trabalho sobre os maias - episódios da vida romântica
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os Maias
de Eça de Queiróz
Índice
Introdução;
Geração de 70 e a Questão Coimbrã;
Realismo e Naturalismo;
Vida e Obra de Eça de Queiróz;
“Os Maias”: título e subtítulo;
Ação: intriga principal e secundária;
Personagens mais importantes: caracterização;
O Espaço - físico, social e psicológico;
Tempo: arquitetura do romance;
O Narrador;
A Educação;
Simbolismo;
Estilo e Linguagem;
A minha visão;
Bibliografia;
Introdução
“Os Maias” é, sem dúvida, uma das obras mais importantes da
literatura portuguesa. Considerada por muitos a melhor obra de Eça de
Queiróz, esta obra publicada pela primeira vez em 1888 centra-se na
história da família Maia ao longo de três gerações dando destaque
especial à última, a de Carlos da Maia. O amor incestuoso de Carlos e
Maria Eduarda corresponde, assim, ao tema principal d’“Os Maias”. À
medida que a história se desenrola nesta vertente, desenvolve-se uma
segunda linha de ação correspondente à crítica da sociedade
oitocentista Lisboeta. Quer a nível político ou cultural, a burguesia é
espicaçada das mais variadas formas na tentativa de despoletar a
reflexão e mudança de hábitos. Este trabalho visa a análise e
desenvolvimento de alguns aspetos da obra inseridos no programa da
disciplina de Português de 11º ano, sem esquecer a caracterização do
autor mencionando alguns aspectos e acontecimentos históricos da
época em que viveu.
´
A Geração de 70 e a Questão
Coimbrã
Em 1865, António de Castilho,
mentor de um grupo de
ultrarromânticos teceu comentários
depreciativos em relação à poesia de
Teófilo Braga e Antero Quental.
Tanto Eça como Antero, realistas,
respondem a Castilho de forma
destruidora, desencadeando
polémicas no meio literário. Muitos
escritores envolveram-se na questão (a Questão Coimbrã) criando-se dois
grupos: os que concordavam com Castillho e os
que concordavam com os autores conimbrences.
A Geração de 70 ou Geração de Coimbra
corresponde à geração oposta ao
ultrarromantismo de Castilho ligada ao período
de Regeneração que revolucionou a cultura
portuguesa (literatura e política) com a
introdução do realismo.
António de Castilho
Antero de Quental
Este grupo de jovens intelectuais
da Universidade de Coimbra
defendia a intrusão da literatura
na vida social que era marcada
pela ignorância e corrupção. Este
grupo é composto por onze
portugueses que tiveram
destaque na vida social e política do século XIX como por exemplo Antero
de Quental, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra
Junqueiro e Eça de Queirós. Estes reuniam-se com regularidade entre
1888 e 1894 para convivência intelectual, troca de ideias, livros e formas
de renovar a política e cultura portuguesas. Atentos às ideias e tendências
europeias, defendiam uma poesia atual e objetiva baseados nos
contributos científicos e filosóficos.
Mais tarde, já em Lisboa,
o grupo reúne-se no Casino
Lisbonense onde se realizam
as Conferências do Casino.
Nestas reuniões, Eça critica o
romantismo decadente e apoia
o realismo de Émile Zola (por exemplo) e Antero de Quental expõe os
seus ideais socialistas. Por outro lado, esta geração critica a monarquia
decadente preparando a revolução republicana de 1910.
Desta forma, tanto a Questão Coimbrã como as Conferências do
Casino inserem-se num processo que tem como objetivo a dissolução do
ultrarromantismo sentimental e subjetivo.
Através da eliminação da ala esquerda liberal e da criação de um
governo constituído por poucos elementos, esta geração consegui a
estabilização (apenas aparente) da vida política e social.
Apesar de tudo, a Geração de 70,
no final, desiste de uma intervenção
histórica concreta e imediata,
transformando-se no Grupo dos
Vencidos da Vida.
Em 1891, Antero suicida-se marcando esta Geração de forma trágica.
N’ “Os Maias”, Carlos e Ega são da mesma geração que a geração de 70 e
tal como esta não realizam nenhum dos projetos que propõe realizar,
sendo igualmente uns vencidos da vida.
Os Vencidos da Vida
Realismo e Naturalismo
O Realismo e o Naturalismo foram
as duas escolas literárias dominantes
desde o fim do século XIX até ao iníncio
do século XX. Frequentemente estas duas
concenções são confundidas devido à sua
relativa proximidade. No entanto, há
diferenças que as permitem distinguir.
Surgindo como reação contra o romantismo, o Realismo é a doutrina
filosófica e corrente estética e literária que procura retratar a realidade
com exatidão. Esta escola mostra preocupação com a estética e com
factos concretos. Intimamente ligada a momentos cronológicos tais como
descobertas científicas e revelações tecnológicas, o realista não apresenta
tanta profundidade analítica como um naturalista e, por isso, não tem
preocupação pela patologia pessoal. Este movimento artístico preocupa-
se então com a objetividade da realidade (ao invés do subjetivismo
emocional naturalista) que é analisada sem a interferência de reflexões
intelectuais.
Um romance realista procura pintar o retrato de uma época, descrevendo
espaços sociais minuciosa e pormenorizadamente. Isto é observável n’”Os
Maias” em que o comportamento das personagens (principalmente as
personagens tipo) é descrito para criticar a sociedade que é corrupta,
supérflua, ignorante e retrógrada.
Cronologicamente posterior ao Realismo, o Naturalismo é a conceção
filosófica caracterizada pelo determinismo e pela ideologia que o destino
das personagens é de certa forma decidido pela Natureza. Segundo Eça, o
naturalismo consiste em descrever a realidade tal como ela é, ignorando
conceitos transcendentes às ciências naturais por nós produzidos. A obra
naturalista tenta justificar os níveis emocionais da personagem com o seu
passado, educação, hereditariedade e posição socioeconómica.
Um romance naturalista é, por excelência experimental (tal como uma
ciência) e orienta a sua tese com análise social coletiva onde o humano é
guiado por forças instintivas naturais. Um naturalista identifica a
verdadeira tese com intenção científica como uma obra de arte e analisa
o que há de errado numa sociedade com rigor técnico.
Concluindo, os realistas e naturalistas têm preconceitos científicos
semelhantes, sendo a forma como interpretam os dados analisados para
fazer uma obra de arte, indubitavelmente distintas.
Vida e Obra de Eça de Queiróz
1845 – José Maria Eça de Queirós nasce na Póvoa do Varzim a 25 de Novembro, fruto de uma relação ilegítima entre D. Carolina Augusta Pereira de Eça e José Maria d`Almeida de Teixeira de Queiróz. D. Carolina Augusta fugiu de casa para que a sua criança nascesse afastada do escândalo da ilegitimidade. O pequeno Eça foi levado para casa de sua madrinha, em Vila do Conde, onde permaneceu até aos quatro anos.
