trabalho infantil: os direitos que …...o trabalho infantil não é um fenômeno novo no brasil. É...

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1 TRABALHO INFANTIL: OS DIREITOS QUE PROTEGEM A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E A CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO SCHLOSSER, Barbara Caroline. 1 FAVERO, Lucas Henrique. 2 RESUMO O artigo que a seguir se apresenta discorre sobre o trabalho infantil, relacionando os direitos da criança e do adolescente às atribuições a eles aferidas, muitas vezes antes da época adequada. Evidencia-se, no presente trabalho, a importância de valorizar o acesso à educação de qualidade e em tempo integral, visto que ao mesmo pode proporcionar aos menores uma garantia de um futuro melhor e promissor. O objetivo principal do proposto é discorrer sobre os direitos da criança e do adolescente quando se trata do trabalho infantil e da garantia à educação de qualidade. Ao produzir este texto acadêmico, utilizou-se a metodologia qualitativa de pesquisa com referencial teórico, analisando teorias jurídicas, artigos, livros e excertos da internet acerca do referido tema. Contudo, é possível concluir que há várias leis no aspecto jurídico sobre o não trabalhar, porém, apesar de não adequado o trabalho infantil, há programas e projetos específicos para o jovem que deseja iniciar no mercado, como o Jovem Aprendiz, que não deixa de valorizar os estudos e contribui com a evolução psicossocial do indivíduo. PALAVRAS-CHAVE: Criança e adolescente, Trabalho infantil, Educação. 1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem a finalidade de analisar o histórico e a origem do trabalho infantil no Brasil, tendo uma abordagem mais focada nos direitos da criança e do adolescente, bem como, os limites de proteção contra a exploração do trabalho infantil. Todos sabem que em nosso país, observa-se que há muito tempo existe tal exploração. Conforme dados da PNAD/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2008), “aproximadamente 4,8 milhões de crianças e adolescentes, com idade entre 5 e 17 anos, estão trabalhando”. (WRUBLEVSKI; VENDRAMINI; 2009, p. 14). É de conhecimento de todos que nos dias atuais vem prevalecendo a tendência da diminuição da exploração infantil. Contudo, o acesso a uma educação integral e de qualidade para todas as crianças e adolescentes pode contribuir para a diminuição desta exploração. 1 Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Assis Gurgacz. E-mail:[email protected] 2 Especialista em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Tributário pela Faculdade Damázio de Jesus. Professor orientador. E-mail:[email protected]

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TRABALHO INFANTIL: OS DIREITOS QUE PROTEGEM A CRIAN ÇA E O ADOLESCENTE E A CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO

SCHLOSSER, Barbara Caroline.1

FAVERO, Lucas Henrique.2

RESUMO O artigo que a seguir se apresenta discorre sobre o trabalho infantil, relacionando os direitos da criança e do adolescente às atribuições a eles aferidas, muitas vezes antes da época adequada. Evidencia-se, no presente trabalho, a importância de valorizar o acesso à educação de qualidade e em tempo integral, visto que ao mesmo pode proporcionar aos menores uma garantia de um futuro melhor e promissor. O objetivo principal do proposto é discorrer sobre os direitos da criança e do adolescente quando se trata do trabalho infantil e da garantia à educação de qualidade. Ao produzir este texto acadêmico, utilizou-se a metodologia qualitativa de pesquisa com referencial teórico, analisando teorias jurídicas, artigos, livros e excertos da internet acerca do referido tema. Contudo, é possível concluir que há várias leis no aspecto jurídico sobre o não trabalhar, porém, apesar de não adequado o trabalho infantil, há programas e projetos específicos para o jovem que deseja iniciar no mercado, como o Jovem Aprendiz, que não deixa de valorizar os estudos e contribui com a evolução psicossocial do indivíduo. PALAVRAS-CHAVE : Criança e adolescente, Trabalho infantil, Educação.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem a finalidade de analisar o histórico e a origem do trabalho infantil no Brasil,

tendo uma abordagem mais focada nos direitos da criança e do adolescente, bem como, os limites

de proteção contra a exploração do trabalho infantil.

Todos sabem que em nosso país, observa-se que há muito tempo existe tal exploração.

Conforme dados da PNAD/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2008),

“aproximadamente 4,8 milhões de crianças e adolescentes, com idade entre 5 e 17 anos, estão

trabalhando”. (WRUBLEVSKI; VENDRAMINI; 2009, p. 14).

É de conhecimento de todos que nos dias atuais vem prevalecendo a tendência da

diminuição da exploração infantil. Contudo, o acesso a uma educação integral e de qualidade para

todas as crianças e adolescentes pode contribuir para a diminuição desta exploração.

1Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Assis Gurgacz. E-mail:[email protected] 2Especialista em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Tributário pela Faculdade Damázio de Jesus. Professor orientador. E-mail:[email protected]

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Torna-se indiscutível que o trabalho infantil pode trazer sérias consequências para a criança

e o adolescente. Além de trocar a infância pela vida adulta, muitas vezes estes trabalhos acabam

deixando sequelas físicas e psicológicas; e abortam a possibilidade dos mesmos de se tornarem

adultos preparados para o mercado de trabalho.

De fundamental importância é a discussão do trabalho infantil para a sociedade, pois este é

um assunto pouco discutido, portanto, pouco debatido no meio jurídico. Destaca-se que essa

exploração acontece todos os dias em nossa sociedade. Muitas vezes a criança ou o adolescente vem

a trabalhar somente para o seu próprio sustento, apenas para se alimentar.

Pode se afirmar que a pobreza é a principal causa do trabalho infantil. Em tese, a criança e

o adolescente se depara com sua família passando por necessidades e sai em busca de um emprego

que possa dar algo em troca para ajudar a família. E isso acontece muito cedo, antes mesmo dessa

criança adquirir sua capacidade plena.

