trabalho social com famÍlias: uma anÁlise da realidade … · resumo o presente trabalho ... 2...

12
TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: UMA ANÁLISE DA REALIDADE DO CREAS DE NOVA ESPERANÇA PR Janaina Aparecida Batista 1 Nayara Cristina Bueno (Orientadora) 2 Resumo O presente trabalho é a síntese do Trabalho de Conclusão de Curso da autora. A pesquisa realizada teve como objeto: o “Trabalho Social com Famílias” e como objetivo geral: estudar sobre o Trabalho Social com Famílias realizado no Centro de Referência de Assistência Social (CREAS) de Nova Esperança, Paraná, no ano de 2015. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que contou com revisão bibliográfica e pesquisa documental. Identifica-se que o Estado transfere à família a responsabilidade de provedora social no que se refere ao cuidado e a manutenção de seus membros. Contudo, defende- se que o Estado deve suprir as necessidades das famílias por meio de políticas públicas. Palavras-chave: Família. Estado. Proteção Social. Abstract The present work is the synthesis of the Work of Conclusion of Course of the author. The research carried out had as its object: "Social Work with Families" and as a general objective: to study about Social Work with Families carried out at the Reference Center for Social Assistance (CREAS) in Nova Esperança, Paraná, It was based on a qualitative research, that counted on bibliographical revision and documentary research. It is identified that the State transfers to the family the responsibility of social provider with regard to the care and maintenance of its members. However, it is argued that the State must meet the needs of families through public policies. Keywords: Family. State. Social Work.. 1 Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Paraná. (UNESPAR/Paranavaí- Brasil),email: [email protected] 2 Professora do Colegiado de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná. (UNESPAR/Paranavaí- Brasil),email:[email protected]

Upload: doanmien

Post on 07-Feb-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: UMA ANÁLISE DA REALIDADE DO CREAS DE NOVA ESPERANÇA PR

Janaina Aparecida Batista1

Nayara Cristina Bueno (Orientadora)2

Resumo O presente trabalho é a síntese do Trabalho de Conclusão de Curso da autora. A pesquisa realizada teve como objeto: o “Trabalho Social com Famílias” e como objetivo geral: estudar sobre o Trabalho Social com Famílias realizado no Centro de Referência de Assistência Social (CREAS) de Nova Esperança, Paraná, no ano de 2015. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que contou com revisão bibliográfica e pesquisa documental. Identifica-se que o Estado transfere à família a responsabilidade de provedora social no que se refere ao cuidado e a manutenção de seus membros. Contudo, defende-se que o Estado deve suprir as necessidades das famílias por meio de políticas públicas.

Palavras-chave: Família. Estado. Proteção Social.

Abstract The present work is the synthesis of the Work of Conclusion of Course of the author. The research carried out had as its object: "Social Work with Families" and as a general objective: to study about Social Work with Families carried out at the Reference Center for Social Assistance (CREAS) in Nova Esperança, Paraná, It was based on a qualitative research, that counted on bibliographical revision and documentary research. It is identified that the State transfers to the family the responsibility of social provider with regard to the care and maintenance of its members. However, it is argued that the State must meet the needs of families through public policies. Keywords: Family. State. Social Work..

1

Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Paraná. (UNESPAR/Paranavaí-

Brasil),email: [email protected] 2

Professora do Colegiado de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná. (UNESPAR/Paranavaí- Brasil),email:[email protected]

I. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é resultado do processo reflexivo sobre trabalho social com

famílias, iniciado a partir da prática cotidiana de estágio supervisionado em Serviço Social

da pesquisadora no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de

Nova Esperança, Paraná.

O objeto da pesquisa “Trabalho Social com Famílias”. O objeto proposto será

desvendado através do objetivo geral que consiste em estudar o trabalho social com

famílias no CREAS de Nova Esperança – PR no ano de 2015.

