominar-se Escola Agrotécnica Federal de Sombrio. Em 16 de novembro

de 1993, pela Lei Nº 8.731 (BRASIL, 1993b), foi transformada em Autarquia Federal. Iniciou

suas atividades em 28 de março de 1994, oferecendo Ensino Médio e cursos Técnicos. Possui

área construída de 17.065 m².

Abelardo Luz – Encontra-se em fase de implantação e está administrativamente

ligado ao campus de Concórdia. Até o momento sua oferta formativa concentra-se nos cursos

técnicos.

Page 44: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

44

Blumenau – Atendendo ao previsto no plano de expansão do IFC, em setembro de

2009, foram iniciadas as negociações com a Universidade Regional de Blumenau (FURB)

para implantação de um campus na cidade. Atualmente, está localizado às margens da

Rodovia BR 470, no bairro Badenfurt, após adaptação da antiga estrutura predial para a

unidade escolar. Possui área construída de 5.397,36 m². O primeiro curso iniciado nessa

unidade foi o Técnico em Informática.

Brusque – Esse campus também é fruto do plano de expansão e as tratativas para sua

instalação iniciaram em 2011. Atualmente, conta com área construída de 5.577,39 m². A partir

do levantamento das demandas sociais realizadas em audiências públicas, o campus foi

autorizado a funcionar pelo MEC, em outubro de 2013, ofertando, inicialmente, cursos na

modalidade PRONATEC por meio de parceria firmada com a Gerência Estadual de Educação

do município.

Fraiburgo – A partir do plano de expansão do IFC, esse campus iniciou suas

atividades pedagógicas em 1 de agosto de 2012 nas instalações do então federalizado antigo

Centro Educacional Profissional de Fraiburgo (CEPROF). Inicialmente, foram ofertados os

cursos Técnico em Informática (concomitância externa)11, Técnico subsequente em Segurança

do Trabalho e o Programa Mulheres Mil12

, capacitando cem mulheres de baixa renda na área

de confeitaria naquele mesmo ano.

Ibirama – Fruto do plano de expansão do IFC, sua instalação e o início de suas

atividades pedagógicas ocorreram em 2010, na antiga Escola Hamônia, com a oferta do curso

Técnico em Informática. A partir de 2011, ofereceu também os cursos técnicos integrados ao

Ensino Médio em Eletromecânica e Vestuário. Em 2012, ampliou a oferta nas modalidades

subsequentes dos cursos técnicos em Eletromecânica e Vestuário e a modalidade integrada do

curso de Informática. Até fevereiro de 2011, durante o processo de implantação, esteve

vinculado ao campus de Rio do Sul.

11

São cursos nos quais o aluno pode frequentar o curso técnico e simultaneamente cursar o Ensino Médio em

outra instituição. 12

O Programa Nacional Mulheres Mil foi instituído em 2011 pelo Ministério da Educação (MEC), por meio da

Portaria Nº 1.015, de 21 de julho de 2011. Com a metodologia Acesso, Permanência e Êxito, o Programa passou

a ofertar cursos profissionalizantes às mulheres em situação de vulnerabilidade social. São cursos de Formação

Inicial e Continuada (FIC), com carga horária mínima de 160 horas, que atendem a um público específico de

mulheres, utilizando uma metodologia específica, que privilegia temas como direitos e deveres das mulheres,

empreendedorismo, economia solidária, saúde, elevação da autoestima, entre outros, buscando promover a

inclusão produtiva, a mobilidade no mercado de trabalho e o pleno exercício da cidadania. Em 2013, o Mulheres

Mil passou a integrar o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) por meio da

iniciativa Bolsa Formação. A oferta é resultado da parceria entre o MEC e o Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome (MDS), no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria (Pronatec/BSM), articulado com a

meta de erradicação da pobreza extrema no país. (Fonte: http://portal.mec.gov.br/programa-mulheres-mil).

Page 45: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

45

Luzerna – Suas atividades pedagógicas foram iniciadas em 2010 na estrutura predial

da antiga Escola Técnica Vale do Rio do Peixe (ETVARPE), federalizada no mesmo ano. Os

primeiros cursos oferecidos foram os Técnicos em Automação Industrial, Mecânica e

Segurança do Trabalho. O curso de Engenharia de Controle e Automação foi o primeiro curso

superior ofertado a partir de 2011, além dos cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC)

em Informática Aplicada ao Estudo da Matemática, Inglês e Espanhol. No processo de

implantação, esteve vinculado ao campus de Videira, passando a tornar-se campus a partir de

julho de 2012.

São Bento do Sul – Em fase de implantação e ainda não oferta cursos13.

São Francisco do Sul – Em respeito ao previsto no plano de expansão do IFC, as

negociações entre o Campus de Araquari e a Prefeitura de São Francisco do Sul tiveram início

em 2010. As atividades do campus foram iniciadas em março de 2010 em espaço cedido pela

Escola Municipal Franklin de Oliveira, com a oferta do curso Técnico em Informática. A

partir de 2011, passou a funcionar em sede provisória no centro de São Francisco do Sul. Em

2012, recebeu da Prefeitura Municipal a doação de um terreno na localidade de Iperoba, onde

está em processo de construção sua sede definitiva. Seu funcionamento foi autorizado pela

Portaria Nº 330, de 23 de abril de 2013, com publicação no Diário Oficial da União em 24 de

abril de 2013. A partir de 2015, estão sendo ofertadas vagas para o curso de Ensino Médio

Integrado ao Técnico em Administração.

Sombrio – Esse campus esteve vinculado à antiga Escola Agrotécnica Federal de

Sombrio. O vínculo continuou após a transformação em IFC ocorrida em 2009.

Recentemente, conquistou autonomia administrativa e possui área construída de 1.008,54 m².

Visando atender aos arranjos produtivos locais, o campus oferece o curso de Técnico em

Informática integrado ao Ensino Médio e, em nível superior, os cursos de Tecnólogo em

Gestão de Redes de Computadores, Tecnólogo em Gestão de Turismo e Licenciatura em

Matemática, além de cursos na modalidade FIC.

Videira – Inicialmente, esse campus constituiu-se como extensão da Escola

Agrotécnica Federal de Concórdia, oferecendo o curso Técnico em Agropecuária por meio de

convênio estabelecido com a Prefeitura Municipal iniciado em 2006. A partir de 2009, com a

instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, passou a

compor um campus do IFC. A construção da atual sede iniciou em 2009, mas, até que suas

instalações não estivessem prontas para uso, ela funcionou provisoriamente nas dependências

13

O campus foi inaugurado em maio/2016, após a coleta de dados. Até o momento, ele oferece apenas cursos

técnicos.

Page 46: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

46

da Escola de Educação Fundamental Criança do Futuro (CAIC) de Videira, local cedido pela

Prefeitura Municipal. A oferta dos cursos técnicos iniciou em março de 2010.

Na sequência, a Tabela 2 apresenta um resumo do quantitativo de cursos (técnicos,

graduação, pós-graduação), cursos, alunos e docentes em cada campus, tendo como mês de

referência o censo de novembro (2015).

Tabela 2

14 - Total de cursos, alunos e docentes em cada campus do IFC

Campus Técnico Graduação Pós-Graduação

(Lato Sensu)

Total

de

Cursos

Total

de

Alunos

Total

de

Docentes Cursos Alunos Cursos Alunos Cursos Alunos

Araquari 5 539 4 552 1 20 10 1.111 109

Camboriú 7 930 5 721 1 5 13 1.656 135

Concórdia 4 509 5 574 - - 9 1.083 96

Rio do Sul 6 579 4 595 - - 10 1.174 96

Santa

Rosa do

Sul

3 451 4 387 - - 7 838 68

Abelardo

Luz 1 25 - - 1 21 2 46 2

Blumenau 3 263 1 123 - - 4 386 43

Brusque 2 54 - - - - 2 54 12

Fraiburgo 2 209 - - 1 23 3 232 19

Ibirama 4 204 1 43 - - 5 247 28

Luzerna 3 232 2 242 - - 5 474 51

São Bento

do Sul - - - - - - - - 1

São

Francisco

do Sul

4 72 2 167 - - 6 239 32

Sombrio 2 149 3 228 - - 5 377 41

Videira 7 591 2 193 3 2 12 786 75

Total 53 4.807 33 3.825 7 71 93 8.703 808

Fonte: Censo Interno IFC (novembro, 2015)15

. Adaptada pela autora para fins de pesquisa.

14

Nesta tabela, não foram incluídos os números de alunos (78) dos 7 cursos de Formação Inicial Continuada

(FIC), CERTIFIC, PROEJA e Mulheres Mil que fazem parte do Censo Interno.

A Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada - Rede CERTIFIC - constitui-se

como uma Política Pública de Educação Profissional e Tecnológica voltada ao atendimento de trabalhadores,

jovens e adultos que buscam o reconhecimento e a certificação de saberes adquiridos em processos formais e não

formais de ensino-aprendizagem e formação inicial e continuada a ser obtido por meio de Programas

Interinstitucionais de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada – Programas CERTIFIC. (Fonte:

http://portal.mec.gov.br/setec-secretaria-de-educacao-profissional-e-tecnologica/programas?id=15266). 15

Ao observar a Tabela 1, referente à Titulação dos Professores efetivos dos cinco campi, e a Tabela 2, que

apresenta o total de cursos, alunos e docentes de cada campus, fica evidente que há uma divergência entre os

números apresentados naquela e nesta tabela. A razão que justifica essa diferença reside no fato de que aquela

apresenta somente o quantitativo da formação dos professores efetivos, enquanto nesta é apresentado o total de

professores considerando, efetivos, substitutos e temporários em cada um dos campi.

Page 47: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

47

Os números mostrados na Tabela 2 possibilitam observar alguns indicativos

relacionados a cursos e a alunos dos níveis técnico, graduação e pós-graduação lato sensu. Os

cursos técnicos representam 56,99%; os cursos superiores, 35,48%; e os cursos de pós-

graduação, 7,53% do total de cursos oferecidos. O número de alunos dos cursos técnicos

também são os mais expressivos com 55,23%, seguidos pelos de graduação com 43,95% e a

pós-graduação com 0,82%. Nesse movimento de transição, os cursos técnicos continuam

sendo os oferecidos em maior número, mesmo nos campi implantados após a criação do IFC,

o que pode ser considerado um indício de uma acentuada identidade voltada ao ensino

técnico, mas que, por outro lado, busca alternar oferecendo também o Ensino Superior. Há

apenas três campi (Concórdia, Santa Rosa do Sul e Sombrio) nos quais os cursos superiores

são oferecidos em maior quantidade que o ensino técnico.

2.3.2 Perfil dos Campi do Instituto Politécnico do Porto – P.Porto

A gestão central do Instituto Politécnico do Porto (P.Porto) está localizada no

campus I e conta com uma presidência organizada de acordo com o organograma (Anexo B).

No total, conforme o Portfólio da Oferta Formativa (2016), são 18.000 alunos matriculados,

distribuídos em 108 cursos. O total de trabalhadores, apresentado no Balanço Social16

, é de

1.838, sendo destes 1.430 docentes. Todas as unidades orgânicas do P.Porto estão situadas na

região geográfica pertencente ao Distrito do Porto em conformidade com a Figura 2.

16

Dados obtidos por meio de documento fornecido pela Diretoria de Recursos Humanos, Presidência do P.Porto,

enviado por e-mail para a pesquisadora em 14 de junho de 2016 por [email protected].

Page 48: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

48

Figura 2 - Mapa do Distrito do Porto com as localizações dos três campi

Fonte: Portfólio formativo do P.Porto referente ao ano de 2016. Adaptada pela autora para fins de pesquisa.

A Escola Superior de Educação (ESE) foi criada por meio do Decreto-Lei Nº 513 –

T/1979 e fez parte, em 1983, da Escola do Magistério Primário do Porto, a qual oferta cursos

de formação de professores. Com a integração ao P.Porto, ocorrida em 1985, e o movimento

político que transcorria na reorganização do sistema de ensino português quanto à exigência

da formação em nível superior para professores e educadores que atuavam no ensino primário

da época, a Escola reorganizou seus planos de cursos e itinerários formativos. Foi a primeira

Escola a ser integrada ao atual P.Porto.

O Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP) tem sua

oferta formativa diluída em várias áreas, entre elas marketing, finanças, administração,

documentação e informação, tradução e interpretação especializadas entre outras.

O Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) é o maior do P.Porto e o único

que, atualmente, tem também autonomia financeira (Despacho Nº 7936/2009). Essa

autonomia está vinculada à autorização do Ministério da Tutela e depende do cumprimento

cumulativo de alguns critérios fixados na Portaria Nº 485, de 10 de abril de 2008,

considerando a data de 31 de dezembro dos últimos três anos letivos, a exemplo da média de

alunos superior a 5.000 mil, docentes em tempo integral superior a 400 e receitas próprias

Page 49: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

49

iguais ou superiores a 5 milhões de euros (PORTUGAL, 2008). O atendimento desses

critérios situa o ISEP como o maior instituto do P.Porto.

A Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (ESTSP) tem suas origens na

década de 1980 quando, nos Centros de Formação, em conformidade com a Portaria Nº 709,

de 23 de setembro de 1980, foi iniciado o ensino nas áreas das Tecnologias de Diagnóstico e

Terapêutica. Em momento posterior, esse ensino foi ministrado pela Escola Técnica dos

Serviços de Saúde do Porto (Decreto-Lei Nº 371, de 10 de setembro de 1982). No entanto,

com o objetivo de adequar-se aos acordos firmados pela União Europeia e reformas no

Sistema de Ensino Português, essa etapa formativa passou a pertencer ao Ensino Politécnico;

e, pelo Decreto-Lei Nº 415, de 23 de dezembro de 1993, a Escola recebeu a denominação de

Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto.

A Escola Superior de Música Artes e Espetáculo (ESMAE), atual denominação,

tem suas origens na Escola Superior de Música criada em 1985. O prédio que abriga suas

atividades foi construído no final do século XIX (1883) para funcionamento da Escola de

Magistério Primário, posteriormente conhecida como Escola Normal do Porto.

A Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão (ESEIG) foi criada pelo

Decreto-Lei Nº 9, de 4 de janeiro de 1990, e o Curso de Bacharelado em Contabilidade e

Gestão foi o primeiro a ser oferecido. Entre outras atividades, também disponibiliza

consultorias e outros serviços às empresas.

A Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTGF) passou a existir por meio de

uma Resolução que determinou sua criação integrada ao P.Porto no ano de 1997. O Decreto-

Lei de criação Nº 264 é de 14 de julho de 1999, ano letivo que marca o início das suas

atividades com a Licenciatura Bietápica17

em Ciências Empresariais que, de acordo com a

definição do Instituto Nacional de Estatística de Portugal, se refere aos cursos ministrados

pelas escolas de Ensino Superior Politécnico, organizados em dois ciclos: o primeiro era

condizente ao grau de bacharel e o segundo, ao grau de licenciado. Essa organização

acadêmica entrou em extinção a partir da publicação do Decreto Lei Nº 74, de 24 de março de

2006, respeitando exigências da legislação portuguesa.

Com os impactos de Bolonha (1999), o ensino superior português foi reestruturado

atingindo diretamente a organização e o funcionamento das instituições educativas, entre elas

17

Curso ministrado pelas escolas de Ensino Superior Politécnico, organizado em dois ciclos, conduzindo o

primeiro ao grau de bacharel e o segundo ao grau de licenciado. (Fonte:

http://smi.ine.pt/Conceito/Detalhes/4942).

Page 50: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

50

o P.Porto. Até recentemente, o P.Porto encontrava-se organizado em sete Institutos/Escolas

distribuídas por três campi no Distrito do Porto, conforme pode ser observado na Figura 3:

Figura 3 - Composição dos campi com suas sete Escolas e Institutos

Fonte: Homepage do P.Porto. Adaptada pela autora para fins de pesquisa.

A estrutura apresentada na Figura 3 foi alterada em 11 de maio de 2016, pelo

Conselho Geral do Instituto Politécnico do Porto, por meio da aprovação da alteração dos

estatutos. Desse modo, a atualização da atual estrutura do P.Porto está representada na Figura

4:

Page 51: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

51

Figura 4 - Composição dos campi com suas oito Escolas e Institutos

Fonte: Portfólio formativo do P.Porto referente ao ano de 2016. Adaptada pela autora para fins de pesquisa.

Ao observar a Figura 4, pode-se perceber que a Escola Superior de Estudos Industriais

e de Gestão, no Campus II, foi transformada em Escola Superior de Hotelaria e Turismo, a

partir de 1º de agosto de 2016. Nessa alteração, também foi criada a Escola Superior de Media

Artes e Design que antes estava contemplada no Portfólio formativo da ESMAE. A partir de

2016, o P.Porto passa a ser composto por oito Escolas/Institutos.

Embora os três campi estejam localizados no Distrito do Porto, sua organização

técnica e administrativa é diferenciada conforme pode ser constatado nos (Anexos C, D, E, F,

G, H, I), os quais apresentam os organogramas individuais. De acordo com o Manual de

Qualidade do P.Porto (2015), as Escolas/Institutos possuem autonomia estatutária, científica,

pedagógica, cultural e administrativa e, atualmente, dedicam-se a uma área específica que, no

âmbito da formação no P.Porto, somente ocorre naquele espaço, como forma de otimizar

recursos e definir com maior clareza o perfil de atuação. De modo geral, a gestão de cada uma

delas está organizada em Unidades Técnico-Científicas (UTC) ou Departamentos. Há um

Presidente, Conselho Técnico-Científico, Conselho Pedagógico e, em algumas unidades, há

também o Conselho de Administração e o Conselho Consultivo. Além destes, participam da

gestão os Coordenadores ou Diretores de cursos de acordo com a nomenclatura adotada em

cada Escola/Instituto. Em todas, há laboratórios para o desenvolvimento de pesquisas e vários

Page 52: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

52

projetos, tanto com parcerias nacionais como internacionais, envolvendo volumes

consideráveis de investimento e financiamento inclusive no âmbito do Erasmus18.

Segundo o Balanço Social da Direção de Recursos Humanos19

, o total de funcionários

é igual a 1.838, sendo entre eles 1.430 docentes distribuídos na totalidade das unidades,

representando 77,80%. O maior número de contratos de trabalho dos docentes na ESTSP,

ISCAP, ESMAE, ESE, ESEIG, ESTGF é realizado por meio do Contrato de Trabalho em

Funções Públicas (CTFP) a termo resolutivo certo, ou seja, por tempo determinado. O ISEP é

a única exceção, uma vez que a maioria dos seus docentes é contratado por tempo

indeterminado. A Tabela 3 evidencia a formação dos docentes.

Tabela 3 - Número de trabalhadores docentes P.Porto (2014)

20

Escola / Instituto Licenciados e

Bacharelados

Especialistas

(Pós-Grad.) Mestres Doutores Total

ISEP 58 125 213 396

ESTSP 128 117 64 309

ISCAP 48 5 107 79 239

ESMAE 92 56 20 168

ESE 28 53 67 148

ESEIG 27 41 33 101

ESTGF 43 42 38 123

Total 424 5 541 514 1.484

Fonte: Presidência P.Porto (número de trabalhadores docentes, 2014). Adaptada pela autora para fins de

pesquisa.

Os quantitativos de mestres e doutores representam 36,45% e 34,64%

respectivamente, com os licenciados e bacharelados representando 28,57% e os especialistas,

0,34%. Esses percentuais podem, por um lado, ser considerados uma evidência da

importância da formação por parte dos professores no âmbito do Ensino Superior e Pós-

Graduação. No entanto, por outro, colocam em evidência a formação dos professores em um

nível mais básico certamente direcionado ao exercício das atividades relacionadas aos cursos

técnicos e profissionalizantes, o que pode ser entendido como uma demonstração dos níveis

nos quais a oferta formativa se materializa.

18

Na homepage da Direção Geral do Ensino Superior Português (DGES) consta que o Erasmus Mundus é um

programa de cooperação e mobilidade no âmbito do Ensino Superior que apoia projectos de cooperação e

mobilidade entre a Europa e países terceiros. Tem por objetivo tornar a União Europeia em um polo de

excelência, no domínio do Ensino Superior, de nível mundial e, ainda, promover o diálogo e a compreensão por

meio da cooperação com países terceiros (DGES, 2016). 19

Dados obtidos por meio de documento fornecido pela Diretoria de Recursos Humanos, Presidência do P.Porto,

enviado por e-mail para a pesquisadora em 14 de junho de 2016 por [email protected]. 20

Ao comparar as informações do Balanço Social da Direção (DRH, 2015), quanto ao somatório de docentes

(1430) e as informações da Presidência no Relatório do Número de Trabalhadores Docentes por Unidade

Orgânica (2014), Tabela 3, percebe-se que houve uma redução de 54 docentes, pois, em 2014, o total era de

1484, representando uma redução de 3,64%.

Page 53: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

53

Ao todo, a oferta formativa do P.Porto contempla Cursos Técnicos Superiores

Profissionais (CTESP), licenciaturas, mestrados, mestrados profissionalizantes, mestrados de

Especializações, Pós-graduações, Especializações e Doutorados (em parceria com outras

instituições de ensino superior) conforme Tabela 4.

Tabela 4 - Total de Cursos e alunos nas sete Escolas / Institutos do P.Porto (ano base 2015)

Escola

/ Instituto

Cursos

TESP

Cursos

Lic.

֎

Cursos

Mest.

֎

Cursos

Mest

Prof.

֎

Cursos

Mest.

Esp.

֎

Cursos

Pós G.

Cursos

Esp.

Cursos

Dout.

֎

Total

Alu.

Lic.*

Total

Alu.

Mest.

ISEP 14 12 21 4784 1782

ESTSP 11 7 13 3 1 2032 187

ISCAP 2 8 12 6 3 3233 360

ESMAE 3 2 684 167

ESE 5 11 9 8 1 1174 481

ESEIG 2 10 8 7 1105 234

ESTGF 7 7 8 1 980 194

Total 16 64 49 9 8 48 6 2 13.992 3405

Fonte: As informações referentes aos Cursos foram retiradas das homepages das Instituições. Adaptada pela

autora para fins de pesquisa.

* O total de alunos foi informado pela Presidência do P.Porto. No total de alunos, foram considerados somente

os com matrícula ativa nos ciclos de estudos conferentes de grau.

֎ Cursos conferentes de grau.

Ao observar a Tabela 4, é possível perceber a predominância dos cursos de

licenciaturas na maioria das Escolas/dos Institutos com o número de alunos

consideravelmente maior que os dos mestrados. No entanto, quando somados os mestrados, o

somatório de cursos ultrapassa o número de licenciaturas. Considerando que no Portfólio da

oferta formativa (2016) consta que o P.Porto tem 18.000 estudantes, é possível deduzir no

cruzamento das informações entre o Portfólio e as fornecidas pela Presidência que há 603

alunos frequentando os outros níveis não conferentes de grau e que não foram oficialmente

informados. Considera-se que esse seja um indício da negação da identidade técnica que foi

construída ao longo do tempo para os politécnicos.

Além dos elencados, há outros cursos de curta duração na perspectiva da formação

continuada e cursos do ano zero oferecidos aos alunos que tenham concluído ou que estejam

em vias de conclusão do décimo segundo ano do ensino secundário. Essa oferta também é

uma forma de captar alunos potenciais que, antes do ingresso ao Ensino Superior, têm a

possibilidade de conhecer o ambiente no qual poderão vir a estudar.

A título de esclarecimento, após as reformas educacionais no Ensino Superior

Português, adaptadas às exigências de Bolonha, somente são oferecidas licenciaturas (1º

ciclo). As nomenclaturas utilizadas para os cursos seguem as encontradas nas páginas das

Page 54: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

54

Escolas/dos Institutos e do livro da oferta formativa para 2016. No caso específico da Escola

Superior de Educação (ESE), são oferecidos os Mestrados Profissionalizantes (2º ciclo) para

os professores, pois estes somente podem exercer a docência se tiverem cursado o mestrado.

Os mestrados de especializações são para os profissionais que almejam se especializar em

outras áreas para além daquela da sua formação. Dependendo da área de atuação, os

mestrados também podem ser nomeados somente como Mestrados. Há ainda as pós-

graduações e as especializações diferenciadas pela quantidade de European Credit Transfer

System (ECTS).

Os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTESP) são resultantes de uma política

nova com oferta formativa iniciada em 2014/2015 e, em conformidade com o Nível de

Qualificação Europeia, correspondem ao nível 5 de formação, ou seja, os cursos são

oferecidos no ambiente do Ensino Superior Politécnico, mas não conferentes de grau

acadêmico e situados entre o Ensino Superior e o Secundário. A exigência dessa oferta

somente para os Politécnicos tem gerado resistências e questionamentos que serão discutidos

em tópico posterior.

Conforme esclarecimento anterior, a partir do ano letivo de setembro de 2016, a

ESEIG deixou de existir e, em seu lugar, teve início a oferta formativa em duas novas

Escolas. Desse modo, de acordo com o Portfólio, a oferta formativa ficará assim distribuída:

Tabela 5 - Total de Cursos nas oito Escolas / Institutos do P.Porto (ano base 2016)

Escola /

Instituto

Cursos

CTESP

Cursos

Lic.

Cursos

Mest.

Cursos

Mest.

Prof.

Cursos

Mest.

Esp.

Cursos

Pós G.

Cursos

Esp.

Cursos

Dout. Total

ISEP 12 12 17 41

ESTSP 11 3 2 13 1 30

ISCAP 8 12 5 2 27

ESMAE 2 4 4 10

ESE 8 10 4 1 23

ESMAD 4 1 2 1 8

ESHT 2 3 2 2 3 12

ESTGF 6 7 7 1 21

Total 8 55 41 10 8 43 5 2 172

Fonte: Portfólio da oferta formativa P.Porto 2016. Adaptada pela autora para fins de pesquisa.

Na nova organização, a predominância, de modo geral, continua sendo a oferta dos

mestrados (59), seguidas pela oferta de cursos de licenciaturas (55) e pós-graduação (43).

Nesse caso, destacam-se o Instituto Superior de Engenharia (ISEP), com igual número de

licenciaturas (12) e mestrados; seguido pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto

Page 55: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

55

(ESTSP), com maior concentração de oferta nas licenciaturas (11). O Instituto Superior de

Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP) oferece mais mestrados (12) do que

licenciaturas (8), situação também observada na Escola Superior de Educação (ESE): 14

mestrados e 8 licenciaturas.

Neste momento, o P.Porto vive um intenso processo de reestruturação. Ele visa

cumprir objetivos fixados em seu Planejamento Estratégico e também como resposta aos

atuais desafios que se fazem presentes com as políticas externas, desafios estes que serão

discutidos na sequência deste trabalho.

Consideradas as devidas peculiaridades dos perfis do IFC e do P.Porto, observa-se que

as duas instituições estão inseridas no Ensino Superior e oferecem ensino de Graduação e

Pós-Graduação, ambas organizadas em campi, com um corpo docente majoritariamente

constituído por mestres e doutores. Entre as áreas comuns que caracterizam a abrangência de

atuação, em termos de oportunidades, estão presentes as engenharias e a educação. A

organização dos campi é diferenciada em cada instituição. No P.Porto, cada campus

concentra-se em uma área de atuação, e, no IFC, os cursos repetem-se nos vários campi. Essa

forma de organização, em cada contexto, está ligada à história institucional e expressa as

traduções da política no âmbito da produção de documentos e também na formação da

identidade.

2.4 OS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Nas duas Instituições, IFC e P.Porto, os gestores entrevistados exerciam funções

ligadas à pesquisa, pós-graduação e Conselhos Técnico-Científicos.

2.4.1 Os gestores do IFC

Os gestores que participam diretamente da pesquisa, no IFC, são os que ocupam

funções referentes à Pós-Graduação na Reitoria e em cada um dos cinco campi que

originaram o atual IFC. Na Reitoria, foram selecionados os responsáveis (Pró-Reitor e

Diretor) pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (PROPI) e pela

Coordenação de Pós-Graduação. Nos cinco campi, os participantes foram os responsáveis

pela Pós-Graduação (Camboriú, Araquari, Rio do Sul, Santa Rosa do Sul, Concórdia),

totalizando oito participantes.

Os entrevistados são todos doutores, efetivos e cinco deles possuem o título há mais de

cinco anos. Nos relatos da maioria dos gestores, está presente o fato de terem sido bolsistas de

Page 56: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

56

pesquisa durante o processo formativo. Apenas um, S3, ingressou na década de 1990, em uma

Escola agrotécnica Federal que hoje compõe o IFC. Todos os outros ingressaram na

instituição recentemente, há menos de dez anos, com maior concentração de ingressos, a

partir de 2010, conforme pode ser observado na Figura 5.

Figura 5 - Década de ingresso dos entrevistados no IFC

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

O incremento no ingresso dos gestores, a partir de 2010, está ligado a outros

desdobramentos. Ele coincide com a expansão e a abertura de vários cursos de nível superior

que representa, também, o movimento institucional vivenciado com a ampliação das

atividades por ocasião do fortalecimento da política via consolidação da Rede de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica. Na Proposta Conjunta elaborada em março de 2008,

que será discutida no capítulo 4, referente à identidade (Tabela 7, p. 102), havia nos cinco

campi 454 servidores, destes 190 eram docentes. No primeiro censo interno divulgado

(setembro de 2012), o somatório de servidores, na totalidade dos campi, havia aumentado

para 1047, entre eles 568 docentes.

Quando considerados somente os cinco campi de origem, em 2012, eram 760

servidores, dos quais 414 eram docentes. Assim sendo, em relação ao ano de 2008, pode ser

constatado que o número total de servidores aumentou em 67,40%, e o número de docentes

teve um acréscimo de 117,89%. O incremento nos números de servidores do IFC demonstra o

vigor da política de governo e os investimentos na expansão.

Um aumento de tamanha envergadura, especialmente no quantitativo de docentes,

explica-se, conforme será discutido no capítulo quatro, pela alteração do perfil formativo com

implantação de cursos superiores, o que afetou também a identidade institucional. Na Tabela

6 que segue, estão listados os cursos criados a partir de 2010. A exceção, conforme pode ser

constatado, está nos campi de Concórdia e Rio do Sul, duas escolas agrotécnicas que haviam

iniciado cursos superiores de tecnologia nos anos de 2007 e 2008 respectivamente.

Provavelmente esses cursos foram extintos com a nova conjuntura organizacional implantada

na criação do IFC que necessitava atender, entre outras, as demandas surgidas por força de lei,

Page 57: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

57

a exemplo das engenharias. Naquele contexto, o curso superior de Tecnologia de Alimentos

foi extinto e substituído pelo curso de Engenharia de Alimentos em Concórdia. Em Rio do

Sul, esse movimento deu-se pela substituição do curso de Tecnologia de Horticultura pelo

curso de Agronomia.

Tabela 6 - Cursos Superiores criados a partir de 2010 nos campi de origem do IFC

Campus Número

de cursos

Nome do Curso Ano

de

início

Total de

docentes

(2012)

Total de

docentes

substitutos

(2012)

Total de

docentes

efetivos

(2012)

Total de

docentes

efetivos

(2008)21

Araquari 4

Medicina Veterinária 2010

73 12 61 25

Sistemas de

Informação

2010

Licenciatura em

Ciências Agrícolas

2010

Licenciatura em

Química

2011

Camboriú 5

Pedagogia 2011

97 18 79 41

Lic. Matemática 2010

Tecnologia em

Negócios Imobiliários

2010

Sistemas de

Informação

2010

Sistemas para Internet 2011

Concórdia 6

Tecnologia em

Alimentos (Extinto)

2007

75 16 59 37

Engenharia de

Alimentos

2011

Lic. Física 2011

Lic. Matemática 2010

Medicina Veterinária 2010

Agronomia 2015

Rio do Sul 5

Agronomia 2010

88 18 70 51

Ciências da

Computação

2010

Tecnologia em

Horticultura (Extinto)

2008

Lic. em Física 2011

Lic. em Matemática 2010

Santa Rosa

do Sul

(Sombrio)

4

Agronomia 2010

81 16 65 36

Lic. em Matemática 2011

Rede de

Computadores

2011

Tecnologia em Gestão

de Turismo

2011

TOTAIS 24 414 80 334 190

Fonte: Censo de setembro 201222

acrescido de informações fornecidas pelo Setor de Pesquisa Institucional -

Reitoria. Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

A abertura de novos cursos com perfil formativo, diferenciado daqueles que vinham

sendo desenvolvidos até então, revelou a necessidade urgente de novas contratações com

professores de perfil acadêmico também diferenciado. Como pode ser observado, na Tabela 6,

em quatro dos cinco campi, havia pelo menos um curso de licenciatura, iniciado em 2010 com

21

Informação retirada da Proposta para Constituição do IFC encaminhada ao Secretário de Educação

Profissional e Tecnológica/MEC, por meio de Ofício Conjunto Nº 001/2008, de 10 de março de 2008. 22

Neste Censo, somente foram informados os totais referentes aos campi de exercício.

Page 58: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

58

abertura do segundo curso em 2011, o que explica, pelo menos em tese, o repentino aumento

do número de professores que iniciaram suas carreiras no IFC e que atuavam na formação de

professores, algo inédito para a instituição até aquele momento e que, certamente, provocou

alterações na dinâmica de organização e de gestão.

Com entradas anuais, uma característica que diferencia o IFC das universidades já

estabelecidas, à medida que os cursos foram avançando, foi necessário também alocar

professores para as novas disciplinas que estavam previstas nas matrizes curriculares. Ao todo

foram iniciados vinte e dois novos cursos superiores (dos 24, dois deles entraram em

extinção), que exigiram a ampliação da infraestrutura, a exemplo de novas salas de aula,

bibliotecas e laboratórios para atender às demandas em uma única instituição que, na época,

abrigava cinco outras, com experiências distintas na trajetória formativa e na gestão.

2.4.2 Os gestores do P.Porto

No P.Porto, os gestores participantes da pesquisa, consideradas as peculiaridades

organizacionais, seguiram a mesma lógica de seleção. Na presidência, os selecionados foram

o Vice-Presidente, responsável pela investigação e pela internacionalização; e o responsável

pela acreditação e avaliação dos cursos, o qual acumula também as funções de Presidente do

Conselho Técnico Científico de uma das unidades orgânicas. Em cada Escola/Instituto os

participantes foram os Presidentes dos Conselhos Técnicos Científicos, totalizando oito

participantes.

Um dos entrevistados ingressou em uma instituição que compõe o P.Porto no final de

década de 1980. Seis deles, nos anos de 1990, e um, nos anos de 2000, conforme mostra a

Figura 6.

Figura 6 - Década de ingresso dos entrevistados no P.Porto

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Considera-se, aqui, que a maior concentração de ingressos dos agora gestores na

década de 1990, ainda que a amostra dos entrevistados seja reduzida, esteja associada ao que

Castro, Seixas e Cabral Neto (2010, p. 42) nomeiam como ―emergência do ensino superior de

massas‖, momento de acentuada expansão e diversificação desse nível de ensino. Todos são

doutores e ingressaram como professores. Apenas um concluiu o doutoramento na década de

Page 59: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

59

1990. Os outros entrevistados obtiveram o título nos anos de 2000. Todos os gestores fizeram

referência às atividades de pesquisa e sua identificação com a área de investigação e com a

docência. Alguns deles tiveram outras experiências em empresas, em momento anterior ao

seu ingresso na docência, ou ainda foram professores em outras instituições, tanto no Ensino

Superior, como na Educação Básica.

2.5 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS

A complexidade desta pesquisa exigiu que a coleta e análise de dados lançasse mão de

instrumentos diversificados, distribuídos em três etapas: a primeira referente à consulta

bibliográfica e análise documental. A segunda, de caráter empírico, consistiu na elaboração de

uma entrevista semiestruturada direcionada aos gestores e a terceira foi referente ao

movimento de análise entrelaçando as informações. Quando tecidos os fios das três etapas,

abriram-se as possibilidades de olhar as diferentes nuances e variações locais das políticas

ligadas aos contextos externos.

2.5.1 Coleta de dados

A coleta de dados foi dividida em fontes documentais e entrevista.

2.5.1.1 FONTES DOCUMENTAIS

Para identificar as redes de influência e de produção de textos das políticas para o

ensino superior no contexto brasileiro e português, notadamente na década de 1990, foram

realizadas consultas aos documentos circunscritos àqueles que impactaram diretamente na

reorganização da Educação Superior no âmbito dos institutos conforme o Quadro 1 que segue.

Quadro 1 – Documentos nacionais selecionados

BRASIL PORTUGAL

Plano Decenal de Educação para Todos (1993)

Lei Nº 8.948 (1994)

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

LDBEN (1996)

Decreto Nº 2.208 (1997)

Resolução CNE/CP Nº 3 (2002)

Proposta em Discussão: políticas públicas para a

Educação Profissional e Tecnológica (2004)

Decreto Nº 5.154 (2004)

Declaração de Fortaleza (2004)

Lei Nº 5 (1973)

Decreto-Lei Nº 402 (1973)

Decreto-Lei Nº 830 (1974)

Decreto-Lei Nº 313 (1975)

Decreto-Lei Nº 327 (1976)

Lei Nº 61 (1978)

Decreto-Lei Nº 513-T (1979)

Lei de Bases (1986, 1997, 2005)

Decreto-Lei Nº 64 (2006)

Page 60: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

60

Lei Nº 11.195 (2005)

Plano de Expansão da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica (2005)

Chamada Pública MEC/SETEC Nº 002 (2007)

Proposta Conjunta (IFET, 2008)

Lei Nº 11.892 (2008)

Referenciais Orientadores para os Bacharelados

Interdisciplinares e Similares (2010c)

PNPG 2011 – 2020 (2010)

Lei Nº 12.513 (2011)

Decreto-Lei Nº 369 (2007)

Decreto-Lei Nº 43 (2014)

Fonte: Elaborado pela autora para fins de pesquisa.

Para compreender as redes de influência, foi necessário realizar leituras em outros

documentos. Para fazer essa discussão, buscaram-se as interfaces dessas políticas com a

consulta aos seguintes documentos produzidos pelos organismos internacionais: Tratado de

Maastricht (1992), Declaração de Sorbone (1998), Declaração de Bolonha (1999), Higher

education: the lessons of experience - Banco Mundial (1994), Constructing Knowledge

Societes: new challenges for Tertiary Education – Banco Mundial (2003), Conferência

Mundial sobre o Ensino Superior: as novas dinâmicas do Ensino Superior e pesquisas para

mudança e o desenvolvimento social - UNESCO (2009b), Declaração da Conferência

Regional da Educação Superior na América Latina e no Caribe – (UNESCO, 2009a) e o

Quadro Europeu de Qualificações (2009).

Como norteadores, esses documentos auxiliaram na compreensão sobre a elaboração

das políticas globais e suas influências para a elaboração das políticas nacionais. Por meio de

leituras cruzadas entre os documentos, buscou-se a compreensão sobre as diretrizes das

políticas de Educação Superior dirigidas à Pós-Graduação nos dois contextos.

No âmbito institucional, espaço micro peculiar do IFC e P.Porto, os documentos

utilizados foram:

Quadro 2 – Documentos Institucionais selecionados

IFC P.PORTO

Regimentos Internos dos Colégios Agrícolas (1988)

Regimentos Internos das Escolas Agrotécnicas Federais

(1998)

Acordo de Metas e Compromisso (2010)

Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI (2014 –

2018)

Regimento Geral do IFC (2015)

Planejamento Estratégico – PE (2013 – 2017)

Planejamento Estratégico – PE (2013 – 2017)

Manual de Qualidade – MQ (2015)

Fonte: Elaborado pela autora para fins de pesquisa.

Page 61: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

61

A consulta a esse conjunto de documentos constituiu-se de importante ferramenta para

compreender, no contexto das políticas para o Ensino Superior, a constituição da identidade

do IFC no Brasil e do P.Porto em Portugal, bem como perceber as formas pelas quais as

respostas são efetivadas no contexto da produção de textos e da prática. Tratou-se de

aproximar o olhar para os desdobramentos que, por meio de textos legais, expressam a forma

como as políticas vêm sendo nacionalmente traduzidas no Brasil e em Portugal.

Quando olhados de modo entrelaçado, esses três conjuntos de documentos guardam

estreita relação com as recomendações globais e com os direcionamentos das políticas de

ensino superior dirigidas à Pós-Graduação nacional e institucional. Estes são os lugares onde

ocorre a tradução dessas políticas nos documentos orientadores institucionais e, também,

espaço de manobras para a elaboração da política de Ensino Superior dirigidas à Pós-

Graduação no qual as ações se efetivam.

A análise do conjunto documental em diálogo com as análises das entrevistas

possibilitou a identificação e a compreensão dos jogos de poder que, quando chegam à

prática, neste caso, no IFC e P.Porto, são interpretados sob a ótica do lugar onde se

materializam as ações e também geram discursos. Perceber esse movimento no processo de

reestruturação e de mudança requer compreender o cotidiano como possível revelador de

práticas, de embates, de estratégias e de espaço de manobras utilizadas para responder à

política em vigor em relação direta com a posição ocupada pelos sujeitos, nesse caso, os

gestores.

2.5.1.2 ENTREVISTAS

Quanto à entrevista semiestruturada, o roteiro foi composto por seis questões abertas

(instrumento de coleta de dados – Apêndices A e B). No caso do P.Porto, o roteiro manteve-

se com o mesmo número de questões com os devidos ajustes para a realidade portuguesa. De

modo geral, o roteiro teve o objetivo de direcionar e organizar a sequência lógica do trabalho,

sem restringir possíveis aberturas de diálogo que pudessem surgir durante a conversa.

Em função do objetivo previsto para esta pesquisa, no escopo do roteiro constava uma

questão sobre a trajetória dos gestores nas instituições e os desafios inerentes à função

ocupada, bem como os motivos que os levaram a aceitá-la. Na sequência foram elaboradas

duas questões que versavam sobre a identificação das políticas nacionais voltadas ao Ensino

Superior/à Pós-Graduação e às políticas desenvolvidas no âmbito institucional, com foco nas

estratégias e nas táticas utilizadas pelos gestores para responder às exigências das políticas. A

equiparação às universidades em termos de avaliação também foi abordada em outra questão

Page 62: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

62

buscando elementos reveladores das condições concretas de operacionalização, devido às

especificidades e às trajetórias institucionais, o que envolve novamente a produção de

artefatos.

As peculiaridades de organização da oferta, nomeadamente as referentes à

verticalização no caso do IFC e à exigência dos Cursos Superiores Profissionalizantes no

P.Porto, também estiveram presentes. A última questão versava sobre o Planejamento

Estratégico (PE) e/ou Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), suas formas de produção

e as ações presentes nos documentos que contemplam as políticas institucionais para o Ensino

Superior/Pós-Graduação.

No caso do IFC, as entrevistas foram agendadas via telefone e e-mail e realizadas

pessoalmente, nos respectivos locais de trabalho, ou por Skype, respeitando a disponibilidade

e o acordo firmado com os participantes. As entrevistas tiveram a duração de 45 a 90 minutos.

No P.Porto, os agendamentos foram todos realizados por e-mail e as entrevistas realizadas

pessoalmente, com a mesma média de duração das realizadas no IFC. Ao todo foram

realizadas 16 entrevistas.23 Conforme as entrevistas iam sendo realizadas, os gestores foram

identificados em ordem crescente como S1, S2, S3, S4, S5, S6, S7, S8 em cada instituição.

Elas foram gravadas e transcritas para posterior análise. Após redigida, cada transcrição teve a

extensão entre 6 e 12 páginas em espaçamento simples.

Ressalta-se que a presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade

do Vale do Itajaí sob o processo CAAE Nº 44008915.9.0000.0120 aprovada pelo Parecer Nº

1.112.307. O termo de Consentimento Livre e Esclarecido encontra-se no Apêndice C.

Assim, considera-se que a análise documental e a entrevista apresentam sintonia,

possibilitando perceber discursos e estratégias que emergem em cada contexto. É nessa linha

de pensamento que são imprescindíveis as contribuições de Ball na análise das políticas. Não

há espaço de neutralidade, pois textos e discursos são submetidos a constantes

reinterpretações nas diversas formas de produção de discursos. As políticas são exploradas

como estratégias discursivas a partir de textos, eventos e artefatos discursivos que remetem a

23

No primeiro contato realizado via telefone, S8 concordou em colaborar com a entrevista por Skype, porém esta

não se efetivou. Foram realizados vários agendamentos via telefone e e-mail, porém em todas as datas pré-

agendadas, houve cancelamento por diversos motivos, a exemplo da sobrecarga de trabalho. S8 solicitou

responder às questões por escrito. O formulário com as questões foi enviado juntamente ao Termo de

Consentimento Livre Esclarecido (TLC), por e-mail. Por solicitação da pesquisadora, as respostas foram

devolvidas por e-mail em arquivo PDF datado e assinado. No TLC S8 fez uma observação de próprio punho

informando que as repostas foram concedidas por escrito. Em função do ocorrido, no decorrer das análises, S8

foi brevemente citado, pois suas respostas são incompletas, a exemplo da primeira questão sobre os motivos de

aceitar a função de gestão da pesquisa, que não foi respondida. Considera-se que a falta de diálogo entre a

pesquisadora e o sujeito da pesquisa, na redação, tenha sido determinante para as respostas incompletas e

evasivas, fato que impediu a retomada durante a escrita.

Page 63: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

63

processos sociais mais amplos que geram resistências e disputas entre as práticas e o exercício

do poder, nos quais o discurso, seja ele falado, escrito, pensado ou praticado, faz-se presente.

2.5.2 Análise de dados

As análises das entrevistas foram orientadas pela análise de conteúdo conforme Franco

(2005). As quatro categorias foram identificadas por meio de um processo de repetidas

leituras dos textos das entrevistas, para, em um segundo momento, destacar as palavras que

pudessem ser agrupadas nos diferentes ―significados lógico-semânticos‖ (FRANCO, 2005, p.

72), grifando com cores diferenciadas.

Desse movimento, as quatro categorias que agrupavam os principais sentidos

presentes nos discursos foram se compondo por meio das palavras, expressões que foram

classificadas nas ―categorias molares‖ (FRANCO, 2005, p. 71), listadas a seguir:

dilemas da transição da identidade de professor/pesquisador para gestor;

contradições da política: diretrizes, avaliação e realidade em movimento;

fragilidades do diálogo e planejamento entre setores;

estratégias de tradução da política.

Essas categorias estão organizadas nos capítulos 5 (referente ao IFC) e 6 (referente ao

P. Porto). Esses capítulos foram dedicados ao aprofundamento das traduções da política pelos

gestores no contexto da prática, com maior ênfase na apresentação dos depoimentos. No

entanto, as falas dos gestores estão inseridas no texto, a partir do terceiro capítulo, em um

esforço de entrelaçar a discussão teórica e suas traduções.

No próximo capítulo, será apresentado o contexto de influências e as redes políticas

que influenciam a produção das políticas nacionais nos dois objetos desta tese.

Page 64: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

64

3 AS INFLUÊNCIAS GLOBAIS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E EM PORTUGAL

Era imprescindível ocultar esse fato ao restante do mundo.

Encorajados pelo colapso do moinho de vento, os humanos andavam

renovando mentiras sobre a Granja dos Bichos.

(ORWELL, 2000, p. 24).

Assumindo que nos estudos sobre política está incluída a centralidade do poder e

considerando seu caráter provisório em meio a negociações e interesses de grupos

dominantes, neste capítulo, procuro identificar as redes de influência e de produção de textos

nas políticas educacionais para o Ensino Superior no contexto brasileiro e português,

notadamente na década de 1990.

Nessa perspectiva, o contexto de influências (BALL, 1994) é considerado como o

lugar no qual as políticas públicas se originam e também onde os discursos primeiros são

construídos. É um campo de disputas e consensos, que, ao jogar com interesses, estabelece

princípios básicos orientadores das políticas. ―É o território em que são hegemonizados os

conceitos centrais da política, criando-se um discurso e uma terminologia próprios que visam

a legitimar a intervenção‖ (LOPES; MACEDO, 2011a, p. 257).

Retornando à centralidade do poder, são bem-vindas as contribuições de Teodoro:

Centralidade não significa que uma política possa ser entendida como uma resposta

simples e directa aos interesses dominantes, mas antes o resultado, sempre

provisório, de um processo de negociação assimétrico entre grupos e forças

econômicas, políticas e sociais potencialmente conflituais. (TEODORO, 2003, p.

15).

Ou, ainda, sob a forma de prescrições que com objetivos bem definidos projetam

imagens de ideais societários, formados por elementos multifacetados, heterogêneos e

complexos (BALL, 1990).

Particularmente neste capítulo, busco identificar, nas políticas do Ensino Superior

implantadas nos países em estudo, a expressão dessas redes, seus conceitos centrais, a

exemplo da diversificação, das avaliações em larga escala, da adaptabilidade e sua articulação

com as políticas globais. Nessa perspectiva, considero que inseridas em contextos mais

amplos e vinculadas às políticas globais estão as políticas educacionais nacionais,

nomeadamente as voltadas ao Ensino Superior, especialmente as dirigidas à Pós-Graduação

brasileira e portuguesa. Compreendê-las nos limites desta tese requer o alargamento do campo

de análise, pois as políticas educacionais globais exercem forte influência sobre a forma como

aquelas são internamente organizadas. O contexto de influências e o enactment (BALL, 2006;

Page 65: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

65

BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012) são fundamentais para desvelar discursos, práticas,

relações de poder e de resistências instaladas no interior do processo. No Ciclo de Políticas, a

análise do Estado tem lugar assegurado; no entanto, é impossível considerar somente a

perspectiva de controle estatal já que este se encontra irremediavelmente relacionado a outros

contextos.

Na inter-relação desses contextos, após o término da Segunda Guerra Mundial, quando

as nações experimentaram tempos econômicos e sociais de grande complexidade em situação

de penúria, ocorreu, na Conferência de Bretton Woods24 (1944), a fundação das primeiras

instituições que viriam a ocupar o lugar de destaque no processo de retomada de crescimento

da economia mundial. Nesse sentido, a formação da rede de organizações internacionais de

cunho intergovernamental propiciou também a criação de instituições especializadas em

determinados aspectos organizacionais dos Estados. São exemplos a UNESCO e o Banco

Mundial (BM), atuantes na área da educação, ciência e cultura; o Fundo Monetário

Internacional (FMI), nas finanças e no desenvolvimento; e, ainda, a Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), voltada ao planejamento da cooperação

econômica em espaços geográficos previamente definidos – a OCDE justifica que o cerne das

reformas do setor público ancora-se no monitoramento dos sistemas e na produção de

informação.

Além dos Organismos aqui citados, é importante destacar o papel desempenhado pela

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) que, especificamente na

América Latina, na década de 1990, introduziu, por meio do documento intitulado Educacion

Y Conocimiento: Eje de la Transformacion Productiva con Equidad (1992), os conceitos de

equidade, produtividade e eficiência que impactaram na agenda política educacional dos

Estados, o que caracteriza também a alternância de hegemonia entre os Organismos.

Essas organizações ainda orientam as questões educacionais dos Estados atreladas à

lógica mercantilista e do capital consideradas pelo ponto de vista economicista e da

globalização, utilizando como estratégias, entre outras, a internacionalização e as avaliações

em larga escala. Como resultado desse processo, cada vez mais, em uma curva ascendente, os

países periféricos tornaram-se dependentes da legitimação e da assistência técnica desses

organismos na formulação das suas políticas educacionais. De acordo com Teodoro:

24

A Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas ocorreu na cidade de Bretton Woods, estado de

New Hampshire, Estados Unidos. Participaram dela 730 delegados de 44 países, entre eles o Brasil, com o

objetivo de ―[…] reconstruir o capitalismo mundial, a partir de um sistema de regras que regulasse a política

econômica internacional‖ (IPEA, 2009).

Page 66: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

66

O esforço para estabelecer uma racionalidade científica que permitisse formular leis

gerais capazes de guiar, em cada país, a acção reformadora no campo de educação

esteve no centro das inúmeras iniciativas [...] realizadas por todas essas organizações

internacionais, permitindo criar vastas redes de contatos, de financiamentos e de

permuta de informação e conhecimento entre autoridades político-administrativas de

âmbito nacional, actores sociais, experts e investigadores universitários.

(TEODORO, 2003, p. 31).

Essas iniciativas, de certo modo, foram a pedra de toque para a formação das redes

políticas que vêm sendo discutidas por Ball nos últimos anos. Para além da formação de

redes, os planos de estabilização econômica, estudos de contexto, avaliações externas,

acordos, relatórios técnicos, conferências e eventos divulgados em escala mundial por esses

organismos têm um duplo desdobramento. Por um lado, legitimam as opções internas

assumidas pelos legisladores no plano nacional; e, por outro, induzem a planificação das

políticas educacionais que, por meio do estabelecimento de metas, fixa uma agenda comum

com prioridades e soluções padronizadas no tratamento dos problemas para atingir aos

objetivos propostos. Esse modus operandi tem sido observado nas diferentes regiões, a

exemplo da Europa, da América Latina e da África, além de outros (TEODORO, 2001, 2003).

Os vários atores atuantes nas esferas de poder dos governos nacionais e internacionais,

partidos políticos e agências multilaterais, difundem as ideias por meio de variadas

interlocuções. Nas sociedades contemporâneas, as políticas são também produções de

discursos e elo na rede de poder ligados pelos conceitos de liberdade e de escolhas mantidas

por laços exógenos às comunidades epistêmicas. Por meio desses mecanismos, ocorre a

proliferação do fluxo de ideias criando a aparência de aceitação crescente e multiplicação de

novos adeptos. Há uma movimentação entre diferentes setores e campos nos quais ocorre o

deslocamento entre o social, o político e o jogo de interesses (BALL, 1994, 2012a).

Para Ball (2014, p. 29, grifo do autor), as ―[...] redes políticas são um tipo de ‗social‘

novo, envolvendo tipos específicos de relações sociais, de fluxos e de movimentos. Eles

constituem comunidades de políticas, geralmente baseadas em concepções compartilhadas de

problemas sociais e suas soluções‖. As narrativas são construídas e disseminadas dentro das

redes de relações e da governança em rede para problemas de difícil equacionamento na

esfera global, a exemplo da educação. Assim, as políticas são arquitetadas por um conjunto

diversificado de participantes que transitam entre as agências multilaterais, governos

nacionais e grupos de interesse dos mais variados por meio da mobilidade, não somente física,

mas, sobretudo, a intelectual ocupada pelos especialistas que elaboram os documentos e os

relatórios técnicos nas mais variadas organizações. Embora cada organização tenha objetivos

Page 67: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

67

específicos, estão permanentemente conectadas por meio das redes políticas conforme

demonstrado na Figura 7.

Figura 7 - Rede de Influências de Políticas Globais nas Políticas Educacionais do Brasil e de Portugal

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Com a Figura 7, procuro evidenciar a rede de influências e conexões nas políticas

educacionais dos dois países, orientadas e coordenadas pelos organismos internacionais,

contextos nos quais são estabelecidos os primeiros consensos. Assim, as políticas nacionais,

designadamente as educacionais voltadas ao Ensino Superior, efetivam-se em grande medida

pelas cooperações técnicas que determinam princípios e diretrizes gerais que devem ser

considerados na elaboração das políticas. O conjunto de documentos produzidos por esses

organismos é extenso, mas, como exemplo, podem ser citados os produzidos pela OCDE que,

desde a década de 1990, divulgam os indicadores mundiais para a educação nos quais

costumeiramente são apresentadas análises comparativas dos sistemas de ensino, com

desempenho, recursos financeiros, humanos e a evolução da aprendizagem como retorno do

investimento educacional realizado. Esses documentos circulam entre os organismos e,

também, são endereçados aos países analisados, caracterizando as influências e a mobilidade

Page 68: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

68

das informações, como argumentos para proposição das reformas. Para Ball (2003), por meio

de publicações regulares sobre as Nações, a OCDE promove mecanismos de controle que

levam à performatividade. Há um monitoramento constante que mede e compara o alcance

das metas estipuladas para as Nações, o que impacta diretamente na elaboração das políticas

locais. É um movimento que se efetiva em termos globais onde a governança se instala e

influencia as relações que estão em esferas superiores aos Estados, mas também entre eles e

para além deles.

Ainda sobre a rede de influências demonstrada na Figura 7, o fato de o Tratado de

Bolonha ter sido implementado no contexto do Ensino Superior europeu não impediu seus

efeitos nas políticas brasileiras, fato que evidencia a mobilidade das ideias e a rede de

influências em um mundo globalizado, pois, tanto lá quanto aqui, as políticas de Ensino

Superior realizam um movimento de encurtamento do tempo de formação. São exemplos os

mestrados e doutorados realizados em tempos menores, de dois e três anos, respectivamente,

que têm se tornado comuns em muitos países para além da UE. Nesse âmbito, podem ser

citadas outras iniciativas da esfera federal, como, por exemplo, a criação do Espaço de Ensino

Superior dos Países pertencentes à Comunidade dos Países25 de Língua Portuguesa (CPLP),

assinado na Declaração de Fortaleza (2004), o qual apresenta objetivos semelhantes aos de

Bolonha, como a mobilidade de estudantes, de docentes, de investigadores e técnicos, a

cooperação nas formações e o reconhecimento mútuo internacional das formações realizadas

nesse Espaço. No documento, também há destaque para a importância do Ensino Superior

como meio de desenvolvimento dos países e redução das desigualdades.

Mais recentemente, o documento Referenciais Orientadores para os Bacharelados

Interdisciplinares e Similares (BRASIL, 2010c), elaborado por um grupo de trabalho

instituído por portaria do MEC, apresenta a ideia da formação em ciclos nas universidades. Os

bacharelados interdisciplinares seriam formações em nível de graduação, de natureza geral

organizados pelas grandes áreas do conhecimento. A proposição do desenho alternativo

também traz elementos de Bolonha, como, por exemplo, a estrutura de ciclos, a mobilidade e

a transferência de créditos inter e entre instituições.

O que está em jogo não é mais somente o acesso, mas, mais do que isso, o tempo de

permanência na universidade e na Pós-Graduação. Bianchetti (2015, p. 28) destaca que ―[...]

as evidências são de que o PB26

está ultrapassando os contornos do continente europeu [...]‖.

25

Integram essa comunidade o Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e

Príncipe e Timor Leste. 26

Processo de Bolonha.

Page 69: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

69

Nessa dinâmica, o discurso que convence em defesa da reforma oculta as reais intenções por

meio do uso de álibis distanciados dos reais objetivos, por meio das iniciativas

governamentais.

De acordo com Pereira (2010), o Banco Mundial tem atuado como prescritor e mentor

político, intelectual e financeiro das políticas educacionais globais. A concretização das

políticas envolve muitos interesses em conjunto aos organismos multilaterais, e, por meio

desse movimento, são gestadas em instâncias externas as políticas para todos os continentes,

no caso desta tese, particularmente as referentes ao Brasil e a Portugal, com maior ênfase a

partir dos anos de 1990. Enquanto no Brasil se intensificava o movimento de atuação dos

organismos internacionais, em Portugal ocorria o processo inverso com o afastamento parcial

do Banco Mundial, OCDE, UNESCO, os quais continuaram produzindo documentos em

segundo plano, porém não menos importantes, a exemplo dos relatórios. Esse afastamento

está ligado à criação da União Europeia, que passou a ocupar o lugar de mentora das políticas

na Europa, mas que continua trabalhando em conjunto aos organismos internacionais aqui

citados.27

Assume relevância a compreensão dos meios pelos quais o Banco Mundial e as

agências multilaterais, por meio das redes políticas, influenciaram e continuam influenciando

a indução das políticas nacionais, especialmente aquelas em que os discursos estavam e ainda

permanecem voltados à Educação Superior e à Educação Profissional, dirigidas à Pós-

Graduação. Como resultado do processo, as instituições passam a organizar-se na lógica da

competitividade nos espaços nacionais e institucionais.

3.1 INFLUÊNCIAS NAS POLÍTICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

Entre o período correspondente aos anos de 1950 e 1970, a política do BM estava

direcionada à concessão de empréstimos aos países do Terceiro Mundo visando a sua inserção

subordinada ao sistema comercial internacional. A crença estava ancorada no binômio

pobreza e crescimento econômico, acreditando que, com o seu crescimento, aquela seria

reduzida, porém isso não ocorreu, pois a pobreza manteve-se (SOARES, 2003).

A década de 1980 foi marcada por intenso período de reorientação nas políticas do

banco e, também, dos organismos multilaterais, quanto à provisão dos financiamentos

27

No contexto europeu, o Tratado de Lisboa (2007) também é um marco no sentido de caracterização da

identidade do europeu, influenciando principalmente as políticas de ensino superior e os processos de

internacionalização aos quais as instituições estão submetidas.

Page 70: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

70

(ARRUDA, 2003; SOARES, 1996, 2003). Os países do Terceiro Mundo, principalmente os

pertencentes à América Latina, com altas dívidas externas, propiciaram o contexto político

favorável ao banco para as renegociações, o que deixou os países vulneráveis e submissos às

exigências condicionantes e à reestruturação interna imposta pelos organismos internacionais

(SOARES, 1996, 2003).