Por fim, demonstra a importância da educação na formação íntegra do cidadão e que ela

vem a ser o principal caminho para o fim desta exploração. Ao invés de estarem trabalhando,

crianças e adolescentes devem estar em uma sala de aula, com uma educação em tempo integral e

de qualidade. Na Modernidade não se pode mais acreditar que a única preocupação de uma criança

ou de um adolescente seja a escola, porém é a educação formal que os transformará em adultos

qualificados e então melhores preparados para inserir no mercado de trabalho.

Portanto, nesse artigo também serão apresentados quais são os direitos que protegem a

criança e o adolescente. Quais são os dispositivos legais que estão a dispor desta situação no Brasil,

por meio dos quais elas terão acesso a uma vida digna, com direitos básicos como educação, saúde,

lazer e liberdades individuais.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 HISTÓRICO DO TRABALHO INFANTIL

O histórico de exploração do trabalho infantil no Brasil inicia-se de longa época. Reporta-

nos ao período da escravidão, na qual se pode perceber o enorme abuso cometido contra crianças

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órfãs ou filhas de escravos, sendo que ambas, tendo como exemplo os escravos adultos, ficavam

submetidas ao trabalho árduo durante várias horas do dia nas grandes fazendas, sobre o domínio dos

então chamados senhores de engenho (DOURADO; FERNANDEZ, 2009).

O trabalho infantil não é um fenômeno novo no Brasil. É quase tão velho quanto a história

do país. No Brasil, é cada vez mais frequente a exploração de jovens trabalhadores, bem como a

grande omissão quanto aos direitos relacionados às crianças e aos adolescentes. Esse problema está

relacionado a falta de interesse pela formação educacional, por inúmeras crianças pobres, que

enxergam os estudos como uma atividade inoportuna, pois desde cedo trabalham para ajudar no

sustento da própria família, não tendo o direito de estudar. A causa do trabalho infantil se dá por

fatores, dentre eles encontra-se a pobreza, vindo a ser o principal motivo do trabalho infantil. Outra

causa é a falta de incentivo governamental para a educação, situação em que as famílias devem

orientar os seus filhos sobre a importância de estudar. Mas também se destaca a falta de escolas e a

baixa capacitação e remuneração dos professores (LIBERATI; DIAS, 2006).

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) apud Dourado;

Fernandez (2009), no Brasil, de cada 100 meninos e meninas de 10 a 15 anos, 11 trabalhavam em

2007. No mesmo ano, 234 mil crianças e adolescentes menores de 18 anos sustentavam a família, e

mais de 1 milhão de meninos e meninas entre 5 e 14 anos trabalhavam.

Na busca de uma reflexão que envolva a exploração do trabalho infantil, convém ressaltar

que esse tipo de atividade sempre esteve presente na sociedade. Crianças, não raro, participavam

ativamente das mais variadas funções a elas destinadas, como forma de ajudar suas famílias e a

própria comunidade em que viviam, tanto em atividades domésticas como em pequenos trabalhos

do dia-a-dia (LIBERATI; DIAS, 2006).

2.2 CONSEQUÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL PARA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

Na atualidade, a criança executa trabalhos para satisfazer a necessidades dos outros, pouco

importando quem seja aquele que se apropria do resultado deste trabalho. No caso do trabalho

infantil, decorre uma problemática específica pelo fato de as crianças estarem nele antes de terem

alcançado a sua maturidade física, cognitiva e psicológica. “Trata-se de uma forma de inserção que

se realiza às custas da destruição de sua força produtiva futura e do desenvolvimento de suas

potencialidades humanas” (WRUBLEVSKI; VENDRAMINI, 2009, p.17).

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O trabalho precoce inibe o desenvolvimento das capacidades físicas e psicológicas superiores

da criança, na medida em que é negado o tempo da brincadeira com o corpo, dos jogos e de

vivência de papéis sociais no ”faz de conta”. “Ademais, a exploração infantil no trabalho não surge

como um fenômeno isolado, mas como singularidade do contexto geral de reprodução da força de

trabalho sob a égide da produção destrutiva” (WRUBLEVSKI; VENDRAMINI, 2009, p. 20).

Liberati; Dias (2006), falam sobre o pretexto de se tentar amenizar a miséria. Milhões de

crianças são incentivadas a trabalhar desde logo cedo para ajudar no sustento dos seus, ao passo que

apenas uma pequena fração destas crianças começa a trabalhar por decisão própria.

Seguindo essa ideia, a Constituição de 1988, Artigo 227, estabeleceu um novo paradigma na

área da infância ao colocar as crianças em um patamar máximo de proteção, dispondo em seu artigo

227, deveres atribuídos à família, à sociedade e ao Estado, que visam um tratamento mais digno

para crianças e adolescentes.

Acerca da idade mínima permitida para o trabalho, a Emenda Constitucional 20 de 1998,

alterou de 14 para 16 anos a idade limite para o ingresso formal no mercado de trabalho. E no que

se refere ao aprendiz, alterou a idade de 12 para 14 anos, ficando proibido o trabalho antes dos 14.

Diante de tais palavras, chega-se a seguinte conclusão sobre a definição de trabalho infantil: é

aquele realizado por crianças e adolescentes que estão abaixo da idade mínima para entrar no

mercado de trabalho e que possam estar executando tarefas insalubres e perigosas, comprometendo,

portanto, sua integridade física, moral e psicossocial (LIBERATI; DIAS, 2006).

Neste sentido, infelizmente nos deparamos com um grande número de crianças que possui

idade inferior à permitida para o trabalho. São obrigadas a trabalhar, sendo que várias nem

atingiram sequer 10 anos de idade e executam atividades laborativas por conta própria ou não, pois,

muitas vezes, seu trabalho é associado a um outro membro da família, considerado, regularmente

como trabalhador (LIBERATI; DIAS, 2006).