1849 – Os seus pais casam-se, tornando o casamento legítimo o que fez com que Eça fosse levado para Aveiro, para a casa dos seus avós onde ficou a viver dez anos.
1859 – Junta-se aos seus pais no Porto onde faz os seus estudos secundários.
1861 – Já na Universidade de Coimbra, onde estuda Direito, junta-se ao famoso grupo académico da Escola de Coimbra e, juntamente com Antero Quental, torna-se um dos elementos mais proeminentes da Questão Coimbrã e da Geração de 70.
1865 – O grupo revolta-se contra o grupo de escritores de Lisboa o que viria a ser considerada como a semente do realismo em Portugal.
Póvoa do Varzim, 1845
Pais de Eça
Grupo Académico dos Vencidos da Vida
1866 – Acaba o curso e fixa-se em Lisboa, em casa dos pais, no Rossio, 26, 4º andar, onde trabalha como jornalista e advogado no Supremo Tribunal da Justiça
1869 - Assiste à inauguração do Canal do Suez o que o faz viajar pela Palestina que serviu de fonte de informação para escrever “O Egito” e “A Relíquia”.
1870 – Participou ativamente nas “Conferências do Casino” onde apresentou o Realismo como nova expressão de Arte e iniciou, em conjunto com Ramalho Ortigão, escreveu o romance policial “O Mistério da Estrada de Sintra”
1871 – Ainda com Ramalho Ortigão, publica “As Farpas”, sátiras à vida social publicadas em folhetins. Entra para o Serviço Diplomático e foi Administrador do Concelho em Leiria.
1872 - É nomeado Cônsul em Cuba.
1873 – Viaja pelo Canadá, Estados Unidos e América Central.
1875 – É transferido para Inglaterra, onde começou a escrever “Os Maias”, “O Mandarim” e “A Relíquia”. Neste ano “O Crime do Padre Amaro” é publicado, marcando o início do Realismo em Portugal.
Rossio, nº26, em 2014
Canal do Suez, na altura da sua inauguração
Eça em Montreal, Canadá.
Eça em Newcastle, Inglaterra.
1878 – Abandona Inglaterra e publica “O Primo Basílio”.
1886 – Casa com D. Maria Emília de Castro, apesar da diferença de idades de 11 anos que os separava. Acabam por ter dois filhos.
1888 – É nomeado cônsul de Portugal em Paris. Neste ano também publica “Os Maias” e “A Ilustre Casa de Ramires”. Dirige a "Revista de Portugal”.
1900 – Morre em Paris, a 16 de Agosto. Em Setembro, o corpo é transferido para Portugal.
Emília de Castro
Eça e o filho
Eça e a filha.
Eça em Paris.
Casa de Neuilly, Paris em 1897 Cortejo fúnebre ao autor em Lisboa.
“Os Maias”: título e subtítulo
A obra “Os Maias” recebe este título porque acompanha três
gerações da família Maia correspondentes a momentos histórico-políticos
e culturais diferentes:
1º Geração, a de Afonso da Maia, marcada pela reação contra o
absolutismo e a defesa dos valores antigos.
2º Geração, a de Pedro da Maia, marcada pela instauração do Liberalismo
e pelo ultrarromantismo.
3º Geração, a de Carlos da Maia, marcada pela queda dos ideais liberais.
1º Geração
2º Geração
3º Geração
O título refere-se às intriga principal e secundária e acompanha a
história de vida e peripécias dos três elementos masculinos da família
Maia antes referidos.
O subtítulo “Episódios da Vida Romântica” indica a intenção de
descrever o estilo de vida romântico através de episódios que se
relacionam de alguma maneira com as personagens principais. O
subtítulo é justificado pois o narrador oferece-nos vários casos, cenas ou
atitudes, consideradas típicas dos Romantismos de 1875/1876 e de
Portugal caracterizado pelo desânimo da geração de setenta.
Ação: intriga principal e
secundária
A ação n’”Os Maias” desenvolve-se em dois níveis distintos: o da
intriga (correspondente ao título), história vivida pelas personagens e o
da crónica de costumes (que justifica a existência do subtítulo), a crítica
da vida social.
A intriga, identificada como uma ação fechada (pressupõe
desenlace), pode ser divida em intriga principal e intriga secundária.
A intriga principal é organizada em torno do amor incestuoso do
protagonista Carlos e Maria Eduarda que acaba com a separação da
família e morte de Afonso, o desfecho trágico. Resume-se da seguinte
forma:
1. Carlos vê Maria Eduarda
2. Carlos visita Rosa
3. Carlos conhece Maria Eduarda
4. Carlos e Maria Eduarda envolvem-se e consuma-se o incesto
(embora inconsciente)
5. Guimarães conta revelações a Ega
6. Ega conta as revelações a Carlos que por sua vez conta a Afonso
7. Consuma-se o incesto conscientemente
8. Carlos encontra-se com Afonso
9. Afonso morre
10. Carlos conta revelações a Maria Eduarda
11. Maria Eduarda parte
Na intriga secundária, predecessora da principal, é narrada a história de
Afonso da Maia, a história de Pedro da Maia e Maria Monforte e a
infância e juventude de Carlos. Esta pode ser resumida da seguinte forma:
1. Pedro vê Maria Monforte
2. Pedro namora Maria Monforte
3. Pedro casa com Maria Monforte
4. Maria Monforte abandona Pedro e leva a filha
5. Pedro suicida-se
Como sugerido pelo subtítulo, em alternância com esta história
desenrola-se um conjunto de episódios chamado “Crónica de Costumes”.
A crónica de costumes são episódios de representação social em que nos
é dada uma visão dos costumes quotidianos da sociedade lisboeta no
final do século XIX. É numa Lisboa monótona, amolecida e de clima rico,
que Eça vai fazer a crítica social, em que domina a ironia, corporizada em
representantes de ideias, mentalidades, costumes, políticas, conceções
do mundo, etc.
Estes episódios servem de pano de fundo para a intriga principal por
isso a relação com esta é evidente e são muitos os momentos que o
comprovam:
Os Maias Episódios da
Vida Romântica
O Jantar do Hotel Central
Carlos vê Maria Eduarda pela 1º vez
As Corridas no Hipódromo
Carlos procura Maria Eduarda
O Jantar dos Gouvarinhos
Carlos declara-se a Maria Eduarda
Episódios da "Corneta do Diabo"
e "A Tarde"
Ega é cúmplice da relação amorosa
Sarau Literário da Trindade
Revelação do relacionamento
incestuoso
Concluindo: a intriga principal articula-se com a intriga secundária
para construir uma linha de narração. Enquanto que isto acontece, os
vários episódios da vida romântica vão ocorrendo, por vezes entrando em
contacto com a intriga. A continuidade da intriga é inviabilizada pelo
desenlace e o romance acaba.
As Personagens Mais Importantes
e sua Caracterização
N’ “Os Maias” são mencionadas mais de uma centena de personagens
que podem ser organizadas de acordo com o seu relevo e participação na
narrativa. Assim deparamo-nos com personagens que contribuem para a
intriga principal e secundária (a história em si) e com personagens que
fazem parte da crónica dos costumes (dos episódios da vida romântica).