No Brasil, especificamente, esse processo de reestruturação e reformas de estado,

pautado na lógica neoliberal, iniciou-se na década de 1980, mas foi na década de 1990 que

ocorreu o aprofundamento das políticas de abertura comercial, desregulamentação e

privatização (HADDAD, 2008). Tais políticas influenciaram de forma crescente as teorias

―monetaristas neoliberais‖ que se tornaram hegemônicas na condução das políticas globais e

estão na base ideológica de atuação do BM e do FMI (SOARES, 2003). Em um contexto de

dependência econômica, a América Latina tornou-se o laboratório para experimentação das

políticas. No Brasil, as intervenções do FMI foram marcadas pelos planos de estabilização

econômica ocorrida durante a crise do petróleo na década de 1980 (OLIVEIRA, 2006;

SOARES, 1996, 2003).

Na década de 1990, ocorreram fatos importantes e decisivos para a indução de

políticas públicas educacionais brasileiras, especialmente as voltadas ao Ensino Superior. Foi

o momento no qual a ―mão de ferro‖ dos novos ordenamentos foi sentida com maior

intensidade ocasionando rupturas em processos, a exemplo do financiamento da Educação

Superior, que estava cristalizado e acomodado sob a égide do Estado Provedor. Foi nessa

década que ocorreu, também, a publicação de vários documentos do Banco Mundial, os quais

redirecionaram as prioridades dos países, recomendando a urgência da redução dos gastos

estatais com forte ênfase na Educação, notadamente na Educação Superior. Entre eles merece

destaque o documento Higher education: the lessons of experience (WORLD BANK, 1994).

Nesse documento, havia recomendações e estratégias quanto às ações que deveriam

ser desenvolvidas pelos países interessados em receber seus auxílios. Entre esses países estava

o Brasil que vinha desenvolvendo projetos vinculados ao BM desde a primeira metade da

década de 1970 em um processo de cooperação do Banco, o qual incluía ―[...] a assessoria aos

órgãos centrais de decisão, em áreas de política, planejamento e gestão, assim como o

desenvolvimento de projetos específicos‖ (FONSECA, 2003, p. 229), o que deixava o país à

mercê da dependência sob todos os ângulos.

Sobre o Ensino Superior, o documento (WORLD BANK, 1994) reconhecia sua

importância para o desenvolvimento econômico e social, de forma a contribuir para o

aumento da produtividade no trabalho, bem como maior crescimento nacional em longo

Page 71: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

71

prazo. O documento destacava que a crise tinha proporções mundiais com dependência de

financiamento por parte do Estado em todos os países, inclusive ressaltando a necessidade de

reduzir os gastos alocados por estudante. Enfatizava, ainda, que a crise nos países em

desenvolvimento apresentava maior gravidade devido aos ajustes fiscais mais drásticos para

os quais se fazia necessária a utilização mais racional dos recursos.

Com base no cenário constatado nas experiências de outros países, nos quais o ideário

neoliberal já estava mais avançado, o Banco Mundial (1994), de modo genérico, elencou

quatro orientações consideradas, sob seu ponto de vista, essenciais para a reforma

educacional:

1. Diferenciação das instituições e desenvolvimento das instituições privadas.

2. Incentivos de diversificação de financiamento pelas instituições públicas.

3. Redefinição da função do governo no Ensino Superior.

4. Políticas voltadas à qualidade e à equidade do Ensino Superior.

O olhar atento a cada uma das orientações implícita ou explicitamente possibilita

conjecturas sobre as concepções ideológicas, políticas e econômicas que envolvem a

Educação Superior e suas conexões com o Estado e sociedade civil. As ideias centrais

estavam na diferenciação, diversificação, redefinição, qualidade e equidade. Essas

recomendações foram interpretadas por um conjunto de leis que alteraram significativamente

a organização da educação e os moldes de atuação estatal.

No Brasil, a década de 1990 foi profícua na elaboração de documentos que

evidenciavam os encaminhamentos gerais e a incorporação dos discursos globais nas políticas

educacionais. O Plano Decenal de Educação para Todos (BRASIL, 1993d), ainda que

elaborado no apagar das luzes do governo anterior e posto em prática no primeiro mandato de

Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi um desses documentos. Logo na sua introdução

reportava-se à Conferência da Tailândia, citando, entre outros, a UNESCO e o Banco Mundial

como integrantes do grupo mentor do consenso, que serviria de base para a elaboração dos

Planos Decenais em cada país signatário, o que demonstra a formação da rede de influências

com a movimentação das ideias.

Entre os objetivos elencados no Plano, estava a articulação das ações das

universidades às ações governamentais e não governamentais, aos políticos e empresários por

meio de acordos e parcerias. Ao referir-se à privatização indireta ocorrida na reconfiguração

das esferas públicas e privadas, Mancebo (2004) ressalta que essa configuração possibilita a

Page 72: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

72

entrada das empresas comerciais na educação ―[...] pela introdução de mecanismos de

administração e gerenciamento empresariais nas instituições públicas educacionais,

especialmente para a busca de recursos no mercado‖ (MANCEBO, 2004, p. 853).

Nesse movimento de reorientação, foi instituído o Sistema Nacional de Educação

Tecnológica. Por meio da Lei Nº 8.948/94, as Escolas Técnicas Federais foram

gradativamente transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica, os quais

deveriam ter a estrutura organizacional e funcional estabelecidas em estatuto e regimento

próprios. Nessa Lei, também estava prevista, mediante avaliação de desempenho a ser

realizada pelo Ministério da Educação, a transformação da Escolas Agrotécnicas pertencentes

ao Sistema Nacional de Educação Tecnológica em Centros Federais de Educação

Tecnológica, fato que insere as instituições no âmbito do Ensino Superior. No texto, a

evidência das parcerias expressa o movimento de tradução das políticas e sua adequação às

recomendações internacionais.

Os moldes da expansão da oferta da educação profissional foram tratados no artigo 5º:

A expansão da oferta de educação profissional, mediante a criação de novas

unidades de ensino por parte da União, somente poderá ocorrer em parceria com

Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não

governamentais, que serão responsáveis pela manutenção e gestão dos novos

estabelecimentos de ensino. (BRASIL, 1994, p. 18882, grifos nossos).

A palavra ―somente‖ no texto da referida Lei impõe uma exigência que, por um lado,

desonera o Estado e, por outro, aproxima a educação profissional do setor produtivo e das

organizações não governamentais.

Outra lei que merece destaque é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB Nº 9.394/96) no

contexto de influências dos organismos internacionais vinculado à produção dos textos

nacionais. Quanto à orientação do BM em relação à diferenciação do Ensino Superior, na

LDB, no artigo 45, observou-se a seguinte definição: ―A educação superior será ministrada

em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência

ou especialização‖ (BRASIL, 1996, p. 15). A ideia que permeia a diferença de graus de

abrangência das instituições pode ser pensada como uma possibilidade de aproximação entre

as demandas mercadológicas e a geração de tecnologias. Para algumas instituições, a pesquisa

continua sendo importante, embora com fontes diversificadas de financiamento, como por

exemplo aquelas oriundas de instituições da sociedade civil.

Sem ênfase acentuada na pesquisa, as instituições privadas seriam organizações mais

simples com rápida capacidade de resposta às demandas mercadológicas e, ao mesmo tempo,

contribuiriam significativamente para a redução de investimentos estatais. O desenvolvimento

Page 73: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

73

de instituições não universitárias, como os institutos politécnicos, técnicos e profissionais com

cursos de curta duração, são opções de baixo custo e mais atrativos para os estudantes com

respostas rápidas e flexíveis às demandas do mercado laboral. Dias (2004) alerta para o fato

de as ações efetivarem-se de modo contrário, pois, antes de se decidir o tipo de universidade

que se pretende construir, é imprescindível ter clareza sobre que tipo de sociedade se busca

consolidar.

Nessa perspectiva, a redefinição da função do governo no Ensino Superior evidencia a

necessidade de alterar profundamente as relações entre o governo e as instituições, com

redução da participação governamental considerada ineficiente aos olhos dos organismos

internacionais. O controle direto seria, então, substituído pela criação de um ambiente de

políticas favoráveis nas instituições públicas e privadas com efeito multiplicador dos recursos

públicos para satisfazer as necessidades de ensino e pesquisa nacionais contemplando também

as avaliações em larga escala.

Quanto às políticas voltadas à qualidade e equidade do Ensino Superior, pode-se

concentrá-las em três grandes objetivos (WORLD BANK, 1994):

Aumentar a qualidade do ensino e pesquisa (mecanismos de autoavaliação

institucionais e avaliação externa executados pelos governos).

Mais adaptabilidade da educação às demandas do mercado laboral (orientação

de representantes dos setores produtivos nos programas de ensino e pesquisa

para garantir a pertinência dos programas acadêmicos com o desenvolvimento

de pesquisas conjuntas entre as instituições e a indústria e profissionais das

indústrias em tempo parcial para fortalecer a comunicação entre o ensino e os

setores econômicos). Esse movimento pode ser constatado nos editais das

agências de fomento.

Mais equidade (educação pública de boa qualidade e ingresso dos grupos

menos favorecidos da população em todas as etapas educacionais anteriores

pode ser determinante para o maior ingresso no Ensino Superior). Nesse item,

são contempladas as reivindicações dos movimentos sociais quanto ao acesso

(WORLD BANK, 1994).

O conjunto de recomendações do Banco Mundial e a necessidade de ajuste econômico

e fiscal que deveria se efetivar nos países em desenvolvimento pautam-se na análise

econômica da relação custo/benefício, situando a Educação Superior como dependente do

Page 74: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

74

mercado e o ―saber como um bem privado‖ (SGUISSARDI, 2009). A educação é pensada e

planejada conforme as análises de profissionais da área econômica, buscando produzir o

consenso conforme a lógica do mercado.

O Ensino Superior como bem privado, situado na área de prestação de serviços, é

antagônico quanto aos direitos sociais assegurados na Constituição Brasileira (1988). Para o

BM, a educação é a grande solução para a redução da pobreza e crescimento econômico das

nações, mas não se esclarece, por exemplo, as causas da pobreza e o fato de que essa solução

causa o alargamento dos processos de exclusão social e desigualdade. Sua influência

evidencia um discurso que permanece segundo as mesmas linhas, como agência prescritora

das políticas econômicas e sociais de grande parte dos países, enquanto outras instituições, a

exemplo da UNESCO, vêm modificando suas linhas de ação.

Essa constatação foi anunciada por Dias (2004) ao discutir as diferentes perspectivas

adotadas em documentos internacionais publicados na década de 1990 pelo BM e UNESCO.

[...] ambos partindo de diagnósticos semelhantes, mas chegando a conclusões e

elaborando propostas totalmente divergentes, fruto de uma visão radicalmente

diversa da sociedade, uns vendo-a como instrumento para reforçar o mercado, outros

como uma entidade coletiva que deve ser considerada segundo suas especificidades

sociais e culturais. (DIAS, 2004, p. 1).

No âmago da divergência, está a educação. Para o BM, é um bem privado e um

mecanismo regulador do mercado, sem espaço para o debate e com recomendações gerais que

desconsideram as peculiaridades de cada região e priorizam o uso eficiente dos recursos na

perspectiva economicista. Para a UNESCO, na perspectiva humanista, é um bem público em

uma sociedade que é em sua origem uma entidade coletiva.

Ao considerar os pontos de vista do BM e da UNESCO, há de questionar-se os

motivos pelos quais as recomendações do BM se sobrepõem às da UNESCO. O BM indica

ajustes fiscais e reformas que impactam nos serviços ofertados pelo Estado, e a UNESCO

humaniza o discurso. Para Dourado (2002), a resposta reside no fato de que, ao ignorar as

recomendações da UNESCO, não há punições para os Estados-Membros, enquanto para as

recomendações do BM há severas implicações que envolvem o repasse de empréstimos. ―[...]

os empréstimos estão condicionados à adoção das diretrizes do Banco Mundial‖

(DOURADO, 2002, p. 239). Os Organismos têm papéis distintos no processo, mas agem sob

a mesma lógica considerando a educação como um bem individual. É nesse sentido que se

configuram as redes de interesses e negociações. Ao apregoar a educação como agente capaz

de fazer a revolução na perspectiva mercantilista, pertinente faz-se lembrar de Orwell (2000),

Page 75: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

75

pois a revolução estaria fadada à tirania possibilitando a ascensão de um novo bloco de poder

com outros protagonistas ao sabor de interesses e influências.

No entanto, as recomendações da UNESCO que, na década de 1990, apresentavam

maior distanciamento das emanadas pelo Banco Mundial, nos anos de 2000 sofreram uma

rápida inversão. Isso pode ser constatado, por exemplo, na Declaração da Conferência

Regional da Educação Superior na América Latina e no Caribe (2009)28

na qual o discurso

era no sentido de enfrentamento:

A Educação Superior como bem público social enfrenta correntes que

promovem sua mercantilização e privatização, assim como a redução do apoio e

financiamento do Estado. É fundamental reverter esta tendência, de tal forma

que os governos da América Latina e do Caribe garantam o financiamento

adequado das instituições de Educação Superior pública e que estas respondam

com uma gestão transparente. A Educação não pode, de modo algum, reger-se

por regulamentos e instituições com fins comerciais, nem pela lógica do

mercado. O deslocamento do nacional e do regional em direção ao global (bem

público global) tem como conseqüência o fortalecimento de hegemonias que

existem de fato. [...]. Afirmamos, ainda, nosso propósito de agir para que a

Educação, em geral, e a Educação Superior, em particular, não sejam

consideradas como serviço comercial. (UNESCO, 2009a, p. 3-4, grifos nossos).

O discurso presente nesse documento opõe-se à redução de financiamento e ao apoio

do Estado, marcando o posicionamento dessa agência. Entretanto, em outro documento

resultante da Conferência Mundial sobre o ensino superior: as novas dinâmicas do ensino

superior e pesquisas para mudança e o desenvolvimento social (2009), há uma intensa

aproximação às orientações defendidas pelo BM, ao naturalizar investimentos do mercado no

Ensino Superior. Entre as recomendações são encontradas: ―Manter e, se for possível,

aumentar o investimento no ensino superior a fim de sustentar continuamente a qualidade e a

igualdade, além de promover a diversificação tanto no fornecimento do ensino superior

quanto nos meios de seu financiamento‖ (UNESCO, 2009b, p. 6, grifos nossos). Além

dessa, há indicação para que sejam desenvolvidos e fortalecidos sistemas de certificação de

qualidade e regulação, com a participação total dos investidores, promoção da educação a

distância e tecnologias como mecanismo de apoio à procura crescente do Ensino Superior e

parcerias público-privadas. Ainda, ―[...] maior cooperação regional é desejável nas áreas de

reconhecimento de qualificações, garantia de qualidade, governança, pesquisa e inovação. A

educação superior deve refletir as dimensões nacional, regional e internacional tanto no

ensino, quanto na pesquisa‖ (UNESCO, 2009b, p. 5).

28

É importante ressaltar que esse Documento foi elaborado pela Secretaria Regional da UNESCO, no auge da

reestruturação dos Estados na América Latina com governos nacionais mais de centro esquerda, a exemplo do

Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Uruguai, Venezuela entre outros, que influenciaram também a elaboração dos

documentos dos Organismos Internacionais.

Page 76: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

76

O que se pode depreender das publicações dessas agências, na década de 1990 e 2000,

é que muitos direcionamentos nas políticas de Ensino Superior nos países latinos e

especialmente no Brasil têm sua origem naqueles documentos, o que evidencia as traduções

dos governantes nas produções dos textos e os acordos firmados.

No contexto brasileiro, em 1994, havia sido criado o Sistema Nacional de Educação

Tecnológica, com a LDB; dois anos depois, a educação profissional teve lugar em duas

passagens: uma vinculada à Educação Básica como educação profissional técnica de nível

médio29; e outra, em capítulo específico, voltada à educação profissional e tecnológica. A

regulamentação dos artigos dessa Lei ocorreu pelo Decreto Nº 2.208/97 distinguindo a

educação profissional em três níveis: básico, técnico e tecnológico (BRASIL, 1997b).

Enquanto o básico destinava-se a qualificar e requalificar os trabalhadores,

independentemente da escolarização, o técnico concedia habilitação profissional aos jovens

egressos do Ensino Médio, com organização curricular autônoma, de curta duração e modular.

O tecnológico, por sua vez, estava voltado aos cursos superiores de tecnologia, aos quais

tinham acesso os concluintes do Ensino Médio e Técnico. Os cursos de nível superior

deveriam ser organizados para atender aos diversos setores da economia. A titulação seria a

de tecnólogo, remetendo, ainda que de forma velada, ao documento do BM (1994) quanto à

ênfase na formação técnica visando atingir produtividade e competitividade. A Pós-

Graduação somente era citada nos objetivos da educação profissional e vinculava a formação

profissional às aptidões para o exercício de atividades específicas no trabalho. Na legislação,

por exemplo, não havia indícios de ligação da Pós-Graduação às atividades da Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)30.

A implementação do conjunto de dispositivos legais dirigido ao Ensino Médio e

Profissional contava com o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID)31 em conjunto ao MEC, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e BM, por meio do

Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP). É inegável o consentimento das

autoridades governamentais submetido aos princípios dos organismos internacionais e aos

seus apelos econômicos. E nesse processo transformacional, são geradas novas subjetividades,

29

Quanto à educação profissional técnica de nível médio, com a Lei Nº 11.741/2008, a LDB foi alterada e

incluída uma seção que define as formas de desenvolvimento e articulação com o Ensino Médio. 30

Esta agência, criada em 11 de julho de 1951, é uma fundação do Ministério da Educação (MEC), desempenha

papel fundamental na expansão e na consolidação da Pós-Graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em

todos os estados da Federação. Em 2007, passou também a atuar na formação de professores da Educação Básica

ampliando o alcance de suas ações na formação de pessoal qualificado no Brasil e no exterior. (Fonte:

http://www.capes.gov.br/historia-e-missao). 31

O BID tem a finalidade específica de prover financiamentos aos países da América Latina e Caribe.

Page 77: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

77

pois a aproximação do mercado envolve não apenas mudanças estruturais, mas também de

incentivos (BALL, 2011).

O que pode ser observado com a publicação do Decreto Nº 2.208/97 é a nítida

separação entre o Ensino Médio e o Profissional, o que certamente corroborou com o

surgimento de sistemas e redes diversas, desqualificando a Educação Básica como etapa

fundamental para a formação de jovens e de trabalhadores. Além disso, é importante destacar

o duplo sentido: trabalhador e acadêmico em uma formação cindida - para uns somente a

prática; para outros, o teórico.

No entanto, no contexto nacional, os desdobramentos práticos do Decreto Nº 2.208/97

não foram simples. O que ao primeiro olhar parecia de fácil implementação, mostrou-se frágil

e de enorme complexidade, a exemplo da falta de articulação entre as ações federais,

estaduais e municipais, gerando confusões entre conceitos e nomenclaturas divergentes nas

várias instâncias (SHIROMA, 2003). No contexto da prática (BALL, 1994), a interpretação

das políticas gerou dúvidas quanto às competências e às responsabilidades nas diversas

instituições e esferas com poder de decisão (CARVALHO, 2003). Logo foram sentidas,

também, pelo mercado, os problemas advindos dessa formação desarticulada: a enorme

confusão de termos nas nomenclaturas para as certificações e a disparidade de carga horária

entre as formações na educação profissional foram alguns deles (LOPES, 2003). As questões

que levaram a esse discurso estavam vinculadas à diminuição de custos, pois o Ensino

Técnico e Profissionalizante requeria instalação de laboratórios experimentais. Assim, ofertar

a Educação Básica generalista mostrava-se duplamente mais simples; diminuía os custos e

automaticamente abria as portas para investimentos por meio de parcerias, além de atender as

necessidades mais urgentes do mercado de trabalho. Esses encaminhamentos atingiram

diretamente os institutos que, de longa data, ofertam o ensino técnico e profissionalizante no

contexto brasileiro. É importante destacar que, nesse período, ainda não há evidências de

orientações e diretrizes da oferta de Pós-Graduação na formação profissionalizante, nem

menção aos documentos da CAPES e sua sistemática de avaliação. Ambas seguiam caminhos

distintos.

No final do segundo mandato de FHC, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais

para a organização e o funcionamento dos Cursos Superiores de Tecnologia foram instituídas

pela Resolução CNE/CP Nº 3, de 18 de dezembro de 2002. Logo em seu artigo 1º, essa

Resolução esclarecia sobre o objetivo: ―A educação profissional de nível tecnológico,

integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva

garantir aos cidadãos o direito à aquisição de competências profissionais que os tornem aptos

Page 78: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

78

para a inserção em setores profissionais nos quais haja utilização de tecnologias‖ (BRASIL,

2002a, p.162). Nessa Resolução, e em outros documentos que tratam da educação profissional

e dos cursos superiores de tecnologia ou tecnólogos, está explícito que a diferença se dá pela

aquisição de competências profissionais diretamente aplicadas no mundo do trabalho com o

uso de tecnologias.

Com base nessa concepção, a educação profissional assume maior relevância no

âmbito do Ensino Superior, pois os cursos de educação profissional de nível tecnológico,

agora nomeados cursos superiores de tecnologia, deveriam, entre outras premissas: ―I -

incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo

tecnológico, em suas causas e efeitos; II - incentivar a produção e a inovação científico-

tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho; [...]‖ (BRASIL, 2002a,

p.162).

Ao enfatizar a compreensão do processo tecnológico, a produção e a inovação há um

direcionamento para o domínio de outras habilidades para além do uso, e ainda que não

apareça de forma explícita, a pesquisa é um dos elementos presentes. Ao estabelecer os

critérios para a organização e o planejamento de tais cursos, a referida Resolução ainda

vincula a vocação institucional e o atendimento às demandas da sociedade, o que aproxima as

instituições que oferecem a educação profissional dos cursos superiores de tecnologia, e entre

elas as pertencentes à Rede Federal, ainda que naquele momento essa rede fosse de menor

expressão.

Não por acaso, em 2003, o BM publicou um novo documento sobre a Educação

Superior no qual reconheceu a necessidade da adoção do enfoque holístico baseado na

diversidade (educação a distância), flexibilidade, eficácia, para atender as necessidades da

economia do conhecimento. A flexibilização refere-se às estruturas governamentais e rígidas

práticas de gestão na perspectiva economicista. Apesar de reconhecer a importância da

Educação Superior para o desenvolvimento econômico e social e o redirecionamento das

políticas do Banco, para além do financiamento da Educação Básica e Profissional, as ideias

centrais defendidas anteriormente permaneciam.

A alternativa era a expansão do Ensino Superior em massa e, consequentemente,

também, o aligeiramento da Pós-Graduação. O ensino técnico com a prática em laboratórios

agregando possibilidades de pesquisa era defendido sob a perspectiva da qualificação de mão

de obra a ser absorvida pelo mercado de trabalho. Ao recomendar a criação de ações

favoráveis e incentivos adequados por parte do Estado, a regulação apresentava-se como uma

importante ferramenta de acesso para facilitar o ingresso de novas instituições, entre elas as

Page 79: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

79

privadas e as virtuais. Na perspectiva do Banco Mundial (2003), a regulação ficava restrita

aos requisitos mínimos de qualidade, evitando barreiras para o acesso ao mercado e as

avaliações pensadas para classificar as instituições quanto à qualidade.

A exemplo de outros países da América Latina, no início dos anos de 2000, no

mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o cenário brasileiro sofreu alterações no campo

político, econômico, social e principalmente no educacional, nomeadamente no Ensino

Superior. A lógica neoliberal que vinha sendo desenvolvida foi contornada em alguns

aspectos, entre eles os educacionais. As ações governamentais seguiram em duas frentes: por

um lado, foram criados mecanismos que deram continuidade ao cenário favorável às

instituições privadas que passaram a receber alunos financiados pelo poder público, na forma

de bolsas de estudo. No entanto, por outro lado, a ideologia de governo, mais voltada ao

social, contemplou os apelos dos movimentos da sociedade civil e de grupos historicamente

excluídos, o que implicou um movimento contrário à lógica até então vigente sob a égide das

recomendações dos organismos internacionais. Nesse movimento, a expansão, a

interiorização do Ensino Superior e a criação dos Institutos Federais (2008), com a gratuidade

do ensino em locais até então desprovidos desse nível de ensino, privilegiou uma legião de

cidadãos e afetou a identidade das instituições.

No processo de reorientação da política educacional brasileira especialmente voltada

ao Ensino Superior e Educação Tecnológica, o cenário encontrado foi duramente criticado sob

os olhos de um governo que se anunciava mais vocacionado ao social. Ao retomar as

discussões e expressar uma intencionalidade de revigorar a educação profissional e

tecnológica, a equipe de governo produziu um documento intitulado Proposta em Discussão:

políticas públicas para a Educação Profissional e Tecnológica‖ (BRASIL, 2004b),

considerado, pelo então governo, de importância estratégica para coordenar as ações e um

marco na reorientação da política de expansão da Rede Federal. No documento, há duras

apreciações à política em vigor desde a década de 1990: ―Foi uma política imposta

autoritariamente, sem que as instituições tivessem tempo para amadurecer os novos rumos

possíveis, recursos e técnicas em suas instituições‖ (BRASIL, 2004b, p. 12).

Posteriormente, ocorreu a publicação do Decreto Nº 5.154/2004, o qual revogou o

Decreto Nº 2.208/97. Enquanto este compreende a educação profissional nos níveis básico,

técnico e tecnológico, com cursos superiores tecnológicos conferentes de grau de tecnólogo,

aquele situa a educação profissional com o desenvolvimento de cursos e programas de ―[...] I

- formação inicial e continuada de trabalhadores; II - educação profissional técnica de nível

médio; e III - educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação‖ (BRASIL,

Page 80: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

80

2004a, p. 18). Esta última substituiu a expressão ―tecnólogo‖ utilizada para os cursos com

menor tempo de duração (entre dois ou três anos) oferecidos pelas instituições na década de

1990. Esse Decreto pode ser considerado o estágio embrionário do que viria a ser a

verticalização formalizada na criação dos Institutos Federais porque apresentava a

organização do ensino técnico, tecnológico e pós-graduação. Por outro lado, com a Resolução

Nº 03/2002, publicada no apagar das luzes do governo de FHC, havia a formalização da

educação profissional de nível tecnológico oferecida no âmbito do Ensino Superior e a

aproximação com a pesquisa, o que de certo modo contribuiu com o vínculo futuro com a

Pós-Graduação explicitada no Decreto Nº 5.154/2004.

Apesar desse esforço, o que se tem é uma educação profissional que, como política

pública, se mantém fortemente articulada às tendências de mercado, com investimento

governamental, o que lhe confere limites e subordinação às lógicas externas. Nesse sentido:

Os principais atributos da Educação Tecnológica são o foco, a rapidez, a inserção no

mercado de trabalho e a metodologia. O foco desta modalidade é a formação em um

campo de trabalho definido, alinhado às necessidades atuais. A rapidez refere-se à

oferta do curso com uma carga horária menor, de dois ou três anos. Por estarem

pautados em pesquisas de mercados para sua oferta e funcionamento, visam à rápida

inserção do aluno no mercado de trabalho de acordo com as tendências do mercado.

(TAKAHASHI; AMORIM, 2008, p. 217).

Sob esse entendimento, os cursos tecnológicos são criados, extintos e reorganizados

curricularmente com o objetivo de atender rapidamente a demandas específicas.

Buscando mecanismos que, pelo menos em tese, passassem a ideia de um novo tempo,

em 2005, por meio da Lei Nº 11.195 (BRASIL, 2005a), foi alterada a concepção de

obrigatoriedade da expansão da Rede. O artigo 5º da Lei Nº 8.948/94, que afirmava que essa

expansão ―somente poderá ocorrer‖ por meio de parcerias, foi alterado pela possibilidade de

escolha, com a expressão ―ocorrerá preferencialmente‖ (BRASIL, 1994, p. 18882), com

parcerias entre o poder público e o setor produtivo ou organizações não governamentais. Essa

alteração inicialmente passa a impressão de que o discurso do texto foi suavizado, mas,

implicitamente, deixa claro que a ―preferência‖ será para aqueles que realizarem parcerias

desonerando o Estado, retirando de sua responsabilidade a gestão e a manutenção das

instituições. A base da ideia continua.

Apesar da abertura, há outras possibilidades pela via da preferencialidade, o Estado

regulador mantém-se. A supervisão e a avaliação continuam a cargo do Ministério da

Educação. Esse discurso revela as intencionalidades que sutilmente vão sendo incorporadas

aos textos das legislações e expressam direcionamentos processados por aqueles que têm o

poder de legislar.

Page 81: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

81

Na sequência das políticas governamentais, em face do terreno preparado para as

mudanças de concepção, foi implantado o Plano de Expansão da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica, iniciado em 2005, e projetado para ser desenvolvido

em duas fases: a primeira iniciada no mesmo ano, com a construção de 60 novas unidades de

ensino financiadas pelo Governo Federal; a segunda, iniciada em 2007, intitulada Uma escola

técnica em cada cidade-polo do país, previa a implantação de 150 novas unidades de ensino

com a oferta de 180 mil novas vagas.

No próprio slogan, as palavras ―escola técnica‖ dão o tom do discurso; não há menção

ao Ensino Superior, nem à Pós-Graduação, mas há uma perspectiva de um processo de

construção de uma nova identidade pautada no ensino técnico como grande aposta. Novas

oportunidades para aqueles que até então estavam excluídos. O fato de transitar nas análises

documentais das políticas propagadas, tanto nos governos de FHC como de Lula, possibilita

perceber evidências de que, na mudança de perspectiva anunciada, foram abertas novas

oportunidades sem romper efetivamente com o que existia.

Essas ações, de certo modo, deram fôlego à rede federal que, nos anos de 1990, havia

sofrido com o sucateamento da rede da educação profissional e também das universidades

públicas, causando sua desarticulação. O viés social universal da política governamental de

expansão da rede federal considerou a potencialidade estratégica dessas instituições por meio

da mudança de foco de ação que, até então, era historicamente voltada à formação

predominante de mão de obra para absorção pelo mercado de trabalho. A mudança discursiva

efetivou-se via qualidade e inclusão social, utilizando-se de instituições reconhecidas e

fisicamente organizadas que, de certo modo, continuou com a expansão no governo de Dilma

Rousseff.

No ano de 2011, a então Presidenta anunciou a terceira fase de expansão da rede

federal, (2011 – 2020) com previsão de 86 novos campi de institutos federais dos quais 46

eram referentes à conclusão da segunda fase anunciada por Lula em 2007 (BRASIL, 2011).

Além da continuidade da expansão da Rede Federal, por meio da Lei Nº 12.513, de 26 de

outubro de 2011, foi criado o PRONATEC, que tem entre seus objetivos:

I - expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional

técnica de nível médio presencial e a distância e de cursos e programas de formação

inicial e continuada ou qualificação profissional; [...] VI - estimular a articulação

entre a política de educação profissional e tecnológica e as políticas de geração de

trabalho, emprego e renda. (BRASIL, 2011, p. 1).

Entre as instituições que ofertam esse Programa, conforme a referida lei, estão as

instituições de educação profissional e tecnológica, mas também os serviços nacionais de

Page 82: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

82

aprendizagem das instituições públicas e privadas de Ensino Superior e fundações públicas e

privadas dedicadas à Educação Profissional e Tecnológica. Todas essas instituições recebem

repasses correspondentes aos valores das bolsas-formação. Novamente, mantém-se a lógica

de expansão da rede federal contemplando com recursos, também outras instituições, a

exemplo do ―Sistema S‖ e a legitimação das parcerias público privadas, com destaque para a

qualificação para o trabalho, inclusive com formação a distância. Ao abrir esse leque de

oportunidades, a educação pode ser entendida como oferta de um serviço, o que se aproxima

das recomendações dos organismos multilaterais discutidos.

Ainda que a ideologia entre os mandatos de Lula e Rousseff, em linhas gerais, tenham

sido mantidas, à medida que vão mudando os gestores federais com poder de decisão também

são alteradas as formas de conduzir as políticas, o que ocasiona contradições nas orientações,

nesse caso específico, da SETEC para com os Institutos. Esse tema foi abordado por um dos

gestores entrevistados, ao analisar os encaminhamentos do governo que deveriam ser

seguidos pelo IFC para aprovação de novos cursos na Pós-Graduação. Ele destaca: “Então até

mesmo a política nacional não está ainda muito bem definida. E aí nós passamos, por

exemplo, por esse momento de transição, acabou o governo Dilma e continuou o governo

Dilma, mas com outras pessoas ali dentro. Então as estratégias também acabam mudando

um pouco” (S2). Ainda sobre a política de governo, mas referindo-se à criação dos Institutos,

S5 destacou: “Do ponto de vista da atuação dos Institutos, em termos dos arranjos

produtivos locais, e até do ponto de vista da geração, da produção de tecnologia; acredito

que seja uma política de governo, porém, há a necessidade de a questão da pesquisa ser um

pouco melhor entendida dentro das instituições. E, de qualquer forma, a sociedade, em geral,

tem uma demanda muito grande por qualificação de mão de obra e formação de pessoal”

(S5).

Os depoimentos desses dois gestores evidenciam como as mudanças nas políticas e as

orientações alteram a dinâmica de atuação institucional. O discurso governamental, no

momento da criação, foi fortalecido com a perspectiva de considerar os arranjos produtivos

locais e suas necessidades, trazendo, pelo menos em tese, como desdobramento, a melhoria da

qualidade de vida da população, o que não exclui as contradições da política no campo da

influência e da prática.

A expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,

como política nos governos de Lula e Rousseff, é, sem sombra de dúvida, algo sem

precedentes na história brasileira e decisiva para inserção da pesquisa e aproximação com a

Pós-Graduação dos Institutos Federais no campo do Ensino Superior. Uma rápida consulta à

Page 83: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

83

homepage da SETEC possibilita constatar que, no período de 1909 até 2002, a Rede Federal

de Educação Profissional era formada por apenas 140 escolas distribuídas em 119 municípios.

No ano de 2010, somavam-se 356 unidades que atendiam 321 municípios; no ano de 2014,

578 unidades instaladas em 511 municípios; e a previsão para 2016 é de atingir 644 unidades

distribuídas em 568 municípios. Esses números comprovam que, nos últimos treze anos,

considerada a projeção para 2016, houve um crescimento da Rede Federal que corresponde a

360%, o que certamente faz a diferença na vida e na formação de um contingente de cidadãos

até então excluídos, ainda que lógicas anteriores, a exemplo da destinação de recursos federais

para as instituições privadas, tenham permanecido.

3.2 INFLUÊNCIAS NAS POLÍTICAS PARA O ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL

Para Teodoro (2003), a atuação das autoridades portuguesas junto às organizações

internacionais (OCDE, UNESCO e Banco Mundial) que prestavam assistência técnica

ocorreu em um ambiente privilegiado para a legitimação e o mandato das ações, inclusive

quanto à legislação nacional. Esse fato, conforme o autor, está relacionado ao posicionamento

de Portugal como país de semiperiferia32 na sociedade internacional.

Embora o recorte temporal desta tese esteja fixado na década de 1990, no contexto

português, é necessário retroceder para compreender o movimento de alternância naquele

contexto e o movimento do fluxo de ideias por meio das redes políticas. Até meados da

década de 1970, a OCDE, apesar das resistências iniciais do governo português ditatorial, foi

a protagonista do auxílio financeiro por meio do Plano Marshall (European Recovery

Program) de ajuda norte-americana à Europa. A rejeição quanto à aceitação de auxílio

financeiro pelo governo português devia-se ao receio de que os Estados Unidos, por meio da

liberalização econômica mundial e união política com a Europa, pudessem ascender aos

territórios europeus, deixando-os vulneráveis e dependentes financeiramente do capital

americano. Contudo, com a criação da Organização Europeia de Cooperação Econômica

(OECE), na segunda Conferência de Paris no ano de 1948, o ideário português de resistência

perdeu força, fato que provocou o movimento de inversão, da recusa para a solicitação de

auxílio (TEODORO, 2003; STOER, 1986).

O auxílio financeiro provocou mudanças significativas na política educacional e, ao

mesmo tempo, propiciou que os legisladores e políticos participassem de discussões

32

Conforme Boaventura Sousa Santos (1993), Estados Semiperiféricos são caracterizados pelo equilíbrio das

atividades produtivas entre as produções centrais e as periféricas com processos de regulação específicos,

estrutura heterogênea e graus de desenvolvimento intermediários.

Page 84: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

84

internacionais e evoluíssem no campo educacional na perspectiva das recomendações dos

organismos internacionais. Essa mudança vinha ao encontro da OECE/OCDE visto que, para

esta, há um estreito vínculo entre educação e desenvolvimento econômico, com a utilização

racional da mão-de-obra disponível. Ou seja, a questão central estava no protagonismo da

ciência para impulsionar o progresso, fato que seria alcançado com a formação de

profissionais que pudessem ser aproveitados em larga escala pelas indústrias, o que coincide

com a emergência da teoria do capital humano e, em momento posterior, com os exames

anuais aplicados em larga escala pela OCDE. Os resultados desses exames são utilizados

como base para as ações sugeridas às Nações na perspectiva da economia (TEODORO,

2001).

A educação tem valor econômico que reflete na aproximação mais intensa de

consultores técnicos internacionais na elaboração dos projetos educacionais. ―Ao quebrar o

isolamento de Portugal e ao obrigar à elaboração regular de relatórios detalhados sobre a

situação económica e educativa, que mostravam de forma brutal, a distância a que o país se

encontrava de outros seus parceiros [...]‖ (TEODORO, 2003, p. 40-41), sob o mandato da

OCDE, cria-se uma ideologia educativa que reconhece como legítimas as propostas dos

setores desenvolvimentistas na perspectiva do planejamento educativo e da necessária

formação de mão-de-obra. Naquele momento, era a OCDE que representava a instituição de

excelência e reconhecimento internacional nas recomendações sobre as políticas educacionais

em vários países, inclusive os da Europa.

No entanto, o movimento de alternâncias de interesses e acordos é cíclico entre os

Estados e instituições, sejam elas nacionais ou internacionais. Tem seus reflexos diretos na

forma como a educação é entendida, o que naquele contexto de período pós revolucionário de

valorização dos movimentos sociais provocou seu deslocamento, situando-a como

instrumento de libertação dos socialmente marginalizados e oprimidos (STOER, 1982).

Com esse deslocamento, a instituição que respondia mais proximamente aos anseios

nacionais era a UNESCO (1974 – 1975), com uma visão socialista de desenvolvimento33

da

qual os técnicos eram os protagonistas. Estes produziam diagnósticos e relatórios e, em suas

análises, eles destacavam

[...] o facto de não se constatar a existência no campo educativo de um projeto

global, integrado e coerente, em manifesto atraso face aos outros setores de

actividade, insistia na necessidade de se definir uma estratégia, que os peritos da

33

A visão socialista de desenvolvimento assenta-se no fato de que naquele momento Portugal estava saindo de

um longo período ditatorial, o que expressa também o movimento realizado pelos Organismos Internacionais nos

documentos regionais. Nesse mesmo período, no Brasil, o discurso da UNESCO era desenvolvimentista.

Page 85: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

85

UNESCO propunham que se fundasse sobre a ideia de uma educação permanente

[...]. (TEODORO, 2001, p. 139, grifos do autor).

Em linhas gerais, se antes a ideia era de privilegiar o desenvolvimento econômico,

agora a ideia de educação permanente apresenta recomendações quanto à necessidade de

formar quadros técnicos e culturais. A UNESCO valorizava as classes desfavorecidas com

sólido vínculo entre as necessidades econômicas e sociais e o planejamento da política

educacional, em um período marcado pela revolução.

No entanto, no período pós revolução (1976 a 1978), havia a necessidade de marcar

novas concepções que consideravam as credenciais da UNESCO como inadequadas em

função de sua abordagem socialista e vínculo com os países do terceiro mundo. O

protagonismo passa a ser do Banco Mundial que, apesar de estar envolvido com políticas

educacionais desde a década de 1960, assume, naquele momento em Portugal, o posto de

instituição internacional forte atuando na dupla via de consultoria e financiamento (STOER,

1986), fato também observado no auxílio prestado aos países da América Latina. Desse modo,

o BM legitima as novas orientações educacionais e presta auxílio financeiro aos países em

dificuldades dos quais Portugal fazia parte. Além disso, necessitava responder à opinião

pública que situava o ingresso ao Ensino Superior como ponto central nas ações da política

educacional.

Em momento posterior à análise e à avaliação situacional do sistema educacional

português, o Banco Mundial propôs uma reforma que criava o Ensino Superior de curta

duração, de caráter técnico, que excluía a investigação das grades curriculares, com vistas à

formação de nível intermediário (STOER, 1982; TEODORO, 2001, 2003). A indicação que

acelerava a formação de recursos humanos direcionada para determinados setores industriais

foi vista com bons olhos pelos administradores, pois era também uma forma de responder

rapidamente às pressões sociais que clamavam por ampliar o acesso ao Ensino Superior.

Essas ações tiveram generosas fatias de financiamento do Banco Mundial e possibilitaram a

criação, a construção e a compra de equipamentos para os Institutos Politécnicos, inclusive

formação em nível de Pós-Graduação para os docentes nos Estados Unidos na década de 1970

(TEODORO, 2003).

Além das alternâncias de hegemonia até aqui evidenciadas, o FMI também atuou em

Portugal nas décadas de 1970 e 1980, por meio do Acordo de Estabilização Econômica e

ajustamento estrutural no qual as recomendações estavam centradas na redução do consumo

estatal, obrigatoriedade de limitação de tetos salariais, incremento de impostos, além da

desvalorização cambial. Os empréstimos, por um lado, estavam vinculados ao alívio da

Page 86: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

86

recessão econômica que se agravava no país, mas, por outro, preparavam o terreno para as

privatizações que foram contempladas com a revisão constitucional realizada em 1989

(AMARAL, 2007).

Como resultado das constantes trocas dos protagonistas, fruto das políticas de

governo, o Ensino Superior português tornou-se dualista (SOUSA, 2011). Apesar de a Lei de

Bases de 1986 ter distinguido o ensino universitário e o ensino politécnico, essa distinção

começou a delinear-se na década de 1970, conforme apresentado anteriormente, quando os

antigos Institutos Industriais e Comerciais passaram a denominar-se Institutos Superiores.

Com a Lei Nº 61, de 28 de julho de 1978, foi instituído o ―Ensino Superior de curta

duração‖ destinado ―à formação de técnicos e de profissionais de educação de nível superior‖

(PORTUGAL, 1978, p. 1530). Aprofunda-se, assim, uma ambiguidade anteriormente

instalada que, por um lado, reduzia a distância entre a universidade e o politécnico, e, por

outro, situava-o em um nível inferior. Nas palavras de Grácio: ―Um ensino definido mais pela

negativa, não tanto pelo que é mas pelo que não é e que no entanto não parece longe de poder

ser‖ (GRÁCIO34

, 1998, p. 193).

No ano seguinte, com o Decreto-Lei Nº 513-T, de 26 de dezembro de 1979, formaliza-

se a distinção entre os dois subsistemas. Um olhar mais atento ao processo que envolve a

participação do Banco Mundial evidencia que o investimento na educação e no treinamento

de técnicos para adaptação ao mercado de trabalho se desdobra também em economia. Ao

invés de contratar mais professores, o seu número foi reduzido com o fechamento de centros

de formação sob a preservada imagem da reorganização do ensino (STOER, 1982). Em

momento posterior, o autor ainda destaca:

Neste sentido, esta organização internacional, enquanto portadora de teoria da

modernização, teve o papel de apoiar a redefinição e reestabelecimento do Estado

português quer proporcionando um modelo para o desenvolvimento educativo,

baseado na teoria técnico-funcional da educação, quer patrocinando um apoio

externo a um Estado extremamente necessitado de refazer a sua imagem e de se

credenciar face à comunidade económica internacional. (STOER, 2001, p. 251).

As palavras-chave da mudança estavam centradas na eficiência e na qualidade do

sistema de ensino português, no aprimoramento da competência profissional dos professores,

no planejamento e no treino da mão-de obra com a prerrogativa de atender às expectativas da

população. As ações tinham via de mão dupla: por um lado, com a criação do Ensino Superior

de curta duração, ampliam-se as vagas; por outro, ocorre o contingenciamento do acesso ao

34

Sérgio Grácio (1998), no livro Ensinos Técnicos e Política em Portugal 1910/1990, elabora ampla

contextualização, histórica, política e educacional da organização deste ensino.

Page 87: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

87

Ensino Superior por meio do numerus clausus35. A prioridade nas propostas do Banco

Mundial era o crescimento econômico e como agência internacional representava os

interesses do capital e não os interesses sociais. A educação sob o olhar dos banqueiros é vista

sob o prisma da economia (STOER, 1986). O resultado dessa abordagem é a centralidade da

eficiência equacionando despesas e resultados que desconsideram o contexto e suas

peculiaridades.

A década de 1980 foi marcada por mais uma alteração no protagonismo educacional

com o retorno da influência da OCDE que vem na contramão das determinações do Banco

Mundial e, no contexto interno, na preparação do terreno para uma nova Lei de Bases que

viria a tornar-se realidade em 1986. Enquanto para o Banco Mundial a prioridade era o Ensino

Superior de curta duração nos politécnicos, para a OCDE o foco estava na formação técnica e

profissional dos jovens e na aquisição das qualificações especializadas industriais a partir dos

quatorze anos, fato que limitava a formação à técnica sem acesso ao ensino superior,

considerada desnecessária sob esse ponto de vista, mas mantendo a mesma lógica do BM. O

desdobramento das recomendações foi o retorno do ensino profissional e técnico-profissional

como propulsor da modernização da economia, o que afeta também a identidade dos Institutos

Politécnicos que alternam a formação entre o Ensino Técnico Profissionalizante e o Ensino

Superior.

O que fica perceptível com o movimento de alternância dos organismos internacionais

na política educacional de Portugal são as novas formas de regulação exteriores, mas que

também ocorrem porque há interesse dos governos locais, tanto referente à reestruturação

quanto ao financiamento que propicia a entrada do país no contexto global. Nesse sentido,

retoma-se os estudos de Ball (2002) quanto ao novo gerencialismo coerente com o projeto de

desenvolvimento global. Este prevê liberalização financeira, disciplina e reforma fiscal e

investimento externo para reorganização do Estado que vai sendo moldado à medida que a

educação se torna uma moeda de troca em que menos é mais. ―Os relatos que os governos dão

em suas reformas fundem, com frequência, novas formas de prestação de serviços com o

trabalho de reconfiguração do sistema, a criação de novas infraestruturas e transações [...]‖

(BALL, 2014, p. 166). Para além das inversões, as redes de interesses fortalecem-se nos

consensos e, internamente, nas instituições, as pessoas vão sendo responsabilizadas pelos

35

―O numerus clausus foi considerado como um importante meio para fazer funcionar o sistema de ensino não

só ―normalmente‖, mas também de ―forma eficiente‖ – procurando ligar directamente o número das entradas no

sistema de ensino com os prováveis lugares no mercado de trabalho ou com as prováveis vagas no sistema

ensino (em termos de instalações existentes).‖ (STOER, 1986, p. 65, grifos do autor).

Page 88: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

88

desempenhos sob a ótica de novas formas de controle em uma existência calculada pela

performance.

Nessa lógica, a onda de reformas capitaneadas pelos organismos internacionais,

especialmente pelo Banco Mundial, penetra na vida de todas as nações e, entre elas, os países

pertencentes à Europa e à América Latina, definindo as diretrizes para suas políticas. Como

destacado, ainda que em tempos distintos, no contexto brasileiro, também em Portugal foi

estabelecida a diversificação do Ensino Superior, o encurtamento do tempo nas formações, o

vínculo entre o desenvolvimento econômico e a educação, os discursos de eficiência e

qualidade, as regulações externas e, principalmente, as assessorias técnicas e financeiras como

garantias para a implantação das recomendações nas reformas efetuadas.

3.3 UNIÃO EUROPEIA E PROCESSO DE BOLONHA: AS IMPLICAÇÕES PARA O

ENSINO SUPERIOR EUROPEU

As origens da União Europeia (UE) estão ancoradas na década de 1950 quando, no

período pós-guerra, as nações estavam desgastadas pelas disputas e necessitavam de

estratégias que pudessem fortalecê-las na defesa de interesses comuns (TEODORO, 2003;

ANTUNES, 2005). Esse grupo caracteriza-se por um bloco político e econômico ao qual

pertence, atualmente, a maior parte dos países europeus que, com a união, se tornam mais

fortes para fazer reivindicações e pressões globalmente.

Ao longo do tempo, a UE foi consolidando várias inovações, mas, aqui, destaca-se

uma das apresentadas no Tratado de Maastricht (1992) que é a instituição da cidadania

Europeia. O Tratado concedeu a qualquer pessoa que tivesse nacionalidade de um dos

Estados-Membros o direito de circulação entre os países. Nessa lógica, passa-se de um

domínio econômico para o domínio geral visando aumentar o sentimento de pertença dos

cidadãos à UE (SOARES, 2005). Ou, ainda, conforme Robertson (2009), criando ―mentes‖ e

―mercados‖ na economia da Europa do conhecimento.

Talvez essa inovação da cidadania Europeia seja uma das bases para a mobilidade que

veio a se materializar no Processo de Bolonha que, de modo ambicioso, foi idealizado para

responder aos urgentes desafios sociais, econômicos e educacionais que se apresentavam no

apagar das luzes do século XX. Se até então a Europa vinha conquistando sucesso nos

acordos políticos e econômicos, era chegado o momento de considerar também o alargamento

do campo intelectual, cultural, científico e tecnológico como fator preponderante para o

crescimento social e humano dos cidadãos europeus.

Page 89: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

89

O movimento de valorização da circulação dos cidadãos europeus e do papel central

da universidade, nesse sentido, já havia se tornado real na Declaração de Sorbone em 25 de

maio de 1998, criando o Espaço Europeu de Ensino Superior. Em continuidade ao processo,

na Declaração de Bolonha (1999), a centralidade do Ensino Superior estava pautada em três

premissas: necessidade de mudança, adaptação da universidade às novas exigências da

sociedade e avanço científico e tecnológico, que traria competitividade, comparabilidade e

compatibilidade às instituições de Ensino Superior e oportunidades de emprego para os

cidadãos. No entanto, Antunes (2005) destaca o fato de que a Declaração de Bolonha é o

resultado de um processo que já havia iniciando na década de 1980 com a criação de outros

programas de ação de menor envergadura, a exemplo do ERASMUS36

. A autora considera que

o ineditismo se refere ao fato de que, naquele momento, se presenciava ―[...] a constituição

formal e explícita de um nível de governação supranacional como lócus de inscrição das

políticas a desenvolver para os sistemas educativos de formação‖ (ANTUNES, 2005, p. 129).

As principais alterações ocorridas no Ensino Superior Europeu com o Processo de

Bolonha estão sistematizadas na Figura 8 que segue.

Figura 8 - Processo de Bolonha e alterações no Ensino Superior

Fonte: Declaração de Bolonha (1999). Adaptada pela autora para fins de pesquisa.

36

Programa de intercâmbio estudantil criado em 1987.

Page 90: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

90

Nessa perspectiva, ao unir competitividade, mobilidade e empregabilidade, a

universidade foi considerada a principal agente de transformação. Isso também traria

profundas mudanças organizacionais que, nas últimas décadas, afetaram a universidade em

todas as dimensões. Essas mudanças estruturais ocorridas no período tornam-se ainda mais

intensas se consideradas na dimensão longitudinal, na qual a história da universidade se

compõe por três grandes períodos. Inicia na Idade Média e perdura sem alterações

significativas até fins do século XVIII quando cedeu lugar às universidades modernas que

perpetuaram o academicismo, a transmissão do saber atendendo aos interesses formativos da

elite.

Esse modelo que perpetuava o isolamento da sociedade resistiu até recentemente

quando ocorreu a transição para o modelo universitário universal que pode ser entendido no

contexto organizacional e de gestão das instituições (MORA, 2001). Essas mudanças

efetivam-se ―[...] alcançando a vasta maioria da população e tornando-se global, isto é, ligada

a outras organizações em todo o mundo, competindo pelos estudantes, pela equipe de ensino e

oferecendo seus serviços no mercado global‖ (MORA, 2001, p. 100, tradução nossa).

As novas relações estabelecidas pelas universidades impactam na forma como

desenvolve os trabalhos da pesquisa ao ensino e as associações que faz com outros setores

para garantir financiamentos e também competitividade. No entanto, é necessário considerar

que essas alterações ocorreram em função de instâncias maiores que a impeliram a trilhar

outros caminhos e que envolve diretamente o currículo, os docentes, os alunos e os

pesquisadores no movimento entre o global e o local.

Nesse contexto, a Declaração de Bolonha representa um projeto do qual fazem parte

cada uma e todas as nações pertencentes à União Europeia, o que requereu a complexa

reestruturação interna dos sistemas educacionais de cada País e das Universidades na

implementação da Declaração para chegar à ―Europa do Conhecimento‖ (UNIÃO

EUROPEIA, 1999). Uma reestruturação de tal envergadura foi acompanhada de intensas

discussões originada, inicialmente, no âmbito da política e, posteriormente, estendida às

universidades, pois estas ingressariam, a partir de então, em um contexto altamente

competitivo que envolvia a necessidade de maior liberdade (HORTALE; MORA, 2004).

Os autores ainda destacam que, ao almejar maior liberdade, as universidades referiam-

se aos problemas enfrentados pelas instituições de Ensino Superior quanto à ―[...] rigidez

estrutural que as impede de atuar adequadamente em um contexto competitivo, porque

carecem de maior liberdade e flexibilidade para planejar, distribuir recursos, contratar

Page 91: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

91

professores, fixar regras de admissão de alunos ou definir os cursos‖ (HORTALE; MORA,

2004, p. 947). Essa rigidez organizativa e funcional também é citada por Sousa Santos (1999).

Ao considerar que o prazo inicialmente fixado para a consolidação do Espaço Europeu

de Ensino Superior na Declaração de Bolonha foi o ano de 2010 e que, posteriormente, a

União Europeia reafirmou a necessária renovação da pesquisa e do Ensino Superior na UE,

tanto na reunião de Lisboa em 2000 quanto na reunião de Barcelona ocorrida em 2002, há

evidências do movimento de valorização e o compromisso de incrementar a qualidade e a

competitividade das universidades Europeias. Pautada na racionalização e na padronização de

parâmetros e indicadores, o que se tem como resultado efetivo é o aumento do controle que,

por meio de mecanismos supranacionais, avaliam as políticas educacionais nacionais no

âmbito da formação superior. Como desdobramento, o Ensino Superior passa a ter papel

fundamental, operando tanto na formação de trabalhadores como nas atividades de pesquisa e

desenvolvimento que deverão fornecer novos produtos e processos ao mercado. Conforme

Seixas (2001):

O papel do ensino superior é, por conseguinte, crucial. Não só se exige uma maior

eficiência dos sistemas na formação dos trabalhadores altamente qualificados mas

também na componente de investigação e desenvolvimento. Exige-se do ensino

superior a descoberta de novos produtos e processos necessários para manter a

posição nacional na economia mundial. (SEIXAS, 2001, p. 213).

Entre as metas e os objetivos da Declaração de Bolonha há de compreender-se o que

cada um deles representou e vem representando no contexto da União Europeia e, mais

especificamente, em Portugal, e entre o que foi proposto e o que realmente foi efetivado.

Vários autores vêm acompanhando o desenvolvimento do Processo de Bolonha e seus

impactos no mundo globalizado. Entre eles estão os estudos de Morgado (2009), Cabrito

(2011), Paraskeva (2011), Cardoso et al. (2007), Antunes (2005), Robertson (2009) e Sousa

(2011).

No entanto, a ideia de um mundo globalizado com mais oportunidades e redução de

desigualdades sociais e econômicas, políticas e culturais não tem se efetivado pois a

globalização ocorre em diferentes níveis entre os países e regiões em confronto com grupos

de interesses distintos. Nesse sentido, ―[...] a globalização tem, em muitos casos, contribuído

para tentar ―impor‖ determinados padrões e estilos de vida, para estimular o consumo e a

competição desenfreada entre empresas e trabalhadores [...]‖ (MORGADO, 2009, p. 39,

grifos do autor), o que de certo modo também ocorre com o Processo de Bolonha, provocando

―[...] um processo de europeização das políticas educativas‖ (ANTUNES, 2005, p. 126, grifo

da autora). Por meio das ações e pressões, são legitimadas as intervenções supranacionais

Page 92: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

92

criando condições que ampliam seu alcance no contexto da União Europeia, priorizando

políticas nacionais e comunitárias.

Ao consensuar interesses comuns no âmbito da União Europeia, os contextos

nacionais, de modo particular quanto às políticas educacionais, foram forçados a tomar

decisões que comportassem a regulação transnacional atuando em uma ―lógica modelada‖

(MORGADO, 2009), o que não exclui a responsabilidade dos Estados-Membros nos acordos

firmados, pois os Organismos Internacionais são compostos por membros dos Estados com

poder de decisão. Por meio dos acordos firmados em níveis ministeriais, o Estado é redefinido

e o espaço de sua atuação reduzido às implementações técnicas. Há assim uma dupla via entre

as decisões externas e a realidade local com dimensões sociais, culturais, institucionais e

contextos históricos peculiares, criando relações de interdependência que destroem a

diversidade programática em prejuízo da diversidade institucional (AMARAL, 2005). Ao

elaborar uma agenda globalmente estruturada para a educação, essas dimensões ―[...] que

estão no cerne dos sistemas nacionais de ensino superior são cuidadosamente ignoradas e

ocultadas sob afirmações de enaltecimento respeitoso das diversidades e das diferenças‖

(ANTUNES, 2005, p. 133).

No Ensino Superior especificamente, há perda de autonomia, pois, conforme a

universidade vai se ajustando às novas demandas, ela passa a atuar na prestação de serviços

mais centrada na dimensão utilitarista para compensar as reduções de apoio financeiro estatal.

Essa redução na autonomia também reflete no maior controle dos currículos e dos processos

que passam a ter uma necessária equivalência. Nesse movimento, o currículo foi europeizado

uniformizando conteúdos e estruturas que atendem aos interesses econômicos de grupos

dominantes que utilizam a educação como moeda de troca (AMARAL, 2005).

As alterações em curso oscilaram entre os pessimistas e os otimistas e foram vistas

como oportunidades por algumas instituições que aproveitaram para aumentar sua reputação,

acreditando que seus estudantes seriam favorecidos por opções mais amplas no mercado de

trabalho (CARDOSO et al., 2007). Os resultados da pesquisa realizada por Cardoso e seus

colaboradores no ano de 2007, em período de implantação do Processo de Bolonha,

evidenciaram que, até aquele momento, as instituições que já haviam adaptado seus currículos

aos moldes de Bolonha tiveram um impacto positivo com o aumento da demanda de

estudantes potenciais como primeira opção.

Tencionando as relações entre Bolonha e Ensino Superior, Amaral (2005) afirma que

o ponto central não é a criação do Ensino Superior competitivo, mas a competitividade

Europeia, os salários elevados, os resquícios do Estado Providência e a necessidade de

Page 93: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

93

competir com outros sistemas educacionais, a exemplo de Estados Unidos e Japão na nova

ordem da economia global. A questão de fundo está centrada nas exigências econômicas

internacionais (CABRITO, 2011; ANTUNES, 2005). Outra importante chamada que Amaral

(2005) faz refere-se à substituição do termo ―emprego‖ por ―empregabilidade‖ que transfere a

responsabilidade para as pessoas e ao mesmo tempo desonera o Estado.

Ao definir o primeiro ciclo curto de estudos, vincula-se necessariamente à sua

relevância em termos de mercado de trabalho. É a pessoa que necessita manter-se empregado

e investir na formação ao longo da vida. Enquanto na graduação há maior financiamento, nos

ciclos seguintes referentes ao mestrado e doutorado há uma acentuada diminuição do auxílio e

um aumento no valor das ―propinas‖37

. Nessa perspectiva, Angus (2015) e Ball (2014)

destacam que as instituições assumem cada vez mais a perspectiva de quase-mercado ao

adotarem abordagens empreendedoras que, ao mesmo tempo, se antecipem e satisfaçam as

expectativas dos consumidores dos produtos educacionais. A centralidade está nas pessoas,

mas de modo dependente do mercado, ou seja, a formação ao longo da vida é para atender ao

mercado.

Adota-se, assim, o modelo conhecido por 3+2+3, ou seja, três ciclos correspondentes

ao Ensino Superior (1º ciclo, 3 anos), ao Mestrado (2º ciclo, 2 anos) e ao Doutorado (3º ciclo,

3 anos), conforme representado na Figura 9.

Figura 9 - Organização do Ensino Superior português conferente de grau após instituição

do Processo de Bolonha

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Vieira (2005) considera que, nessa lógica de organização, a uniformização do número

de anos de estudo seja inevitável ―[...] em cada ciclo em toda a Europa comunitária. Quem

37

Expressão utilizada em Portugal para fazer referência ao pagamento de mensalidades nas instituições.