Conforme as palavras do Procurador Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte, Xisto

Tiago de Medeiros Neto (2009):

A proteção trabalhista à criança e o adolescente, a Carta Magna de 1988, em sintonia com o pensamento moderno no campo da garantia dos direitos humanos fundamentais (individuais e sociais) pertinentes à criança e ao adolescente, acolhe a doutrina sócio jurídica da proteção integral, o que está expresso no artigo 227, juntamente com o artigo 3 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90): A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e

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facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimentos físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (MEDEIROS NETO, 2009, p.3).

Também se refere ao assunto com as ilustres palavras do Procurador de Justiça do Paraná

Olympio de Sá Sotto Malor Neto (2011):

É necessário implantar projetos que assegurem à nossa população infanto-juvenil a possibilidade de exercício dos direitos elementares da pessoa humana, garantindo à crianças e adolescentes brasileiros a materialização da situação jurídica de cidadania prometida na Constituição Federal, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo exigível, portanto, e com urgência, interferência positiva em relação a esta chaga social (MALOR NETO, 2011, p.1).

Por fim, resta evidenciar a necessidade de implantação de projetos em prol da criança e do

adolescente, nos quais as mesmas são possuidoras de todos os direitos inerentes à pessoa humana.

2.3 OS DIREITOS QUE PROTEGEM A CRIANÇA E O ADOLESCENTE E AS MEDIDAS

CABÍVEIS PARA O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL

A garantia dos direitos às crianças e aos adolescentes é um dos compromissos atribuídos ao

governo. Basta somente um pouco de bom senso para observar que esses direitos atribuídos a

crianças e adolescentes devem ser garantidos a todos, tanto aqueles de famílias mais privilegiadas,

quanto aos de classes menos favorecidas, mas que, nem por isso, deixam de ter direitos a

oportunidades que os preparem para uma vida digna, de forma a eliminar, assim, a enorme cobrança

de valores que a sociedade exige, justamente daqueles que não receberam nada durante a vida.

Reconstruir um novo caminho na vida de crianças e adolescentes significa, sobretudo, considerar, com seriedade, tudo aquilo que, de fato, é garantido como direito a essa parcela sensível da humanidade, cobrando do Estado e da sociedade uma nova postura acerca de tais direitos, a fim de se resgatar a dignidade do próprio ser humano. Diante de tudo, o principal desafio da sociedade é colocar, toda a teoria em prática, para erradicar o trabalho infantil (LIBERATI; DIAS, 2006, p. 32).

Depois deste relato geral sobre os direitos da criança e do adolescente, pode-se considerar,

claramente, que muito deve ser feito a fim de que, efetivamente, estes se tornem eficazes.

Expressões como “as crianças são o futuro do Brasil” estão extremamente desgastadas, pois a

realidade é que as crianças continuam a não ser prioridade no país, posto que ainda são vistas como

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verdadeiros empecilhos. Infelizmente, frases como esta surtem efeitos apenas em campanhas

eleitorais, já que a principal luta pelo cumprimento de tais direitos cabe à própria sociedade: ao se

investir na criança, se valoriza o ser humano.

O Ministério do Trabalho e Emprego confere que existem cerca de 4 milhões de jovens entre

14 e 17 anos atuando no mercado informal de trabalho ou fora do mercado. O problema é antigo.

Desde o início dos anos de 1990 já havia 4,5 milhões de desempregados no país; em 1999, eram 7,6

milhões, 51% dos quais tinham até 24 anos. Segundo Liberati; Dias (2006, p. 36) “Confere-se que,

hoje, aproximadamente 900 mil estão desempenhando trabalhos extremamente nocivos e

prejudiciais à saúde, afetando, seriamente, o desenvolvimento desses jovens cidadãos”.

Pode-se afirmar que quanto mais pobre for o adolescente, menos ele estuda, mais cedo

começa a trabalhar e menos qualificado é o posto que ocupa no mercado de trabalho. Uma amostra

do problema pode ser apresentada pela pesquisa feita pelo IBGE apud Liberati; Dias (2006), em

2001: quem estuda de 9 a 11 anos pode ganhar até 56% mais do que aqueles que estudam de 5 a 8

anos. Com pouca idade, o jovem começa a trabalhar sem nenhuma qualificação, apenas 12,1% tem

a carteira assinada e 94% não recebem capacitação profissional para as funções que exercem.

Entretanto, no ano de 2003, o IBGE divulgou uma nova pesquisa sobre o trabalho infantil no Brasil,

na qual revela que, das 5,5 milhões de crianças e adolescentes que se encontram no mercado de

trabalho, quase 300 mil tem entre 5 e 9 anos e quase 2 milhões tem entre 10 e 14 anos de idade.

Quanto a jornada de trabalho os autores de referência relatam:

Com relação a jornada de trabalho, um terço das crianças e dos adolescentes chegam a trabalhar 40 horas ou mais por semana e os estados de São Paulo, Rondônia e Mato Grosso apresentam os maiores índices de mão de obra infanto-juvenil. Do total de ocupados, 43,4% exercem atividades agrícolas; 45,2% fazem trabalhos domésticos. No que se refere à remuneração, 48,6% das crianças e dos adolescentes não recebem nada e dos que recebem, 76% ganham até um salário mínimo por mês (LIBERATI; DIAS, 2006, p. 37).

