trabalho de criminologia - tendencias atuais da criminologia (terceira fase)

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UFSC — UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CCJ — CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS Disciplina: Criminologia Aluno: Victor Cavallini A criminologia, desde seu surgimento por volta do século XVIII, sempre enfrentou um grande obstáculo: o de sua própria superação. Tal enfrentamento se fez necessário pelo motivo de que o estudo da criminologia manteve-se sempre muito aquém do necessário para proporcionar um completo entendimento dos fenômenos e dos elementos que envolvem o direito penal: a saber, os criminosos, os crimes e as causas dos dois anteriores serem reconhecidos como tal. Antes de qualquer análise dos pormenores da dita “evolução” da criminologia, faz-se imperioso o próprio questionamento do caráter dessa evolução. Mais do que um desenvolvimento sucessivo, onde as novas escolas superam as anteriores, num evolucionismo da ciência criminológica, a disciplina da criminologia evidencia-se como uma série de tentativas de explicação que muitas vezes mostram-se frustradas, em virtude da complexidade do fenômeno “crime”. Não só no campo da criminologia é válida essa ressalva, mas muito pertinente também é a desconstrução da idéia de evolução do direito penal. Quanto à criminologia, observemos as figuras da criminologia Clássica e da criminologia Crítica. Grande parte dos estudos apresenta a segunda como superação da primeira. No entanto, cabe observar que a criminologia crítica, em muitos aspectos, não se propõe a rechaçar a criminologia clássica, e muitas vezes apresenta limitações em relação àquela. Assim, um importante aspecto a se considerar no estudo atual da criminologia é o de não se limitar a reducionismos: uma correta análise da dinâmica criminal só é possível se forem observados a maior gama possível de aspectos, de forma universalizante, a fim de obter, enfim, a interpretação mais correta do fenômeno do crime.

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Page 1: Trabalho de Criminologia - Tendencias Atuais Da Criminologia (Terceira Fase)

UFSC — UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACCJ — CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICASDisciplina: CriminologiaAluno: Victor Cavallini

A criminologia, desde seu surgimento por volta do século XVIII, sempre enfrentou um grande obstáculo: o de sua própria superação.

Tal enfrentamento se fez necessário pelo motivo de que o estudo da criminologia manteve-se sempre muito aquém do necessário para proporcionar um completo entendimento dos fenômenos e dos elementos que envolvem o direito penal: a saber, os criminosos, os crimes e as causas dos dois anteriores serem reconhecidos como tal.

Antes de qualquer análise dos pormenores da dita “evolução” da criminologia, faz-se imperioso o próprio questionamento do caráter dessa evolução. Mais do que um desenvolvimento sucessivo, onde as novas escolas superam as anteriores, num evolucionismo da ciência criminológica, a disciplina da criminologia evidencia-se como uma série de tentativas de explicação que muitas vezes mostram-se frustradas, em virtude da complexidade do fenômeno “crime”. Não só no campo da criminologia é válida essa ressalva, mas muito pertinente também é a desconstrução da idéia de evolução do direito penal.

Quanto à criminologia, observemos as figuras da criminologia Clássica e da criminologia Crítica. Grande parte dos estudos apresenta a segunda como superação da primeira. No entanto, cabe observar que a criminologia crítica, em muitos aspectos, não se propõe a rechaçar a criminologia clássica, e muitas vezes apresenta limitações em relação àquela. Assim, um importante aspecto a se considerar no estudo atual da criminologia é o de não se limitar a reducionismos: uma correta análise da dinâmica criminal só é possível se forem observados a maior gama possível de aspectos, de forma universalizante, a fim de obter, enfim, a interpretação mais correta do fenômeno do crime.