A pesquisa ocorreu por meio de uma revisão bibliográfica sobre o tema sendo

de natureza qualitativa. Foi feita também uma revisão documental, com base nas

legislações pertinentes a Política de Assistência Social, bem como foi feita uma

apresentação dos dados contidos nos relatórios mensais do Sistema Único de Assistência

Social - SUAS que a instituição executa para quantificar as famílias que estão inseridas no

Serviço do Atendimento Integral à Família - PAEFI.

Identificou-se que, historicamente, o Estado transfere à família a

responsabilidade de provedora social no que se refere ao cuidado e a manutenção de seus

membros. Contudo, defende-se que o Estado deve suprir as necessidades das famílias por

meio de políticas públicas.

II. DESENVOLVIMENTO

No Brasil, historicamente, a família sempre assumiu uma gama de

responsabilidades na proteção social de seus membros, no entanto, entende-se que tais

responsabilidades deveriam ser do Estado.

Teixeira (2015), ao analisar o histórico do trabalho social com famílias, parte do

contexto da ocupação da família nas políticas sociais, mais precisamente entre 1930 a 1980,

onde a família esteve presente secundariamente no Sistema de Proteção Social. Isso devido

às políticas estarem voltadas para os indivíduos, categorias e segmentos (categorias

combativas, que se destacavam na emergência do sistema de proteção social como,

ferroviários, bancários, entre outras; segmentos tais como, crianças, adolescentes, idosos,

deficientes, entre outros) e não a família como um todo.

Contudo, é a partir da década de 1980, devido às influências das políticas

neoliberais, que as famílias foram chamadas a desempenhar um papel ativo na esfera dos

cuidados. Esse repasse de responsabilidades não tem sido acompanhado de uma

“compreensão das concepções de famílias” e de como estas famílias estão lidando com

essas ações de proteção, pois, ainda se esperam antigas funções desempenhadas em

outros períodos da história. Isso se deve ao fato da família ter ganhado “destaque” nas

políticas públicas de maneira “inadequada”, na qual o Estado atribuiu funções a ela sem

disponibilizar mecanismos para o cumprimento dessas funções (GELINSKI e MOSER, 2015,

p. 127).

A centralidade da família nas políticas públicas se estabelece na Constituição

Federal de 1988, onde ela é compreendida como a base da sociedade, necessitando,

portanto, de proteção especial do Estado. Elas enfatizam que em outras políticas as famílias

também são inseridas para que “[...] assumam parcela de responsabilidade na proteção

social, conforme será visto na área da assistência social e da saúde” (GELINSKI e MOSER,

2015, p. 131).

Teixeira (2015) explica que essas novas formas de abordar e valorizar a família

no âmbito das políticas sociais coloca em xeque o “trabalho social com famílias”. Segundo a

autora o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Política Nacional do Idoso impõem o

direito à convivência familiar e comunitária por excelência, priorizando o espaço familiar

como o principal para crianças e idosos, vistos os que não possuam meios de manter

sozinhos.

Nesses casos as famílias se vêem sem suporte para com o cuidado de seus

filhos e/ou dependentes, devido a “[...] insuficiência ou inexistência de políticas públicas”

(RIZZINI et al., 2006, p.21 apud TEIXEIRA, 2015, p.216) em que estas encontram

dificuldade em gerar renda e se inserir no mercado de trabalho, devido a falta de “[...]

(creches) e escolas públicas de qualidade, com horários integrais, entre outros” (RIZZINI et

al., 2006, p.21 apud TEIXEIRA, 2015, p.216).

Segundo Rizzini et al. (2006) apud Teixeira (2015) há um descompasso entre a

importância que se atribuiu a família e a falta de condições mínimas de vida, suportes e

serviços familiares oferecidos pelo poder público. Ou seja, o que ocorre na realidade é a

“responsabilização” dessas famílias pela proteção social de seus membros.

Segundo a autora é pertinente a redução de recursos que dão conta das

demandas e serviços destinados às famílias que possam promover mudanças nas

condições de vida e serviços socioeducativos. Mas o que se percebe é que essas ações do

Estado só aparecem quando a família falha na sua proteção e cuidados, no qual “Sua

intervenção em nível de proteção social básica, preventiva e promocional é sempre para

potencializar e valorizar as funções protetivas e de cuidado na família” (TEIXEIRA, 2015, p.

