trabalho fonética e fonologia do português

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1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS DISCIPLINA: FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS PROF. DR. MARIO EDUARDO VIARO TRANSCRIÇÃO E ANÁLISE FONÉTICA DE UM REFUGIADO SÍRIO RESIDENTE EM SÃO PAULO Alex Andrade de Paula e Silva - Nº USP: 8973891 Débora Viana de Alencar – Nº USP: 8974471 Gabriel de Almeida Brum – Nº USP: 8972927 Karina Rigote – Nº USP: 8976261 São Paulo Junho – 2015

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Transcrição fonética de um falante sírio.

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS

    DISCIPLINA: FONTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUS PROF. DR. MARIO EDUARDO VIARO

    TRANSCRIO E ANLISE FONTICA DE UM REFUGIADO SRIO RESIDENTE EM SO PAULO

    Alex Andrade de Paula e Silva - N USP: 8973891 Dbora Viana de Alencar N USP: 8974471 Gabriel de Almeida Brum N USP: 8972927

    Karina Rigote N USP: 8976261

    So Paulo Junho 2015

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    1. Introduo:

    Em maro de 2015 a guerra civil na Sria completou 4 anos com aproximadamente 215 mil mortos e sem qualquer perspectiva de encerramento. Desde o incio do conflito, em 2011, o Brasil, signatrio desde 1951 de tratados internacionais que reconhecem o direito ao refgio, alm de possuir sua prpria lei (n 9.474/97), tornou-se uma rota de fuga para os srios que tentam fugir do pas. Com o agravamento do conflito em 2013, o Comit Nacional para os Refugiados (CONARE) iniciou um processo de desburocratizao na emisso de vistos de cidados srios com extenso a outros estrangeiros afetados pelas guerras. Como consequncia, em 2014, o nmero de solicitaes de vistos de srios cresceu 9.000%, segundo dados da Acnur Brasil (Acnur, s/d). Somado aos refugiados srios que j viviam no Brasil desde o incio da guerra, o grupo chegou, no final de outubro de 2014, a 1.600 cidados. Este aumento possibilitou que os srios se tornassem o maior contingente de refugiados no Brasil, seguido de colombianos, angolanos, congoleses, libaneses, liberianos, palestinos, iraquianos, bolivianos e serra-leonenses (Acnur, s/d). O objetivo deste trabalho consiste em realizar uma transcrio fontica do trecho de uma entrevista concedida por um informante srio e, posteriormente, proceder anlise de alguns dados fonticos nela presentes. O trecho dessa entrevista ser extrado de uma gravao semi-espontnea a partir de uma conversa informal com TA 42 (H), que est no Brasil h um ano e meio e no teve contato com o portugus brasileiro antes de chegar ao pas. Consideramos TA 42 (H) um prototpico refugiado srio no Brasil e, por esta razo, acreditamos que a partir da anlise de suas realizaes fonticas poderemos fazer algumas generalizaes, j que a vinda e permanncia dos srios possuem caractersticas comuns que os aproximam. Entre elas, destacamos: local onde vivem, contato lingustico e uma forte ligao com a religio islmica.

    Quando chegam a So Paulo, os refugiados srios j possuem uma rede de proteo, por enquanto eficiente, que possibilita um reincio da vida com uma infraestrutura mnima e bem melhor do que aquela encontrada por refugiados e imigrantes de outras nacionalidades. Esta rede de proteo e acolhimento est centralizada no contato entre os refugiados e a comunidade muulmana da cidade, que os ajuda desde a recepo no aeroporto de Guarulhos, hospedagem momentnea em hotis ou na residncia de

