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Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 1
Índice
Resumo ....................................................................................................................................... 3
1. Introdução .............................................................................................................................. 4
2.Contextualização/ Historial ..................................................................................................... 5
3. Definição do Problema ........................................................................................................... 6
4. Pergunta de Partida ................................................................................................................ 7
5. Hipótese .................................................................................................................................. 7
6. Delimitação do tema .............................................................................................................. 7
7. Objectivos .............................................................................................................................. 8
7.1 - Objectivo geral ............................................................................................................... 8
7.2 - Objectivos Específicos .............................................................................................. 8
8. Justificativa ............................................................................................................................ 8
9. Fundamentação Teórica ......................................................................................................... 9
10. Metodologia ......................................................................................................................... 9
10.1 – Método ......................................................................................................................... 9
10.2 – População de Estudo ................................................................................................. 10
10.3– Procedimento de amostragem ..................................................................................... 10
10.4 – Processo de amostra .................................................................................................. 10
10.5 – Tamanho da amostra .................................................................................................. 11
10.6 – Procedimento de Recolha de Dados .......................................................................... 11
10.7 – Método de Análise e Interpretação de Dados ............................................................ 12
Capítulo I - Tráfico de Pessoas ................................................................................................ 13
1. Breve historial sobre Tráfico de Pessoas .......................................................................... 13
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2. Conceito de Tráfico de Pessoas ........................................................................................ 16
3. A criminalização do tráfico de Pessoas em Moçambique ................................................ 17
4 – Tráfico de Pessoas na Lei nº 6/2008, de 9 de Julho ....................................................... 19
5 – Elementos constitutivos do crime de tráfico de pessoas ................................................ 20
6. Crimes Afins de Tráfico de Pessoas ................................................................................. 23
Capítulo II - Mecanismo de prevenção e combate ao tráfico de pessoas ................................. 25
1. Aspectos gerais ................................................................................................................. 25
2. Mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas em Moçambique ................ 26
3. Eficácia dos mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas ........................ 27
Capítulo III - Direito Comparado e Dados de Campo ............................................................. 31
1. Direito Comparado ........................................................................................................... 31
2. Análise e interpretação de Dados do Campo .................................................................... 33
1. Conclusão ............................................................................................................................. 38
2. Recomendações .................................................................................................................... 40
Bibliografia .............................................................................................................................. 41
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Resumo
O crime de tráfico de pessoas em Moçambique é relativamente recente, tendo sido tipificado
pela primeira vez na Lei nº 6/2008, de 9 de Julho, alinhando-se nas Convenções das Nações
Unidas sobre estas matérias, vigentes desde o ano de 2000 e de que o nosso país é signatário.
A lei nº 6/2008, de 9 de Julho não se limita a apresentar os tipos legais de crime, apresentando
igualmente situações relevantes na matéria de tráfico de pessoas. Destaque vai para a menção
das formas de proteção das vítimas e denunciantes, agravações especiais, previsão da
responsabilidade criminal das pessoas colectivas e os mecanismos de prevenção e combate ao
tráfico de pessoas.
O presente trabalho, dissertando sobre todos aqueles aspectos para efeitos de uma abordagem
global e compreensiva, se ocupa em particular dos mecanismos de prevenção e combate ao
tráfico de pessoa, procurando aferir se aqueles mecanismos são eficazes atento à realidade
actual.
Referimo-nos aos problemas de vulnerabilidade social, uma vez que grande parte das vítimas
são vulneráveis e que podem encontrar no tráfico formas de sobrevivência; referimo-nos
igualmente a problemas de destruição do tecido social e da moralidade, uma vez que hoje são
até pais que traficam seus filhos e ainda ao problemas de fragilidades de fronteiras, onde,
julgamos que é fácil sair do país com pessoas para trafica-las noutros países.
Levantados estes problemas, constata-se então que os mecanismos de prevenção e combate
ao tráfico de pessoas são ineficazes, devido aos factores que atrás mencionamos e, procura-se
apresentar modestas recomendações para a melhoria do sistema de controlo e fiscalização e
conter o fenómeno de tráfico de pessoas.
Palavra-chaves: Tráfico de pessoas, ineficácia dos mecanismos, sistemas de controlo, fiscalização.
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1. Introdução
O presente trabalho constitui a monografia do fim de curso e destina-se a obtenção do grau de
licenciatura em direito, a ser concedido pela Escola Superior de Economia e Gestão (ESEG),
delegação de Chimoio.
Constitui, pois, um dos requisitos exigidos por aquela instituição de ensino superior para a
conclusão do curso, obedecendo a regras académicas pré-estabelecidas, as quais orientaram
me na elaboração do presente projecto.
O tema proposto é: “Ineficácia dos mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de
Pessoas: Impacto sócio-juridico e fragilidades dos sistemas de controlo”. Discute a questão
de tráfico de pessoas na realidade actual moçambicana, com principal enfoque análise da
eficácia dos mecanismos legais, atento às fragilidades do sistema (legal e segurança
fronteiriça) e ainda dos aspectos sociais envolvidos no fenómeno.
Sendo assim o trabalho é composto por uma contextualização onde se pretende fazer uma
espécie de uma breve apresentação e enquadramento contextual e histórico do tema; segue-se
a definição do problema, a qual procura expor o problema juridicamente relevante que será o
fulcro do trabalho; e ainda, a pergunta de partida cuja procura de resposta e solução para
orientar a pesquisa.
São igualmente apresentados os objectivos, constituídos em geral e específicos; uma
justificativa, a qual indica as razões e motivações de carácter pessoal e académico que
conduziram a escolha do tema; apresenta-se a seguir uma hipótese, sendo esta uma exposição
hipotética das possíveis soluções do problema e uma metodologia, contendo o método,
procedimento de amostragem, tamanho da amostra, população de estudo, método de recolha
de dados, procedimento de análise e interpretação dos dados.
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Segue-se a apresentação de uma fundamentação teórica, constituída de uma revisão da
literatura teórica e direito comparado, análise e interpretação de dados, a conclusão e termina
com as recomendações.
2.Contextualização/ Historial
A problemática de que o presente trabalho aborda é a do tráfico de pessoas, estudando de
forma mais incidente a ineficácia dos mecanismos de prevenção e combate ao fenómeno.
Estuda em particular, a questão das fragilidades propiciadas pelo sistema e pelos pressupostos
sociais daí aderentes.
Em Moçambique, depois da guerra civil passou assumir uma atenção merecida ao tráfico de
pessoas. Este facto deveu-se pela circunstância de o pais ter conquistado a sua liberdade, tinha
como princípio a livre circulação de pessoas no plano interno e regional.
Porém, não foi tido em conta que muitos moçambicanos se deslocavam com muita
regularidade para além fronteiras.
Com isso veio o grande problema de pessoas que fazendo-se passar de benfeitores,
transportaram crianças de Moçambique para outras paragens com fins obscuros. Em 2003, um
caso mediatizado de “caso Diana” que relatava transporte para fins de prostituição de jovens
moçambicanas veio despertar a opinião pública sobre o facto.
O tráfico de pessoas nos termos da lei vigente então em vigor (Código Penal) apenas punia o
tráfico, descaminho ou troca de menores até 18 anos, ao que deixava impune o tráfico de
pessoas maiores àquela idade.
Assim, a partir daquele episódio, Moçambique caminhou pela implementação da Convenção
das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional a Prevenção, Repressão
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e Punição do Trafico de Pessoas especialmente mulheres e crianças, tendo sido aprovada a Lei
sobre o Trafico de Pessoas (Lei n° 6/ 2008, de 9 de Julho).
3. Definição do Problema
A lei nº 6/2008, de 9 de Julho ao estabelecer o regime jurídico aplicável à prevenção e
combate ao tráfico de pessoas, fixa alguns mecanismos de prevenção e combate ao fenómeno.