217).

A autora ressalta que muitas vezes essa intervenção do Estado se baseia em

coordenar e financiar a capacitação dessas famílias no cuidado domiciliar e em oferecer

outros serviços. Isso Teixeira (2015) vai chamar de “parceria com a família” uma intervenção

que sempre esteve presente, mesmo no Estado de Bem Estar Social em muitos países.

Neste prisma a autora traz a tona uma questão relevante: a família é constantemente

responsabilizada pela proteção social de seus membros, e quando esta falha, é punida. Mas

quem pune o poder público pela não viabilização de políticas sociais que abrangem essas

famílias? Ela explica que se trata de “[...] um retrocesso e uma despolitização da questão

social e de suas formas de enfrentamento” (TEIXEIRA, 2015, p. 218).

A autora não critica a centralidade das famílias nas políticas sociais, ela critica o

modo como a família vem sendo chamada a assumir a responsabilidade de proteção social,

que são baseados em reforma de papéis clássicos de gênero. O que ela enfatiza é que as

políticas sociais devem trabalhar em prol da inclusão social ofertando uma rede intersetorial

de serviços para atender as necessidades e demandas das famílias a fim de evitar rupturas

e violações de direitos.

Para isso, a política social deve ser desfamiliarizante ou familiar ativa, no sentido

utilizado por Esping-Andersen (1999), que desresponsabilizam o grupo familiar da função

principal de responsável pela provisão de bemestar aos seus. Isso implica na oferta

universal de serviços dirigidos à família, como suporte, apoio, cuidados domiciliares, e

serviços alternativos diurnos para os membros dependentes, por idade, problemas de

saúde, desemprego, falta de qualificação e para ocupação do tempo livre de idosos,

adolescentes e crianças com atividades socializadoras, esportivas e educativas, dentre

outras (TEIXEIRA, 2015, p. 218-219).

Trata-se, segundo Teixeira (2015), de suprir as necessidades das famílias

através de políticas que contemplem a sua realidade. A autora demonstra a situação de

mulheres que conseguem conciliar família e trabalho criando estratégias que superam a

pobreza. Mas no cenário de desresponsabilização do Estado, na falta de investimentos nas

políticas sociais destinadas as famílias, o que ocorre é uma precariedade nos serviços

oferecidos, afetando também as condições de trabalho dos profissionais que atuam com

essas famílias.

A condução familista da política social, apontada por Teixeira (2015), mostra

que não é possível viabilizar meios para que as famílias consigam assumir sozinhas

tamanhas responsabilidades no que diz respeito à proteção social. Ela explica que o

trabalho social com famílias, muitas vezes, acaba por “preconizar” os valores de cidadania

dos sujeitos, quanto aos seus direitos, sua autonomia. Isso a autora vai citar como uma

“camuflagem” das tendências conservadoras, onde a “[...] política social contemporânea

ganha contornos de modernidade quando se soma às novas formas de intervenção social

em redes, como alternativa aos modelos tradicionais de intervenção social” (TEIXEIRA,

2015, p.220).

Segundo Fonseca (2006) ainda hoje não se tem a precisão em considerar a

família como um todo. Ela destaca que isso se trata de um novo paradigma para as políticas

destinadas às famílias, pois, o que se percebe é que as ações dirigidas às famílias ainda

estão vinculadas ao paradoxo de “família idealizada” que se expressa nos modelos

tradicionais de família nuclear, heterossexual, monogâmica, patriarcal, e o que se distingue

desse modelo é tido como “desestruturada”, como a autora aponta. Esse modo de agir

frente às famílias acaba por naturalizar e despolitizar a pobreza, visto que essas famílias,

mais particulares das classes populares, nunca serão valorizadas, pois “[...] o conjunto de

atributos ideológicos, políticos e psicológicos que circundam a ideia de família irregular

desfaz, na essência, qualquer tentativa de valorização das famílias” (NEDER, 1994, p.45

apud FONSECA, 2006, p.7).

