trabalho a fotografia aérea

33
A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11 CAPITULO 1 INTRODUÇÃO BREVE RESENHA HISTÓRICA SOBRE OS PRIMORDIOS DA FOTOGRAFIA AÉREA É sabido que o desenvolvimento da fotografia aérea se baseia no desenvolvimento do balonismo militar, da fotografia propriamente dita, e mais tarde no nascimento da aviação militar já no sec. xx. Já tinham sido feitas experiências no campo da fotografia com processos ópticos e químicos antes do sec. IXX, no entanto é a invenção de Louis Daguerre (com a ajuda de Nicéphore Niepce) que em 1839 marcou o maior avanço no desenvolvimento da fotografia (negativo de Daguerre ou “Daguerre type”). Um novo estágio foi alcançado, quando em 1851 o negativo em vidro húmido se tornou sensível à luz, o que reduziu o tempo de exposição para apenas 2 segundos, mas implicava e existência de uma câmara escura portátil para uma revelação imediata do negativo. A primeira fotografia aérea é atribuída a Gaspard Félix Tournachon, que em Outubro de 1858 utilizou um balão de ar quente para tirar uma fotografia à capital Francesa. Infelizmente estas fotos não sobreviveram ao passar do tempo e actualmente a mais antiga fotografia ainda existente, documenta Boston e data de 1860. UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 4 Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Upload: acacio-pedro

Post on 24-Jun-2015

1.217 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

CAPITULO 1

INTRODUÇÃO

BREVE RESENHA HISTÓRICA SOBRE OS PRIMORDIOS DA FOTOGRAFIA

AÉREA

É sabido que o desenvolvimento da fotografia aérea se baseia no desenvolvimento do balonismo

militar, da fotografia propriamente dita, e mais tarde no nascimento da aviação militar já no sec. xx.

Já tinham sido feitas experiências no campo da fotografia com processos ópticos e químicos

antes do sec. IXX, no entanto é a invenção de Louis Daguerre (com a ajuda de Nicéphore Niepce)

que em 1839 marcou o maior avanço no desenvolvimento da fotografia (negativo de Daguerre ou

“Daguerre type”).

Um novo estágio foi alcançado, quando em 1851 o negativo em vidro húmido se tornou sensível

à luz, o que reduziu o tempo de exposição para apenas 2 segundos, mas implicava e existência de

uma câmara escura portátil para uma revelação imediata do negativo.

A primeira fotografia aérea é atribuída a Gaspard Félix Tournachon, que em Outubro de 1858

utilizou um balão de ar quente para tirar uma fotografia à capital Francesa. Infelizmente estas fotos

não sobreviveram ao passar do tempo e actualmente a mais antiga fotografia ainda existente,

documenta Boston e data de 1860.

Em 1871 é atingida uma nova meta na história da fotografia com a invenção do negativo seco

por Richard Maddox, consistindo em placas de vidro revestidas por uma emulsão gelatinosa

composta por diferentes químicos. Estas placas fotográficas eram muito mais sensíveis à luz e

permitiam um tempo de exposição de menos de um segundo. Adicionalmente estas placas podiam

ser reveladas muito mais tarde, não sendo necessário ter presente uma câmara escura portátil.

Devido a estas duas razões a fotografia aérea podia agora começar a ser explorada em larga

escala. É a partir deste ponto que balões e dirigíveis são constantemente utilizados como

plataformas de câmaras de fotografia aérea.

Mas foram os eventos de 17 de Dezembro de 1903 que influenciaram profundamente a história

quer da aviação quer da fotografia aérea. Nesse dia os irmãos Wright fizeram o primeiro voo em

avião a motor, voo esse que durou apenas 12 segundos mas que abriu as portas à aviação moderna.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 4Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 2: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

É também atribuída a Wilbur Wright a primeira fotografia aérea tirada em avião em 1909,

fotografia essa tirada sobre Itália. A partir desse momento uma nova plataforma fotográfica aérea

seria explorada em todas as suas vertentes sendo então massivamente utilizada durante a primeira

guerra mundial.

A primeira fotografia aérea efectuada em Inglaterra com fins exclusivamente arqueológicos, foi

tirada a Stonehenge pelo Tenente P. H. Sharpe em 1906 utilizando um balão como plataforma

fotográfica, (Deuel 1969). Estas fotos revelam-se importantes porque mostram marcas nos campos

cultivados que culminaram na altura em novas descobertas arqueológicas.

No entanto noutras partes da Europa a fotografia aérea já tende a caminhar nesta direcção. Em

Itália muitos monumentos e sítios arqueológicos foram fotografados no período de 1899-1911 sobre

a direcção de Giacomo Boni.