Tais medidas encontram-se elencadas no artigo 27 daquele diploma legal e, nos termos do
mesmo, são da competência do Governo a sua promoção, coordenação e realização,
admitindo-se parcerias entre o Estado e sociedade civil.
Ora, na prevenção e combate ao tráfico de pessoas, muitas situações devem ser chamadas a
colação de moda a fazer uma abrangente abordagem do problema. É comumente assente que
algumas vezes, o fenómeno acontece sob olhar cúmplice de pais ou responsáveis das vítimas
que, devido às situações de extrema pobreza, encontram na filha fonte de sobrevivência.
Algumas vezes, são as próprias vítimas que, sob pretexto de uma vida melhor, aceitam as
propostas dos traficantes.
Aliado ainda a isto, o próprio sistema (considerado como um complexo) não parece oferecer
garantias de fiscalização e controlo eficazes. São conhecidas as fragilidades e permeabilidade
das fronteiras, as dificuldades na identificação e determinação das vítimas de tráficos (se se
apresentarem devidamente documentadas) e outras mais.
Com tudo isto, é questionável se os mecanismos que a lei determina, visando a prevenção e
combate ao tráfico de pessoas podem oferecer eficácia, eficiência e efectividade, de modo a
contribuir para a redução e, porque não, a elisão do fenómeno.
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4. Pergunta de Partida
Os mecanismos legais de prevenção e combate ao tráfico de pessoas se mostram eficazes para
contenção do fenómeno?
5. Hipótese
A precaridade social e vulnerabilidade das fronteiras, a falta de preparação do pessoal e o
crime organizado poderão propiciar fragilidade no sistema de controlo (jurídico,
administrativo e social) e tronar ineficazes os mecanismos de prevenção e combate ao tráfico
de pessoas.
A adopção de medidas viradas para a responsabilização familiar, através de
consciencialização social sobre o fenómeno pode contribuir para maior prevenção do tráfico
de pessoas e tornar mais eficazes as medidas legais de prevenção e combate ao tráfico de
pessoas.
6. Delimitação do tema
O tema aqui proposto centra se no estudo do crime de tráfico de pessoas, nos termos em que
o mesmo vem definido na Lei nº 6/2008 de 9 Julho. Fazendo um estudo e análise crítica do
instituto, e em particular das medidas legais de prevenção e combate ao crime, procura
encontrar os fundamentos e necessidades da incriminação.
Baseando-se em aspectos de política criminal, procura discutir a eficácia e eficiência dos
mecanismos indicados supra, tendo sempre em atenção aos impactos sociais do fenómeno e
ainda às fragilidades concretas e inegáveis de todo um sistema de luta contra o crime em geral
e o tráfico de pessoas em particular, devidos às suas óbvias vicissitudes.
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7. Objectivos
7.1 - Objectivo geral
- Discutir a ineficácia dos mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas, tendo
em atenção aos aspectos sociais e do sistema de controlo de migrações.
7.2 - Objectivos Específicos
- Compreender o conceito e contornos do crime de tráfico de pessoas, na lei vigente em
Moçambique;
- Identificar as formas mais correntes de tráfico de pessoas na realidade nacional;
- Estudar os mecanismos legais para prevenção e combate do tráfico de pessoas na realidade
mocambicana;
- Analisar o impacto social do tráfico de pessoas e as vulnerabilidades do sistema de controlo
- Propor meios eficazes a implementar na prevenção e combate ao tráfico de pessoas.
8. Justificativa
O direito à vida é um dos direitos fundamentais (senão o primeiro) e mais importante de todos
os direitos, encontrando a sua previsão constitucional no artigo 40, nº 1 da Constituição da
Republica de Moçambique. Por isso, é responsabilidade pela sua preservação e protecção. E
porque o tráfico de pessoas em Moçambique, prática que teve recentemente grandes
evidências, põe em causa aquele bem fundamental, um estudo deste mal assume-se de grande
importância.
Assim, a relevância e a pertinência do presente estudo resulta do facto de se tratar de um tema
de bastante destaque e muito discutido na sociedade moçambicana, ao que optou-se em
aprofundar o tema e desvendar as reais causas e trazer sugestões, no que concerne aos
mecanismos de como prevenir e combater o tráfico de pessoas. Note-se que, o crime de
tráfico de pessoas tem como principais vítimas mulheres e sendo a proponente uma mulher,
tal aumenta o interesse pelo fenómeno.
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9. Fundamentação Teórica
Para realizar esse trabalho fez-se um levantamento de diversas teorias existentes que ajudem a
explicar melhor o tema escolhido, de modo que se faça compreender o seu enquadramento
teórico e jurídico.
Assim, o estudo baseia se em diversas teorias, nacionais e internacionais, que se ocupem da
disciplina a que o trabalhou visou abordar, revisitando os conceitos e princípios que foram
tidos em conta no estudo.
Foram de grande proeminência as obras que se ocupam do Direito Penal, Direitos
Fundamentais, com o intuito de facilitar a redacção de documento e bem ainda a compreensão
do mesmo.
Consciente que a tipificação do crime de tráfico de pessoas em Moçambique é recente e
igualmente noutros países procurou enquadrar o estudo na escassa bibliografia existente.
10. Metodologia
10.1 – Método
Na pesquisa recorreu ao método dedutivo. Este método parte de uma análise mais
generalizada e permite aferir conclusões específicas de cada situação. Ou seja, pressuposto é a
análise do fenómenos de uma visão geral para a particular de forma sintética e objectiva das
conclusões ou resultados obtidos.
O método monográfico foi guia para redacção do trabalho, segundo o qual, nas palavras de
Lakatos e Marconi referem ser “(...) um estudo sobre um tema específico ou particular de
suficiente valor representativo e que obedece a rigorosa metodologia. Investiga determinado
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assunto não só em profundidade, mas em todos os seus ângulos e aspectos, dependendo dos
fins a que se destina”.1
10.2 – População de Estudo
O grupo a ser destacado para as entrevistas e inquéritos, são pessoas de diversas classes
sociais residindo em Chimoio e proceder-se-á a entrevista de pessoas que actuam na área da
justica e polícia.
10.3– Procedimento de amostragem
O procedimento de amostragem será o probabilista que se vai seguir é aleatória simples em
que corresponde a um método de selecção dos elementos da amostra, em que cada um deles
tem uma probabilidade igual de ser selecionado do universo. Porém, será na técnica da tabela
dos números aleatórios, usando tabelas de números aleatórios já preparados.
10.4 – Processo de amostra
A validade de uma inferência estatística resulta de um apropriado processo de amostragem
que dá informações suficientes requerendo a amostragem aleatória por área. Esta técnica de
amostragem é usada quando temos uma amostra da população que esta distribuída de acordo
com a região geográfica.
No caso a amostragem feita consoante o mapa dos bairros existente na cidade de Chimoio. Os
bairros serão escolhidos de forma aleatória, e, dentro delas entrevistadas as pessoas sem
critérios rígidos.
1 LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Marina de Andrade (2001). Metodologia do Trabalho Científico:
Procedimentos Básicos, Pesquisa Bibliográfica, Projecto e Relatório, Publicações e Trabalhos Científicos. 6.
Ed. São Paulo, Editora Atlas S.A.
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10.5 – Tamanho da amostra
Como referido anteriormente, depois de escolhida a amostra, aqui se procurará indicar qual o
tamanho da amostra ou número de elementos a serem seleccionados da população.
Nesta perspectiva, a formula a ser seguida será a seguinte:
Onde:
n = Tamanho da amostra,
N = População do estudo
λ = Nível de precisão
10.6 – Procedimento de Recolha de Dados
Tratar-se de uma pesquisa exploratória, a qual visará proporcionar maior familiaridade com o
problema, com vista a torná-lo mais explícito. Envolveu um levantamento bibliográfico,
entrevistas com pessoas experientes no problema pesquisado, assumindo a forma de pesquisa
bibliográfica e estudo de factos na cidade de Chimoio.