Fonseca (2006) acrescenta ainda que para trabalhar com essas famílias é

necessário considerar a diversidade familiar de diversas formas: [...] respeitar política e

ideologicamente as diferenças presentes nos núcleos familiares, que, em sua condição de

lócus de construção de identidade, necessita ser percebido em suas peculiaridades

étnicocultural, sexual, territorial (FONSECA, 2006, p.7).

Teixeira (2015) afirma que o trabalho social com famílias se configura ainda hoje

em modelos estereotipados de família e na focalização em “situações-limites” rotulando as

famílias como “derrotadas”, “incapazes” e “fracassadas”. A autora destaca ainda que o

trabalho social com famílias era, até 1980, baseado no “trabalho psicossocial

individualizante” (TEIXEIRA, 2015, p. 229) através de práticas socioeducativas com grupos

de família dos segmentos atendidos e muitos destes eram destituídos do convívio familiar e

inseridos numa dinâmica disciplinadora e moralizadora doméstica, principalmente

destinados as mulheres.

Atualmente, as políticas sociais apresentam um avanço comparado aos

modelos tradicionais de proteção social, porque buscam a garantia de direitos e a inclusão

social, tentando enfrentar os antigos pressupostos que norteiam o trabalho social

considerando a família como “sujeito coletivo de direitos”, cabendo ao trabalho

socioeducativo promover e garantir cidadania, autonomia e protagonismo.

Na atual conjuntura em que há um “[...] enxugamento dos recursos públicos para

a área social” (TEIXEIRA, 2015, p. 230) faz com que recaia sobre a família a

responsabilidade pela assistência aos seus membros. O que prejudica o trabalho social no

sentido de garantir a cidadania, pois os investimentos sociais são restringidos,

comprometendo as condições mínimas para o desenvolvimento desse trabalho social.

Guimarães e Almeida (2010) salientam que as ciências sociais, a psicologia e o serviço

social se ocuparam do tema “famílias” nas últimas décadas, no entanto, poucas pesquisas

foram feitas com famílias que enfrentam a pobreza, desemprego, e outras dificuldades dos

grandes centros urbanos no Brasil. Ou seja, não se avançou muito no que diz respeito à

intervenção frente a essas famílias.

Para as autoras, a problemática da pobreza e demais formas de exclusão no

Brasil são difíceis de trabalhar, devido uma série de fatores históricos que contemplam,

desde o Brasil Colônia, até sua dependência econômica dos Estados Unidos e das grandes

potências que hoje comandam o capital mundial. Devido a isso, “[...] é preciso ser crítico,

realista e cuidadoso na elaboração de políticas e programas sociais, tendo sempre presente

à necessidade de desenvolver mecanismos que considerem a real situação das famílias que

se quer trabalhar”. Somente com um conhecimento metodológico real e atualizado, sem

idealizações, que se obtém “[...] melhores resultados e continuidade das intervenções

nessas famílias” (GUIMARÃES; ALMEIDA, 2010, p.128).

A preocupação então se concentra em intervir nas situações de pobreza através

do “trabalho social com famílias” necessitando, portanto, de “[...] estudos que possibilitem

aprofundar metodologias de trabalho com famílias nessa situação” (GUIMARÃES;

ALMEIDA, 2010, p. 130). Guimarães e Almeida (2010) afirmam que o trabalho com famílias

demonstra uma “dimensão preventiva” com a abordagem grupal, em que a convivência e a

interação possibilitam que alguns instrumentos de busca e enfrentamento das situações de

carência e violência se polemizem, se antecipem, podendo então intervir no cotidiano

familiar e na sociedade.

Segundo as autoras esse trabalho não deve acontecer de forma pragmática,

aleatória e voluntarista, deve ser desenvolvida uma metodologia. Para Carvalho (2014) o

trabalho social possui papel mediador e materializador nos processos que concretizam a

ação das políticas públicas no que diz respeito à participação dos cidadãos no território. O

trabalho social possui em sua essência uma ação sócio-pedagógica que combina saberes

múltiplos, como articulação de argumentos, instrumentos e conteúdos, que ganharam

importância nos processos participativos de mobilização popular, visando à transformação e

emancipação social.