As personagens de maior importância da intriga são:
Afonso da Maia - Personagem secundária e modelada
Filho de Caetano da Maia e avô de Carlos, Afonso fisicamente era “maciço”, baixo com cabelo branco curto, cara larga, ombros fortes e barba comprida. Símbolo do liberalismo, abandona Portugal para ir para Inglaterra regressando apenas para casar com Maria Runa. Afonso é a única personagem a quem não são apontados quaisquer defeitos pois este representa o português ideal: sério mas simpático, firme, austero embora generoso e sensível, determinado, culto, com bom gosto e de bons valores (família, justiça e sociedade). Com uma paciência interminável é quem vai educar Carlos após Pedro se suicidar. Passa os seus dias com os seus amigos no Ramalhete mas mantém sempre a sua ligação com Santa Olávia onde fica em contacto com a natureza. Na sequência do incesto dos seus netos morre de apoplexia (e de desgosto), no jardim do Ramalhete.
Maria Eduarda Runa – Personagem secundária
Filha do conde de Runa, Maria Runa, é a linda e mimosa mulher de Afonso e avó de Carlos. Quando Afonso é forçado a exilar-se, Maria Eduarda Runa acompanha-o mas não reage bem a Inglaterra, mostrando-se sempre infeliz e nostálgica. Por causa da sua devoção extrema, faz com que Pedro seja educado de forma tradicional, contrariando a heresia daquela terra. A sua tristeza e melancolia acabam por levar a melhor desta lisboeta ferrenha que morre na agonia.
Pedro da Maia - Personagem secundária e modelada
Pedro da Maia, filho de Afonso e pai de Carlos, é caracterizado como sendo pequeno, com face oval e belos olhos. Considerado o protótipo do herói romântico, Pedro, vítima da educação que recebe, torna-se fraco, nervoso e emocionalmente instável. Aquando da fuga de Maria Monforte, por quem tem uma repentina e arrebatadora paixão, mostra-se um cobarde ao suicidar-se por não conseguir lidar com o problema e aceitar a realidade.
Maria Monforte – Personagem secundária
Mãe de Carlos e de Maria Eduarda, Maria Monforte é uma mulher extremamente bela, loira, exuberante, com lindos olhos azuis e figura clássica e estatual. Descontente com o seu casamento com Pedro da Maia, foge com Tancredo levando consigo a filha e abandona Carlos e Pedro, que se suicida. Mesmo depois de Tancredo morrer, Maria Monforte não tenta pedir por perdão e continua a aventurar-se em futilidades, morrendo pouco tempo depois. É descrita como uma mulher leviana, imoral, fria, cruel e caprichosa e uma das personagens mais importantes ao ser a responsável por desencadear a intriga principal e, consequentemente, por todas as desgraças da família Maia.
Carlos da Maia – Personagem principal modelada
Carlos da Maia, o protagonista d’”Os Maias”, fisicamente era alto, bem constituído, bonito com ombros largos, pele branca, cabelos e olhos negros (dos Maias) e um bonito bigode à semelhança de um cavaleiro. Filho de Maria Monforte e Pedro da Maia, Carlos, quando o pai se suicida, vai viver em Santa Olávia com o avô que lhe proporciona uma educação britânica. Seguidamente vai para Coimbra onde estuda Medicina e conhece quem viria a ser o seu
inseparável amigo, João da Ega. Depois de fazer uma viagem pela Europa, Carlos regressa a Lisboa e instala-se no Ramalhete com o avô. Em Lisboa causa uma boa impressão entre o meio aristocrata por ser culto, com bom gosto e elegante e por parecer tão promissor apesar de cair rapidamente no diletantismo, ao ter os mais variadíssimos projetos que nunca chega a concretizar. A certo ponto tem um caso com a condessa Gouvarinho mas Carlos só depois é que chega a conhecer o seu verdadeiro amor, Maria Eduarda, com quem teria uma relação aparentemente adúltera. Depois de descobrir que Maria Eduarda era sua irmã, refugia-se em Paris assumindo que falhara na vida. Representa, assim, a falta de capacidade de regeneração do país.
Maria Eduarda - Personagem principal modelada
Maria Eduarda, irmã de Carlos, viúva de Mac Gren e mãe de Rosa, era uma mulher de uma beleza divinal, loira, delicada, bem feita e sensual. O seu encanto é intensificado pelo facto de o seu passado ser misterioso durante grande parte da obra com o objetivo de preparar o final dramático.
Esta personagem mantêm-se sempre à margem das outras personagens e nunca é criticada sendo a sua caracterização feita com o contraste entre si e as outras personagens femininas. Sempre sensata, equilibrada e digna, Maria Eduarda, por ter sido educada num convento, apresenta tanto uma vertente moral e cultural como uma vertente de grande vulgaridade. Simboliza, à semelhança do resto das mulheres da família, a fatalidade e a desgraça.
João da Ega - Personagem principal modelada
Considerado o alter-ego de Eça de Queiróz, Ega, fisicamente, era esguio, com membros longos, nariz curvo e usava sempre monóculo. Filho de uma rica fidalga, Ega licenciou-se em Direito em Coimbra juntamente com Carlos de quem ficou melhor amigo. Destaca-se por ser sentimentalista, sarcástico, naturalista, provocador, excêntrico e um
ateu de primeira. Em resumo: o diabo em pessoa. Gosta de ser o centro das atenções, de ser lisonjeado e só para provocar o escândalo é capaz de discordar de com quem fala sobre os assuntos mais elementares. Sempre envolto em planos (peças, livros, revistas) que nunca a chega a executar, Ega apaixona-se por Raquel Cohen mas o caso não acaba bem. Ega é, indubitavelmente, o fiel confidente de Carlos ao longo de toda a obra e nos últimos capítulos ocupa um papel de grande relevo na intriga principal. É ele que fica a saber dos documentos que identificavam Maria Eduarda como irmã de Carlos e é ele a quem tais documentos são entregues; é ele que conta a Vilaça a revelação trágica e é na sua companhia que Carlos a conta a Afonso.
Guimarães - Figurante, personagem plana
Com grandes barbas e chapéu de abas, Guimarães, tio do Dâmaso, era um antigo trabalhador do jornal “Rappel” que veio de Paris. Guimarães acaba por ser a personificação do destino ao trazer um cofre a ele confiado por Maria Monforte, que continha declarações da verdadeira identidade da filha. Vai assim desencadear a catástrofe e trazer a verdade destruidora da felicidade de Carlos e Maria Eduarda.