No que tange aos procedimentos técnicos, como já referidos, será uma pesquisa desenvolvida
com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros, leis e artigos
científicos e bem ainda da análise de certas revistas ou certos documentos que abordam o
tema.
Também, foi privilegiado o estudo de campo, o qual procurará o aprofundamento de uma
realidade específica. É de referir que as entrevistas exploratórias e os inquéritos dominará a
grande parte do trabalho como forma de colher dados para o mesmo trabalho.
2*1 N
Nn
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10.7 – Método de Análise e Interpretação de Dados
A análise e interpretação dos dados não se limitaram em análises descritivas respondendo
cada uma das perguntas. Foi necessário colocar todos os gráficos ou tabelas nesta secção, e os
principais outputs e os restantes no apêndices.
As análises com as respectivas interpretações foram interligadas e relacionadas com o
problema em estudo de modo a dar respostas ao problema colocado e não limitar em análise
isoladas
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Capítulo I - Tráfico de Pessoas
1. Breve historial sobre Tráfico de Pessoas
O fenómeno de tráfico ou venda de pessoas não é tão recente como a partida para parecer.
Admite-se que é tão antigo como a própria história da humanidade. Reconhece, pois Daianny
Cristine Silva que o fenómeno “é uma prática criminosa que surgiu com o tráfico negreiro
para a exploração de laboral por meio da escravidão, sendo posteriormente agregado ao
conceito de tráfico a negociação de mulheres para a prostituição”.2
Reconhece Joana Azevedo da Costa que “as primeiras práticas de tráfico de seres humanos
remontam aos tempos dos Descobrimentos quando se procedia a exportação de pessoas
tendo como principal fim o fornecimento de mão-de-obra escrava”.3
Da mesma forma secunda Cíntia Yara Silva Barbosa, que “suas raízes históricas podem ser
encontradas no tráfico de negros. Desse modo é comumente referido como forma moderna de
escravidão.4
Experiências históricas indicam que moçambicanos eram vendidos como escravos durante o
período colonial para efeitos de exploração de mão-de-obra. Referem, pois, diversas
literaturas sobre a história de Moçambique que os senhores feudais comerciavam escravos em
troca de panos e missangas que recebiam da Índia e de Lisboa.5 “Os escravos eram vendidos
aos portugueses pelos próprios reis que os apanhavam entre prisioneiros que faziam nas
guerras contra outros reinos ou entre várias tribos”.6
2 SILVA, Daianny Cristine, Tráfico de pessoas – conceito e características, disponível em
http://www.mp.go.gov.br, acesso em 13 de Fev. 2013. 3 COSTA, Joana Azevedo da, Tráfico de seres humanos, Verbo jurídico, disponível em www.verbojuridico.pt,
acesso em 08 de Dezembro de 2012. 4 BARBOSA, Cíntia Yara Silva, Significado e abrangência do “novo” crime de tráfico de pessoas: perspectivas
a partir das políticas públicas e da compreensão doutrinária e jurisprudencial, disponível em
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trafico-de-pessoas, acesso em 06 de jan. de
2013. 5 Entre elas, NEWITT, Malyn. História de Moçambique. Mem-Martins, Publicações Europa-América, 1997. 6 FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE. História de Moçambique. Porto, Afrontamento, 1971.
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O negócio de venda de escravos foi abolida por decreto régio, em 1875, mas a prática de
tráfico de pessoas continuou de forma clandestina até aos nossos dias.
Na verdade, como alerta a Agência das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (ONUDC),
todos os anos, 800 mil a 2,4 milhões de pessoas são vítimas do tráfico de seres humanos em
todo o Mundo.7
Depois da independência de Moçambique em 1975, o país mergulhou imediatamente numa
guerra civil. Alcançada a paz em 1992, “a questão do tráfico de pessoas não assumiu em
Moçambique a atenção merecida, pois, inúmeras foram as prioridades: o retorno e
reintegração social dos refugiados, a desmobilização dos exércitos beligerantes, a reabertura
das vias de comunicação, o re-controlo administrativo do território”8 entre outras.
O actual fenómeno de tráfico de pessoas difere da escravatura do período colonial porque
nesta época era uma actividade oficial, permitida e feita de forma mais ou menos “legal”, por
inexistir qualquer dispositivo legal que punia tais práticas. Actualmente, trata-se de uma
prática ilegal e por isso, feito de forma clandestina. Porém, muitas pessoas não hesitam em
designar o tráfico de pessoas como a “escravidão moderna”.
Como refere Cíntia Yara Silva Barbosa9, relaciona-se a escravidão com o tráfico de seres
humanos devido a semelhança de funcionamento, pois ambos se utilizam do domínio e do
tráfico. Segundo ela, “enquanto a velha escravidão se baseava no domínio legítimo sobre a
pessoa do escravo, permitindo sua exploração na forma concebida por seu senhor, não é
possível verificar legitimidade no domínio das pessoas traficadas, mas sim o proveito ilícito
de uma situação de vulnerabilidade (…) em que se encontra a vítima que favorece sua
7 Global Report on Trafficking in Persons – United Nation Office of Drugs and Crime, 2009, citado por COSTA,
Joana Azevedo da, op. cit. 8 SERRA, Carlos, Tráfico de Pessoas em Moçambique – da retórica das palavras à dinâmica da acção, FDC 9 BARBOSA, Cíntia Yara Silva, Significado e abrangência do “novo” crime de tráfico de pessoas: perspectivas
a partir das políticas públicas e da compreensão doutrinária e jurisprudencial, disponível em
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trafico-de-pessoas, acesso em 06 de jan. de
2013.
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submissão aos traficantes, transformando-as em mercadorias a sua disposição, exploradas
física e sexualmente”.10
Expende Boaventura de Sousa Santos11 que “o problema do tráfico de seres humanos, não
sendo novo, tem sido, na última década, objecto de um reforço legislativo destinado ao seu
combate”. Segundo ele, tal reforço passa pela criminalização do fenómeno e dos seus agentes
activos, pela promoção dos direitos e assistência às vítimas do tráfico.
Durante muito tempo o tráfico de pessoas em Moçambique não foi criminalizado, embora
existisse no Código Penal normas que criminalizavam condutas próximas ao tráfico de
pessoas.
As ocorrências de 2003, trazidas a público através de “um documentário realizado por um
canal público sul-africano, no qual se denunciou todo um processo de tráfico de mulheres,
desde o recrutamento em Moçambique até às casas de prostituição na África do Sul12”,
constituíram, a nosso ver, os primeiros sinais de alerta para a tomada de consciência sobre o
fenómeno.
Assim, em 2006, através do Ministério da Justiça, iniciou-se com a elaboração do Ante-
projecto da lei de tráfico de pessoas que viria a ser assumido pelo Conselho de Ministros em
2007 e submetido à Assembleia da República para aprovação em lei.
A aprovação da lei contra o tráfico de pessoas e outros crimes conexos, ocorrida em Julho de
2008, terá sido, de certa forma, impulsionada por dois eventos ocorridos em princípios
daquele ano: referimos ao caso de moçambicanas adolescentes traficadas para África do Sul
(o famoso caso Diana), pela moçambicana Aldina dos Santos (Diana) e ainda do caso das 39
crianças encontradas a serem transportadas num camião, na província de Manica
alegadamente para uma escola religiosa.
10 Baseando em GARCÍA ARÁN, Mercedes. Esclavitud y tráfico de seres humanos. Revista Peruana de Ciências
Penales, Lima, n. 14, 2004. 11 SANTOS, Boaventura de Sousa; at all, Tráfico sexual de mulheres: Representações sobre ilegalidade e
vitimação, Revista Crítica de Ciências Sociais, 87, Dezembro 2009: 69‑94. 12 SERRA, Carlos, op. cit.