Carvalho (2014) vai dizer que essa dimensão do trabalho social foi se perdendo

no processo de tecnificação da gestão das políticas sociais, pois “[...] sabemos que a oferta

e o usufruto dos serviços da política pública são centrais, porém revelam-se incapazes de

resultar em emancipação quando se operam sem mediações estratégicas nos processos de

intervenção” (CARVALHO, 2014, p.169).

Portanto, é importante refletir sobre as metodologias de trabalho social, pois seu

papel pode promover uma nova totalização da ação política, em que o protagonismo dos

cidadãos será articulado no “[...] processo de implementação e operação de programas

sociais voltados” (CARVALHO, 2014, p. 169) a produzir mudanças e desenvolvimento de

capacidades.

Contudo, percebe-se que existem diferentes vertentes que explicam a

metodologia do trabalho social com famílias. Couto (2008) analisa o trabalho social com

famílias levando em consideração o contexto histórico brasileiro das políticas públicas, onde

a população é constantemente responsabilizada por produzir suas desigualdades sociais e é

o trabalho social que vai “superar” essa dicotomia, desvinculando essa idéia de “fracasso

individual” promovendo o protagonismo dos indivíduos no que diz respeito às políticas

sociais.

Já Carvalho (2014) sintetiza o trabalho social em abordagens grupais, individuais

e coletivas, que envolvam a rede, o território e a comunidade. Para isso é necessário se

pensar o trabalho a partir de conhecimentos e experiências que transformam os

pressupostos teóricos em diretrizes operacionais, estabelecendo uma relação entre teoria e

prática, dando embasamento a metodologia. Para ela existe um rigor na construção

metodológica, em que os objetivos devem estar associados à realidade, pois não se pode

separar a construção metodológica dos fundamentos que a sustentam.

Segundo Wanderley (2008) o trabalho social com famílias é multidimensional e

relacional, pois aborda a realidade social na sua totalidade, não se limitando a uma única

área, dialogado entre diferentes profissões. Para ela as metodologias devem ser construídas

a partir do território, pois é nesse espaço que essas famílias vivem um espaço de relações

sociais, disputas, contradições e conflitos. Relações essas que são projetadas no cotidiano.

Campos (2008) considera que para se trabalhar com famílias deve se levar em

conta seus arranjos, sua composição, sua subjetividade, reconhecendo a diversidade de

concepções e práticas onde se dará esse trabalho. O trabalho envolve pessoas e é preciso

considerar sua trajetória profissional, formação. O trabalho com as famílias não deve se

remeter apenas ao território onde ela se encontra, mas sim no “mundo” em uma perspectiva

global em relação a essas famílias.

Historicamente, no Brasil, a assistência social foi realizada com base na

caridade e filantropia, em decorrência da preocupação com a assistência aos pobres que

possuíam condições de vida desfavoráveis, ocasionadas pela desigualdade social,

concentração econômica e do poder de posse. Somente com a Constituição Federal de

1988 é que a assistência social passa a ser considerada uma política pública de direito,

integrante da seguridade social ao lado das políticas de saúde e previdência social. Isso se

deu como consequência do processo de mobilização popular de busca pela justiça social,

conseguido através de um longo processo de lutas e conquistas da sociedade brasileira

(BRASIL, 2013).

A Política Nacional de Assistência Social (2004) prevê que existem dois tipos de

proteção social a “básica” e a “especial”. Especificando-as, a “Proteção Social Básica” visa

“[...] prevenir situações de risco e fortalecer vínculos familiares e comunitários, destinando-

se à população que vive em situação de vulnerabilidade social” (BRASIL, 2005, p.31) bem

como desenvolver serviços e programas de acolhimento, convivência e socialização de

famílias e indivíduos de acordo com a situação de vulnerabilidade apresentada. Portanto, a

PNAS (2004) define que os serviços de proteção social básica serão executados de forma

direta nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e também em outras

unidades básicas e públicas, entidades e organizações de assistência social.