Usadas como meio para criticar a sociedade, as personagens mais importantes da crónica dos costumes são:
Dâmaso Salcede - Figurante, personagem plana tipo
Gordo e baixo, Dâmaso era o sobrinho de Guimarães e filho de um agiota. Dâmaso era pretensioso, convencido, excêntrico e um cobarde sem dignidade. Antes um grande amigo e confidente de Carlos por partilharem ideiais culturais semelhantes, Dâmaso acaba por ser um poço de defeitos. Pela grande admiração (e inveja) que tem por Carlos, a personificação do bom gosto, tenta imitá-lo em tudo o que faz de forma a tornar-se “chic a valer”. É, também, o protagonista de situações
importantes e/ou cómicas na obra como quando assina uma carta alegando que é um bêbedo para evitar o duelo com Carlos, quando escreve a carta anónima a Castro Gomes revelando o envolvimento de Maria Eduarda com Carlos e quando é responsável pela notícia sobre n’ “A Corneta do Diabo”. Para além disso, Dâmaso é ateu, desenvolve projetos que nunca cumpre e está sempre a criticar os vício, pelo que é considerado a representação dos vícios e podridão da sociedade.
Euzebiozinho (Silveira) - Figurante, personagem plana tipo
Eusebiozinho (ou Silveirinha) é o primogénito de uma das senhoras ricas da Quinta da Lagoaça, as Silveiras, e irmão da Teresinha. Cresceu em Santa Olávia ao lado de Carlos com quem brincava mas devido à educação retrógrada que recebeu, cresceu tornando-se triste, molengão e sem motivações nem objetivos na vida. Acabou por casar-se quase por obrigação mas cedo ficou viúvo. Com uma vida medíocre, Eusebiozinho é a representação da forma ridícula de educação tradicional portuguesa e um instrumento para o autor a criticar.
(Tomás de) Alencar - Figurante, personagem plana
Alencar fisicamente era muito alto, careca, com voluptuosos bigodes, nariz curvo e olhos encovados. Companheiro de Pedro da Maia, é utilizado pelo autor para começar discussões entre as escolas naturalista e romântica (sendo ele um ávido defensor da última). Tais discussões são representações satíricas da Questão Coimbrã.
Cruges - Figurante, personagem plana tipo
Amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete, Cruges é maestro e pianista e representante da cultura artística. Tinha um nariz espetado, olhos pequenos e um cabelo longo e ondulado. Com a sociedade lisboeta a revelar falta de cultura e interesse, a sua música acabava por ser menosprezada pelo que fica desmotivado e frustrado. É o músico idealista que pelo verdadeiro amor à arte que revela distingue-se da mediocridade artística nacional.
Craft - Figurante, personagem plana tipo
Pouco importante no desenrolar da ação, este frequentador do Ramalhete defende a arte como uma expressão do melhor da Natureza pelo que gasta o seu tempo e dinheiro a viajar e colecionar obras de arte. Representa a formação britânica e é o protótipo do que um homem deve ser: forte, culto, de hábitos rígidos, educado e de grande retidão.
Conde de Gouvarinho - Figurante, personagem plana tipo
O conde de Gouvarinho era ministro do Reino e era casado com a condessa de Gouvarinho que tratava com brutalidade. Velho e conservador, revela falta de cultura e de capacidade de análise nos jantares descritos. É uma representação do político incompetente que, apesar de ocupar altos cargos,
manifesta grandes lapsos de conhecimento sobre os assuntos mais básicos.
Condessa de Gouvarinho - Figurante, personagem plana tipo
Filha de um rico comerciante inglês, a condessa de Gouvarinho é a mulher do conde de Gouvarinho. Com cabelo ruivo, olhos escuros e uma linda pele, a condessa é sensual e provocadora. Apaixona-se por Carlos com quem tem uma relação (ou obsessão) amorosa sem ter qualquer tipo de remorsos. Despreza totalmente o marido por questões monetárias e mostra-se disposta a abandoná-lo, o que revela a sua falta de escrúpulos e valores morais. Representa a aristocracia de Lisboa e todas as mulheres que mantêm amores fora do casamento.
Sousa Neto - Figurante, personagem plana tipo
Sousa Neto é o oficial superior da administração do Ministério da Instrução Pública que é tudo menos culto. Vaidoso e não muito inteligente, representa a ineficácia e falta de cultura da Administração Pública.
(Jacob) Cohen - Figurante, personagem plana tipo
Cohen é o diretor do Banco Nacional e marido de Raquel. É vaidoso, idiota, desonesto, incompetente e revela falta de perspicácia ao não descobrir o caso amoroso de sua mulher. Aproveita-se da situação económica do país para explorar as pessoas para proveito próprio. Representa o estado financeiro nacional
conduzido por pessoas da burguesia que, apesar de pouco inteligentes, ocupam lugares de grande poder.
Raquel Cohen - Figurante, personagem plana
Raquel Cohen é a vaidosa e lindíssima mulher de Jacob Cohen. Provocadora e leviana, envolve-se numa relação (obviamente adúltera) com Ega mas, quando este é expulso de sua casa, percebe que a relação era puramente para sua diversão e que Raquel não tinha qualquer intenção de ficar com ele.
Palma Cavalão - Figurante, personagem plana tipo
Palma Cavalão é o redator e proprietário do jornal “A Corneta do Diabo”. Facilmente corrompido e cego pelo dinheiro, publica ou retira artigos caluniosos do seu jornal em função dos subornos que recebe. Sem escrúpulos ou moral, encara o jornalismo como apenas uma forma de fazer dinheiro. Alencar define-o como sendo um “canalha” gordo.
Neves - Figurante, personagem plana tipo
Neves é o diretor do jornal “A Tarde” e representa o jornalista que influencia politicamente os seus leitores ignorantes. Em conjunto com Palma Cavalão, representa a decadência do jornalismo português.
O Espaço
N' “Os Maias” podemos encontrar três tipos de espaço: físico ou
geográfico, psicológico e social. O espaço físico subdivide-se por sua vez
em: espaços interiores e exteriores.
Espaço Físico
São muitos os espaços físicos n’“Os Maias” passando-se maior parte da narrativa em Portugal, mais especificamente em Lisboa e arredores. Os espaços geográficos de maior importância são: Lisboa
É aqui que se sucedem os acontecimentos essenciais da vida de Pedro da Maia e para onde Carlos vai viver depois de se formar desenvolvendo depois um amor por Maria Eduarda. Lisboa também vai ser o palco para o fracasso de Carlos e para a caracterização de personagens da sociedade de costumes, através de micro-espaços criados pelo autor.
Espaço
Físico
Interiores
Exteriores
Psicológico
Social
Santa Olávia Situada na margem do rio Douro, é onde Carlos passa a sua infância e para onde foge quando sabe a verdade sobre Maria Eduarda.
Coimbra É aqui que Carlos faz a sua formação académica e tem os seus primeiros casos amorosos.
Sintra Lugar de encontro de personagens da crónica de costumes e do par romântico protagonista.
Olivais Aqui se situa a Toca, onde Carlos e Maria Eduarda se encontram em segredo.