Page 94: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

94

quiser ficar fora dessa ‗moeda pedagógica Européia‘ perderá mais do que o que ganhará‖

(VIEIRA, 2005, p. 104, grifo do autor). Ou seja, negar o consenso construído sob os

argumentos das nações mais influentes significaria ficar à margem, o que no caso português

traria consequências ainda maiores como país periférico que é.

Por outro lado, para Robertson (2009) e Ball (2014), os consensos e as trocas ocorrem

em arenas de negociação nos quais estão inevitavelmente presentes os conflitos e a

competição. Se o vínculo nacional com a globalização é forte, forte também será a pressão

sentida. ―Quanto mais forte é o vínculo de uma nação com a economia global, mais ela vai se

sentir pressionada a ‗saltar na trilha‘ da nova lógica que está sendo produzida‖

(ROBERTSON, 2009, p. 418, grifo da autora).

Para os Institutos Politécnicos inseridos no contexto do Ensino Superior, as exigências

de Bolonha também resultaram nas adequações estruturais que foram realizadas pelas

universidades. Sob o ponto de vista da diversificação do Ensino Superior, os politécnicos são

instituições que possuem maior capacidade de adaptação às demandas do mercado. De acordo

com Mendes (2006), esse perfil formativo dos politécnicos, e entre eles o P.Porto, no processo

de reorganização pós Bolonha, facilitava o cumprimento das alterações, pois ―[...] vindas da

sua experiência de licenciatura bietápica: o bacharelato em três anos passaria a ser designado

como licenciatura, e o ano suplementar transformar-se-ia em dois conducentes a mestrado‖

(MENDES, 2006, p. 5).

Em recente pesquisa sobre as alterações de Bolonha em uma das unidades

pertencentes ao P.Porto, Sousa (2011) concluiu:

No subsistema ensino politécnico [...] ao contrário do ensino universitário, faz todo

o sentido que seja visada a aplicação imediata dos conhecimentos no âmbito de uma

entrada rápida no mercado de trabalho. Neste ponto, o Processo de Bolonha deveria

ser encarado como uma oportunidade de fazer mais e melhor, recusar uma reforma

cosmética e empreender numa cultura de aprender a aprender. (SOUSA, 2011, p.

444).

A ―reforma cosmética‖ a que a autora faz referência é no sentido da necessária

mudança de atitude em relação à prática por parte dos docentes. Essa dimensão extrapola os

requisitos formais e está vinculada ao estabelecimento de condições estruturais que permitam

o desenvolvimento das habilidades pelos alunos e das atividades pelo professor. ―Quando as

condições não existem, parece ser mais fácil para os docentes adoptarem uma atitude de

resistência e desmotivação, gerando-se, assim, meramente procedimentos adaptativos‖

(SOUSA, 2011, p. 444).

Para além dos achados de Sousa, de modo geral, entre a implantação e o

desenvolvimento do Processo de Bolonha, pode-se perceber que há desafios ainda presentes

Page 95: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

95

como os citados por Cabrito (2011), a exemplo da equidade, da perspectiva de aprendizagem

ao longo da vida e do financiamento do Ensino Superior. Os estudos de Cabrito (2011) e de

Cardoso et al. (2007) revelam que o Ensino Superior português, nos últimos trinta anos,

vivencia situações bem distintas que vão desde o crescimento explosivo de matrículas durante

os anos de 1990 até o decréscimo acentuado iniciado a partir dos anos de 2000. Esse

movimento está diretamente relacionado à queda demográfica portuguesa que implica a

redução do número de matrículas na Educação Básica, agravada pelo abandono após

cumprida a escolaridade obrigatória. Sobre esse aspecto, um dos gestores entrevistados

destacou: “A taxa de natalidade é fraca e agora começa a aumentar, portanto, dessa

maneira, a procura decaiu”, referindo-se ao Ensino Superior.

O quadro de redução da procura dos estudantes pelo Ensino Superior levou a uma

outra estratégia que visa alcançar os jovens maiores de 23 anos, que, no caso português,

ocorreu por meio do Decreto-Lei Nº 64/2006, em resposta ao Comunicado da Comissão

Europeia ao Parlamento Europeu sobre a Agenda de Modernização das universidades,

incluindo ensino, investigação e inovação. O objetivo central dessa ação pautou-se na

ampliação do acesso a outros públicos que não frequentaram o Ensino Superior na idade

adequada. Para o ingresso, faz-se necessário realizar prova presencial, apresentar o currículo

conforme o modelo europeu (Europass CV) e submeter-se à entrevista demonstrando

capacidade de frequentar com sucesso esse nível de ensino. Ao considerar as experiências e as

habilidades formativas e profissionais, vincula-se diretamente a aprendizagem ao longo da

vida.

Ao privilegiar a mobilidade estudantil, surgiu a necessidade de criar mecanismos de

equiparação para validação dos créditos. O instrumento utilizado foi European Credit

Transfer System (2003) que prevê a uniformização das unidades expressas em créditos

vinculados às horas de trabalho do aluno (60 ECTS por ano letivo) representando as

competências adquiridas, e não do professor como usualmente vinha sendo realizado.

Ao fazer referência à mobilidade, um dos gestores entrevistados afirmou: “[...] com o

Processo de Bolonha, necessariamente, as instituições, para que seja possível favorecer a

mobilidade de alunos e docentes dentro do espaço europeu, com o reconhecimento

automático dos cursos, estão associadas às exigências em termos de avaliação. Portanto,

digamos que, em Portugal, como em qualquer país europeu, o estarmos associados a essas

possibilidades de mobilidade significa o estar associado a um processo que tem que ser

reconhecido na avaliação das instituições ou dos cursos, para que, evidentemente, em cada

país, eu me sinta perfeitamente sossegado quando reconheço a formação que foi realizada em

Page 96: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

96

qualquer um dos outros 27 países da Europa, da União Europeia. Digamos que a avaliação,

em qualquer país da União Europeia, está reforçada por esta questão da mobilidade dentro

do espaço europeu e do reconhecimento automático dos cursos feitos no espaço da União

Europeia, uma grande conquista europeia, esse reconhecimento, digamos, automático das

formações que são feitas” (S1).

As consequências da globalização estão vinculadas às políticas e estas se revelam no

que Ozga (2000) nomeia como ―economização da educação‖, realocando-a no mercado de

trabalho. À medida que se reconfigura o capital global, ocorrem o redesenho da política e a

reestruturação do papel da educação nas sociedades sob a batuta de orientações prescritivas

dos governos. Nessa óptica, as funções de gestão assumem alta relevância, baseadas em

produtos porque são eles que suprem a necessidade dos mercados (BALL, 2014).

A política educacional também é utilizada para satisfazer interesses para além dos

Estados e prevê o aumento de sua eficiência e utilidade no mercado. ―A privatização da coisa

pública está a fazer-se em ritmo esfuziante. As ‗parcerias‘ público-privado, onde o público

perde e o privado lucra, encontram-se em marcha acelerada.‖ (CABRITO, 2011, p. 20, grifo

do autor). Nesse movimento, as estratégias da globalização atingem irremediavelmente as

relações entre a sociedade e o ensino superior (PARASKEVA, 2011). ―Se estabelece um

conjunto de várias articulações e apoios concretos, uma poderosa e extensa formação

discursiva que exerce diferentes influências sobre os processos da reforma pública.‖ (BALL,

2014b, p. 3).

As medidas políticas que vêm sendo implantadas pelas Nações após a Declaração de

Bolonha estão indo ao encontro da privatização da educação. E, nesse processo, o ensino

superior público é compelido a buscar formas alternativas de diversificação do financiamento,

além de produzir conhecimento para o mercado e situar o aluno como um cliente que paga

pelos serviços oferecidos como uma consequência do elevado desinvestimento do Estado

(CABRITO, 2011; PARASKEVA, 2011).

Quanto às alterações curriculares, o fato de reduzir-se o tempo do primeiro ciclo de

cinco para três anos modifica também substancialmente o caráter formativo, que passa a ter

ênfase muito mais profissionalizante. Com essas alterações, as discussões epistemológicas

sofreram considerável redução e cederam lugar às discussões mais diretamente vinculadas ao

exercício da profissão que atendem ao utilitarismo. No atual sistema, a equidade, ―figura de

retórica do discurso político‖ (CABRITO, 2011, p. 20), tanto a institucional como a

individual, está altamente prejudicada. Nas instituições, dependendo da área de atuação, há

maior ou menor proximidade com o mercado e a capacidade de captar recursos. A título de

Page 97: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

97

exemplo podem ser citados os cursos das áreas de humanidades, linguística, filosofia entre

outros que deixam de ser ofertados por não se mostrarem economicamente viáveis. No plano

individual, os extratos sociais com maior carência econômica tendem a abdicar do Ensino

Superior pelo fato de terem que pagar o que situa este nível de educação no campo das elites

(CABRITO, 2011; PARASKEVA, 2011).

Por outro lado, as reduções quanto ao nível de currículo e duração dos cursos

acarretam formas de diferenciação, pois não foram implementadas em todas as áreas. Há

aqueles, a exemplo de Medicina, que continuam a ter cinco anos de duração no primeiro ciclo

e tendem a ter mais prestígio gerando diferenciações entre docentes e discentes

(PARASKEVA, 2011).

No entanto, conforme Cabrito (2011), a expectativa dos resultados esperados quanto

ao ingresso precoce dos jovens recém-formados no mercado de trabalho não tem se

confirmado, pois, em tempos de recessão econômica, as vagas acabam sendo destinadas aos

que possuem maior qualificação. Como forma de responder a essas exigências do mercado

laboral, mais de 90% dos jovens que terminam o 1º ciclo ―[...] prosseguem estudos para a

obtenção do segundo ciclo‖ (CABRITO 2011, p. 21). A mobilidade acadêmica é considerada

ponto positivo, pois abre possibilidades de cursar o segundo ciclo em áreas distintas do

primeiro ciclo, o que agrega no momento de competir pelas restritas vagas laborais.

Entretanto, se a mobilidade acadêmica foi incentivada pela adoção da comparabilidade

entre os sistemas de crédito, o que deixa os sistemas mais transparentes, os estudos de

Cardoso et al. (2007) alertam sobre algumas controvérsias do processo quanto aos currículos

que têm frequentemente sido interpretados como uma versão comprimida de programas

formativos mais extensos. Essas ações trazem como consequência o pouco tempo para que o

aluno assimile os conteúdos constantes da grade curricular o que compromete o processo de

formação.

Entres avanços e desafios no período pós Bolonha, Paraskeva (2011) destaca:

É por demais evidente, perante as estatísticas, que o ensino superior em Portugal

segue seguindo um espaço de segregação, não deixando todavia de revelar um

paradoxo. Ou seja, pese embora seja inquestionável que a vasta maioria dos

escolarizados não atinge o ensino superior, não deixa também de ser verdade que

uma percentagem substantiva dos que terminam o ensino superior não conseguem

encontrar trabalho — dependendo dos cursos, esta realidade atinge a esmagadora

maioria dos recém-formados. (PARASKEVA, 2011, p. 246).

Para além do que foi até aqui discutido, a afirmação do autor tenciona as relações entre

o acesso ao Ensino Superior, que, nesse caso, continua servindo às elites e, por outro lado,

não consegue garantir postos de trabalho aos recém-formados. Como consequência da

Page 98: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

98

realidade apresentada, duas alternativas estão se fortalecendo entre os estudantes: ou

continuam seus estudos até o doutoramento, ou optam por deixar o país na busca pelo

emprego em outros países europeus e, até mesmo, em outros continentes.

A segunda opção ocasiona a temida fuga de cérebros, uma realidade que, em muitos

países da Europa, em Portugal especificamente, vem se mostrando forte. Ao terminarem os

ciclos de estudos, se não há postos de trabalhos disponíveis para absorver a mão de obra, a

saída apresenta-se como uma possibilidade de conquistar outros mercados.

No próximo capítulo, o foco será na compreensão da constituição da identidade dos

Institutos entre o movimento do que eram e do que passaram a ser, a partir das diretrizes da

política para o Ensino Superior estabelecida nos dois países.

Page 99: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

99

4 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DOS INSTITUTOS NO BRASIL E EM

PORTUGAL: MOVIMENTOS DA POLÍTICA

Identidade é [...] resultado a um só tempo estável e provisório,

individual e coletivo, subjetivo e objetivo, que, conjuntamente,

constroem os indivíduos e definem as instituições.

(DUBAR, 2005, p. 136).

Inicio este capítulo com as contribuições de Dubar acerca da identidade, por entender

que há um movimento contínuo entre os âmbitos institucional e pessoal na definição da

identidade. Dito isso e considerando que as políticas globais de acordo com as discussões do

capítulo anterior influenciam a elaboração das políticas locais e afetam a construção da

identidade, neste capítulo meu objetivo é compreender no contexto das políticas para o Ensino

Superior a constituição da identidade do IFC no Brasil e do P.Porto em Portugal.

Além disso, o direcionamento das políticas ao privilegiar determinados campos de

atuação impactam e alteram a matriz de constituição e de identidade das instituições, que,

muitas vezes, após serem pensadas e criadas para atender demandas específicas, são alteradas

passando a atuar em outros campos. Essas alterações impactam de modo acentuado na

organização dos Institutos, objeto deste estudo, tanto no Brasil quanto em Portugal.

4.1 A MATRIZ DE CONSTITUIÇÃO DO IFC: FORMAÇÃO TÉCNICA E FORMAÇÃO

TECNOLÓGICA

A necessidade de compreender o contexto situacional (BALL; MAGUIRE; BRAUN,

2012), isto é, a trajetória das instituições envolvidas no processo de transição de Colégios

Agrícolas e Escolas Agrotécnicas para instituições de ensino superior - IFC – impulsionou-me

na busca de documentos que, como registros vivos da história, possibilitassem conhecer quais

eram seus objetivos, qual era sua função social, ou, ainda, qual era sua matriz identitária.38

No caso dos Colégios Agrícolas de Camboriú e Araquari (Colégio Agrícola Senador

Gomes de Oliveira), como ambos eram vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), os Regimentos Internos com redação idêntica, após deliberação do Conselho

38

O processo de busca de certo modo foi impactante para esta pesquisadora, pois, ao contatar as Chefias de

Gabinete dos cinco campi, objetos de estudo desta pesquisa, após vários contatos telefônicos e troca de e-mails,

não foram encontrados nos arquivos, registros dos Regimentos Internos anteriores ao ano de 2008. Parecia que a

história havia sido apagada ou, então, no mínimo esquecida. Na maioria dos campi consultados, os funcionários

novos não localizaram tais documentos e por desconhecerem a história tecida antes do IFC foi necessário

recorrer ao Departamento de Recursos Humanos para localizar antigos funcionários que conheciam a existência

dos documentos, o que foi de grande auxílio, pois, em um dos campi, havia cópias pessoais dos Regimentos

Internos. Após conversas informais com esses funcionários e sabendo que existia um documento norteador das

ações em ambas as instituições, realizei pesquisa na Imprensa Nacional e no Arquivo Central da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC), nos quais obtive os documentos que procurava.

Page 100: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

100

Universitário (Resolução Nº 092/Cun/88), foram aprovados pelo Reitor em 5 de dezembro de

1988, por meio da Portaria Nº 1.155/GR/88.39

De acordo com o documento analisado, o regime didático pedagógico adotado nos

colégios era o seriado anual e a finalidade a de ministrar

[...] o Ensino de 2º grau profissionalizante (Curso Técnico em Agropecuária e

ainda os Auxiliares Técnicos ou Supletivos, bem como os Cursos de

Aperfeiçoamento, Habilitações e Reciclagens), visando atender às necessidades do

mercado de trabalho, observando a legislação vigente para cada caso. (UFSC,

1988, p. 2, grifos nossos)40

.

O objetivo geral da formação nos colégios era

[...] proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas

potencialidades, como elemento de auto-realização, qualificando-o para o trabalho e

preparando-o para o exercício consciente da cidadania: a) Formativo: proporcionar o

crescimento humano, intelectual e psicológico do aluno, por meio de atividades que

desenvolvam suas potencialidades criativas e intelectuais, através do cumprimento

curricular do núcleo comum; b) Formação Profissional: desenvolver no educando

habilidades profissionais, por meio de estudos técnicos e práticos; c) Sócio-

Econômico: formar Técnicos Agrícolas para atender ao desenvolvimento da

agropecuária, formando profissionais de nível médio em agropecuária; d) Servir

de campo de observação, pesquisa, experimentação, demonstração e aplicação

de métodos e técnicas de ensino à Comunidade Universitária. (UFSC, 1988, p. 3,

grifos nossos).

Merece destaque o fato de que, na matriz de constituição, os colégios agrícolas

destinavam-se prioritariamente à formação profissional de técnicos agrícolas, de nível médio,

com ênfase nos estudos técnicos e práticos. Serviam como campo de observação, pesquisa,

experimentação, demonstração e aplicação de métodos e técnicas de ensino à Comunidade

Universitária, o que os situava como laboratórios de pesquisa para as universidades aos quais

estavam vinculados. Evidencia-se, assim, a existência da pesquisa para as universidades e não

para os técnicos que deveriam dominar conhecimentos técnicos e práticos o que os situa como

―[...] indivíduo executor de atos técnicos‖ (PINTO, 2013, p. 181). Seu lugar não é o de criador

do método ou de instrumento, mas aquele que executa a prescrição de outro, que, nesse caso,

poderia ser considerado como aquele que aplica os resultados das pesquisas produzidas nas

universidades. A formação tecnológica não era mencionada e os Regimentos Internos

raramente eram alterados.

39

Em um Colégio Agrícola foi localizada uma versão de Regimento Interno (cópia pessoal de um funcionário)

referente à década de 1990, após a LDB Nº 9.394/1996. Contudo, essa versão não foi localizada nos arquivos da

UFSC, nem a Resolução de aprovação, o que pode ser interpretado como uma versão que foi produzida, mas não

aprovada. 40

Documento intitulado Pesquisa Regimento Interno Colégio Agrícola, enviado à pesquisadora por e-mail em 1

de abril de 2016, pelo Arquivo central da USFC ([email protected]).

Page 101: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

101

Para as Escolas Agrotécnicas Federais foi o Decreto Nº 2.548, de 15 de abril de 1998,

que aprovou o documento base dos seus Regimentos Internos, fixando o prazo de sessenta

dias para aprovação do regimento de cada instituição pelo então Ministro da Educação. Nesse

documento base, estavam explícitas as finalidades:

I - oferecer educação tecnológica com vistas à formação, qualificação,

requalificação e reprofissionalização de jovens, adultos e trabalhadores em geral,

nos vários níveis e modalidades de ensino, para os diversos setores da economia,

especialmente nos da agricultura e agroindústria, II. realizar pesquisas

tecnológicas e desenvolver novos processos, produtos e serviços, em articulação

com setores produtivos, especialmente os da agricultura e agroindústria e a

sociedade em geral; III - desenvolver estratégias de educação continuada. (BRASIL,

1998, p. 3, grifos nossos).

Tendo como base o texto do Decreto supracitado, foram publicados no Diário Oficial

os Regulamentos Internos de cada uma das três escolas: Santa Rosa do Sul, Concórdia e Rio

do Sul em setembro de 1998. Os Regimentos produzidos pelas Escolas Agrotécnicas em

questão foram publicados com textos similares ao documento norteador, com pouquíssimas

alterações que mantinham as finalidades previstas no documento base.

As Escolas Agrotécnicas de Santa Rosa do Sul, Rio do Sul e Concórdia foram também

criadas em tempos históricos distintos conforme descrito na metodologia. Enquanto Santa

Rosa do Sul e Rio do Sul iniciaram suas atividades na década de 1990, a de Concórdia foi

instituída como Ginásio Agrícola em 1965 e somente passou a denominar-se Escola

Agrotécnica em 1979. As três Escolas foram transformadas em autarquias pela Lei Nº 8.731,

de 16 de novembro de 1993, ou seja, em momento anterior à criação do Sistema Nacional de

Educação Tecnológica – Lei Nº 8.948 ocorrida em 1994, o que também alterou sua

identidade.

Com a publicação da referida Lei (Art. 1º, § 2º), a finalidade do Sistema Nacional de

Educação Tecnológica era favorecer a ―[...] articulação da educação tecnológica, em seus

vários níveis [...] visando o aprimoramento do ensino, da extensão, da pesquisa tecnológica,

além de sua integração aos diversos setores da sociedade e do setor produtivo‖ (BRASIL,

1994, p. 18882).

A análise dos Regimentos Internos dos dois grupos de instituições que, nos anos de

2000, viriam a transformar-se em IFC indica que, na sua origem, cada grupo estava voltado a

itinerários formativos, finalidades e identidades distintas. Enquanto umas serviam de campo

para as pesquisas realizadas pelas universidades, as outras tinham por finalidade a realização

de pesquisas tecnológicas. No entanto, o vínculo maior do perfil formativo, a expertise, era o

que se aproximava da indústria e da agricultura. Ao se unirem em uma única instituição, sua

Page 102: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

102

natureza tornou-se ainda mais complexa, porque as formas organizacionais passaram a ser

regidas por um outro módus operandi, como será discutido na sequência desta tese.

Na Proposta Conjunta (IFET, 2008), elaborada em março de 2008 pelas cinco

instituições e submetida à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, em momento

anterior à transição, é possível observar, conforme a Tabela 7 organizada com informações

constantes naquele documento, o número de docentes, técnicos administrativos e alunos de

cada uma das instituições.

Tabela 7 - Quadro de docentes, técnicos administrativos e alunos das Escolas Agrotécnicas Federais e Colégios

Agrícolas vinculados à proposta prévia para constituição do IFC

Instituição Docentes Técnicos

administrativos

Total de

servidores

Total de

alunos

Escola Agrotécnica Federal de Santa Rosa do Sul 36 72 108 863

Escola Agrotécnica Federal de Rio do Sul 51 56 107 605

Escola Agrotécnica Federal de Concórdia 37 67 104 1121

Colégio Agrícola de Camboriú 41 43 84 873

Colégio Agrícola de Araquari 25 26 51 545

Total 190 264* 454 4007

Fonte: Elaborada pela autora com base na Proposta para Constituição do IFC (2008).

Observação: * Quanto à formação, do total de 264 técnicos administrativos, 159 (60,22%) tinham a formação de

nível médio.

Na Tabela 7, pode-se observar que havia equilíbrio entre o número de técnicos

administrativos e o número de docentes em três das unidades – Rio do Sul, Camboriú e

Araquari. Nas Escolas Agrotécnicas de Santa Rosa do Sul e Concórdia, o número dos técnicos

administrativos era superior, correspondendo a 66,67% e 64,42% do total de servidores,

respectivamente, o que também é um indício da maior concentração nas atividades técnicas.

Quanto à formação dos docentes, os quantitativos eram distribuídos como mostra a Tabela 8.

Tabela 8 - Número de docentes efetivos por nível de formação nas Escolas Agrotécnicas Federais e Colégios

Agrícolas vinculados à proposta prévia de composição do IFC

Instituição Graduação Especialização Mestrado Doutorado Total

Esc. Agrotéc. Fed. de Santa Rosa do Sul 3 10 20 3 36

Esc. Agrotéc. Fed. de Rio do Sul 2 7 37 5 51

Esc. Agrotéc. Fed. de Concórdia 0 12 23 2 37

Colégio Agrícola de Camboriú 6 9 20 6 41

Colégio Agrícola de Araquari 2 6 14 3 25

Total 13 44 114 19 190

Fonte: Elaborada pela autora com base na Proposta para Constituição do IFC (2008).

Observação: Na tabela original, havia um professor pós-doutor no Colégio Agrícola de Camboriú. Nesta tabela,

ele está inserido na coluna de doutorado.

Page 103: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

103

Quanto à formação, na Tabela 8, pode-se constatar a predominância de professores

mestres (60%), com número reduzido de doutores (10%) em todas as instituições. Os

especialistas representavam 23,16% e os graduados 6,84%. Essa disparidade pode ser

justificada pela tipologia dos cursos oferecidos. Até aquele momento (2008), dos 34 cursos

oferecidos, havia somente um curso superior em andamento em uma Escola Agrotécnica

Federal. A maioria dos cursos era de nível médio / técnico, concomitante ou subsequente, o

que caracteriza uma vocação institucional e identitária vinculada à formação técnica, embora

pudesse ser oferecida a formação tecnológica.

Considerando os delineamentos das políticas voltadas à educação nas décadas de 1980

e 1990, quanto à preparação de mão de obra para ser absorvida no mercado de trabalho, os

cursos técnicos nas redes federais eram, por um lado, reconhecidos pela qualidade e, por

outro, atendiam à formação básica e célere que estava indiretamente prescrita pelas

recomendações dos organismos internacionais. A formação, conforme enfatizado no capítulo

3, estava cindida e diferenciada entre os níveis básico, técnico e tecnológico.

4.1.1 O IFC no contexto de criação e expansão da Rede de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica

A constituição de uma única Rede distribuída em grande parte do país tendo como

ponto de partida as instituições que historicamente ofereciam educação profissional esteve

presente na agenda política do governo Lula. Ao articular Educação Básica e Profissional com

estruturas multicampi e pluricurriculares na oferta de educação profissional e tecnológica,

houve mudança no perfil das instituições e, consequentemente, em sua identidade, em relação

à estrutura que vinha sendo desenvolvida nos governos anteriores e nos documentos

institucionais que até então eram os Regimentos Internos.

No entanto, no escopo de análise, necessário faz-se considerar que, ao retomar o

diálogo sobre a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,

algumas direções tomadas pelo Governo Federal são essenciais para compreender o

movimento desenhado. Se, por um lado, as ações romperam com o ritmo acelerado das

privatizações; por outro, ocorreu o que Mancebo (2004) denomina de privatizações indiretas

pelas parcerias público-privadas. Houve mudança na perspectiva, mas não seu rompimento,

em grande medida pela proposta de ações sociais serem a mola mestra do governo do

Presidente Lula. Ao injetar dinheiro público no financiamento da expansão e interiorização da

rede federal e, consequentemente, do Ensino Superior, criou-se a expectativa para que as

pessoas que, até então, não tinham acesso aos cursos técnicos, tecnológicos e superiores,

Page 104: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

104

pudessem adquirir as bases formativas para ingresso no mercado de trabalho, melhorando as

condições de vida.

Se o discurso inicial posto em prática parecia dar conta de algumas questões, logo

surgiram outras de complexa solução. À medida que as unidades foram sendo instaladas,

algumas em locais de difícil acesso, vieram à tona outros problemas, a exemplo da dificuldade

de acesso, de transporte, tanto para professores e corpo técnico administrativo quanto para

alunos - situação encontrada também no IFC que possui, por exemplo, unidades instaladas no

interior de assentamentos. A disponibilidade de matrícula existe, mas as condições de

permanência e sucesso tornam-se uma equação difícil de resolver, o que, de certo modo,

acarreta um novo processo de exclusão para os alunos e dificuldades na fixação de

professores e técnicos administrativos.

A reengenharia da aproximação entre a rede federal e a universidade foi sendo

delineada com novos dispositivos legais. Em 2006, o Decreto Nº 5.773, ao dispor sobre o

exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de Educação

Superior, cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino,

posicionou igualmente as funções da Secretaria de Educação Superior e da Secretaria de

Educação Profissional e Tecnológica, indicando um movimento de aproximação entre as duas

secretarias.

Considera-se, aqui, o ano de 2007 decisivo para a implantação da atual Rede, pois, por

meio do Decreto Nº 6.095 (BRASIL, 2007b), foram estabelecidas as diretrizes para o

processo de integração das instituições federais de educação tecnológica, para fins de

constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET), no âmbito da

Rede Federal de Educação Tecnológica.

Logo em seu Artigo 1º, § 2º havia a indicação de que a identidade dos institutos seria

alterada substancialmente:

Os projetos de lei de criação dos IFETs considerarão cada instituto como instituição

de educação superior, básica e profissional, pluricurricular e multicampus,

especializada na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes

modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e

tecnológicos às suas práticas pedagógicas, nos termos do modelo estabelecido neste

Decreto e das respectivas leis de criação. (BRASIL, 2007b).

O fato de considerar cada instituto como instituição de ensino superior especializada

na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, ainda

que essa etapa fosse a fase embrionária do que viriam a se tornar os institutos, é um indicativo

formal da alteração identitária.

Page 105: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

105

Ainda nesse mesmo Decreto, outro indicativo que estava vinculado à mudança

estrutural e didático-pedagógica dos institutos era a exigência referente à obrigatoriedade da

elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) integrado após a celebração do

acordo. As exigências na elaboração do PDI estavam vinculadas à vocação institucional e

acadêmica.

A vocação institucional deveria contemplar, entre outras, ações referentes à oferta da

educação profissional e tecnológica para: formação de profissionais dos diversos setores

produtivos, como processo educativo e investigativo na geração de produtos e soluções com

base empírica, programas de extensão e pesquisa aplicada. No plano acadêmico,

especialmente em nível superior, a oferta de cursos de graduação de natureza tecnológica, de

licenciatura para formação de professores da Educação Básica, de Pós-Graduação lato e

stricto sensu “preferencialmente de natureza profissional‖, em conformidade às demandas

locais e regionais (BRASIL, 2007b).

A agregação das instituições à Rede, conforme Decreto, seria ―voluntária‖ com

aprovação pelos órgãos superiores de gestão das instituições envolvidas. Como pode ser

observado, as bases para a Lei de criação dos Institutos Federais estavam lançadas, inclusive

quanto a sua equiparação às universidades na regulação, na avaliação e na supervisão das

instituições e cursos da Educação Superior. A Pós-Graduação também estava prevista, tanto

no lato como no stricto sensu. No entanto, não estavam previstos os desdobramentos quanto à

implantação de tais cursos e programas, a exemplo das dificuldades do IFC em aprovar as

propostas dos novos cursos na CAPES. As dificuldades referenciadas aqui são aquelas

vinculadas aos mestrados em rede que se utilizam da colaboração de profissionais de diversos

campi na perspectiva interdisciplinar e as referentes aos quantitativos de produção científica

dos docentes conforme discussões nos próximos capítulos.

Olhar para os documentos observando a prática discursiva oficial orientadora das

ações de criação da Rede em curso não nos dá a dimensão do real significado de sua tradução

na prática e nas ações cotidianas daqueles que participaram do processo. Esse exercício foi

desenvolvido por Ortranto (2010) ao pesquisar41

sobre as primeiras ações efetivadas com o

objetivo de implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia em toda a

extensão do território nacional. As constatações da pesquisadora revelam que, apesar do

41

A amostra foi composta por 35 instituições de educação profissional que avaliaram a opção da transformação

em IFET, sendo 15 Escolas Agrotécnicas Federais (EAF), 9 Centros Federais de Educação Tecnológica

(CEFET), e 11 Escolas Vinculadas às Universidades Federais (EV), abrangendo todas as regiões do Brasil, em

20 estados da federação. Procurou-se levantar os principais motivos apresentados pelas instituições para a

tomada de decisão a favor ou contra a transformação em IFET, e os posicionamentos dos Conselhos que as

representam, contidos nos documentos de 2007. (ORTRANTO, 2010, p. 1).

Page 106: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

106

Decreto Nº 6.095/2007 prever o ingresso voluntário das instituições à Rede, não foi

exatamente o que aconteceu. As instituições foram ―surpreendidas‖ com a publicação do

Decreto. Essa nova determinação governamental logo gerou questionamentos e

argumentações diferenciados em cada grupo, colocando novos atores nas negociações.

Estavam em jogo dois divisores de águas: de um lado a política pública que alterava a

identidade de instituições; e, do outro, as resistências assentadas sobre as peculiaridades

organizativas, culturais, administrativas e pedagógicas de cada instituição. A SETEC tentava

responder por meio do discurso oficial, indicando possíveis sanções à não adesão às diretrizes,

a exemplo da redução do orçamento. Como as dúvidas e as resistências por parte de algumas

instituições continuavam, no final de 2007, foi lançada a Chamada Pública MEC/SETEC Nº

002/2007 (BRASIL, 2007a).

Essa Chamada Pública tinha ―[...] por objeto a análise e seleção de propostas de

constituição de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs‖ (BRASIL,

2007a, p. 2). Esclarecia sobre a elegibilidade dos proponentes, as características que deveriam

conter as propostas, forma de apresentação e processo de seleção, estabelecendo prazo de 90

dias para adesão com envio das propostas e resultado da seleção, previsto em 31 de março de

2008 (BRASIL, 2007a). Nos anexos, constava uma tabela com o quantitativo máximo de

IFETs por unidade da federação, prevendo a instalação de dois IFETs em Santa Catarina,

além da minuta do Projeto de Lei de Criação dos Institutos. De fato, essa previsão confirmou-

se, pois, hoje, há dois Institutos em Santa Catarina: o Instituto Federal Catarinense (IFC) e o

Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Ao todo, no anexo, eram 27 Estados, tendo a

maioria deles previsão de instalação de um único instituto. As exceções eram Minas Gerais

(4), Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (3), Bahia, Goiás, Pernambuco, Santa Catarina (2)

(BRASIL, 2007a).

As razões pelas quais cada grupo de instituições foi aceitando a ideia da alteração

esteve respaldada por diferentes interesses. Por sua vez, as Escolas Agrotécnicas Federais

(EAFs) viram a possibilidade de transformação em Centros Federais de Educação

Tecnológica (CEFETs) ampliando a ―[...] autonomia e ascensão à categoria de instituição de

educação superior‖ (ORTRANTO, 2010, p. 3). Os CEFETs, que já haviam conquistado esse

patamar, logo sonharam em ―[...] chegar a ser, um dia, uma universidade tecnológica, a

exemplo do que havia acontecido com o CEFET do Paraná‖42

(ORTRANTO, 2010, p. 7).

42

Quanto a oferta de Ensino Superior, sua história iniciou no final da década de 1970, e nas décadas de 1980 e

1990 criou Programas de Pós-Graduação. Em 1998, apresentou um projeto de transformação da instituição em

Page 107: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

107

Nessa perspectiva, concorda-se, aqui, com Ball, pois internamente também existe a

rede de interesses nas quais os consensos vão se fazendo presentes e pactuando algumas

condições que permitem a participação de novos e velhos atores, na possibilidade de obter

vantagens. Nesse caso, a ascensão para um nível mais elevado, buscando maior

reconhecimento social. Esse movimento evidencia o que Ball (2013) denomina de

negociações que ocorrem no interior das instituições e entre os diversos grupos na defesa de

interesses em disputas de poder, influência e reconhecimento.

Em decorrência do processo iniciado com o Decreto Nº 6.095/2007, seguido pela

Chamada Pública MEC/SETEC Nº 002/2007, a Lei Nº 11.892, de criação dos Institutos

Federais, foi sancionada em 2008 e representou a expressão maior da articulação política do

Governo Federal. Ao instituir a Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,

além de reorganizar as unidades existentes e implantar outras novas em locais até então

desprovidos de oportunidades de formação profissional e tecnológica, oportunizou que muitos

tivessem acesso aqueles níveis de ensino, com significativa contribuição na ampliação do

ingresso, especialmente no Ensino Superior.

Ainda que tenha sido de grande avanço ao formar a gigante Rede de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica, é impossível perder de vista o Documento do BM

(1994) com as recomendações sobre a diversificação do Ensino Superior. Sob esse ponto de

vista, os IFs atendem perfeitamente às pretensões colaborando com o aumento de matrículas

nesse nível de ensino e, ao mesmo tempo, coesos com o discurso de melhoria da qualidade de

vida da população que vive em seu entorno, por meio dos arranjos produtivos locais. Na Lei

de criação dos Institutos, os artigos 6º e 7º, ao tratar das finalidades e das características,

chamam a atenção para a necessidade de desenvolver pesquisa aplicada e a formação de

profissionais para os diferentes setores da economia, marcando aproximação com os setores

produtivos e a sociedade civil (BRASIL, 2008b).

É nesse cenário que a criação da Rede de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica vem trazendo desdobramentos e implicações para a construção da nova

identidade, a exemplo do Instituto Federal Catarinense (IFC) que, até então, na qualidade de

Escola Agrotécnica e Colégio Agrícola, não tinha tradição em curso superior, nem inserção na

Pós-Graduação. Para cada grupo formado, consideradas suas peculiaridades, os desafios

também são particulares, pois em alguns casos as instituições já estavam familiarizadas com o

Ensino Superior e a Pós-Graduação. Nesse contexto, os antigos CEFETs são a expressão

Universidade Tecnológica. Em 2005, o CEFET-PR foi transformado em Universidade Tecnológica Federal do

Paraná – UTFPR. (Informação retirada do site institucional).

Page 108: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

108

máxima que representam as diferenças organizacionais e de foco de atuação. Enquanto alguns

estavam vinculados ao ensino agrícola, outros se dedicavam aos cursos técnicos na área de

informática e, de certo modo, já praticavam a verticalização.

A mudança de identidade traz também o ônus da ascensão ao ser equiparada às

universidades. Essa Rede passa a responder aos mesmos critérios e indicadores de avaliação

empregados nas avaliações externas da graduação realizadas pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). À medida que os cursos de

Graduação são avaliados, é necessário atender a critérios de exigência, como a elaboração do

Plano de Desenvolvimento Institucional, laboratórios, acessibilidade, acervo de livros na

biblioteca, formação pedagógica e acadêmica docente. As avaliações são complexas e

envolvem visitas in loco considerando, conforme o Instrumento de Avaliação de Cursos de

Graduação Presencial e a Distância (INEP, 2015), as dimensões da organização didático-

pedagógica, corpo docente, infraestrutura, tanto para autorização de cursos, quanto para

Reconhecimento e Renovação de Reconhecimento de Curso.

Ainda sobre a avaliação, o fato de serem equiparados às universidades e necessitarem

desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão, com implantação de cursos de Pós-

Graduação lato e stricto sensu os submete às regras de avaliação da CAPES em processos

novos, até então desconhecidos. Há implícito um jogo de poder tanto entre quem determina as

políticas no âmbito nacional, como entre aqueles que traduzem tais políticas no contexto da

prática. Essa tradução envolve estratégias, enactments, nos quais os atores buscam solucionar

os problemas impostos por contextos maiores e problemas impostos pelas redes de poder no

interior das próprias instituições (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012). Ao fazer o movimento

entre o macro e o micro contexto, da prática e da tradução das políticas, faz-se necessário

considerar a estrutura organizacional do Instituto Federal Catarinense (IFC), como espaço

revelador da tradução das práticas e dos discursos, à medida que se desvelam as estratégias e

as táticas utilizadas pelos gestores.

4.1.2 O olhar dos gestores sobre a identidade do IFC nos documentos institucionais

No escopo desta pesquisa, os documentos institucionais mais relevantes para as

análises estão assentes no Planejamento Estratégico (PE) (2013-2017) e no Plano de

Desenvolvimento Institucional (PDI) (2014-2018) pois expressam as diretrizes da

macropolítica e do planejamento em médio e longo prazo e, portanto, considerados essenciais

para a gestão e identidade institucionais. Ao contemplarem a análise do ambiente, o

diagnóstico das oportunidades, ameaças, pontos fortes e fracos e, principalmente, os objetivos

Page 109: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

109

estratégicos para o período compreendido, marcam a linha de atuação institucional e, por

meio delas, também, o processo de construção da identidade no movimento de vir a ser. Um

dos pontos fracos elencados no PE (IFC, 2013, p. 18) refere-se justamente à ausência da

―cultura do planejamento‖.

O IFC, ao estabelecer que sua missão, como propósito fundamental, é ―[...]

proporcionar educação profissional atuando em ensino, pesquisa e extensão, comprometida

com a formação cidadã, a inclusão social e o desenvolvimento regional‖ (IFC, 2014, p. 22)

busca responder ao motivo de sua existência aliada à visão de ―ser referência em educação

profissional, científica e tecnológica em Santa Catarina‖ (IFC, 2014, p. 22), expressando,

dessa forma, sua intenção de alcançar uma situação futura desejada.

O fato de transitar entre uma identidade que, em sua origem, era técnica para uma

outra que agrega formação científica e tecnológica tem seus desdobramentos. De acordo com

Pinto (2013), o termo tecnologia tem várias acepções, mas aqui apresenta-se do ponto de vista

etimológico. ―[...] a ‗tecnologia‘ tem de ser a teoria, a ciência, o estudo, a discussão da

técnica, abrangidas nesta última noção às artes, as habilidades do fazer, as profissões e,

generalizadamente, os modos de produzir alguma coisa‖ (PINTO, 2005, p. 219, grifo do

autor). Essa definição é de suma importância porque requer a unificação dos elementos

presentes e transita entre a técnica, as habilidades, mas, sobretudo, entre a ciência, a produção

do conhecimento que, de certo modo, interpela a todos os integrantes da instituição.

As fragilidades e as dificuldades relacionadas no documento (PE) são marcadores que

evidenciam, por exemplo, a identidade institucional e a marca do IFC. Entre seus objetivos

estratégicos o de ―criar política de identidade institucional‖ (IFC, 2014, p. 26) e o de ―definir

eixos tecnológicos por câmpus‖ (IFC, 2014, p. 27) demonstram que a identidade ainda está

em processo de construção, alternando entre o que era e o que necessita ser. No PDI, o

objetivo repete-se, porém não há indícios de como essa política de identidade vá se

desenvolver. Quanto à definição dos eixos tecnológicos, estes estão vinculados àqueles

definidos no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, considerando as peculiaridades de cada

campus. Obviamente a ―Identidade institucional – marca do IFC‖ no PE (IFC, 2013, p. 18) é

um dos pontos fracos identificados.

No item Perspectiva: Processos Internos, que define os responsáveis pelo alcance dos

objetivos estratégicos dos eixos tecnológicos e da identidade, constata-se que cada um deles

está sob a responsabilidade direta de um campus, o que demonstra a carência de articulação

institucional, ausente de participação da gestão central. Uma política que visa fortalecer a

Page 110: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

110

identidade necessita ser pensada no âmbito institucional e não em uma única unidade isolada

como neste caso (IFC, 2013).

Na fala dos gestores entrevistados, a indefinição da identidade também está presente

como algo ainda não resolvido, envolto em uma espécie de sombreamento dos antigos

Colégios Agrícolas e Escolas Agrotécnicas, como pode ser constatado na fala de S4: “O

pessoal conhece o Colégio Agrícola, falou em Colégio Agrícola... „Ah, eu sei onde é!‟, agora

falou em campus Camboriú, opa, onde é? Por isso que eu digo, o pessoal às vezes diz que nós

temos crise de identidade... O problema é que nós somos jovens, ainda estamos fazendo

história”. Para S1, a afirmação da identidade institucional sofre prejuízos em função da

diversidade existente na oferta de cursos nos vários campi: “[...] isso também acaba

dificultando por outro lado porque são muito diversos... É a mesma instituição, mas cada

campus tem a sua especificidade, então isso acaba também às vezes não fortalecendo uma

área específica, cada campus vai ter um foco, uma necessidade específica”.

Para S3, a identidade institucional também atravessa um momento crítico porque ainda

está colada no passado, embora reconheça sua importância no vivido e a complexidade do

processo. “Às vezes critico, às vezes acho ruim, mas essa tradição muito agrotécnica, muito

colégio agrícola, também atrapalha. Isso não quer dizer que quando falo isso, que é uma

crítica, eu esteja dizendo que temos de esquecer, rasgar, apagar o passado, não. [...]. Claro,

tem várias experiências bacanas daquele modelo de escola, mas nós temos de nos dar conta

que a nossa realidade hoje é outra e nós não podemos ficar presos àquelas práticas, àquelas

lutas, nós temos que repensá-las. E é nesse sentido que eu acho que está faltando virar a

chave, sabe. [....]. Parece que estamos presos a uma rotina das antigas escolas agrotécnicas

ou colégios agrícolas”.

S2 destaca as orientações externas, a exemplo da CAPES, que influenciam na

construção da identidade institucional na oferta formativa: “[...] a CAPES deu uma

orientação de que deveríamos ter uma identidade diferente de uma academia, de uma

universidade, de uma faculdade. Então começamos a formar propostas de Mestrado

Profissional para atender uma demanda ou uma população que, muitas vezes, não é atingida

pela universidade. Se somos diferentes da universidade, precisamos fazer algo diferente”. No

PE (2013), a demanda por Pós-Graduação lato e stricto senso, de modo geral, é vista como

uma oportunidade, porém considerada de modo genérico e, no PDI (2014), há previsão de

estímulo e apoio aos campi para elaboração de propostas de ―[...] programas de pós-graduação

stricto sensu, preferencialmente profissionais, nas áreas de conhecimento em que há

capacidade instalada para atender as exigências dos órgãos oficiais de avaliação, que

Page 111: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

111

apresentem demanda e atendam às necessidades dos arranjos produtivos [...]‖ (IFC, 2014, p.

53 -54, grifos nossos). A preferência na oferta de mestrados profissionalizantes é um indício

da definição da identidade que se diferenciaria das universidades pela oferta formativa e

também marca uma orientação institucional presente desde 2014.

Quando questionados sobre a elaboração dos documentos, os quais registram a

metodologia participativa e o diálogo, os entrevistados manifestaram diferentes pontos de

vista sobre o processo institucional desenvolvido. As percepções oscilaram entre os polos

participativo e não participativo dependendo do envolvimento de cada um e da

responsabilidade que cada um chamou para si no processo, ou seja, o engajamento com as

chamadas institucionais (BALL, 2003). Metade dos entrevistados declarou não ter participado

das discussões e da elaboração dos documentos.

Alguns deles ainda não tinham ingressado na instituição, enquanto outros não estavam

exercendo a função de gestão. S6 participou de comissões e considera que houve diálogo

entre a reitoria e os gestores dos campi. S5 declarou que também não participou, mas que tem

conhecimento de que houve “toda uma agenda [...] que possibilitou a participação de forma

democrática, na construção do documento” (S5). Sobre esse aspecto, no PDI, encontra-se:

―[...] a Comissão buscou realizar um trabalho contundente no sentido de permitir a todos a

participação tanto na construção quanto na discussão e validação desse Plano de

Desenvolvimento Institucional [...]‖ (IFC, 2014, p. 10). No entanto, esse sentimento de

participação não é unânime. Ao falar sobre o processo, S6 afirma: “Na minha opinião, foi

construído pela Reitoria, que é quem tem que fazer isso, pelos diretores, mas houve diálogo,

tanto é que eles montaram algumas comissões para fazer isso, eu fiz parte de algumas

comissões, mas como falei, o pesado do PDI foi montado, digamos, pela Pró-Reitoria de

Ensino e, por isso, a pós-graduação acaba ficando de lado, acredito” (S6).

A percepção desse entrevistado quanto às ações que contemplam a implantação da

Pós-Graduação é reveladora de indícios de que as Pró-Reitorias trabalham de modo

desarticulado quanto às prioridades. “Em teoria, a pós-graduação está dentro da Pró-

Reitoria de Pesquisa. Em teoria, quem tem que ajudar na implantação da pós-graduação é a

Pesquisa. [...]. Mas em relação a recurso financeiro e a pessoal, em comparação à Pró-

Reitoria de Ensino, é muito limitado. Eu acho que a Reitoria acaba dando muita ênfase à

Pró-Reitoria de Ensino e pouca ênfase à Pró-Reitoria de Pesquisa e a Extensão. Acredito que

talvez eles encarem como carro-chefe o ensino da graduação, não a pós-graduação.” (S6).

Por sua vez, S5, apesar de não ter participado do processo, afirma conhecer os

documentos o que, mais uma vez, evidencia que a chamada é institucional, mas a adesão e o

Page 112: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

112

engajamento é pessoal na ocupação dos lugares e das discussões: “[...] eu conheço o

documento, e acho que as políticas da pós-graduação, precisam ser melhor definidas. [...]

discutidas para ampliar seu espaço, por que através da pesquisa e obviamente da pós-

graduação, dos projetos de pesquisa, amplia-se tanto a formação de pessoas como a

captação de recursos, o número de convênios, e isso seria todo um círculo virtuoso no

sentido de ampliar a participação do Instituto na sociedade. [...] a pesquisa leva para esse

caminho” (S5). A indefinição nas políticas citadas por esse gestor sugere uma possível

relação entre o percurso a ser construído na qualidade de política institucional e a identidade

pretendida. Se as políticas não estão claras, a identidade também é fragilizada porque existem

os centros e as periferias de poder geradores de resistências, como pode ser observado na fala

do gestor quanto à implantação da Pós-Graduação: “[...] até então, a pós-graduação, por

incrível que pareça, para alguns colegas, é vista como o patinho feio dentro do Instituto; e

com alguma relutância de alguns colegas aceitarem, inclusive, a possibilidade de se ter a

pós-graduação dentro do Instituto” (S5).

Essas resistências demonstram que, para muitos professores, a identidade do IFC ainda

está em forte conexão com a identidade técnica, permanecendo nas amarras estruturais das

antigas escolas agrotécnicas e colégios agrícolas. Para S5, há carência de aproximação e

integração entre os campi e a reitoria. “[...] os campi atuam ainda de forma muito

independente, até em função da própria estrutura do Instituto. Só que em termos de pós-

graduação, e diria até em nível de graduação, há a necessidade de uma aproximação dos

campi, porque parece que estamos na mesma casa, só que cada um não sai do seu quarto... E

aí em termos especialmente de pós-graduação, há a necessidade de interação entre os campi.

Isso vai ser fundamental, na verdade.” (S5). No PE (IFC, 2013, p. 18), esse é um dos pontos

fracos identificados: ―Integração entre os câmpus – visão individualizada‖. Esse é mais um

indício de que os campi, quanto à forma de atuação, permanecem na lógica de organização

anterior, na qual cada escola ou colégio tinha maior independência, o que na essência também

afeta a identidade. Nesse caso, é a identidade institucional atribuída pelo outro (DUBAR,

2005) que se choca com a trajetória anterior colidindo com as novas exigências.

Quanto à Pós-Graduação, a análise do PE permite observar que ela está no limbo. A

palavra ―pós-graduação‖ somente é encontrada em duas passagens. A primeira refere-se à

esfera de atuação institucional, e somente cita a pós-graduação lato sensu.

Com uma larga e verticalizada oferta de formação, na Formação Inicial e

Continuada, nos cursos técnicos em diversos eixos tecnológicos, em especial na

forma integrada com o ensino médio, nas licenciaturas, cursos superiores de

Page 113: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

113

tecnologia e bacharelados, estendendo-se à Pós-Graduação lato sensu, com foco

predominantemente na pesquisa aplicada e inovação tecnológica. (IFC, 2013, p. 10,

grifos nossos).

Na segunda ocorrência, sob o título Oportunidades: influências externas positivas,

encontra-se ―Demanda por Pós-Graduação – Lato e Stricto Sensu‖ (IFC, 2013, p. 21).

Novamente, constata-se a carência de articulação. Se a demanda por Pós-Graduação é uma

oportunidade, fica a pergunta: quais ações permitem aproveitar esse nicho?

No item Análise do ambiente: pontos fracos dificuldades e fragilidades do IFC, estão

listados trinta e quatro itens nos quais são feitas menções à pesquisa e à Pós-Graduação, de

forma indireta, como, por exemplo:

Número de publicação de pesquisas em periódicos listados no Qualis; [...] Execução

dos recursos para pesquisa e extensão; [...] Integração do ensino, pesquisa e

extensão; [...] Pesquisas aplicadas direcionadas aos arranjos produtivos locais –

produção tecnológica [...]. (IFC, 2013, p. 18).

Entre os pontos fortes da instituição, identifica-se ―[...] o fomento às atividades de

pesquisa e extensão‖ (IFC, 2013, p. 19). Todavia, o ponto forte entra em contradição com um

dos pontos fracos listados que foi a falta de ―execução de recursos para a pesquisa e

extensão‖.

Ainda, sobre esse documento, ao listar os trinta e oito objetivos estratégicos,

novamente a Pós-Graduação é citada indiretamente, via atividades de pesquisa. Sobre a

Política de expansão para criação de novos cursos, há intenção de: ―Criar política para a

implantação gradativa de novos cursos‖ (IFC, 2013, p. 26) e ―Criar programa de incentivo e

fortalecimento de grupos de pesquisa, de acordo com as áreas de atuação do câmpus‖ (IFC,

2013, p. 34). O fortalecimento dos grupos de pesquisa está vinculado à atuação da Pró-

Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, mas, em momento algum, são encontradas

as metas direcionadas à Pós-Graduação, o que parece confirmar que tanto o lato quanto o

stricto sensu não estão entre as prioridades dos objetivos estratégicos institucionais, pelo

menos no âmbito documental.

Sobre a elaboração do PDI, S7 destacou: “O PDI foi elaborado entre os gestores dos

campi e da Reitoria, não entre toda a comunidade. Há uma série de metas nas mais diversas

áreas”. S1 destaca que as metas inseridas no PDI necessitam estar adequadas, conforme a

capacidade de recursos humanos e materiais, pois o que se tem visto é que “algumas coisas

realmente às vezes não se concretizam”, referindo-se às ações que parecem ser somente

inseridas para cumprir protocolo sem uma reflexão de viabilidade real. “O que a gente sempre

ouve nas reuniões é o seguinte: „Olha, o que estiver marcado no PDI, a gente pode fazer. O

Page 114: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

114

que não estiver, não tem como‟. Então o que eu vejo também é que as pessoas ficam

preocupadas que pode surgir a oportunidade de elas fazerem, mas como não está no PDI elas

não vão poder fazer e aí: „Ah, então vamos colocar, é uma possibilidade que a gente tem e se

não der certo, não deu‟”. (S1).

A leitura atenta do PDI (2014) possibilita observar que cada campus inseriu suas

―pretensões‖ quanto à oferta de novos cursos, o que nem sempre vem se concretizando,

gerando, assim, demandas a justificar. Nesse sentido, S1 refere-se à ausência de um processo

de reflexão e discussão dos vários grupos e às cobranças que têm vindo da reitoria sobre as

ações previstas e não executadas que necessitam ser justificadas. Ainda, S1 argumentou que

as dificuldades fazem parte de um processo em que tudo é muito novo e as respostas precisam

ser buscadas. As evidências e o próprio PDI demonstram que há uma cultura de planejamento

em médio e longo prazo que necessita ser construída para que as ações, uma vez inseridas,

possam efetivamente ser cumpridas e, ao mesmo tempo, uma ausência na perspectiva na

cultura dos resultados, com ações inseridas sem possibilidades de concretização. Esse

planejamento requer que a equipe gestora tenha mais aproximação com as ferramentas de

gestão, que, na perspectiva administrativa, maximiza resultados e diminui gastos, adequando

o potencial humano e material.

O fato de os atores da política no interior da instituição submeterem-se ao que está

inserido no PDI em algumas situações - “O que não estiver, não tem como” (S1) - permite

pensar no que Ball (2000) chama de fabricação do discurso para responder à política. Para

Ball, a fabricação organizacional fornece uma fachada calculada da organização e do

ambiente. No entanto, em outro sentido, o trabalho de fabricar a organização requer

submissão aos rigores da performatividade e as disciplinas da concorrência. Há um excedente

de sentido em tais exercícios. Um excesso que transborda para a vida cotidiana da

organização de modo que outras possibilidades de ação ficam condicionadas às ações

calculadas e previstas no planejamento cujo conteúdo expressa o compromisso da instituição

com a política.

S4 destaca que as propostas em fase de submissão, referindo-se às da Pós-Graduação,

foram planejadas e estão inseridas no PDI. “[...] estamos estudando essas áreas que tem

maior potencial, elas já estão inseridas. [...] a Pró-Reitoria vem apoiando, fomentando ou

publicando editais que contemplam professores ou projetos que estão envolvidos em

determinadas áreas para tentar fortalecer esses cursos. [...] ou direcionando algum recurso

financeiro para compra de equipamentos que sejam multi-setoriais, por exemplo.” (S4).

Page 115: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

115

Sobre o processo de elaboração no desenvolvimento dos documentos, S4 explicou que

houve discussão entre os vários grupos, a exemplo das Pró-Reitorias e dos campi: “Primeiro

cada Pró-Reitoria organizou, conforme a sua obrigatoriedade da pasta e também foram

envolvidos os campi. Foram chamados DDEs, diretores, cada campus fez, os cursos que

tinham de ser aprovados. Aí depois em reunião a gente fez a leitura, colocando o que seria

necessário e definindo o que era prioridade” (S4).

Para S4, os trabalhos estão sendo desenvolvidos de forma sincrônica, pois as propostas

dos novos cursos passam também pela disponibilidade e pelo interesse do professor e do

diretor que têm consciência de que vão precisar disponibilizar seus colaboradores para outros

campi. Reconhece que o esforço é institucional e não de um campus específico, por esse

motivo também os deslocamentos dos professores necessitam ser pensados

institucionalmente, com a gerência da Pró-Reitoria. “[...] pensar como uma instituição, traçar

diretrizes que são do IFC. [...]. Cada campus tem sua particularidade, mas nós temos que ter

...” (S4).

S2 considera o PDI importante para o planejamento institucional em longo prazo com

“[...] perspectivas, planos e estratégias para o desenvolvimento da instituição. Obviamente

que nesse PDI ou no planejamento existem muitas coisas que de momento parecem ser

tangíveis e no decorrer das atividades a coisa não chega bem àquilo” (S2), em uma clara

demonstração da fabricação do discurso escrito. Nesse ponto específico, S2 faz referência às

dificuldades encontradas para a aprovação das propostas submetidas à CAPES, citando o

Mestrado Profissional que não foi inserido no PDI, porque inicialmente as propostas eram

para o mestrado acadêmico. Esse trânsito entre as propostas de mestrado acadêmico e

profissional marca ainda mais intensamente a volatilidade identitária.

É como se ficasse no ar o seguinte questionamento: Mudamos: mas para onde estamos

indo? Essas evidências reforçam a gênese das políticas voltadas aos contextos genéricos e

ideais que, por terem essa característica, impactam tão intensamente na constituição das

pessoas e das instituições. Por outro lado, concorda-se aqui com Ball (2003, p. 225) que, na

perspectiva gerencialista e performativa amplamente difundida nas organizações, ―[...] cada

vez mais, as instituições do setor público também são requeridas a construir uma variedade de

textos formais, responsabilizando-se através de planos de desenvolvimento, documentos

estratégicos, conjunto de objetivos‖.

S3 foi enfático quanto à metodologia utilizada na elaboração do PDI: “Eu não

concordei com a forma pela qual o plano institucional foi feito, com a metodologia utilizada.

[...] eu, como coordenação de pós-graduação, ajudei dizendo quais eram as minhas

Page 116: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

116

diretrizes, quais eram as políticas que seriam adotadas. Quem disse quais cursos iriam ser

criados, foram os campi. Quando isso veio dos campi, foi direto para quem coordenava e não

voltou para a gente, no caso, para mim, na coordenação de pós-graduação ou para nós, na

Pró-Reitoria avaliarmos se aquilo estava afinado com as diretrizes e políticas que tínhamos

colocado. Então, sabe, virou uma colcha de retalhos, virou um somatório de textos que cada

um mandou, em alguns aspectos, contraditórios”. No entanto, no PDI, o discurso escrito que

consta sobre a participação é: ―A gama de informações e projeções feitas neste documento

reflete os dados fornecidos por todos os câmpus que sistematizados ajudaram a compor o PDI

em sua totalidade, sendo que esse documento foi discutido e validado pela comunidade da

Reitoria e de todos os câmpus‖ (IFC, 2014, p. 10).

No discurso desse gestor, no processo de elaboração do PDI, houve carência de

diálogo, articulação e convergência das ações propostas, o que evidencia também um campo

de disputas entre os setores institucionais, fato observável na leitura atenta dos documentos.

“Nada muito conectado... Nada muito articulado. Porque se a gente pensa em criar cursos

Lato e Stricto Sensu, especialmente, você tem que ter todo um trabalho anterior. Para criar o

Stricto Sensu, você tem que ter os grupos de pesquisa, você tem que ter os projetos de

pesquisa, tem que ter os laboratórios, tem que ter o professor doutor, você tem que ter esse

professor doutor publicando. Então você tem que pensar em uma série de coisas que passam

pela estrutura física, equipamentos, apoio, recurso para pesquisa, apoio a grupos de

pesquisa, e isso está fora de questão.” (S3). Esse gestor demonstra conhecimento sobre

planejamento. Em seu depoimento, ele expõe a visão do processo necessário para chegar à

Pós-Graduação. No entanto, no documento, as ações desde o fortalecimento da pesquisa à

implantação do stricto senso são pensadas ao mesmo tempo, fato que fragiliza a submissão de

propostas.

Enquanto no PDI, item referente à internacionalização, a colaboração da Pró-Reitoria

de Pesquisa está centrada nas parcerias com as instituições de Ensino Superior, no item

referente à Política de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, entre outras ações, está previsto

―[...] o estabelecimento de parcerias com institutos, universidades, centros de pesquisa e

outras instituições nacionais e/ou internacionais, incluindo as organizações privadas, na área

de pesquisa e desenvolvimento [...]‖ (IFC, 2014, p. 53), o que de certo modo exemplifica a

falta de articulação e a ―colcha de retalhos‖ citada por S3.