A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a

famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência

de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias

psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho

infantil, entre outras. [...] Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o

sistema de garantia de direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e

compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do

executivo (BRASIL, 2005, p.35). Esses serviços são executados ou referenciadas aos

Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

A proteção social especial se divide em dois níveis, Média e Alta Complexidade,

caracterizados conforme a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais aprovada

pela Resolução nº 109, de 11 de Novembro de 2009, define os serviços de média

complexidade: 1. Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos

(PAEFI); 2. Serviço Especializado em Abordagem Social; 3. Serviço de proteção social a

adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de

Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); 4. Serviço de Proteção Social Especial para

Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; 5. Serviço Especializado para Pessoas

em Situação de Rua (BRASIL, 2009).

Já os serviços da alta complexidade são aqueles que garantem a proteção integral,

como moradia e alimentação para famílias e indivíduos que se encontram em situação de

ameaça, ou sem referência, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e comunitário,

conforme determina a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (2009): 1. Serviço de

Acolhimento Institucional; 2. Serviço de Acolhimento em República; 3. Serviço de

Acolhimento em Família Acolhedora; 4. Serviço de proteção em situações de calamidades

públicas e de emergências (BRASIL, 2009).

Um dos principais Serviços de atendimento realizado na média complexidade é o

“Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI)”. A

Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009), estabelece que o PAEFI é um

“Serviço de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus

membros em situação de ameaça ou violação de direitos” (BRASIL, 2009, p.19). Em

síntese, o serviço se remete a ações que visem a [...] preservação e o fortalecimento de

vínculos familiares, comunitários e sociais, e para o fortalecimento da função protetiva das

famílias diante do conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou a submetem a

situações de risco pessoal e social” (BRASIL, 2009, p.19).

Consta na Tipificação (2009) que “O atendimento fundamenta-se no respeito à

heterogeneidade, potencialidades, valores, crenças e identidades das famílias” (p.19).

Nesse sentido o serviço se baseia em “[...] atividades e atenções prestadas às famílias nos

demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos SGD [garantindo] atendimento imediato

para a inclusão da família e seus membros” (BRASIL, 2009, p. 19) nos serviços

socioassistenciais e programas de transferência de renda.

A Tipificação (2009) estabelece que o objetivo do PAEFI é contribuir para o

fortalecimento da família e de sua função protetiva, incluindo-a no sistema de proteção

social e serviços públicos, restaurando e preservando a integralidade e autonomia dos

usuários. O PAEFI deve contribuir para o rompimento de padrões violadores de direitos

dentro da família, bem como reparar os danos da incidência de violação de direitos e

preveni-la.

No que diz respeito ao “Trabalho Social Essencial ao Serviço” a Tipificação

especifica que este deve conter: Acolhida; escuta; estudo social; diagnóstico

socioeconômico; monitoramento e avaliação do serviço; orientação e encaminhamentos

para a rede de serviços locais; construção de plano individual e/ou familiar de atendimento;

orientação sociofamiliar; atendimento psicossocial; orientação jurídico-social; referência e

contrarreferência; informação, comunicação e defesa de direitos; apoio à família na sua

função protetiva; acesso à documentação pessoal; mobilização, identificação da família

extensa ou ampliada; articulação da rede de serviços socioassistenciais; articulação com os

serviços de outras políticas públicas setoriais; articulação interinstitucional com os demais

órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; mobilização para o exercício da cidadania;

trabalho interdisciplinar; elaboração de relatórios e/ou prontuários; estímulo ao convívio

familiar, grupal e social; mobilização e fortalecimento do convívio e de redes sociais de

apoio (BRASIL, 2009, p. 20).

