trabalho de literatura

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Língua Portuguesa para fins específicos: Gênero Acadêmico – Resumo Professora: Maria Ângela Resende de Araújo – 1º período – Em 30/05/14 Aluna: Samara Kelly Peixoto de Lima Este trabalho, tendo em vista os conceitos de dialogismo e intertextualidade, pretende fazer uma análise comparativa entre os textos “Poema de Sete Faces, “Com Licença Poética”, “let’s Play That”, “CDA (Imitado)”, escritos respectivamente pelos poetas brasileiros Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Torquato Neto e Orides Fontela. A literatura, assim como outros tipos de textos, é trespassada pela intertextualidade, isto é, constantemente um texto faz referência a outro, estabelecendo, desse modo, um dialogo entre textos. Segundo José Luiz Fiorin “a intertextualidade é o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo” (2003, p.30). O conceito de dialogismo é um dos temas centrais da obra do filósofo Mikhail Bakhtin, isto porque o autor considera a interação verbal como elemento imprescindível no processo comunicativo, ou seja, a inserção do outro é fundamental para que a comunicação aconteça, logo, a

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Literatura e arte

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Lngua Portuguesa para fins especficos: Gnero Acadmico ResumoProfessora: Maria ngelaResende de Arajo 1 perodo Em 30/05/14

Aluna: Samara Kelly Peixoto de Lima

Este trabalho, tendo em vista os conceitos de dialogismo e intertextualidade, pretende fazer uma anlise comparativa entre os textos Poema de Sete Faces, Com Licena Potica, lets Play That, CDA (Imitado), escritos respectivamente pelos poetas brasileiros Carlos Drummond de Andrade, Adlia Prado, Torquato Neto e Orides Fontela. A literatura, assim como outros tipos de textos, trespassada pela intertextualidade, isto , constantemente um texto faz referncia a outro, estabelecendo, desse modo, um dialogo entre textos. Segundo Jos Luiz Fiorin a intertextualidade o processo de incorporao de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transform-lo (2003, p.30).O conceito de dialogismo um dos temas centrais da obra do filsofo Mikhail Bakhtin, isto porque o autor considera a interao verbal como elemento imprescindvel no processo comunicativo, ou seja, a insero do outro fundamental para que a comunicao acontea, logo, a linguagem substancialmente dialgica e social. Isso fica claro no seguinte trecho:

[...] Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela determinada tanto pelo fato de que procede de algum, como pelo fato de que se dirige para algum. Ela constitui justamente o produto da interao do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expresso a um em relao ao outro. Atravs da palavra, defino-me em relao ao outro, isto , em ltima anlise, em relao coletividade [...]. (BAKHTIN, 2006: 115).

A partir da afirmao de Bakhtin, pode-se dizer que o texto se apia em outro preexistente, ou seja, um texto sempre evoca outro, e a essa interao entre locutor e ouvinte se d o nome de relao dialgica. Todavia, no se pode dizer que determinado texto ou palavra esteja esgotada por carregar em sua estrutura tantos outros textos, pois o sentido construdo de diversos modos, e o texto sempre est inserido em um contexto, por isso, tambm, adquire um novo sentido. Por se considerar no presente trabalho que o texto est atrelado ao contexto, para uma melhor anlise, se faz fundamental resgatar o contexto scio-histrico em que se deram tais produes. O escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade, nascido em Itabira, publica em 1930 o livro Alguma Poesia que foi lanado num perodo de intensa atividade poltica e cultural. Nas artes, as vanguardas europias reviraram o cenrio artstico mundial e no Brasil acontecia a Semana de Arte Moderna, evento vanguardista de 1922 que revolucionou a concepo de arte no Brasil e que considerado o marco inicial do modernismo brasileiro e havia a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque que deixava o painel poltico e econmico bastante vulnervel. O clebre Poema de Sete Faces presente no livro Alguma Poesia se tornou um hino potico cantado por todas as geraes at ento. As Sete Faces do ttulo do poema correspondem s sete estrofes, e atravs delas o sujeito potico nos ser revelado de forma fragmentada. Nesse poema Drummond inaugura em sua poesia a potica do gauche. O gauche o indivduo que no se adapta no mundo em que vive, o sujeito que se sente deslocado em face do mundo e de si mesmo. Vejamos a primeira estrofe:

Quando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: Vai Carlos! ser gauche na vida.(ANDRADE 2013: 11)