Os depoimentos dos gestores sinalizam que a perspectiva organizacional que

permanece é a individual em que cada campus se organiza e, na ausência de uma diretriz

institucional que sugere falta de familiaridade para lidar com planejamento, as ações e as

Page 117: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

117

projeções são pensadas em tempos “[...] distintos e desarticulados sem as bases, algumas

coisas e que estão projetadas, você vai olhar e dizer, bom, para isso você precisa daquilo... E

cadê? Então,... procura no PDI e não localiza. Nós tivemos dificuldade para justificar

determinadas coisas na Pró-Reitoria junto a auditorias, por exemplo, onde é que isso está no

PDI? Vai no PDI e... Não está. [...]. Esse é o desafio. E eu diria até que o próximo Reitor tem

vários desafios, um deles é pegar esse PDI e reavaliar. Rearticulá-lo, porque o atual PDI

nosso é problemático” (S3).

Nessas falas dos gestores e nos registros dos documentos, há indicação de um processo

contraditório que interfere na construção identitária da instituição e influencia o modo como

as ações são pensadas e executadas em consonância com as políticas que chegam como

imposições externas. Por outro lado, o fato de serem os primeiros documentos elaborados para

o IFC explicita um caminho que vai sendo construído por um grupo, que sob o ponto de vista

da gestão também tem experiências ainda não consolidadas sobre o planejamento

institucional. ―No processo de tradução das políticas alguns líderes e administradores atentam

conscientemente para ‗desenhar atenção‘ à substância da política com a produção de materiais

visuais que documentam o que deve ser feito‖ (BALL, 2012, p. 121). Esses documentos são

artefatos que marcam a direção da política e reforçam o modo de responder “as auditorias”,

por exemplo. No entanto, quando elaborados superficialmente, causam constrangimentos.

No PE, no PDI e nos depoimentos dos gestores entrevistados, ou seja, tanto no

discurso falado quanto no escrito, há indícios de que a identidade institucional ainda está em

um espaço indefinido, encoberto pela névoa. A dificuldade de firmar-se uma identidade

assenta-se nas diferenças de perfis docentes, de tempo de vivência na instituição, da falta de

experiência com a gestão, de práticas e culturas individualizadas que, de repente, precisam ser

abrangentes e articuladas. Além disso, estão latentes as condições que precisam ser criadas

para ser uma instituição de pesquisa e pós-graduação aliada à necessidade de fabricar uma

imagem de compromisso da instituição com a política.

Em alguns aspectos até aqui destacados, o PE e o PDI são contraditórios com

diretrizes desconectadas, em que cada Pró-Reitoria e até mesmo os campi têm objetivos

distintos, o que caracterizam as disputas e os centros de poder que dificultam a integração e a

afirmação da identidade. Há constantes embates e necessidades de acordos para constituir-se

uma instituição de formação profissional, científica e tecnológica que, no âmbito do Ensino

Superior, possa transitar entre ensino, pesquisa e extensão. Para que isso possa ser alcançado,

o planejamento, que ainda é uma cultura a ser construída, é o fio de Ariadne no qual os

gestores por meio da decisão colegiada têm importante papel, pois dos acordos, das

Page 118: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

118

negociações e das disputas erigem as táticas que legitimam os discursos oficiais escritos e

falados, demonstrando a unidade de pensamento ou a ausência dela.

4.2 A MATRIZ DE CONSTITUIÇÃO DO P.PORTO: FORMAÇÃO TÉCNICA E ENSINO

SUPERIOR DE CURTA DURAÇÃO

A origem do Instituto Politécnico do Porto é longínqua. De modo geral, ele foi

pensado para a formação profissionalizante vinculada ao ensino secundário, com o objetivo de

atender às demandas econômicas do país, a exemplo do comércio, da indústria, da agricultura.

Até o início da década de 1970, o Ensino Superior português estava circunscrito a poucas

Universidades tradicionais, entre elas a de Lisboa, Porto e Coimbra, que se mostravam

incapazes de absorver as demandas crescentes por ingresso. No entanto, com a proposição da

Reforma Veiga Simão, intitulada Projecto do Sistema Escolar e as Linhas Gerais do Ensino

Superior (1971), discutida durante dois anos, foi aberta a possibilidade de argumentar sobre a

modernização e o desenvolvimento do país, situando a educação como meio para o

desenvolvimento. Após intensas discussões, o projeto tornou-se lei em 1973, apresentando o

conceito de democratização em um governo até então marcado pelo nacionalismo e pelo

conservadorismo (STOER, 1983).

Para Leão (2006), com a reforma Veiga Simão, tinha-se a esperança de que as

alterações introduzidas levassem ao surgimento de técnicos e cientistas que, como

profissionais, fossem ―[...] capazes de operar a modernização de um país, o que em Portugal

se repercutiria ao nível da superação de carências e da possibilidade de se poder vir a respeitar

compromissos assumidos com a OCDE na qual o principal fundamento é o econômico‖

(LEÃO, 2006, p. 49). Essa inferência da autora evidencia os redirecionamentos das políticas

internas e a rede de influências para proceder ajustes que contemplavam os acordos externos

firmados com os organismos internacionais. As indicações da OCDE estavam voltadas à

abertura da educação em massa como forma de suprir a carência de recursos humanos

qualificados para preencher os postos de trabalho. Conforme discutido anteriormente,

Portugal tinha grande elitização no acesso ao Ensino Superior e, por outro lado, estava sendo

pressionado por mais acesso a esse nível de ensino pela população que, após concluir o

Ensino Secundário, achava-se impedida de ascender ao Ensino Superior.

Com a Lei Nº 5, de 25 de julho de 1973, institucionalizaram-se as bases da reforma do

sistema educativo. Quanto ao Ensino Superior, assegurava-se que seria oferecido por ―[...]

Universidades, Institutos Politécnicos, Escolas Normais Superiores e outros estabelecimentos

equiparados‖ (PORTUGAL, 1973, p. 1318). No entanto, por um lado, os institutos estavam

Page 119: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

119

inseridos no Ensino Superior; por outro, no texto da mesma Lei, havia a diferenciação: as

universidades poderiam conferir o grau de bacharel, licenciado e doutor, enquanto os

institutos estavam limitados ao oferecimento do grau de bacharel com duração de três anos e

com perfil formativo para o exercício de profissões específicas.

Nos desdobramentos da reforma, com o Decreto-Lei Nº 402, de 11 de agosto de 1973,

foram criadas novas Universidades, Escolas Superiores de Educação e Institutos Politécnicos

com o objetivo de expandir e diversificar o Ensino Superior que levaria, pelo menos em tese,

ao desenvolvimento da sociedade portuguesa. No texto do Decreto-Lei, explicitava-se a

necessidade de ―[...] aumentar a escolaridade no ensino superior de modo a atingir-se uma

taxa de 9% para o grupo etário dos 18 aos 24 anos, o que impõe a expansão e diversificação

do ensino superior de curta e longa duração e de pós-graduação‖ (PORTUGAL, 1973, p.

1402).

A distinção entre Ensino Superior de longa e curta duração formalizou o perfil

formativo de cada uma das instituições, aqui entendidas, respectivamente, como universidades

e institutos, tendo início, assim, a dualidade - fato que se mantém até os dias atuais. Essa

diferenciação afetou a identidade dos Institutos Politécnicos que, até então, estavam

vinculados à oferta do ensino profissionalizante secundário. No artigo 4º do referido Decreto-

Lei, encontra-se a definição da natureza dos Institutos:

Os Institutos Politécnicos são centros de formação técnico-profissional, aos quais

compete especialmente ministrar o ensino superior de curta duração, orientado de

forma a dar predominância aos problemas concretos e de aplicação prática, e

promover a investigação aplicada e o desenvolvimento experimental, tendo em

conta as necessidades no domínio tecnológico e no sector dos serviços,

particularmente as de carácter regional. (PORTUGAL, 1973, p. 1402).

O que se tem aqui é a institucionalização do Ensino Superior de curta duração, voltado

não somente aos problemas concretos para aplicação na prática, mas também à investigação

aplicada, ao desenvolvimento experimental e ao domínio tecnológico no setor de serviços. Em

linhas gerais, a reforma do Sistema Educativo ocorrida antes da Revolução de abril de 1974

havia criado algumas situações que, de acordo com Leão (2006), culminaram com a

publicação do Decreto-Lei Nº 830, de 31 de dezembro de 1974, que criou os Institutos

Superiores de Engenharia. Esse Decreto foi publicado como resultado das pressões e das

mobilizações dos Sindicatos de Engenheiros e alunos dos institutos industriais que, ao serem

formados em cursos de três anos, eram discriminados dos formados pelas universidades com

duração de 4 anos. Essa alteração de institutos industriais para Institutos Superiores de

Engenharia foi facilitada

Page 120: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

120

[...] por um lado pelo facto da duração da escolaridade dos institutos industriais ser

semelhante à dos bacharelatos do ensino superior e por outro lado, pela

circunstância de o desempenho profissional dos diplomados pelos institutos

industriais estar bem conceituado. Ao grau de bacharel conferido pelos recém

criados institutos superiores de engenharia foi atribuído o título profissional de

engenheiro técnico, já existente. (LEÃO, 2006, p. 60).

Ainda que a ênfase continuasse a estar focada no título de engenheiro técnico, ficou

evidente a consistente formação oferecida (dado o bom desempenho dos alunos dos institutos)

e as pressões dos profissionais da área, o que contribuiu para o upgrade no título concedido.

Nos desdobramentos das alterações, por meio do Decreto-Lei Nº 313, de 26 de junho de 1975,

os Institutos de Coimbra, Lisboa e Porto, passaram a subordinação direta da Direção Geral do

Ensino Superior, fato que aconteceu também com os Institutos de Contabilidade por meio do

Decreto-Lei Nº 327, de 26 de maio de 1976. As ações tinham o objetivo de ampliar as

possibilidades de formação para o setor público, administrativo e empresarial. Aos poucos,

nas legislações posteriores, foram incluídas outras escolas e institutos, com o objetivo de

formar profissionais qualificados de nível superior.

4.2.1 Os Institutos Politécnicos no contexto de criação e expansão

Os contornos e as alterações do Ensino Superior de caráter mais pragmático,

ministrado nos institutos politécnicos, a partir do Decreto-Lei Nº 513-T/197943

, estavam, de

modo geral, atrelados às recomendações das instituições internacionais, nomeadamente FMI,

UNESCO, OCDE e Banco Mundial, nas quais predominavam as diretrizes para uma atuação

mais próxima às necessidades regionais, e o desenvolvimento da pesquisa, principalmente a

acadêmica, estava ausente. No referido Decreto, havia o reconhecimento formal de que o

Ensino Superior Politécnico, marcado por características profissionalizantes, se distinguia do

universitário: ―[...] de características mais conceptuais e teóricas, traduzindo a real

diversificação operada no âmbito do sistema de ensino superior, é o resultado de uma opção

ditada por razões de eficiência e de adequação daquele sistema à estrutura sócio-econômica

[...]‖ (PORTUGAL, 1979, p. 3350-3361).

Na sequência, exaltava-se a ―pretensão‖ de conferir ao sistema politécnico ―dignidade

idêntica‖ a que tem o sistema universitário, o que intensificava a ideia de que não havia

igualdade de reconhecimento para os dois sistemas.

Ao ensino superior politécnico, ao qual se pretende conferir uma dignidade idêntica

ao universitário, incumbe, em íntima ligação com as actividades produtivas e

43

Conforme referido no capítulo três desta tese, nos anos de 1970, também foi necessário limitar o acesso ao

Ensino Superior por meio do numerus clausus.

Page 121: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

121

sociais, formar educadores de infância, professores dos ensinos primário e

preparatório e técnicos qualificados nos domínios da tecnologia industrial, da

produção agrícola, pecuária e florestal, da saúde e dos serviços, sendo essa formação

conferida por escolas superiores de educação e escolas superiores técnicas,

respectivamente. (PORTUGAL, 1979, p. 3350-3361).

Na década de 1980, seguindo as linhas já implantadas quanto à formação oferecida nos

institutos politécnicos, a formação das massas alinhava-se à profissionalização na afirmação

de uma identidade marcadamente técnica, embora inserida no nível superior.

Com a aprovação da Lei de Bases ocorrida em 1986, os graus conferidos pelo ensino

superior eram bacharel, licenciado, mestre e doutor, porém os objetivos do ensino

universitário e do ensino politécnico seguiam linhas diversas.

O ensino universitário visa assegurar uma sólida preparação científica e cultural e

proporcionar uma formação técnica que habilite para o exercício de atividades

profissionais e culturais e fomente o desenvolvimento das capacidades de

concepção, de inovação e de análise crítica.

O ensino politécnico visa proporcionar uma sólida formação cultural e técnica de

nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e de análise crítica e ministrar

conhecimentos científicos de índole teórica e prática e as suas aplicações com vista

ao exercício das actividades profissionais. (PORTUGAL, 1986, p. 3071).

No texto da Lei, é possível perceber a distinção na formação. Na primeira, a

preparação é científica, cultural e técnica. Na segunda, a formação é cultural e técnica. A

capacidade de inovação e análise crítica está nos dois, mas a ênfase na índole teórica está na

primeira, enquanto a prática está na segunda. Conforme Leão (2006), com a aprovação da Lei,

ocorreu a aproximação aos princípios internacionais considerados elementares para a

democratização do sistema, a exemplo do planejamento. Nessa lógica, a diferenciação entre

os subsistemas mantém-se inclusive com as alterações posteriores efetuadas na referida Lei

nas décadas de 1990 e 2000, visando adequação à Declaração de Bolonha.

4.2.2 A Declaração de Bolonha e as implicações para a organização do Ensino Superior

português

Com a Declaração de Bolonha, o Ensino Superior português sofreu drásticas

mudanças com o objetivo de adequar-se às novas regulações externas, provocando o

deslocamento das agências internacionais, entre elas o Banco Mundial, a OCDE e a

UNESCO, que passaram a atuar em segundo plano, por meio de estudos, de relatórios, de

avaliações e de divulgação de resultados, cedendo, assim, o lugar de protagonista à União

Europeia como Instituição responsável pelo desenvolvimento do projeto implantado por meio

de Bolonha, pois quem assina, novamente, são os integrantes dos Estados Membros. No

entanto, as influências daqueles organismos quanto à organização do ensino foram as bases

Page 122: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

122

constituintes para a organização após Bolonha que, além de manter a dualidade pré-existente,

formalizou o encurtamento nas formações e intensificou, entre outros, os processos

avaliativos externos.

Ao analisar as alterações efetuadas na Lei de Bases nos anos de 1997 e 2005, fica

evidente o alargamento dos objetivos concernentes ao Ensino Superior na perspectiva de

―educação ao longo da vida‖ e do conhecimento dos problemas globais, principalmente os

europeus. Na alteração de 2005, no Artigo 12 que tratava sobre o acesso ao Ensino Superior,

foi incluído o item 7: ―Os trabalhadores-estudantes terão regimes especiais de acesso e

ingresso e de frequência do ensino superior que garantam os objectivos da aprendizagem ao

longo da vida e da flexibilidade e mobilidade dos percursos escolares‖ (PORTUGAL, 2005,

p. 5122).

Além dessa inserção, outros itens foram alterados no Artigo referente aos objetivos do

Ensino Superior. Como exemplo, cita-se a letra ―f‖ que, na Lei de 1986, constava: ―Estimular

o conhecimento dos problemas do mundo de hoje, em particular os nacionais e regionais,

prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de

reciprocidade‖ (PORTUGAL, 1986, p. 3071). Já na Lei de 2005, a redação desse item passou

a ser: ―Estimular o conhecimento dos problemas do mundo de hoje, num horizonte de

globalidade, em particular os nacionais, regionais e europeus, prestar serviços especializados

à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade‖ (PORTUGAL, 2005, p.

5122).

O acesso ao Ensino Superior foi tratado nas três versões. Enquanto nas versões de

1986 e 1997 a idade para o acesso ao Ensino Superior, por meio de prova específica, aos não

habilitados no ensino secundário, era de 25 anos; na versão de 2005, essa exigência foi fixada

em 23 anos.

Na distinção entre o ensino universitário e o politécnico, foram acrescentados: ―O

ensino universitário, orientado por uma constante perspectiva de promoção de investigação e

de criação do saber [...]‖, ―O ensino politécnico, orientado por uma constante perspectiva de

investigação aplicada e de desenvolvimento, dirigido à compreensão e solução de problemas

concretos [...]‖ (PORTUGAL, 2005, p. 5122). O destaque é para o olhar global e o contexto

europeu na prestação de serviços.

É notório que os Politécnicos são o resultado das políticas de promoção do

desenvolvimento local e regional (CARDOSO et al., 2007). O que se tem com essa alteração

é o aprofundamento da dualidade e a diferenciação dos dois subsistemas entre a investigação

Page 123: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

123

científica e a investigação aplicada, entre um itinerário formativo mais voltado ao campo

teórico e outro mais voltado à prática conforme representado na Figura 10 a seguir.

Figura 10 - Representação dos subsistemas de ensino Português

Fonte: Elaborada pela autora com base na Lei de Bases (2005).

Essa dualidade pode ser analisada sob várias dimensões, mas a distinção entre os seus

objetivos pode ser interpretada quanto à organização curricular, à duração dos cursos, ao

vínculo profissionalizante e à ―lógica de organização regional‖ (ARROTEIA, 1996, p. 38).

Naquele contexto, fazia-se necessário também investir na possibilidade de reduzir as

assimetrias regionais apostando no Ensino Superior como uma das possibilidades para

promover o acesso a alunos procedentes de outros extratos sociais desejosos de ingressar

nesse nível de ensino, conforme recomendações do Banco Mundial que, de certo modo, foram

ratificadas pela UE.

Era necessário criar cursos e formar recursos humanos que respondessem às

exigências do mercado, mais especializados e técnicos, capazes de ―[...] incentivar linhas

específicas de investigação nas quais se aliam as instituições de ensino superior e as empresas

[...]‖ (ARROTEIA, 1996, p. 66). O interesse percorria um caminho de mão dupla entre a

investigação e a organização das empresas possibilitando transferir experiências nos dois

sistemas. Por outro lado, era indispensável perceber o caráter dinâmico da lógica

Page 124: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

124

profissionalizante que necessitava se adequar rapidamente às transformações do cenário. ―[...]

há funções e profissões que morrem, enquanto outras nascem, ao mesmo tempo em que as que

permanecem vão modificando seu perfil de competências‖ (SIMÃO; COSTA, 2000, p. 28).

Outro ponto importante referia-se à imagem social criada sobre o ensino politécnico,

na maioria das vezes formulados sobre a lógica comparativa entre o ensino universitário e o

politécnico, esquecendo que este tem uma identidade própria e que difere dos referenciais

dominantes na sociedade portuguesa baseados no ensino academicista, situando-o em um

plano inferior àquele (SIMÃO; COSTA, 2000; SEIXAS, 2003). No entanto, as alterações

estavam muito mais vinculadas ao ensino politécnico do que ao universitário, que continuava

a ser de cinco anos na maior parte dos cursos de licenciatura e distantes das qualificações do

mercado de trabalho (STOER, 1986).

Nesse sentido, reveste-se de fundamental importância perceber a existência de dois

paradigmas formativos e vocações institucionais distintas sem que um seja superior ou

inferior ao outro. ―[...] os dois paradigmas formativos têm condições idênticas para fazer a sua

própria afirmação, em matéria de qualidade científica, de exigência técnica e, ainda da

respectiva moldura vocacional‖ (SIMÃO; COSTA, 2000, p. 45). Contudo, para além da

dualidade presente no Ensino Superior português, prevista na legislação, na prática, os

Institutos Politécnicos avançaram e, atualmente, contam com sólidas áreas de pesquisa

desenvolvidas em parcerias nacionais e internacionais, o que, apesar de não estar na Lei de

Bases (2005), possibilita acrescentar mais um elemento à Figura 10 anteriormente apresentada

(Ver Figura 11).

Page 125: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

125

Figura 11 - Evolução do Sistema Politécnico na prática

Fonte: Elaborada pela autora com base na Lei de Bases (2005).

As atividades de Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços estão presentes em todas as

unidades orgânicas do P.Porto. Em consultas aos sites das diversas unidades, são encontrados

destaques que informam ao público as atividades de pesquisa, laboratórios, parceiros e

projetos que estão sendo desenvolvidos com instituições nacionais e internacionais. No site do

P.Porto, encontra-se, ainda, a informação de que ao todo somam 30 grupos de investigação.

Ao enfrentar os desafios impostos pela legislação, as instituições representadas por seus

gestores vão construindo caminhos e alternativas que aproximam ensino, pesquisa e prestação

de serviços na geração de produtos, que, de certo modo, reverte em reconhecimento social.

Isso revela as movimentações dos subsistemas no sentido da ocupação do mesmo espaço e

das disputas pelo reconhecimento que provoca o sombreamento das áreas formativas e, ao

mesmo tempo, expressa uma resposta real às limitações impostas pela legislação, como, por

exemplo, o impedimento de ofertar doutoramentos pelos politécnicos.

Page 126: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

126

Esse é um exemplo de que os impactos sociais de uma política extrapolam a dimensão

escrita, pois é no campo social que são geradas e, ao mesmo tempo, sentidos os conflitos e as

disputas que, por sua vez, alteram as relações entre os contextos e estabelecem a competição

(BALL, 1998).

O que se tem nesse momento no contexto português de Ensino Superior é uma

situação complexa que extrapola os limites da legislação e se concentra na ação, devido ao

reposicionamento das organizações universitárias e politécnicas. O decréscimo da taxa de

natalidade provocou uma retração na procura ao Ensino Superior, o que levou as instituições

dos dois subsistemas a buscar por ―[...] novos públicos [...] e práticas competitivas sem

precedentes pela atração de alunos‖ (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008, p. 11). Uma, a

universidade, desejosa de manter-se no lugar de destaque historicamente construído; e a outra,

a politécnica, ansiosa por conquistar um lugar historicamente negado pela legislação e que se

aprofundou com o Processo de Bolonha. Uma das reivindicações dos Institutos Politécnicos é

que tenham permissão do Ministério para utilizar a designação ―University of Applied

Science‖ (Universidade de Ciências Aplicadas) nos documentos oficiais de divulgação

produzidos em língua estrangeira, conforme ocorre na Associação Europeia de Instituições de

Ensino Superior (EURASHE).44 Essa designação é comum em alguns países europeus, a

exemplo da Alemanha e da Suécia que têm sistemas binários de Ensino Superior. Além do

fato de que a padronização da designação pode contribuir para o estabelecimento de parcerias

internacionais, captação de alunos, visibilidade e reconhecimento como instituição

pertencente ao espaço europeu de ensino superior com uma identidade efetivamente vinculada

à pesquisa e à Pós-Graduação.

4.2.3 O olhar dos gestores sobre a identidade do P.PORTO nos documentos institucionais

Os documentos institucionais de maior relevância para este estudo são o Planejamento

Estratégico (PE) (2014-2018) e o Manual da Qualidade (2015), pois, além de serem

documentos norteadores das políticas e ações do P.Porto, foram produzidos de modo

articulado, expressando a complementariedade. Isso ficou muito presente nas falas dos

gestores, tanto para expressar sua concordância com o documento e o processo desenvolvido

na sua produção ou para ignorá-lo, negá-lo em suas afirmações.

44

Notícia veiculada em 22 de outubro de 2016. Disponível em:

<https://www.publico.pt/sociedade/noticia/politecnicos-querem-outorgar-grau-de-doutor-e-ser-universidades-de-

ciencias-aplicadas-1748458>. Acesso em: 10 nov. 2016.

Page 127: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

127

―A estrutura metodológica teve por base práticas internacionais de planeamento

estratégico no ensino superior‖ (P. PORTO, 2014, p. 11). A utilização dessa estrutura no

processo de elaboração e de discussão pretendeu ser participativo, processo também

reconhecido pelos gestores. Palavras como rankings internacionais, investigação científica

aplicada, reposicionamento competitivo, racionalização necessária das ofertas formativas

existentes, aprendizagem ao longo da vida, estratégia comum, recursos partilhados e

internacionalização estão em evidência ao longo do texto.

De acordo com o documento do Planejamento Estratégico, a missão do P.Porto é:

[...] criar e disseminar conhecimento, ciência, tecnologia e cultura, e dotar os seus

estudantes de competências técnicas, científicas, artísticas e transversais, articulando

o conhecimento com a ação e, assim, construir-se em agente de transformação dos

territórios nacionais e internacionais em que intervém, contribuindo para o

desenvolvimento inteligente da sociedade. (P.PORTO, 2014, p. 15).

Ao destacar a criação e a disseminação do conhecimento e sua articulação com a ação,

embora não prevista em lei, a pesquisa como produção de conhecimento está nas entrelinhas,

vinculada à prestação de serviços, como contribuição ao desenvolvimento da sociedade. A

visão do instituto é a de afirmar-se ―[...] como instituição nacional de excelência, num quadro

de referência internacional, constituindo-se como agente ativo de transformação e

qualificação‖ (P.PORTO, 2014, p. 15). Do ponto de vista organizativo, o PE é composto pelos

objetivos estratégicos divididos em cinco eixos:

formação;

investigação e desenvolvimento e transferência de conhecimento;

internacionalização;

governação e gestão estratégica e pessoas;

cultura e cidadania.

Decorrentes dos eixos de intervenção, estão presentes os objetivos operacionais com

as ações a concretizar. Todos os eixos de algum modo estão articulados ao reposicionamento

competitivo do P.Porto, ou seja, tornar a instituição competitiva nacional e

internacionalmente.

Essa é uma característica presente na maioria das instituições de Ensino Superior nas

últimas décadas, a qual se aproximam dos pressupostos neoliberais na educação. Ao adotar

parâmetros da iniciativa privada para o gerenciamento das instituições públicas, as práticas de

gestão são transformadas e orientadas para o cliente com ―[...] decisões instrumentalistas

Page 128: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

128

guiadas pela eficiência, custo-eficácia, busca por competitividade [...] e de novas técnicas

gerenciais, tais como gerência da qualidade total (GQT) e gerência de recursos humanos

(GRH)‖ (BALL; GEWIRTZ, 2011, p. 200).

Sobre o processo de reconhecimento internacional, S8 destacou: “Nós temos feito uma

aposta em sermos uma grande instituição. Somos o maior Politécnico do país, maior que o

Politécnico de Lisboa. Somos a quarta, quinta, maior instituição, mesmo considerando as

universidades, em termos de alunos”. Tornar-se uma grande instituição significa ser

competitiva no contexto português e europeu.

O Manual de Qualidade, outro instrumento de gestão, prima pela adequação às normas

do espaço europeu de Ensino Superior, com ênfase no controle constante da qualidade

institucional. Portanto, diz respeito especificamente à política e à estratégia da garantia da

qualidade quanto ao ensino e à aprendizagem, à investigação e ao desenvolvimento e à

transferência de conhecimento.

Quando questionados sobre o processo de elaboração do Planejamento Estratégico, de

modo geral, os gestores consideram que foi participativo e que todos os segmentos

institucionais, a exemplo de professores, alunos, funcionários e comunidade, estavam

representados. “O Plano de Desenvolvimento Institucional foi algo bastante participado. Nós

envolvemos todas as nossas Escolas, criamos grupos abertos onde as pessoas puderam

discutir vários temas, pesquisa e desenvolvimento, a parte da formação, da pedagogia, a

parte da internacionalização, a organização interna [...]. Foi um modelo participativo,

tivemos também apoio de uma consultora que nos ajudou em todo esse processo” (S8). A

metodologia utilizada foi sucintamente descrita em um diagrama no PE, no qual a

―Participação da comunidade – Abordagem Escola e Participação da comunidade –

Abordagem entre Escola e transversal‖ estão ligadas às ―estratégias de reposicionamento do

IPP‖, aos ―traços estruturais do IPP‖, às ―macrotendências de evolução impactantes da IES‖ e

ao ―contexto‖ (P.PORTO, 2014, p. 11). Essas ligações podem ser consideradas um modo de

demonstrar o processo de diálogo evidenciado pelos gestores.

Outros gestores ainda destacaram: “[...] fizemos uma reflexão interna muito profunda,

[...] ao nível de todas as unidades orgânicas, para identificar, os clusters de formação de

cada uma das Escolas. [...] chegamos à conclusão, que para aumentar de fato a nossa massa

crítica, das formações ministradas no Politécnico, haveria a necessidade, assim mais

premente, portanto, de extinguir uma Escola, criar duas novas Escolas, que é o que se está,

nesse momento, nessa fase, concreta; e reajustar, realocar cursos” (S3); “[...] criar o

máximo de concentração das áreas científicas em um determinado núcleo, ao qual chamaram

Page 129: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

129

de cluster” (S4). O depoimento dos gestores destaca o processo de redefinição estratégica da

instituição em relação à política marcada por algumas táticas: participação de todos os

envolvidos, busca de unidades orgânicas, identificação e mapeamento dos clusters (identidade

ou força), e redesenho da estrutura administrativa com decisão de expansão para concentração

em áreas científicas. Essas táticas como se vê estão dirigidas para o fortalecimento da

identidade de instituição diferenciada na formação para concorrer no âmbito nacional e

internacional.

Nesse sentido, destacam-se, aqui, as falas de S1 e S6, mas que representam a

totalidade dos posicionamentos dos entrevistados quanto à alteração da identidade

institucional. A fala de S1 salienta o processo de resistência que permeou o reposicionamento

estratégico. “As instituições têm a sua história e tendem a ser muito resistentes a alterações

que mudem o perfil das instituições. Portanto, era um processo que, se adivinharia, muito

complicado, claro que houve algumas resistências, mas, no Conselho Geral, acho que não

houve nenhum voto contra e houve, não sei, duas abstenções; se não foi isso, foi muito perto

disso. Digamos que acaba por ser uma decisão muito consensual, embora, insisto, com

algumas resistências, mas no geral foi, digamos, bem aceito. O que mostra que não foi

propriamente um processo top-down, o que, aliás, seria muito difícil de realizar-se numa

lógica meramente top-down, criaria resistências que seriam muito difíceis de gerir; portanto

houve meio que um misto, de top-down e down-top, que permitiu que o processo se

desenrolasse, como diria, de uma forma bastante pacífica” (S1); ”[...] foi participado.

Naturalmente, o Plano Estratégico inclui opções estratégicas e as opções estratégicas sejam

elas quais forem nunca são do agrado de toda a gente, como também é perfeitamente

natural” (S6). Os depoimentos desses dois gestores vêm ao encontro das ideias de Ball ao

esclarecer que, no âmbito da prática, diversos atores agem e negociam em um processo muito

centrado nas realidades institucionais. Há um movimento de resistência, adesões e acordos

presente na tessitura da reorganização institucional.

Outros gestores também esclareceram que as alterações planejadas e levadas a efeito,

naquele momento, geraram constrangimentos e afetaram a vida das pessoas, principalmente

para aquelas mais diretamente envolvidas nesse processo. “[...] ser uma escola e tirar parte

deste e daquele curso ou até acabar com a escola em si, embora se criasse uma nova escola;

são sempre alterações difíceis” (S2); “Claro que tudo isto, depois, levanta questões sérias

quanto ao reposicionamento, envolvidas aos estudantes, aos docentes, porque implica que

alguns cursos transitem para outras unidades orgânicas, para outras Escolas e, portanto, isto

é muito difícil de implementar. É fácil conceitualizar, mas é muito difícil de implementar”

Page 130: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

130

(S6); “[...] o que eu posso dizer é que realmente é a mudança uma coisa muito difícil para

todos nós” (S4); “[...] claro que vai implicar alterações na vida de algumas pessoas, é a

parte que mais me custa também como gestor, prezo muito fazer tudo para que os docentes

que trabalham na instituição tenham as condições ótimas e até, também, em termos pessoais,

para exercerem sua atividade” (S7).

Novamente, estão em pauta as negociações e o jogo de forças que implicam

reposicionamento e seleção de disciplinas e cursos no interior da instituição. Nesse sentido, o

currículo é negociado por sujeitos, que organizados em grupos expressam suas demandas,

engendrando-as em meio às relações de poder, como resultado das disputas travadas no

âmbito governamental ou institucional, como nesse caso (LOPES; MACEDO, 2011b).

De modo geral, os gestores concordam com os eixos prioritários e objetivos

estratégicos e operacionais presentes no documento. Eles citaram, por exemplo, os estudos

contratados pela instituição por assessorias externas. Entretanto, como o consenso em grandes

instituições é algo difícil de conseguir, também aqui há gestores que preferem se manter à

margem do processo, não reconhecem as políticas institucionais ou não se sentem

representados por elas. Quando questionado sobre as atuais políticas do P.Porto, o gestor (5)

limitou-se a dizer: “Isso terá que perguntar ao IPP [...], não somos nós que fazemos as

políticas do IPP”. Ele manifestou seu incômodo ao abordar tais questões e, de certo modo,

negou a pertença institucional. De forma acentuada também foi a resposta de (S2) ao fazer

referência à política institucional: “[...] se me perguntar por uma política geral do IPP que

depois aqui seja posta em prática, eu não vi, acho que as escolas o que fazem é elaborar a

sua própria política exceto, por exemplo, pelo orçamento que vem do IPP [...]” (S2).

Esse movimento que vem ocorrendo no P.Porto não pode ser compreendido de modo

isolado, pois há toda uma configuração de políticas, influências e regulações supranacionais e

nacionais discutida em capítulos anteriores, que, no âmbito da União Europeia, traz reflexos

para os Estados, entre eles Portugal. Ao readequarem suas políticas internas na lógica do

Processo de Bolonha, impeliram que as instituições também buscassem realizar ações que

lhes colocassem em condições de igualdade com outras instituições, tanto internas quanto

externas.

Como resultado, a lógica que vem norteando as ações institucionais submete a

educação, e, principalmente, a educação superior às leis do mercado, que fica refém da

racionalidade técnica, altamente amparada por ferramentas de administração, a exemplo de

consultorias externas, eficiência, qualidade, avaliação em larga escala. Nessa perspectiva,

possibilitam competir em várias arenas, entre elas a oferta formativa, a qualidade, os alunos,

Page 131: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

131

os quais, como clientes, compram um produto vendável no mercado do Ensino Superior: a

formação. No eixo de governação e gestão estratégica, encontra-se: ―Consolidação do IPP

como instituição pública pautada por valores de accountability, segundo um modelo de

organização racional e colaborativo‖. Para esse eixo, há vários objetivos estratégicos, entre

eles: ―Generalizar na instituição uma prática sistemática de avaliação da satisfação dos

stakeholders‖ e ―Implantar o Sistema Interno de Garantia da Qualidade, unitário e integrado,

nas vertentes Ensino/Aprendizagem e Serviços‖ (P.PORTO, 2014, p. 28).

No decorrer das entrevistas, os outros gestores e também S5 e S2 foram citando

algumas ações que estão em desenvolvimento. Ao analisar a fala dos gestores e os eixos do

Planejamento Estratégico, considera-se, aqui, que ambos estão alinhados, pois os gestores, em

sua maioria, reconhecem tais ações como políticas e expressam sua concordância. A atual

política de maior importância para os gestores e que está em pauta de discussões dos últimos

anos será concretizada a partir do ano letivo de 2016, conforme detalhamento efetuado no

capítulo da metodologia desta tese. Para os gestores, essa política está centrada na ação de

“[...] clarificar, digamos, a área essencial de cada uma destas escolas” (S1); “[...] procurou-

se, no âmbito de uma reflexão sobre a política em geral, reorganizar a nossa oferta

formativa” (S2); “[...] o Politécnico do Porto está a implementar aquilo que neste momento

foi o desenvolvimento de seu Plano Estratégico, plano de reposicionamento estratégico”

(S6); “[...] o realinhamento é uma questão interessante e só peca por tardio [...] é mais

importante para o Instituto do que para nossa escola que já tem uma dimensão suficiente

uma área bem definida” (S5).

Os gestores destacam a necessidade de concentrar e aumentar a massa crítica de cada

área do conhecimento que está intimamente ligada à imagem institucional, com uma

identidade claramente definida. Tem-se aqui a ideia da essência, da existência e da associação

entre as duas (URBANO, 2011a, 2011b). O P.Porto objetiva competir por visibilidade no

espaço do Ensino Superior português. Nesse sentido, o realinhamento das áreas e a realocação

dos cursos entre as unidades têm o objetivo de racionalizar investimentos e custos. Conforme

vem-se discutindo e também presente nos depoimentos dos gestores na Elaboração do

Planejamento Estratégico, foram contratadas assessorias externas, ou seja, experts em

planejamento, descentralização e racionalização de recursos e pessoas para alcançar a

competitividade em uma estrutura heterárquica. ―Dentro e através desta heterarquia e de

muitos outros como ela, novas sensibilidades organizacionais, valores, perspectivas,

interesses e narrativas políticas são colocadas em jogo e legitimadas‖ (BALL, 2009, p. 2).

Page 132: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

132

Nessas configurações, a performatividade é o cume da governança que, ao seduzir

colaboradores, ganha em eficiência e visibilidade (BALL, 2012a).

Trata-se de uma política institucional que, de forma agressiva, se impõe perante as

limitações estabelecidas pela legislação. A realocação envolve não somente a criação e a

extinção de escolas e cursos, mas também a aquisição de prédios em locais mais centrais, a

exemplo dos localizados no Polo Universitário, marcando a atuação institucional em espaços

demarcados por outras instituições em áreas específicas. Além da alteração da marca

institucional que deixa de ser ―IPP‖ para tornar-se ―P. PORTO‖, “dentro de um plano ainda

mais geral de valorização da imagem do próprio IPP; coisas também como o próprio

logotipo, a designação das Escolas, que ainda recentemente foi alterada, as relações com a

comunidade... Tudo isso foi bem pensado e foi planejado; coisa que até aí não tinha sido

feito, não tinha sido feito desse modo, tinha sido mais adhoc, feito um bocadinho segundo as

circunstâncias..” (S2); “[...] à nova imagem, eu diria, à nova oferta formativa do IPP” (S4).

Essa imagem evoca a ideia do novo, de reinventar-se, de uma empresa de sucesso altamente

engajada em conquistar clientes (COSTA, 1996), mas também uma arena política na qual as

decisões são negociadas entre grupos de maior ou menor poder e influência.

Ao longo deste capítulo, foram apresentados elementos que auxiliam na compreensão

de como a identidade dos dois Institutos vai sofrendo, em tempos distintos, a metamorfose

entre a identidade técnica e profissional que os constituiu e a que se apresenta hoje. Ambas as

instituições foram criadas para responder às necessidades de formação em um tempo histórico

situado e como fruto das políticas de governo em seus contextos específicos. Atualmente,

estão inseridos no Ensino Superior com o alargamento de suas atividades, o que fatalmente

interfere na construção da identidade e atinge gestores e professores. A identidade é

continuamente cingida pelas demandas e pelas contingências externas.

Como reflexo da competitividade e da globalização a que estão expostas, as duas

instituições fazem uso de ferramentas de gestão, nomeadamente o Planejamento Estratégico,

que, como diretriz da política, é um documento adotado em todas as instituições. Os

depoimentos dos gestores trouxeram evidências do modo como os documentos foram

elaborados. Em ambos, a metodologia apresentada nos documentos pretendeu ser

participativa, mas os gestores, em alguns casos, têm posicionamentos distintos sobre o

processo.

No IFC, a consulta aos documentos e os depoimentos dos gestores possibilitaram

perceber que há carência de articulação e integração entre o PE e o PDI, com uma cultura de

planejamento e resultados que ainda está em processo de construção. No P.Porto, o PE e o

Page 133: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

133

Manual de Qualidade estão articulados com maior aproximação entre os objetivos e diretrizes,

com uma cultura sólida de planejamento e resultados em médio e longo prazo, o que também

está relacionado ao tempo de existência institucional. Enquanto o P.Porto tem décadas de

experiência em gestão e planejamento, o IFC, com menos de uma década, vai de modo

embrionário construindo as experiências de gestão e planejamento, ao elaborar suas diretrizes

institucionais.

Nos dois Institutos, estão latentes as disputas de poder, os acordos, as resistências e as

táticas que são construídas após a leitura inicial da política, ou seja, a sua interpretação. São as

respostas forjadas após a pergunta: O que vamos fazer? Nesse sentido, ao colocar em pauta o

desenvolvimento regional, o IFC direciona seu olhar para as carências regionais onde seus

campi estão instalados, com o viés na inclusão social, fruto de uma política de governo que,

de certo modo desafiou as recomendações internacionais quanto à redução de financiamento

estatal, com a criação da Rede Federal, o que beneficiou uma parcela significativa da

população. No P.Porto, no contexto da União Europeia e de Bolonha, as instituições de

Ensino Superior vivenciam a dualidade do sistema e estão mais voltadas à competitividade e à

prestação de serviços. No entanto, o ponto crucial de todo esse processo é identificar como os

gestores no exercício de suas funções traduzem as diretrizes da política. Essa e a tarefa dos

próximos capítulos.

Page 134: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

134

5 INTERPRETAÇÕES E TRADUÇÕES DA POLÍTICA NO IFC

Aí é que estava a esperteza do Camarada Napoleão - disse.

- Ele fingira ser contra o moinho de vento, apenas como manobra

para livrar-se de Bola-de-Neve, que era um péssimo caráter e uma

influência perniciosa. Agora que Bola-de-Neve saíra do caminho, o plano

podia prosseguir sem sua interferência. Isso era uma coisa chamada tática.

Repetiu inúmeras vezes “Tática, camaradas, tática!”, [...]. [...] não estavam muito

certos do significado da palavra, mas Garganta falava tão persuasivamente [...] que

aceitaram a explicação sem mais perguntas.

(ORWELL, 2000, p. 19-20).

Nos capítulos anteriores, empreendi o desafio de articular a rede de influências das

políticas globais à elaboração das políticas nacionais, de forma a evidenciar o processo pelo

qual as regulamentações afetam a identidade institucional. Como fio de Ariadne, venho

traçando uma discussão do global para o local e, neste, no micro espaço institucional. Neste

capítulo e no próximo, proponho-me especificamente, conforme assinalado na introdução, a

identificar as estratégias e as táticas adotadas pelas instituições, com vistas a

implantação/consolidação da Pós-Graduação e da pesquisa no contexto de reorganização

como instituições de Ensino Superior.

Nestes dois capítulos, as entrevistas realizadas com os gestores são a expressão

máxima desta tese porque representam as estratégias e as táticas utilizadas por eles, no

contexto institucional, para responder aos desafios impostos por condicionantes externos, a

exemplo da rede de influências articulada às políticas e à materialização do ciclo de políticas,

que expressa a mobilidade das ideias desde o contexto de influências até o contexto da

prática. Nesse movimento, os espaços da gestão são singulares porque transitam pelas várias

dimensões que compõem uma instituição e expressam o como fazer na prática. Assim ficam

evidentes as lutas travadas, as disputas de poder, os consensos construídos. Por esse motivo,

retomo a tese de que, na tradução das políticas, no contexto da prática, os institutos constroem

suas estratégias e suas táticas forjadas em redes de poder e disputas sustentadas na luta pela

construção/afirmação da identidade institucional no campo do Ensino Superior, buscando

reconhecimento nas atividades relacionadas à Pós-Graduação, pesquisa e produção de

conhecimento.

Ao olhar para o local (IFC) e suas peculiaridades, é preciso considerar a complexidade

das políticas públicas e suas redes de conexões com o macro contexto. É um exercício de

compreensão na perspectiva da tradução da política e sua vinculação aos contextos

econômicos, sociais, políticos, culturais, profissionais e educacionais, por si só complexos.

Ao considerar o conjunto de fatores que influenciam a caminhada do IFC, a trajetória

Page 135: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

135

profissional dos gestores é indicadora, neste caso, também do itinerário formativo que cada

um deles vivenciou.

Para efeitos de análise, as entrevistas foram organizadas em quatro tópicos: Dilemas

da transição da identidade de professor/pesquisador para gestor; Contradições da política:

diretrizes, avaliação e realidade em movimento; Fragilidades do diálogo e articulação do

planejamento entre setores; Estratégias de tradução da política no IFC.

5.1 DILEMAS DA TRANSIÇÃO DA IDENTIDADE DE PROFESSOR/PESQUISADOR

PARA GESTOR

Para apreender, ainda que brevemente, os dilemas da gestão vivenciados pelos

entrevistados, neste caso específico, necessário faz-se considerar suas experiências nos

âmbitos da profissão e da gestão. Em um contexto marcado pela acelerada expansão

institucional, havia a influência de pelo menos quatro variáveis, pois, como discutido no

capítulo 2, a maioria dos gestores que ingressou após a criação do IFC não vivenciou o

movimento de transição e assumiu precocemente as funções de gestão. Assim, a instituição

iniciava sua atuação em áreas totalmente distintas das até então praticadas, havia a inserção

em um novo nível de ensino com perfil formativo diferenciado, aumento repentino nos

números de professores e funcionários e urgência na ampliação da infraestrutura.

Os discursos dos gestores por si só são reveladores de alguns fatores a considerar:

elevada formação, pouco tempo no quadro de efetivos da instituição e o desafio de assumir

precocemente funções de gestão. Ou seja, na maioria dos casos, são professores novos na

instituição e na gestão da pesquisa, mas com experiência na realização de pesquisas. No

entanto, o fato de desenvolver pesquisa em um projeto como pesquisador ou como bolsista

difere do ato de planejar e pensar a pesquisa institucionalmente, fato este discutido pelos

entrevistados.

S7 reconhece que ser bolsista de pesquisa e ser gestor de pesquisa são atribuições

distintas que requerem habilidades diversas. ―Uma coisa é ser mestrando e doutorando como

bolsista, e ter que correr atrás de verba; outra coisa é estar no outro lado tentando

implementar essas políticas aqui.” Essa afirmação é reveladora do esforço de criar-se uma

cultura de pesquisa institucionalizada, que implica criar estratégias para responder aos

desafios impostos pelas políticas, nesse caso, inserindo profissionais que reconhecem a

importância de realizar-se pesquisas, dada sua formação, mas que reconhecem também a

necessidade de domínio de outras competências para a gestão da pesquisa e sua implantação

Page 136: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

136

em um contexto culturalmente forjado e predominantemente constituído pela atividade de

ensino técnico.

Nesse contexto, o que se tem é um processo que exige transitar entre várias

identidades nas quais os neo gestores estão envolvidos. Todos constituíram-se pesquisadores

durante o processo formativo, mas, para além disso, são pessoas e professores, portanto

também com uma identidade em construção transitando entre as identidades pessoais e sociais

que, separadas e integradas, recebem continuamente tanto influências internas como externas.

No entanto, essas identidades também necessitam ser consideradas em tempos e situações

específicas (OLSEN, 2008).

A complexidade natural do processo de constituição da identidade dos docentes

gestores, nos limites desta pesquisa, é acrescida pelo processo de mudança de identidade

institucional. A travessia entre Colégios Agrícolas/Escolas Agrotécnicas para IFC altera sua

identidade institucional – do ensino, para o ensino, a pesquisa e a extensão –, mas também é

alterada pelas ferramentas de gestão introduzidas nas instituições públicas que se aproximam

da cultura de resultados, com a exigência do planejamento em longo prazo. Nessa lógica:

Os pontos-chave de ligação entre a reestruturação e a reavaliação (ou

redirecionamento ético) do setor público são os discursos de excelência, efetividade

e qualidade e a lógica e cultura do novo gerencialismo. Tomando este último

primeiramente: onde o neo-taylorismo (velho gerencialismo) focaliza a

intensificação dos sistemas de controle direto, o novo gerencialismo oferece um

modelo de organização ―centrado nas pessoas‖ que vê o sistema de controle

burocrático como difícil de ser gerenciado, pouco produtivo para a eficiência e

repressivo do ―espírito empreendedor‖ de todos os empregados. (BALL, 2006, p.

12).

À medida que o novo gerencialismo é centrado nas pessoas, e o professor entra no

contexto da gestão - aqui entendido como gestor de pesquisa, extensão, pós-graduação e

inovação -, ele se insere também em um campo de atuação que, em termos de gerencialismo

nas instituições públicas, é o critério mais acentuado, no qual são cobrados produtos

vinculados aos resultados, a exemplo da produção científica e da publicação. O

gerenciamento dos resultados controlado pelos novos gestores dos serviços públicos ―[...]

alcançam os propósitos das políticas de Estado por meio de uma combinação de práticas

micro-disciplinares e controle a distância‖ (BALL, 2006, p. 15). São essas práticas de controle

que impactam diretamente na produção e na organização do trabalho docente em que cada um

é responsável pelo resultado conseguido, em uma constante busca pela excelência e pelos

resultados na academia, na empresa e na sociedade.

Page 137: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

137

As estratégias do neo-gerencialismo, que trazem agregadas a ideia de

performatividade, parafraseando Ball (2003), são tão intensas que não mudam simplesmente o

que as pessoas, como professores, gestores e pesquisadores, fazem, mas alteram o que eles

são, ou seja, a sua ―alma‖. No caso desta pesquisa, os gestores, são professores que envoltos

em suas atribuições controlam o grupo de docentes, seus colegas de trabalho, o que produz

alterações nas atitudes e nos comportamentos de ambos os lados.

O movimento de transição de Escola Agrotécnica/Colégio Agrícola para Instituto foi

vivenciado por dois dos entrevistados. Um deles, S4, que ingressou na Escola Agrotécnica em

2006, relatou que muitos professores ficaram com dúvidas e questionamentos sobre o

processo: ―Como seria?‖. Ele destaca que, desde o início de suas atividades, sempre esteve

vinculado à pesquisa, o que foi determinante para aceitar o desafio na gestão. “[...] sempre

desenvolvi pesquisa, trabalhei sempre com pesquisa, desde que entrei na instituição, mesmo

que não houvesse nenhum estímulo mais acentuado para a pesquisa antes de ser Instituto.

Sempre tinha lá um projetinho ou dois, que a gente desenvolvia. [...] Com a criação dos

Institutos, começou a ter esse fortalecimento para a pesquisa, cada vez foi mais pesquisa,

extensão, tentando fazer com que tivesse esse desenvolvimento de novos conhecimentos

dentro do próprio Instituto, também tentando atrelar pesquisa com o ensino.” (S4).

As ―dúvidas‖ e os ―questionamentos‖ enfatizados por esse entrevistado também foram

evidenciados na pesquisa desenvolvida por Ortranto (2010), discutida no capítulo referente à

identidade do IFC. A pesquisadora levantou os principais motivos apresentados pelas

instituições para a tomada de decisão favorável ou contrária à transformação em IFET. Nesse

sentido, os questionamentos giravam em torno do financiamento, das atribuições, das

penalidades45 que as instituições poderiam sofrer se não aderissem à proposta e,

principalmente, quanto ao aumento do efetivo de docentes.

O outro entrevistado, S3, por sua vez, iniciou a trajetória na década de 1990, em uma

escola agrotécnica que, hoje, compõe o IFC, mas, no momento da transição, estava atuando

no CEFET em outro estado, fato que, segundo ele, enriqueceu sua experiência ao coordenar

um dos cursos de graduação tecnológica, em processo de implantação. No intervalo de tempo

que esteve afastado da Escola Agrotécnica Federal, S3 teve a oportunidade de “[...] trabalhar

em uma universidade [...] fundacional do Estado de Santa Catarina [...] e justamente uma

das atribuições que recebi foi assessorar a coordenação de Pós-Graduação do campus [...]”.

45

Entre as penalidades, merece destaque o fato de que as escolas que não aderissem à transformação não seriam

elevadas à categoria de instituição de Ensino Superior e, quanto ao financiamento, também ficariam em

desvantagem, pois a prioridade de investimento do MEC seria para as escolas que aceitassem as condições

propostas na incorporação. (ORTRANTO, 2010).

Page 138: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

138

Ainda que somente tenha retornado às atividades no IFC em 2013, sua trajetória é marcada

pela aproximação com a gestão da Pós-Graduação e desenvolvimento de pesquisa, tendo

atuado, não só na Assessoria de Pós-Graduação, mas também como professor de várias

turmas em cursos do lato sensu e em projetos de pesquisa, tanto com apoio interno como

externo.

A solicitação de retorno de S3 ao IFC foi desencadeada por uma situação pessoal, mas

ele considera que sua experiência com os trâmites da Pós-Graduação tenha sido fundamental

para assessorar, inicialmente, a Coordenação da Pós-Graduação a pedido do Reitor e, mais

tarde, coordenar a área de Pós-Graduação, vinculada à Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-

Graduação e Inovação. “Houve o interesse do IFC de que eu voltasse e contribuísse [...].

Então, essa trajetória, por mais que eu tenha trilhado alguns caminhos na pesquisa e na pós-

graduação – lato sensu, diga-se de passagem – como professor, mas o fato de eu ter

assumido a coordenação de Pós-Graduação, acho que tem a ver mais com uma situação de

momento mesmo, que foi o afastamento da professora que ocupava o lugar [....]. É, o aceitar

foi decorrente, vamos dizer assim, dessa experiência que eu achava que tinha, do

conhecimento, por exemplo, das normas, em função de ter participado da elaboração, do

planejamento e da aprovação dos cursos em outros lugares... Enfim, então... Conhecia as

normas, [...] não tinha dúvida com relação, não era algo estranho para mim... Um pouco de

experiência, da própria carreira acadêmica, como estudante de Doutorado recém-concluído

e propriamente de professor também. Então isso me deu os elementos que deram, digamos, a

segurança para tocar o trabalho.” (S3).

O destaque de S3 para a experiência sobre os trâmites da Pós-Graduação indica que

conhecer certas vias pode facilitar os encaminhamentos e o exercício das funções de gestão,

tornando-se diferenciais em uma instituição que, naquele momento, não tinha experiências

sobre o processo de implantação de cursos novos, tanto no Ensino Superior como na Pós-

Graduação e, principalmente, com as exigências da CAPES.

S2 iniciou suas atividades no IFC em 2010 e destacou que se vinculou a projetos de

pesquisa ainda na Graduação, seguindo no Mestrado e Doutorado. Como professor, também

começou a atuar com projetos de pesquisa. Ele considera que, apesar das várias alterações no

comando, o trabalho na Pró-Reitoria teve certa continuidade, pelo fato de os substitutos serem

provenientes do mesmo campus (S2 e S4 trabalhavam juntos anteriormente). Para ele, o

desafio de assumir o cargo de gestão o tirou da zona de conforto, mas determinante foi o fato

de trabalhar com alguém que já conhecia, acrescido da possibilidade de trocar experiências

com colegas formados em diferentes partes do Brasil. ―É uma hora interessante de termos

Page 139: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

139

essa diversidade aqui dentro, porque o IFC ainda está crescendo, a gente ainda está

desenvolvendo um perfil da nossa instituição: [...] o que nós queremos, o que nós queremos

como pós-graduação, o que nós queremos como Instituto de educação tecnológica, qual a

nossa diferença para uma universidade, por que é que nós somos criados diferentes de uma

universidade?” (S2).

Essas afirmações revelam que o caminho ainda está em construção, com a presença de

incertezas que os próprios gestores reconhecem. A diversidade que retira a zona de conforto

anteriormente institucionalizada também desafia os gestores a pensar nas possibilidades de

respostas. Cada instituição, em ambientes cada vez mais competitivos, necessitam

desenvolver suas estratégias, que pensadas internamente são projetadas para alcançar

reconhecimento externo. A política educacional é a mesma para todas as instituições, mas a

forma como o IFC responde às demandas é que será, nos próximos anos, o diferencial em

relação às universidades já estabelecidas. De certo modo, é a gestão o elemento articulador

que transita entre os vários contextos citados por Ball, Maguire e Braun (2012), ou seja, os

contextos situados, as culturas profissionais, os contextos materiais e os contextos externos.

Os autores consideram que estes são constitutivos dos modos como a política é traduzida nas

instituições. Em relação aos contextos situados, os autores referem ser os aspectos vinculados

à história e ao ambiente; as culturas profissionais são os valores e os compromissos pactuados

pelos professores; os contextos materiais, aqueles referentes à infraestrutura, e os contextos

externos estão ligados às pressões em geral vinculadas à política.

Ao fazer inferência ao pouco tempo de existência do IFC e a mudança de perfil

ocorrida na transformação de Escola Agrotécnica para Instituto, S2 ressalta: ―[...] o IFC,

como uma instituição jovem ainda, foi formada há pouco tempo. [...] mas hoje ele já é muito

mais parecido com uma universidade [...] porque tem toda uma caminhada diferenciada de

uma escola agrotécnica, que eu vejo é um pouquinho mais fechado [...]”. O entrevistado

considera ainda que: ―[...]os professores das escolas agrotécnicas, tinham uma percepção

bastante diferente desse pessoal que está entrando mais tarde, que é um pessoal um

pouquinho mais ligado à academia, à uma universidade, e com uma concepção um

pouquinho diferente daqueles professores que já estavam antes” (S2).

A percepção diferenciada do perfil dos professores – os professores das escolas

agrotécnicas e os novos ingressantes, destacada por S2, pode ser entendida, nas entrelinhas,

como o movimento de resistência e adaptação às novas exigências institucionais. Como

escolas agrotécnicas, não havia a necessidade de pesquisa e publicação; e, embora ela

existisse, a ênfase estava mais nos processos técnicos e no ensino. Conforme discutido em

Page 140: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

140

capítulo anterior, havia uma rotina estabelecida que, quando alterada pela nova

institucionalidade, provocou abertura e alargamento das atribuições do grupo que estava

habituado a desenvolver as atividades na concepção das escolas técnicas, aumentando,

significativamente, a natureza das atividades, que passaram a transitar entre a docência e a

pesquisa. Por exemplo, a docência, deixou de ser específica do ensino médio e técnico para

assumir outros níveis como a Graduação e a Pós-Graduação. A atividade de pesquisa, por sua

vez, requereu o envolvimento com editais e outros programas de nível nacional, que foram

iniciados, como o PRONATEC, Mulheres Mil, ampliação da oferta de cursos técnico pós-

médio, Projeto Cães-guia46, Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid)47,

Programa de Educação Tutorial (PET)48, Programa de Consolidação das Licenciaturas

(Prodocência)49.

S1 ingressou no IFC em 2014, como professor, e assumiu a gestão em fevereiro de

2015. Esclareceu que, no início, relutou em aceitar o cargo pelo fato de estar há pouco tempo

na instituição, mas, após conversas com colegas, aceitou. Seus argumentos: “[...] é

importante ter uma participação, conhecer como funciona essa parte da gestão, porque [...]

enquanto professor, [...] não se tem conhecimento de como é o funcionamento e é

interessante que todo professor passe por esse processo” (S1). Além disso, S1 aceitou a

função pensando em crescer profissionalmente. Ele considera que esse setor tem o triplo

desafio de articular pesquisa, pós-graduação e inovação e que, das três, a pós-graduação lhe é

a mais desconhecida. Na realização das atividades, recebe constantemente assessoria da Pró-

46

O Projeto Cães-guia iniciou em 2010 como uma ação do Núcleo de Atendimento às Pessoas com

Necessidades Específicas (NAPNE), recebendo o apoio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

(SETEC/MEC) e da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD/SDH),

sendo posteriormente incorporado como uma das ações do Plano Nacional para as pessoas com deficiência, o

―Viver sem Limite‖, lançado em 2011 pelo Governo Federal. O projeto, que visa o aumento do número de cães-

guia, está sendo ampliado para outros seis Institutos Federais de diferentes regiões do país. (Fonte:

http://ifc.edu.br/pos-graduacao-em-treinador-de-caes-guia/). 47 O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) é uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a

valorização da formação de professores para a Educação Básica. O Programa concede bolsas a alunos de

licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação

Superior (IES) em parceria com escolas de Educação Básica da rede pública de ensino. Os projetos devem

promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica

para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um

professor da escola. (Fonte: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid/pibid). 48 O Programa de Educação Tutorial (PET) é desenvolvido por grupos de estudantes, com tutoria de um docente,

organizados a partir de formações em nível de graduação nas Instituições de Ensino Superior do País orientados

pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e da educação tutorial. O grupo PET, uma

vez criado, mantém suas atividades por tempo indeterminado. No entanto, os seus membros possuem um tempo

máximo de vínculo: ao bolsista de graduação é permitida a permanência até a conclusão da sua graduação e, ao

tutor, por um período de, no máximo, seis anos, desde que obedecidas as normas do Programa. (Fonte:

http://portal.mec.gov.br/pet.). 49 O Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência) é uma ação da Capes cuja finalidade é o

fomento à inovação e à elevação da qualidade dos cursos de formação para o magistério da Educação Básica, na

perspectiva de valorização da carreira docente. (Fonte: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/prodocencia).