E síntese, o PAEFI possui grande importância no âmbito da média complexidade,

pois segundo informações disponíveis no site do MDS, ele desenvolve um trabalho social

envolvendo a equipe profissional das unidades de referência, de acordo com a demanda

atendida, como assistentes sociais, psicólogos e advogados. Esse trabalho consiste, como

já foi especificado pela Tipificação (2009), em atividades com usuários que são

encaminhados ao CREAS e posteriormente demais outros serviços da Assistência Social e

outras Políticas Setoriais se necessário (BRASIL, 2015). Neste prisma a assistência social

deve trabalhar de forma articulada com as outras políticas sociais, como a saúde, educação,

cultura, esporte, habitação, entre outras, mantendo o acesso de qualidade nos serviços

prestado a essas famílias e indivíduos.

A respeito das “metodologias de atendimento às famílias” que segundo Couto,

Yazbeck e Raichelis (2012), essas metodologias precisam ser revistas, pois ainda estão

baseadas no “padrão burguês de funcionamento familiar” além de um “forte caráter

disciplinador”. E por último, o trabalho com as famílias deve ser compreendido de acordo

com as suas “singularidades”, ou seja, não conceber a família como um universo único.

No que se refere, especificamente, ao CREAS de Nova Esperança3, foi realizada

pesquisa documental nos relatórios mensais, no período de janeiro a agosto de 2015.

Identificou- que foram inseridas no PAEFI, nesse período, o total de 66 famílias.

A principal forma de acesso dos usuários ao Serviço se deu por meio dos

encaminhamentos de outras instituições ao CREAS, seguida de demanda espontânea. No

que se refere ao planejamento das atividades, é elaborado anualmente e o relatório de

atividades demonstra coerência entre o executado e o planejado. Contudo, a partir do

momento em que é percebida a necessidade de mudança nas ações por parte da equipe ou

dos participantes do grupo, essa mudança é feita, o que mostra o diálogo no trabalho social

desenvolvido na instituição, pois a realidade é um processo e não uma norma dada e pré-

estabelecida.

No que diz respeito à equipe que desenvolve o trabalho social na instituição refere-

se ao psicólogo, educador social, assistente social, advogado e auxiliar administrativo. As

atividades realizadas nos grupos socioeducativos com famílias no CREAS são direcionadas

a partir da realidade das famílias, permitindo um melhor acolhimento desse indivíduo e/ou

sua família que sofreu algum tipo de violação, buscando reparar os danos e a incidência

dessa violação bem como preveni-la.

Haja vista o histórico da implantação do CREAS no município de Nova Esperança

pode-se considerar que sua atuação no âmbito da proteção especial de média

3 Nova Esperança localiza-se na região Noroeste do Estado do Paraná e possui uma população

estimada de 27.886 habitantes, segundo dados divulgados pelo IBGE em 2015.

complexidade é recente e ainda está em caráter de implantação e efetivação das ações e

serviços oferecidos.

III. CONCLUSÃO

A partir da pesquisa realizada sobre “Trabalho Social com Famílias: uma análise

sobre a realidade do CREAS de Nova Esperança-PR” pôde-se considerar que a família é

vista como um núcleo de relações em vários aspectos, por se tratar de um espaço onde há

o primeiro processo de socialização dos indivíduos. Acredita-se que é a família que prepara

os indivíduos para viver em sociedade.

Embasando-se nessa teoria, o Estado “descobre” essa importância da família no

âmbito das relações sociais e acaba por chamá-la a assumir a responsabilidade de

provedora social de primeira instância no que se refere ao cuidado e a manutenção de seus

membros. Mas com a pesquisa foi identificado que as famílias não possuem esse caráter

“nato” de proteção social por acaso e nem mesmo apoio para assumir tal responsabilidade.

A importância da família é posta em diversos momentos no decorrer da história

e essa “importância” foi muito bem utilizada pelo Estado que aderiu essa ideia como uma

“aliada” para se despir das responsabilidades na intervenção social. No Brasil esse repasse

de responsabilidades ocorreu principalmente a partir de 1990, influenciado pelas políticas

neoliberais que empunharam na família um papel ativo na esfera dos cuidados aos seus

membros.