Os mesmos autores afirmam que como consequência imediata da relação entre a

criança/adolescente e o trabalho, cita-se o frequente distanciamento destas dos bancos escolares,

tendo como uma das principais causas, o cansaço após muitas horas seguidas de trabalho. Esta

ruptura de crianças e adolescentes que trabalham de forma incoerente, pode ser verificada tanto pela

evasão escolar como pela ineficiente presença dessas nas escolas, de forma que passam a frequentar

esporadicamente as aulas. A falta de motivação causada pelo cansaço faz com que o desempenho

escolar, muitas vezes, não seja satisfatório. Desta forma, esta carência de autoestima causará efeitos

permanentes na vida dessas crianças, ao construir cidadãos incapazes de lutar por seus sonhos, que

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não conhecem seus direitos e deveres. Em suma, serão profundamente lesados ao tentar expressar

qualquer forma de cidadania. (LIBERATI; DIAS, 2006).

Os mesmos autores consideram que a principal forma de erradicar o trabalho infantil é, sem

dúvida, a execução de um programa educacional que vise apoiar e a transferir todas as crianças

inseridas no mercado de trabalho para instituições educacionais devidamente qualificadas e que

possuam o poder de destinar um ensino básico e fundamental realmente produtivo, a todas as

crianças e adolescentes.

A exploração da mão de obra infanto-juvenil se caracteriza por ser um tipo de atividade que só produz vergonha e penúria para todos os cidadãos. Não pode, de forma alguma, ser observada como algo enobrecedor, pois coloca, no mercado de trabalho, crianças e jovens desqualificados e sem qualquer estrutura psíquica e física para o desempenho do trabalho (LIBERATI; DIAS, 2006, p.39).

Afazeres domésticos, como cuidar da casa ou dos irmãos, também são caracterizados como

trabalho infantil se a criança é obrigada a ter a responsabilidade de um adulto ou fica exposta a

riscos. O combate a todas as formas de trabalho infantil passa necessariamente pela educação,

direito constitucional assegurado a quem tem de 5 a 14 anos, ou seja, quanto mais acesso à

educação, menos o risco de a criança ser explorada no trabalho infantil.

Dissertando acerca do tema, a UNICEF (2009) colabora relatando que conforme os dados do

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que analisa o rendimento dos

estudantes em Matemática e Língua Portuguesa, em 2007, o desempenho dos alunos que trabalham

foi, em média, 10% inferior ao daqueles que se dedicam apenas à escola. Na idade adulta, vítimas

do trabalho infantil muitas vezes não tem qualificação suficiente e, por isso, são excluídas do

mercado, vivem de “bicos”. Assim, “a pobreza continua sendo uma das causas do trabalho infantil”

(UNICEF, 2009, p. 2).

O Ministério da Educação (MEC) possui um projeto específico para combater as formas de

violência contra crianças e adolescentes, entre elas, o trabalho infantil: A escola que protege3. Para

o programa, o foco é a produção de material didático e a formação dos professores para que eles

possam identificar os casos de violência contra meninos e meninas. A partir do curso, os

professores passam a prestar mais atenção para os sinais que as crianças apresentam na escola.

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O projeto Escola que Protege (Eqp) é voltado para a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, além do enfrentamento e prevenção das violências no contexto escolar. A principal estratégia da ação é o financiamento de projetos de formação continuada de profissionais da educação da rede pública de educação básica, além da produção de materiais didáticos e paradidáticos nos temas do projeto (Ministério da Educação).

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Programas como este, contribuem muito para a sociedade educadora, pois além de identificar,

os educadores aprendem o que fazer no caso de violação dos direitos das crianças. O Governo

Federal, por meio do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), paga uma bolsa mensal

às famílias de crianças e adolescentes com menos de 16 anos de idade, envolvidos com o trabalho

antes do tempo. Para ter direito ao benefício, as famílias devem garantir que os meninos e meninas

deixem o trabalho, frequentem a escola e participem de atividades no turno contrário ao da sala de

aula. Atualmente, cerca de 3.500 municípios e quase 900 mil crianças e adolescentes são atendidos

pelo PETI (UNICEF, 2009).

É preciso destacar que, além do direito constitucional, o qual crianças e adolescentes têm de

frequentar à escola, a sociedade brasileira precisa compreender que o trabalho infantil não apenas

tira a infância, mas priva, de meninos e meninas, a oportunidade, através da educação, de sair da

pobreza em que nasceram. Portanto, deve haver uma conscientização por parte da população

(UNICEF, 2009).

A Constituição Federal Brasileira de 1988 decide que haja prioridade absoluta na proteção da

infância e na garantia dos direitos, tanto por parte do Estado, quanto por parte da família e da

sociedade. Em seu artigo 7, inciso XXXIII, determina a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou

insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos”. Também

nesse caso, a lei mais importante para a proteção é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

Lei 8.069 de 1990, que é considerado um marco na proteção da infância. Por fim, ainda servindo de

proteção à criança e o adolescente, tem-se a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) que também

defende que o trabalho não deve ser iniciado antes dos dezesseis anos de idade, somente na forma

de aprendiz.

O Programa de Combate ao Trabalho Infantil justifica-se pela necessidade de coordenação

nacional e articulada das ações e dos projetos nessa área, notadamente com vistas a contribuir para a

erradicação do trabalho infantil, nos termos de compromisso internacional assumido pelo Estado

brasileiro, bem como à disseminação dos valores intrínsecos à garantia de profissionalização do

adolescente. Portanto, o principal objetivo do programa é o de ampliar o vínculo institucional da

Justiça do Trabalho do País com este compromisso, que já é de muitas organizações públicas e

privadas, e mesmo internacionais. Em suas ações, a Justiça do Trabalho está:

a) informando e conscientizando magistrados, servidores, advogados e jurisdicionados sobre a situação do trabalho infantil no país e no mundo, estimulando a adoção de práticas

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cotidianas, nas atuações profissionais e cidadãs, que visem à denúncia, o combate e a eliminação do problema; b) capacitando magistrados e servidores da Justiça do Trabalho a fim de favorecer a sua atuação, como profissionais e cidadãos, no combate a erradicação do trabalho infantil; c) acompanhando e contribuindo para o aperfeiçoamento da legislação e normativos nacionais e internacionais sobre trabalho infantil; e, d) fortalecendo parcerias institucionais e com organizações da sociedade civil que possibilitem a capacitação e ações conjuntas para o combate ao trabalho infantil (JUSTIÇA DO TRABALHO).