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Neste contexto, três importantes leis no âmbito da protecção de menores foram aprovadas:
- Lei n.º 6/2008, de 9 de Julho13, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção e
combate ao tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças, nomeadamente a
criminalização do tráfico de pessoas e actividades conexas e a protecção das vítimas,
denunciantes e testemunhas;
- Lei n.º 7/2008, de 9 de Julho, que aprova a Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da
Criança e;
- Lei nº 8 /2008, de 15 de Julho, que aprova a Lei da Organização Tutelar de Menores.
2. Conceito de Tráfico de Pessoas
A definição do tráfico de pessoa, em termos contemporâneos, encontra-se plasmada
fundamentalmente no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a
Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças (Protocolo contra o Tráfico de
Pessoas).
No termos do artigo 3, alínea a) do Protocolo,
“a expressão ‘tráfico de pessoas’ significa o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso
da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de
autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos
ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre
outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços
forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de
órgãos”.
Com base nesta disposição, o tráfico de pessoas consiste no comércio desleal de pessoas com
o fim de exploração sexual, trabalho forçado ou em condições análogas à escravidão, remoção
de órgãos ou outros.
13 A lei foi aprovada pela Assembleia da República em 23 de Abril de 2008 e promulgada aos 16 de Junho de
2008.
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A alínea b) do mesmo artigo refere que consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas
tendo em vista qualquer tipo de exploração, deverá ser considerado irrelevante se tiver sido
utilizado ameaça, força, coacção, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou especial
situação de vulnerabilidade, pagamentos ou benefícios para obter o consentimento.
Porém, havendo recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou colhimento de uma
pessoa com idade inferior a 18 anos para fins de exploração, o consentimento será sempre
irrelevante.14
É por isso que se pode admitir pacificamente que com base no Protocolo “tratando-se de
crianças e adolescentes, isto é, com idade inferior a 18 anos, o consentimento é irrelevante
para a configuração do tráfico. Quando se tratar de homens adultos e mulheres adultas o
consentimento é relevante para excluir a imputação de tráfico, a menos que comprovada
ameaça, coerção, fraude, abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade bem como a
oferta de vantagens para quem tenha autoridade sobre outrem”.15
3. A criminalização do tráfico de Pessoas em Moçambique
Como referido anteriormente, apesar do Protocolo sobre o Tráfico de Pessoas tenha sido
adoptado pelas Nações Unidas em 2000, a previsão legal do crime de tráfico de pessoas em
Moçambique é recente.
Assim, até ao ano de 2008, o tráfico de pessoas não era criminalizado nos termos actuais, o
que vale dizer que, não havia o crime de tráfico de pessoas.
14 Vide alíenas b) e c) do artigo 3 do Protocolo. 15 CASTILHO, Ela Wiecko V. de, Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo,
disponível em http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trafico-de-
pessoas/artigo_trafico_de_pessoas.pdf, acesso em 06 de Jan. 2013.
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Na verdade, para que uma conduta seja considerada crime, nos termos do nosso sistema legal,
é necessário que ela esteja tipificada em termos exactos e concretos em norma penal, por
força dos artigos 1 e 18 do CP.
Esta lei proíbe “ a compra, venda ou troca de pessoas por dinheiro ou qualquer outra razão,
embora estes relacionem principalmente a criança quanto a obtenção de adaptação legal”
É por isso que a doutrina tem defendido que, crime deve ser uma acção típica, ilícita, culposa
e punível16 e numa definição a que o autor designa de puramente formal, Eduardo Correia17
define o crime ou infracção criminal como “uma desobediência à lei criminal”.
O crime é pois “acção, típica, ilícita, culposa, e punível” e a criminalização é “a imputação
do crime ou seja a acusação”.18 Assim, a criminalização será definida com a conduta punível
em concreto e de quem é criminoso.
Portanto, pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que consiste
numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.
No nosso direito, o artigo 18 CP estabelece que “não é admissível a analogia ou indução por
paridade, ou maioria de razão, para qualificar qualquer facto como crime. É sempre
necessário que se verifiquem os elementos essencialmente constitutivos do facto criminoso,
que a lei penal declarar”.
Em finais do primeiro semestre de 2008 os países da SADC deram início a aprovação de
quadros normativos nacionais para a protecção da criança e combate ao tráfico de pessoas.19
Assim, Tanzânia aprovou a lei contra o tráfico de pessoas de 6 de Junho de 2008 e seguiu
Moçambique com a aprovação, a 9 de Julho do mesmo ano, das Leis nºs 6, 7 e 8/2008);
16 BELEZA, Teresa Pizarro, Direito penal, 2º volume, 2ª edição, AAFDL, Lisboa, 1999. 17 CORREIA, Eduardo, Direito Criminal I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1997. 18 Prata, Ana, Dicionário Jurídico 2ª edição, volume II, Direito Penal e Processual Penal 19SANTAC, Criminalização do tráfico de seres humanos e contrabando nas legislações nacionais, disponível em
http://www.santac.org, acesso a 12 de Dez. 2012.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 19
Já na Zâmbia, o parlamento daquele país promulgou a lei anti-tráfico humano (Lei nº
11/2008) a 28 de Julho de 2008.
4 – Tráfico de Pessoas na Lei nº 6/2008, de 9 de Julho
A opção do legislador nacional não foge do conceito fornecido pelos instrumentos
internacionais, mormente o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a
Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do
Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, adoptado pela ONU em 2000,
instrumento já ratificado pelo nosso país.
O crime epigrafado de “tráfico de pessoas” na Lei nº 6/2008, de 9 de Julho encontra-se
previsto no artigo 10 daquele diploma lega e estatui que “todo aquele que recrutar,
transportar, acolher, fornecer ou receber uma pessoa, por quaisquer meios, incluindo sob
pretexto de emprego doméstico ou no estrangeiro ou formação ou aprendizagem, para fins de
prostituição, trabalho forçado, escravatura, servidão involuntária ou servidão por dívida
será punido com pena de dezasseis a vinte anos de prisão maior”.
Define-se, com base neste artigo, o crime de tráfico de pessoas como o recrutamento,
transporte, acolhimento ou fornecimento de uma pessoa, por quaisquer meios, incluindo sob
pretexto de emprego doméstico ou no estrangeiro ou formação ou aprendizagem. A finalidade
daquelas actividades deve ser a prostituição, trabalho forçado, escravatura, servidão
involuntária ou por dívida.
Quando o legislador refere que o tráfico pode ser praticado por qualquer meio, admite a
incriminação, para o cometimento do crime, o recurso à ameaça, à violência (física e moral), à
fraude, ao rapto, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à
entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa
que tem autoridade sobre outra, segundo previsto pelo Protocolo.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 20
Nota positiva é que o artigo 10 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho, não abandonando o conceito
do Protocolo, apresenta uma redacção que, a nosso ver, se adequa à realidade nacional, ao
prever por exemplo, a situações de dissimulação de emprego, de formação ou aprendizagem,
casos que a experiencia nacional já testemunhou e que poderá ter pesado na redacção legal.
Não se provando, no entanto, a finalidade do tráfico ou não se destinando àqueles fins, o
crime se descaracteriza, pois a fim pretendido com a actividade é um elemento constitutivo do
próprio crime.
5 – Elementos constitutivos do crime de tráfico de pessoas
Para, com lucidez, apresentarmos os elementos constitutivos do crime de tráfico de pessoas,
premente se torna indicar, logo a partida, o conceito de crime ou infracção penal.