O estrangeiro O estrangeiro, apesar de não ser descrito na obra, é utilizado como uma maneira para resolver problemas. As três gerações da família Maia chegam a ir para o estrangeiro a certo ponto das suas vidas com Afonso a exilar-se em Inglaterra para fugir aos miguelistas, com Pedro e Maria Monforte a fugirem para Paris e Itália para que Afonso aceitasse o seu amor e com Carlos a ir numa viagem para se refugiar do seu fracasso incessante, já no final. Também Dâmaso decide fugir para Paris depois da publicação da sua carta.
Para além de espaços exteriores, n’“Os Maias” são referidos vários espaços interiores:
O Ramalhete – Situada na Rua S. Francisco de Paula em Lisboa, o Ramalhete era a residência da família Maia. Lá podemos encontrar os jardins, o salão de convívio, o quarto de Carlos, o severo escritório de Afonso e o informal e diletante consultório de Carlos.
Sintra
A Vila Balzac – Este retiro amoroso de João da Ega é uma projeção da sua personalidade ambígua por revelar-se dividido entre duas formas de expressão. A Toca – Esta propriedade de Craft é arrendada por Carlos para consumar de forma privada o seu amor com Maria Eduarda. Esta exótica casa surge como um presságio do incesto e uma representação do que é moralmente proibido.
A casa de Maria Eduarda – Situada na Rua S. Francisco, esta casa alugada à família Castro Gomes por Cruges é onde Carlos e Maria Eduarda falam pela primeira vez.
Outros espaços de menor importância que servem de palco (alguns
literalmente) para as personagens da crónica de costumes são: o Grémio
Literário, o Teatro de S. Carlos, o Teatro da Trindade, o Hotel Central, o
Hotel de Bragança, a casa dos Gouvarinhos e o Hipódromo.
Rua S. Francisco
Grémio Literário Grémio Literário, 2014
Teatro de S. Carlos, 1884 Teatro de S. Carlos, 2014
Teatro da Trindade Teatro da Trindade, 2014
Hotel Central e Largo Camões Hotel Central e Largo Camões, 2014
Hotel Bragança, 1881 Hipódromo de Lisboa
A menção destes espaços é de extrema importância para Eça que,
como realista, acreditava que o ambiente que rodeia uma
personagem vai interagir mutuamente com ela.
Espaço Social
Mais importante que o físico, o espaço social abarca momentos
como as soirés, os bailes, os espetáculos e os jantares onde atuam as
personagens da alta aristocracia e burguesia. Estas personagens são
usadas por serem uma representação fiel da sociedade criticada pelo
autor que tenta recriar através delas o panorama social organizando os
acontecimentos em episódios inseridos na crónica de costumes. Podemos
ver essa crítica principalmente nos seguintes episódios: O Sarau no Teatro
da Trindade, as corridas de cavalos no Hipódromo e os jantares (no Hotel
Central, em Santa Olávia, na Toca e em casa dos Gouvarinho). Nestes
episódios, personagens como o novo-rico (Dâmaso), o literato
ultrarromântico (Alencar), o diplomata (Steinbroken), o banqueiro
(Cohen), o artista incompreendido (Cruges) e o diletante (Craft) reúnem-
se manifestando as características das classes sociais a que pertencem.
Por exemplo, no episódio das corridas de cavalo, o autor satiriza e critica
a ambição da sociedade de ser como sociedades estrangeiras e ironiza a
forma como a assistência feminina se comportava e se vestia fazendo-nos
perceber que a ignorante e supérflua sociedade burguesa vivia de
aparências. Podemos concluir que o espaço social cumpre ao longo da
obra um papel marcadamente crítico.
Espaço Psicológico
O espaço psicológico é constituído pela consciência, os estados de
alma, as emoções e o íntimo das personagens e é manifestado
principalmente em momentos de grande carga emocional através de
monólogos interiores. As personagens (sobretudo as principais) mostram-
nos as suas reflexões, sonhos e imaginação dando-nos a sua visão
subjetiva do mundo e das pessoas que as rodeiam. À medida que nos
aproximamos do desenlace, a importância dada ao espaço psicológico vai
aumentando, principalmente com Carlos da Maia. Destaca-se como
espaço psicológico os seguintes momentos, quando Carlos:
sonha com Maria Eduarda (duas vezes);
reflete sobre o grau de parentesco que o liga a Maria Eduarda;
encontra o avô morto, no jardim;
vê o Ramalhete e o avô, após o incesto;
vê a casa de Maria Eduarda de forma diferente após saber que ela
era sua irmã;
O espaço psicológico também está presente com Ega depois de descobrir
a verdadeira identidade de Maria Eduarda e de ter de tomar uma decisão
de como contar a Carlos.
É o espaço psicológico que, ao nos revelar as profundezas da consciência
das personagens, permite caracterizar Carlos e Ega como personagens
modeladas.
Tempo: arquitectura do romance
Tal como o espaço, o tempo n’ “Os Maias” pode ser de três tipos: o tempo histórico, o tempo do discurso e o tempo psicológico.
Tempo Histórico
O tempo histórico é aquele que subdivide-se em anos, meses e dias e que organiza os acontecimentos vividos pelas personagens de forma cronológica. A ação passa-se no século XIX, entre 1820 e 1887 abrangendo, portanto, quase setenta anos. No entanto a forma como o tempo é distribuído pelos anos não é consistente: Carlos acaba por se destacar relativamente aos outros membros das três gerações da família Maia.
Tempo do Discurso
O tempo de discurso é, por definição, aquele aquele que se deteta no
próprio texto organizado pelo narrador, ordenado ou alterado logicamente,
alargado ou resumido.
O discurso começa em 1875, no Outono. Carlos acabara de voltar da sua
viagem pós-formatura para viver em Lisboa com o avô. O narrador vai então,
através de uma analepse, relatar os acontecimentos passados: a juventude
de Afonso; a educação de Pedro e seu envolvimento com Maria Monforte e
a educação e formação de Carlos (Capítulos I a IV). Apesar de corresponder a
cerca de sessenta anos, esta analepse ocupa relativamente pouco tempo
(poucas páginas) na obra. Isto deve-se ao facto de o autor, com recurso a
resumos e elipses, reduzir o tempo do discurso ficando este muito mais
curto que o tempo histórico (anisocronia).
No entanto, do Outono de 1875 a Janeiro de 1877, o narrador, ao utilizar
diálogos, tenta que haja isocronia, ou seja, tenta que o tempo do discurso
coincida com o tempo da história de forma a reproduzir fielmente o ritmo
do dia-a-dia. Desta forma o narrador vai alternar lentamente as cenas do
quotidiano lisboeta com a intriga principal.
Tempo Psicológico
O tempo psicológico é o tempo conforme é
vivido pelas personagens. Este é subjetivo porque
depende de cada personagem e alarga-se ou encurta-
se dependendo do estado de espírito em que esta se
encontra permitindo-nos compreender a perspetiva
da personagem e os seus sentimentos.