Foram ainda estabelecidas diversas iniciativas ou metas relacionadas à sociedade, aos

magistrados e às parcerias com outras organizações envolvidas. Enfim, há um vasto campo de

atuação e que envolve particularmente a Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil na Justiça

do Trabalho4.

Por fim, considera-se que o trabalho infantil não é um problema somente das escolas e sim um

problema da sociedade, a qual deve se conscientizar de que com a contribuição de cada um, pode-se

amenizar esta exploração do trabalho infantil, de forma que as crianças e adolescentes ocupem seus

lugares, que é sentado em uma cadeira na sala de aula e não em trabalhos árduos, vindo a perder a

melhor fase da vida, que é a de ser criança.

2.4 A LEI DA APRENDIZAGEM NA INTERPRETAÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO

TRABALHO

A Lei 10.097/2000, conhecida como Lei da Aprendizagem, tornou-se o principal marco

legislativo sobre o tema após a previsão contida no artigo 7º, XXXIII da Constituição Federal, que

“proíbe o trabalho de crianças e adolescentes em idade inferior a 16 anos, exceto na condição de

aprendiz, a partir dos 14 anos” (MARTINS; MELO, 2016, p. 91).

Nesta perspectiva, o contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho especial, com prazo

máximo de dois anos, realizado com jovens de idade entre 14 a 24 anos, inscritos em programas de

aprendizagem, sob orientação de entidade qualificada, em que o empregador se compromete a

4 Coordenada pelo ministro Lelio Bentes Corrêa, a Comissão foi instituída por ato conjunto do TST e do CSJT nº

21/2012. O objetivo é desenvolver ações, projetos e medidas em prol da erradicação do trabalho infantil no Brasil e da proteção ao trabalho do adolescente. Ela tem como parâmetro o dever institucional e a responsabilidade social da Justiça do Trabalho de atuar ativamente na implementação de políticas pela erradicação do trabalho Infantil (TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO).

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assegurar formação técnico-profissional, o que implica em método que combine teoria e prática,

garantida a compatibilidade com o desenvolvimento físico, moral e psicológico, nos termos do

artigo 428 da CLT. O contrato é por prazo determinado e deve preencher certas características, tais

como, ser ajustado por escrito, com anotações na CTPS, matrícula e frequência do aprendiz na

escola (salvo se concluído o ensino médio), garantia do salário mínimo-hora ou outra condição mais

favorável (MARTINS; MELO, 2016).

Na mesma teoria, é possível descrever que quando se refere as principais características do

contrato de trabalho de aprendizagem, existem circunstâncias que precisam ser observadas, sob

pena de nulidade do contrato, uma vez que não se trata de um texto objetivo, mas sim a mera

prestação de serviços mediante a contraprestação remuneratória. Esse contrato tem como elemento

fundamental a aprendizagem com conteúdo teórico e prático; método, clareza e acompanhamento,

vinculado ao curso profissionalizante realizado pelo aprendiz em instituição direcionada para esse

fim. Logo, não é qualquer trabalho que demanda qualificação e formação, assim como, nem toda

relação de trabalho com jovens será configurada como contrato de aprendizagem (MARTINS;

MELO, 2016).

Seria ideal que existissem escolas em tempo integral e de qualidade para todos. Diante da ausência dessa realidade fática, o contrato de aprendizagem apresenta-se como uma ponte para que o jovem possa trabalhar, no período em que não esteja estudando, de forma protegida e de modo a acentuar, incisivamente, a sua educação. Em outras palavras, o trabalho também se torna uma fonte de aprendizado segura e supervisionada. Servindo, além disso, de meio de suplementação de renda familiar. Este trabalho, no entanto, deve estar voltado à formação profissional, sendo esta a prioridade (MARTINS; MELO, 2016, p.99).

A aprendizagem é um instituto que cria oportunidades tanto para o aprendiz quanto para as

empresas, pois oferece preparação ao iniciante para desempenhar atividades profissionais e de ter

capacidade de discernimento para lidar com diferentes situações no mundo do trabalho.

Por conseguinte, na ótica da Justiça do Trabalho apud Martins; Melo (2016, p.33), “a

aprendizagem a partir dos 14 anos de idade, com todos os direitos trabalhistas assegurados, e com a

prevalência do aspecto educacional e de formação profissional que a Lei de Aprendizagem atribui a

essa atividade, é fundamental para essa transição de uma infância protegida para uma vida adulta

produtiva”.

Ao mesmo tempo, Martins; Melo (2016) conclui que este vínculo permite às empresas

formarem uma mão de obra qualificada, algo cada vez mais necessário em um cenário econômico

em permanente evolução tecnológica. Por isso, deve ser enfatizado às empresas para que façam a

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contratação da forma correta e segura, segundo as normas aplicáveis no momento, até porque se

trata de um contrato de trabalho que tem contornos especiais, que tem prazo determinado, mas,

distingue-se dos demais contratos de trabalho especialmente pela sua natureza formativa-

educacional voltada para a qualificação profissional, compatível com o desenvolvimento físico,

moral e psicológico da criança e do adolescente.

2.4.1 Contrato especial de trabalho

É importante ressaltar que o aprendiz é um empregado. Portanto, trata-se de realizar um

contrato de trabalho que tem detalhes especiais: prazo determinado de no máximo dois anos, cuja

finalidade principal é de assegurar ao aprendiz formação técnico-profissional; distingue-se dos

demais contratos de trabalho, especialmente pela sua natureza formativa-educacional voltada para a

qualificação profissional, mas, por outro lado, tem como pressuposto de validade, inclusive, a

anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (MARTINS; MELO, 2016).