O nosso código penal, no seu artigo 1, apresenta o conceito formal do crime ao conceitua-lo
como “facto voluntário declarado punível pela lei penal”. Destaca assim que “o facto
humano, na dependência da voluntariedade, é o suporte e o ponto de partida da actuação do
direito criminal”20.
A concepção tripartida do crime, criada por Lizst e aperfeiçoada posteriormente por Beling
influenciou as modernas definições. Tal concepção considerou o crime como o facto típico,
antijurídico e culpável. Teresa Beleza define o crime, então, como “acção típica, ilicita,
culposa e punivel”21.
Pode-se concluir que, formalmente, crime é um comportamento humano que consiste numa
acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível.
20 MAIA GONÇALVES, Manuel Lopes, Código Penal Português, na doutrina e na Jurisprudência, 2ª edição,
Almedina, Coimbra, reimpressão, 2007. 21 BELEZA, Teresa Pizarro, Direito Penal, 2º volume, AAFDL, Lisboa, reimpressão, 2010.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 21
Sendo, assim, o tráfico de pessoa um crime (ou seja, uma acção tipificada, ilícita, culposa e
punível), é importante encontrar e delimitar os elementos constitutivos, de modo a assegurar a
punição de condutas que formal e materialmente preenchem aquele ilícito, deixando de parte
os penalmente irrelevantes. É pois o que recomendam os princípios nullum crimen sine lege
da legalidade, e da proibição da analogia, previstos, entre nós, nos artigos 5, 15 e 18 todos do
CP, respectivamente.
Na previsão legislativa nacional, julgamos que os elementos constitutivos do crime de tráfico
de pessoas são essencialmente os mesmos previstos no Protocolo. Este instrumento
internacional “exige que o crime de tráfico seja definido mediante uma combinação de três
elementos constitutivos, não bastando a verificação isolada de cada um deles – embora,
nalguns casos, estes elementos individuais possam constituir crimes autónomos. Por exemplo,
o rapto ou a agressão constituirão provavelmente crimes autónomos no âmbito da legislação
penal de cada país”22.
Estes três elementos constitutivos podem também ser, na terminologia do Direito Penal,
identificados com o elemento objectivo/material do crime - o actus reus — e com o seu
elemento subjectivo) — a mens rea. Na ausência destes pressupostos fundamentais, não pode
haver condenação, como ocorre em todos os sistemas penais do mundo.23
São, pois, estes três elementos constitutivos exigidos pelo Protocolo que igualmente
encontramos na lei nacional que a seguir se expõem.
Nos requisitos de actus réus (acto físico) ou elemento material do crime de tráfico de pessoas
existem duas situações a considerar: a acção e os meios.
22 NAÇÔES UNIDAS, Manual contra o tráfico de pessoas para profissionais do sistema de justiça penal, Módulo
1:Defições de Tráfico de Pessoas e de Introdução Clandestina de Migrantes, tradução não oficial do Ministério
da Administração Interna, coordenada por OTSH, Lisboa, 2010. 23 Cfr. Ibidem.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 22
1) Acção – de acordo com a previsão do artigo 10 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho, o crime
deverá incluir um dos seguintes elementos: recrutamento, transporte, acolhimento,
fornecimento ou recebimento de uma pessoa.
2) Meios – Os meios de execução do crime de tráfico de pessoas, podem ser quaisquer sem
restrições, já que a lei não as faz, usando a expressão “por quaisquer meios”.
Assim, podem ser usados meios como uso da força, ameaça, coação, sequestro, fraude,
engano, abuso de autoridade ou de uma situação de vulnerabilidade, concessão ou recepção de
benefícios.
Porém, numa inovação assinalável em relação ao Protocolo, os meios de execução aqui
incluem o “pretexto de emprego doméstico ou no estrangeiro ou formação ou
aprendizagem”.
A mens rea ou elementos subjectivos do tipo penal, referem-se à atitude subjectiva ou
psicológica do agente do crime. Apenas a pessoa que age com determinado grau de culpa
pode ser sujeita a responsabilidade criminal. Só nalgumas jurisdições e em alguns casos
limitados pode ser imputada responsabilidade penal “objectiva” (crimes de “responsabilidade
objectiva”).24 Disto resulta, pois, do nosso sistema penal, ao fixar o artigo 26 do CP que
“somente podem ser criminosos os indivíduos que têm a necessária inteligência e liberdade”.
No caso concreto do crime de tráfico de pessoas, além daquele elemento, existe um dolus
specialis do mens rea: é o objectivo que o agente pretende alcançar quando comete os actos
físicos do crime.
No crime aqui em análise, os actos e meios do agente têm de corresponder a um objectivo de
explorar a vítima. Não é necessário que o infractor explore efectivamente a vítima. Trata-se,
pois, de um crime de mera actividade ou formal, não sendo exigível a verificação do
resultado.
24 NAÇÔES UNIDAS, Manual contra o tráfico de pessoas para profissionais do sistema de justiça penal, op. cit.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 23
O elemento subjectivo especificamente exigível no caso de tráfico de pessoas é que o agente
tenha cometido os actos materiais com o propósito de exploração da vítima, incluindo a
prostituição, trabalho forçado, escravatura, servidão involuntária ou servidão por dívida.
O Protocolo contra o Tráfico de Pessoas não apresenta o conceito de “exploração”, trazendo
apenas uma lista em “numerus apertus” que poderá, de acordo com cada realidade, ser
adequada. Igualmente a lei nacional não define a “exploração”, indicando, porém, em cada
tipo legal de crime, os actos considerados exploração.
Na definição do crime de tráfico de pessoas, o legislador pátrio não inclui o fim da extracção
de órgãos da pessoa, trazendo-o apenas no crime de transporte e rapto, aspecto que nos
ocuparemos oportunamente.
Em síntese, para a consumação do crime de tráfico de pessoas, é necessário que o agente
pratique um dos actos constitutivos do crime, empregando qualquer meio, para alcançar
aquele objectivo ou, por outras palavras, que tenha a intenção de que a pessoa seja explorada.
6. Crimes Afins de Tráfico de Pessoas
A lei nº 6/2008, de 9 de Julho tipifica outras condutas puníveis. Tais condutas estão previstas
com designações diferentes que interessam analisar.
Prevê-se, naquele instrumento legal o crime de pornografia e exploração sexual, tipificado
como a conduta daquele que “traficar pessoas com o fim de obter dinheiro, lucro ou qualquer
outra vantagem, um cidadão moçambicano a cidadão estrangeiro, para casamento com o fim
de adquirir, comprar, oferecer, vender ou trocar a pessoa para envolvimento em pornografia,
exploração sexual e trabalho forçado, escravatura, servidão involuntária e servidão por
dívidas”25.
25 Vide artigo 11 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 24
A moldura penal aplicável é pena de doze a dezasseis anos de prisão maior.
Encontra-se ainda tipificado o crime de adopção para fins ilícitos, nos termos do artigo 12 da
Lei nº 6/2008, de 9 de Julho. Segundo aquele dispositivo legal, comete este crime “todo
aquele que adoptar ou facilitar a adopção de pessoas com a finalidade de envolvimento na
prostituição, exploração sexual e trabalho forçado, escravatura, servidão involuntária e
servidão por dívidas” devendo ser punido com a pena de dezasseis a vinte anos de prisão
maior.
O crime de rapto e transporte encontra-se tipificado no artigo 13 do mesmo diploma legal26 e
consagra que “todo aquele que recrutar, contratar, adoptar, transportar ou raptar uma
pessoa, mediante ameaça ou uso da força, fraude, engano, coacção ou intimidação, com a
finalidade de remoção ou venda de órgãos da referida pessoa, será punido com a pena de
dezasseis a vinte anos de prisão maior”.