No romance, é possível encontrar-se momentos de tempo psicológico
quando:
Pedro da Maia comunica a seu pai o desaparecimento de Maria
Monforte;
Carlos recorda o beijo que a Condessa de Gouvarinho lhe dera;
Carlos passava longas e monótonas horas no seu consultório;
Ega espera que lhe entreguem o cofre com informações sobre Maria
Eduarda;
Carlos e Ega, acabados de chegar de Paris, contemplam o Ramalhete e,
com nostalgia e emoção, recordam os tempos vividos naquela casa.
Carlos, amargurado e ressentido, acaba por proferir uma exclamação
que resume a definição de tempo psicológico: “É curioso! Só vivi 2
anos nesta casa e é nela que me parece estar metade da minha vida
inteira!”
O Narrador
Quanto à presença, o narrador é heterodiegético, ou seja, não é
uma personagem da narrativa. Algumas marcas linguísticas que permitem
fazer esta classificação são a utilização de pronomes, verbos e
determinantes na terceira pessoa e o discurso indireto livre. Através do
distanciamento característico deste tipo de narrador, um exame social de
maior eficácia e objetivide é nos revelado.
Quanto à ciência, o narrador é omnisciente pois mostra-se conhecedor
dos sentimentos, emoções e desejos das personagens. O narrador sabe o
passado e futuro de cada personagem, revela possuir total conhecimento
da história e usa técnicas narrativas para arquitectar o romance ao
caracterizar de forma exaustiva os espaços e personagens.
Por vezes, o narrador abdica da sua omnisciência para adotar a
focalização interna em que certas personagens tomam o papel crítico
e/ou descritivo do narrador. Por exemplo, quando Maria Eduarda é
caracterizada nota-se que o narrador encarrega Carlos de o fazer, dá mais
valor ao ponto de vista subjetivo da personagem, montando a sua
perspetiva com e como ele.
Para além da focalização interna, o narrador opta, por vezes, pela
focalização externa quando, por exemplo, descreve fisicamente as
personagens e os espaços geográficos onde se encontram, numa
tentativa de objetividade. Porém, através de diminutivos, advérbios e
adjetivos com valor subjetivo, esta ojetividade revela-se apenas
aparentente.
A Educação
A educação é, sem dúvida, um tema de grande centralidade n’“Os
Maias”, revelando o comportamento e mentalidade de um Portugal
marcadamente romântico em oposição a um Portugal novo e voltado
para o futuro. Este facto deve-se à importância dada a esta problemática
na caracterização das personagens segundo uma perspetiva naturalista.
Ao elaborar um fiel retrato da sociedade, o narrador atribui, em parte, a
culpa da crise social e cultural ao tipo de educação que um indivíduo
recebe. A educação vai, assim, condicionar os princípios e valores de
cada um que são, eventualmente, a base de qualquer sociedade. Através
das personagens, o autor vai nos dar a conhecer diferentes conceções
educativas, revelando a cultura adjacente a cada uma.
São-nos então apresentados dois sistemas educativos antagónicos:
A educação tradicional e conservadora (à portuguesa) protagonizada
por Pedro da Maia e Eusebiozinho em que:
Recorria-se à memorização e ao catecismo para criar uma ideologia
religiosa que cultivava a devoção, os valores morais e a punição do
pecado -“...a decorar versos, páginas inteiras do «Catecismo de
Perseverança»...” e “...Que memória! Que memória... É um
prodígio!...”;
Dava-se atenção ao Latim que, pela
sua grande coneção à igreja, deveria
ser aprendido - “...a instrução para
uma criança não é recitar Tityre, tu
patulae recubans...”
O contacto com a Natureza era
proibido tendo uma criança de ficar
dentro de casa, quase enclausurado
e sempre em contacto com os velhos livros - : " ... tinha medo do
vento e das árvores... “ e “... Admirar as pinturas de um enorme e
rico volume, «Os costumes de todos os povos do Universo»...”;
O juízo crítico e a criatividade eram desvalorizadas e inibidas de
forma a que a vontade pessoal fosse alterada e de forma a levar o
indivíduo a um estado de declínio das faculdades físicas e mentais.
Foi este tipo de educação que levou Pedro da Maia a ser débil, a não ter
a capacidade de resolver os seus problemas e a desenvolver uma relação
pouco saudável com a mãe. Pedro, um ultrarromântico por excelência, é
abandonado por Maria Monforte e não consegue lidar com o fracasso
amoroso, acabando por se suicidar. Eusebiozinho tendo recebido o
mesmo tipo de educação torna-se uma pessoa triste, intolerante,
amarga, monótona e fisicamente débil ao invés do “prodígio” que todos
pensavam que ele se iria tornar. Isto leva-o a ser forçado a um
casamento miserável e a levar uma vida de corrupção. Esta educação, ao
longo da obra, é defendida por Vilaça, pelo Abade Custódio, pela maior
parte das pessoas da casa dos Maias e pelas pessoas de Resende.
A educação moderna e atradicional (“à inglesa”) protagonizada por
Carlos da Maia, ao contrário da educação “à portuguesa”, valoriza:
O exercício físico, a ginástica e o
contacto direto com a Natureza - “...
Correr, cair, trepar às árvores, molhar-
se, apanhar soalheiras, como um filho
de caseiro...” ;
O desenvolvimento intelectual
por via da informação empírica - “... É
saber factos, noções, coisas úteis,
coisas práticas...”;
As línguas vivas como Inglês (Carlos tinha um tutor inglês), em
detrimento do Latim - “... Mostrou-lhe o neto que palrava inglês
com o Brown...”;
O espírito crítico e a imaginação;
A tolerância e convivência social ao instruir valores de honra,
cavalheirismo e virtude.
Carlos da Maia foi educado segundo esta educação de forma a
compensar a educação do seu pai que ia contra os ideias de Afonso.
Graças a ela, adquiriu valores do trabalho e conhecimento experimental
que fizeram com que seguisse medicina e estivesse constantemente
envolto em projetos de investigação que acabam por fracassar por culpa
da sociedade em que estava inserido. Pedro da Maia, aquando da fuga
de Maria Monforte, não consegue lidar com o seu fiasco amoroso ao
passo que Carlos, depois do seu fracasso ocupacional, decide procurar
um novo caminho. Desta vez fá-lo com a mentalidade de não recear o
que possa perder ou não conseguir alcançar, o que faz com que planeie
grandes projectos com o seu grande amigo Ega, que nunca chega a
realizar.
No entanto, por ser tão rígida e metódica, esta educação quando
cumprida excessivamente à risca, acaba por formar indivíduos que não
se adaptam no meio social português de modo que os seus efeitos
nocivos só são revelados com o passar do tempo (em oposição a
educação tradicional cujos aspetos negativos eram mais realçados na
infância através do contraste entre Eusebiozinho e Carlos). Carlos, após
o seu amor incestuoso, acaba por falhar na vida apesar da sua educação,
enquanto que Pedro falha na vida por causa da sua educação. Foi a
sociedade que o conduziu ao fracasso, pela falta de motivação e paixão
romântica que o seduzira. Contudo, jamais Afonso, que tenta evitar que
a desgraça do filho se repita com o neto, é posto em causa no que toca à
educação que dá a Carlos cuja desgraça é de tal maneira incompatível
com os valores morais que se sobrepõe ao seu módulo educacional.