Esta aprendizagem no mercado pode começar aos 14 anos de idade. É uma exceção à regra

geral, que permite o trabalho apenas a partir dos 16 anos. A idade máxima é de 24 anos para o

regime de aprendiz, mas, em caso de ser uma pessoa com alguma necessidade especial, esse limite

poderá ser ultrapassado, assim como a duração de dois anos.

O aprendiz não tem direito a salário igual ao salário dos demais trabalhadores. Está

assegurado o salário mínimo-hora ao aprendiz, seja ele adolescente ou jovem. Não haverá direito a

receber mais. Já os aprendizes que não completaram o Ensino Fundamental, têm jornada diária de

trabalho limitada a seis horas, sendo proibidas as prorrogações e compensação de horários. Se já

completado o Ensino Fundamental, o limite diário é de oito horas.

2.4.2 Necessidade de frequentar a escola

Em 2016 (p.34), Martins; Melo conceitua que “se o aprendiz, independentemente da idade,

não tiver concluído o Ensino Médio, precisa matricular-se e frequentar a escola para que essa

modalidade especial de contratação seja válida”. Então, a qualificação do aprendiz não se dá apenas

pelo trabalho, há, portanto, a necessidade de inscrição do aprendiz em programas de aprendizagem

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com conteúdo pedagógico desenvolvido sob orientação de uma entidade qualificada, unindo teoria e

prática.

2.4.3 Cotas de contratação de aprendizes

Todas as empresas são obrigadas, por lei, a contratar como aprendizes, 5% dos trabalhadores

existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional, nunca

excedendo a 15%. Estão dispensadas da contratação de aprendizes as microempresas e as empresas

de pequeno porte (Lei 9.841/1999). O artigo 429 da CLT excepciona, ainda, da limitação nele

fixada, as entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional

(MARTINS; MELO, 2016).

2.4.4 Outros direitos do aprendiz

A lei prevê que o FGTS do aprendiz não é igual ao dos demais trabalhadores, e sim de 2%.

Para Martins; Melo (2016), isso se explica em razão da natureza especial dos termos do contrato. Se

o aprendiz for adolescente, como qualquer trabalhador que ainda não completou dezoito anos, terá

direito de coincidir as férias no trabalho com um dos períodos das férias escolares, conforme o

artigo 136, parágrafo 2ª da CLT.

Também, o aprendiz tem direito ao vale-transporte e o benefício deve compreender os trajetos

necessários ao deslocamento, não apenas entre a residência e a empresa, como também o da

instituição onde cursa o programa de aprendizagem, já que o contrato de aprendizagem engloba,

também, as horas que passa na instituição.

2.4.5 Hipóteses de rompimento de contrato do aprendiz

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Para Martins; Melo (2016, p.35), “tem se entendido que em razão do caráter educacional da

aprendizagem, o aprendiz tem garantia de emprego”. Por isso, a lei prevê hipóteses de rompimento

do contrato apenas nos seguintes casos:

a) no prazo inicialmente ajustado;

b) quando o aprendiz completar 24 anos (exceto se pessoa com deficiência);

c) por desempenho insuficiente ou inadaptação;

d) falta disciplinar grave (justa causa);

e) ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo (se não houver completado o

ensino médio);

f) a pedido do aprendiz.

2.4.5 Vantagens para o empregador do aprendiz

O empregador do aprendiz tem vantagens. Em primeiro lugar, proporciona uma aprendizagem

verdadeira, neste sentido, contribuirá com a qualificação de jovens e adolescentes, agindo com

responsabilidade e no cumprimento da função social da empresa. Contudo, poderá, mantendo os

melhores aprendizes como empregados depois do término do programa, qualificar melhor o quadro

de pessoal. Além do mais, o contrato de aprendizagem tem menor custo do que o comum. Embora o

propósito não seja barateamento puro e simples, já que a alíquota do FGTS é menor (MARTINS;

MELO, 2016).

2.5 O TRABALHO INFANTIL E A COMPETÊNCIA TRABALHISTA

A Justiça do Trabalho é um dos ramos especializados do Poder Judiciário e que, desde a sua

criação, sofreu profundas modificações estruturais e de conteúdo. Segundo teorias de Martins; Melo

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(2016), foi criada como um dos instrumentos de concertação política, assumiu vários papéis

constitucionais ao longo de sua história, até se firmar, sobretudo na primeira década do século XXI,

como um dos principais mecanismos de garantia civilizatória dos trabalhadores.

Paula (2002, p.127) apresenta que “a Constituição de 1988 assimilou um princípio já consagrado

internacionalmente no que diz respeito ao tratamento das crianças e dos adolescentes, nominado

Princípio da Proteção Integral”,

o qual se constitui em expressão designativa de um sistema no qual crianças e adolescentes figuram como titulares de interesses subordinantes frente à família, à sociedade e ao Estado. Essa assimilação é justificada, pois estas instituições não raras vezes, a pretexto de protegê-los, negam seus interesses, entre os quais os mais básicos. Integral, portanto, no sentido de totalidade de suas relações interpessoais, sem qualquer tipo de exclusão (PAULA, 2002, p.127).

Dessa maneira, o texto constitucional assegura às crianças e aos adolescentes a condição de

plenitude da cidadania, qualificando-os como sujeitos de direitos que devem lhes ser garantidos

pelo Estado, pela família e pela sociedade, por meio de todos os instrumentos disponíveis para

tanto. Nesse passo, além de estabelecer o âmbito de abrangência da proteção especial enunciada

(incisos do parágrafo 3 do artigo 227), a Constituição é eloquente ao assinalar a proibição do

trabalho infantil antes dos dezesseis anos, exceto na condição de aprendiz, que pode ser executado a

partir dos 14 anos (artigo 7º XXXIII). Na mesma linha, a Lei n 8.069/1990 (Estatuto da Criança e

do Adolescente) explicita a proibição do trabalho em determinadas faixas etárias, de maneira

consoante com a Constituição, assim como o artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho

(PAULA, 2002).