Page 141: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

141

Reitoria, pois se sente inseguro para tomar decisões, devido ao pouco tempo que integra a

instituição como docente e como gestor de pesquisa. Sobre esse aspecto, no Regimento Geral

do IFC versão 2015, a Coordenação de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação do campus está

subordinada a essa Pró-Reitoria. Todavia, no documento, no Art. 146, observa-se que o

destaque está centrado nas ações de pesquisa. A Pós-Graduação é citada somente no título. De

acordo com este artigo:

O IFC manterá mecanismos de desenvolvimento das ações de pesquisa, cuja

execução estará a cargo do quadro de servidores com acompanhamento e orientação

das Coordenações de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação dos câmpus, sob a

supervisão da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação. (IFC, 2015, p.

55, grifo nosso).

O investimento na criação de mecanismos de desenvolvimento da pesquisa parece ser

o fio condutor para chegar à Pós-Graduação e cumprir os requisitos exigidos para a aprovação

de novos cursos de stricto sensu. À medida que os documentos são revistos e como

transmissores de discursos capazes de expressar as traduções institucionais, os processos e as

necessidades também vão ficando mais claros para a equipe gestora. Esse também pode ser

um indício que explica por que a Pós-Graduação é a mais desconhecida para o S1, ainda que

pese o pouco tempo que exerce a função. O fomento às atividades de pesquisa vem sendo o

fio de Ariadne que conduz as estratégias dos gestores e a tradução da política em meio aos

labirintos e às encruzilhadas, buscando implantar a ambiência da pesquisa para alcançar a

Pós-Graduação.

O discurso escrito sistematizado no Regimento Geral (2015) expressa uma das formas

de tradução da política. Ao dar visibilidade à pesquisa atrelada ao acompanhamento dos

gestores da Pós-Graduação, desenvolve-se um conjunto de diferentes artefatos e recursos

materiais controladores de sentidos do social e das estratégias discursivas manifestadas nos

micro-espaços. Há um movimento de constante fabricação do discurso institucional (BALL;

MAGUIRE; BRAUN, 2012); nesse caso, do IFC, com suas peculiaridades. Para responder às

políticas, o foco central tende a ser a organização interna cuja infraestrutura é uma das

variáveis a ser consideradas.

Esse movimento de produção e de ampliação dos textos institucionais pode ser

considerado um indicativo de que, à medida que o IFC se organiza nessa nova

institucionalidade, vai agregando também elementos da identidade no processo de travessia de

escola técnica para Instituto Federal, com ampliação de todas as dimensões técnicas,

administrativas, pedagógicas, científicas. Trata-se de um modo peculiar de traduzir a política.

Inicialmente, os documentos foram produzidos considerando situações de certo modo,

Page 142: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

142

hipotéticas, pois não representavam o caminho até então percorrido. Era um lançar-se ao

novo. Pode-se dizer um olhar que buscava atender às novas demandas legais requeridas, uma

forma de tradução produzida por um conjunto de práticas discursivas (BALL; MAGUIRE;

BRAUN, 2012) que visam atender demandas pensadas em esferas externas, como, por

exemplo, as políticas nacionais vinculadas à rede de influências.

Considerando que a Lei de Criação dos Institutos foi sancionada em 20 de dezembro

de 2008, quando o ano letivo já havia sido concluído, encerravam-se também as escolas

técnicas e agrotécnicas que, no ano de 2009, eram os recém-nascidos Institutos Federais. No

papel, sob o ponto de vista legal, essas instituições ―[...] possuem natureza jurídica de

autarquia, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-

pedagógica e disciplinar [...]‖ (BRASIL, 2008b, p. 1). O discurso da alteração da identidade e

das peculiaridades estava resolvido, mas o perfil dos atores que lá estavam não mudou por

decreto. É necessário um tempo de amadurecimento que, aos poucos, também é acrescido

pela experiência que vai sendo construída, o que intensifica o significado das falas dos

gestores que trazem à tona essas questões.

No plano da produção de textos, é possível almejar uma nova identidade; no plano da

produção dos discursos falados também, mas articular o dito e o escrito, no âmbito da prática,

lidando com resistências e tensionamentos, implica ser ―outro‖, adquirindo uma nova

identidade e envolvendo outros fatores como a história construída, discutida no capítulo

quatro desta tese. A cultura institucional instalada e as relações de poder passam a ser outras.

Transitar da produção de texto para a prática requer desenvolver estratégias discursivas

―fabricadas‖ para traduzir em ações o que está posto no texto.

Ao explicitar os motivos que o levaram a aceitar o desafio da gestão, S7 esclareceu

que foi indicado pelos superiores por haver cursado Pós-Graduação, como bolsista com

dedicação exclusiva, mas também ―[...] porque vi que no nosso campus, apesar de termos

servidores que fizeram Mestrado, Doutorado, mesmo esses servidores, professores, não

tinham toda uma vivência de pesquisa muito intensa” (S7). S6 considera que foi convidado

para a gestão de pesquisa por três motivos: o primeiro por ser ―[...] um dos professores que

mais faz pesquisa aqui‖. S6 ressalta que vem trabalhando com projetos de grande porte no

CNPq e na FAPESC desde 2012, e, portanto, anterior ao seu ingresso na instituição. O

segundo motivo “[...] é a retribuição financeira, e o terceiro, a contribuição para o

desenvolvimento da pesquisa no campus, que acredito ser relativamente, reduzido.” (S6).

Ao ingressar no IFC em 2014, S5 possuía experiência como professor de educação

superior em uma Universidade e já havia prestado concurso anterior para ingresso no IFC.

Page 143: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

143

Entre os anos de 2008 e 2012, apesar de manter o vínculo com a universidade, desenvolveu

suas atividades de docência durante um ano como professor cedido ao IFC. Nesse período, ele

elaborou um projeto que foi aprovado junto à CAPES para alocação de “[...] professor

visitante sênior. [...] Eu sempre trabalhei voltado à pesquisa”. Ele considera ainda que “[...]

a pesquisa no campus é uma das questões estratégicas da implantação de cursos lato e stricto

sensu dessas áreas”, referindo-se aos projetos enviados à CAPES na área de Produção e

Sanidade Animal e que teve a proposta recentemente aprovada50

como primeiro curso de

stricto sensu da instituição.

Nos depoimentos dos gestores, observa-se o contexto situacional no qual eles se

encontram, as condições materiais nas quais suas funções são exercidas, os problemas

particulares ou as potenciais possibilidades que se mostram para a pesquisa e a Pós-

Graduação em uma instituição que se assume, por decorrência da política, como Instituição de

Ensino Superior. Nessas condições, a política é traduzida. Nesse movimento, compreende-se,

aqui, que ―[...] a política cria o contexto, mas o contexto também precede a política‖ (BALL,

2012, p. 19). Significa dizer que as nuances do contexto local dos institutos criam

consideráveis diferenças nos processos de transição e de consolidação da identidade dessas

instituições. Assim, destacam-se, na Figura 12, os dilemas que compõem o dia a dia dos

gestores entrevistados, os quais vão revelando os modos de produzir e traduzir a política no

IFC.

50

A proposta do Curso de Sanidade Animal foi aprovada pela CAPES após a realização das entrevistas.

Page 144: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

144

Figura 12 - Dilemas dos gestores na configuração da política no IFC

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Esses dilemas demonstram que, à medida que são inseridas ferramentas de gestão nas

instituições, são alteradas profundamente as dimensões do planejamento, a identidade

institucional e a identidade profissional. Os dilemas institucionais vividos pelos gestores

expressam-se pela necessidade de planejar em longo prazo, lidando com resistências e

disputas internas atreladas à exigência de compreender a política para responder não somente

a ela, mas também para lidar com a transição da identidade institucional. Em um processo

imbricado, unem-se os dilemas profissionais que exigem o trânsito entre a pesquisa, a

docência, o crescimento profissional, o desenvolvimento de habilidades requeridas pela

gestão e a contribuição no desenvolvimento da pesquisa e da Pós-Graduação. Assim, vão

sendo construídas também as novas subjetividades ancoradas nos pressupostos neoliberais

que levam a reorganizar os contextos para responder ao gerenciamento e à performatividade

entendida como ―[...] uma tecnologia, uma cultura e um modo de regulação que emprega

julgamentos, comparações como meios de incentivo e controle baseadas em recompensas e

sanções tanto materiais como simbólicas‖ (BALL, 2003, p. 216).

É o movimento de olhar para as necessidades, maximizando os recursos disponíveis,

captando novos por meio dos editais das agências de fomento e também materializando os

resultados. Nesse caso, os gestores também são professores com a atribuição de pensar, por

Page 145: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

145

exemplo, no planejamento em longo prazo em uma escala maior e mais complexa do que a

conhecida sala de aula, o que requer ter o domínio de outras habilidades.

Esse também é um campo que envolve disputas internas e resistências quanto às novas

formas de controle implantadas e às novas atribuições que são delegadas aos

docentes/gestores como resultado do processo em curso. Essa é umas das faces do

gerencialismo, no qual os limites, as possibilidades de ação e os sentidos são determinados

pela estrutura (BALL, 1990). O controle organizacional e as ações individuais são projetados

na perspectiva técnica pautadas na racionalidade para gerar eficiência por meio do controle.

5.2 CONTRADIÇÕES DA POLÍTICA: DIRETRIZES, AVALIAÇÃO E REALIDADE EM

MOVIMENTO

Ao considerarem as especificidades e a trajetória do IFC quanto às diretrizes de

organização, oferta e avaliação, a maior parte dos entrevistados reafirma a diferenciação dos

institutos em relação às universidades quanto à realidade de trabalho, que abrange desde o

Ensino Médio/Técnico até a Pós-Graduação. A indicação do Mestrado profissionalizante por

parte da CAPES é um dos pontos destacados, pois, para os entrevistados, é uma forma de

induzir o crescimento de tais mestrados.

Os gestores também indicaram que as orientações das políticas na esfera federal, na

dimensão macro, são contraditórias e confusas, o que faz com que, muitas vezes, se tenha uma

grande mobilização para cumprir determinadas orientações que, em momento posterior, são

descartadas. Nesse sentido, S2 mencionou a proposta de Mestrado em rede elaborada com a

orientação da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica: “[...] a SETEC discutiu,

orientou e fez um aceno positivo para a abertura de cursos em rede, o nosso Instituto com

outro Instituto ofertando um mesmo curso. Então fizemos a proposta, enviamos para a

SETEC, que iria avaliar até o final do ano passado, mas aí mudou o governo, mudaram as

pessoas que estavam lá, e a proposta não foi nem avaliada”. Ao fazer referência às

avaliações dos projetos enviados à CAPES, a contradição também estava presente: “[...]

quando mandamos uma proposta em que havia professores de vários campi, isso foi um

aspecto negativo. Na pontuação da nossa proposta, isso é um ponto negativo, têm professores

de muitos locais, mas ao mesmo tempo eles querem que a gente faça um curso em rede, ou

seja, que aumenta ainda mais essa distância física” (S2).

No entendimento de S5, o Mestrado Profissional tem mais proximidade com a geração

de tecnologia e com a inserção dos discentes nas demandas do mercado de trabalho. “Ou seja,

Page 146: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

146

no momento em que esses discentes, que têm atuação no mercado, estiverem vinculados a um

programa de pós-graduação no Instituto, automaticamente isso gera muita oportunidade em

termos de convênios com as empresas e, obviamente, oportunidade para os alunos do Ensino

Técnico e do Ensino Superior.” (S5). O que por outro lado, segundo esse entrevistado, requer

acentuada participação do corpo docente junto às empresas nas parcerias público-privadas. Ao

referir-se sobre os critérios de avaliação utilizados para avaliar os mestrados acadêmicos e os

profissionalizantes, ele destaca que: “Os critérios se assemelham ao Mestrado Profissional,

mas não são os mesmos. O Mestrado Profissional pressupõe uma produção mais voltada

para a produção de tecnologia, então, por exemplo, a questão da produção do artigo para

publicação, é só um dos produtos, mas que é o grande foco dos Mestrados Acadêmicos. No

Mestrado Profissional, é só mais um dos produtos, porque pressupõe a geração de patentes,

de processos, de produtos” (S5).

Para a CAPES, o Mestrado Profissional (MP)

[...] é uma modalidade de Pós-Graduação stricto sensu voltada para a capacitação de

profissionais, nas diversas áreas do conhecimento, mediante o estudo de técnicas,

processos, ou temáticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho.

Seu objetivo é contribuir com o setor produtivo nacional no sentido de agregar um

nível maior de competitividade e produtividade a empresas e organizações, sejam

elas públicas ou privadas. (CAPES, 2014, p. s/p).

Esse direcionamento para o Mestrado Profissional aproxima os Institutos na

perspectiva das Ciências Aplicadas com maior vínculo aos setores produtivos, o que sugere

também uma identidade diferenciada da universidade como discutido em capítulo anterior e

mais próximo do perfil formativo desenvolvido pelas instituições antes da transformação

ocorrida em 2008.

A abrangência de atuação desde o Ensino Médio/Técnico até a Pós-Graduação é

entendida como entrave na atuação dos professores no stricto sensu com maior cobrança,

inclusive de publicação. S7 destaca a necessidade de uma política institucional para

reorganização das atividades: “Então, não tem como querer que um professor que atua no

Mestrado e tem três orientandos, dê vinte aulas, sendo que dez são no ensino técnico e cinco

na graduação e mais cinco na pós, entendeu. [...] Se você é de uma área que dá aula no

ensino técnico e entra na pós-graduação, você vai ter que se virar com essas aulas” (S7).

Aqui o entrevistado problematiza o fato de que as disciplinas do Ensino Técnico são

lecionadas por professores com formação mais específica, diferentemente da área de

humanas, por exemplo, que possibilita aos professores atuarem em várias disciplinas, apesar

das especificidades. ―Acho que isso é um ponto, a atuação em vários níveis, é complicado, eu

Page 147: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

147

não consigo ver um professor atuando de maneira eficiente desde o Mestrado até o Ensino

Técnico; acho que ele vai ter que se desvincular em parte de uma das coisas. E também para

conseguir, por exemplo, publicar esses trabalhos que vão ser obtidos das dissertações, ele vai

ter que ter uma dedicação maior.” (S7). Esse pode ser um dos motivos pelos quais há

resistências quanto à implantação da Pós-Graduação nos campi, ou seja, ministrar aulas para

mais turmas significaria aumento de trabalho, condição fortemente negada por muitos

professores, o que não exclui a complexidade de se trabalhar em vários níveis.

No entanto, a fala de S7, quanto ao excessivo número de aulas alocadas aos

professores, parece não se confirmar quando se analisa, por exemplo, a quantidade de

professores e a quantidade de alunos, publicada no censo interno com 8.781 alunos e 808

docentes. Se considerado o Termo de Acordo de Metas e Compromissos (2010), com

vigência de doze anos, celebrado entre o Ministério da Educação, representado pela Secretaria

de Educação Profissional e Tecnológica e pelo então Reitor quanto à relação do número de

alunos por professor, fixada em 20 (vinte), observa-se que a média apresenta acentuada

discrepância a menos, pois, de modo geral, a média de alunos por professor fica

aproximadamente em 11 alunos.

A assinatura desse instrumento, mais do que um compromisso assumido, representa a

manutenção do Estado avaliador que prioriza o estabelecimento e o alcance das metas, como

mecanismos de pressão para os gestores e de resistências para os professores situando o

Estado como responsável por acompanhar, supervisionar e fiscalizar a execução. Mais uma

vez: ―É um processo transformacional que engloba um novo conjunto de valores e um novo

ambiente moral‖ (BALL, 2011, p. 217). Fica evidente o potencial de colaboração que os

docentes devem dar para o êxito institucional, pois, por meio de uma boa performance, poderá

ser alcançado o cumprimento das metas.

S4 ainda cita que o fato de existir a obrigatoriedade de atender no mínimo 50% das

vagas para o Ensino Médio dificulta as ações do IFC: “[...] lidar com aluno de Ensino Médio

é totalmente diferente, tem uma forma diferenciada de agir com esses alunos [...]. Boa parte

dos nossos campi ainda oferece internato, aquele Ensino Médio Integrado, ensino técnico. É

outra característica, e isso o pessoal, muitas vezes, não tem como comparar com

universidades quando tem curso superior, não quer saber se você tem número de

horas/aula... Compara, passa a régua e... Ou tem ou não tem” (S4).

Para o gestor, a obrigatoriedade de cumprir os mínimos exigidos por lei, quanto ao

atendimento das vagas para o Ensino Médio, afeta as ações institucionais cotidianas e

dificulta, muitas vezes, o atendimento das necessidades da população residente na região nas

Page 148: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

148

quais os campi estão instalados. Isso, segundo ele, se reflete no impedimento da abertura de

novos cursos superiores: “[...] não há possibilidade de abrir para atender melhor a

população em função de que nós temos que atender, oferecer, no mínimo 50% das vagas para

Ensino Médio. E isso engessa. A vida do gestor fica bastante engessada. Às vezes seria

possível expandir muito mais, atendendo melhor, e até facilitar essa comparação com as

universidades, só que a gente fica naquele engessamento” (S4).

Esse depoimento revela que há um paradoxo instalado entre cumprir as metas

previstas na lei e o atendimento das demandas locais. A obrigatoriedade de cumprir o que foi

estabelecido em outros contextos interfere na organização da instituição. Há um novo modo

de governação (LINGARD; CREAGH; VASS, 2012) no Estado neoliberal que produz as

políticas baseadas nas evidências fornecidas pelos números, estabelecendo padrões e metas

para atingir os resultados. Desse modo, são criadas categorias que permitem elaborar

estatísticas, comparar dados e governar a distância com mais eficiência. A política de

avaliação da CAPES também utiliza as bases de dados que são continuamente alimentadas

pelas instituições (HOSTINS, 2014). Os indicadores quantitativos possibilitam controlar e

comparar, o que se desdobra em dados estatísticos. Para responder a essas políticas, as

instituições reinventam-se e fabricam a si próprias, concentrando esforços nas ações que

melhor respondem aos indicadores, o que interfere sobremaneira na vida institucional.

Outro gestor cita o Termo de Acordo de Metas e Compromissos: “[...] no Termo de

Acordo de Metas que foi assinado na criação dos Institutos, o nosso foco de ação é o

atendimento da região de atuação, o atendimento dos arranjos produtivos locais. E isso

realmente complica se formos comparar com as universidades [...]” (S4). De certo modo, o

Termo de Metas ratifica a Lei de Criação dos Institutos quanto à necessidade de contemplar

os mínimos exigidos nos cursos ofertados e à inserção em sintonia com as demandas para o

desenvolvimento local e regional. Em sua fala, esse gestor destaca sua preocupação em

relação à comparação com as universidades, porém não se pode esquecer que se tratam de

itinerários formativos distintos, com objetivos distintos.

A exigência de publicações, ou utilizando a expressão ―produtividade‖, citada por

diversos deles, é um entrave porque requer que se estabeleça uma cultura de pesquisa e

publicações dos resultados. As críticas sofridas pela CAPES51 quanto ao ritmo acelerado de

51

A partir de 1998, a sistemática de avaliação apresentou aprimoramento em termos de ―controle‖ e, ainda que

analisado por pares, passou a utilizar o sistema numérico de 1 a 7, com o objetivo de avaliar e classificar os

programas. As alterações nos padrões de avaliação evidenciam a lógica competitiva de mercado entre os

programas, cujos maiores números de ―produtos‖ garantiriam financiamentos e visibilidade entre os programas e

entre pesquisadores (BIANCHETTI, 2006; KUENZER; MORAES, 2005; HOSTINS, 2006). Os cursos não mais

Page 149: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

149

publicações é reiterada por S7: “[...] a CAPES tem uma exigência, principalmente na questão

da produtividade, número de publicações, que acho um pouco exagerada e que não condiz,

necessariamente, com a qualidade da pós-graduação”. Nessa perspectiva, ao longo do

tempo, os programas e seus professores nas universidades iniciaram um ciclo de dependência

aos resultados das avaliações, o que, neste momento, também é um fator determinante para a

aprovação de propostas no âmbito do IFC. Se o resultado de uma avaliação é considerado

ruim, os programas por meio de seus professores necessitam readequar-se, seja por intermédio

do aumento da produção individual ou por outros mecanismos, a exemplo dos projetos de

pesquisa. Essas tecnologias de desempenho são formas de poder que utilizam julgamentos,

comparações e demonstrações, privilegiando versões específicas do que os programas e as

instituições devem ser por meio de comparativos quantitativos (HOSTINS, 2014).

Há uma intensificação no uso de palavras como rede, performance, produtividade,

qualidade, avaliação, inovação52 nos documentos oficiais, a exemplo do atual Plano Nacional

de Pós-Graduação (BRASIL, 2010a, 2010b) que expressam o novo ordenamento a ser

seguido para atingir o sucesso. A chamada de responsabilidade é pessoal, pois é a pessoa

quem deve ―comprometer-se‖ com sua instituição para que obtenha a visibilidade esperada

quanto à produtividade e à avaliação.

Os discursos são alterados conforme o jogo de poder, e a rede de interesses vai sendo

desenvolvida pelos muitos atores. Essas alterações provocam deslocamentos nos quais os

sentidos são construídos e as verdades se legitimam, criando estatutos de verdade e consensos

eram avaliados individualmente e sim como programas, mesmo que os conceitos fossem distintos. Os

indicadores expressavam níveis de competição entre os programas. ―O paradigma ligava financiamento para os

níveis de produtividade, ensino, desempenho institucional e padrões internacionais de qualidade alcançados em

cada instituição.‖ (HOSTINS, 2014, p. 2). O conceito 5 era e continua sendo o máximo para programas que

oferecem somente o Mestrado com alto nível de desempenho. O conceito 4, concedido aos programas com bom

desempenho. O conceito 3, destinado àqueles programas que apresentam os padrões mínimos considerados de

desempenho regular. Os conceitos 1 e 2 são destinados aos programas com desempenho de qualidade abaixo do

padrão mínimo esperado, implicando diretamente na não renovação e no reconhecimento dos cursos de Mestrado

e Doutorado. A elevação das exigências em relação ao que era referência de qualidade, acrescentado pelo

ingrediente competitividade entre os programas, estava clara no discurso oficial, mas o que ocorreu

paralelamente foi a diminuição drástica de recursos. Os critérios necessitavam ser reajustados para um nível de

exigência maior para que poucos tivessem os incentivos concedidos aos programas de excelência o que

caracteriza uma intencionalidade oculta na efetivação da dinâmica de avaliação. Essa lógica vem se

intensificando e mostrando-se cada vez mais agressiva do ponto de vista da precariedade do trabalho do

professor que, como pesquisador, se vê irremediavelmente ―obrigado‖ a produzir. O discurso da produtividade e

da qualidade instalado no período de 1990 em função do contexto nacional levaram os programas a se

adequarem, tornando-os competitivos entre si para fazer jus aos reduzidos custeios. O discurso pela qualidade de

excelência ofusca, por exemplo, a falta de recursos para financiamento e elege, na prática, somente alguns aptos

a recebê-lo. 52

O conceito de inovação, em geral, é correlacionado à pesquisa e ao desenvolvimento (P&D), porém é distinto

e mais amplo. Inovação implica não somente tecnologia, máquinas e equipamentos, mas vai além, contemplando

também mudanças incrementais, novas funcionalidades, bem como melhorias na gestão ou novos modelos de

negócios, associados à conquista ou à criação de novos mercados. (BRASIL, 2010a, p. 180).

Page 150: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

150

na sociedade. ―No entanto, esses fluxos não são assimilados da mesma maneira pelas políticas

educacionais de Educação. Esta assimilação vai depender da história da política educacional

no país em questão e de outros fatores relacionados à política nacional.‖ (AKKARI, 2011, p.

14).

S6, por sua vez, considera que, na teoria, os institutos foram equiparados às

universidades, mas que, na prática, principalmente em relação à pesquisa, há distinção, pois

os projetos que vêm sendo aprovados para os institutos são de baixo valor. “[...] há uma

distinção na prática em relação a institutos e a universidade.” (S6). Para Ortranto (2012, p.

75): ―As diferenças entre os IFs e as universidades são tão profundas que cabe perguntar se é

justo que a avaliação seja a mesma‖. S8 afirma que: “[...] quanto ao processo de avaliação

dos cursos, não poderemos ser comparados às grandes universidades, que já estão há anos

com uma pesquisa bem avançada, laboratórios estruturados e um quadro de professores de

grande capacitação e experiência.” (S8). Sobre esse aspecto, as universidades atuam no

Ensino Superior desde sua criação, contando com quadros organizacionais estruturados e

larga experiência em pesquisa e extensão (ORTRANTO, 2012).

Esse fato também foi destacado por S1, mas enfatiza que a reitoria vem propondo

ações a exemplo da participação em editais externos e internos e elaboração de projetos para

equipar os laboratórios. Ao mesmo tempo, vem estimulando a qualificação dos professores e

dos técnicos administrativos, via editais para afastamento integral ou parcial como bolsista,

para cursar a Pós-Graduação. Como se percebe, a qualificação docente é uma das estratégias

para entrar na concorrida Pós-Graduação em que o ―[...] modelo gerencial de avaliação é mais

agressivo e aperfeiçoado‖ (MANCEBO; RIBEIRO, 2012, p. 39). O vínculo entre

financiamento e avaliação acirra a cultura do desempenho por meio de indicadores

estandardizados que desconsideram as peculiaridades institucionais, premiando ou punindo

conforme o resultado obtido em uma perspectiva gerencialista e de mercado e a recompensa

―é o pagamento por performance‖ (MANCEBO; RIBEIRO, 2012).

Nesse sentido, também consta no Termo as responsabilidades assumidas pelo IFC

quanto à disponibilização de infraestrutura necessária, a exemplo de recursos humanos,

financeiros e materiais que privilegiem cursos de Pós-Graduação stricto sensu a ―todos‖ os

servidores que não possuem título de Mestre ou Doutor. São várias frentes de investimento.

Essas ações são planejadas com o objetivo de facilitar a implantação de pós-graduações em

médio e longo prazo. S2 também concentra sua fala nas ações da reitoria quanto às avaliações

internas como forma de adequação para as avaliações externas. Os sistemas de avaliação

funcionam como alvos a serem atingidos porque permitem comparações entre os professores

Page 151: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

151

e instalam a cultura de competitividade e performatividade. Desse modo, a cooperação é

substituída pela competição para atingir os objetivos; no caso do IFC, para identificar as

potencialidades e as fragilidades. Para Ball (2003), esses dispositivos de controle vêm sendo

utilizados com igual vigor entre as instituições por meio de basicamente três tecnologias

políticas: o mercado, o gerencialismo e a performatividade. Essas três tecnologias são

utilizadas em diferentes graus, porém são inter-relacionadas e atingem os professores.

S1 ainda enfatiza a necessidade de maior engajamento e organização dos professores

quanto à participação nos editais lançados. Muitas vezes, a justificativa para a não

participação é a falta de tempo para conciliar as atividades rotineiras de ensino e realizar os

levantamentos de materiais de laboratórios, por exemplo, o que poderia ser realizado ao longo

do ano para atendimento dos editais. O maior engajamento por parte dos professores é uma

chamada à responsabilização pelo desempenho institucional (BALL, 2003), pois cabe a ele

garantir a boa performance respondendo rapidamente aos desafios.

S2 cita o PDI e o foco nas ações que contemplam as metas lá estabelecidas. Para ele, a

baixa produção dos docentes é a principal dificuldade para, até o momento, o IFC não ter

aprovado os projetos de stricto sensu. Ele critica o valor exagerado da produção dos docentes

na avaliação realizada pela CAPES em detrimento, por exemplo, da “inserção social, que tem

uma pontuação muito pequena” (S2).

Ao fazerem referência às atuais políticas e aos novos modelos de avaliação que vêm

sendo praticados e tornando-se hegemônicos, Catani e Hey (2010) destacam que elas trazem

profundas consequências para a área da educação, pois, à medida que se premiam ou punem

os programas e os pesquisadores, enfatiza-se o aligeiramento das pesquisas e uma corrida

desenfreada por publicações. Nessa lógica, são priorizados os trabalhos em parcerias ou

pesquisas realizadas em várias frentes, a fim de acelerar a publicação dos resultados,

garantindo que o programa tenha o reconhecimento desejado, pois impacta diretamente no

reconhecimento do pesquisador. É nessa rede dinâmica, complexa e ―perversa‖, utilizando a

expressão de Ball (2012b), que se dissemina o exercício do poder pelo discurso interno às

práticas sociais. É o local permeado por interpretações e reinterpretações (enactment) que as

atuais políticas públicas de avaliação da Pós-Graduação brasileira estão inseridas.

De acordo com Sguissardi (2008), o fato de as instituições estarem continuamente

subordinadas às ações e às políticas de avaliação do modelo CAPES, como única agência

avaliadora, tem desdobramentos que vinculam universidades, e, nesse caso, os Institutos

[...] a um sistema de incentivos financeiros, que premia mais a produtividade do que

o processo de formação e produção, [que] tende a gerar neste campo – em princípio,

Page 152: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

152

lócus privilegiado da criação da diversidade e da flexibilidade – uma cultura de

conformismo e, por que não dizê-lo, de uniformização associada a fenômenos já

bastante conhecidos como o neopragmatismo, o produtivismo acadêmico e a

competitividade quase-empresarial. (SGUISSARDI, 2008, p. 142).

S4 considera injusto ser avaliado como universidade: “[...] nós somos avaliados como

tais, similar às universidades, só que nós não temos as condições. Nós temos seis anos de

existência. Como é que nós vamos ter as mesmas condições de uma universidade que tem 20,

30, 40 anos, que já está estabelecida? Nós estamos agora conseguindo padronizar os

processos, nós fomos formados de cinco escolas agrotécnicas distintas” (S4). Para o

entrevistado, o fato de o IFC ter sido criado de cinco escolas agrotécnicas distintas com

formas diferenciadas de ação e de organização de processos “[...] gera muitos entraves, tanto

para a pesquisa, quanto para o ensino, quanto para a extensão” (S4). Nesses entraves,

acrescentar-se-ia, também, a dificuldade de construir uma identidade institucional. No

entanto, esse gestor considera que, apesar dos entraves e as fragilidades da instituição, as

avaliações, em geral, têm sido positivas e o impacto das ações desenvolvidas no IFC “[...]

vem mudando a realidade da população que vive em seu entorno, em termos de capacitação e

de grau de instrução” (S4).

Os depoimentos dos gestores sinalizam as pressões que estão sendo vivenciadas no

campo institucional para implantação da Pós-Graduação, quanto à política de avaliação da

CAPES na qual há predominância dos aspectos quantitativos sobre os qualitativos. São vários

dramas, mas o ―produtivismo acadêmico‖ respaldado pelo ―publique ou pereça‖

(BIANCHETTI; VALLE, 2014) é evidente e, de certo modo, está atrelado ao fato de as

avaliações padronizadas desconsiderarem a história institucional e suas peculiaridades quanto

aos seus traços constituintes. É o desempenho institucional que marca as possibilidades de

sucesso, porém essa responsabilidade ocorre por meio da personalização dos gestores e, por

decorrência, atinge os docentes. Por outro lado, há um esforço institucional para criar a

cultura e a ambiência da pesquisa, de modo que possa ocorrer a integração entre ensino,

pesquisa e extensão como respostas às políticas.

5.2.1 A exigência da verticalização

Como resultado da política, a verticalização está prevista na Lei de criação dos

Institutos (2008) e também no Acordo de Metas e Compromissos (2010). A ideia da

verticalização pauta-se na criação de cursos em áreas nas quais seja possível ofertar o

itinerário formativo desde o Ensino Médio/Técnico até a Pós-Graduação. Essa forma de

organizar a oferta, de certo modo, otimiza a utilização de recursos humanos e de

Page 153: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

153

infraestrutura, um ponto, na maioria das vezes, nevrálgico nas instituições que requer

administração dos recursos. No texto da própria Lei, ao definir as finalidades e as

características, a verticalização é defendida sob esta óptica: ―[...] promover a integração e a

verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a

infra-estrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão‖ (BRASIL, 2008, p. 1). A

integração em conjunto à verticalização conduz a um duplo movimento, pois a primeira inclui

o desenvolvimento de conteúdos contextualizados entre os conhecimentos técnicos e os

conhecimentos gerais, e a segunda refere-se à seleção dos componentes curriculares que

compõem os cursos (SILVA, 2009). ―A integração curricular pressupõe uma perspectiva

curricular que trate, pelo princípio da indissociabilidade – respeitando, porém, as

especificidades -, a relação entre conhecimentos gerais e tecnológicos ou específicos‖

(SILVA, 2013, p. 241).

Nessa perspectiva, há a possibilidade de que o aluno possa cursar toda a sua formação,

desde o Ensino Médio, na instituição, fato que também diferencia os Institutos da

Universidade quanto às possibilidades de oferta que transita entre as áreas técnicas que

estavam definidas nos antigos Colégios Agrícolas e Escolas Agrotécnicas e a nova

configuração do Instituto. É necessário avançar para outros níveis de ensino, o que

obviamente não pode ser realizado sem considerar a identidade que as instituições haviam

construído nos seus longos anos de atuação.

Para S3, as áreas potenciais que existiam nas escolas agrotécnicas e colégios agrícolas

que favoreceram a verticalização no primeiro momento são o carro chefe da verticalização:

“[...] o técnico em Agropecuária com o campo da Zootecnia, o campo da Produção Vegetal e

a parte agrícola, Produção Animal. Claro que tinha a parte de Alimentos, enfim, de sanidade

animal”. Dessas áreas potencias, logo após a criação do IFC, foram criados os cursos de

graduação em Agronomia e Veterinária, “[...] que são as áreas que hoje contam com o maior

número de doutores, com produção e que nos embasam, nos sustentam para poder apresentar

essas duas propostas de Mestrado em 2015”. As mesmas áreas potenciais foram citadas por

S2 que reconhece a verticalização como “uma política institucional [...] que cumprimos

bem”.

S3 destaca que há iniciativas dos campi visando dar continuidade aos cursos de

graduação na ideia da verticalização. “Enfim, o envolvimento da comunidade acadêmica

externa, interna, potenciais alunos, etc., tem transitado por diferentes caminhos, mas eu diria

... Sempre com um olhar para as questões que são demandadas a partir da região, aquilo que

o IFC tem pessoal, tem condições, tem estrutura de fazer‖ (S3). O depoimento desse gestor

Page 154: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

154

marca uma potencial possibilidade de fortalecimento da identidade do instituto, pois nessa

perspectiva resgata sua identidade desde sua constituição. Na verticalidade, a história da

escola e dos colégios técnicos está embutida, a vocação original fortalece-se e encontra status,

pois vincula-se às necessidades regionais que, também, marcam a identidade do instituto:

“[...] aquilo que o IFC tem pessoal, tem condições, tem estrutura de fazer” (S3).

Quanto ao lato sensu, S1 destacou: “[...] a tendência é abrir exatamente cursos de

pós-graduação que estão vinculados à graduação”. S3 esclareceu que, após o

reconhecimento dos cursos, os coordenadores são estimulados a pensar sobre a possibilidade

de Pós-Graduação em trabalho de cooperação com a Pró-Reitoria. Nas diretrizes da política

de pesquisa e Pós-Graduação encontradas no PDI, há destaque para o suporte ―[...] à

formação, reorganização e consolidação de grupos de pesquisa que favoreçam a verticalização

da produção do conhecimento, buscando iniciativas inovadoras, de acordo com diferentes

demandas e expectativas, bem como a articulação entre as várias áreas do saber [...]‖ (IFC,

2014, p. 53). Essa é uma tática institucional que, como política, ao incentivar os grupos de

pesquisa que favoreçam a verticalização, otimiza recursos, produz conhecimento e atende

uma exigência legal.

São várias as formas pelas quais ocorre a abertura de cursos de Pós-Graduação lato

sensu nos diversos campi. Em alguns, as demandas são levantadas por meio de consulta

pública; em outros, em articulação do campus com as secretarias municipais da microrregião,

ou ainda mesmo sem ter os cursos consolidados como estratégia do IFC para marcar presença.

Essas são ações que denotam como a política é posta em prática e requer a elaboração de um

processo criativo e complexo por parte dos envolvidos (BRAUN et al., 2011). No entanto,

todo esse movimento, conforme a fala de S4, somente tem tido resultado positivo porque

“[...] o pessoal está empenhado, então segue essa necessidade de verticalização”, mesmo

fazendo referência ao comprometimento de um grupo de professores que tem participação

ativa nos processos de produção e de sistematização de propostas em cada campus.

Os cursos lato sensu são iniciativas de grupos de professores vinculados a

determinados cursos técnicos e de graduação e que requer atuação mais incisiva da Pró-

Reitoria no sentido de “[...] viabilizar essa cooperação entre os campi, [...] a verticalização é

uma consequência desse processo de consolidação dos próprios cursos técnicos e dos cursos

de graduação. A exceção talvez a essa regra seja um ou outro curso [...] mas que, por outro

lado, se encaixa nas políticas locais dos campi, de integração da escola, dos campi do IFC

com as redes de escolas municipais e estaduais” (S3). É a produção da própria

responsabilidade gerada pelo contexto institucional considerando as necessidades, as

Page 155: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

155

limitações e as possibilidades (BRAUN; MAGUIRE; BALL, 2010). Isso expressa também as

diferentes possibilidades de cada lócus lidar com a tradução da política.

As palavras de S5 são no sentido do ―vir a ser‖, pois ele entende que a verticalização

“[...] é um caminho que ainda deva ser trilhado, embora, obviamente pela característica dos

Institutos de congregar o ensino técnico, a possibilidade dos cursos superiores e agora, mais

recentemente, essa possibilidade de cursos de Pós-Graduação, acho que esse caminho cria

uma série de oportunidades dentro do Instituto, e certamente ele deve ser visto como uma

grande oportunidade‖. Essa se configura uma grande oportunidade institucional, porque traz

em si não a negação da identidade originária, mas seu fortalecimento. Essa é uma tática

importante de resposta à política pois propõe a convergência e não o esfacelamento das

identidades, o que remete a Dubar (2005, p. 135) no sentido da provisoriedade, na qual ―[...] a

identidade nunca é dada, ela é sempre construída e deverá ser (re)construída em uma incerteza

maior ou menor e mais ou menos duradoura‖. Nesse sentido, é processo comum entre o eu e o

outro que pode ser também o institucional em relação ao vivido e ao explicitado.

S5 considera que, atualmente, há uma separação entre os níveis de ensino que, no

âmbito do Instituto, dificulta atitudes proativas no sentido de unir esforços. “Então, na

verdade, o caminho é juntar esforços para que isso esteja mais acoplado, uma coisa com a

outra, para possibilitar, de fato, a verticalização” (S5). A carência de integração entre os

níveis de ensino também foi citada por S6: “Particularmente, aqui existe certa divisão entre o

que é ensino de graduação e o que é Ensino Médio [...]. Aparentemente, existe uma

preferência de que os alunos aqui do Médio ingressem no ensino de graduação e tem a ver

com essa verticalização [...]. Em relação aos professores, no ensino, pelo menos aqui no

campus [...], eles são praticamente isolados. Tanto entre si... Não existe uma integração, no

ensino, entre os professores dos dois níveis” (S6). Isso expõe as dificuldades encontradas em

determinados campi quanto ao engajamento necessário para implantar cursos além daqueles

nos formatos tradicionais consolidados.

Ao referir-se aos cursos de licenciatura implantados no IFC, S3 faz referência à Lei de

criação - ―20% das vagas para licenciatura‖. Atualmente, são “[...] oito campi com cursos de

licenciatura. Em todos eles nós temos gente do campo da Educação atuando. Então, é outro

campo que se mostra forte, hoje estamos trabalhando, articulando com esse grupo para

apresentar uma proposta em 2016”. A área das licenciaturas como potencial para Pós-

Graduação também foi citada pelos gestores S7, S4 e S2. O fato de existir a obrigatoriedade

de oferecer cursos de licenciatura nos Institutos fez com que houvesse a necessidade do

ingresso de um corpo docente com formação na área de humanas e, por outro lado, houve

Page 156: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

156

também a demanda para abertura de cursos de Pedagogia em alguns campi. Os gestores

reconhecem que a área é promissora em termos de oferta de Pós-Graduação, a exemplo de S4:

“[...] temos docentes com boas produções científicas dentro desse quadro [...], então eu acho

que nós temos que ofertar. Não tem como “Ah, restringir” por que nós somos oriundos de

escolas agrotécnicas. Se tem demanda, se a gente tem corpo docente, por que não atender

essa demanda? Temos que abrir essas fronteiras”.

No PDI (2014), dois mestrados - ―Produção e Sanidade Animal‖ e ―Produção vegetal‖

- estão planejados, inclusive com a previsão de oferecimento dos cursos em campi distintos.

No entanto, como pôde ser observado, vários gestores citaram o potencial de apresentar a

proposta de um stricto senso na área da educação em 2016. No PDI, nas Diretrizes da Política

de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, essa área está citada, mas não há previsão da oferta

em nenhum dos campi, fato que demonstra fragilidade nas ações integradas.

Para os gestores, há outras áreas que vêm apresentando crescimento: “[...] tanto do

ponto de vista de sua estrutura de pessoal como também do ponto de vista da produção

acadêmica, da titulação dos professores, é o campo, vamos chamar de uma maneira bem

abrangente, da Ciência da Computação. Temos Redes, Sistemas de Informação; enfim,

diversos cursos nessa área em diversos campi, praticamente todos os campi. Em alguns

campi mais consolidados, com grupos de pesquisa fortes, atuantes, grupos que estão em

processo de consolidação [...]. Nós entendemos que até 2017, 2018, poderemos ter nesse

campo também um grupo forte e que também vem das graduações, dos técnicos que foram

implantados em diferentes campi e que estão se consolidando” (S3).

Sobre a verticalização, os depoimentos dos gestores complementam-se, porém no

Planejamento Estratégico não há indícios de ações que considerem essa obrigatoriedade, o

que valida o argumento de S3 quando se refere à ausência de conexão entre os objetivos

previstos em lei, que necessitam ser atingidos pela instituição e as diretrizes que constam nos

documentos institucionais. Enquanto no planejamento estratégico, a oferta de cursos em todos

os níveis é um ponto considerado forte, a verticalização está contemplada no PDI ao tratar da

política de ensino e organização curricular, ―[...] cuja proposta se constrói através da

verticalização dos currículos, possibilitando o diálogo simultâneo e de forma articulada entre

educação básica e pós-graduação [...] (IFC, 2014, p. 35).

O discurso dos gestores possibilita inferir que as estratégias estão organizadas com o

objetivo de atender aos arranjos produtivos locais com vistas à verticalização, agregando as

oportunidades de ofertas formativas que surgem às demandas específicas nos locais onde há

campi instalados. Cada campus desenvolve sua estratégia, mas a principal é a de aproveitar o

Page 157: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

157

potencial revelado nos cursos técnicos em cada local. Além dessa, as consultas públicas e a

articulação dos professores e gestores com as redes municipais e estaduais aproximam a

instituição das demandas locais e reforça sua identidade.

5.3 FRAGILIDADE DO DIÁLOGO E ARTICULAÇÃO DO PLANEJAMENTO ENTRE

SETORES

A união de escolas com diferentes trajetórias na gestão, ainda que o ensino técnico

seja o ponto em comum, como o ocorrido no caso da criação do IFC vem provocando

desdobramentos. Conforme sinalizado nos capítulos anteriores, enquanto os Colégios

Agrícolas estavam administrativamente vinculados à Universidade Federal, as Escolas

Agrotécnicas tinham mais autonomia e eram diretamente subordinadas ao Ministério. Nesse

contexto, o diálogo interno entre os gestores, funcionários e professores e a articulação dos

discursos e ações assume fundamental importância e se desdobra nos encaminhamentos que

vêm sendo institucionalmente realizados.

A fala de S3 ilustra a complexidade de tais desdobramentos: “[...] as exigências, as

rotinas que existiam para atender a demanda dos cursos técnicos é um caminho, é uma

realidade, aquilo que nos é cobrado, do ponto de vista de conhecimento, renovação de

conhecimento, de credenciamento, de renovação do credenciamento, com a discussão de

ensino superior, são outras. E às vezes parece que há dificuldade de conciliar essas duas

realidades [...] não conseguimos sair daquela situação e na frente da gente vem um nevoeiro

que não conseguimos ver mais adiante no horizonte, daquilo que é a educação superior,

daquilo que ela exige” (S3).

Para esse entrevistado, coabitam duas realidades com dificuldades de diálogo, entre o

que foi e o que pretende ser. Transitar entre o passado e o presente do vivido pelos sujeitos

aproxima-se da concepção histórica da produção do sentido. O saber é uma construção

histórica que produz verdade e, também, o espaço no qual o sujeito pode tomar posição para

falar de objetos de que se ocupam seus discursos. Essa teia de relações entre os elementos

históricos é fundamental para articulação entre o que se pensa, se diz ou se faz (FOUCAULT,

2014). No entanto, o gerencialismo na perspectiva neoliberal exige que se vá além da

responsabilidade institucional, inserindo a responsabilidade pessoal no âmbito das ações

proativas.

A fala desse gestor expressa ainda a falta de sintonia e de prioridades estabelecidas,

tanto internamente na gestão dos processos da reitoria, quanto nos próprios campi. É um

Page 158: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

158

movimento que carece de sinergia e revelador de que a tradução da política e as ações são

pautadas nas disputas de poder quanto ao estabelecimento de prioridades envolvendo uma

rede de lugares distintos como espaço de exterioridade, um discurso normatizador que cada

vez mais se torna verdadeiro baseado nos valores dominantes. No entanto, até mesmo os

valores dominantes são impregnados de contradições nas alternâncias entre os vários

discursos e permitem ―[...] que aflorem as contradições, as diferenças, inclusive os

apagamentos, os esquecimentos; enfim, significa deixar aflorar a heterogeneidade que subjaz

a todo discurso‖ (FISCHER, 2001, p. 212). Por isso, é importante observar não somente as

instituições e o Estado, mas também as inter-relações entre eles que se efetivam com o uso de

tecnologias disciplinares que moldam as instituições educacionais para o cumprimento de

metas, o que consequentemente transforma a forma e os métodos do próprio Estado (BALL,

2013).

Ao referir-se sobre o envolvimento da comunidade acadêmica nas ações de

implantação da Pós-Graduação, S7 considera que é pontual e não atinge a totalidade de

professores de um curso. Envolve, na maioria das vezes, “[...] aquelas pessoas que já estão

com a produção científica maior”, com produção em determinada área que responde às ações

iniciais da Pró-Reitoria, muitas vezes sem o envolvimento direto da Coordenação de Pesquisa

do campus.

Para S3, há, nos campi, situações que internamente são geradoras de conflito, de

atritos entre grupos distintos, “[...] um processo de conflito interno... uma estrutura um pouco

amarrada nessa ideia ainda do médio-técnico, mas ao mesmo tempo, depois que transformou

em Instituto, praticamente dobrou, triplicou o número de professores, são professores novos

que vêm, de outras experiências, outras realidades,[...] e que vêm com uma outra visão, com

outras visões, [...] e me parece que não está havendo diálogo, está faltando articulação e

diálogo entre esses diferentes grupos. [...] são poucos os campi que conseguem avançar

nesse sentido, de estabelecer uma ação mais concreta, favorável [...] à avaliação de

graduação e pós-graduação. Outros vivem em constante atrito, [...] e sem conseguir

estabelecer uma unidade, cada um no seu quadrado, cada um no seu canto” (S3). Esse

depoimento pode ser interpretado com relação aos blocos de poder (FOUCAULT, 2013), que

instituídos nas organizações estabelecem os campos de disputas à medida que organizam,

separam e distribuem os diferentes espaços em relações conturbadas que interferem na

política. Se, por um lado, o aparato legal determina os encaminhamentos, por outro, ocorrem

as resistências e os choques de interesse que vão definindo lugares e quem efetivamente pode

se apropriar de determinado discurso.

Page 159: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

159

Na dimensão do currículo, S6 ressalta a forma engessada de concebê-lo e executá-lo

na prática de modo dissociado entre ensino pesquisa e extensão, como importante limitador

interno para as ações institucionais, fato que ocorre também pela falta de diálogo e articulação

entre os setores, campi e reitoria. Outro fator marcante na fala de S3 é o conflito que ocorre

“[...] dentro da Reitoria, digamos, naquele órgão que deveria ser o gestor, a célula de

unidade dessa diversidade toda; porque até mesmo as políticas que saem daqui são

contraditórias, entre os Pró-Reitores, nos editais que são lançados. Você vê, até na

separação, muitas vezes das tarefas, parece que as coisas estão desintegradas, estão

desarticuladas [...]”. Esses conflitos que conduzem à desarticulação são explicados por

Foucault (2014) como lutas que estabelecem relações de forças e necessitam ser decifradas

para compreender as relações de poder. É preciso compreender ―[...] quem está na luta, a

respeito de que, como se desenrola a luta, em que lugar, com quais instrumentos e segundo

que racionalidade‖ (FOUCAULT, 2014, p. 342). Ou seja, as lutas são travadas também em

relação aos lugares ocupados por cada um.

As resistências são encontradas inclusive nos discursos dos professores e gestores dos

campi que originaram o IFC, que se negam a discutir as possibilidades de implantação da Pós-

Graduação. Sobre esse aspecto, S3 afirmou: ―Professor, não vamos falar de pós-graduação,

nós temos que resolver o nosso problema, digamos, de técnico e de graduação”. Há um

descompasso entre o que é necessário fazer e “[...] quem fala o que o campus quer ouvir, a

Pró-Reitoria da Administração, que fala do orçamento, do dinheiro, do ensino, que fala de

reconhecimento dos cursos, de técnicos e de graduação, projetos pedagógicos, avaliação,

etc... E a pesquisa e extensão, são aqueles caras doidos que chegam, chegaram agora, para

fazer, para dar mais trabalho para a gente, né... „Não, fica lá na Reitoria, fica lá, não

precisamos disso agora, nós precisamos cuidar do técnico e da graduação, a pós-graduação

deixa‟ [...]” (S3).

Aqui se observa uma dispersão entre o texto escrito e a prática. Enquanto no texto

escrito a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão está garantida; na prática, a

atividade de pesquisa requer a criação de uma cultura e de uma ambiência acadêmica que não

se implanta por decreto. Mesmo universidades já estabelecidas enfrentam essa dificuldade,

guardadas as proporções. Refiro-me, aqui, às resistências e às práticas culturais estabelecidas

em relação ao domínio das competências para a pesquisa. No caso do IFC, há de ter-se

cuidado para não cair no mero pragmatismo, sustentar apenas no saber fazer. Ter esse cuidado

―[...] significa compreender que o método de produção do conhecimento é um movimento do

pensamento que, no e pelo pensamento, parte da apreensão de um primeiro nível de abstração

Page 160: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

160

composto pela ―[...] representação do real e tem como ponto de chegada formulações

conceituais cada vez mais abstratas‖ (KUENZER; MORAES, 2006, p. 181), o que implica em

aprofundamento.

O discurso dos gestores revela um movimento complexo entre o vivido e o pretendido,

com interesses distintos e resistências. São ações e reações que se influenciam mutuamente,

pois as diretrizes fixadas pela reitoria têm desdobramentos nas funções dos docentes em cada

um dos campi e estes, por sua vez, defendem seu ponto de vista. É a partir desse jogo de

palavras e de poder que seus efeitos atingem eficácia sobre aqueles aos quais se dirigem.

Esse movimento ocorre em via de mão dupla, tanto da reitoria para os campi como dos

campi para a reitoria. “A prioridade é o ensino”, ou “[...] eu não fiz concurso para

pesquisador”. Esse discurso ocorre “[...] em uma condição da Lei que nos coloca para fazer

ensino, pesquisa e extensão de forma indissociada [...]. É ensino, os outros, larga para o

lado. E esse discurso sai da alta gestão, sai da Reitoria. Está desintegrado, desarticulado. E

contrariando o próprio princípio da Lei que nos cria, que é o da indissociabilidade” (S3).

O discurso dos entrevistados é um marcador explícito do modo como ocorrem as

resistências em uma cultura profissional estabelecida por valores e por compromissos que

moldam a atuação dos vários atores (BRAUN et al., 2011). O gestor nesta pesquisa é a voz

que ouço, mas também representa os outros atores à medida que sinalizam os vários lugares e

posicionamentos assumidos pelo grande grupo. O contexto, nesse caso o processo de

transição, assume fundamental importância e requer considerar as condições objetivas em

relação às interpretações subjetivas de cada um, reconhecendo que ambos se inter-relacionam

em um emaranhado de situações nas quais a intertextualidade se faz presente, tanto no

discurso escrito como no falado.

Ao fazer uma reflexão sobre o processo, S3 continua problematizando: “Será que

ensino precisa desconsiderar pesquisa e extensão?”. A essa pergunta, ele mesmo responde:

“Esse é um vício que talvez tenhamos herdado da academia tradicional brasileira, que a

pesquisa se faz dentro do laboratório, ou lá no campo, [...] a extensão você faz em um curso

de extensão; enfim, a ideia do estender, de levar... E não a compreensão de extensão como

um caminho de mão dupla. E o ensino se faz dentro das quatro paredes e com o monólogo do

professor. Essa percepção, dessas coisas como atividades muito distintas umas das outras,

faz com que não percebamos que a integração entre ensino, pesquisa e extensão deve se fazer

por meio do currículo, por meio da prática pedagógica, ensino com pesquisa, ensino por

meio da pesquisa, com o ensino por meio da problematização, e que o ideal é fonte de

informação para o ensino, para a pesquisa e para o aprendizado. Só que essa integração nós

Page 161: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

161

ainda estamos buscando” (S3). No PDI, ―[...] a pesquisa é entendida como atividade

indissociável do ensino e da extensão e visa à geração e à ampliação do conhecimento,

estando necessariamente vinculada à criação e à produção científica e tecnológica [...]‖ (IFC,

2014, p. 52).

O depoimento desse gestor traz uma análise da cultura instalada no Ensino Superior,

fruto de práticas de segmentação e compartimentalização do conhecimento e do status que

cada atividade ocupa nesse contexto. Entra em choque com o discurso escrito no PDI, o que

reforça a fabricação do discurso oficial. Ao conceber o currículo e sua organização

disciplinarmente, há um campo de disputas que advoga pela classificação e pela

hierarquização dos saberes, o que vem de encontro com a perspectiva do currículo integrado

no qual se desenvolvem inter-relações entre os ―[...] objetivos de formas de conhecimento

diversas genuinamente articulados. [...]. Trata-se de uma concepção de currículo integrado

que valoriza as disciplinas individuais e suas inter-relações‖ (LOPES; MACEDO, 2011b, p.

131). Se a integração curricular realmente ocorresse no âmbito institucional, conforme

previsto no texto legal, “[...] essa percepção, dessas coisas como atividades muito distintas

umas das outras” (S3), não seria tão latente e possibilitaria o desenvolvimento da cooperação

entre os campos disciplinares, mas isso requer construir o entendimento sobre como as

disciplinas escolares formam na confluência de temas comuns (LOPES, 2006). É novamente

o contexto da prática como produtor de sentidos na circularidade das interpretações (BALL;

BOWE, 1992).

Ter autonomia para realizar escolhas individualmente é mais simples do que tê-la em

um conjunto de instituições que, de longa data, eram, até certo ponto, independentes, com

estrutura reduzida e práticas consolidadas. Sair dessa condição para formar um grupo que

inicialmente já teve uma expansão considerável e que, após dois anos tinha praticamente

dobrado de tamanho, tem implicações profundas em todos os aspectos organizacionais. Entre

as implicações destacadas pelos gestores está a dificuldade de diálogo e articulação entre as

ações, o que impacta na transição da identidade antiga para a nova com reflexos no

planejamento nos diversos níveis, o que fragiliza o alcance dos objetivos referentes à

implantação da Pós-Graduação. Ao invés da articulação e integração, tanto curricular como

organizacional, há fragilidades e disputas no contexto da prática.

Page 162: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

162

5.4 ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO DA POLÍTICA DE PÓS-GRADUAÇÃO NO IFC

Ao serem questionados sobre as políticas de Pós-Graduação desenvolvidas no âmbito

do IFC, as estratégias utilizadas e o envolvimento da comunidade acadêmica, os discursos dos

entrevistados ora se aproximam, ora se afastam. S1 fez relação com a Política Nacional de

Pós-Graduação e o movimento no sentido de “descentralizar-se dos grandes centros”, ou

seja, promover a interiorização. A instituição considera que as ações estão sendo

desenvolvidas para “[...] levar realmente a pós-graduação para mais perto das pessoas que

estão terminando, fazendo a graduação, que precisam se aperfeiçoar profissionalmente [...].

O fato de o IFC se propor a fazer esse tipo de trabalho, de propor cursos de pós-graduações

em áreas específicas e em regiões específicas, facilita o acesso das pessoas” (S1).

Ao fazer referência à oferta de cursos em ―áreas do conhecimento específicas‖ em

―regiões específicas‖, S1 considera os ―arranjos produtivos locais‖ como uma das diretrizes a

serem seguidas pela política do IFC. Há um alinhamento das políticas do micro e do macro

contexto, um consenso construído e pautado na ideia de que as ações mais próximas às

necessidades de uma determinada região revertem-se em melhoria da qualidade de vida, o que

não deixa de ser legítimo além de possibilitar ao IFC a construção de uma identidade

diferenciada das universidades, atuando em segmentos educacionais, sociais, culturais e

econômicos não contemplados por outras instituições.

Esses arranjos produtivos locais como dispositivo presente na lei de criação evidencia

uma política que, de certo modo, como discutido em capítulo anterior, vem na direção

contrária dos discursos das agências internacionais. Resta saber a quem interessa, quais os

reais objetivos, quando estão presentes ações que, por um lado, ao possibilitar o acesso,

privilegiam pessoas historicamente excluídas e, por outro, cria mecanismos que favorecem a

iniciativa privada, a exemplo do Programa Universidade para Todos (PROUNI)53

. Ball

(2012a) argumenta que estamos diante de um outro Estado, integrante de uma comunidade de

políticas globais que alterou seus modos de fazer políticas educacionais. A heterarquia é

53 É um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo Federal em 2004, que oferece bolsas de

estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e

sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior. Podem participar os

estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais da

própria escola, estudantes com deficiência e professores da rede pública de ensino, no efetivo exercício do

magistério da educação básica e integrantes de quadro de pessoal permanente de instituição pública. Nesse caso,

não é necessário comprovar renda. Para concorrer às bolsas integrais, o candidato deve comprovar renda familiar

bruta mensal, por pessoa, de até um salário mínimo e meio. Para as bolsas parciais (50%), a renda familiar bruta

mensal deve ser de até três salários mínimos por pessoa. (Fonte: http://siteprouni.mec.gov.br/).

Page 163: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

163

muito mais presente que a velha hierarquia atuante e protagonista do passado. É fluída, mas,

ao mesmo tempo, intencional e com efeitos planejados.

Manifesta-se, aqui, conforme o discurso de S1, a convergência entre as políticas

institucionais e as nacionais, pois os arranjos produtivos locais estão previstos na Lei Nº

11.892/2008, de criação dos Institutos, ao mencionar no artigo sexto suas finalidades e

características.

[...] orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos

arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no

mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural

no âmbito de atuação do Instituto Federal [...]. (BRASIL, 2008b, p. 1, grifos

nossos).

Como política do IFC, S4 fez referência às resoluções que regem a criação de cursos

da Pós-Graduação, tanto no lato como no stricto sensu. A submissão de propostas com vistas

à aprovação de Mestrado Profissional e as tentativas frustradas de não aprovação do Mestrado

Acadêmico podem ser entendidas sob dois aspectos: 1) Na Política Nacional de Pós-

Graduação, a indução do Mestrado Profissional é explícita. No atual PNPG, a própria agência

reconhece: ―Nos últimos anos, a CAPES patrocinou uma iniciativa com o potencial de mudar

em profundidade a situação, o perfil e a natureza do mestrado, a saber: a criação do mestrado

profissional, voltado para as áreas profissionais e aplicadas‖ (BRASIL, 2010a, p. 126). Esse

discurso evidencia a aproximação com as atuais políticas nacionais, mas também uma

mudança em relação ao discurso produzido na década de 1990, quando havia o temor de que o

Mestrado Profissional fosse de menor qualidade. 2) O ponto forte de atuação dos institutos é o

vínculo com as atividades de pesquisa e, consequentemente, da Pós-Graduação stricto sensu

no campo profissional, científico e tecnológico com mais proximidade aos arranjos produtivos

locais. No entanto, esse direcionamento da CAPES aos mestrados profissionais também é

uma forma de se aproximar dos consensos construídos em instâncias superiores, como

discutido ao longo desta tese.

Nesse sentido, o atual PNPG ―[...] condensa 20 anos de mudanças estruturais no

Brasil, que se adaptou uma vez mais aos supostos da economia mundial desenhada com os

contornos da predominância econômica e financeira colocando [...] em movimento um novo

paradigma de políticas públicas em que o social tornou-se uma mercadoria‖ (SILVA

JÚNIOR; KATO, 2012, p. 12), com a garantia de crescimento baseado na qualidade e na

inovação.