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    membros do grupo religioso, contatos com imobilirias para locao de casas e apartamentos sem a necessidade de apresentao de documentao, e o oferecimento de cursos de portugus, em parceria com ONGs e grupos de voluntrios, nas mesquitas da cidade. O informante TA 42 (M), por exemplo, comeou a estudar portugus na Mesquita do Pari. Em So Paulo, em razo de duas das maiores mesquitas da cidade serem localizadas no bairro do Brs (Mesquita do Brs e Mesquita do Pari), a concentrao de refugiados neste bairro grande. Somado ao domnio parcial do portugus brasileiro e de algumas restries religiosas e culturais, o contato dos refugiados com falantes do portugus brasileiro acontece quase exclusivamente nas relaes de trabalho, pois a comunicao no ambiente religioso e inserido na famlia acontece em rabe. Alm disso, desde o final do sculo 19, a comunidade rabe (libaneses e srios) ocupou uma parte significativa do centro de So Paulo, primeiro na regio da rua 25 de maro e, depois, o Brs e outros bairros como Paraso e Vila Mariana. Vivendo numa regio comum, essa comunidade dedicou-se venda de tecidos e armarinhos. Curiosamente, alguns dos refugiados srios ao chegarem a So Paulo tm no comrcio de vendas de roupas sua primeira opo de emancipao, no entanto, possivelmente em razo do grau mais elevado de estudos (muitos possuem formao universitria) em comparao com os imigrantes rabes no final do sculo 19, alguns desses refugiados abandonam o comrcio para se dedicarem a outras funes, como a de professores de lnguas estrangeiras, vendedores de comidas tpicas, e com sorte conseguem trabalho na sua rea de formao. Este foi o trajeto de TA 42 (H), nosso informante, que hoje vende comidas tpicas da Sria, aps ter iniciado sua vida profissional no Brasil primeiro como vendedor de roupas numa pequena loja no bairro do Brs e depois como engenheiro mecnico na empresa IBM, trabalho que abandonou em razo da necessidade de acompanhar sua esposa aps o nascimento de sua filha.

    2. Identificao do corpus e contextualizao da entrevista:

    O corpus utilizado neste trabalho foi extrado de um registro de vinte minutos de gravao a partir de uma entrevista com um refugiado srio de quarenta e dois anos, que reside h um ano e meio no bairro do Brs, na cidade de So Paulo, com sua esposa e

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    trs filhos. O informante no possua qualquer conhecimento de portugus brasileiro antes de sua chegada ao Brasil e tem o ingls como sua lngua (certificado IELTS). TA 42 (H) informou que morou algum tempo no Lbano, mas no conseguiu se adaptar ao pas. De l, veio para o Brasil. Conhece diversos pases da Europa, tem parentes nos Estados Unidos, o que o ajuda a manter a fluncia no ingls, j visitou o Canad, no entanto, todas essas viagens foram apenas como turista. Chegamos ao informante por meio de um dos diretores do Instituto de Reintegrao do Refugiado (ADUS), que intermediou a aproximao para a realizao da gravao. O diretor do instituto sugeriu TA 42 (H) em razo do nvel de domnio do portugus brasileiro, alm do fato do informante ter uma personalidade extrovertida e nenhum constrangimento para conversar com falantes nativos.

    Apresentamos a proposta do trabalho, numa conversa inicial de cerca de trinta minutos, como um projeto que coletava histrias dos novos imigrantes e refugiados da cidade de So Paulo. Estas histrias ficariam arquivadas na Universidade de So Paulo e no seriam comercializadas nem disponibilizadas para o pblico. At o momento no qual o informante no nos deu autorizao, o gravador ficou sobre a mesa com as pilhas fora do aparelho. O mtodo que adotamos surtiu efeito, pois quando iniciamos a gravao o entrevistado estrava tranquilo e sem qualquer receio de contar a histria da sua vida, o que nos permitiu iniciar a anlise j a partir do primeiro minuto de gravao. Toda a famlia estava no apartamento no momento da gravao, no entanto, poucas intervenes ou participaes foram feitas pelos membros da famlia. Quando teve dvidas sobre alguma informao, o entrevistado fez perguntas em rabe para sua esposa, que as respondeu em rabe tambm. Alm dos membros da famlia, havia uma outra pessoa no apartamento durante a gravao. Trata-se de uma refugiada colombiana, que os ajuda na confeco de doces e salgados. Em nenhum momento houve qualquer interveno ou participao desta pessoa na entrevista. A transcrio fontica (ampla, com iodes e vaus, sem pontuao nem maiscula) e ortogrfica (padro entrevista) teve incio aos 0:37 e foi at 5:51.