Cogitando-se todos os dispositivos legais que tratam da matéria, pode-se afirmar com segurança

que, no sistema normativo brasileiro, só se permite o trabalho ao adolescente com dezesseis anos

completos, com as seguintes exceções:

a) trabalho do aprendiz, a partir dos quatorze anos;

b) trabalho artístico, independentemente do limite etário, mas devidamente autorizado pelo

judiciário (artigos 406 da CLT e 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

2.6 RESPONSABILIDADES DO EMPREGADOR PELA CONTRATAÇÃO DE MÃO DE OBRA

INFANTIL

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Evidentemente que além de todas as formas de prevenção e de combate ao trabalho infantil, há

uma severa punição pecuniária ao empregador que contrata crianças e adolescentes de forma

irregular que pode ser capaz de minimizar este problema. Destaca-se que o combate ao trabalho

infantil precisa levar em consideração não só aquele que contrata crianças e adolescentes, mas toda

a cadeia produtiva envolvida, de maneira a responsabilizar igualmente, não apenas o pequeno

empregador direto, mas também a grande organização empresarial que se beneficia pelo produto

fabricado pela criança ou adolescente (MARTINS; MELO, 2016).

O fato é que “as empresas devem, cada vez mais, se preocupar com as repercussões causadas

pela contratação de crianças, vez que essa prática pode trazer consequências que lhes prejudiquem a

imagem e a marca” (MARTINS; MELO, 2016, p.142).

É relevante, neste contexto, o papel dos sindicatos, principalmente os de categoria profissional,

que podem inserir cláusulas em normas coletivas de trabalho, prevendo a impossibilidade de

contratação de crianças e adolescentes em toda cadeia produtiva e suas consequências para o

empregador (como pagamento de indenização e apuração interna, sem necessidade do processo

judicial, que fica como última alternativa) (MARTINS; MELO, 2016).

Para o mesmo autor, mostra-se também relevante, neste ponto, o papel do Ministério Público

do Trabalho que pode, através de Termos de Ajuste de Conduta e de Ações Civis Públicas, obrigar

as empresas a adotar medidas que eliminem situações de contratação de crianças e adolescentes em

toda cadeia produtiva, além de punir as empresas que fazem esse tipo de contratação com o

pagamento de uma indenização pelo dano moral coletivo. Conclui-se que, a empresa que contrata

criança ou adolescente para trabalhar em sua linha produtiva, deve ser responsabilizada

objetivamente pelo pagamento de indenização por dano moral coletivo.

2.7 O TRABALHO INFANTIL SOB A PERSPECTIVA DAS DOENÇAS E ACIDENTES DO

TRABALHO

O Ministério do Trabalho editou uma cartilha intitulada “Saiba tudo sobre o trabalho

infantil”, em que elenca as razões pelas quais condena o trabalho infantil:

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(1) crianças ainda não tem seus ossos e músculos completamente desenvolvidos. Correm maior risco de sofrer deformações nos ossos, cansaço muscular e prejuízos ao crescimento e ao desenvolvimento, dependendo do ambiente e condições de trabalho a que forem submetidas; (2) a ventilação pulmonar (entrada e saída de ar dos pulmões) é reduzida; por isso, crianças tem maior freqüência respiratória, o que provoca maior absorção de substâncias tóxicas e maior desgaste do que nos adultos, podendo, inclusive, levar a morte; (3) crianças têm maior freqüência cardíaca que os adultos para o mesmo esforço (o coração bate mais rápido para bombear o sangue para o corpo) e, por isso, ficam mais cansados do que eles, ainda que exercendo a mesma atividade; (4) a exposição das crianças às pressões do mundo do trabalho pode provocar diversos sintomas, como por exemplo, dores de cabeça, insônias, tonteiras, irritabilidade, dificuldade de concentração e memorização, taquicardia e, consequentemente, baixo rendimento escolar. Isso ocorre mais facilmente nas crianças porque o seu sistema nervoso não está totalmente desenvolvido. Além disso, essas pressões podem causar diversos problemas psicológicos, tais como medo, tristeza e insegurança; (5) crianças tem fígado, baço, rins, estômago e intestinos em desenvolvimento, o que provoca maio contaminação pela absorção de substâncias tóxicas; (6) o corpo das crianças produz mais calor que o dos adultos quando submetidos a trabalhos pesados, o que pode causar, dentre outras coisas, desidratação e maior cansaço; (7) crianças tem a pele menos desenvolvida, sendo mais vulneráveis que os adultos aos efeitos dos agentes físicos, mecânicos, químicos e biológicos; (8) crianças possuem visão periférica menor que a do adulto, tendo menos percepção do que acontece ao seu redor. Além disso, os instrumentos de trabalho e os equipamentos de proteção não foram feitos para o tamanho de uma criança. Por tudo isso, ficam mais sujeitos a sofrer acidentes de trabalho; (9) crianças tem maior sensibilidade aos ruídos que os adultos, o que pode provocar perdas auditivas mais intensas e rápidas; (10) o trabalho infantil prova uma tríplice exclusão: na infância, quando a criança perde a oportunidade de brincar, estudar e aprender; na idade adulta, quando perde oportunidades de trabalho por falta de qualificação profissional; na velhice, pela conseqüente falta de condições dignas de sobrevivência (MARTINS; MELO, 2016, p.165).