Como estratégia, S4 destaca a qualificação do corpo docente e a interação inter e entre

áreas para suportar um curso de Pós-Graduação. Ressalta o desenvolvimento de análises

Page 164: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

164

institucionais para o atendimento dos critérios exigidos pela CAPES, como, por exemplo,

produção científica e qualificação docente. S2 vincula as políticas institucionais de Pós-

Graduação ao Planejamento Estratégico e ao Plano de Desenvolvimento Institucional onde

são encontradas as metas para a Pós-Graduação e a criação de cursos até 2018. A mudança

das propostas de Mestrado Acadêmico para Profissional e as sucessivas tentativas de

aprovação também está latente no seu discurso, inclusive a diferença anunciada por S2

possibilita tencionar o papel dos institutos que, com status de universidade, tende a lutar

contra o preconceito construído sobre as escolas técnicas que passaram a atuar em cursos

superiores. É nesse sentido que se abre a possibilidade de fazer a diferença no Brasil,

construindo um perfil e um itinerário formativo diferenciado das universidades brasileiras

com capacidade de atender às demandas mais específicas das populações até então excluídas.

Seria transcender o ensino técnico construindo bases para a implantação e a consolidação de

novas formas de atuação.

As orientações da CAPES induzem à elaboração de propostas de Mestrado

Profissional e, ao mesmo tempo, alinham-se às pretensões dos organismos internacionais. Há

um discurso justificador que aproxima o setor produtivo e o desenvolvimento de pesquisas

aplicadas que utiliza da avaliação para exercer acentuado ―[...] controle sobre fins e produtos,

para solidificar os modelos pretendidos e orientar, ao mesmo tempo, o mercado‖ (COSTA

JÚNIOR; BITTAR, 2012, p. 272).

Sob o ponto de vista de S2, o fato de o IFC ser uma instituição jovem amplia a

dificuldade de abertura e aprovação de novos cursos. As ações que vêm dando resultado na

Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação são “[...] aumentar o número de bolsas,

aumentar o número de pesquisadores, aumentar os recursos, começamos a trabalhar com

instituições, outras instituições públicas e também instituições privadas [...]. Embora

tenhamos uma ideia de planejamento institucional que nos leve a tentar cursos de Mestrado,

eles só serão obtidos e aprovados, à medida que fortalecermos ou continuarmos fortalecendo

a base, que é a produção científica” (S2).

A estratégia que vem dando resultados é o fortalecimento da pesquisa, com bolsas,

obrigatoriedade de publicações e participação em eventos. O calcanhar de Aquiles para

aprovação dos mestrados parece ser mesmo a baixa produção científica. Na outra ponta, os

critérios de avaliação da CAPES, ainda que pretendam ser qualitativos, em sua essência são

quantitativos e altamente excludentes, pois são contabilizados os produtos produzidos pelos

grupos de pesquisa e pelos programas.

Page 165: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

165

Ao centrar as avaliações nas ferramentas de controle, produtividade e

performatividade, sobre os quais estão sujeitos atualmente os programas e os pesquisadores,

há evidência de pelo menos dois paradoxos: os autores que, por meio de suas produções

científicas, criticam o posicionamento da academia e a lógica produtivista e mercadológica, os

mesmos que estão irremediavelmente sujeitados a ela e sofrem as pressões. ―Esse é um dos

embates da Pós-Graduação com os órgãos de avaliação, pela intensa cobrança de

produtividade, num ritmo em que tudo tem de gerar produto.‖ (COSTA JÚNIOR; BITTAR,

2012, p. 269). Se o IFC quiser ter programas aprovados deverá necessariamente inserir-se

nessa lógica que, nesse PNPG, de acordo com Silva Júnior e Kato (2012), ancora-se em

categorias como avaliação, certificação em massa, internacionalização e indução a um novo

fazer científico que conduz a readequação dos programas em uma lógica de segmentação

focada em públicos específicos, com oportunidades distintas de formação. Assim os cursos

lato sensu atenderiam as empresas e as indústrias em espaços nos quais haveria menor

exigência técnica, enquanto os mestrados e os doutorados profissionais estariam vocacionados

aos espaços industriais e acadêmicos com maior exigência na pesquisa e na técnica.

Na percepção de S2, a estratégia institucional é o planejamento “[...] em que a

comunidade, na verdade, revela a demanda os anseios. [...]. As estratégias que estamos

utilizando agora para tentar conseguir isso vem desde a internacionalização, levar o nome do

IFC para fora [...], temos editais, por exemplo, para subsidiar a participação de docentes em

congressos, em eventos nacionais e internacionais, embora nesse ano os eventos

internacionais tenham sido suprimidos do edital por falta de recurso. [...]. Como estratégia

também há o lançamento de editais com recurso para publicação, estamos disponibilizando

recurso para os pesquisadores publicarem sua pesquisa, que também tem custo elevado”

(S2).

A internacionalização referida por esse gestor está presente em um dos objetivos do

PE: ―Estabelecer programa de parcerias nacionais e internacionais‖ (IFC, 2013, p. 27). No

PDI, há um item referente à internacionalização como competência da Pró-Reitoria de

Extensão (PROEX): ―[...] planejar o desenvolvimento de ações para internacionalização da

instituição e fomentar relações de intercâmbio e acordos de cooperação com instituições

estrangeiras. Para dar suporte a esses objetivos, a PROEX conta com a Assessoria de

Relações Internacionais (ARI) [...]‖ (IFC, 2014, p. 50). Ainda, conforme o documento, essa

Assessoria tem sua principal função concentrada na consolidação de acordos de cooperação

com universidades estrangeiras, bem como dar suporte a acadêmicos e a funcionários em

estágios internacionais e programas de intercâmbio. Ao fazer referência à integração

Page 166: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

166

necessária entre as Pró-Reitorias no alcance dos objetivos, a Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-

Graduação e Inovação é considerada parceira no desenvolvimento de ações que resultam em

convênios de cooperação circunscritos às universidades internacionais por meio de visitas e

estágios de pesquisadores, participação de pesquisadores em Seminários de Pesquisa focado

em ações que possam resultar em publicações e eventos conjuntos.

A Pós-Graduação brasileira tem concentrado a produção do conhecimento científico e

tecnológico. É por essa via que, normalmente, se iniciam as parcerias, quando professores e

alunos têm experiências na formação e na pesquisa em instituições internacionais. Desse

modo, estabelecem-se os vínculos, inicialmente como consumidores da bibliografia seguidos

pelas relações com os centros de pesquisa e unidades onde vivenciaram suas experiências.

Nesse movimento, pode-se estabelecer a ―Cooperação Internacional Avançada‖ materializada

pelo desenvolvimento de projetos e pesquisas conjuntas. ―A construção de redes acadêmicas

apoiadas por editais financiadores direciona o desenvolvimento de pesquisas e de formação de

recursos humanos com centros de origem de formação no exterior‖ (MOROSINI, 2011, p.

98). Nesse contexto, a CAPES e o CNPq são as agências que apoiam tais atividades de

pesquisa e reconhecem a elegibilidade dos proponentes via editais, o que impele as

instituições a se adequarem às normas estabelecidas.

O discurso dos gestores, centrado nas ações da pesquisa, identifica que esse é o

caminho para a constituição da Pós-Graduação, uma vez que os indicadores da CAPES

privilegiam a produção científica e a consolidação dos grupos de pesquisa. Os gestores, em

suas falas, evidenciam a compreensão dos requisitos para a implantação da Pós-Graduação no

Instituto, anunciam as principais estratégias adotadas – fortalecimento dos grupos de pesquisa,

incentivos a publicações, lançamentos de editais específicos para bolsas de pesquisa,

incentivos para participação em eventos. No entanto, essas estratégias anunciadas não se

confirmam no documento do Planejamento Estratégico.

Para S3, ―[...] em termos de política, propriamente de pós-graduação, o que nós temos

escrito, os nossos documentos, é de apoiar, é de criar mecanismos de apoio aos grupos que

se destacam na produção acadêmica e assessorá-los na perspectiva de consolidação desse

grupo e a possibilidade de aproveitar e conseguir aprovar cursos de pós-graduação stricto

sensu [...]”. Ao elencar as ações desenvolvidas, ele destaca o diagnóstico dos grupos de

pesquisa existentes identificando os que têm maior produtividade e dentro deles os

pesquisadores mais produtivos. ―Até porque, pela nossa própria história, falta familiaridade

com Graduação, com Pós-Graduação e, especialmente, o stricto sensu, do ponto de vista

institucional, mas temos muitos doutores dentro da casa, isso faz com que tenhamos criado

Page 167: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

167

grupos de pesquisa sem propriamente a identidade de um grupo de pesquisa, por mais

pessoas que se juntaram para dar conta de um edital ou de outro, mas não grupos de

pesquisa” (S3).

Manifesta-se, aqui, utilizando a expressão de Ball (2010a, 1994), a ―fabricação de

estratégias de gerenciamento‖ que os sujeitos produzem, no contexto da prática

organizacional, para responder às situações específicas. Ao exemplificar a situação, S3

enfatiza que grupos numerosos têm, muitas vezes, poucos pesquisadores produtivos e a

maioria improdutiva, o que é um problema do ponto de vista da produção científica e,

também, para a própria consolidação dos grupos. Esse movimento os impele a articularem-se,

criando espaços de manobra e oportunidades para responder aos critérios e à política de

acordo com seu próprio contexto, cada um caracterizado por uma complexa rede de

identidades e interesses (HOSTINS, 2014).

Embora no âmbito do IFC a aprovação dos programas de Mestrado Profissional

aprovados e recomendados pela CAPES seja recente, o discurso dos gestores é revelador de

algumas práticas institucionais e das pressões exercidas pelos órgãos reguladores. Se

considerados somente os cinco campi objeto deste estudo, conforme apresentado no capítulo

da metodologia, é possível constatar que somam 450 professores efetivos, o que representa

mais de 55% da força de trabalho docente institucional. Destes, há 160 doutores e 249

mestres. Assim, na instituição, há um grupo com alta titulação e, pelo menos em tese, é

possível afirmar que há recursos humanos disponíveis para atuar nas especializações e nos

mestrados.

Uma outra ação que, conforme S3, tem sido positiva é o aproveitamento de edital da

CAPES no qual a Pró-Reitoria aprovou projetos para professor visitante nacional sênior em

duas das três propostas (humanas e produção e sanidade animal). “[...] é um olhar externo,

um orientador, um estimulador, um provocador externo que vem para dentro, olha e nos

desafia a ver onde temos possibilidades, estimular e ver onde temos fragilidades, enfim [...].”

(S3).

Ao referir-se às políticas desenvolvidas pelo IFC, S5 faz destaque à Lei de criação dos

institutos na qual há previsão de implantação da Pós-Graduação. Ele destaca que a Lei

também prevê 50% das vagas para o Ensino Médio e outra parte delas para o Ensino Superior.

Contudo, S5 considera “[...] que, no âmbito do Instituto, as políticas voltadas para a Pós-

Graduação ainda precisam ser melhor definidas. Como nós, até o momento, não temos

nenhum curso stricto sensu, isso demonstra também que devemos dar atenção para esse

cenário, de forma a possibilitar que os grupos de pesquisa estabelecidos consigam alavancar

Page 168: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

168

sua produção, para que num curto e médio prazo possam partir, também, para a pós-

graduação” (S5). O entrevistado considera estratégica também a atuação e o apoio da Pró-

Reitoria de Pesquisa e Inovação na elaboração de propostas, o que, de certo modo, vincula e

mobiliza a comunidade acadêmica tanto do Ensino Médio como do superior aos projetos.

S6, por sua vez, não reconhece a existência de uma política de Pós-Graduação no IFC,

mas cita ações que têm sido realizadas no sentido de implantar o Mestrado Profissional: “Eu

não sei se existe uma política do IFC voltada à pós-graduação. Se existe, eu desconheço. A

experiência que eu tenho na pós-graduação foi a ideia de implantar o curso de Mestrado

Profissional aqui no campus” (S6). Para ele, a proposta do Mestrado Profissional é um

incentivo da Reitoria em parceria com outros campi, assim como o investimento de setenta

mil reais para compra de equipamentos voltados à área do projeto como forma de

fortalecimento da infraestrutura. Já para S7, as políticas de Pós-Graduação no IFC são as

metas do Planejamento Estratégico nas quais há “[...] o objetivo de desenvolver cursos de

Mestrado e especializações nos campi [...] nossas políticas para implementação da pós-

graduação têm sido estimular a produção científica dos docentes” (S7).

O discurso dos gestores esclarece sobre as estratégias adotadas para vencer os

obstáculos produzidos pelas políticas nacionais e internacionais a que estão submetidos. A

busca dos meios para realizar um fim, nesse caso a implantação da Pós-Graduação, vai ao

encontro da política indutora do Mestrado Profissional imposta pela CAPES e alinhada às

políticas nacionais. Na Figura 13 a seguir, são apresentadas as principais estratégias e táticas

citadas pelos gestores na tradução das políticas.

Page 169: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

169

Figura 13 - Estratégias e táticas do IFC na tradução das políticas

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Page 170: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

170

Ao observar a Figura 13, é possível perceber que as estratégias estão concentradas na

consolidação da pesquisa, nos estímulos à produção científica, na formação docente e na

verticalização que possibilita a implantação de cursos de Pós-Graduação lato e stricto sensu.

Algumas estratégias e táticas ainda estão vinculadas ao planejamento em médio e longo prazo

e é perceptível que, na fala dos gestores, a internacionalização, que foi citada somente na

forma de convênios, ainda é um caminho a ser construído, embora no PDI (2014) e no Acordo

de Metas (2010) tenha previsão do desenvolvimento de programas interinstitucionais de

ensino, pesquisa e extensão com instituições nacionais e internacionais. Além disso, a Política

de Pós-Graduação explícita no atual PNGP (2011) situa a internacionalização dos programas

e as formas diferenciadas de financiamento como uma necessidade para o desenvolvimento

das pesquisas.

Quanto à identidade institucional, os gestores sinalizaram sua fragilidade. Isso pode

ser constatado em alguns dos depoimentos, quando eles se referem à instituição como

―escola‖, ou, ainda, o reconhecimento da população em geral ao referir-se como ―Colégio

Agrícola‖ ou ―Escola Agrotécnica‖. Há um sentimento de pertença que necessita ser

construído por todos os que fazem parte dessa instituição. Por outro lado, as resistências e as

ausências, por parte de um grupo de professores, podem ser interpretadas como negação à

nova realidade, que, ao ampliar a esfera de atuação institucional, exige de cada um a

ampliação da esfera de atuação profissional, o que é um campo em intenso movimento.

Entre os embates, há também uma luta da instituição e dos gestores envolvidos no

sentido de fortalecer a identidade institucional pela via da Pós-Graduação e da pesquisa.

Como instituição recém-criada, o IFC tem muitos desafios a vencer e os depoimentos dos

gestores são esclarecedores no sentido de que, para responder às políticas, é necessário fazer

acordos, travar lutas em campos de disputas que se materializam na passagem entre o velho e

o novo modelo institucional. É o que Ball (2012a, 2012b) nomeia de encenação/representação

política (enactement). Uma das formas de produzir um discurso normativo é a produção dos

documentos que, como artefatos, sinalizam a direção política e mostram o que precisa ser

feito, como, por exemplo, a padronização dos processos destacado pelos gestores.

Entendidas desse modo, ―[...] as políticas tornam-se representáveis e traduzíveis

através de diferentes conjuntos de artefatos, experiências, recursos materiais e atividades em

serviço; são estas as microtecnologias e representações da política que servem como

formadores e controladores de significado no mundo social e material da escola (BALL, 2012,

p. 121, tradução nossa). As táticas envolvem o fazer institucional no qual entendimentos

compartilhados são construídos e expressam os modos de atuação e os papéis que os gestores

Page 171: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

171

devem desempenhar, um movimento que não tem sido fácil do ponto de vista institucional.

São exemplos as dificuldades de diálogo entre os campi e a colaboração para elaboração de

propostas de especializações e mestrados interdisciplinares. A seguir, as interpretações e as

traduções da política no P.PORTO.

Page 172: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

172

6 INTERPRETAÇÕES E TRADUÇÕES DA POLÍTICA NO P.PORTO

De acordo com o sinalizado no capítulo anterior, neste capítulo, especificamente

interesso-me por identificar as estratégias e as táticas adotadas pelo P.Porto com vistas à

implantação/consolidação da Pós-Graduação no contexto de reorganização como instituição

de Ensino Superior.

6.1 DILEMAS DA TRANSIÇÃO DA IDENTIDADE DE PROFESSOR/PESQUISADOR

PARA GESTOR

A exemplo do movimento realizado no capítulo anterior e com a mesma

intencionalidade, o exercício de compreensão da transição da identidade de um professor e

pesquisador para o gestor requer que se conheça, ainda que minimamente, sua trajetória

acadêmica e profissional. Foi nesse sentido que busquei, nos limites da entrevista, conforme

sinalizado no capítulo 2, saber a formação e as experiências profissionais dos agora gestores

do P.Porto.

Ao contextualizar sobre a formação dos professores nos cursos de doutorados, de

modo geral, S1 esclareceu que as ―propinas‖54 pagas pelo doutoramento são altas em relação

àquelas praticadas nos mestrados, mas “houve programas públicos que financiaram o

pagamento desses Doutoramentos, programas com o apoio da União Europeia”, o que

evidencia as influências das políticas pensadas em contextos externos que direcionam as

ações institucionais internas. Para além do exposto por S1, com a vigência da Declaração de

Bolonha e a reorganização do Ensino Superior, de certo modo, também foi necessária mais

qualificação por parte dos professores.

À medida que foram convidados a exercer as funções gestoras ou assumindo

espontaneamente os desafios, eles se obrigaram a diminuir ou, ainda, conciliar a carga horária

em sala de aula, o que se traduz no alargamento das funções. Nesse sentido, são várias as

afirmações: “[...] desde o início [...] assumi um projeto que nós temos internamente

vinculado à ação de um sistema de gestão da qualidade, sobretudo, um referencial

internacional, a ISO 9001; e isso permitiu, de alguma forma, ter algum desafio, não era

elemento da gestão, era elemento, portanto, de uma docente [...]” (S3). “E, digamos que ao

longo deste tempo, fui assumindo algumas responsabilidades na Escola onde trabalho, [...] e

desempenhei responsabilidades de vários tipos” (S1); “[...] acabei por, muito cedo, me

tornar professor coordenador” (S2).

54

Expressão utilizada em Portugal para fazer referência ao pagamento de mensalidades.

Page 173: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

173

De modo inverso, S4 afirmou que nunca teve ideia de entrar para a gestão, mas o fato

de ter feito doutoramento em outro país já o inseriu no âmbito das ligações com programas

internacionais. Quando concluiu o Doutorado, “[...] a primeira coisa que me colocaram à

frente foi a gestão de um curso que nós tínhamos, um único curso, no qual eu tinha a ensinar

e, portanto, a primeira coisa foi dizer: „agora que vieste do Doutoramento‟ „vais tu gerir esta

parte do curso‟ [...]” (S4). As entradas nas funções de gestão ainda ocorreram por conta do

ingresso em órgãos representativos, a exemplo do “[..] Conselho Técnico Científico [...]” dos

Departamentos nos quais são professores, como foi o caso de S6. Para S7, o desafio inicial

que o lançou para a gestão foi a coordenação de um Departamento: “[...] lançaram-me o

desafio de ficar a gerir um Departamento” (S7). S8 destacou que, como docente, sempre

esteve muito “ligado à atividade de pesquisa e desenvolvimento”, tanto nas aulas da

Graduação como nos cursos de Doutoramento nos quais atuou com acentuado enfoque na área

de desenvolvimento.

O ponto comum para esses gestores foi a entrada pela docência; no entanto, alguns,

após o ingresso na gestão, se identificaram com as atividades e procuraram fazer carreira em

outras funções, como pode ser constatado na fala de S5 quando ele enfatiza sua predisposição:

“É preciso perceber que nós não somos nomeados, nós somos eleitos e uma vez que somos

eleitos, somos nós que nos candidatamos, temos que nos candidatar” (S5). Todos os

entrevistados acumulam, no momento, pelo menos duas funções de gestão, quer sejam no

âmbito das Escolas/Institutos, ou nos órgãos centrais do P.Porto, além das atividades de

docência. Há casos que eles são exclusivamente gestores.

Alguns reforçam sua identificação com a sala de aula e com as pesquisas: “Devo dizer

com toda a franqueza que o meu maior gosto é ser professor, é a atividade letiva, a atividade

de pesquisa e, sobretudo, a relação entre essas duas atividades. [...] eu continuo sempre a ter

atividade letiva, a dar aulas, exatamente para nunca me esquecer de que o que eu gosto de

fazer é dar aulas e, portanto, que isso são tudo tarefas transitórias e que o fundamental não é

isso.” (S1); “[...] eu gosto muito de ser professor e as funções de gestão são uma enorme

chatice, para dizer a verdade, porque nos tiram o tempo para preparar aulas, para

desenvolver conteúdos formativos para os alunos e para investigar, que é uma coisa que eu

gosto muito e que cujo tempo é muito pouco, sobretudo, agora, com tantas tarefas de gestão”

(S6). Outros reconhecem que se identificam com a gestão como área profissional: ―Percebi

que tinha algumas características de gestor que me facilitavam a resolução de problemas”

(S7). “[...] minha função basicamente é da representação do órgão, o órgão é um órgão

Page 174: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

174

crucial e, portanto, muitas vezes temos de exprimir a vontade do órgão, pode até não ser a

minha, mas é o que resulta, digamos, da vontade do órgão” (S2).

As afirmações de S2 e S7 demonstram que os núcleos se organizam de modo a ter

representatividade e marcar posições na tomada de decisões, pois estar na função também

representa um privilégio. Por outro lado, gerir a sala de aula é uma das dimensões da gestão

no micro espaço institucional; no entanto, para ser gestor em tempos de educação

administrada para a performance, com a maximização de lucros e de resultados, requer outras

habilidades que modificam também o perfil dos docentes. As atividades administrativas os

impelem ao olhar global e altamente inter-relacionado com os resultados ―[...] do tipo

produtivista e funcional [...]‖ (LIMA, 1997, p. 49).

Assim como os ingressos na gestão ocorrem por vários caminhos, os desafios que os

levaram a aceitar tais funções também podem ser de ordem pessoal ou profissional. S5

respondeu, por exemplo, de forma muito breve, com frases curtas a essa questão, mas uma

consulta rápida em seu currículo publicado na internet deixa claro que ele sempre esteve

ligado à gestão desde seu ingresso na instituição. Os motivos mais presentes citados pelos

gestores para aceitar as funções de gestão são os relativos ao crescimento e ao

reconhecimento institucionais e o comprometimento com a representação dos vários

segmentos, pois o Conselho Técnico Científico é um deles. “[...] achei que era a altura de me

dedicar a outras funções, mais diretamente dentro da Escola [...], que estava na altura de dar

também um contributo [...]” (S2); “Normalmente quando me põem um desafio à frente

costumo chegar ao fim, discuti-lo, desenvolvê-lo e concretizá-lo. Foi por aí que acabei por

estar ligado a uma gestão que tem a ver com direção de um departamento [...]” (S4).

Segundo S8, o fato de aceitar o desafio na gestão ocorreu por inúmeros fatores, “[...] mas

essencialmente o fato de eu entender que a minha experiência em termos de pesquisa e

desenvolvimento seria importante para tentar dinamizar a atividade de pesquisa dentro do

Politécnico do Porto [...], foi o fato de eu achar que nessas áreas seria possível introduzir

algumas mudanças significativas no Politécnico”.

Há os que mencionam o fato de adquirir experiência com a trajetória nas diversas

atividades, o que possibilitou “[...] de alguma forma, ter uma visão do todo em termos de

funcionamento dos processos organizacionais, da forma como as atividades que são

desenvolvidas dentro da Escola se articulam e, portanto, este é um sistema global” (S3); “A

motivação é tentar construir uma escola melhor, uma instituição melhor, mas que os desafios

tenham respostas, que as pessoas se sintam bem, que os estudantes possam aprender da

melhor forma possível de modo a desenvolver todo o seu potencial e, também, para que a

Page 175: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

175

escola possa ser um centro de conhecimento de saber e de investigação, que é um dos nossos

principais desafios” (S5). Nos depoimentos desses dois gestores, o compromisso com a

instituição e com a educação são reveladores do modo como se responsabilizam pelo sucesso

institucional. É um compromisso pautado, também, na performance e nos resultados (BALL,

2004), que expressa como as políticas entram nos ambientes com diferentes tecnologias entre

elas nos perfis de liderança requeridos pelos gestores.

Ou, ainda: “Tarefas de gestão não é tanto por gosto que faço, mas é mais por,

digamos, por sentido institucional. Ou seja, por considerar que quando sou convidado, sou

desafiado para desempenhar determinadas tarefas, tenho obrigação de as realizar. Nunca,

acho que em nenhum caso, comecei a desempenhar essas funções com uma enorme vontade

em fazer [...], ainda que, na generalidade dos casos, depois a própria função, o próprio

cargo, vai gerando o entusiasmo. Portanto, não é uma vontade de desempenhar, mas depois

com o caminhar das coisas, a pessoa acaba por se entusiasmar com o que faz” (S1). Para S7,

as tarefas de gestão tiveram origem nos desafios. Inicialmente, pensava que não possuía

habilidades de gestor, mas, com o passar do tempo, “[...] percebi que tinha, digamos,

algumas características de gestor, não todas, mas algumas características que facilitavam a

criação de pontes entre as pessoas, resolução de problemas, as pessoas não se entendiam,

haviam problemas para resolver e eu conseguia, sem grande esforço, que as pessoas

tentassem ou levá-las a agir no sentido que é pretendido sem que tivesse que ter nenhuma

postura de coação perante as pessoas” (S7).

O sentido ético profissional e do pertencimento institucional são reforçados nos

depoimentos de S1 e S7 ao enfatizarem a responsabilidade com a instituição e o compromisso

em ser ponte. Afinal, os gestores são chamados a agir ativamente, como recursos cruciais que

articulam flexibilidade, iniciativa e trabalho em equipe (MAGUIRE; BALL, 2011). Para além

do exposto, o exercício das funções de gestor agrega também habilidades de mediador de

conflitos e está centrado nos processos que visam atingir os resultados, seja ele com o foco

nas pessoas ou nas ações, delineados nas políticas institucionais vinculadas também ao

movimento do mercado. As técnicas de gestão e as consultorias passam a fazer parte da

implementação cotidiana das ações buscando a flexibilidade adaptativa e, ao mesmo tempo,

respondendo ao que vem sendo apresentado, defendido e recomendado pelos organismos

internacionais na perspectiva do gerencialismo (LIMA, 1997).

Nesse sentido, ao falarem sobre suas atividades na presidência do Conselho Técnico

Científico, os sujeitos destacam ser um “privilégio” (S4) estar em um órgão representativo e

deliberativo no contexto do P.Porto. Para S2: “Depois da última reforma legislativa, as

Page 176: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

176

competências do(s) Conselho(s) Técnico(s) Científico(s) viram-se diminuídas; enfim, de

competências de gestão só se pode falar num sentido muito lato de gestão, digamos, de

direção científica da escola, talvez nesse sentido se possa falar”. Entretanto, tanto S2 como

S4 e S7 enfatizaram as atividades burocráticas, que passam tanto pelo estímulo às atividades

de pesquisa e formação docente, quanto pelas contratações e renovações contratuais que

ocorrem anualmente. De certo modo, S2 expressa desapontamento quanto à redução das

competências de gestão do Presidente no âmbito do CTC, o que pode ser considerado uma

diminuição do status no campo de influências e de manifestações de poder institucionais.

O que fica explícito é o movimento que põe em pauta o gerenciamento e a otimização

dos recursos humanos, materiais e atividades com preocupação central no atendimento das

atuais políticas no âmbito do P.Porto. Esses aspectos, conforme Castro (2011), envolvem a

qualidade organizacional que se traduz nos resultados e na eficiência. É o gestor que altera

seus discursos e suas ações para responder às exigências que trarão reconhecimento nos

planos pessoais e institucionais. Ou, ainda, na perspectiva de Ball: ―Os professores [...] são

solicitados a produzirem medidas, resultados ‗melhores‘ e desempenhos, o que é tido como

importante é o que realmente funciona‖ (BALL, 2003, p. 222, grifo do autor).

A maioria dos gestores está, de certo modo, em conflito porque percebe a gestão e as

atividades de docência como campos dispersos. No entanto, conforme S5, a maioria das

funções de gestão estão sujeitas à candidatura e à eleição pelos colegas, o que expressa

também uma intenção de ocupar cargos que, na hierarquia institucional, são socialmente

prestigiados, porque seus ocupantes representam uma categoria. Por outro lado, as afirmações

também deixam explícitas uma concepção de gestão pautada na perspectiva clássica racional

burocrática, que separa o ser docente do ser gestor como atividades impossíveis de conciliar,

pois esta lhe retira as possibilidades daquela quanto ao desenvolvimento de pesquisas e

publicações que levam ao reconhecimento científico para os docentes. “E esse é um grande

problema a quem está a desempenhar tarefas de gestão: o tempo não chega para tudo” (S6).

Na contramão dessas posições, a fala de S3 situa a gestão em uma outra perspectiva,

mais compatível com uma visão emancipatória e integrada das duas funções. Ou seja, uma

visão de processos integrados que são bem-vindos nas perspectivas de gestão contemporânea,

quando, ao falar de suas funções em várias atividades de gestão, ele destaca que essas

experiências permitiram, “[...] de alguma forma, ter uma visão do todo em termos de

funcionamento dos processos organizacionais, da forma como as atividades que são

desenvolvidas dentro da Escola se articulam e, portanto, este é um sistema global. E isso

levou-me, de alguma forma, a ter, portanto, mais apetência à gestão” (S3). Nesse sentido, o

Page 177: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

177

gestor, o docente e o pesquisador andam muito próximos, ainda que as tarefas cotidianas da

gestão lhe consumam as energias (BALL, 2003) e exijam que os objetivos sejam alcançados

por meio da responsabilização pessoal do gestor e do docente.

Esse movimento realizado pelos gestores demonstra também que há uma cultura de

resultados que, no campo da micropolítica institucional (BALL, 1989), é baseada em

interesses de grupos heterogêneos nos quais a racionalidade e o planejamento situam as

organizações no campo da ―arena política‖ (COSTA, 1996). Os processos de tomada de

decisão são baseados em interesses e:

As organizações, concebidas como miniaturas dos sistemas políticos globais, são

percepcionadas, à semelhança destes, como realidades sociais complexas onde os

actores, situados no centro das contendas e em funções de interesses individuais ou

grupais, estabelecem estratégias, mobilizam poderes e influências, desencadeiam

situações de conflito, de coligação e de negociação tendo em conta a consecução dos

seus objectivos. (COSTA, 1996, p. 78, grifos do autor).

Em uma instituição com as características do P.Porto, o termo arena política e seu

significado auxilia na compreensão da gestão e dos seus dilemas, conforme exposto pelos

gestores, pois o fato de ser composto por unidades orgânicas, com histórias, identidades,

percursos e especificidades distintos, estabelece, na maioria dos casos, um caráter competitivo

e centrado nas ações das pessoas. Assim, é um campo que expressa jogos contínuos de

interesses, negociação, conflito e, sobretudo, o poder de alguns sobre os outros na tomada de

decisões. Na Figura 14, são apresentados os dilemas dos gestores

Page 178: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

178

Figura 14 - Dilemas dos gestores na configuração da política no P.Porto

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Nesses dilemas profissionais e institucionais, o que se encontra são pessoas que

aderem às regras por motivações diferenciadas: por senso de responsabilidades, por

identificação, por respeito ao grupo ou à instituição, por compatibilidade pessoal com as

tarefas de gestão, por identificação com formas sistêmicas de leitura institucional, com a

necessidade de planejar em longo prazo. Por um caminho ou por outro, vemos sujeitos

encarnados em histórias reais e sentimentos procurando, a seu modo, construir com a

instituição suas estratégias e táticas de resposta à política. Todas essas formas de respostas

fabricam novas subjetividades (BALL, 2003) e como tais representam a grandeza que aquele

que produz algo considera como de qualidade ou valor, tanto individual como organizacional.

No entanto, o valor que o outro confere pelo que foi realizado também adquire importância e

caracteriza as relações de poder e os sistemas de recompensa. É a imagem de si, mas também

a imagem projetada pelo outro.

6.2 CONTRADIÇÕES DA POLÍTICA: DIRETRIZES, AVALIAÇÃO E REALIDADE EM

MOVIMENTO

Quando questionados sobre a política nacional de avaliação e a sua equiparação em

termos avaliativos às universidades, os gestores trouxeram à tona questões e dilemas que

expressam o movimento que vem sendo empreendido para responder às exigências e aos

Page 179: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

179

desafios presentes no cenário português. Essa realidade está fortemente acoplada à ideia do

Estado Avaliador que a agenda internacional global (DALE, 2004) fixou no ―pacote‖ de

Bolonha. Para que os estudantes pudessem fazer uso da mobilidade, como anteriormente

sinalizado, era e continua sendo necessário que as instituições tivessem sistemas próximos de

créditos e que fossem reconhecidas como de qualidade.

As adequações efetuadas em larga escala no espaço europeu de Ensino Superior e sua

readequação provocaram aumento pela procura desse nível de ensino nas décadas anteriores

aos anos de 2000. Contudo, na contramão desse movimento, o financiamento estatal às

instituições não foi incrementado, impelindo-as a buscar outras fontes de subsistência mais

próximas da perspectiva do utilitarismo, no conhecimento imediatamente útil para a

sociedade, o que as situa na prestação de serviços, perspectiva também assumida pelos

gestores e fruto da organização institucional a qual estão vinculados, o que expressa seu

comprometimento quanto ao sucesso pretendido.

De modo geral, todos os gestores reconhecem a importância da avaliação externa e

obrigatória das instituições realizada pela A3ES55. Além desses procedimentos avaliativos

obrigatórios, há instituições pertencentes ao P.Porto que solicitam outras avaliações externas,

55

Na primeira versão da Lei de Bases (1986), havia artigos destinados à avaliação contínua do sistema

educativo, com ênfase na regulamentação e na utilização de instrumentos estatísticos. Somente na década de

1990, com a Lei Nº 38, de 21 de novembro de 1994, ocorreu a criação do Sistema Nacional de Avaliação, e, oito

anos depois, foi criado o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES), por meio do Decreto-

Lei Nº 205, de 11 de julho de 1998. Em termos práticos, estavam sujeitas às avaliações todas as instituições de

ensino superior universitário, politécnico, públicas e não públicas que se submetiam aos quatro Conselhos

compostos, conforme a tipologia organizacional das instituições. Necessário se faz destacar que a primeira etapa

avaliativa foi realizada ainda nos anos de 1990, mas somente foram avaliadas as universidades públicas e a

Universidade Católica. Os Politécnicos e as outras instituições de Ensino Superior somente foram incluídos nas

avaliações na segunda etapa ocorrida no período relativo aos anos de 2000 e 2005 (ROSA; SARRICO, 2012).

Entretanto, com o objetivo de adequar a política do Ensino Superior português às exigências de Bolonha, quanto

à avaliação e à acreditação desse nível de ensino e também como forma de estar apto a competir com outros

países na ―sedução‖ de alunos, pesquisadores, empresas e outras instituições conceituadas, em substituição ao

sistema anterior, foi criada pelo Decreto-Lei N.º 369, de 5 de novembro de 2007, a Agência de Avaliação e

Acreditação do Ensino Superior (A3ES). Essa Agência é uma fundação de direito privado, independente do

poder público que tem a responsabilidade de realizar os procedimentos de avaliação e acreditação do Ensino

Superior, bem como de seus ciclos de estudos. Essa avaliação possibilita a inserção de Portugal no Sistema

Europeu de Garantia de Qualidade do Ensino Superior e os custos relativos aos serviços prestados por essa

agência na avaliação externa são custeados pelas instituições.

Essa acreditação é obrigatória e pode ser tanto de iniciativa das agências, quanto das instituições de Ensino

Superior. Os resultados de tais acreditações podem ser favoráveis em tempo não superior a oito anos, favoráveis

condicionados ou desfavoráveis e, em suma, se referem ao atendimento de requisitos mínimos de qualidade, o

que de certo modo funciona como dar a conhecer à comunidade que o curso é oficialmente reconhecido por um

órgão oficial, o que no contexto europeu, altamente competitivo, assume ainda maior amplitude. O âmbito de

atuação dessa Agência caracteriza-se pelo controle da qualidade do ensino oferecido pelas instituições

portuguesas no ensino superior e conduz a uma ―cultura de qualidade, como elemento de autonomia e

responsabilidade social‖ (MARQUES, 2010, p. 144). Essa qualidade pode ser entendida sob vários prismas,

entre eles, a gestão, a formação dos professores, adequação das matrizes curriculares, capacidade física instalada

e investigação.

Page 180: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

180

que, dependendo da área de conhecimento, são consideradas estratégicas para o

reconhecimento no contexto internacional, a exemplo da Agência European Accreditation

Engineering Programmes – EUR-ACE. Há ainda gestores que consideram os critérios das

avaliações qualitativos, enquanto outros os consideram quantitativos. Mas, a maior ênfase nos

argumentos dos docentes refere-se às exigências da formação docente e ao impedimento legal

de oferecer o terceiro ciclo.

Sobre esse impedimento legal, S8 destacou: “[...] a um nível político, uma grande luta

que tem sido feita é no sentido do Politécnico não se ver limitado. Há uma divisão entre

universidade e politécnico e, do ponto de vista formativo, a maior limitação é não podermos

conceder o grau de Doutor”.

Ao referirem-se à Política para o Ensino Superior e aos procedimentos de avaliação e

acreditação externos realizados pela A3ES, “[...] parece-me essencial que existam essas

políticas. Para que possamos ter uma oferta de qualidade. Portanto, naturalmente que a

oferta tem que ser regulada [...] E, de fato, a acreditação dos cursos é realmente muito

essencial. Para que eles funcionem, naturalmente devem estar acreditados e as políticas, hoje

em dia, são restritivas [...]” (S6); “[...] considero muito bem não tenho nada a dizer sobre

estes aspectos além do mais nós além da A3ES temos outras avaliações voluntárias que

fazemos, [...] e fazemos de forma voluntária que não tem nada a ver com a A3ES então as

avaliações melhores obviamente contribuem para melhorarmos a nossa qualidade de ensino.

[...]. Até porque agora nós já temos o décimo segundo curso reconhecido por uma avaliação

voluntária. A A3ES é obrigatória, quisesse ou não quisesse, tinha de ter” (S5), em uma

evidente referência às agências de avaliação reconhecidas no espaço europeu de Ensino

Superior.

De modo geral, com a premissa de garantia de qualidade aferida por meio das

avaliações, a União Europeia com o Processo de Bolonha integra e diferencia

simultaneamente uma gama de sistemas e subsistemas nacionais baseados na criação de

sistemas de avaliação, conselhos e agências nacionais. É a lógica de mercado que orienta o

funcionamento de tais agências na prestação de serviços do ―tipo empresarial‖, atuando na

avaliação de instituições, cursos, programas e pesquisas que seguem “standards” utilizados

nas avaliações que devem ser seguidos por todas as agências. Para que seja possível essa

integração dos sistemas de avaliação, os indicadores utilizados necessitam ser mensuráveis e

comparáveis (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008), o que impele as instituições às

adequações de modo a produzir respostas.

Page 181: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

181

Quanto aos critérios de avaliação, os gestores destacam que, tanto as universidades

como os Politécnicos, são submetidos aos mesmos procedimentos, o que pode ser constatado

em uma consulta rápida aos ―Guiões de Apreciação e Manual de Avaliação publicizados na

homepage da Agência. Para S1, a avaliação é completamente qualitativa: “[...] essa avaliação

não é uma avaliação quantitativa, não tem nenhum elemento quantitativo, ou seja, é uma

avaliação qualitativa que faz recomendações se considerar que elas são necessárias e depois

o que faz é uma acreditação, que pode ser o prazo máximo de seis anos ou, se entender que

há elementos que não estão nas devidas condições, mas que só por si não justificam que o

curso seja descontinuado, pode fazer acreditações por menos tempo. Por exemplo, acreditar

apenas por três anos, dizendo que a instituição tem aqueles três anos para melhorar

determinado aspecto do curso. Pode ser três anos, pode ser um ano. Normalmente é um ou

três anos para, digamos, melhorar aspectos que a agência considere que não estão em

condições” (S1).

Sobre esse aspecto, especificamente, outro gestor discorda por considerar que, no final

do processo, é o item quantitativo que tem maior peso: “Numa balança, pelos relatórios que

depois nos chegam das instituições, das comissões de avaliação, são as duas coisas, mas

aqueles que determinam, definitivamente, a acreditação ou a não acreditação são os

quantitativos, são estes. Temos 45% e não 50% de docentes em tempo integral, portanto todo

o resto é fantástico, os estudantes têm boa formação, as condições para assegurar, os

laboratórios estão equipados, os estudantes estão envolvidos em investigação, publicam

artigos, às vezes, das investigações que fazem na Licenciatura – não é uma coisa assim muito

comum – mas, apesar de mostrarmos que com o corpo docente que temos, que é qualificado,

não cumprimos, acabamos por levar um sinal amarelo e temos que alterar, isso num termo de

corpo docente, se quisermos ver o curso acreditado. Portanto, no limite, são os quantitativos

que determinam a acreditação ou não” (S7).

Os Critérios de Qualificação de Pessoal Docente para a Acreditação de Ciclos de

Estudos (2013) que o gestor faz referência também são públicos. Na Tabela 9 a seguir, foi

organizada a composição mínima do corpo docente/investigador exigidos ao ensino

universitário e ao ensino politécnico para acreditação dos cursos.

Page 182: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

182

Tabela 9 - Composição mínima do corpo docente/investigador exigidos nos Ensinos Superior Universitário

e Politécnico

Docente / Investigador

1º ciclo 2º ciclo 3º ciclo

U P U P U P

Corpo docente próprio (docentes em

tempo integral) 60% 60% 75% 75% 75% -

Academicamente qualificado

(Grau de Doutor) 50% 15% 60% 40% 100% -

Especializado

(Doutores / especialistas nas áreas

fundamentais do ciclo de estudos)

50% 50% 50% 50% - -

Especializado

(Doutores especializados nas áreas

fundamentais do ciclo de estudos)

30% - 40% 20% 75% -

Fonte: Elaborada pela autora com base nos critérios de qualificação de pessoal docente para a acreditação de

ciclos de Estudos da A3ES.

Obs.: U – Universitário; P – Politécnico.

Os valores percentuais, conforme esclarecido no documento da A3ES, são calculados

sobre o total de docentes e considerados em ETI (Equivale a tempo integral) que se refere à:

―Percentagem de tempo dedicada por um docente a um determinado estabelecimento de

ensino, tomando como referência a dedicação prestada por um docente em regime de tempo

integral‖ (A3ES, 200-, p. 8). O que se observa na Tabela 9 é que, para o primeiro ciclo, as

exigências quanto ao regime de contratação do corpo docente são as mesmas. No entanto,

quanto à porcentagem de docentes com grau de Doutor, estão evidentes algumas

diferenciações com menores percentuais exigidos aos Politécnicos, o que apresenta também

implicações quanto à concepção da formação oferecida em cada um dos subsistemas.

Para amenizar o problema do tempo integral dos docentes, a estratégia é: “[...] o

docente leciona uma hora dos milhares de horas que o curso todo tem, mas aquela hora não

é tida em proporção das horas totais do curso, é tida em relação à porcentagem contratual

do docente, que não está 100%, mas conta estando a 100%. Conclusão... Não é preciso haver

muitos docentes em tempo integral a lecionar em um curso para, facilmente, o número de

doutorados e especialistas da área serem inferiores a 50%... E temos aqui um problema

grave. Andamos às vezes a contratar docentes em tempo parcial, com um currículo inferior

aos docentes a tempo integral que temos na instituição, para que o corpo docente do curso

cumpra os critérios da A3ES” (S7). A afirmação desse gestor evidência uma das táticas

utilizadas para atender aos critérios de avaliação e, ao mesmo tempo, ter os cursos

reconhecidos. Há uma adequação, um consenso construído e um conflito instalado. Ao

desenvolverem ―[...] diferentes lógicas de ação que, em muitos casos resultam de condições

internas e externas congruentes [...]‖ (BALL; MAROY, 2009, p. 110), cria-se, como nesse

caso, um conflito, pois, ao contratar professores com um currículo mais básico, do ponto de

Page 183: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

183

vista formativo, também há implicações que, apesar de minimizadas, podem impactar na

formação dos alunos.

De acordo com Lima, Azevedo e Catani (2008), as avaliações ―de tipos administrado e

positivista‖ aproximam-se de uma tarefa técnica que diverge da concepção da produção do

conhecimento como processo. Assim, a cultura e a comunidade acadêmica, tanto quanto as

práticas democráticas, estão em posição oposta à cultura empresarial, ao novo gerencialismo e

à competitividade que conduz à fabricação das respostas às políticas.

Quanto à similaridade do processo de avaliação entre as universidades e os

politécnicos, os gestores confirmam que os Guiões para elaboração do relatório de

Avaliação/Acreditação e Ciclos de Estudo em Funcionamento (AACEF) (2012) são idênticos,

o que é facilmente constatado na homepage da Agência, apesar de estarem em documentos

distintos. Ao publicar documentos distintos para uma mesma finalidade, percebe-se uma

intencionalidade de marcar a separação entre os politécnicos e as universidades. Para a

autoavaliação das instituições (2014), há um único guião para os dois subsistemas, ou seja,

estão submetidos às mesmas regras.

Para responder às atuais exigências dos processos de avaliação, no âmbito do P.Porto,

há um Departamento que coordena esses processos na instituição. De modo geral, conforme

relatos dos gestores, para a acreditação, a instituição proponente elabora um relatório

minucioso sobre as capacidades de recursos humanos, físicos, investigação, entre outros, e o

submetem à A3ES que realiza a análise e acredita ou não os novos cursos. Até o presente

momento, as avaliações estão centradas nos ciclos de licenciatura e mestrados e também são

compostos de processos de autoavaliação dos cursos. “[...] a questão da autoavaliação

interna também nos obriga a refletir e eu acho extremamente importante, assim como a

avaliação externa” (S3). Após a apreciação dos relatórios, as comissões, que contam sempre

com um integrante estrangeiro, fazem visitas in loco. Entretanto, S8 destaca que, para além da

aprovação, é necessário “garantir sustentabilidade”. “Nós temos tido sucesso com a

aprovação de cursos, mas depois há exigências que nós temos que procurar garantir, ou seja,

não podemos perder a acreditação do curso”. Ou seja, uma atenção especial ao planejamento

calculado.

Os depoimentos de alguns gestores também sinalizaram as alterações que serão

realizadas nas avaliações a partir do próximo ano letivo. “[...] a Agência irá desenvolver um

processo que é também de avaliação das instituições, portanto, já não é apenas uma

avaliação dos cursos, mas será uma avaliação das instituições, do Politécnico do Porto,

como de todas as instituições” (S1); “E existe também um outro nível que o IPP agora é um

Page 184: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

184

desafio que ainda está a abraçar, que é a questão da avaliação institucional, [...]. O

Politécnico do Porto está nesse caminho, faço parte também da comissão que está a criar o

sistema interno de garantia da qualidade do Politécnico, já desenvolvemos aqui o que eu

considero que é o esqueleto base em termos dos procedimentos a adotar em todas as

unidades orgânicas do Politécnico, tanto que vai ser transversal, e eu considero

extremamente importante para, novamente, aumentar a qualidade do ensino ministrado é que

este sistema venha a ser totalmente implementado e venha a estar depois certificado pela

agência que nós queremos atingir” (S3).

Todas essas iniciativas reforçam a perspectiva da política neoliberal de avaliação,

acreditação e demais políticas de gerencialismo na educação e na qualidade focada nas

regulações do Estado. Essas são respostas às políticas globais que demonstram como as ideias

políticas movem-se e, ―[...] apesar da interpretação e da modificação de produtos de políticas

no âmbito nacional e local [...], há claramente agora algo que podemos chamar de ‗política

educacional global‘‖ (BALL, 2012a, p. 115, grifo do autor) – um conjunto genérico de

conceitos, de linguagens e de práticas que é reconhecível em várias formas.

Além desse sistema interno de garantia de qualidade, no P.Porto, há o Manual de

Qualidade (0.1/2015) anteriormente citado e alinhado ao Regime Jurídico de Avaliação do

Ensino Superior – Lei Nº 38, de 16 de agosto de 2007, que responsabiliza as instituições a

desenvolver uma cultura de qualidade baseada em estratégias e procedimentos com o objetivo

de garantir a qualidade dos ciclos de estudos oferecidos, que também tem ligação com as

exigências de Bolonha. Mais do que isso, há uma adequação às auditorias realizadas pela

A3ES para certificação de procedimentos internos de garantia de qualidade nas instituições.

Nesse documento, as estratégias institucionais estão centradas em três grandes áreas, ensino e

aprendizagem, investigação e desenvolvimento e transferência de conhecimento com

detalhamento de ações. Conforme destacado anteriormente, os gestores, ainda que

professores, são também os gerentes na abordagem do ―Modelo Gerencialista‖ de Lima

(2002, p. 99, grifos do autor), pois, nesse modelo, se ―[...] propõe a flexibilidade adaptativa e

contingente, monitorizada pelas avaliações da qualidade e comandada pela gestão da

qualidade total‖, ou ainda, a avaliação ―[...] tende a verificar a realização dos objectivos

através do controlo do produto e não através dos processos‖ (SEIXAS, 2001, p. 217).

Com o objetivo de manter-se nas posições mais elevadas dos rankings de instituições

como primeira escolha dos cursos pelos alunos, há também uma estratégia de valorização dos

cursos de Mestrado com uma sequência que, após a conclusão da licenciatura, o aluno tenha

opção de prosseguir na sua área de formação e, assim, manter-se na instituição. Sobre isso,

Page 185: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

185

vários gestores manifestaram-se: “A política é cada curso de licenciatura tem um curso de

mestrado” (S5); “Portanto, aqui o que temos é um grande investimento nas Licenciaturas, a

seguir um investimento muito grande nos Mestrados e ainda nas pós-graduações, mais do

que nos terceiros ciclos. Os terceiros ciclos estão em negociação” (S4); “Nós temos

Licenciaturas, os nossos Mestrados vêm na sequência das Licenciaturas. [...]. Portanto, um

dos nossos objetivos é que os nossos estudantes acabem a Licenciatura e pelo menos um

número considerável deles ingresse no Mestrado” (S6); “[...] procuramos ajustar a nossa

oferta formativa ao nível da Pós-Graduação, digamos, às exigências que nos são colocadas

pela sociedade no momento, que seja os Mestrados com cariz mais profissionalizantes, que

seja aqueles que são Mestrados de especialização” (S1).

A organização da oferta formativa em áreas subsequentes pode ser comparada à

verticalização que ocorre no IFC. Em ambas está relacionada à formação de uma identidade

na área da atuação institucional. Entretanto, enquanto no IFC é obrigatória, no P.Porto é um

modo de atrair alunos em algumas áreas, o que revela a lógica de mercado.

Em um contexto altamente competitivo como o do espaço comum europeu do Ensino

Superior, na conjuntura mais ampla e também na portuguesa, com a necessidade de privilegiar

as exigências da sociedade quanto à formação, há o desenvolvimento de táticas para que os

alunos se mantenham na instituição em mais de um ciclo, o que representa ganhos, pois os

alunos, como clientes, são muito disputados pelas instituições. Além dessa, há outra estratégia

que vem sendo utilizada: a de lançar pós-graduações que futuramente possam ser

transformadas em mestrados. A continuidade da oferta formativa também é uma forma de

otimizar a utilização de recursos humanos formando um corpo docente que atua em

determinadas áreas.

Nesse sentido, ao fazerem referência aos mestrados, os gestores destacaram: “[...] a

esse nível, o principal problema é, que, às vezes, falta de candidatos [...], por vezes criamos

aquilo que chamamos pós-graduações na tentativa de perceber se, com pós-graduação, há

número de candidatos suficiente para expansão ao Mestrado, para propor o processo” (S7);

“[...] existe um investimento muito grande nas pós-graduações de um ano por exemplo e que

depois podem vir a ser transformadas nos Mestrados de três anos [...]. E eu falo do modelo,

das horas, das ECTSs, e até de algumas unidades curriculares, que, depois, poderão ser uma

unidade curricular virada para o Mestrado. [...] as pós-graduações permitem, digamos, um

dinheiro direto à Escola melhor, do que às vezes a Licenciatura ou o Mestrado. [...] há aqui

também uma procura de saber o que o mercado quer para que internamente a Escola possa

Page 186: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

186

investir nesse mercado [...]” (S4). Sobre esse aspecto, S8 completou: “Os nossos Mestrados

funcionam em regime pós-laboral para que as pessoas possam frequentar”.

Nessa lógica de oferta, identifica-se uma intencionalidade oculta, pois, ao propor a

Pós-Graduação, há um objetivo maior que é o que realmente interessa e que vem ao encontro

das afirmações de Lima quanto à administração da universidade. ―Isto significa que a

administração da universidade não é meramente instrumental e muito menos neutra; promove

valores, organiza e regula um contexto social em que se socializa e se é socializado, onde se

produzem e reproduzem regras e onde se exercem poderes‖ (LIMA, 2002, p. 110).

Considerando a existência dos dois subsistemas, há algumas situações nas quais os

gestores se sentem injustiçados e julgam que elas causam prejuízos às instituições,

nomeadamente a diferenciação do financiamento e a ausência de critérios claros quanto a essa

distribuição, o que, em certa medida, impacta negativamente nos investimentos destinados às

atividades de investigação. S1 ressalta o fato de que o financiamento das instituições não está

ligado às avaliações, mas reconhece que é desigual. “Aqui não há tanto, de fato, esta

associação entre a avaliação e o financiamento dos cursos. Essa associação não é feita.

Embora o financiamento, honestamente, não é igual para todas as instituições [...]” (S1);

“[...] há necessidade de financiamento pelo menos igual e que possa incrementar dentro do

Politécnico uma investigação, digamos, igual à da universidade” (S4); “Uma universidade

tem um financiamento que é bastante superior àquilo que é em um Instituto Politécnico. Mas,

muito pior do que isso, muito pior do que isso, é que dentro dos Institutos Politécnicos não há

um critério para financiamento” (S6).

O estudo sobre o financiamento do Ensino Superior português, realizado por Cerdeira

(2008), concluiu que o Estado português segue as tendências internacionais de ―partilha de

custos‖ com o estabelecimento de ―propinas‖ e de políticas que propiciaram o ingresso e

desenvolvimento do Ensino Superior privado desde a década de 1980, como reflexo das ―[...]

limitações impostas pela adesão de Portugal ao Euro e consequente necessidade de respeitar o

Quadro de Estabilização Orçamental da União Europeia‖ (CERDEIRA, 2008, p. 557). No

âmbito internacional, as políticas de financiamento são articuladas entre ―propinas‖,

empréstimos e apoio social, tendência também seguida por Portugal.

Os valores financiados pelo poder público em geral, foram inferiores a 50%, onerando

estudantes e famílias. Quanto à diferenciação do financiamento estatal destinado aos

politécnicos, a autora concluiu que a contribuição pública ―[...] é acentuadamente inferior ao

esforço privado constituído pelos custos dos estudantes‖ (CERDEIRA, 2008, p. 564), fato que

converge com a afirmação do gestor. Ao diminuir o financiamento estatal, aumenta-se a

Page 187: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

187

mercadorização do Ensino Superior, pois eleva-se também a participação dos estudantes no

financiamento dos serviços públicos em evidente resposta às recomendações dos organismos

internacionais (CABRITO, 2011).

Se externamente o financiamento é desigual, a afirmação de S2 conecta o

financiamento interno do P.Porto destinado às escolas conforme o número de laboratórios e a

problemática do impedimento da oferta dos Doutoramentos: “[...] nós estamos submetidos,

por exemplo, às mesmas exigências de investigação e isso também resulta da política

paralela do IPP, das Escolas, que foi a criação de centros de investigação, até porque,

digamos, o financiamento que é concedido depende de termos centros de investigação. Só que

ter centros de investigação em Escolas que não têm Doutoramentos torna-se mais difícil, não

é? Porque muito dos membros desses centros de investigação, muitas atividades desses

centros de investigação são exatamente as que resultam e as que são feitas no âmbito de

programas de Doutoramento, [...] construíram-se aqui pelo menos dois centros de

investigação com investigadores também fora da Escola e, enfim, com já alguma produção”

(S2).

O direcionamento administrativo/gerencial efetivado por meio do financiamento

exemplifica as pressões vindas da gestão central quanto à criação de condições para responder

aos critérios de avaliação, mostrando o potencial da instituição quanto às atividades de

investigação. Nesse sentido, não somente os gestores, mas os professores estão subsumidos

aos ditames da produção que vinculados aos laboratórios e aos grupos de investigação

necessitam produzir, publicar, participar de eventos reconhecidos internacionalmente. Aqui

também está instalada a performance e a competição uma vez que chamados a atender os

objetivos políticos e estratégicos são responsabilizados pelo alcance do desempenho

institucional, prestando contas de sua produção (BALL; BAILEY, 2013) e competindo

internamente entre colegas e entre as escolas. A necessidade de respostas performáticas

evidencia-se, também, na instituição que luta pelo Doutoramento como uma possibilidade do

P.Porto atingir um status próximo das universidades.

Sobre as iniciativas institucionais vinculadas à produção científica, S8 ressaltou o

sucesso de “[...] um programa que nós fizemos para publicação de artigos em revistas de

elevada qualidade: significa que anualmente nós colocamos um orçamento na casa dos cem

mil euros nesse programa e financiamos os autores de artigos do Politécnico do Porto que,

no ano anterior, tenham publicado em revistas que estejam nos rankings da Reuters,

nomeadamente no Science Citation Index, no Social Science Citation Index e ainda no Arts

and Humanities Citation Index, porque também temos Escolas voltadas mais para as

Page 188: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

188

vertentes artísticas e humanísticas e, portanto, usamos também esse ranking” (S8). A

evolução em termos de quantidade de publicações também foi citada por esse gestor: “[...] em

2011, quando começamos com 87 artigos, este último ano tivemos 245; quer em termos de

qualidade, porque alguns grupos tinham alguma prática já de publicação, fruto um pouco até

da própria fórmula, beneficiar a posição das revistas dentro do seu ranking por publicarem

em melhores sítios publicações de mais qualidade nesses grupos” (S8).

O aumento no volume de artigos publicados e os incentivos institucionais alocados

para os professores mais produtivos revelam a cultura da ―performatividade competitiva‖

(BALL, 2004a), com o objetivo de formar novos perfis profissionais vinculando as

recompensas ao desempenho. É um movimento contínuo que vai realizando pequenas

mudanças organizacionais de responsabilização. ―Isso envolve uma reelaboração das relações

entre o compromisso individual e a ação na organização [...]‖ (BALL, 2004a, p. 1118).

Os gestores ainda consideram que a atual diferenciação causa constrangimentos para

além das avaliações quanto às progressões na carreira e quanto à execução das próprias

atividades, inclusive no que se refere ao número mínimo de aulas fixado nos respectivos

Estatutos das Carreiras Docentes que, para as universidades, é entre 6 e 9 horas e, para os

politécnicos, é entre 6 e 12 horas de aula. S2 classifica a situação como “[...] um bocadinho

esquizofrênica, de fato, porque nós estamos sujeitos, ao nível da avaliação, no fundo, a

exigências muito parecidas, tão idênticas, com a universidade, mas depois, ao nível da

formação, é nos dado o Mestrado [...]” (S2).

A cultura da qualidade (MARQUES, 2010) exigida às instituições Europeias nos

processos avaliativos, de acordo com Amaral e Magalhães (2010), traz também a ampliação

do conceito de stakeholders no Ensino Superior. Os autores explicam a diferenciação desse

conceito da sua origem no mercado para a transição que vem sendo utilizada nesse nível de

ensino:

O termo inglês stakeholder designa, tradicionalmente, aquele a quem se confia o

dinheiro dos vários apostadores até a definição de qual ou quais apostadores o

irá/irão receber. É, assim, alguém de confiança, muitas vezes alguém considerado

imparcial por não ser um dos apostadores, ou cuja probidade garante que os valores

depositados serão devidamente acautelados. Na sua utilização corrente no ensino

superior o significado é, porém, algo diferente: pessoa ou entidade com legítimo

interesse no ensino superior e que, como tal, adquire algum direito de intervenção.

Serão stakeholders os alunos, os pais, os empregadores, o Estado, a sociedade, as

próprias instituições de ensino superior (em relação ao sistema), etc.). (AMARAL;

MAGALHÃES, 2010, p. 7-8).