    3. Transcrio fontica:

    [taw a mas vose kr s mi bofisaw na sii boke iskori bra iskori a iskoli baziw komo egej aki e depojs aki no baziw serto itaw bra 'm

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    ew sow talaw atinj ew tniw kwat e dos nos ew so denjeu mekniku ew estudej na sija ew akabej estudar mekniku denjeru denjeru mekniku a u n miw novt sain sain nvectos secta miw novent no novestos novt nvi ew traba ew teve iskitaiw a iskitiw na sija pra istuda dzajn i ota kojz bra denjero o a ew teve tb a tes lodas ba bra vde rop ba krisa ba aduda dinjero tendew mas i ne dos miw zi no henidai adivinokoae nn dos miw doze ew sai da sij a libann ew fikej no libann na des meses ew tabalej nu libann mujtas kojsas n denjeo boke ew fike na no libann bra a ba sai a ota a otro pajs boke ew n goste di libann n t boblema mujto kao ew n gosto ta b n ew vo basa a a otro baados borke iw ku sai iw kru viadar orob amik kanad bra m tudu igwaw mas iew kro dea libann e sija vose sabe sija agor t geh bo iso iew kro sai libann o sija e depojs ao novi meses ew fae k uma baado di baziw s aga brazil t bogrm ba sirios voce bodi tra no baziw s dokumto s a visto ba tia visto n presiz dokumto igwaw otos pais besiza a kta dibko besiza amujtos dokumtos tdi mas baziw n besiz s basabti tdew taw i depojs des des dias ao ew teve a a visto tuista n a visto refudiado a visto tuista t ew entrej aki braziw de tuista e dipojs ew tevi a a visto ew falej k um peso na no baado du baziw l libanez mas ago l bazile boke la tabalj na baado taw istdero n se sobe braziw adi vo dipojs si vose a ba vose milj vose vaj a bimeo a s pawlu borke s pawlu t dinero s pawlu tna ekonomja foti s pawlu tna mujtos arabes ba adud boke vose n fal potuges e gles la no baziw n todumdu fal gles taw vose pesiz uma pesoa aabe ba aduda taw i i dipojs vose vaj vose vaj a bajs boke bajs t meskit okej naturamente iskoli a bajs meskita du bari a i ew lige ojs ew talaj sijo mnj ew vo a baziw ku aduda ba aluga apartamtu ba ot kojz asi vose fal kma amer msorani amer msorani eli sijo mas aga eli bazilu boke aki no baziw dezenovi nus taw agoa eli ew falej k eli ew sow talaw ta ta ta taw s boblem amanja no ao no apoto ew vo ba buska obigado ew fuj kn eli a otw ew vnu aki k mia familja braziw k mia familja ispoza i dos filjos a egej aki a

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    ew fuj k eli a otw ew fike nu otw dos dias i dipojs ew fuj k eli a kaz deli ew fikej na kaz deli tes mesis esi drunte tes mesis ew fuj a meskit du bai bra istuda botuges ew i mia familja a bofesora de bortuges voltaia di adus]

    4. Transcrio ortogrfica:

    Entrevistado: Ento, mas voc quer s minha profisso na Sria, por que eu escolhi o Brasil, como cheguei aqui e depois aqui no Brasil. Certo? Ento, eu sou TA, eu tenho quarenta e dois anos, eu sou engenheiro mecnico, eu estudei na Sria, eu acabei estudar mecnico engenheiro, engenheiro mecnico em mil noventa... mil noventa novecentos e