Para além de Afonso, este modo educativo é defendido por Brown
(professor particular de Carlos quando este era pequeno) e pelo próprio
narrador.
Simbolismo
“Os Maias” é uma obra que, depois de uma certa análise, revela-se
carregado de simbolismo. Tanto as personagens como os espaços
denunciam uma componente metafórica que nos é introduzida, por
exemplo, por certas cores e objetos sujeitos a diferentes interpretações.
A simbologia n”Os Maias” tem uma função pressagiosa da tragédia.
Quanto aos espaços, é importante referir:
A Vila Balzac
Muito presente no quarto da casa de Ega, o vermelho transpira paixão e
simboliza a dimensão fugaz e carnal do seu amor por Raquel Cohen. Os
tons de amarelo e dourado também usados na casa exprimem tanto a
natureza divina como o Outono associado à morte.
O Ramalhete
Esta casa acompanha e é a personificação do estado espírito da família
Maia. Estabelece uma coneção com a dormência de Portugal até ao
momento em que é habitada por Carlos e Afonso que lhe restauram a
vida e esperança através da introdução de uma decoração luxuosa e
cosmopolita.
O jardim do Ramalhete, rico em simbologias, também é alvo de uma
evolução. Neste destaca-se:
A cascata, um símbolo de
purificação e regeneração, conota-se
com o choro. No primeiro capítulo,
está seca pois ainda nada aconteceu
enquanto que no último esta, cheia
de água, chora a tragédia que se abatera sobre os Maias bem
como a morte da Afonso. É um prenúncio de tristeza e marca de
forma inexorável, a passagem do tempo e os sentimentos que
este faz aparecer e desaparecer.
Os girassóis que ornamentam a casa remetem-nos para o
passado dos Maias e para as próprias personagens. Tal como a
relação girassóis-Sol, Carlos e Pedro vêm-se envoltos em amores
dos quais não consegue sair,
girando cegamente ao favor das
suas amadas a quem prometem
fidelidade eterna;
O cedro e o cipreste no jardim são árvores que simbolizam,
respetivamente, o envelhecimento e a morte. Unidos por um laço
quase mítico e inseparável, estas árvores testemunham a história da
família. Também simbolizam os inseparáveis Carlos e Ega que no final
da obra ficam tão sozinhos como as árvores.
A estátua feita de mármore fúnebre de Vénus
Citereira, deusa do amor, cuja presença obscura
marca o início e o fim da ação principal: quando
Maria Monforte foge, esta fica mais negra
refletindo o ambiente; após a remodelação
aparece esplendorosa simbolizando a
ressurreição da esperança e no fim mostra-se
enferrujada e monstruosa, à semelhança de Maria Eduarda. Esta
estátua incorpora as mulheres fatais do romance.
A Toca
A Toca é, por definição, o nome dado à habitação de alguns animais pelo
que a este refúgio amoroso de Carlos e de Maria Eduarda seja atribuído
um carácter animalesco. Neste lugar, a atracção carnal e a busca pelo
prazer acabam por substituir e ignorar os valores morais.
O quarto de Maria Eduarda tem uma grande simbologia trágica e está
carregada de presságios:
O quadro com a cabeça degolada de S. João
Baptista (que tinha revelado a relação
incestuosa de Herodes) parece pressagiar a
desgraça que viria a acontecer;
As tapeçarias que descreviam o amor
“desmaiado” de Vénus e Marte (que também
era proibido) parecem prever o desvanecimento da relação dos
protagonistas;
A coruja a olhar fixamente para o leito representa o mistério, o
mau agouro e o fim sinistro da relação.
Ainda na Toca, o ídolo japonês remete-nos para uma cultura estranha e
figura a sensualidade e exotismo do relacionamento incestuoso. Neste
armário, encontramos igualmente dois faunos que encarnam os dois
amantes cheios de hedonismo e com total desprezo de quem os rodeia,
evangelistas que representam a religião e os guerreiro representantes do
espírito heroico.
É importante referir que, na primeira noite em que os dois amantes vão
para a Toca, a trovoada no exterior reflete os tempos turbulentos que se
avizinhavam.
O consultório de Carlos
O consultório de Carlos tem, como cor predominante, um
vermelho escuro que revela força, sensualidade e
mistério. Por vezes a roçar o fúnebre, esta cor é também
considerada como a mais associada ao princípio da vida
pelo seu poder, brilho e presença ardente.
A estátua de Camões que, no final,
representa o passado nostálgico.
Quanto às personagens as que, neste assunto, revelam-se importantes
são:
Maria Eduarda e Maria Monforte
Maria Eduarda crê em presságios e pequenas coisas que a levam a
adivinhar um futuro não muito risonho. As semelhanças entre Carlos e
sua mãe, as semelhanças de caráter entre ela (Maria Eduarda) e Afonso e
a similitude do nome de Carlos com o dela, por exemplo, são
considerados presságios de uma tragédia.
Maria Eduarda é a terceira Maria de três gerações da família Maia e à
semelhança do que acontece com Maria Monforte e Maria Runa, Maria
Eduarda morre (embora de forma psicológica). Maria é, assim, a
revelação simbólica da família. Tanto Maria Eduarda como Maria
Monforte usavam o vermelho (feminino, apaixonante e destruidor) em
conjunto com o dourado, designando tanto a vida como a morte, tanto o
divino como o mero mortal.
Afonso
Afonso da Maia é, sem dúvida, uma figura simbólica. Afonso vê
semelhanças entre Pedro e um elemento da família Runa que se suicidou.
Este facto aparece-nos como um claro presságio, pois Pedro também se
suicida. Também é com Afonso a ser testemunha de um passeio de Pedro
e Maria Monforte que nos apercebemos de certos presságios: Maria
Monforte usa um vestido rosa que simboliza a vida romântica que vivia;
os olhos de Maria eram de um azul sombrio e a ramagem à beira de onde
caminhavam eram de um verde obscuro. Então, cores normalmente
associados a bons sentimentos são
pervertidos ao prever tristezas e
complicações: o guarda-sol vermelho
lembra a Afonso uma mancha de sangue
parecida àquela que seria vista à beira de
Pedro, morto.
Estilo e Linguagem
N’ “Os Maias”, a prosa de Eça de Queiróz exprime fluidamente a sua opinião e forma de pensar. Com uma mestria e destreza com as
palavras, o autor preocupa-se que tanto com intriga principal como com a crítica social usando vocábulos simples aos quais atribui sentidos
conotativos e mostra que o brilhantismo desta obra não reside unicamente no tema.