Os crimes de arrendamento de imóvel para fins de tráfico, publicidade e promoção do tráfico,
destruição de documentos de viagem e benefício financeiro estão previstos nos artigos 14, 15,
16 e 17, da Lei 6/2008, de 9 de Julho, respectivamente.
26 Lei nº 6/2008, de 9 de Julho.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 25
Capítulo II - Mecanismo de prevenção e combate ao tráfico de pessoas
1. Aspectos gerais
O tráfico de pessoas é uma realidade concreta no país devendo merecer, por isso, especial
atenção por parte das autoridades governamentais, sociedade civil, sector privado e de todos
os actores sociais.
Concordamos que “O tráfico de seres humanos, qualquer que sejam as razões a ele
subjacentes – exploração sexual ou laboral –, é uma violação fundamental dos direitos
humanos. Na medida em que afecta sobretudo grupos vulneráveis como as mulheres e as
crianças”.27
Por isso, os mecanismos de prevenção devem estar em torno de objectivos que visam a
proteção destes grupos e a prevenção e a luta contra este fenómeno, designadamente,
reforçando a cooperação e a coordenação entre as autoridades policiais e judiciais28.
A Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativa
à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas, e que substitui a
Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho defendeu que, por forma a prevenir o tráfico de
seres humanos, deve-se desencorajar a procura através da educação e da formação, realizar
campanhas de informação e sensibilização, formar os funcionários e agentes susceptíveis de
virem a estar em contacto com vítimas de tráfico de seres humanos e adoptar medidas
necessárias para criminalizar a utilização dos serviços, sexuais ou outros, de uma pessoa
vítima de tráfico.29
É preciso ter presente que o tráfico de pessoas é um crime que tem mecanismos próprios,
diferentes dos crimes comuns. Ele é um crime organizado e transnacional e é uma das
principais ameaças a segurança pública e representa um entrave para o desenvolvimento
social, económico e politica das sociedades em todo mundo.
27 ANÓNIMO, Luta contra o tráfico de Pessoas, disponível em http://europa.eu, acesso em 13 de Fev. 2013. 28 Cfr. Ibidem. 29 Vide Jornal Oficial L 101 de 15.4.2011.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 26
Dai a necessidade de se fixar mecanismos próprios de prevenção e combate a este fenómeno.
2. Mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas em Moçambique
Os mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas em Moçambique encontram-se
previstos na lei nº6/2008 de 9 de Julho.30
Refere o artigo 27 do diploma em estudo que “compete ao Governo promover, coordenar e
realizar acções tendentes à prevenção e combate ao crime de tráfico de pessoas,
directamente ou nos termos da legislação aplicável às parcerias entre o Estado e a sociedade
civil (…)”.
As acções avançadas são “as campanhas de informação, através da comunicação social e
outros meios que se mostrarem mais eficazes, sobre as técnicas de recrutamento usadas pelos
traficantes, as tácticas utilizadas para manter as vítimas em situações de sujeição, as formas
de abuso a que as vítimas estão sujeitas, bem como as autoridades competentes, organizações
e instituições que podem prestar assistência ou informações”.
Indica-se ainda como mecanismo de prevenção a protecção e reintegração da vítima do tráfico
de pessoas. Nesta perspectiva, importa visualizar o que dispõe o artigo 20 da mesma lei a qual
consagra que “as vítimas dos crimes previstos na presente Lei beneficiam das medidas gerais
de protecção de testemunhas em processo penal e, em especial, da possibilidade de não ser
revelada a sua identidade durante o processo-crime e mesmo após o seu encerramento”.
Assim, a pessoa entrar ilegalmente no país ou no estrangeiro, com ou sem a documentação
legalmente exigida, estar no estado de gravidez, ser portadora de deficiência, ter contraído
HIV/SIDA, infecção de transmissão sexual ou malnutrição em consequência do tráfico, ser
menor de idade e dedicar-se à prostituição, em virtude do tráfico, beneficiam de protecção
especial.31
30 Artigo 27 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho. 31 Vide nº 1, artigo 20 da Lei nº 6/
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 27
O nº 2 do mesmo dispositivo legal assevera que “beneficiam de especial protecção, nos
termos da lei, as pessoas que, em consequência da sua condição física, psicológica,
económica, material ou social, se possam tornar vulneráveis à prática dos actos” de tráfico de
pessoa.
Como outra medida de protecção, “as vítimas de tráfico não são criminalmente responsáveis
pela prática de actos relacionados com o tráfico previstos na presente Lei ou que tiverem
sido coagidas a praticar, sendo o seu consentimento irrelevante”.32
Outros mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas são a investigação e recolha
de informações sobre as vítimas de tráfico, particularmente as mulheres e crianças, junto da
comunidade onde estejam a residir e a coordenação com o poder local incluindo as
autoridades comunitárias no combate às situações de vulnerabilidade.33
Ainda o artigo 28 estatui que “no âmbito da prevenção e combate ao tráfico, compete ao
Governo, promover a formação especializada dos agentes de migração, de investigação
criminal, guarda fronteira e agentes aduaneiros”.
3. Eficácia dos mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas
Segundo o relatório da Embaixada dos EUA, o governo de Moçambique está a envidar
esforços tendentes a tornar eficazes os mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de
pessoas, avançando que em 2011, foi instituindo “um novo curso de duas semanas no seu
centro de formação policial para novos agentes”34, apesar de acautelar que apesar destes
avanços, o governo envidou esforços mínimos para proteger as vítimas do tráfico, aumentar a
consciencialização pública.
32 Artigo 20, nº 3 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho. 33 Alíneas c) e d) do artigo 27 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho. 34 Relatório do Departamento do Estado sobre Tráfico de Pessoas, disponível em
www.portuguese.maputo.usembassy.gov, acesso em 29 de Nov. 2012.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 28
Na verdade, as acções de formação como forma de prevenção e combate ao tráfico de pessoas
é um dos mecanismos previstos no artigo 28 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho.
Segundo o mesmo relatório, “as técnicas policiais de investigação, treinamento, capacidade e
habilidades forenses são dadas como sendo muito fracas, particularmente fora da capital.
Especialistas locais relatam que estas deficiências levaram à absolvição de três alegados
criminosos na Província de Manica”.
É pois compressível esta constatação, porque a polícia de investigação não dispõe de meios
apropriados para perseguição e investigação de criminosos que, servindo-se de meios mais
sofisticados, atravessam fronteiras.
Há igualmente a indicação de casos de funcionários do governo que facilitaram o tráfico e
crimes relacionados com o tráfico. Os traficantes geralmente subornavam os agentes policiais
para lhes permitirem o movimento das vítimas do tráfico dentro do país e através das
fronteiras nacionais para a África do Sul e Suazilândia, às vezes sem passaportes.35
Tais casos de corrupção dos agentes do Estado são relatados, dando conta que “em Janeiro de
2012, a polícia na Beira anunciou a detenção de dois funcionários dos Serviços de
Identificação Civil da Província de Sofala por alegadamente fornecerem bilhetes de
identidade moçambicanos a quatro cidadãos estrangeiros”.
Em finais do ano de 2012, foi aprovada a lei sobre a protecção de denunciantes, testemunhas e
outros intervenientes processuais. Porém, segundo o relatório que temos vindo a citar, “o
governo providenciou financiamento muito limitado para as ONGs ou organizações
internacionais que realizam trabalhos de combate ao tráfico em Moçambique. Os
funcionários do governo continuaram a depender das ONGs para o fornecimento de abrigo,
aconselhamento, alimentação e reabilitação das vítimas”36.
O Governo de Moçambique demonstrou uma diminuição nos esforços de prevenção do tráfico
durante o período em referência e não possui um único órgão de coordenação dos esforços
anti-tráfico através de todos os ministérios.