    noventa e nove. Eu trabalhei no escritrio na Sria pra estudar design e outra coisa pra engenheiro. E eu teve tambm trs lojas para vender roupa para criana para ajudar em dinheiro. Mas, em dois mil e onze, no, dois mil e doze, eu sa da Sria a Lbano, eu fiquei no Lbano dez meses, eu trabalhei no Lbano em muitas coisas, no engenheiro porque eu fiquei no Lbano para sair a outra a outro pas porque eu no gostei de Lbano, tem problema, muito caro, eu no gosto, t bom? Ento, eu vou passar outros embaixadores porque eu quero sair, eu quero viajar por Amrica para mim tudo igual, mas eu quero deixar Lbano e Sria, voc sabe... Sria agora tem guerra. por isso eu quero sair Lbano ou Sria, e depois, acho nove meses eu falei com uma embaixadora de Brasil. Sim, agora Brasil tem programa para srios, voc pode entrar no Brasil sem documentos, s a visto, para tirar visto no precisa documentos igual outros pases que precisa a conta de banco, precisa muitos documentos, entende? Mas para Brasil no precisa, s passaporte, entendeu? Ento, e depois dez dias, acho, eu teve a vista visto turista, no refugiado, a visto turista. Ento eu entrei aqui no Brasil de turista. E depois eu teve a visto, eu falei com uma pessoa no embaixador do Brasil. Ela libanesa, mas agora ela brasileira porque ela trabalha na embaixador. Ento, estrangeiro no sei sobre o Brasil, aonde eu vou depois, sim, voc, pra voc melhor, voc vai primeiro a So Paulo porque So Paulo tem dinheiro, So Paulo tem economia forte e So Paulo tem muitos rabes para ajudar porque voc no fala muito bem portugus e ingls l no Brasil, nem todo mundo fala ingls. Ento voc precisa uma pessoa rabe para ajudar. Ento, e depois voc vai a Brs porque Brs tem mesquita. No internet escolhi Brs, mesquita do Pari e eu liguei oi eu sou Tal, srio, amanh eu vou a Brasil para ajudar, alugar apartamento pra outra coisa. Ah

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    sim, voc fala com Amer Massarani. Amer Massarani ele Srio, mas agora ele brasileiro porque aqui no Brasil h dezenove anos, ento agora ele brasileiro, eu falei com ele. Eu sou Talal. Ento sem problema, amanh no aeroporto eu vou pra buscar, obrigado. Eu fui com ele a hotel, eu venho aqui com minha famlia, Brasil com minha famlia, esposa e

    dois filhos. Cheguei aqui eu fui com ele a hotel, fiquei na hotel dois dias e depois eu fui com ele a casa dele, eu fiquei na casa dele trs meses. Durante esses trs meses eu fui a mesquita do Pari pra estudar portugus eu e minha famlia, a professora de portugus voluntria de ADUS porque ADUS ele tem professora, ele tem livros, ele tem diploma, tem, mas a mesquita do Pari tem lugar e alunos.

    5. Anlise:

    Apresentamos a seguir anlises de quatro realizaes do informante que mostram algumas as diferenas entre o sistema do rabe, descrito no Handbook of the Internacional Phonetic Association (1999), e do portugus brasileiro, a partir das observaes em sala de aula durante o curso Fontica e Fonologia do Portugus. Como nosso informante est passando pelo processo de aprendizagem do portugus brasileiro, nossas anlises (comparativas) sero restritas aos acontecimentos fonticos que no so encontrados no rabe e que, por outro lado, esto presentes no portugus brasileiro. Desta forma, acreditamos que conseguiremos mostrar com mais clareza as distines entre os dois sistemas fonticos.

    5.1. A no realizao do [p]

    Observamos, em toda a gravao, que o informante no realizou a oclusiva bilabial surda [p], som que no encontrado em rabe. Mesmo no reconhecendo a distino ente uma surda e sonora neste ponto de articulao (bilabial), TA 42 (H) substituiu o fone surdo pelo seu par sonoro, isto , pela consoante [b], em todos as palavras da entrevista. Extramos, a partir do software Praat, uma imagem da palavra , que pode ser transcrita em portugus brasileiro como [pa], no entanto, diante da troca do [p] pelo [b], temos que transcrev-la como [bra]. Em nossa percepo, a vibrante [r] est mais prxima da dico de um falante de lngua rabe do que []. Para deixar evidente a troca realizada pelo informante, utilizamos a marca do pitch (trao azul) no

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    espectrmetro, marca que nos possibilita verificar a vibrao das cordas vocais. Podemos ainda confirmar a troca dos sons ao analisarmos o formato da onda no momento da emisso do [b]. Trata-se, neste caso, de uma onda peridica e regular.