Em se tratando do direito penal, claramente, em grande parte da doutrina, nos é apresentado um estudo que se propõe analisar uma evolução do direito penal. No entanto, tal análise passa a desconsiderar os aspectos culturais e sociais que fundamentavam o direito penal nas diferentes épocas. E mais que isso, uma análise calcada na observação da “superação” do novo pelo velho acaba por legitimar um sistema muitas vezes falho, débil, incapaz de promover aquilo com o que mais se compromete (inclusive promovendo o oposto): a paz social. Assim, consideramos o direito penal atual plenamente legítimo, já que ele é muito melhor do que o apresentado na idade média, deixando de questionar o porquê da existência e da validade do direito penal como mecanismo capaz e necessário. Assim, não deixamos passar, por exemplo, os questionamentos concernentes à criação de uma lei dos “crimes hediondos”, apesar da conhecida falibilidade do sistema punitivo. Antes de se estudar o novo como o mais adequado, cabe observar, portanto, os (reais) motivos para esse “novo” ser válido.

Analisando, portanto, apenas cronologicamente, observamos importantes e marcantes paradigmas nos estudos da criminologia, divididos em grandes escolas: a clássica, a positiva e a crítica.

A criminologia clássica marca o nascer da matéria de criminologia. Consistia, basicamente, no estudo do crime e do criminoso a partir da idéia de razão, de racionalidade.

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Marcadamente, o criminoso caracteriza-se como o homem que, racionalmente, ou seja, através da autonomia da sua vontade, decide não cumprir as regras aceitas pelos homens e, portanto, válidas (claro, numa análise bastante sucinta). Uma das maiores deficiências dessa doutrina eram as bases lançadas para a fundamentação do direito penal: havia, na base de tudo, um pacto, um contrato social, algo com que, de certa forma, todos concordavam. Assim, dificilmente faziam-se questionamentos acerca das bases do poder que o Estado tinha para promover a política penal. Na maioria das vezes, os estudos criminológicos limitavam-se a analisar os motivos que levavam o criminoso a praticar delitos, sob um prisma da vontade do mesmo.

Já na escola positivista, o problema do reducionismo também persistia. O que mudava eram os aspectos que condicionavam os crimes: entrava em cena o viés biopsicológico do criminoso, devido à sua suposta comprovabilidade, ou seja, à possibilidade de se estudar através de métodos empíricos.

Só com a ascensão da criminologia crítica lançaram-se as bases para um estudo um pouco mais amplo do criminoso. Isso porque a característica mais marcante desse paradigma é o questionamento dos fundamentos do direito penal. Afinal, por que o criminoso era considerado criminoso? Por que os crimes eram crimes?

Assim, surgiram várias teorias acerca das verdadeiras razões para o direito penal ser o que é e, ainda assim, permanecer como está, superando o mero dogmatismo e a crença na evolução do Direito. Tais teorias muito lograram no aspecto de uma análise universalizante, buscando uma compreensão quase sempre ampliada do fenômeno do crime. Um grande exemplo disso é a criminologia dialética, proposta por Lyra Filho, um grande criminólogo crítico brasileiro, que, como o próprio nome diz, busca fazer uma análise dialética do crime e do criminoso, buscando tanto as motivações pessoais quanto as sociais do crime.

No entanto, ainda assim a criminologia crítica apresenta limitações. Isso porque ao demonstrar a completa debilidade e ineficiência do direito penal, ela falha, muitas vezes, em apresentar uma alternativa viável a esse ramo do direito. É realmente difícil de imaginar uma alternativa ao direito penal à punição, inseridos que estamos numa sociedade regulamentada e permeada pela idéia de punição e retribuição, onde os desviantes devem “pagar” pelo que fazem.

Numa tentativa de se amenizar os efeitos nocivos do direito penal e do sistema prisional, tem surgido uma tendência à adoção progressiva de uma justiça restaurativa. Tal sistema surge como uma alternativa à punição ensejada pelo direito penal, buscando, antes de punir o agressor, reconstituir o bem-estar da vítima, bem como reeducar o criminoso, a fim de coibir a realização de novos delitos. Como qualquer alternativa à punição, a justiça restaurativa é muito válida. A contrário das penas de prisão, onde se observa claramente uma regressão no caráter psicológico do condenado, bem como a perpetuação de um sistema de exclusão que culmina na reprodução das relações sociais de exploração que ensejam a prática de crimes, a justiça restaurativa apresenta resultados muito positivos na vida do criminoso, que passa a apreender a importância de respeitar os direitos dos próximos, como na vida da vítima, que aprende a entender o outro lado, deixando de lado o sentimento de vingança tão difundido com as práticas do direito penal, bem como a vida da sociedade, já que tais métodos ensejam a desconstrução de todos os preconceitos presentes nas relações “incluídos”×”marginalizados”.