35 Vide Ibidem. 36 Relatório já citado.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 29
Existe um plano de acção nacional de combate ao tráfico de seres humanos, como uma
subsecção do actual plano quinquenal do governo de combate ao crime, e o Ministério da
Justiça iniciou a elaboração de um plano independente, específico para o tráfico. O Ministério
do Trabalho empregou inspectores do trabalho, mas estes eram demasiado reduzidos em
número, careciam de recursos tais como transporte, e na generalidade não tinham recebido
formação relacionada com o tráfico de seres humanos. 37
Como é comumente aceite, “a pessoa traficada pode ter sido forçada ou ainda ter dado seu
consentimento. Isso pode acontecer quando o traficante recorre à ameaça, coação, à fraude,
ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade da pessoa ou à entrega
ou aceitação de pagamentos ou benefícios”.38
Havendo consentimento das pessoas traficada, nestes casos, não descaracteriza o crime.
Sendo assim, mesmo consentindo em ser traficada a pessoa continua tendo o direito de ser
protegida por lei. Uma situação bastante comum é o aliciamento pela oferta de emprego.
Dessa forma, muitas mulheres são traficadas e, geralmente, para fins de exploração sexual.
Nestes casos, pode na verdade acontecer que a vítima concorda em “ser traficada”, se tal acto
for a única alternativa para melhorar a sua vida. A ser assim, pouca colaboração se pode obter
da vítima, dificultando a investigação e a condenação.
Há quem defenda que se adopte medidas repressivas e protagonizadoras. Segundo esta linha
de pensamento, no primeiro caso, pode acontecer que, com o objectivo de enfrentar o tráfico
de seres humanos, sejam tomadas medidas contrárias aos interesses das pessoas traficadas,
dificultando a migração legal, diminuindo as possibilidades para o trabalho no exterior e
limitando, principalmente, os direitos das mulheres migrantes.
37 Ibidem. 38 Adital, Tráfico de seres humanos. O que é e como enfrentar, disponível, http://amaivos.uol.com.br/, acesso em
14 de Fev. 2013.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 30
Já as medidas protagonizadoras partem do raciocínio básico de que, no dia em que houver
possibilidades suficientes para migrar de maneira legal e segura, e os migrantes tiverem os
seus direitos garantidos, ninguém mais cairá nas redes do tráfico de pessoas.39
39 Adital, Tráfico de seres humanos, op. cit.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 31
Capítulo III - Direito Comparado e Dados de Campo
1. Direito Comparado
Fazendo uma comparação de como os outros países da língua portuguesa que ratificaram no
seu ordenamento jurídico temos:
Em Portugal, a ordem jurídica daquele país tipifica no seu código penal o crime de tráfico de
pessoas no seu artigo nº160 nºs 1 a 6 do Código Penal Português.40
Segundo Paulo Costa,41 no primeiro Código Penal após o 25 Abril de 1974, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 400/82, de 29 de Setembro, o crime de tráfico de pessoas estava previsto no
artigo 217.º, na secção dos “crimes sexuais”, no capítulo relativo aos “crimes contra os
fundamentos ético-sociais da vida social”.
Refere o autor que “praticava este crime quem aliciasse, seduzisse ou desviasse alguma
pessoa mesmo com o seu consentimento, para a prática, em outro país, da prostituição ou de
actos contrários ao pudor ou à moralidade sexual, sendo punido com pena de prisão de 2 a 8
anos e multa até 200 dias”.42
O Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu a uma revisão do CP, integrou o
crime de tráfico de pessoas no artigo 169.º, na secção de “crimes contra a liberdade sexual”,
do capítulo dos “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”. Aqui punia-se “quem,
por meio de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, levar outra pessoa à
prática em país estrangeiro da prostituição ou de actos sexuais de relevo, explorando a sua
situação de abandono ou de necessidade”.
40 Na redação que lhe foi impressa pela lei 59/07 de 4 de Setembro, publicada no diário da Republica nº 970, I
serie A, de 4 de Setembro de 2007 41 COSTA, Paulo, Tráfico de pessoas. Algumas considerações legais, disponível em www.pascal.iseg.utl.pt,
acesso em 13 de Fev. 2013. 42 COSTA, Paulo, op. cit.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 32
Este artigo voltaria a ser alterado, neste caso, pela Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto, que fixou
a sua actual redacção: «Quem, por meio de violência, ameaça grave, ardil, manobra
fraudulenta, abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica,
económica ou de trabalho, ou aproveitando qualquer situação de especial vulnerabilidade,
aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de pessoa, ou propiciar as
condições para a prática por essa pessoa, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos
sexuais de relevo, é punido com prisão de 2 a 8 anos”.
Actualmente, o artigo 169.º pune apenas o tráfico internacional de pessoas, pelo que as
situações de tráfico nacional (em território português), são punidas por outras normas,
nomeadamente, pelo artigo 170.º (crime de lenocínio). O envolvimento de menores no tráfico
internacional de pessoas é objecto de uma previsão legal específica no artigo 176.º, n.º 2. Para
a punição do agente é suficiente o aliciamento, o transporte, o alojamento ou o propiciar de
condições para o exercício de prostituição ou actos sexuais de relevo no estrangeiro.43
Em Timor Leste, o sistema jurídico consagra os crimes de auxílio a imigração ilegal e tráfico
de pessoas no disposto nos artigos nºs 79 e 81 da lei 9/2003 de 6 de Maio, esta é uma
tipificação e anterior a ratificação dos protocolos, ocorrida em 9 de Novembro de 2009.
O Brasil tem na sua legislação a quem introduzir clandestinamente ou ocultar clandestino ou
irregular do artigo 125º da lei nº 6.185 de 19 de Agosto de 1980, estando já prevista a entrada
em vigor de um novo regime jurídico de estrangeiros no decurso de curso do ano de 2010.44
Neste país é possível destrinçar entre o tráfico externo e interno de pessoas, punidos em
disposições diferentes.
Em Angola, o sistema penal consagra penalmente a conduta tipificada como promoção e
auxílio e entrada ilegal, conforme definida no artigo 113º da lei nº2/2007 de 31 de Agosto;
Na Guine Bissau não foi adoptado ainda nenhum diploma legislativo que proceda a
criminalização do tráfico de pessoas ou introdução clandestina de migrantes.
43 Ibidem. 44 Com base no regime constante no decreto nº 5.948/06,de 26 de Outubro de 2006
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 33
São Tomé e Príncipe adoptou de auxílio a imigração ilegal na tipificação penal da conduta
descrito no protocolo relativo ao tráfico ilícito de migrantes como introdução clandestina de
migrantes.45
2. Análise e interpretação de Dados do Campo
Subordinado ao tema de pesquisa, foi realizado um inquérito que decorreu na cidade de
Chimoio, tendo sido abrangidos 17 (dezassete) cidadãos de diversos grupos sociais, entre
magistrados, advogados, estudantes e cidadãos comuns, em geral.
A primeira questão procurava saber se os inquéritos já ouviram falar de tráfico de pessoas.
Nossa expectativa era ouvir todos responderem de forma positiva, mas surpreendentemente, 4
(quatro) dos inquéritos afirmou nunca ter ouvido desse fenómeno. Porém, a maioria, em
número de 13 (treze) envolvidos, conhece o que era o tráfico ou venda de pessoas, como
mostra o gráfico infra:
Das treze pessoas que conhecem o fenómeno, perguntamos se já ouviram ou presenciaram um
caso concreto de tráfico de pessoas. Dez pessoas afirmam ter ouvido de um caso concreto de
tráfico de pessoas, uma pessoa disse ter presenciado na sua família, devido à tentativa de
tráfico de sua própria filha e duas pessoas nunca ouviram de um caso em concreto.