Mas podemos afirmar, através da pesquisa, que no Brasil as famílias,

historicamente, foram as responsáveis pela manutenção e proteção social de seus

membros, haja vista o caráter filantrópico da Assistência Social no país até a Constituição

de 1988.

Essa visão estereotipada de trabalho social, que perdurou até 1980, consistia

em desenvolver metodologias que fizesse com que os trabalhadores sociais fossem

responsáveis por dar voz a população mais pobre, ou seja, o trabalho social era baseado

em “adequar” os sujeitos aos recursos disponíveis das políticas sociais.

É a partir daí, 1980, que autores buscaram refletir sobre metodologias que

rompessem com essa ideia de trabalho social. As metodologias de trabalho social deveriam

buscar a emancipação dos indivíduos e não subjugá-los com vistas à adequação de sujeitos

incapazes.

O que se pode considerar a partir da pesquisa é que o trabalho social

desenvolvido pelo CREAS é muito novo e está em construção, visto que a própria instituição

é nova no que diz respeito a proteção social, e no município de Nova Esperança está em

fase de implantação, a partir de 2010/2011 A partir da análise que foi realizada percebe-se

que apesar de todos os entraves que o trabalho social enfrentou ao longo do seu período de

implantação no Brasil, de acordo com a realidade do CREAS, ele vem buscando romper

com a visão tutelar que caracterizou seu início na história da política social brasileira.

Por fim, compreende-se que o trabalho social com famílias vem se tornando uma

forma de intervenção bem sucedida em relação às famílias na Política de Assistência Social

brasileira.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 145/2004, de 15 de Outubro de 2012. Aprova a Política Nacional de Assistência Social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, Nov, 2005. CAMPOS, Marta Silva. As metodologias e seus componentes. In: ARREGUI, CarolaCarbajal; BLANES, Denise Neri (orgs). Metodologias do trabalho social. São Paulo: IEE/PUC – SP, 2008. P.113-125. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Gestão e trabalho social: desafios e percursos metodológicos. São Paulo: Cortez, 2014. FONSECA, Maria Thereza Nunes Martins. Família e políticas públicas: subsídios para a formulação e gestão das políticas com e para a família. Pesquisa e Praticas Psicossociais, São João Del-Rei, v.1, n.2, 2006. GELINSKI, Carmem Rosário Ortiz Gutierrez e MOSER, Liliane. Mudanças nas famílias brasileiras e a proteção desenhada nas Políticas Sociais. In: MIOTO, Regina Célia Tomaso; CAMPOS, Marta Silva; CARLOTO, Cássia Maria (orgs). Familismo, direito e cidadania: contradições da política social. São Paulo, Cortez 2015. P.125146. GENOFRE, Roberto Mauricio. Família: uma leitura jurídica. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (org). A família contemporânea em debate. São Paulo, EDUC/Cortez,2000. P. 100-104. GUIMARÃES, Rosamélia Ferreira. ALMEIDA, Silvana Cavichioli Gomes. Reflexões sobre o trabalho social com famílias. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller (Orgs). Família: rede, laços e políticas públicas. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2010. P. 127-134. TEIXEIRA, Solange Maria. Política Social contemporânea: a família como referência para as Políticas Sociais e para o trabalho social. In: MIOTO, Regina Célia Tomaso; CAMPOS, Marta Silva; CARLOTO, Cássia Maria (orgs). Familismo, direito e cidadania: contradições da política social. São Paulo, Cortez 2015. P.211-236. WANDERLEY, Maria Angela Belfiore. Políticas Públicas e trabalho social: polêmicas em debate. In: ARREGUI, Carola Carbajal; BLANES, Denise Neri (orgs). Metodologias do trabalho social. São Paulo: IEE/PUC – SP, 2008. P.11-17 YAZBECK, Maria Carmelita, et al. O Sistema Único de Assistência Social em São Paulo e Minas Gerais – desafios e perspectivas de uma realidade em movimento. In: COUTO, Berenice Rojas [et al] (orgs). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. São Paulo: Cortez, 2012. 3 ed. Rev. E atual. P. 161-227.