O ingresso desse conceito, ainda que de forma adaptada, no Ensino Superior, está

entre outros fatores ligados à massificação da sua oferta e ao consenso construído sob a ideia

da ineficiência do Estado Provedor. ―No plano regional, na UE [...] existem exigências de

Page 189: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

189

ajuste e de convergência que derivam de acordos entre ministros, como a Declaração de

Bolonha‖ (BALL, 2004, p. 1115). Há, ainda, ―[...] o importante trabalho de ‗consultores‘

internacionais e de empresários políticos, que defendem e ‗transmitem‘ soluções políticas‖

(BALL, 2004, p. 1115, grifos do autor). No caso específico da avaliação, confia-se a uma

Agência externa a condução do processo, o que leva também ao ranqueamento institucional e,

no contexto português, a uma acirrada disputa entre politécnicos e universidades.

Assim, cabe às instituições organizar um conjunto de documentos que também se

traduzam nos currículos e que permitam às agências externas avaliar a qualidade que,

baseados em indicadores e uma vez ratificados, conferem um selo de garantia. Nesse sentido,

as práticas institucionais são reorganizadas e apequenadas para ―[...] seguir regras geradas de

modo exógeno e a atingir metas‖. A lógica de organização das instituições especializadas é

substituída por sistemas de gestão com o objetivo de conquistar ―desempenho, melhoria da

qualidade e eficácia‖ (BALL, 2004a, p. 1117). Os processos e as decisões são amparados em

modelos de gestão de qualidade importados do setor empresarial e trazem implicações, pois as

funções de gestão são consideradas na perspectiva administrativa e empresarial e não na

perspectiva pedagógica.

6.2.1 As polêmicas da oferta dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTESP)

No contexto de embates e disputas discutido nesta Tese, encontra-se o recente

Decreto-Lei Nº 43, de 18 de março de 2014, que criou os Cursos Técnicos Superiores

Profissionais (CTESP), caracterizados por formações curtas que não conferem grau.

Conforme o artigo segundo, são ministrados no âmbito de ―[...] todas as instituições de Ensino

Superior Politécnico, bem como as unidades orgânicas de ensino superior politécnico

integradas em instituições de ensino superior universitário‖ (PORTUGAL, 2014, p. 2075).

Ao, de certo modo, impor e, ao mesmo tempo, limitar aos domínios dos politécnicos a oferta

de tais cursos, a imposição desse mecanismo de regulação intensifica a diferenciação que vem

sendo palco de embates.

De modo geral, os gestores entrevistados estão receosos quanto às reais intenções

dessa política, porque consideram que não houve discussão, mas sim uma imposição

direcionada, situação que os deixa temerosos. “Tememos um bocado que o Ministério queira

que os Mestrados... Julgo que há pessoas, há políticos que querem que os Politécnicos

deixem de conferir o grau de Mestre, mas que é uma realidade que hoje em dia é muito difícil

ultrapassar, ou então criar uma figura de um Mestrado, deixar para os Politécnicos apenas

Page 190: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

190

os Mestrados Profissionalizantes. Portanto, temos algum temor porque, enquanto, por um

lado, estamos a tentar ir aos Doutoramentos, por outro, há pessoas com o poder de decisão

ou potencial poder de decisão que estão colocados nos partidos mais fortes que querem, que

gostariam de ver uma divisão do sistema mais clara: as universidades com os Doutoramentos

e/ou com os Mestrados, até com as graduações e os Politécnicos, gostariam que ficassem...

Na realidade, o que gostariam são os cursos mais de nível técnico. [...]. É algo que nos é

recente, que estamos a apresentar as primeiras ofertas formativas, mas nasceu de uma

maneira um bocado torta... Eu acho que há, de fato, uma necessidade de formar profissionais

a esse nível para as empresas, mas a maneira como o Ministério impôs não foi a maneira

mais adequada” (S8).

Ao fazer referência à reforma política realizada no contexto português a partir de

2006, Heitor e Horta (2015) destacam as ações e tomada de posição governamental quanto à

promoção da especialização do sistema, o que de certo modo está conectado ao depoimento

de S8. Nesse sentido, os autores afirmam:

Uma maior diversidade institucional do ensino superior português foi prevista no

âmbito do processo político de reforma, com os institutos politécnicos centrados na

formação profissional/vocacional de curta duração e no 1º ciclo do ensino superior,

sendo previsível que a maioria das universidades centrem o seu crescimento em

programas de mestrado e doutoramento. (HEITOR; HORTA, 2015, p. 16).

Como pode ser observado, os institutos politécnicos deveriam ter seu foco na

formação profissional de curta duração, o que situa os Cursos Técnicos Superiores na

primeira opção de oferta formativa, seguida pelas licenciaturas. Os Mestrados e os

Doutoramentos sob essa perspectiva estão fora de âmbito de atuação dos institutos, o que

justifica os reiterados depoimentos dos gestores a respeito da pressão e das resistências que os

politécnicos maiores estão fazendo ao governo quanto à oferta dos doutorados.

Além da diversidade, o financiamento público para a ciência e tecnologia foi outra

ação da reforma com o objetivo de promover a diversificação do Ensino Superior quanto aos

graus acadêmicos:

[...] as reformas legais concretizadas entre 2006 e 2010 acentuaram a formação

vocacional e profissional do ensino politécnico, enquanto foi estimulado o ensino de

pós-graduação para as universidades. No caso das universidades, a actividade de

I&D foi reforçada em associação com a formação doutoral e pós-doutoral, que

serviu de instrumento principal da política de aprofundamento da diversificação do

ensino superior. (HEITOR; HORTA, 2015, p. 25).

Ao estabelecer um financiamento menor para investigação e desenvolvimento nos

politécnicos, obviamente há um reforço da diferenciação pretendida pelo governo português,

o que, de certo modo, explica as verbas que estão sendo alocadas para os equipamentos dos

Page 191: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

191

laboratórios, fato citado por S7: “[...] uma verba interessante às instituições do ponto de vista

financeiro [...]”, que disponibilizada pelo governo agrada a muitas instituições, mas ainda se

mostra incapaz de seduzir outras. Uma parte da negação ao aceite de tais cursos por parte dos

gestores do P.Porto se deve também ao fato de que, até o momento, a instituição não vem

tendo problemas para preencher as vagas das licenciaturas na primeira fase de seleção. O local

que o P.Porto está instalado também é estratégico, porque, situado na região central (Polo

Universitário) de uma grande cidade, tem muito mais visibilidade do que aquelas instituições

instaladas nas periferias, onde o número de habitantes também é menor. Por esse motivo, há

instituições que aceitam com bons olhos, normalmente as instaladas nas periferias, o que não

acontece com os que estão nas regiões centrais, como é o caso do P.Porto.

O que se percebe é que houve uma imposição da gestão central para a implantação

desses cursos no âmbito dos Politécnicos. Não é possível optar, mas é ncessário cumprir. Esse

Decreto também pode ser entendido como um mecanismo para reforçar a distinção entre os

Politécnicos e o ensino superior universitário. Conforme as afirmações dos gestores S1 e S2,

essa política intensifica uma possível desvalorização do ensino politécnico, “[...] foi uma

política que apareceu como imposta [...] a esses cursos, porque eles pareciam, podemos

dizer, uma maneira de desvalorizar o próprio Ensino Politécnico [...]. Se estes cursos não

forem vistos como cursos menores, como cursos que vêm para aqui porque mais ninguém os

quer, [...] podemos perfeitamente conciliar” (S2). “[...] também percebo que com isto se quis

reforçar as diferenças entre o Ensino Politécnico e o universitário” (S1).

Se a ideia inicial era a de situar o ensino politécnico no pragmatismo, centrado no

atendimento das necessidades regionais, hoje não há mais possibilidade de pensá-lo dessa

forma em termos de subsistemas. Assiste-se à regionalização de universidades e, da mesma

forma, à centralização de politécnicos (URBANO, 2011a, 2011b), o que causa sobreposição

das áreas de atuação. Para S6, essa oferta formativa, “[...] que apareceu ano passado, causou,

inicialmente, muita polêmica, quer nos Politécnicos, quer na sociedade em geral, porque

alguns Politécnicos eram a favor da implementação deste nível de oferta formativa e outros

Politécnicos eram contra à implementação e, portanto, gerou muita discussão, muita

polêmica em relação a isso”. A problemática fundante continua sendo a de um Ensino

Superior que nos últimos anos vem sofrendo com a redução de alunos nesse nível, o que

provoca acirramento das disputas de várias ordens entre as instituições.

Nas diversas áreas do conhecimento que o P.Porto atua, há gestores contrários (3) e os

que até percebem alguns pontos positivos (4). No entanto, esse fato também está relacionado

à área de conhecimento e à região nas quais as unidades estão instaladas, o que proporciona

Page 192: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

192

certa liberdade de escolha e, ao mesmo tempo, propicia a oportunidade de aproveitar os

incentivos financeiros que S8 destacou: “Há, neste momento, um concurso para

financiamento, que está aberto para criar as condições, até laboratoriais, para que esses

cursos possam funcionar em termos de equipamentos [...] sendo esta uma nova oferta

formativa, implica mesmo usar esses laboratórios e, portanto, vamos usar esse financiamento

para apresentar aqui uma proposta para esses cursos funcionarem” (S8).

A oferta dos CTESP pelos Institutos/Escolas está dividida entre os que não oferecem

(2), os que têm cursos aprovados, mas no momento não estão oferecendo (1), e os que estão

oferecendo (5). Os argumentos dos gestores contrários são de várias ordens: “[...] essa

política é completamente desarticulada às necessidades do país” (S5). No entanto, S5

reconhece que, na sua instituição, há vários aprovados que poderão vir a ser ofertados

futuramente, expressando uma possibilidade de oferta, caso haja necessidade. Para outro

entrevistado, “[...] parece-me que o Ministério de repente achou que o Politécnico podia dar

cursos de segunda, ou seja, cursos secundários para o Ensino Superior. Se somos Ensino

Superior, por que é que agora temos que dar cursos em um nível que não é o nosso nível? E

por que é que isso não aconteceu com a universidade?” (S4). Há, ainda, outro gestor que

afirma: “A Escola não esteve mesmo virada para aceitar tal estratégia. [...] se criarmos

TESPs, estaríamos a formar os auxiliares da nossa profissão – sendo que os nossos

estudantes já têm dificuldades de verem reconhecidas suas competências ao entrarem no

mercado de trabalho e vê-las valorizadas com vista salarial – e, portanto, estamos, no limite,

a criar um profissional menos graduado naquela área, que vai aceitar trabalhar com um

salário menor e os outros estudantes do primeiro ciclo ainda vão ter mais dificuldade em

arranjar emprego. E, portanto, quanto aos TESP, foi um rotundo não [...] sentimos que era

uma tentativa de colocar os Politécnicos em um lugar cada vez mais afastado daquilo que é o

Ensino Superior e deve ser o Ensino Superior, afastado daquilo que são os princípios

orientadores do Ensino Universitário” (S7).

Os posicionamentos desses gestores expressam também a realidade vivida em Portugal

quanto à crise econômica instalada nos últimos anos e seus reflexos quanto à redução do

financiamento e cortes orçamentários, que afetou as instituições de Ensino Superior,

nomeadamente os Politécnicos. Somam-se, ainda, as altas taxas de desemprego atuais e a

incapacidade de absorver os recém-licenciados nos postos de trabalho. Essa situação,

conforme discutido em capítulo anterior, tem obrigado muitos a buscarem o emprego em

outras áreas ou também em outros países. São exemplos dessa situação os noticiários

Page 193: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

193

veiculados pela imprensa quanto ao desemprego, os quais anunciam a taxa superior aos 12%

no primeiro trimestre de 201656.

Em um contexto mais amplo, no plano das políticas globais que provocaram o

enxugamento do Ensino Superior, a diversificação da oferta e a entrada de critérios das

instituições privadas no funcionamento das instituições públicas vem afetando as lógicas de

organização. Para responder às exigências do mercado que vão mudando ao longo do tempo,

as instituições organizam-se de acordo com as condições internas e exigências externas, pois

estão sujeitas à ação regulatória do mercado (BALL; MAROY, 2009).

Ao responder a essa questão, S1 ainda situa esse nível formativo tanto no Quadro de

Qualificação Europeu quanto no sistema educativo nacional português: “Nós temos uma

ordenação das qualificações em Portugal que é semelhante ao da Europa e, se quisermos a

nossa licenciatura, é o nível seis de qualificação europeu e nacional, o mestrado é o nível

sete e o Doutoramento, o nível oito. E há, em quase todos os países da Europa, um nível que

está entre o secundário e o nível seis da licenciatura, que é o nível cinco de qualificação.

[...]esse nível cinco são formações, normalmente em um ou dois anos, depois de concluído o

Ensino Secundário. E isso existe em muitos países da União Europeia. Em Portugal, também

existia esse nível, embora com pouquíssimo impacto, que eram os chamados CETs – Cursos

de Especialização Tecnológica, que não eram realizados no Ensino Superior”.

Nessa conjuntura, esse Decreto passa esse nível formativo para o contexto do ensino

superior e, dentro dele, nomeadamente no politécnico. A razão para que em algumas unidades

se ofertem tais cursos no âmbito do P.Porto reside no fato de que, atualmente, “[...] o grande

bloqueio no percurso escolar dos nossos jovens, neste momento se situava entre o Ensino

Secundário e o Ensino Superior. Portanto, onde nós perdíamos mais alunos, era na transição

entre o Ensino Secundário e o Ensino Superior, e essa perda de alunos não é tanto, por falta

de capacidade das instituições de ensino superior” (S1). Ou seja, as instituições têm

condições de receber mais alunos do que normalmente recebem. Além disso, um dos cinco

objetivos da União Europeia para 2020, definidos na Estratégia para um Crescimento

Inteligente, Sustentável e Inclusivo (2010), é que se tenha pelo menos 40% de jovens na faixa

etária entre 30 e 34 anos com Ensino Superior. No contexto português, os CTESP podem ser

considerados uma estratégia para atrair jovens a esse nível de ensino, que, ao cursarem no

ambiente de ensino superior, transformam-se em futuros alunos potenciais aos cursos de

licenciatura, porém os resultados ainda são uma incógnita.

56

Informação publicada no Instituto Nacional de Estatística. Disponível em: <https://www.ine.pt/>. Acesso em:

10 maio 2016.

Page 194: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

194

Outro objetivo do documento - Estratégia Europa 2020 - é que se tenha 75% da

população com idade entre 20 e 64 anos empregada. Para alcançar os objetivos, no próprio

documento, são elencadas sete ―iniciativas emblemáticas‖. Entre elas:

―Juventude em movimento‖ para melhorar os resultados dos sistemas de ensino e

facilitar a entrada dos jovens no mercado de trabalho.

―Agenda para novas qualificações e novos empregos‖ para modernizar os mercados

de trabalho e capacitar as pessoas desenvolvendo as suas qualificações ao longo da

vida, com vista a aumentar a participação no mercado de trabalho e a estabelecer

uma melhor correspondência entre a oferta e a procura de mão-de-obra,

nomeadamente através de uma maior mobilidade dos trabalhadores. (COMISSÃO

EUROPEIA, 2010, p. 7, grifos do autor).

Nessas duas iniciativas, observa-se a intenção de facilitar a entrada dos jovens no

mercado de trabalho, aumentando a correspondência entre oferta e procura de mão-de-obra,

na perspectiva do desenvolvimento de qualificações ao longo da vida, que se reporta aos

objetivos de Bolonha. Para cada iniciativa emblemática fixada, há objetivos para a União

Europeia e para os Estados-Membros que, em suas políticas, devem contemplar ações para o

alcance das metas fixadas. Destaca-se, aqui, um objetivo para cada iniciativa: Para ―Juventude

em movimento‖ - ―Aumentar a abertura e a relevância dos sistemas de ensino mediante a

criação de quadros nacionais de qualificações e orientando melhor a aprendizagem para as

necessidades do mercado de trabalho‖ (COMISSÃO EUROPEIA, 2010, p. 16). Para ―Agenda

para novas qualificações e novos empregos‖ – ―Dar um forte impulso à aplicação do Quadro

Europeu de Qualificações, através da aplicação dos quadros nacionais de qualificações‖

(COMISSÃO EUROPEIA, 2010, p. 22). Aqui se tem mais um exemplo da rede de influências

(BALL, 2012a) que penetra na organização das políticas nacionais e, ao mesmo tempo,

conecta as várias iniciativas entre os discursos escritos na Estratégia Europa 2020 e no

Quadro Europeu de Qualificações.

Os argumentos de S6, que é favorável ao oferecimento dos CTESP, estabelece vínculo

com a aceitação em outros países europeus e com a juventude: “[...] eu vejo aqui três ordens

de razão. A primeira, são cursos com uma enorme procura por parte das empresas; depois,

são cursos que têm um histórico noutros países de enorme aceitação no mercado e, depois, é

esta questão das expectativas diferentes [...] é porque não querem: por opção, porque não

querem continuar a estudar, outros não querem barra, não podem, não dispõem de recursos

financeiros para isso e outros porque podiam, queriam, mas não conseguiram entrar no

Ensino Superior, porque os exames de ingresso no Ensino Superior são uma grande

dificuldade aos estudantes que acabam o 12º ano. [...] é uma possibilidade muito mais

atrativa um curso técnico profissional” (S6).

Page 195: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

195

Esses cursos situados no nível cinco do Quadro Europeu de Qualificações para a

aprendizagem ao longo da vida, no discurso oficial, têm o objetivo de aumentar o número de

cidadãos com qualificações superiores, tornando-os mais competitivos no mercado de

trabalho, além de atrair novos públicos para o Ensino Superior. Para que possa ocorrer a

proposição de novos cursos pelas instituições, é necessário que sejam consultadas as entidades

empregadoras, as associações empresarias ou socioprofissionais atuantes na região em que

estão situados os Institutos Politécnicos (PORTUGAL, 2014), o que guarda forte relação à

formação profissional.

Nesses cursos, podem ingressar aqueles que já concluíram o ensino secundário e os

maiores de 23 anos aprovados nas provas destinadas a avaliar a capacidade para frequência no

Ensino Superior. Além desses, também podem se candidatar aqueles que concluíram todas as

disciplinas dos décimo e décimo primeiro ano, porém sem concluir o ensino secundário ou

que apresentem habilitação legal equivalente após aprovação na prova de capacidade. As

possibilidades de ingresso também se estendem aos possuidores de diploma de Ensino

Superior, especialização tecnológica ou técnico superior profissional que pretendam se

requalificar.

A organização curricular dos CTESP estende-se a quatro semestres letivos e 120

créditos distribuídos entre componentes de formação geral e científica, técnica e contexto de

trabalho, com maior carga horária destinada ao componente técnico. No componente contexto

de trabalho, devem ser cumpridos no mínimo trinta créditos. Ainda é necessário destacar que

tais cursos estão sujeitos a avaliações externas e autoavaliações. Sobre o componente técnico

ou profissional, S3 considera interessante a perspectiva de oferta desses cursos porque “[...]

tem um caráter altamente profissionalizante e, portanto, podemos dizer, nessa perspectiva,

um estudante, de um curso técnico superior profissional querer ficar exatamente para esse

nível e, portanto, vai ser um técnico altamente especializado sem ter um nível superior” (S3).

Esse é mais um exemplo de que, no ciclo das políticas, ocorre o lançamento de

problemas que os gestores são desafiados a resolver e, portanto, nesse caso específico, as

táticas também estão presentes. Todos os gestores pertencentes às Escolas e aos Institutos que

oferecem os CTESP revelaram peculiaridades sobre as ações. O fato de ser necessário

consultar órgãos da indústria e associações para abrir a oferta possibilitou que os cursos

oferecidos pela instituição, apesar de lecionados pelos professores da casa, não estejam

locados no espaço do Ensino Superior. “Estes cursos nós não temos, costumamos dizer,

dentro de portas, ou seja, não estão dentro do campus. Nós temos estes cursos técnicos

superiores profissionais a funcionar em parceiros.” (S3). Este fato pode ser interpretado

Page 196: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

196

como uma possibilidade de mostrar aos alunos, os professores e as metodologias que são

utilizadas no Ensino Superior, desde que ministradas em outros ambientes nos quais a maior

atenção é voltada ao lugar no qual é oferecido, deixando o P.Porto na penumbra.

Uma outra tática utilizada por todas as unidades que oferecem os CTESP é o

alinhamento, se não com todos, com pelo menos um curso superior que se reverte em

benefício ao aluno que continuar a estudar. Desse modo, após cursar o CTESP, em dois anos,

e vindo a escolher o curso superior alinhado, o estudante poderá, por meio dos mapas de

acreditação de competências, validar seus créditos, o que reduz o tempo de término da

licenciatura, conforme a explicação de S1, mas que também foi citada por S2 e S3: “[...]

asseguramos que haja sempre pelo menos uma licenciatura que tenha pelo menos 45 créditos

assegurados. A cada ano curricular, na Europa, corresponde a 60 créditos... Pelo menos...

Em alguns casos tem mais [...] pelo menos um curso em que tem, seguramente, três quartos

de um ano letivo garantido, mas há casos em que tem mais, dentro dos perfis dos cursos [...].

Significa que o aluno que seguiu para a licenciatura, digamos que tenha uma parte, quanto

ao certificado do curso, garantida se continuar na nossa instituição, se for para outra, terá

que fazer o pedido e dependerá da decisão dessa instituição” (S1).

Outro ponto a destacar é o de que são as instituições que elaboram os critérios para

validar os créditos dos alunos formados nos CTESP, que poderão ir para outras instituições, a

exemplo da universidade, o que provoca também uma diferenciação quanto a tais critérios e

políticas de captação de alunos. “[...] admito que haja outras instituições que têm mais

dificuldade em ter alunos e que façam, digamos, que tenham políticas mais agressivas de

captação desses alunos e que se possa verificar. Não sou nada adepto” (S1). Para esse gestor,

a opção de continuar ou não na instituição deve ser do aluno, porque, na sua concepção, a

mobilidade entre instituições diversas também é um fator que agrega na formação, pelo fato

de possibilitar conhecer diferentes lógicas formativas e culturas organizacionais.

Apesar de contrário aos CTESP, o gestor S4 admite que pode ser uma aposta

interessante no sentido de que, “[...] às vezes, os alunos saem do 12º ano e estão um

bocadinho indefinidos em relação a uma área e acho que um investimento, por exemplo, num

grau zero, já no Ensino Superior, parece-me importante e interessante, até porque nós temos

todas as valências, em termos de equipamentos, espaços, docentes e o aluno que tenha

dúvidas na área que possa, de repente, ter um primeiro ano que lhe permita perceber o que é

o Ensino Superior e, ao mesmo tempo, começar a clarificar ideias sobre a área em específico,

parece-me que sim, parece-me coerente e tinha todo o interesse em estar incluído dentro de

uma oferta formativa dos Politécnicos, assim como na universidade, se calhar”.

Page 197: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

197

Certamente como política recente, essa oferta formativa ainda é vista com reserva por

boa parte dos gestores, porque não há clareza sobre as reais intenções que subjazem à

proposta. Outro fator a considerar é o de que os primeiros alunos ainda estão em processo

formativo, o que demandará estudos e investigações para problematizar e, quiçá, comprovar a

eficácia da ocupação dos postos de trabalho intermediários no campo da profissionalização.

No entanto, para Gomes (2016, p. 1), ―[...] é urgente oferecer e prestigiar esta nova via de

ensino superior mais próxima da vida profissional e das necessidades do mercado de trabalho

das regiões‖. Para o autor, a oferta desses cursos, entre outras possibilidades, auxilia na

reorientação profissional daqueles que possuem título do Ensino Superior que pretendem se

requalificar, ajustando-se às necessidades profissionais relevantes na sua região.

Para além de toda a problemática que envolve a oferta dos cursos de formação

intermediária, parece haver um movimento que, no discurso oficial, quer reaproximar os

politécnicos das suas origens, quando ofereciam o ensino técnico profissionalizante. Se em

determinado momento a formação oferecida nos politécnicos foi elevada ao nível superior

para responder às demandas sociais e econômicas crescentes que a universidade não

conseguia responder com o acesso ao Ensino Superior, atualmente novamente o politécnico é

chamado para responder outra demanda, o que, para os gestores, ao ser direcionado, expressa

uma tentativa de barrar seu crescimento.

6.3 FRAGILIDADES DO DIÁLOGO E ARTICULAÇÃO DO PLANEJAMENTO ENTRE

SETORES

Pesquisar sobre a realidade em movimento das instituições é por si só um ato de

extrema complexidade, principalmente quando se está a falar de uma instituição heterogênea

com várias áreas de atuação no campo da formação, como é o caso do P.Porto. De igual

complexidade, é a história de nascimento e de desenvolvimento das instituições, as quais

tenho tentado compreender com o estudo intenso da legislação, em diálogo com as produções

que versam sobre esse tema. Nos limites deste estudo, há ainda um terceiro que nomeio aqui

como o do ouvido atento nas entrevistas com os gestores sobrecarregados de atividades e que

deixam aflorar, em suas falas, as tensões, as resistências e as disputas características de

instituições com trajetórias distintas.

O campo de resistências dá-se também pela negação de algumas tendências

observadas nas políticas, como, por exemplo, a estratégia de fazer parcerias com

universidades para além do território português na oferta de doutoramentos. Nesse sentido,

Page 198: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

198

um gestor expressa a negativa dos encaminhamentos orientadores da gestão central na escola

que atua:“[...] não há uma política para o fazer porque nós não queremos ser vistos como

uma instituição que os alunos procuram para fazer o Doutoramento. Já é bem bom que nos

procurem para as Licenciaturas e Mestrados, já não é fácil [...]” (S5). Esse é um exemplo de

uma instituição que se impõe pela negação. Há um impedimento legal para a não oferta do

Doutoramento, mas não é isso que está em causa. O que conta é o não querer institucional

(LIMA, 2009).

No Planejamento Estratégico do P.Porto, referente ao período compreendido entre

2014 e 2018, há o Eixo Estratégico de Governação e Gestão Estratégica que prevê, em um dos

seus objetivos operacionais, a partilha e a valorização de serviços e competências existentes

no P.Porto. Na base está a necessidade de diálogo e de colaboração entre gestores e

professores das diversas unidades. Esse ponto também aparece nas falas de alguns gestores ao

expressarem que o diálogo nem sempre tem sido fácil e que, por vezes, ocorre o

distanciamento entre a gestão central e a gestão das escolas/institutos. “Ao nível do

Politécnico, nós temos algumas preocupações que me parecem relevantes. Uma é reforçar a

interligação entre as várias escolas que compõem o universo do Politécnico.” (S1). Sobre a

autonomia das Escolas/Institutos, S8 considerou: “Nós temos um modelo estatutário que, às

vezes, nos dificulta um bocado, que é um modelo em que há autonomia nas Escolas e temos

trabalhado também em termos de estrutura organizacional para tentarmos ver se

conseguimos criar serviços partilhados, portanto, tentar otimizar, evitar que tenhamos as

mesmas estruturas em todas as Escolas [...]”.

Na dimensão organizacional e do diálogo entre o P.Porto e as Escolas, S2 esclarece

que, “[...] muitas vezes, as relações entre as escolas e o IPP também não são muito fáceis”;

“[...] o próprio modelo legislativo por si não facilita as coisas porque atualmente acontece

que o presidente do IPP e os Pró-Presidentes têm um papel absolutamente preponderante, é

eleito indiretamente” (S6). Referindo-se às alterações organizacionais que agora são

representativas, ele ainda afirma: “[...] não foi uma boa alteração, antes, como digo, o

presidente era eleito diretamente. Pelo menos, portanto, de quatro em quatro anos tinha de

vir aqui à escola dar conta das coisas, agora, nós nem somos ouvidos diretamente nisso, nós

escolhemos representantes para o Conselho Geral, que elegem o presidente do IPP. [...]. Isso

distanciou um bocadinho as Escolas do IPP, digamos, e nunca houve uma tradição de muita

integração. Por exemplo, há escolas muito ambiciosas de sua independência e autonomia,

porque as outras Escolas são mais recentes; e costuma ficar aqui a imagem da família, mas

não sei se esse espírito de verdadeira família será aqui muito adequado” (S2).

Page 199: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

199

Há um campo de disputas em constante ebulição que tem seus reflexos na cooperação,

ou na falta dela. Nesse sentido, a colegialidade entre os atores é utópica, uma vez que o

gerencialismo também leva ao constante controle do outro e peso de medida para manter-se

no campo das disputas hegemônicas (LIMA, 2010). Nessa arena, as atividades que estão

sendo estimuladas entre as escolas/institutos passam pela promoção de “[...] soluções,

dispositivos, em que estejam presentes em várias das escolas. Podem ser cursos, projetos de

investigação, projetos de extensão, mas procurando envolver várias escolas (S1). Quanto à

colaboração, S2 destaca que já foi convidado por outras escolas para colaborar em cursos,

mas que considera “[...] ir e vir para dar duas aulas por semana não é coisa assim muito

atrativa [...]” (S2).

Avançando um pouco mais na discussão, S3 afirma que os docentes de sua instituição

“são receptivos” e que esta é uma tendência no P.Porto. “Sim, eu acho que a tendência é

crescente nesse sentido, agora, nós fizemos o trabalho de casa de identificar os saberes, onde

eles estão, e acredito, é minha convicção, que o nosso crescimento, o nosso IPP, a partir

deste momento, vai ser muito na criação da oferta formativa que cruza os saberes, naqueles

espaços... Eu acho que deve usar menos espaço para formações puras, vamos imaginar que

este mapeamento sobre áreas do saber nos permite nos conhecermos melhor internamente e

que vai potenciar o trabalho em rede, nomeadamente na questão da criação das ofertas

formativas [...]” (S3). A exemplo de outras questões, esse gestor expressa sua visão integrada

dos processos institucionais. Novamente, ganham lugar de destaque a racionalidade técnica,

os jogos de interesse, os conflitos e o ―convite‖ para que os professores colaborem para o

sucesso institucional por meio da responsabilização pessoal. Essa participação em termos de

interesse pode ser pensada em conjunto com Morgan (2008) e ser de três ordens. Há os

―interesses das tarefas‖ a desempenhar como a docência e a pesquisa; há os ―interesses da

carreira‖, ou seja, quais benefícios tais atividades em cooperação podem render quanto às

aspirações futuras, que se liga aos interesses ―extra-muro‖, para além das atividades

imediatamente realizadas que configuram modos peculiares de ação individual e, nesse caso,

também institucional.

6.4 ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO DA POLÍTICA DE PÓS-GRADUAÇÃO NO

P.PORTO

Seguindo as ideias anteriormente apresentadas neste trabalho, em diálogo com a

perspectiva dos estudos de Stephen Ball e seus colaboradores, de que as políticas se

constituem de um espaço multifacetado que pressiona, principalmente os gestores

Page 200: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

200

institucionais a responder às exigências criando espaços de manobra, nos quais as ações

ganham vida, independentemente do contexto que se encontram, nos limites deste trabalho no

Brasil ou em Portugal, estão longe de serem neutros. São fundamentalmente espaços de

disputas e negociações que ocorrem em vários níveis internos e externos às instituições. É um

olhar mais centrado na política de uso, ou seja, nas práticas, nos discursos e nas técnicas e

procedimentos inter-relacionados (BALL, 2013a). Nessa perspectiva, as falas dos gestores, no

cruzamento dos documentos institucionais, inserem-se como elemento essencial de análise.

Nesse contexto, o maior impedimento considerado pelos gestores foi o referente ao

impedimento de ofertar o terceiro ciclo. Sobre esse aspecto, S8 fez referência às ações que

vêm sendo desenvolvidas: ―Nós temos começado a resolver este problema fazendo acordos

com universidades espanholas, nesse momento nós temos seis Doutoramentos em conjunto

com universidades espanholas; mas, por outro lado, temos tentado fazer uma luta que

implica envolver o Ministério, implica envolver também a Assembleia da República, no

sentido que os Politécnicos possam, de modo similar ao que acontece nos Institutos Federais,

conceder o grau de Doutor.[...]. É uma luta muito complicada. As universidades, por outro

lado, têm um apoio forte, não há como dizer que não” (S8).

Considerando a estratégia de fazer parcerias para oferta do 3º ciclo com universidades

de outros países, a proximidade da Espanha, especialmente com a cidade do Porto, é

estratégica, pois as taxas (propinas) praticadas em Portugal são mais atrativas do que as

praticadas em algumas universidades espanholas. O fato de oferecer esse ciclo nas

dependências do P.Porto, utilizando recursos humanos próprios e o diploma ser emitido por

uma instituição estrangeira, também é uma forma de pressão, que, por um lado, demonstra a

capacidade de oferta, e, por outro, põe em evidência a titulação que deixa de ser portuguesa, o

que impacta no quantitativo de formações e no alcance das metas. Nessa circunstância, o

P.Porto está no sentido inverso da política governamental que indica uma maior diferenciação

do sistema e a aposta nas universidades para oferta dos doutorados com aumento dos

investimentos em investigação e situando os politécnicos como instituições formadoras para

atendimento das demandas em educação profissional (HEITOR; HORTA, 2015).

As parcerias com outras universidades são bem vistas; no entanto, são apontadas

algumas limitações: “Qual é o problema nosso, eu diria, no aspecto menos positivo: é que o

Doutoramento, sendo uma parceria, na verdade, passa pela universidade estrangeira, por

que nós aqui em Portugal não podemos fazer e, portanto, nós colaboramos naquilo que é o

percurso [...]. O que é mais extraordinário é que nós, enquanto docentes do Ensino

Politécnico, podemos orientar doutorandos nas universidades, participar em júris de

Page 201: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

201

Doutoramento, posso avaliá-lo. [...]. Objetivamente isso é um contrassenso. Eu posso

orientar, mas nós não podemos dar Doutoramentos. Isso não faz sentido! Naturalmente acho

que não faz” (S6).

Em tempos de acirramento de disputas entre instituições externas, nesse caso

politécnico e universidade, pelos alunos que como clientes são imprescindíveis, a fala do

gestor esclarece sobre pelo menos um dos motivos pelos quais a estratégia de formar parcerias

para além do território português vem conquistando relevância estratégica para o P.Porto. Este

quer avançar e ter a possibilidade de crescer em números e em nível de oferta, aquela quer

manter-se no lugar de destaque. “Mas, curiosamente, por exemplo, as universidades estão a

adotar alguns cursos que tradicionalmente eram cursos do Politécnico. [...] a distinção é

sempre usada pelas universidades quando se trata de retirar ou vedar algumas coisas ao

Politécnico, mas nunca é usada, digamos, de invadir aquilo que seria o território do

Politécnico.” (S2). “Muitos dos nossos alunos – e também docentes – fazem aqui o seu

percurso formativo e depois quando querem fazer um Doutoramento vão para a

universidade. Não me parece mal se o contrário pudesse acontecer. Agora, perdermos os

nossos alunos sem podermos captar outros, me parece menos lógico porque vivemos em um

mercado concorrencial.” (S6).

Mercado concorrencial é a palavra que define os argumentos dos gestores e expressa o

campo de disputas instalado na dualidade do Ensino Superior português. Como venho

discutindo no decorrer desta pesquisa, os encaminhamentos da política são respostas aos

documentos e determinações que circulam na rede de influências. Um exemplo desse

processo foi o documento elaborado pela OCDE (2008) que apresenta uma revisão das

políticas educacionais para educação superior que reforça a diferenciação dos dois

subsistemas com a universidade fortalecida na pesquisa e na oferta de pós-graduação e os

politécnicos centrados na oferta de cursos voltados à educação profissional.

A internacionalização, outro eixo que guarda proximidade entre a fala dos gestores e o

Planejamento Estratégico, também foi citada por todos e está sendo constantemente

implementada. Nesse sentido, são exemplos as seguinte afirmações quanto a essa política:

“Aumentar o número de estudantes internacionais” (S5); “[...] precisamos captar receita e

os estudantes internacionais, como muitas outras, são uma fonte de receitas” (S6); “Nós

temos imensos protocolos com universidades, com os Politécnicos europeus, mas também sul-

americanos e, portanto, recebemos muitos alunos e há pessoas daqui que vão lá e, portanto,

essa internacionalização foi uma nossa preocupação, sobretudo, nos últimos, diria, cinco

anos.” (S2).

Page 202: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

202

Sobre a internacionalização a OCDE (2008, p. 15) recomenda: ―Em geral, a

internacionalização deve ser um componente integral de todas as instituições de ensino

superior, estimulando a mobilidade de estudantes do ensino superior e do pessoal académico e

reforçando as actividades científicas e académicas‖. No pacote de recomendações, havia ainda

a preferencialidade pelos parceiros para desenvolvimento de pesquisa em rede.

Como resposta e resistências ao cenário, se pela via da legislação há impedimento da

oferta do terceiro ciclo, a estratégia das parcerias com outras universidades, que não as

portuguesas, é tida como acertada pela maior parte dos gestores. Sobre esse aspecto: “Tem

sido feito, julgo eu, por umas razões. Uma, nos permite de alguma forma reforçar os nossos

laços internacionais que são cada vez mais importantes e, portanto, é uma forma de nos

posicionarmos internacionalmente, de marcarmos a nossa posição a um nível mais

internacional. Esse é um lado da questão e que é verdadeiro. Sendo muito honesto consigo,

há o outro lado da questão, que é assim: as universidades nacionais não estão interessadas,

nem disponíveis, para fazer isso conosco. Esta é a parte menos bonita de dizer, mas é

verdade. Ou seja, não é possível, neste momento, fazê-lo com universidades nacionais. E,

portanto, diria, simultaneamente há uma questão de necessidade, porque nós aqui não temos

esse mercado, não temos essa abertura nas nossas universidades” (S6).

Nesse sentido, S7 destaca o papel articulador fundamental que o ―gabinete de

internacionalização‖ vem realizando para as parcerias internacionais. Com a globalização e,

mais especificamente, no contexto pós Bolonha, as instituições investem em equipes para

divulgar seu potencial e conquistar parceiros para a produção de conhecimento, o

partilhamento, por meio de projetos. Essas parcerias proporcionam visibilidade às instituições

e as pessoas responsabilizadas pelos sucessos obtidos tendem a trabalhar em rede, tanto como

pesquisadores como fornecedores de serviços (BALL, 2012a). Ao esclarecer sobre as

estratégias que fazem parte das escolhas institucionais neste momento, S8 situou o Brasil

como país potencial: “Ao nível da internacionalização, a nossa aposta clara foi o Brasil. [...]

a realidade é que hoje a nacionalidade com mais estudantes, quer estudantes que vêm fazer

uma mobilidade de um semestre, quer estudantes que vêm para fazer o curso completo –

portanto, o regime de estudante internacional – neste momento são os brasileiros. [...].

Portanto, foi uma aposta que não foi só orientada pela questão da mobilidade estudantil. A

nossa aposta no Brasil envolve...nós estamos, no momento, a liderar três projetos de pesquisa

europeus, mas que envolvem instituições fora da Europa e que envolvem instituições do

Brasil”. Ele ainda destacou as boas relações institucionais com o Ministérios da Educação e

com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTI) brasileiros que

Page 203: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

203

possibilitam articular formações de mestrado e projetos conjuntos com os Institutos Federais

Brasileiros.

No entanto, Wielewicki e Oliveira (2010) alertam que, com o Processo de Bolonha e a

implementação da agenda de internacionalização das instituições Europeias, há uma ambição

pelas parcerias internacionais que funcionem como tentáculos para atender às demandas e aos

interesses da própria Europa. Ao induzir tais práticas por meio das políticas, o Estado

transforma-se em ―criador de mercados‖ (BALL, 2013a), pois muitos desses parceiros

também desenvolvem atividades lucrativas. São dois polos que exercem influência de modo

articulado. De um lado, são criadas oportunidades de atuação para o setor privado e, de outro,

alteram-se as formas e as modalidades de atuação do próprio Estado.

Nessa óptica, se a internacionalização é um ponto importante na rede de relações, para

uma instituição que almeja oferecer Doutoramentos, o investimento na formação docente e

sua relação com o desenvolvimento de investigações qualificadas, participação em eventos

internacionais e produção científica, também foi frequentemente enfatizado pelos gestores.

Quanto à formação: “[...] e não tendo a possibilidade de atribuir graus de Doutoramento,

isso significa que nos últimos anos houve a necessidade de reforçar a qualificação desse

corpo docente” (S1); “Esta presidência do IPP já há alguns anos adotou uma estratégia de

promoção da qualificação do corpo docente, conferindo algum apoio ao pagamento de

propinas, dispensa do serviço docente para que os docentes que estavam inscritos em

doutoramentos pudessem acabar seus trabalhos” (S7).

Quanto à investigação: “[...] resulta de parcerias internacionais, com instituições de

referência internacional, com centros de investigação internacionais, com empresas

multinacionais, etc. e, portanto, esta rede de parcerias não se constrói de um dia para o

outro” (S6). Além dessas ações, também estão sendo estimuladas a criação de revistas

científicas nas diversas áreas do P.Porto. Todo esse movimento em torno das atuais políticas

expressa um modo peculiar de tradução e, ao mesmo tempo, expõe as táticas para tentar

romper o que tem se mostrado como a maior limitação institucional marcada por todos os

gestores, exceto pela negação de tal pretensão por S5, ou seja, a impossibilidade de oferecer

Doutoramentos. Os gestores consideram injusta a diferenciação que se assenta em ser

politécnico ou universidade: “A questão da oferta formativa ao nível do doutoramento não se

pode restringir àquilo que é a etiqueta da instituição, se é um Politécnico ou se é uma

universidade. Tem que se basear em questões de qualidade [...]” (S6); “[...] acho que não é

pelo rótulo de ensino Politécnico ou Universitário que deveria ser vista essa questão do

Page 204: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

204

acesso ao doutoramento, mas sim, pelas competências que estão internamente alojadas [...]

pela massa crítica, pelo conjunto de docentes que tem naquela área” (S3).

As táticas envolvem ações estratégicas no sentido de sair dos holofotes das discussões

no contexto português e, por outro, mostrando a capacidade por meio de parcerias com outras

instituições na Europa, mas também fora dela, a exemplo de instituições brasileiras. As falas

dos gestores são frequentemente marcadas pelo sentimento de discriminação quanto à

limitação da oferta do terceiro ciclo.

Nesse quadro, certamente as disputas e as argumentações crescerão, pois os maiores

politécnicos portugueses, a exemplo dos do Porto, Lisboa e Coimbra, vêm marcando forte

posicionamento nas decisões. Uma delas ocorreu recentemente com a desvinculação do

Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) por discordarem das

alterações aprovadas no Regime de Acesso e Ingresso no Ensino Superior, notadamente

referentes ao financiamento e limite nas ofertas de vagas. Em um excerto do texto da carta

publicada na página institucional, em 28 de fevereiro de 2015, lia-se: ―Entendemos, tal como

o expressamos, que esta proposta é gravosa dos critérios de qualidade que devem regular o

acesso ao ensino superior, tal como não respeita uma base objetiva reguladora da equidade e

da igualdade porque não é aplicável a todos os candidatos ao ensino superior [...]‖. Em um

dos títulos do Regulamento do Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior

Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Letivo de 2016 -2017, publicado na Portaria Nº

199-B, de 20 de julho de 2016, encontra-se: ―Preferências regionais na candidatura ao ensino

superior politécnico‖ até o limite máximo de 50% das vagas para os candidatos provenientes

da região de atuação da instituição, o que limita a captação de alunos em um momento de

disputas acirradas pelos alunos pretendentes ao Ensino Superior.

No contexto de disputas e mudanças, ao realocar espaços e cursos, está em pauta a

maior concentração de equipamentos em locais estratégicos para a instalação de laboratórios

de investigação que sejam acreditados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

“[...] hoje em dia, existem laboratórios do IPP amplamente reconhecidos. Laboratórios de

investigação já com uma dimensão apreciada, com reconhecimento e classificações

excelentes ao nível da FCT, portanto, isso é prova de que se faz, se tem feito investigação

com qualidade e projetos, de fato, de investigação com qualidade” (S6).

Nesse sentido, S1 avança ao afirmar que “[...] nós temos procurado desenvolver esta

área de investigação no Politécnico, sobretudo, procurando que ela esteja menos circunscrita

a algumas áreas onde tradicionalmente somos mais fortes, que é o caso das Engenharias, e

procurando, digamos, alargar as áreas em que isso se verifica, tentando ultrapassar algumas

Page 205: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

205

limitações que se colocam ao sistema politécnico em Portugal” (S1); “[...] o Politécnico do

Porto tem conseguido algum sucesso na acreditação de financiamentos de projetos que lidera

projetos europeus, os nacionais também, mas, sobretudo, os europeus” (S8).

Na área de prestação de serviços, há outra iniciativa vinculada à inovação e ao

empreendedorismo, cuja estrutura: “[...] o Porto Design Factoring, está integrada numa rede

de design factoring mundiais. [...] a lógica é uma estrutura que consiga agregar... É

orientada para os estudantes, portanto, criando grupos de estudantes de áreas diferentes – os

projetos são sempre de áreas diferentes, precisa pelo menos três áreas diferentes envolvidas

– e projetos que sejam projetos de co-criação, portanto, de inovação aplicada, co-criação,

co-desenvolvimento. [...] cria grupos multidisciplinares de estudantes que vão responder a

desafios colocados por empresas. A lógica é sempre essa: as empresas lançam o desafio,

colocam um financiamento básico que o grupo vai gerir para tentar chegar à solução” (S8).

Essas iniciativas operam em várias frentes. Entre elas podem ser citadas a aproximação com

as empresas, notadamente na prestação de serviços, visibilidade, financiamento e

concentração de esforços por áreas multidisciplinares, além da visibilidade no contexto

internacional e nacional concorrencial e ao nível dos Ministérios, fato também destacado pelo

gestor.

Na reestruturação que culminou com a criação de umas das escolas voltada à hotelaria

e ao turismo, está o Hotel Escola que abriga uma estrutura na qual um dos objetivos é “fazer

formações que sejam pós-graduações Latu Sensu ou cursos de curta duração” (S8). Além

dessa estrutura, também houve uma aposta na “Porto Executive Academy. Portanto é uma

Escola de Negócios, novamente nós temos aqui, a lógica de cursos curtos para executivos,

para administradores. [...] nós pretendemos com este gênero de estruturas tentar modernizar

um pouco e também dar respostas às solicitações que era mais complicado responder” (S8).

As ações demonstram que há uma intencionalidade explícita de que a instituição seja

referência em algumas áreas do conhecimento e, ao mesmo tempo, captar novos clientes com

um perfil diferenciado em ambientes também diferenciados. Esses são elementos que retratam

a ênfase na diversificação e a marca de uma identidade que busca afirmação. São práticas

neoliberais de gestão que constroem e incentivam novas formas de captação de recursos para

competir com outras instituições nos novos mecanismos de mercado (BALL, 2012a).

Para responder à política institucional, é necessário colocá-las em cena, o que implica

o envolvimento dos atores, nesse caso, gestores que, ao desenvolver as atividades de leitura

dos textos institucionais produzidos, traduzem para suas práticas situadas no campo de ação

Page 206: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

206

as subjetividades que se constroem na distância entre os textos oficiais e as ações cotidianas

(BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012).

Com essas alterações, nas argumentações dos gestores também são citadas as

vantagens “aumento da massa crítica” (S3); “racionalização de recursos” (S7);

“Comunicará melhor porque se temos escolas focadas em uma área de intervenção, mais

facilmente poderemos comunicar esta área. [...] ser bom em tudo é muito difícil [...].

Portanto, é melhor ser bom em uma ou duas coisas do que ser mais ou menos em cinco ou

seis” (S6). Para (S5), no entanto, os aspectos positivos são os referentes às outras escolas,

pois considera que a sua tem a área de atuação bem definida: “Só fortalece sobretudo para as

outras escolas, tornava-se mais difícil dar respostas às necessidades de formação, aos

estudantes, às necessidades de investigação porque não havia dimensão para isso [...]e, por

outro lado, permite a redução de custos que obviamente é importante” (S5).

S5 ainda destacou que as alterações quanto ao deslocamento de cursos não afetam a

escola na qual ele está, porque os cursos que passarão para o domínio dessa escola já faziam

parte da área de atuação e, em termos de alunos, também não vê ganhos expressivos, “mais

duzentos ou trezentos, não é isso, isso não tem significado” (S5). Aqui, retomo as ideias de

Sousa Santos (1993, 1999), Teodoro (2003, 2001) e Lima (2009) quanto ao centro e às

periferias no âmbito do Estado. Nas instituições também existem arenas centrais e periféricas,

onde alguns decidem e se impõem, e outros com menor influência nas negociações acatam,

ainda que de modo parcial, para atender interesses de reconhecimento social e econômico.

Nos limites deste estudo, algumas afirmações dos gestores S5 e S2 podem ser

consideradas centros de poder internos que buscam se autoafirmar pela influência central que

as escolas detêm. Assim, negam as políticas institucionais e trazem para si as

responsabilidades de gerenciamento e sucesso de suas unidades. São, portanto, manifestações

dos modelos gerencialistas ou, ainda, do paradigma da educação contábil que defendem a

racionalidade técnica, a adaptabilidade à mudança, a modernização da gestão e a inovação

como ferramentas para captar recursos externos como instituições de prestígio e isoladas das

outras. No entanto, as periferias do ponto de vista da gestão também são chamadas a executar

de modo eficaz as decisões tomadas na gestão central (LIMA, 2002, 2009), o que de certo

modo provoca tensões e disputas entre os vários núcleos de interesse.

De modo a sintetizar as evidências presentes nas falas dos gestores quanto à tradução

das políticas, na Figura 15 a seguir estão representadas as principais estratégias e táticas

utilizadas pelos gestores do P.Porto, as quais expressam o movimento institucional que se

estende desde a identidade, discutida no capítulo quatro.

Page 207: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

207

Figura 15 - Estratégias e táticas do P.Porto na tradução das Políticas

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Page 208: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

208

Ao longo deste capítulo, foram apresentadas e discutidas, nos vários tópicos, as

contradições da política, diretrizes e avaliação, os CTESP, as fragilidades do diálogo e a

articulação entre os setores, bem como as estratégias de tradução da política de Pós-

Graduação. As falas dos gestores expõem as manobras e o campo de embate em constante

movimento que, forjados para responder às solicitações, utilizam o planejamento como

ferramenta de legitimação. Conforme constatado ao longo do texto, a arena institucional é

também o local que as informações se movimentam entre os atores e as estruturas de poder

político funcionando como instrumento de controle, de negociação e de persuasão, com

ênfase nos resultados e nas formas de governança (BALL, 2012; BARROSO, 2013).

Na Figura 15, esse movimento foi além dos tópicos discutidos, porque, à medida que

as ações estão no Planejamento Estratégico, há uma espécie de rede que se conecta

internamente e que mobiliza as pessoas para atingir os objetivos institucionais. Assim, o

reposicionamento estratégico, a internacionalização, os CTESP, a qualificação do corpo

docente, a investigação e a produção científica e a Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado

estão interligados e desencadeiam um leque de ações que, conforme venho discutindo,

exercem pressão sobre o Estado Português no sentido de mostrar potencial. É o local no qual

as intencionalidades se materializam nas ações que projeta, resgatando a fala de um gestor: “a

aposta clara em ser uma grande instituição” também pautada na ―ideologia tecnocrática‖

que, de acordo com Seixas (2001, p. 209), ―[...] constitui a base das ideologias educativas

modernas da maioria dos países desenvolvidos, acentuando a importância da educação para a

competitividade económica nacional num mercado cada vez mais global‖.

As políticas educativas passaram a ser subordinadas às políticas econômicas e em

evidente articulação com o sistema produtivo. As principais variáveis passaram a ser a

reorganização e a centralidade dos currículos, a redução de custos, as avaliações internas e

externas e a introdução acentuada de ferramentas de gestão nos sistemas educativos (BALL,

1998). A transição do modelo de participação democrática para o modelo gerencial assegura o

lugar de destaque ao planejamento estratégico que, conforme visto, tem suas origens na gestão

empresarial. Esse movimento relaciona-se diretamente à autorregulação pessoal e

institucional como mecanismo de resposta.

―A gestão estratégica está, no entanto, também, associada às questões do controlo de

qualidade e da responsabilização ou prestação de contas‖ (SEIXAS, 2001, p. 220). Novos

atores assumem funções administrativas que, no campo das decisões, são mais fortes que a

estrutura acadêmica, o que em grande parte das vezes penaliza o exercício das funções

docentes vistas sob a óptica do modelo empresarial ocasionando sua proletarização (BALL,

Page 209: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

209

1998). Na redução de custos, os serviços docentes integrais são reduzidos para dar lugar às

contratações temporárias, que precarizam o desenvolvimento das atividades docentes,

situação também citada pelos gestores.

O ―triângulo estratégico‖ (SEIXAS, 2001) - autonomia, financiamento e avaliação -

foram instrumentos emergentes em nível internacional sob a égide das orientações das

organizações internacionais. Tais organizações, ao produzirem documentos orientadores para

elaboração das políticas educativas, ―[...] configuram modalidades legítimas de definição dos

problemas e soluções contribuindo para a definição de um modelo de ensino superior

transnacional de mercado‖ (SEIXAS, 2001, p. 224). E ainda que existam divergências entre as

políticas propostas pelo Banco Mundial, UNESCO e OCDE, há uma inegável aproximação

entre tais agências referente ao aumento do financiamento privado no Ensino Superior público

e na partilha dos custos pelos estudantes por meio das propinas, no caso europeu.

Cria-se, assim, uma interdependência local ou regional, nos níveis político, econômico

e cultural que, com a globalização, são influenciados por acontecimentos mundiais. Nessa

agenda de alterações, o papel do Estado também foi redefinido conforme o ideário neoliberal

e a universidade foi chamada a estreitar relações com empresas multinacionais e agências de

investigação desenvolvendo, o que Seixas (2001) nomeia como ―indústria do ensino

superior‖, visando o desenvolvimento de produtos de inovação tecnológica e priorizando as

áreas de biotecnologia, telecomunicações e inteligência artificial que a aproximam das áreas

potenciais estratégicas para a competitividade nacional. A propriedade intelectual assume um

lugar de destaque e, mais do que isso, a mobilidade estudantil promove o fortalecimento de

mercados internacionais de Ensino Superior. A universidade historicamente orientada para o

conhecimento, mas não somente ela, é impelida a orientar-se para o mercado, o que provoca

sua crise e guarda estreita relação com o cenário deste estudo, centrado em um mercado

concorrencial.

Page 210: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

210

7 CONSIDERAÇÕES

[...] em seus discursos, com lágrimas rolando pelo focinho,

falava na sabedoria de Napoleão, na bondade de seu coração,

no profundo amor que devotava aos animais de todos os lugares,

mesmo - e especialmente - aos infelizes animais que ainda viviam na

ignorância e na escravidão, em outras granjas.

(ORWELL, 2000, p. 30).

No exercício de compreensão que venho desenvolvendo ao longo desta trajetória

formativa, retomo a tese de que, na tradução das políticas, no contexto da prática, os

institutos constroem suas estratégias e táticas forjadas em redes de poder e disputas

sustentadas na luta pela construção/afirmação da identidade institucional no campo do Ensino

Superior, buscando reconhecimento nas atividades relacionadas à Pós-Graduação, pesquisa e

produção de conhecimento.

Os objetivos desta Tese foram:

Identificar as redes de influência e de produção de textos das políticas para o ensino

superior no contexto brasileiro e português, notadamente a partir da década de 1990.

Compreender no contexto das políticas para o Ensino Superior a constituição da

identidade do IFC no Brasil e do P.Porto em Portugal.

Identificar as estratégias e táticas adotadas pelas instituições, com vistas à

implantação/consolidação da Pós-Graduação e da pesquisa no contexto de

reorganização como instituições de Ensino Superior.

No primeiro objetivo, identifiquei as redes de influência, demonstrando como as ideias

se deslocam e são incorporadas pelas Nações ao produzirem seus textos da política,

nomeadamente a educacional referente ao Ensino Superior. A rede vai se compondo de forma

fluída, cujas fronteiras com as novas formas de governança são esmaecidas, dificultando a

identificação da origem de determinados consensos que assumem estatutos de verdade. Para

demonstrar a formação dessa rede, destaquei alguns organismos internacionais como o FMI,

Banco Mundial, OCDE, UNESCO, União Europeia, que têm em suas bases de origem

objetivos e papéis distintos, mas que atuam sob a mesma lógica favorecendo os interesses do

capital. Esse grupo de instituições está acoplada a outras instituições e se utiliza da circulação

dos documentos produzidos por experts que elaboram estudos e relatórios sob o ponto de vista

economicista.

Page 211: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

211

A divulgação dessas ideias não ocorre gratuitamente. Para promover a disseminação

do ideário, esses organismos, extremamente ágeis, elaboram documentos tais como planos de

estabilização econômica, estudos de contexto, relatórios técnicos, avaliações externas, que

endereçadas aos países provocam alterações no percurso das políticas. Uma das formas que

vêm sendo utilizadas para apresentar e discutir tais documentos são as conferências, os

eventos que, normalmente, reúnem representantes dos países que assinam os acordos e levam

as recomendações aos seus governos nacionais. Entre as recomendações é possível perceber

que há dois tipos: aquelas que formam os consensos mais gerais em um perspectiva global; e

as regionais, momento no qual os organismos internacionais, por meio de suas secretarias,

olham com maior proximidade para os contextos regionais que vão se desenvolvendo em

tempos distintos, a exemplo de Brasil e de Portugal nas recomendações para elaboração das

políticas.

Uma vez divulgadas em seus destinos, as recomendações elaboradas pelos experts, sob

o ponto de vista economicista e geral da educação, necessitam ser adequadas, o que ocorre

com a interpretação na leitura inicial. Nesse movimento, vão sendo envolvidos novos atores

que pactuam as ideias, quer seja por interesses ou necessidades que envolvem, como discutido

ao longo desta pesquisa, pressões e negociações. Esse é um movimento no qual não há

ingenuidades, mas sim interesses articulados visando obter lucro e poder em superfícies

pavimentadas assimetricamente. Desse modo, na perspectiva neoliberal, o papel do Estado vai

sendo continuamente reduzido e redefinido em termos de financiamento e avaliação. É um

Estado perverso que se mantém ao longe, mas que acompanha tudo de muito perto por meio

dos indicadores preciosamente elaborados para gerar estatísticas, enfatizando os resultados

obtidos para estudos comparados na perspectiva global.

Retomando a ideia de rede e seus desdobramentos nas políticas nacionais, necessário

se faz considerar que a lógica da globalização precede de longa data as recomendações

divulgadas em escala global. Os organismos internacionais são compostos por representantes

dos Estados Membros que também articulam interesses, necessidades, relações de poder e

negociações em uma conexão que, longe de ser linear, produz um campo de disputas com

alternância de protagonistas. As grandes decisões são tomadas nos patamares mais altos, local

onde as influências e os embates são mais intensos, mas levam seus efeitos para outros

contextos.

Com a importação das ideias pensadas para contextos gerais, os Estados, aqui

nomeadamente Brasil e Portugal, traduzem em seus documentos, conforme destacado no

capítulo 3, as recomendações nos textos oficiais de suas reformas educacionais. De modo top

Page 212: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

212

down, estes textos chegam às instituições e provocam novas traduções e representações para

responder aos desafios impostos. Esse processo altera a lógica de organização das instituições

e sua identidade.

Esse movimento foi e está sendo vivido tanto em Portugal, com as alterações

implementadas após a Declaração de Bolonha, quanto no Brasil, com as reformas efetuadas

na educação, especialmente nas políticas voltadas ao Ensino Superior capitaneadas pelos

organismos internacionais que influenciam a onda de reformas na elaboração das políticas

globais. Uma clara demonstração do efeito multiplicador das políticas pensadas em instâncias

maiores é a Declaração de Bolonha, que provocou a reorganização das universidades, com a

diversificação das instituições, o encurtamento do tempo de formação e a perspectiva de

mercado, que também tem se materializado aqui no Brasil, proposta em momento anterior

pelo Banco Mundial. Nos dois países, as Leis de Diretrizes e Bases representaram a tradução

oficial das recomendações internacionais no contexto da reforma seguidas por atos

normativos. Os dois Institutos, inseridos no âmbito do Ensino Superior, também sofreram os

desdobramentos que me conduziram ao segundo objetivo.

Nesse objetivo, busquei compreender, no contexto situacional, como as identidades

das duas instituições foram inicialmente constituídas e o movimento de alteração para chegar

à atual configuração, o que envolve desvelar a trajetória. Ainda que formadas em espaços e

tempos distintos, seus traços constitutivos são próximos. Ambas tiveram suas identidades

originárias definidas pelo campo de atuação na formação de base técnica e profissional na

preparação de mão de obra para absorção no mercado de trabalho, com as devidas

especificidades, mais voltadas à agropecuária ou à indústria e comércio.

Atualmente, as duas instituições (IFC e P.PORTO) estão inseridas no Ensino Superior

e buscam a afirmação da identidade apostando na pesquisa e na Pós-Graduação. Essas apostas

implicam em planejamento, produção de discursos institucionais, disputas, centros de poder e

alternâncias entre os pactos realizados e, muitas vezes, a negação como forma de resistência,

conforme destacado no decorrer do capítulo 4.