No entanto, ainda é difícil ver a solução de todos os problemas com a justiça restaurativa. Isso porque o modelo restaurativo também apresenta limitações. Cabe ressaltar que

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a justiça restaurativa é como um remédio: apresenta uma solução para se amenizar os problemas decorrentes das práticas punitivas, mas permanece inserido na lógica do direito penal e todos os valores defendidos pelo direito, que, como é sabido, muitas vezes são de relevância duvidosa (como, por exemplo, a importância dada aos institutos da propriedade em detrimento da promoção efetiva da igualdade), ou seja, ameniza os sintomas, mas o mal permanece. Aí é importante esquecer a idéia de superação e evolução do pensamento e buscar resgatar pontos importantes de outras perspectivas. Decorre disso que podemos estruturar conjuntamente a crítica da fundamentação do direito penal apresentada pela escola crítica com as soluções apresentadas pelo modelo restaurativo. Tem-se assim que, conjuntamente com as medidas de restauração, dever-se-ia aplicar medidas também de recuperação da própria estrutura do direito, resolvendo os problemas apontados através de uma crítica da estrutura “legitimada” que se apresenta, não se restringindo, portanto, apenas à inserção de um método menos nocivo dentro do mesmo sistema, que acaba só por impor limitações às possibilidades da efetivação de uma justiça.

A essa visão universalizante do conhecimento atribui-se a tendência denominada de Holismo. O estudo de direito e holismo apresenta-se como uma solução efetiva para o estudo da violência e do crime, haja vista que propõe um estudo de todos os fatores que compõem os fenômenos do crime, de maneira realmente universal, inclusive apontando a necessidade de se observar também as questões relativas ao equilíbrio interno do homem. Assim, propõe-se a promover um conhecimento que possibilite não só a compreensão do crime, mas também a compreensão do próprio homem, de sua natureza. Ultrapassa-se o âmbito objetivo, vindo a atingir também questões filosóficas e metafísicas do estudo do crime.

Assim, através dessas novas doutrinas é que a criminologia vem a se aproximar de seu objetivo: não o mero conhecimento das circunstâncias do crime, do criminoso e do direito penal, mas a compreensão e apreensão das limitações presentes nos mesmos, a fim de possibilitar a própria superação do homem em busca da paz. Superação esta que, à medida que os crimes se tornam mais complexos, se faz cada vez mais necessária. Tome-se, por exemplo, os novíssimos crimes virtuais. Trata-se de um problema muito recente, sem muitos estudos relacionados, e muito complexos, já que não possibilita a imediata identificação dos agentes criminosos e criminalizantes desses delitos. Apenas um estudo complexo desses novos fenômenos é que torna possível apreender toda a complexidade das circunstâncias e elementos desses novos crimes. Apresenta-se, portanto, o conhecimento complexo como a saída para a criminologia efetivamente encontrar as soluções para os problemas da violência e do crime, superando todos os entraves da constante renovação das estruturas e do conhecimento decorrentes da modernidade.

Promove-se, assim o questionamento do crime, das soluções apresentadas, das políticas adotadas, dos valores defendidos, bem como da sociedade que permite o desenvolvimento de atitudes tão reprováveis, a fim de se estabelecer o efetivo equilíbrio da sociedade. Equilíbrio a ser alcançado apenas através de uma longa escalada, haja vista a grandiosidade e complexidade de se estabelecer um conhecimento complexo e universal voltado à efetiva cura dos males presentes na vida do ser humano.