    [ b r a ]

    5.2 Troca da [] pela africada [d]

    No rabe encontramos a fricativa ps-alveolar surda [] e a africada ps-alveolar sonora [d]. Ao contrrio do portugus brasileiro, que possui a fricativa ps-alveolar sonora [] e a africada ps-alveolar surda [t], no rabe os pares de fones so constitudos a partir de uma fricativa surda e uma africada sonora. As fricativas e africadas tem um comportamento relativamente semelhante num espectrmetro, excetuando aquilo que identificamos mais facilmente e est no registro da oposio entre surdas e sonoras (barra de vozeamento e regularidade da onda). Mesmo que subamos a abrangncia de anlise do espectrmetro para a faixa de 0.0 Hz at 15.000 Hz na anlise das fricativas (ao contrrio, por exemplo, da mdia padro que vai de 0.0 Hz at 5.000 Hz), como

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    sugere o manual do Praat desenvolvido por (Styler, 2015), muitas vezes no possvel encontrarmos as informaes que procuramos para distingui-las, pois as fricativas e africadas podem ser consideradas, em alguma medida, rudos provados pela turbulncia na sada do ar. Faz-se necessrio, ento, encontramos uma diferena entre ambos sons. Encontramos em (Asby, 2011) um elemento que nos possibilita verificar a distino entre os dois sons. Enquanto as fricativas so produtos da turbulncia do ar, tendo suas variaes surdas e sonoras, as africadas como uma sequncia homorgnica unida por uma parada mais uma frico (Asby, pg. 61 traduo nossa). O termo homorgnico definido como um acontecimento fontico no mesmo ponto de articulao. Ento, o que temos para as africadas so as seguintes caractersticas (Asby, 63): primeiro, o articulador ativo se move em direo ao articulador passivo, que provoca um fechamento e interrompe a corrente de ar egressiva; como consequncia, h uma breve interrupo (short hold phase); por fim, inicia-se o distanciamento, ainda muito pequeno, entre o articulador ativo e passivo, o que provoca uma audvel frico do ar (rudo).

    Essa rpida interrupo o que distingue uma fricativa de uma africada e, teoricamente poderia ser percebida no espectrmetro. No entanto, somente uma captao de som profissional, sem rudos externos gravao, nos daria condies de mostrarmos. Dois exemplos dessa troca (h outros fenmenos sonoros nestas palavras, que sero abordados posteriormente): [denjero] e [dinero].

    5.3 Troca da nasal palatal sonora [] pela nasal alveolar/dental sonora [n]

    Utilizaremos os mesmos exemplos de 5.2 para mostramos como acontece, em todo o dilogo, a troca do ponto de articulao (do palatal para o alveolar) na realizao da nasal [n]: [denjero] e [dinero] Seguiremos Silva (2014) para compreendermos as distines articulatrias entre os dois sons, j que possuem a mesmo modo de articulao. Enquanto na realizao do segmento [] ocorre uma obstruo total da cavidade oral, em que o articulador ativo a parte mdia da lngua e o articulador passivo a parte final do palato duro, alm de o vu palatino encontrar-se abaixado, permitindo a passagem de ar para a cavidade nasal, e a glote manter-se fechada, produzindo-se, assim, um som vozeado, no segmento [n] o

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    articulado articulador ativo o pice/lmina da lngua e o articulador passivo so os alvolos, embora o vu palatino esteja igualmente abaixado, assim como a glote da mesma forma fechada, o que provoca em ambos um som nasal vozeado. Quando comparamos as possibilidades de sons no ponto de articulao palatal, notamos que no rabe, exceto pela semivogal [j], no h qualquer outra realizao fontica neste local. No portugus brasileiro, por exemplo, alm da semivogal [j], temos a aproximante lateral []. A limitao dos sons palatais no rabe torna-se ainda mais proeminente se colocarmos sua nica realizao [] ao lado de todas as outras possibilidades descritas pelo modelo do IPA, encontrando, assim, mais seis realizaes nesse ponto de articulao.