Nessa primeira estrofe a intertextualidade claramente percebida pelo leitor, pois o eu - lrico retoma a passagem bblica em que o anjo Gabriel anuncia Maria o milagre da gravidez, entretanto no Poema de Sete Faces o anjo anunciador no o anjo bblico, e sim um anjo deslocado e torto que anuncia no uma graa virgem, mas uma espcie de maldio sobre o poeta. A segunda estrofe metonimicamente apresentada pelas casas que espiam os homens que correm atrs das mulheres e parece nos mostrar a face itabirana do sujeito potico que se funde o tempo todo com o prprio Drummond, pois sabemos que na pequena cidade de Itabira era e comum as pessoas observarem a vida uma das outras, assim como esse hbito visto at hoje em outras cidadelas e, de forma notvel, em Minas. Mas no s isso, o desejo pungente nessa estrofe, o desejo o enfoque do sujeito potico, ali, suprimido na ao. A terceira estrofe cita o bonde que passa cheio de pernas e revela o questionamento do corao do eu - lrico frente a tantas pernas: Para qu tantas pernas, meu Deus, o bonde nos remete imediatamente ao Rio de Janeiro, e novamente, nos parece que o poeta de alma mineira, ou melhor, o sujeito potico se sente deslocado naquele ambiente cheio de pessoas, e seus olhos se opem ao corao, pois nada perguntam. Talvez seja capcioso ora dizer o poeta, ora dizer o sujeito potico, visto que so diferentes, sendo o primeiro o autor e o segundo o eu ficcional, isto , a voz que fala no poema, todavia nesse poema como em outros tantos, o autor e o sujeito potico tendem a se fundir, principalmente por no ignorarmos sua biografia. Dessa forma, o presente trabalho no adotar um rigor formal quando for se referir ao poeta e ao eu - lrico, uma vez que se trata de uma interpretao que leva em conta a vida ntima do autor. No decorrer do poema, nas estrofes seguintes, as facetas do sujeito potico continuam sendo desveladas. Na quarta estrofe, o eu - lrico se apresenta como O homem atrs do bigode que srio, simples e forte, nessa estrofe nos deparamos com o sujeito potico que se refere a si de modo distanciado, como se dissesse de outrem, como se auto-observasse de fora. A quinta estrofe oposta a quarta, pois agora o homem que outrora era forte, agora se torna frgil. Aqui, h novamente um deslocamento de figuras de linguagem, porque esse trecho faz referncia explicita passagem da bblia em que Jesus se dirige aos cus e questiona Deus, porm aqui, no mais Jesus que se volta para o alto, o humano transfigurado em Jesus que representa o sujeito fragilizado, fragmentado e impotente diante de Deus, que no poema pode estar representando a totalidade ou representando a si mesmo. O aspecto ldico pulsante na sexta estrofe, nela o eu - lrico brinca com as palavras mundo e Raimundo, e tambm h uma comparao com vastido do mundo e vastido do eu. Por fim a stima estrofe intrigante e inesperada, porque a nica face de fato descontrada do eu - lrico e se ope de tal forma ao eu das primeiras estrofes que poderamos supor que por ser a stima face, talvez seja a mais recndita do sujeito potico, pois justamente essa face desarma todas as outras. O poema comea num tom e termina em outra, que vai de grave suave, da dor ao riso. Poderia ser dito muito mais sobre o poema acima, no entanto, preciso seguir adiante e mostrar o desdobramento do Poema de Sete Faces em outros poemas. A poeta mineira Adlia Prado nasceu em 1935 na cidade de Divinpolis, seu poema Com Licena Potica dialoga explicitamente com Drummond. A intertextualidade j comea a ser percebida no ttulo. como se Adlia pedisse licena ao poeta para lhe subverter o poema, e exatamente o que ela faz. O anjo torto passa a ser um anjo esbelto que toca trombeta e que anuncia um futuro positivo, porm pesado. A sina do eu - lrico ocupar uma posio de destaque num mundo onde as mulheres no tm voz. Afinal, ser poeta num universo predominantemente masculino no fcil, porm, Adlia aceita seu destino mesmo sabendo que mulher e, para abraar o seu fado, lana mo de seus pretextos: No sou to feia que no possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza.. E o mais importante de tudo que o eu - lrico cumpre a sina que lhe foi posta: ser escritora. Nasceu mulher e por isso desdobrvel.Torquato Neto, nascido em 1944, foi o poeta da gerao anos 60 e 70. Neste contexto scio-histrico reinavam a ditadura militar imposta em 1964 e a forte censura do AI-5. No contexto artstico-cultural surgia o importante movimento tropicalista, do qual Torquato Neto foi um grande colaborador. Em seu poema Lets Play That, feito em parceria com Jards Macal, Torquato parece ter arrancado o poema de Drummond dos anos 30 e o trazido para os loucos anos 70. O poeta mantm o deslocamento e o gaushisme originrios dos poemas de Drummond, porm a melancolia totalmente descartada e o fato de ser gauche toma um sentido positivo, isso traz ao poema de Neto uma nova dimenso. A sorte que o anjo louco prenuncia parece at desejada pelo eu - lrico. Em meio ditadura, a sina de Torquato era desafinar o coro dos contentes. Foi exatamente o que ele fez.Em CDA (Imitado), Orides Fontela dialoga particularmente com a sexta estrofe do Poema de Sete Faces, o ttulo explicita o que vem a ser o poema: Carlos Drummond de Andrade (Imitado). Mas, imitao aqui no esta significando cpia, e sim, representao, como na potica de Aristteles. A poetisa, de forma extremamente econmica, assume ainda mais a viso pessimista que h no poema de Drummond, porm com um elemento adicional, assim como no poema de Adlia, esse um discurso feminino e a palavra Vida sequer rima com Aparecida, nesse momento, o sujeito potico deslocamento e se transfigura na voz de uma mulher.Como visto acima, o poema de Drummond reverberou por vrios poemas e geraes e em cada um deles foi transfigurado em outro. claro que este trabalho somente uma pequena amostra de como a intertextualidade a transformao de textos e a unio de diversas vozes. Atravs da anlise dos poemas feitos, tentamos mostrar como a intertextualidade e a relao dialgica perpassa pela linguagem, pois um texto se constri atravs de outro, como Bakhtin afirma. Nesse sentido, podemos afirmar que e a relao dialgica a propulsora da comunicao, que encontra na literatura um de seus terrenos mais fecundos.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ANDRADE C, Drummond. Alguma Poesia. Rio de Janeiro. Record. 2003BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12. ed. So Paulo: Hucitec, 2006.FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. 7. ed. So Paulo: tica, 2003.LAGES, Patrcia R. A. A Potica de Torquato Neto: Tradio, Ruptura e Utopia. Dissertao (Mestrado em Literatura e Crtica Literria) - Faculdade de letras, PUC, So Paulo, 2010. FREITAS, A. C. R. O Desenvolvimento do Conceito de Intertextualidade. Revistaicarahy. Edio n.06/2011. Disponvel em: www.revistaicarahy.uff.br