Graficamente, temos:
45 Cfr. Art nºs 93 e 94 da lei 5/2008
Sim
76%
Não
24%
Sem resposta
0%
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 34
A grande maioria dos inquéritos tomou conhecimento de casos de venda de pessoas através
dos órgãos de comunicação social (televisão, rádio e jornais), e duas pessoas tomaram
contacto directo com este fenómeno devido à sua intervenção processual, como magistrados.
Graficamente, temos o que se segue:
Uma vez que um dos mecanismos apresentados pela lei como meio de prevenção do tráfico de
pessoas é a sensibilização e a divulgação legislativa, questionamos os inquéritos se alguma
vez participaram numa acção de divulgação da lei ou sensibilização sobre o fenómeno.
Orgãos de
comunicação
88%
Intervenção
processual
12%
Ouviu falar
77%
Presenciou na
sua familia
8%
Nunca
15%
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 35
Dos treze inqueridos, onze nunca participaram nem ouviram de qualquer acção nesse sentido.
Apenas dois inqueridos, por sinal magistrados, afirmam ter assistido a uma acção de
divulgação, estratégia e sensibilização, num evento organizado pela Procuradoria Provincial
de Manica, juntamente com parceiros como a Save the childrem, PRM e outros.
Graficamente temos a seguinte representação:
Questionamos ainda se a forma como as fronteiras estão organizadas, dificulta ou não tráfico
de pessoas para o exterior. A generalidade dos inquéritos respondeu que não dificulta, uma
vez que os mecanismos de controlo do movimento trans-fronteiriço não são dos melhores.
Alegam ainda questões de corrupção, falta de meios humanos para cobrir a vasta fronteira e
outros factores a considerar.
Assim, o que propicia a fragilidade das fronteiras são aqueles factores acima indicados que,
em representação gráfica temos:
Nunca
85%
Sim
15%
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Ora, numa análise simplista das experiências de tráfico, ficou claro que a maior parte das
vítimas do tráfico são pobres e que, com promessa de emprego ou vida melhor acabam
aceitando as propostas. A pergunta era, em face disso, como combater o fenômeno?
Dos inquéritos foram apresentadas diversas opiniões. Alguns defendem que se deve
sensibilizar a sociedade sobre o tráfico de pessoas e garantir-se maior divulgação da lei que
pune esta prática.
Alguns entrevistados defenderam que se deve combater o fenómeno atacando os pontos de
vulnerabilidade, no que concerne aos aspectos econômicos e sociais. Defendem que se deve
consciencializar as comunidades dessa ilicitude criminal e dos males que ela causa.
Outros, sem fugir muito ao teor das propostas a retro, afirmam que o trabalho de educação
cívica nas comunidades e a cooperação internacional podem ser as melhores alternativas para
minorar ou mesmo conter o crime de tráfico de pessoas.
Também há quem defenda que para combater este mal, se deve criar mais postos de trabalho
para diminuir o grande índice de desemprego e assim também reduzir a pobreza.
Foram igualmente apresentados comentário livre dos entrevistados que julgamos
interessantes.
Não dificulta
100%
Dificulta
0%
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Assim, alguns afirmaram que o fenômeno de tráfico de pessoas não deve ser ignorado e deve
haver uma vontade firme do Governo, até a comunidade de combater este mal. Esta parceria
seria útil do que qualquer acção isolada.
Entendem também que o fenômeno tráfico de pessoas é uma nova forma de escravatura, de
coatar o direito do cidadão de liberdade que é um direito fundamental plasmado na
Constituição da Republica.
Aconselha-se a melhoria das infraestruturas de base e potenciar os meios adequados para
maior vigilâncias.
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1. Conclusão
Do que ficou atrás exposto, podemos concluir que o tráfico de pessoas é uma violação dos
direitos humanos fundamentais que cresce a cada dia em nível global. Por isso tornou-se uma
preocupação mundial, tanto para a opinião pública, quanto para os órgãos de defesa dos
direitos humanos e para os Estados envolvidos. Estes últimos preocupados em criar
mecanismos legais e acções públicas para enfrentar o problema.
Foi nesta linha que, o nosso país aprovou a lei nº 6/2008, de 9 de Julho. Nos termos desse
diploma legal, o tráfico de pessoas é considerado crime por impedir que o ser humano exerça
seus direitos, como liberdade de escolha, direito ao próprio corpo e a uma vivência saudável
da sexualidade. Além de crime, ele viola o princípio básico da Constituição, o da dignidade da
pessoa humana.
Na previsão legal do artigo 10 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho, o facto de se fixar de forma
taxativa (numerus clausus) das finalidades a que se deve destinar o tráfico, dificulta o
enquadramento de diversas condutas e situações em que, ainda não se sabe a que se destinava
a venda de uma pessoa. Assim, condutas reprováveis podem escapar das malhas da justiça,
quando não for determinada a finalidade da venda de uma pessoa.
A abordagem teórica, legislativa e os dados de campo permitem afirmar que a precaridade
social e vulnerabilidade das fronteiras, a falta de preparação do pessoal e o crime organizado
propiciam fragilidade no sistema de controlo (jurídico, administrativo e social) com as
implicações daí resultantes, confirmando-se assim a nossa hipótese de pesquisa.
Ainda, podemos assumir que, a adopção de medidas viradas para a responsabilização familiar,
através de consciencialização social sobre o fenómeno iria contribuir para maior prevenção do
tráfico de pessoas.
É que na verdade, a família é a entidade primeira que deve assumir as suas responsabilidades
na educação, protecção e defesa dos seus filhos.
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Os mecanismos previstos na lei sobre o tráfico de pessoas não se mostram eficazes, uma vez
que, devidos a factores económicos, a vulnerabilidade das pessoas, em particular das
mulheres, muitas vezes sem possibilidades de emprego e criança, pode dificultar qualquer
acção de combate a este mal.
A divulgação da lei e os mecanismos de prevenção e combate ao tráfico de pessoas não é
suficiente, havendo mesmo comunidades que nunca ouviram deste crime, o que dificulta
sobremaneira a vigilância popular, para combater um mal que não conhecem.
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2. Recomendações
Existindo já um quadro legislativo de combate ao tráfico de pessoas, é de recomendar que os
agentes responsáveis pelo cumprimento da lei devem ter domínio desses instrumentos. Assim,
recomenda-se a formação adequada de pessoas e uma especialização na matéria de luta contra
o tráfico, sobre os domínios processuais e mecanismos de prevenção e combate.
Recomenda-se uma abordagem integrada quando se falar de transparência e ética, nas acções
de combate à corrupção, uma vez que, a corrupção tem viabilizado o tráfico de pessoas, na
medida em que, sendo os traficantes avantajados em termos financeiros, podem corromper os
funcionários públicos.
As campanhas de consciencializações devem ser dirigidas as propensas vítimas e membros
das comunidades locais, bem como actores estatais e não estatais a trabalharem na área de
protecção da vítima em geral.
É necessário implementar medidas e procedimentos específicos para a identificação das
vítimas em risco. Os sucessos e desafios destes procedimentos de identificação já vividos por
programas nacionais e regionais devem ser levados em consideração, no desenvolvimento de
uma abordagem que seja adequada ao contexto em Moçambique.
As escolas devem desempenhar um papel importante na consciencialização de crianças,
recomendando-se assim a inclusão nos currículos de matérias sobre o tráfico de pessoas.
Recomenda-se a aprovação de um plano nacional ou estratégia nacional de combate à
corrupção, de onde seriam delineadas as linhas de orientação e actuação dos sectores
envolvidos.
E finalmente, recomenda-se a alteração do artigo 10 da Lei nº 6/2008, de 9 de Julho, devendo
admitir como crime qualquer tráfico de pessoa, independentemente da finalidade a que se
destina esse tráfico, de modo a abranger a maior parte das situações que possam surgir.
Ineficácia dos Mecanismos de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas – Sandra Liliana Allen Página 41
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3. Lei nº 6/2008, de 9 de Julho.
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