    5.4 Troca da aproximante lateral sonora [] pelo ditongo [je] ou pela aproximante lateral alveolar sonora [l]

    A aproximante lateral palatal sonora [] no encontrada no sistema consonantal do rabe. Depois das discusses em torno da troca do [] pelo [n] fica mais fcil entendermos o motivo pelo qual TA 42 (H) optou em alguns momentos pela supresso total de [] pelo ditongo crescente [je] e em outros pela aproximante lateral alveolar sonora [l] seguida de um ditongo decrescente [ej]. Os exemplos abaixo ilustram os dois casos: [trabajei] ou [trabalej] Em sntese, o informante procurou duas realizaes presentes no sistema fonolgico de sua lngua nativa. A primeira foi a utilizao da semivogal [j], que tem o mesmo ponto de articulao de []. A segunda foi a utilizao da aproximante lateral alveolar [l], que possui a mesma maneira de articulao de []. Ainda como um dado de comparao com o portugus brasileiro, percebemos o mesmo padro de troca do [] pelo ditongo em duas situaes: baixa escolaridade dos falantes e em fenmenos de hipercorreo.

    6. Concluso:

    Aps a realizao das transcries e anlises, conclumos que, em razo do contato limitado do informante com o portugus brasileiro, seja pela relao de proximidade com a comunidade islmica em So Paulo, seja pelo uso contnuo do rabe dentro de casa, h trocas e compensaes fonticas constantes em sua fala. O fato de o curso de

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    portugus brasileiro que o informante participou no ltimo ano ter acontecido exclusivamente numa mesquita, espao muitas vezes restritivo para refugiados e imigrantes de outras regies do mundo, pode ter contribudo para a no percepo de fones realizados no portugus brasileiro e ausentes no rabe, dentre os quais destacamos: [p], [], [] e []. Mesmo sem refletir a partir de uma teoria de contato lingustico, acreditamos que neste momento a influncia do rabe do portugus brasileiro, sobretudo na regio do Brs, local onde esto a maioria dos refugiados srios inseridos neste novo processo de imigrao, restrita, j que as relaes dos falantes de rabe esto circunscritas quase majoritariamente, pelo menos at aqui, aos falantes de rabe da regio. No entanto, constantes gravaes e anlises deste informante possibilitariam percebemos duas questes: em primeiro lugar, o momento em que ele comearia a realizar os fones do portugus ausentes no rabe, o que indicaria uma maior integrao com a comunidade de falantes de portugus brasileiro na regio e, em segundo, a partir do estreitamento da relao entre rabes e moradores do bairro do Brs, teramos a possibilidade de verificar a influncia do rabe no portugus brasileiro.

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    Bibliografia:

    ACNUR BRASIL. Refgio no Brasil - Uma Anlise Estatstica: Janeiro de 2010 a Outubro de 2014. ONU, s/d. Disponvel em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/ [Consultado no dia 01/06/2015]

    ASHBY, P. Understanding Phonetics. London: Hodder Education, 2011.

    INTERNATIONAL PHONETIC ASSOCIATION. Handbook of the International Phonetic Association A guide to the use of the International Phonetic Alphabet. Cambridge University Press, 1999.

    SILVA, T. C. Fontica e Fonologia do Portugus. So Paulo: Contexto, 2014.

    STYLER, W. Using Praat for Linguistics Research. University of Colorado at Boulder Phonetics Lab, 2015.

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    ANEXO

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    FICHA DO INFORMANTE

    Identificao: TA 42 (M)

    I. Qualificao pessoal

    Faixa etria: 25 - 35 ( ) 36 - 55 ( X ) 56 - 70 ( ) 71 em diante ( ) 1. Idade: 42 anos 2. Sexo: Masculino 3. Estado civil: casado 4. Filhos: 3 filhos (duas, nascidas na Sria, e uma nascida no Brasil) 5. Naturalidade: Sria 6. Profisso: engenheiro mecnico Observaes: O informante

    II. Caractersticas culturais 1. Nvel de escolaridade: superior completo 2. Domnio de lngua(s) estrangeira(s): ingls e rabe 3. Residncia em outros pases (alm do Brasil): Sria e Lbano 4. Contatos lingusticos: rabe, ingls e portugus

    Observaes: O informante tem proficincia em ingls (IELTS) e est tentando tirar o Certificado de Proficincia em Lngua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras). Foi reprovado no primeiro teste.