Além disso, o autor que foi usado como referência, cita que as Normas Regulamentadoras do

Ministério do Trabalho preveem que os riscos ocupacionais podem ter origem em agentes físicos,

agentes químicos, agentes ergonômicos, agentes mecânicos, agentes biológicos e agentes

psicossociais.

Segundo relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) apud Melo (2016),

publicado em 2013, 2,34 milhões de pessoas morrem todos os anos vítimas de acidentes e doenças

relacionadas ao trabalho. Além disso, estima-se que a cada acidente fatal, existam de 500 a 2000

acidentes.

Os acidentes de trabalho registrados com crianças e adolescentes ocorrem de todas as formas,

lesões, mutilações, esmagamentos de membros e mortes. São os reflexos do descumprimento da

legislação, seja da observância da idade mínima, seja das atividades proibidas ou ainda, das

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incorreções nas questões ambientais e organizacionais, ainda resistente em implantar a cultura da

segurança tão propalada.

Dados do Ministério da Saúde, registrados por cento e noventa (190) Centros de Referência de

Saúde do Trabalho (Cerests) em todo o território nacional, integrados ao Sistema Nacional de

Agravos de Notificação, apontam que o nível de acidentalidade no trabalho entre crianças e

adolescentes é duas vezes superior ao de adultos. As 3.517 (três mil, quinhentas e dezessete)

Unidades Sentinelas daquele ministério registraram, entre 2006 e 2011, 5.553 (cinco mil,

quinhentos e cinquenta e três) casos de acidentes graves envolvendo crianças e adolescentes, dos

quais 4.366 (quatro mil, trezentos e sessenta e seis) casos ocorreram com meninos. No período

monitorado, o país registrou uma média de 2,99 acidentes graves envolvendo crianças e

adolescentes por dia. A situação, porém, é ainda mais grave, diante da realidade da subnotificação

de acidentes de trabalho (MEDEIROS NETO, 2005).

Acidentes no local de trabalho vitimaram 8.179 (oito mil, cento e setenta e nove) crianças e

adolescentes de 10 a 17 anos no estado de São Paulo entre 2006 e 2013. Do total de ocorrências, 28

(vinte e oito) levaram a óbitos e 3 (três) a transtornos mentais, segundo dados da Secretaria Estadual

de Saúde. Logo, São Paulo é o estado que apresenta o maior número de acidentes notificados com

crianças e adolescentes (MARTINS; MELO, 2016).

Portanto, é preciso sempre levar em consideração os processos jurídicos acerca do

tema e ressaltar a importância de evitar o trabalho infantil, para que assim, valoriza-se a educação

em tempo integral e de qualidade.

3. METODOLOGIA

A presente pesquisa consiste em abranger brevemente sobre o trabalho infantil de forma

clara e didática. Foi utilizado pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico no qual buscou-se fazer

uma pesquisa através de livros, disposições legais, artigos científicos entre outros. Os dados da

presente pesquisa foram pesquisados em doutrinas, artigos e disposições legais para dar mais

credibilidade na pesquisa.

A metodologia usada no trabalho se destina a apoiar o conteúdo programático no qual foi

pesquisado, explicando ponto a ponto do que foi abordado. Procurando sintetizar o vasto material

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bibliográfico sobre o tema, objetivando tonar o assunto atraente e compreensível para facilitar o

perfeito entendimento sobre o trabalho infantil.

4. ANÁLISES E DISCUSSÕES

Diante de todos os fatos já mencionados nesse artigo, não resta dúvidas de que o trabalho

infantil gera sérios problemas para a criança e o adolescente, seja problemas relacionados a saúde,

psicológicos, entre outros.

Uma breve análise é de que a criança e o adolescente devem ser encontrados em sala de aula,

e não trabalhando, vindo a deixar de lado sua vida de criança antes do tempo para ser inserida no

mercado de trabalho, sem antes mesmo se quer estar preparada para tal emprego.

Por fim, deve haver a consciência de que crianças e adolescentes não podem trabalhar, e que o

mais importante nessa fase de suas vidas é a educação. Deve haver uma conscientização da

sociedade, do Estado, e das famílias, para que o trabalho infantil venha a ser erradicado em nosso

país.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir este artigo científico, é possível afirmar que o trabalho infantil não pode, em

hipótese nenhuma, suprir a educação formal oferecida às crianças e adolescentes nas escolas

públicas e privadas.

A educação ainda é uma das únicas formas de garantir, mesmo que de forma às vezes,

superficial, uma formação digna, de qualidade e de conteúdos técnicos-científicos procedentes à

formação do ser humano, como um todo. Logo, destaca-se a necessidade de promover a educação

em tempo integral e de qualidade, subsidiando a formação dos educadores e conscientizando os pais

e responsáveis da importância de valorizar a educação formal e de manter os filhos nas escolas.

Neste sentido, entende-se que quando a criança ou adolescente entra no mercado de

trabalho, o mesmo pode vir a se desmotivar dos estudos, sentindo-se cansado e desmotivado para

estudar. Até porque faltará tempo para o mesmo para se dedicar aos estudos.

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A metodologia aplicada foi a exploratória descritiva qualitativa, de cunho bibliográfico,

analisando teorias de renomados autores acerca da legislação sobre o trabalho infantil.

Pode-se então afirmar, com base nas análises realizadas, que muitas são as leis e programas

que têm como objetivo combater o trabalho infantil, principalmente o exploratório e com

remuneração inadequada, inclusive os que não seguem as normativas da CLT.

Portanto, fica evidente que a criança e o adolescente não devem se antecipar para ingressar no

mercado de trabalho de forma irregular, mas sim, com a idade mínima, buscar atividades que estiverem

dentro da lei e que não prejudiquem os seus estudos. Pelo contrário, que enfatizem a necessidade de

frequência e boas notas, para assim, contemplar toda a formação formal do cidadão.

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