Este estudo evidencia que a agenda globalmente estruturada para as reformas na

educação na década de 1990 produziram efeitos nas políticas para o Ensino Superior, as quais

chegaram aos Institutos estudados, em tempos distintos, porém de maneira contundente,

interferindo na reorganização de suas identidades antes direcionadas prioritariamente para a

formação técnica. Por influências das políticas globais, tanto no contexto brasileiro como de

Portugal, foram estabelecidos a diversificação do Ensino Superior, o encurtamento do tempo

nas formações, o vínculo entre o desenvolvimento econômico e a educação, os discursos de

Page 213: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

213

eficiência e qualidade, as regulações externas e, principalmente, as assessorias técnicas e

financeiras como garantias para a implantação das recomendações nas reformas efetuadas.

No Brasil, a década de 1990 foi impactante para as instituições, designadamente as

incluídas no Ensino Superior, com a redução de financiamentos estatais e a diversificação

desse nível de ensino, fruto da aplicação das políticas globais. O desinvestimento mostrava

seus efeitos no sucateamento das instituições, tanto em nível estrutural quanto de recursos

humanos. Nos anos de 2000, em um movimento político, de certo modo contrário à lógica que

vinha sendo desenvolvida, os encaminhamentos da política do governo Lula marcaram

decisivamente a identidade das instituições com a criação da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica em 2008.

Com uma política ideológica no viés social universal, foi injetado investimento estatal

no Ensino Superior, ampliando a oferta desse nível de ensino na rede pública, fato que alterou

profundamente a identidade das instituições e, nesse caso específico, o IFC que foi criado

como resultado dessa política. A união de cinco instituições com percursos e experiências

distintas, acrescida pelo alargamento das atribuições, passando a ofertar a Educação Superior

e Pós-Graduação, em uma estrutura verticalizada, implicou a completa reorganização sob

todos os aspectos. A falta de familiaridade com as novas atribuições gerou reações, pois se

desdobravam em mais trabalho e, agora, era necessário transitar entre a docência e a pesquisa.

Foi necessário investir na contratação de professores e infraestrutura, o que provocou aumento

súbito das funções da docência e gestão. Além disso, a utilização de ferramentas de gestão

também foram requeridas com mais ênfase. A urgência de elaborar o PE e o PDI revelaram

que havia a inexistência da cultura de planejamento e resultados em médio e longo prazos. A

leitura dos documentos possibilita encontrar vários indícios da falta de articulação entre as

ações, característico de uma instituição que vem dando seus primeiros passos nas experiências

mais elaboradas de gestão e que vai se constituindo nesse processo.

Além disso, os depoimentos dos gestores trazem a tona a fragilidade da identidade

institucional, as disputas, as resistências e as táticas utilizadas para superá-las. A diversidade

de perfis institucionais e docentes, a recente chegada à instituição e a permanência de culturas

individualizadas que estão enraizadas dificultam perceber as necessidades de abrangência e de

articulação, que, no campo da docência, da gestão e da pesquisa, para chegar a Pós-

Graduação, necessitam ser revistas para que se possa fabricar a resposta requerida pela

instituição no âmbito do Ensino Superior. Para que esse processo seja possível, os gestores

têm fundamental relevância no campo de suas atribuições.

Page 214: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

214

No P.Porto, sua inserção no Ensino Superior ocorreu na década de 1970 e, situado em

um ambiente político que privilegia a competitividade, tem clareza sobre suas escolhas

identitárias quanto a ser uma grande instituição e desenvolve uma política diretamente

elaborada nesse sentido. Essa clareza pode ser percebida tanto na leitura atenta do PE e do

Manual de Qualidade como nos depoimentos dos gestores. De modo geral, eles expressaram a

concordância com a política institucional que vem sendo desenvolvida para afirmação da

identidade institucional, que conta inclusive com a alteração da identificação transitando de

IPP para P.Porto, na aquisição de infraestrutura física em locais demarcados por outras

instituições no Polo Universitário como forma de marcar presença, ser visível e competitivo

no espaço do Ensino Superior.

O reposicionamento estratégico assenta-se no objetivo de dar maior visibilidade à área

do conhecimento desenvolvida em cada uma de suas Escolas/Institutos, o que fortalece a

identidade institucional. Apesar de manifestações mais homogêneas por parte dos gestores

quanto aos encaminhamentos, as táticas e as fabricações estão presentes, e não somente elas,

mas também as resistências, os centros de poder e as periferias, o que vem gerando

negociações.

O movimento de análise empreendido no decorrer desta Tese possibilita perceber que

as instituições (IFC e P.PORTO) vivem momentos distintos, o que está irremediavelmente

vinculado à história nacional e institucional. No IFC, os depoimentos dos gestores sinalizam

que há, neste momento, uma disputa interna, ocasionada também pela diversidade de perfis

docentes entre o velho e o novo. No P.Porto, o atual movimento envolve instâncias maiores

materializadas pelo enfrentamento ao Estado na tentativa de remover as barreiras impostas

pela legislação.

No terceiro objetivo, por meio dos depoimentos dos gestores, busquei identificar as

traduções e as estratégias da política nas instituições. Considerando que cada instituição

desenvolve táticas conforme sua realidade, fui escaneado os registros dos quais resultaram os

quatro tópicos discutidos nos capítulos 5 e 6. Entre aproximações e distanciamentos

sinalizados ao longo do trabalho, quanto à influência das políticas globais nas Nações, as

características dos sistemas de ensino, políticas voltadas ao ensino superior e Pós-Graduação,

histórico das instituições e os modos peculiares de organização e gestão que impactam nas

identidades, foi possível identificar elementos comuns que, na perspectiva da educação

comparada, fazem sentido, porque consideram os contextos nos quais as ações ganham vida.

Enquanto o IFC, como instituição recém-criada, se concentra nas estratégias e táticas

que poderão lhe conduzir a implantação da Pós-Graduação por meio de uma agenda de

Page 215: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

215

pesquisa, o P.Porto busca avançar na oferta de Doutoramentos, pois as especializações e os

mestrados são uma conquista de longa data. No entanto, ambas as instituições, ao fabricar

respostas no contexto da prática, lançam mão de estratégias e táticas comuns, como pode ser

observado na Figura 16, o que comprova que as ideias políticas se movimentam por meio da

rede de influências.

Figura 16 - Estratégias e táticas comuns ao IFC e P.Porto

Fonte: Elaborada pela autora para fins de pesquisa.

Ainda que as estratégias e táticas comuns tenham intencionalidades distintas, a arena

institucional tem lugar de destaque. É nela e por meio dela que ocorrem as manobras, tanto no

IFC como no P.Porto. As ações concentram-se na pesquisa e aí se instala um círculo vicioso.

Para que o professor possa desenvolver atividades de pesquisa na Pós-Graduação, ele

necessita ser Doutor, desenvolver pesquisas, participar de eventos nacionais e internacionais,

publicar o resultado das pesquisas em revistas reconhecidas no rankings. Contudo, para o

desenvolvimento de pesquisas, esse mesmo professor necessita de infraestrutura. Como se

pode perceber uma tática leva a outra.

Page 216: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

216

Sobre a infraestrutura educacional, são bem vindas as táticas que promovem a partilha

de recursos, sejam eles humanos, com a colaboração de professores dos diversos campi, na

oferta de cursos interdisciplinares ou em espaços que, a exemplo dos laboratórios, possam ser

também compartilhados, prioritariamente no desenvolvimento de pesquisas, que não podem

ser restringidas ao reconhecimento e mérito institucionais.

Para além da organização interna da instituição, em um mundo globalizado com

acentuadas características de competitividade, as instituições necessitam estar visíveis aos

concorrentes e aos parceiros, uma característica da cultura de resultados imposta pela agenda

global da educação. Assim, o desenvolvimento de projetos e pesquisas em rede assumem

relevância porque são fontes potenciais de recursos sempre vistos com bons olhos pelas

instituições. Nessa perspectiva, os grupos de pesquisa também vão realizando um movimento

de fortalecimento e aproximação com seus objetos de estudo, o que lhes confere uma

identidade única e reconhecida com as publicações dos resultados.

Como instituição recém criada, o IFC necessita lidar com desafios internos que

envolvem transitar entre o velho e o novo com culturas distintas que tentam se reafirmar.

Esses grupos distintos necessitam avançar no sentido de perceber que é necessário pensar,

planejar em longo prazo, para que, na atual conjuntura, os avanços conquistados não se

percam, com o novo cenário político que se desenha.

Em alguns depoimentos, os próprios gestores do IFC denunciam a ausência do

sentimento de pertença aos objetivos institucionais comuns considerando o campus onde

atuam como um centro de interesses próprio, situação que fragiliza a identidade institucional.

De certo modo, os agora gestores são ―estrangeiros‖ no sentido de estarem há pouco tempo na

instituição, desconhecerem a história e terem sido ―convidados‖ a participar na maioria das

vezes, por conta do vínculo com a pesquisa, formação e experiência, o que também fragiliza o

resgate da identidade formada antes da criação do IFC. E, então, fica um questionamento:

como construir/afirmar uma identidade institucional com grupos tão diversos e sob tão intensa

pressão por respostas e cumprimento de metas?

Nesse movimento, ao respeitar a verticalização investindo em áreas que marcavam a

identidade, a exemplo da agropecuária e afins, com mestrado profissional aprovado pela

CAPES, há evidências das táticas que são utilizadas para responder às exigências legais. No

entanto, há outras áreas, entre elas as humanidades, que, na nova institucionalidade, se

mostram potenciais e expressam os deslocamentos efetuados pelo grupo gestor.

Por outro lado, as exigências da CAPES impelem que alguns caminhos sejam trilhados

de modo muito próximo ao que as universidades têm feito, pois a regras são as mesmas. O

Page 217: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

217

que fará a diferença serão provavelmente as nuances da formação oferecida ao agregar e não

esfacelar a identidade de origem. Esse é o possível fio de Ariadne.

No P.Porto, os gestores são pertencentes ao quadro de funcionários de longa data e

optam por concorrer aos cargos, o que evidencia também uma escolha profissional e um

conhecimento da trajetória percorrida. Cada um dos dois subsistemas têm diferentes

realidades, ou seja, no caso das universidades e dos politécnicos, o espaço de tensão é vivido

nos dois. Os politécnicos não somente se desenvolveram no sentido de se aproximar da

universidade, mas indo além do que estava previsto na legislação. Nesse movimento, os

politécnicos e especificamente o P.Porto se aproximou de algumas atividades que somente

eram desenvolvidas pela universidade, assim como a universidade ocupou o espaço dos

politécnicos em termos de formação. Há uma proximidade de contextos que vêm provocando

sombreamentos em um espaço de acirrada competitividade conforme assinalado nos

depoimentos dos gestores.

O elevado investimento em pesquisa e desenvolvimento vem provocando o

afastamento do que havia sido fixado na legislação e, então, lá também se instala uma crise de

identidade, quando pelos marcos regulatórios é imposta novamente ao P.Porto e aos

politécnicos uma retomada do perfil formativo do passado, o que neste momento acentua a

divisão dos dois subsistemas. Nesses espaços multifacetados, as táticas são as ferramentas que

impulsionam os atores gestores no âmbito da ação.

Na constituição/consolidação de suas identidades, em face das novas diretrizes da

política, os institutos estão inseridos no Ensino Superior com o alargamento de suas

atividades, o que fatalmente interfere na construção da identidade e atinge gestores e

professores. Nesse posicionamento, estes lidam com as disputas, as redes internas de poder,

os constantes embates e as necessidades de acordos e as latentes condições que precisam ser

criadas para ser reconhecida como uma instituição de pesquisa e Pós-Graduação aliada à

necessidade de fabricar uma imagem de compromisso desta com a política, decorrente dos

processos avaliativos externos. Nessa luta, estratégias e táticas vão sendo forjadas na

dificuldade de diálogo e de articulação entre as ações, na declaração de acordos, nas disputas

por áreas de domínio, na sobreposição de poderes, mas também na identificação de

possibilidades expressa nos desejos de convergência e não esfacelamento das identidades

originárias, de verticalização de currículos, de fortalecimento do olhar para as demandas

locais e interesses regionais, de consolidação da pesquisa e redes de pesquisa, de estímulos à

produção científica, de referencialidade em determinadas áreas de conhecimento e inovação

como estratégia de marcar presença, ser visível e competitivo no espaço do Ensino Superior.

Page 218: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

218

Enfim, finalizo esta pesquisa em um momento que a educação brasileira vive uma

crise de identidade, que arrisco afirmar ser sem precedentes, com ameaças aos direitos

historicamente conseguidos que ouso nomear como política do desmonte, porque, entre outros

desdobramentos, a política que criou a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e

Tecnológica corre sério risco de ser subsumida pela perspectiva mercadológica. Os atuais

encaminhamentos governamentais e a imposição ditatorial ideológica a que estamos

submetidos leva-me a crer que estamos diante de um processo que se posiciona de forma

muito mais agressiva e célere do que o neoliberalismo até então tinha manifestado. São novos

atores e interlocutores que se movimentam por meio da rede de influências e constroem

consensos, fabricando verdades disseminadas em discursos que ocultam as reais intenções,

inaugurando um campo de novas disputas.

Page 219: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

219

REFERÊNCIAS

A3ES. Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Glossário. [200-].

Disponível em: <http://www.a3es.pt/pt/documentos/documentos/glossario>. Acesso em 20

out. 2016.

AFONSO, A. J. G. et al. Democracia, neoliberalismo e políticas públicas no velho e novo

mundo: desafios para o século XXI. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS

PÚBLICAS, 3., 2007, São Luís. Anais eletrônicos... São Luís: UFMA, 2007. Disponível em:

<http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIII/html/mesas/674c9d1091b6fed6e994Almerind

o_Ilse_Joana_Eliel.pdf>. Acesso em: 20 maio 2013.

AKKARI, A. Internacionalização das políticas educacionais: transformações e desafios.

Petrópolis: Vozes, 2011.

AMARAL, A. Bolonha, o ensino superior e a competitividade. In: SERRALHEIRO, J. P.

(Org.). O processo de Bolonha e a formação dos educadores e professores portugueses.

Porto: Profedições, 2005.

AMARAL, J. F. Do. Economia. In: REIS, A. (Coord.). Retrato de Portugal: factos e

acontecimentos. Lisboa: Instituto Camões, 2007.

AMARAL, A.; MAGALHÃES, A. Implementation of higher education policies: a

portuguese example. 2010. Disponível em: <http://link.springer.com/chapter/10.1007%2F1-

4020-3411-3_8>. Acesso em: 20 out. 2016.

ANGUS, L. School choice: neoliberal education policy and imagined futures. British Journal

of Sociology of Education, v. 36, n. 3, p. 395-413, 2015. DOI:

10.1080/01425692.2013.823835.

ANTUNES, F. Globalização e europeização das políticas educativas: percursos, processos e

metamorfoses. Sociologia, problemas e práticas, Lisboa, n. 47, p. 125-143, jan. 2005.

ARROTEIA, J. C. O Ensino Superior em Portugal. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1996.

ARRUDA, M. ONGs e o Banco Mundial: é possível colaborar criticamente? In: TOMMASI,

L. de; WARDE, M. J.; HADDAD, S. O Banco Mundial e as políticas educacionais. São

Paulo: Cortez, 2003. p. 41-74.

BALL, S. J. Big policies/small world: an introduction to international perspectives in

education policy. Comparative Education, v. 34, n. 2, p. 119-130, 1998. DOI:

10.1080/03050069828225.

______. Educação global S.A.: novas redes políticas e o imaginário liberal. Tradução: Janete

Bridon. Ponta Grossa: UEPG, 2014.

______. Educational reform: a critical and post-structural approach. Buckingham: Open

University Press, 1994.

Page 220: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

220

______. Entrevista com Stephen J. Ball. Privatizações da educação e novas subjetividades:

contornos e desdobramentos das políticas (pós) neoliberais. Entrevistadora: Sanny Silva da

Rosa. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 18, n. 53, abr./jun. 2013a.

______. Foucault, power, and education. London: Routledge, 2013b.

______. Global education Inc.: new policy networks and the neo-liberal imaginary. London:

Routledge, 2012a.

______. Globalización, mercantilización y privatización: tendencias internacionales en

Educación y Política Educativa. Archivos Analíticos de Políticas Educativas [online], v. 22,

n. 41, 2014b. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.14507/epaa.v22n41.2014>. Acesso em: 10

maio 2016.

______. La Micropolítica de la escuela. Madrid: Paidós; MEC, 1989.

______. Performatividade, privatização e o pós-estado do bem-estar. Educação & Sociedade,

Campinas, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, set./dez. 2004a.

______. Performativities and fabrications in the education economy: towards the performative

society. Australian Educational Researcher, v. 17, n. 3, p. 1-24, 2000.

______. Performativity, commodification and commitment: an I-Spy guide to the neoliberal

University. British Journal of Educational Studies, London, v. 60, n. 1, p. 17-28, 2012b.

______. Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade

performativa. Educação & Realidade, Campinas, v. 35, n. 2, p. 37-55, maio/ago. 2010a.

______. Politics and policy making in education: explorations in policy sociology. London:

Routledge, 1990.

______. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade. Revista

Portuguesa de Educação, Braga, v. 15, n. 2, p. 3-23, 2002.

______. Sociologia das políticas educacionais e pesquisa crítico-social: uma revisão pessoal

das políticas educacionais e da pesquisa em política educacional. Currículo sem Fronteiras

[online], v. 6, n. 2, p. 10-32, jul./dez. 2006.

______. Sociologia das políticas educacionais e pesquisa crítico social: uma revisão pessoal

das políticas educacionais e da pesquisa em política educacional. In: BALL, S. J.;

MAINARDES, J. (Orgs.) Políticas educacionais: questões e dilemas. São Paulo: Cortez,

2011. p. 21-53.

______. The governance turn! Journal of Education Policy, v. 24, n. 5, p. 537-538, 2009.

DOI: 10.1080/02680930903239904.

______. The teacher‘s soul and the terrors of performativity. Journal of Education Policy, v.

18, n. 2, p. 215-228, 2003

Page 221: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

221

______. Vozes/redes políticas e um currículo neoliberal global. Espaço do Currículo, João

Pessoa, v. 3, n. 1, p. 485-498, mar./set. 2010b.

BALL, S. J.; BAILEY, P. L. J. A constituição da subjetividade docente no Brasil: um

contexto global The constitution of teacher subjectivity in Brazil: some global context.

Revista Educação em Questão, Natal, v. 46, n. 32, p. 3-4, maio/ago. 2013.

BALL, S. J.; BOWE, R. Subject departments and the ―implementation‖ of national

curriculum policy: an overview of the issues. Jornal of Curriculum Studies, v. 4, n. 2, 1992.

BALL, S. J.; GEWIRTZ, S. Do modelo de gestão do ―Bem-Estar Social‖ ao ―novo

gerencialismo‖: mudanças discursivas sobre gestão escolar no mercado educacional. In:

BALL, S. J.; MAINARDES, J. (Orgs.). Políticas educacionais: questões e dilemas. São

Paulo: Cortez, 2011. p. 193-221.

BALL, S. J.; MAGUIRE, M.; BRAUN, A. Como as escolas fazem política: atuação em

escolas secundárias. Tradução Janete Bridon. Ponta Grossa: UEPG, 2016. No prelo.

______; ______; ______. How schools do policy: policy enactments in secondary schools.

London: Routledge, 2012.

BALL, S. L.; MAROY, C. School‘s logics of action as mediation and compromise between

internal dynamics and external constraints and pressures. Compare: A Journal of

Comparative and International Education, v. 39, n. 1, p. 99-112, 2009.

BALL, S. J.; OLMEDO, A. A. Care of the self, resistance and subjectivity under neoliberal

governmentalities. Critical Studies in Education [online], v. 54, n. 1, p. 85-96, fev. 2013.

BARROSO, J. A emergência do local e os novos modos de regulação das políticas

educativas. Educação - Temas e Problemas, Lisboa, n. 12 e 13, p. 13-25, 2013.

BIANCHETTI, L. Política de avaliação e acompanhamento da CAPES: ingerências e

impactos nos PPGES. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v.1, n. 2, p. 140-153,

maio/ago. 2006.

______. O Processo de Bolonha e a globalização da educação superior: antecedentes,

implementação e repercussões no que fazer dos trabalhadores da educação. Campinas:

Mercado da Letras, 2015.

BIANCHETTI, L.; VALLE, I. R. Produtivismo acadêmico e decorrências às condições de

vida/trabalho de pesquisadores brasileiros e europeus. Ensaio: Avaliação Políticas públicas

em educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 82, p. 89-110, jan./mar. 2014.

BRASIL. Decreto Nº 7.566/1909. Crêa nas capitaes dos Estados da Republica Escolas de

Aprendizes Artifices, para o ensino profissional primario e gratuito. 1909. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-7566-23-setembro-1909-

525411-norma-pe.html>. Acesso em: 12 jan. 2013.

______. Chamada Pública MEC/SETEC Nº 002/2007. Ministério da Educação. Secretaria

de Educação Profissional e Tecnológica. Chamada Pública de propostas para constituição dos

Page 222: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

222

Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET. 2007a. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/chamada_publica_ifet.pdf>. Acesso em: 10 set. 2015.

______. Decreto No 2.147, de 14 de fevereiro de 1997. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 fev. 1997a. Seção 1, n. 31, p. 2811-

2817.

______. Decreto No 2.208, de 17 de abril de 1997. Diário Oficial [da] República Federativa

do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 abr. 1997b. Seção 1, n. 274, p. 7760-7761.

______. Decreto Nº 2.548, de 15 de abril de 1998. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2548.htm>. Acesso em: 20 dez. 2015.

______. Decreto No 5.154, de 23 de julho de 2004. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 jul. 2004. Seção 1, n. 142, p. 18.

______. Decreto No 5.773, de 9 de maio de 2006. Diário Oficial [da] República Federativa

do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 10 maio 2006. Seção 1, n. 88, p. 6-10.

______. Decreto No 6.095, de 24 de abril de 2007. Diário Oficial [da] República Federativa

do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 abr. 2007b. Seção 1, n. 79, p. 6-7.

______. Decreto No

62.163, de 25 de janeiro de 1968. Vincula o Colégio à Universidade

Federal de Santa Catarina. 1968a. Disponível em:

<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=92822&norma=117915>.

Acesso em: 10 mar. 2014.

______. Decreto No 62.178, de 25 de janeiro de 1968. Provê sôbre a transferência de

estabelecimentos de ensino agrícola para Universidades e dá outras providências. 1968b.

Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-62178-25-

janeiro-1968-403729-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 20 jan. 2014.

______. Lei Nº 8.670, de 30 de junho de 1993. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1 jul. 1993a. Seção 1, nº 123, p. 8929-8932.

______. Lei Nº 8.731, de 16 de novembro de 1993. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 17 nov. 1993b. Seção 1, nº 123, p.

17253.

______. Lei Nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993. Diário Oficial [da] República Federativa

do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 10 dez. 1993c. Seção 1, n. 235, p. 18937-18938.

______. Lei Nº 8.948, de 8 de dezembro de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa

do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 9 dez. 1994. Seção 1, n. 233, p. 18882.

______. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, n. 248, p.

27833-27841.

Page 223: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

223

______. Lei No11.195, de 18 de novembro de 2005. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 nov. 2005a. Edição Extra, Seção 1,

p. 1-3.

______. Lei Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 30 dez. 2008b. Seção 1, n. 253, p. 1.

______. Ministério da Educação. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília, DF:

MEC, 1993d. (versão atualizada). Disponível

em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001523.pdf>. Acesso em: 15

mar. 2014.

______. Lei N° 12.513, de 26 de outubro de 2011. Institui o Programa Nacional de Acesso ao

Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); altera as Leis no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que

regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao

Trabalhador (FAT) [...]. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder

Legislativo, Brasília, DF, 27 out. 2011. Seção 1, n. 207, p. 1-3.

______. Referenciais orientadores para os bacharelados insterdisciplinares e similares.

2010c. Disponível em: <http://reuni.mec.gov.br/images/stories/pdf/novo%20-

%20bacharelados%20interdisciplinares%20-

%20referenciais%20orientadores%20%20novembro_2010%20brasilia.pdf>. Acesso em: 12

out. 2016.

______ Plano Nacional de Pós-Graduação - PNPG 2011/2020. v. 1. 2010a. Disponível em:

<http://www.capes.gov.br/sobre-a-capes/plano-nacional-de-pos-graduacao>. Acesso em: 5

mar. 2013.

______. Plano Nacional de Pós-Graduação - PNPG 2011/2020. v. 2. 2010b. Disponível

em: <http://www.capes.gov.br/sobre-a-capes/plano-nacional-de-pos-graduacao>. Acesso em:

5 mar. 2013.

______. Proposta em Discussão: Políticas Públicas para a Educação Profissional e

Tecnológica. 2004b. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/p_publicas.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2014.

______. Resolução No 3, de 18 de dezembro de 2002. Diário Oficial [da] República

Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 dez. 2002a. Seção 1, no 247, p. 162-

163.

BRAUN, A. et al. Taking context seriously: towards explaining policy enactments in the

secondary school. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, v. 32, n. 4, p. 585-

596, 2011. DOI: 10.1080/01596306.2011.601555.

BRAUN, A.; MAGUIRE, M.; BALL, S. J. Policy enactments in the UK secondary school:

Examining policy, practice and school positioning. Journal of Education Policy, n. 25, p.

547-560, 2010.

CABRITO, B. G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições. Inter-Ação,

Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011.

Page 224: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

224

CAPES. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Mestrado

Profisional: O que é? 2014. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/avaliacao/sobre-a-

avaliacao/mestrado-profissional-o-que-e>. Acesso em 20 out. 2016.

CARDOSO, A. R. et al. Demand for Higher Education programs: the impact of the Bologna

process. CESifo Economic Studies. Inovation and Higher Education Reform. Venice:

International University, 2007.

CARVALHO, O. F. de. Relatório dos trabalhos do grupo 01. A educação profissional como

política pública. Relatório Final. Brasília: MEC/SEMTEC/PROEP, 2003. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf>. Acesso em: 20 out. 2013.

CASTRO, D. F. Os projetos de intervenção dos diretores de escola: uma construção

discursiva a partir das regulações do discurso político-normativo. Sensos, Porto, n. 2, p. 9-28,

2011.

CASTRO, A. M. D. A.; SEIXAS, A. M.; CABRAL NETO, A. Políticas educativas em

contextos globalizados: a expansão do ensino superior em Portugal e no Brasil. Revista

Portuguesa de Pedagogia, ano 44, v.1, p. 37-61, 2010.

CATANI, A. M.; HEY, A. P. O impacto da avaliação no desenvolvimento e na

reconfiguração do campo universitário brasileiro.In: OLIVEIRA, J. F.; CATANI, A. M.;

FERREIRA, N. S. C. (Orgs.). Pós-graduação e avaliação: impactos e perspectivas no Brasil

e no cenário internacional. Campinas (SP): Mercado das Letras, 2010. p. 53-80.

CEPAL. Educacion Y Conocimiento: Eje de la Transformacion Productiva con Equidad,

1992. Disponível em:

<http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/2130/S9250755_es.pdf>. Acesso em: 20

out. 2016.

CERDEIRA, M. L. M. O financiamento do ensino superior português: a partilha dos

custos. 2008. 610 f. Tese. (Doutorado em Ciências da Educação) - Faculdade de Psicologia e

de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008.

CHAUÍ, M. Escritos sobre a universidade. São Paulo: UNESP, 2001.

COMISSÃO EUROPEIA. Comunicado da Comissão Europa 2020: Estratégia para um

crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Bruxelas, 2010.

COSTA, J. Imagens organizacionais da escola. Porto: ASA, 1996.

COSTA JÚNIOR, W. R.; BITTAR, M. Política de avaliação da Pós-Graduação e suas

consequências no trabalho docente. Perspectiva, Florianópolis. v. 3, n.1, p. 253 -281,

jan./abr. 2012.

COWEN, R. Introdução: O nacional, o internacional e o global. In: Cowen, R.; Kazamias, A.

M.; Ulterhalter, E. (Orgs.). Educação comparada: panorama internacional e perspectivas. v.

1. Brasília: UNESCO; CAPES, 2012.

Page 225: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

225

CPLP. Declaração de Fortaleza. 2004. Disponível em: <www.cplp.org/.../Download.aspx>.

Acesso em: 12 out. 2016.

DALE, R. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma ―cultura educacional

mundial comum‖ ou localizando uma ―agenda globalmente estruturada para a educação‖?.

Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, p. 423-460, maio/ago. 2004.

DIAS, M. A. R. Dez anos de antagonismo nas políticas sobre ensino superior em nível

internacional. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88, p. 893-914, Especial - out.

2004.

DOURADO, L. F. A reforma do Estado e as políticas para a educação superior no Brasil nos

anos 90. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 234-252, set. 2002.

DUBAR, C. Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Tradução:

Andréa Stahel M. da Silva. São Pauo: Martins Fontes, 2005.

FISCHER, R. M. B. Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de Pesquisa,

São Paulo, n. 114, p. 197-223, nov. 2001.

FONSECA, M. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de

cooperação internacional. In: TOMMASI, L. de; WARDE, M. J.; HADDAD, S. O Banco

Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2003. p. 229-251.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no College de France, pronunciada

em 2 de dezembro de 1970. 23. ed. São Paulo: Loyola, 2013.

______. Microfísica do poder. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2014.

FRANCO, M. L. P. B. Análise de conteúdo. 2. ed. Brasília: Liber Livro, 2005.

GARRIDO, J. L. G. Fundamentos de educação comparada. 3. ed. Madrid: Dykinson, 1986.

GOMES, J. F. O diploma de Técnico Superior Profissional. Artigo de opinião, 2016.

Disponível em: <https://www.publico.pt/institutos-politecnicos#/5>. Acesso em: 10 nov. 2016

GRÁCIO, S. Ensinos Técnicos e Política em Portugal: 1910/1990. Lisboa: Instituto Piaget,

1998.

HADDAD, S. (Org.) Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais.

São Paulo: Cortez, 2008.

HEITOR, M.; HORTA, H. Bolonha em Portugal e o desafio da democratização do acesso ao

conhecimento: a Reforma do Ensino Superior em 2006-2010. Centro de Estudos em

Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+. Instituto Superior Tecnico,

Universidade de Lisboa, Portugal, 2015. Disponível em:

<http://www.manifesto2015.com/docs/M-heitor-H-Horta-Bolonha-em-Portugal-

v12may2015.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2016.

Page 226: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

226

HORTALE, V. A; MORA, J.-G. Tendências das reformas da educação superior na Europa no

contexto do Processo de Bolonha. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 8, out. 2004.

HOSTINS, R. C. L. Evaluation policy in education: the effects of international standards and

performativity on Brazil‘s postgraduate programmes of excellence. Journal of Education

Policy [online], v. 30, n. 3, p. 406-428, dez. 2014.

______. Formação de pesquisadores na pós-graduação em educação: embates ontológicos

e epistemológicos. 2006. 176 f. Tese. (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de

Santa Catarina, Florianópolis, 2006.

IFC. Instituto Federal Catarinense. Documentos. 2014. Disponível em: <http://ifc.edu.br/wp-

content/uploads/2014/10/. pdf>. Acesso em: 10 fev. 2014.

______. Instituto Federal Catarinense. Planejamento estratégico do Instituto Federal

Catarinense (2013-2017). 2013. Disponível em:

<http://issuu.com/institutofederalcatarinense/docs/livreto_planejamentoestrat__gico_di>.

Acesso em: 25 out. 2014.

______. Instituto Federal Catarinense. Acordo de metas e compromissos. 2010. Disponível

em: <http://ifc.edu.br/documentos/>. Acesso em: 10 abr. 2014.

______. Instituto Federal Catarinense. Regimento Geral do IFC. 2015. Disponível em:

<http://ifc.edu.br/documentos/>. Acesso em: 15 maio 2016.

______. Instituto Federal Catarinense. Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI (2014

– 2018). 2014. Disponível em: <http://ifc.edu.br/documentos/>. Acesso em: 20 abr. 2015

______. Instituto Federal Catarinense. Planejamento Estratégico – PE (2013 – 2017). 2013.

Disponível em: <http://ifc.edu.br/documentos/>. Acesso em: 10 abr. 2014.

IFET AGROINDUSTRIAL DE SANTA CATARINA. Proposta para constituição do

“Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia” no Estado de Santa Catarina. Camboriú, 2008.

INEP. Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação presencial e a distância. 2015.

Disponível em:

<http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_graduacao/instrumentos/2

015/instrumento_avaliacao_cursos_graduacao_presencial_distancia.pdf>. Acesso em: 15 jul.

2015.

IPP. Instituto P.Porto. Planejamento Estratégico – PE (2013 – 2017). 2014. Disponível em:

<https://portal.ipp.pt/site/documentacao.aspx>. Acesso em: 20 abr. 2016.

______. Instituto P.Porto. Manual de Qualidade – MQ (2015). 2015. Disponível em:

<https://portal.ipp.pt/site/documentacao.aspx>. Acesso em: 20 abr. 2016.

IPEA. História Bretton Woods. Ano 6. 50. ed. 21 maio 2009. Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2247:cat

id=28&Itemid=23>. Acesso em: 20 dez. 2014.

Page 227: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

227

KUENZER, A. Z.; MORAES, M. C. M. de. Temas e tramas na pós-graduação em educação.

Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 93, p. 1341- 1362, set./dez. 2005.

______; _____. Temas e tramas na pós-graduação em educação. In: MOREIRA, A. F.;

PACHECO, J. A. (Orgs.). Globalização e educação: desafios para políticas e práticas. Porto:

Porto, 2006. p. 167-190.

LEÃO, M. T. De C. M. G. O Ensino Superior Politécnico em Portugal: um paradigma de

formação alternativo. Departamento de Ciências da Educação. 2006. 540 f. Tese (Doutorado

em Ciências da Educação) - Universidade de Aveiro, Aveiro, 2006.

LIMA, L. C. O paradigma da educação contábil: Políticas educativas e perspectivas

gerencialistas no ensino superior em Portugal. Revista Brasileira de Educação, Rio de

Janeiro, n. 4, p. 43-59, jan./abr. 1997.

______. O paradigma da educação contábil: Políticas educativas e perspectivas gerencialistas

no ensino superior em Portugal. In: LIMA, L. C.; AFONSO, A. J. (Orgs.). Reformas na

educação pública: democratização, modernização, neoliberalismo. Santa Maria da Feira:

Rainho & Neves Ltda., 2002. p. 91-110

______. A democratização do governo das escolas públicas em Portugal. Revista Sociologia,

Porto, n. 9, p. 227-253, 2009.

______. À ponta da baioneta, as escolas são transformadas em repartições. Entrevista

concedida ao Jornalista José Paulo Oliveira em 10 de julho de 2010. Disponível em:

<http://www.fenprof.pt/?aba=27&mid=115&cat=76&doc=4898>. Acesso em: 15 maio 2016.

LIMA, L.; AZEVEDO, M. L. N. De; CATANI, A. O processo de Bolonha, a avaliação da

educação superior e algumas considerações sobre a universidade nova. Avaliação, Campinas;

Sorocaba, v. 13, n. 1, p. 7-36, mar. 2008.

LINGARD, B.; GREAGH, S.; VASS, G. Education policy as numbers: data categories and

two Australian cases of misrecognition. Journal of Education Policy, v. 27, n. 3, p. 315-333,

2012. DOI: 10.1080/02680939.2011.605476.

LOPES, N. S. Relatório dos trabalhos do grupo 08. Certificações educacionais e

profissionais. Relatório Final Brasília: MEC/SEMTEC/PROEP, 2003. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf>. Acesso em: 20 out. 2013.

LOPES, A. C. Integração e disciplinas nas políticas de currículo. In: LOPES, A. C.;

MACEDO, E.; ALVES, M. P. C. (Orgs.). Cultura e política de currículo. São Paulo:

Junqueira & Marin, 2006. p. 139-160.

LOPES, A. C.; MACEDO, E. Contribuições de Stephen Ball para o estudo das políticas de

currículo. In: BALL, S. J.; MAINARDES, J. (Orgs.). Políticas educacionais: questões e

dilemas. São Paulo: Cortez, 2011a. p. 249-283.

______; ______. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011b.

Page 228: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

228

MAGUIRE, M.; BALL, S. J. Discursos da reforma educacional no Reino Unido e nos

Estados Unidos e o trabalho dos professores. In: BALL, S. J.; MAINARDES, J. (Orgs.)

Políticas educacionais: questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011. p. 175-192.

MANCEBO, D. Reforma universitária: reflexões sobre a privatização e a mercantilização do

conhecimento. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88, p. 845-866, Especial - Out.

2004.

MANCEBO, D.; RIBEIRO, C. V. Pagamento por performance, avaliação e implicações para

o trabalho docente na educação superior pública. In: SILVA JR., J. dos R.; CATANI, A. M.;

CHAVES, V. L. J. (Orgs.). Consequências da mundialização da universidade pública

brasileira. São Paulo: Xamã, 2012. p. 29-44.

MARQUES, M. da C. da C. O novo sistema de avaliação e acreditação do ensino superior:

impacto, repercussões e benefícios. Revista Universo Contábil, Blumenau, v. 6, n. 1, p. 142-

155, jan./mar. 2010.

MENDES, J. M. O Politécnico português face à Universidade e à Bolonha. 2006.

Disponível em: <http://www.janusonline.pt/arquivo/2006/2006_2_1_14.html>. Acesso em:

20 out. 2016.

MORA, J. G. Governance and management in the new university. Tertiary Education and

Management. Department of Applied Economics University of Valencia Campus dels

Tarongers. Valencia, Spain, 2001.

MORGAN, G. Imagens da organização. 2. ed. Edição executiva. São Paulo: Atlas, 2008.

MORGADO, J. C. Processo de Bolonha e Ensino Superior num mundo globalizado.

Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 106, p. 37-62, jan./abr. 2009.

MOROSINI, M. C. Internacionalização na produção de conhecimento em IES brasileiras:

cooperação internacional tradicional e cooperação internacional horizontal. Educação em

Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 1, p.93-112, abr. 2011.

NÓVOA, A. Modelos de análise em educação comparada: o campo e o mapa. In: SOUZA, D.

B. De; MARTÍNEZ, S. A. (Orgs.) Educação comparada: rotas além mar. São Paulo: Xamã,

2009. p. 23-62.

OCDE. Reviews of national policies for education. Follow-up to the Review of Tertiary

Education in Portugal: Progress Report. Paris, 2008.

OLIVEIRA, L. R. De. As repercussões do acordo com o FMI sobre os ajustes da economia

brasileira. Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 17, n. 1 (29), p. 79-102, 2006.

OLSEN, B. How reasons for entry into the profession illuminate teacher identity

development. Teacher Education Quarterly, Summer 2008. Disponível em:

<http://teqjournal.org/Back%20Issues/Volume%2035/VOL35%20PDFS/35_3/07olsen-

35_3.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2010.

Page 229: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

229

ORTRANTO, C. R. Criação e implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e

Tecnologia – IFETs. Revista RETTA, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, p. 89-110, jan./jun. 2010.

______. A política de educação profissional do governo Lula: novos caminhos da educação

superior. In: SILVA JÚNIOR, J. Dos R. Da; CATANI, A. M.; CHAVES, V. J. (Orgs.).

Consequências da mundialização da universidade pública brasileira: pós-graduação,

trabalho docente, profissionalização e avaliação. São Paulo: Xamã, 2012. v. 1, p. 61-80.

ORWELL, G. A revolução dos bichos. Edição Ridendo Castigat Mores. Fonte Digital.

Versão para Ebook: eBooksBrasil.com, 2000.

OZGA, J. Investigação sobre políticas educacionais: terreno de contestação. Porto: Porto,

2000.

PARASKEVA, J. M. Capitalismo Acadêmico em Portugal - ―Tandem Abvtere Patientia

Nostra?‖. Cadernos de Educação, Pelotas, n. 40, p. 215 - 257, out./dez. 2011.

PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-

2008). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

PINTO, A. V. O conceito de tecnologia. v. 1. 2. reimp. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. PORTUGAL. Decreto-Lei Nº 369, de 5 de novembro de 2007. Diário da República - I Série

- n.º 212 - 5 de novembro de 2007. A3ES.

______. Portaria Nº 199-B, de 20 de julho 2016. Diário da República - I Série - n.º 138 - 20

de julho de 2016 2388-(9). https://dre.pt

______. Decreto-Lei N° 830, de 31 de dezembro de 1974. Diário do Governo, n.º 303/1974,

11º Suplemento, Série I de 1974-12-31.

______. Decreto-Lei No 74, de 24 de março de 2006. Diário da República - I Série-A n.o 60

- 24 de março de 2006.

______. Lei Nº 5, de 25 de julho de 1973. Diário da República - I Série, n.º 173.

______. Lei Nº 46, de 14 de outubro de 1986. Diário da República - I Série, nº 273.

______. Lei No 115, de 19 de setembro de 1997. Diário da República - I Série-A n.o 217 -

19-9-1997.

______. Lei No 49, de 30 de agosto de 2005. Diário da República - I Série-A n.o 166 - 30 de

agosto de 2005.

______. Decreto-Lei No 43, de 18 de março de 2014. Diário da República - I série - n.º 54 -

18 de março de 2014.

______. Decreto-Lei No 402, de 11 de agosto de 1973. Diário do Governo - I Série, nº 188 -

2 de agosto de 1973.

Page 230: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

230

______. Decreto-lei Nº 313, de 26 de junho de 1975. Diário do Governo n.º 145/1975, Série

I de 1975-06-26.

______. Decreto-lei Nº 327, de 6 de maio de 1976. Diário da República n.º 106/1976, Série I

de 1976-05-06.

______. Decreto-lei Nº 513-T, de 26 de dezembro de 1979. Diário da República n.º

296/1979, 3º Suplemento, Série I de 1979-12-26.

______. Despacho Nº 7936, de 19 de março de 2009. Diário da República - II Série, nº 55,

de 19.03.2009. p. 10598.

______. Portaria Nº 485, de 23 de junho de 2008. Diário da República n.º 119/2008, Série I

de 2008-06-23.

______. Portaria Nº 709, de 23 de setembro de 1980. Diário da República n.º 220/1980,

Série I de 1980-09-23.

______. Decreto-lei Nº 371, de 10 de setembro de 1982. Diário da República n.º 210/1982,

Série I de 1982-09-10.

______. Decreto-Lei Nº 415 de 23 de dezembro de 1993. Diário da República. I Série-A nº

298, 23 – 12- 1993.

______. Decreto-lei Nº 9, de 4 de janeiro de 1990. Diário da República n.º 3/1990, Série I de

1990-01-04.

______. Decreto-lei Nº 264, de 14 de julho de 1999. Diário da República n.º 162/1999, Série

I-A de 1999-07-14.

______. Lei Nº 61, de 28 de julho de 1978. Diário da República n.º 172, Série I, de

28.07.1978.

______. Decreto-Lei Nº 64, de 21 de março de 2006. Diário da República - I Série-A, n.o 57

- 21 de março de 2006.

______. Lei Nº 38, de 21 de novembro de 1994. Diário da República — I Série-A n.o 269 -

21 de novembro de 1994. P. 6906.

______. Quadro Europeu de Qualificações. 2009. Disponível em:

<http://www.dges.mctes.pt/NR/rdonlyres/90DBE647-5CB6-4846-B88F-

101180D9E425/4890/TheEQFforlifelonglearning_brochure_PT.pdf>. Acesso em: 25 abr.

2016.

ROBERTSON, S. L. O processo de Bolonha da Europa torna-se global: modelo, mercado,

mobilidade, força intelectual ou estratégia para construção do Estado? Tradução Alfredo

Macedo Gomes e Roderick Somerville Kay. Revista Brasileira de Educação, Rio de

Janeiro, v. 14, n. 42, p. 407-422, set./dez. 2009.

Page 231: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

231

ROSA, M. J.; SARRICO, C. Quality, evaluation and accreditation: from steering, through

compliance, on to enhancement and innovation? In: AMARAL, A.; NEAVE , G. (Eds.).

Higher Education in Portugal 1974–2009: A Nation, a Generation. Dordrecht: Springer,

2012. p. 249-264.

SEIXAS, A. M. Políticas educativas para o ensino superior: a globalização neoliberal e a

emergência de novas formas de regulação estatal. In: STOER, S. R.; CORTESÃO, L;

CORREIA, J. A. (Orgs.). Transnacionalização da educação: da crise da educação à

―educação‖ da crise. Afrontamento: Porto, 2001. p. 211-239.

______. Políticas educativas e ensino superior em Portugal: a inevitável presença do

Estado. Coimbra: Quarteto, 2003.

SGUISSARDI, V. Pós-graduação (em educação) no Brasil: conformismos,

neoprofissionalismo, heteronomia e competitividade. In: MANCEBO, D.; SILVA JR., J. dos

R.; OLIVEIRA, J. F. de. (Orgs.). Reformas e políticas: educação superior e pós-graduação

no Brasil. Campinas (SP): Alínea, 2008. p. 137-164

______. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. São Paulo: Cortez,

2009.

SHIROMA, E. O. Networks in education: new actors and practices in education policy in

Brazil. Journal of Education Policy [online], London, v. 29, n. 3, 2014.

______. Relatório dos trabalhos do grupo 14. Metodologias e resultados de avaliações

institucionais em educação profissional. Relatório Final. Brasília: MEC/SEMTEC/PROEP,

2003.

SHIROMA, E. O.; CAMPOS, R. F.; GARCIA, R. M. C. Decifrar textos para compreender a

política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva,

Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 427-446, jul./dez. 2005.

SILVA, C. J. R. (Org.). Institutos Federais. Lei Nº 11.892, de 29/12/2008. Comentários e

Reflexões. Brasília, DF: IFRN, 2009.

SILVA, M. R. Da. A política de integração curricular no âmbito do Proeja – entre discursos,

sujeitos e práticas. In: MOURA, D. H. (Org.). Produção de conhecimento, políticas

públicas e formação docente em educação profissional. Campinas: Mercado das Letras,

2013. p. 221-242.

SILVA JUNIOR, J. dos R.; KATO, F. G. PNPG (2011-2020): certificação em massa,

internacionalização e mercantilização do conhecimento. SILVA JR., J. dos R.; CATANI, A.

M.; CHAVES, V. L. J. (Orgs.). Consequências da mundialização da universidade pública

brasileira. São Paulo: Xamã, 2012. p. 11-28.

SILVA JÚNIOR, J. D. R.; SPEARS, E. Globalização e a mudança do papel da universidade

federal brasileira: uma perspectiva da economia política. Revista HISTEDBR On-line,

Campinas, n. 47, p. 3-23, set. 2012.

Page 232: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

232

SIMÃO, J. V.; COSTA, A. De A. O ensino politécnico em Portugal. Conselho Coordenador

dos Institutos Superiores Politécnicos. Braga, 2000.

SOARES, M. C. C. Banco Mundial: políticas e reformas. In: TOMMASI, L. de; WARDE, M.

J.; HADDAD, S. O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2003. p.

15-40.

______. Banco Mundial: Políticas e Reformas. In: INSTITUTO POLIS. (Org.). O Banco

Mundial e as Políticas Educacionais. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1996, v. 1, p. 23-60.

SOUSA, I. M. de A. B. de. Processo de Bolonha e as mudanças na educação superior: um

estudo no ensino superior politécnico português. Lisboa: Universidade Lusófona de

Humanidades e Tecnologias; Instituto de Educação, 2011SOARES, A. M. União Europeia:

que modelo político? Lisboa: Instituto Superior de Ciências Aplicadas, 2005.

SOUSA SANTOS, B. O Estado, as relações salariais e o bem-estar social na semiperiferia. In:

SOUSA SANTOS, B. (Org.) Portugal um retrato singular. Porto: Centro de Estudos

Sociais e Edições Afrontamento, 1993. p. 17-58

SOUSA SANTOS, B. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Porto:

Afrontamento, 1999.

STAKE, R. E. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Porto Alegre:

Penso, 2011.

STOER, S. Desocultando o voo das andorinhas: educação inter/multicultural crítica como

movimento social. In: STOER, S. R.; CORTESÃO, L.; CORREIA, J. A. (Orgs.).

Transnacionalização da educação: da crise da educação à ―educação‖ da crise. Porto:

Afrontamento, 2001. p. 245-275.

______. Educação e mudança social em Portugal: 1970 – 1980 uma década de transição.

Porto: Afrontamento, 1986.

______. Educação, Estado e desenvolvimento em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte,

1982.

______. A reforma de Veiga Simão no ensino: projecto de desenvolvimento social ou

―disfarce humanista‖? Análise Social, v. XIX, 1983.

TAKAHASHI, A. R. W.; AMORIM, W. A. C. de. Reformulação e expansão dos cursos

superiores de tecnologia no Brasil: as dificuldades da retomada da educação profissional.

Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 59, p. 207-

228, abr./jun. 2008.

TEODORO, A. Globalização e educação: políticas educacionais e novos modos de

governação. Porto: Afrontamento, 2003.

______. Organizações internacionais e políticas educativas nacionais: a emergência de novas

formas de regulação transnacional, ou uma globalização de baixa intensidade. In: STOER, S.

R.; CORTESÃO, L.; CORREIA, J. A. (Orgs.). Transnacionalização da educação: da crise

da educação à ―educação‖ da crise. Porto: Afrontamento, 2001. p. 125-161.

Page 233: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

233

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em

educação. 20. reimp. São Paulo: Atlas, 2013.

UNESCO. Declaração da Conferência Regional da Educação Superior na América

Latina e no Caribe. 2009a. Disponível em:

<http://flacso.org.br/files/2015/09/Declara%C3%A7%C3%A3o-da-Conferencia-Regional-

ES-ALyC_2009.pdf>. Acesso em: 1 set. 2016.

______. Conferência Mundial sobre o ensino superior: as novas dinâmicas do ensino

superior e pesquisas para mudança e o desenvolvimento social. 2009b. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=4512-

conferencia-paris&Itemid=30192>. Acesso em: 1 set. 2016.

UNIÃO EUROPEIA. Declaração de Sorbone. 1998. Disponível em:

<http://www.uc.pt/ge3s/pasta_docs/outros_docs/decl_sorbonne>. Acesso em: 28 maio 2016.

______. Tratado da União Europeia. Maastricht, 1992. Disponível em: <http://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=URISERV%3Axy0026>. Acesso em: 4 maio 2016.

______. Declaração de Bolonha. 1999. Disponível em:

<http://www.ehea.info/Uploads/Documents/1999_Bologna_Declaration_Portuguese.pdf>.

Acesso em: 10 abr. 2016.

URBANO, C. Portugal: da Lei de Bases do Sistema Educativo à Declaração de Bolonha.

Sociologia, problemas e práticas, n. 66, p. 95-115, 2011a.

URBANO, C. S. V. O ensino politécnico em Portugal: a construção de uma identidade

perante dos desafios da mudança (entre o final do século XX e o final do século XXI). 2001.

415 f. Tese. (Doutorado em Sociologia da Educação) - Faculdade de Ciências Socias e

Humanas, Universidade Nova Lisboa, Lisboa, 2011b.

VIEIRA, R. Os Institutos Politécnicos, as Escolas Superiores de Educação e a Declaração de

Bolonha. In: SERRALHEIRO, J. P. (Org.). O Processo de Bolonha e a formação dos

educadores e professores portugueses. Porto: Profedições, 2005.

WIELEWICKI, H. De G.; OLIVEIRA, M. R. Internacionalização da educação superior:

Processo de Bolonha. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 215-234,

abr./jun. 2010.

WORLD BANK. Financing and management of the Higher Education: a status report on

worldwide reforms. 1998.Disponível em:

<http://www2.uca.es/HEURESIS/documentos/BMinforme.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2014.

______. Higher education: the lessons of experience. Washington, DC. 1994. Disponível

em: <http://www.bancomundial.org.br>. Acesso em: 20 maio 2013.

Page 234: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

234

APÊNDICES

Page 235: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

235

LISTA DE APÊNDICES

Apêndice A - Instrumento de coleta de dados: entrevista – IFC 236

Apêndice B - Instrumento de coleta de dados: entrevista – P.PORTO 237

Apêndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 238

Page 236: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

236

Apêndice A - Instrumento de coleta de dados: entrevista – IFC

Nome do entrevistado: ......................................................................................................

Data: .................... Hora início: .............Hora conclusão: ..........................................

Esta pesquisa pauta-se na abordagem qualitativa e tem o objetivo de analisar as

políticas de Pós-Graduação para a Educação Tecnológica Brasileira e sua tradução pelos

gestores do Instituto Federal Catarinense (IFC).

1. Qual sua trajetória no IFC? (Quando e como começou, acompanhou a transição de Escola

Técnica para IFC, quais os motivos que o levaram a aceitar o desafio de coordenar a

implantação da Pós-Graduação).

2. Quais são as políticas de Pós-Graduação desenvolvidas no âmbito do IFC, o que se levou

em conta para sua produção, quais as estratégias (estratégias, procedimentos, ações) adotadas

para sua implantação e como a comunidade acadêmica está envolvida?

3. O que você poderia falar sobre a Política Nacional de Pós-Graduação e como o IFC vem se

organizando para responder às suas exigências? (tanto lato como no stricto sensu conforme o

PNPG).

4. As instituições que compõem a Rede Federal de Educação Científica e Tecnológica (Lei Nº

11.892/2008) são equiparadas às universidades notadamente em relação às exigências de

avaliação. Levando em conta a trajetória e as especificidades do IFC, como você avalia essa

questão e quais as condições materiais concretas do IFC para responder a tais exigências?

5. Como e quais ações estão sendo desenvolvidas para atender à exigência de verticalização

na formação conforme a Lei Nº 11.892/2008?

6. Como o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) foi desenvolvido, quais as ações

que permitem contemplar a implantação da Pós-Graduação e como elas estão sendo

executadas?

Page 237: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

237

Apêndice B - Instrumento de coleta de dados: entrevista – P.PORTO

Nome do entrevistado: ......................................................................................................

Data: .................... Hora início: .............Hora conclusão: ..........................................

Esta pesquisa pauta-se na abordagem qualitativa e tem o objetivo de analisar as

políticas para o Ensino Superior Politécnico e sua tradução pelos gestores das unidades e sub-

unidades organizacionais do Instituto Politécnico do Porto.

1. Qual sua trajetória no IPP? (Quais os motivos que o levaram a aceitar o desafio de assumir

funções de gestão).

2. Quais são as políticas internas desenvolvidas no âmbito do IPP, o que se levou em conta

para sua produção, quais as estratégias (estratégias, procedimentos, ações) adotadas para sua

implantação e como a comunidade acadêmica está envolvida?

3. O que você poderia falar sobre a Política Nacional dos Cursos de Pós-Graduação e como o

IPP vem se organizando para responder às suas exigências? (Conforme o Plano Nacional de

Políticas para o Ensino Superior).

4. As instituições que compõem o Ensino Politécnico (Decreto-Lei Nº 38/2007) são

equiparadas às universidades notadamente em relação às exigências de avaliação. Levando

em conta a trajetória e as especificidades do IPP, como você avalia essa questão e quais as

condições materiais concretas do IPP para responder a tais exigências?

5. Como e quais ações estão sendo desenvolvidas para atender a exigência de Cursos Técnicos

Superiores Profissionalizantes (CTESP) conforme o Decreto-Lei Nº 43/2014?

6. Como o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) foi desenvolvido, quais as ações

que permitem contemplar a implantação dos cursos de mestrado e doutoramento e como elas

estão sendo executadas?

Page 238: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

238

Apêndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, de uma pesquisa. Após ser

esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo,

rubrique todas as folhas e assine ao final deste documento, com as folhas rubricadas pela

pesquisadora, e assinadas por ela na última página. Este documento está em duas vias. Uma

delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa, você não será

penalizado(a) de forma alguma.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Título do Projeto: “ENTRE A POLÍTICA PROPOSTA, A POLÍTICA DO FEITO E A

POLÍTICA DE USO: UM ESTUDO DO IFC NO ÂMBITO DA PÓS-GRADUAÇÃO”

Pesquisador responsável:

Regina Célia Linhares Hostins - http://lattes.cnpq.br/3614416302948755

Telefone para contato: (47) 3261-1205

Pesquisador participante:

Idorlene da Silva Hoepers - http://lattes.cnpq.br/0701191397858274

Telefone para contato: (47) 3344-2388

A presente pesquisa tem por objetivo analisar as políticas de Pós-Graduação para a

Educação Tecnológica Brasileira e sua tradução pelos gestores do Instituto Federal

Catarinense (IFC). A definição pela temática deu-se a partir da nova institucionalidade

ocorrida em 2008, com a criação dos Institutos Federais, acrescida pelo fato de ainda não

haverem estudos voltados à compreensão da formação dessa nova identidade. Esta pesquisa

pauta-se na abordagem qualitativa e tem como instrumentos de coleta de dados, a análise

documental e a entrevista semiestruturada com os gestores desta instituição. O recorte

temporal de análise dá-se a partir dos anos de 1990 até os dias atuais. Para a análise

documental, serão utilizados documentos Internacionais, Nacionais e Institucionais, sobre o

tema em questão. As entrevistas serão realizadas com os gestores da Pós-Graduação no

âmbito da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Tecnológica e também com os

responsáveis por esses setores em cada um dos cinco campi que deram origem ao IFC.

Considera-se que o discurso do gestor é determinante no modo como a política é produzida no

contexto da prática. As análises serão realizadas conforme a análise do discurso sugerida por

Michel Foucault (2014) e o Ciclo de Políticas proposto por Stephen Ball e seus colaboradores

na década de 1990.

Você foi selecionado porque atende aos seguintes critérios de seleção dos participantes

da pesquisa: pertence ao grupo gestor responsável pela definição do Plano de Metas e ações

para a implantação da Pós-Graduação na Instituição, ou é responsável por esses setores em

cada um dos cinco campi que inicialmente deram origem ao IFC.

Sua participação não é obrigatória e a qualquer momento você poderá desistir de

participar e retirar seu consentimento. Se, durante a participação na pesquisa, você tiver

Page 239: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

239

qualquer tipo de desconforto, ela poderá ser interrompida no momento, podendo ou não

continuá-la posteriormente. Além disso, a pesquisadora estará presente para esclarecer

eventuais dúvidas, assim como para dar suporte, na tentativa de minimizar possíveis

desconfortos durante o desenvolvimento da pesquisa.

Sua participação consistirá em responder algumas questões sobre as políticas públicas

de Pós-Graduação, sua relação com a educação tecnológica e as respostas do IFC às

exigências da política. As perguntas não serão invasivas à intimidade dos participantes. Todas

as informações obtidas por meio desta pesquisa serão gravadas, sigilosas e confidenciais.

Posteriormente à entrevista, as transcrições serão disponibilizadas para seu aceite ou recusa

sobre o seu conteúdo. Sua participação na pesquisa não será remunerada.

Os benefícios desta pesquisa referem-se aos resultados potenciais que este estudo pode

trazer à Instituição e seus gestores, notadamente para a reflexão e análise do seu Plano de

Desenvolvimento Institucional e das ações dele decorrentes no caminho de consolidação da

política de Pós-Graduação na Instituição.

Os resultados desta pesquisa serão apresentados aos gestores da instituição após a sua

conclusão, em data a ser agendada.

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço dos

pesquisadores, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e a participação, agora ou a

qualquer momento.

Nome do Pesquisador: Regina Célia Linhares Hostins

Assinatura do Pesquisador: ________________________________________________

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu, _____________________________________, RG_____________, CPF ____________

abaixo assinado, concordo em participar do presente estudo como sujeito. Fui devidamente

informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os

possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso

retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.

Local e data: _______________________________________________________________

Nome: ____________________________________________________________________

Assinatura do Sujeito ou Responsável: ___________________________________________

Telefone para contato: ________________________________________________________

Pesquisador Responsável: _____________________________________________________

Telefone para contato: ________________________________________________________

Pesquisadores Participantes: ___________________________________________________

Telefones para contato: ______________________________________________________

Page 240: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

240

ANEXOS

Page 241: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

241

LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Organograma da Reitoria - IFC 242

Anexo B - Organograma - P.PORTO 243

Anexo C - Escola Superior de Educação (ESE) 244

Anexo D - Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP) 245

Anexo E - Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) 246

Anexo F - Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (ESTSP) 247

Anexo G - Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE) 248

Anexo H - Escola Superior de Estudos Industriais e Gestão (ESEIG) 249

Anexo I - Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras (ESTGF) 250

Page 242: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

242

Anexo A - Organograma da Reitoria - IFC

Page 243: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

243

Anexo B - Organograma - P.PORTO

Page 244: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

244

Anexo C - Escola Superior de Educação (ESE)

Page 245: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

245

Anexo D - Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP)

Page 246: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

246

Anexo E - Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP)

Page 247: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

247

Anexo F - Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (ESTSP)

Page 248: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

248

Anexo G - Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE)

Page 249: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

249

Anexo H - Escola Superior de Estudos Industriais e Gestão (ESEIG)

Page 250: TRADUÇÕES DA POLÍTICA DE ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO … · A partir de abordagem qualitativa comparada, utilizaram-se dois tipos de fontes: a) documentais: documentos internacionais,

250

Anexo I - Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras (ESTGF)