De todas as características da prosa queiroziana presentes nesta obra,
há que frisar a utilização de/da:
adjetivos – aparecendo em séries binárias e ternárias, os
adjectivos contribuem para musicalidade e ritmo da frase. Os adjetivos
evocam a realidade sem comprometer o espaço para a imaginação e
musicalidade frásica Assim, consegue demonstrar a sua visão crítica sobre a sociedade do século XIX de uma forma subtil mas que terá um
grande ênfase, fazendo com que a sua sátira nos pareça objetiva – Ex: “Dâmaso era interminável, torrencial, inundante, a falar das suas
conquistas”;
verbos – tal como os adjetivos e advérbios, o autor utiliza os verbos de forma impressionista. Para evitar a monotonia da utilização
constante de verbos similares, o autor substitui verbos vulgares por verbos menos comuns. O tempo mais utilizado é o pretérito imperfeito
que faz com que o leitor se depare com a situação a ocorrer no momento narrado. Com o mesmo efeito, o gerúndio é igualmente
utilizado para que o leitor “deslize” na narrativa – Ex: “decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora”;
advérbios – Eça estende os adjetivos aos advérbios (advérbios com
função de adjectivo), dispondo de uma vasta panóplia de advérbios
expressivos com grande poder sugestivo À semelhança dos adjetivos os advérbios obrigam a que a criatividade e imaginação do leitor surja de
forma espontânea. Por vezes estes estão associados em gradação
“Fechou sobre mim a portinhola gravemente, supremamente” ;
vocabulário rico e variado – com o uso de neologismos, palavras
inventadas pelo autor (ex: gouvarinhar) e com o uso de anglicismos e galicismos (ex: dog-cart, chic);
diminutivos – Maioritariamente usados para caracterizar
ironicamente as personagens mas também para revelar ternura – Ex: “as perninhas flácidas” e “tinha uma cadelinha escocesa”;
todos os níveis de linguagem – a autor apresenta um estilo muito
particular ao utilizar tanto linguagem familiar como infantil, passando por outras. O autor adapta o tipo de linguagem à personagem e sua
classe social;
uso de frases curtas e diretas para que haja variedade nos
discursos revelando preocupação com o ritmo e musicalidade da frase. Empregou frases curtas para que os factos e as emoções apresentadas
fossem transmitidas objetivamente e, através de rimas internas, paralelismos, antíteses, frases em parelha e repetições, evita frases
demasiado expositivas, fastidiosas e pouco esclarecedoras (muito característica do romantismo);
discurso indireto livre – Com o objetivo de aproximar a prosa à
fala e de evitar a repetição desnecessária e aborrecida de verbos
conectores do discurso, o discurso indirecto livre é muitas vezes
utilizado durante a obra;
recursos expressivos – Os inúmeros recursos estilísticos utilizados
enriquecem a prosa de Eça de Queiróz. Os mais utilizados e
característicos são:
† a hipálage – figura de estilo que consiste em atribuir uma
qualidade de um nome a outro que lhe está relacionado, revelando assim a impressão do escritor face ao que
descreve. Ex: “As titis faziam meias sonolentas” (sonolentas é transposto das personagens para o objeto);
† a sinestesia – recurso estilístico que ao descrever os
ambientes através do realismo, apela aos sentidos do leitor
de forma a aumentar a nossa imersão na narrativa – Ex: “e,
muito alto no ar, passava o claro repique de um sino”;
† a ironia – recurso estilístico quase sempre presente na
prosa queiroziano que, por expressar o contrário da
realidade, serve para satirizar e expor contrastes e
paradoxos – Ex: “É possível – respondeu o inteligente
Silveira”;
† a aliteração – Com a mesmo função da sinestesia, a
aliteração é um recurso expressivo que utiliza a repetição de
sons para exprimir sensações ou sons do meio envolvente – Ex: “um moço loiro, lento, lânguido, que se curvara em
silêncio diante dela”;
† a gradação;
† a enumeração;
† a comparação;
† a personificação.
A minha visão
“Os Maias” foi a primeira obra de Eça de Queiróz que li e devo dizer
que achei a sua leitura mais do que agradável. Com uma história
cativante, personagens ricas e brilhante conceção, esta obra mudou
radicalmente a opinião que tinha de Eça de Queiróz. Muito influenciado
pela perspectiva de quem já tinha lido, pensei que se tratava de uma obra
aborrecida e entediante mas sei agora que “Os Maias” é tudo menos isso.
A obra é interessante, o tema é muito chamativo e as personagens vão do
cómico ao dramático, passando pelo misterioso e caricato. O aspeto que
mais me agrada na obra é o facto de esta estar repleta de deliciosas e
longas descrições que me transportaram para a calçada lisboeta, para o
núcleo do quotidiano destas pessoas, numa experiência verdadeiramente
imersiva. Aprecio particularmente a capacidade e a aparente facilidade
que o autor tem de mudar a carga emocional da narrativa, havendo cenas
extremamente cómicas em oposição a cenas que me deixaram nervoso, a
querer saber o que vai acontecer. “Os Maias” , na minha opinião, merece
indubitavelmente o título de “clássico da literatura” tanto portuguesa
como mundial e de todas as obras inseridas no programa da disciplina de
Português foi a que mais gostei de ler. A única coisa que consigo apontar
de não tão bom na obra é a certa propensão para os devaneios do autor,
que por vezes se aventura pelas suas reflexões e debates interiores sobre
as diferentes escolas artísticas, assunto que não me suscita grande
curiosidade. Apesar disso, considero “Os Maias” um longo page-turner
(na sua própria maneira) que se lê de um folgo e, certamente, um livro
que irei reler no futuro porque afinal não se trata da história em si mas da
maneira como é contada e nisso a obra é praticamente irrepreensível. O
assunto (ou assuntos) da obra é o que faz dela uma obra intemporal,
aplicável aos dias de hoje e que perdurará e resistirá aos castigos do
tempo. Em resumo, uma sucessão de brilhantismo crítico, social e
introspetivo e um livro essencial que sempre recordarei como principal
incentivador da minha futura leitura de outras obras do autor.
Bibliografia
CARNEIRO, Roberto, 2004, nova activa multimédia –
Enciclopédia de Consulta – Literatura Portuguesa,
Lexicultural
FERREIRA, José Tomás, 1994, Apontamentos Europa-
América Explicam Eça de Queirós - Os Maias Nº 17, Europa-
América
SILVA, Pedro, 2012, Expressões – Português 11º ano,
Porto, Porto Editora
2013, Os Maias - Ensino Secundário, Ideias de Ler
Webgrafia
http://jbo.no.sapo.pt/eca/eca_de_queiros_bio_main.htm
http://www.e-biografias.net/eca_queiroz/
http://eca-dequeiros.blogspot.pt
http://www.feq.pt
http://portugues-fcr.blogspot.pt
http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.pt
http://www.edutotal.net
http://sentirportugus.blogspot.pt
http://danielaemarta.no.sapo.pt
http://osmaias.blogs.sapo.pt
http://modulo8linguaportuguesa.blogspot.pt
http://auladaproflis.blogspot.pt
http://portefolioportugues.blogs.sapo.pt
http://portuguesnanet.com.sapo.pt
Trabalho
realizado por Luís
Oliveira, nº 14
11ºG
Escola Secundária da Maia
Disciplina de
Português.
O Fim