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Logo no início da Primeira Grande Guerra, em Agosto de 1914, a esperada guerra de

movimentos estratégicos, rapidamente mudou para uma guerra posicional nas trincheiras

implicando grande número de voos de reconhecimento sendo a fotografia aérea a principal “arma”

utilizada neste campo. A primeira guerra mundial torna-se uma regra chave no desenvolvimento

futuro da fotografia aérea e no aproveitamento da sua aplicação na arqueologia.

A importância da fotografia aérea aplicada a este campo era na altura muito pouco relevante,

mas num dos importantes trabalhos sobre arqueologia aérea “Aerial Archaeology in Britain” (Riley

1996), Derrick Riley diz:

“O início da fotografia aérea arqueológica advém do resultado do ímpeto

dado à aviação durante a primeira grande guerra, e ao crescimento do

número de voos efectuados na altura. Os arqueólogos eram poucos na época,

mas entre eles havia um que tinha sido observador na “Royal Flying Corps”,

O. G. S. Crawford e que se tornou no mais importante pioneiro da fotografia

aérea” (Riley 1996).

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 5Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 3: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Poder-se-á dizer que o início da fotografia aérea arqueológica foi o resultado do ímpeto dado

à aviação em consequência da primeira guerra mundial e ao grande número de voos efectuados

durante este conflito. Independentemente do grande desenvolvimento do avião da câmara fotográfica

e das técnicas utilizadas nas películas no virar do sec. IXX.

Fig. 1-1: Exemplo de fotografia aérea para fins militares tirada sobre Oosttaveern Wood 1917 (Fonte: Flanders Fields Museum).

OUTROS TEATROS DE GUERRA DA ÉPOCA

Noutros teatros de guerra algumas descobertas arqueológicas importantes foram feitas por

iniciativa dos Franceses, Britânicos e Alemães. Na época uma importante descoberta feita através da

fotografia aérea é atribuída ao alemão Carl Schuchhardt, com fotos das linhas Romanas de Dobrujda

(Roménia) em 1918.

Theodor Wiegand é de entre todos os pioneiros neste campo, bem conhecido pela criação do

“DEUTSCH-TURKISCHEN DENKMALSCHUTZKAMMANDO” (Departamento para a protecção

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 6Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 4: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

de monumentos). Este departamento, que na realidade era uma unidade que fazia parte do exército

Turco baseou todo o seu trabalho na fotografia aérea de sítios arqueológicos, situados

maioritariamente no deserto do Negev, fotografias essas, fornecidas pelo piloto e fotógrafo alemão,

Tenente Falke.

As fotografias aéreas obtidas pelos Ingleses e feitas por G. A. Beazeley, de sítios da

Mesopotâmia tinham uma qualidade superior devido à baixa incidência da artilharia antiaérea ao

contrário do que se passava na frente Oeste.

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Não há grande dúvida que foi a segunda guerra mundial que providenciou o estímulo para o

desenvolvimento da fotografia aérea de observação. Durante os quatro anos de duração deste

conflito e devido as exigências da guerra, a aviação sofreu um desenvolvimento que se pode

classificar de vertiginoso, assim como as técnicas de reconhecimento aéreo que paralelamente

acompanharam este avanço consequente das necessidades do presente.

A recente história da fotografia aérea pode ser sumariamente referida como sendo a génese

entre a observação aérea militar, (“ver para lá da colina”), o nascimento da fotografia e a

invenção do avião.

Retrospectivamente nota-se a forte associação das campanhas militares e o consequente

progresso da arqueologia aérea.

O INICIO DA OBSERVAÇÃO AÉREA COM FINS ARQUEOLÓGICOS

Num curto período após a Segunda Grande Guerra, o método da fotografia aérea tornou-se

estável, e muitas iniciativas, principalmente no Reino Unido, foram iniciadas. Entre eles o mais

relevante é a observação aérea da Universidade de Cambridge levada a cabo por parte da Royal

Commission on the Historical Monuments of England.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 7Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 5: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

PORQUÊ O USO DE FOTOGRAFIAS AÉREAS HISTÓRICAS?

È legitimo perguntar, porque nos devemos concentrar no uso da fotografia aérea para fins

arqueológicos? A resposta é simples. As imagens aéreas históricas contêm grande quantidade de

informação que pode ser aplicada em diferentes campos. Estas fotos são uma grande fonte de

informação para a prospecção arqueológica. Não sendo a maioria delas tiradas com fins destinados a

prospecção arqueológica, podemos no entanto detectar marcas no solo ou nas culturas que nos

podem guiar à descoberta de muitos novos sítios.

A maioria destas fotos foi tirada antes da grande expansão das vilas e das cidades e da

implementação da agricultura intensiva. Como resultado é possível fazer um levantamento de sítios

arqueológicos que consequentemente estarão actualmente completamente destruídos. Estas fotos são

também uma excelente fonte de informação para o estudo do desenvolvimento paisagístico, quer

urbano quer rural na Europa.

PORQUÊ O USO DE FOTOGRAFIAS AÉREAS MILITARES HISTÓRICAS?

O uso de fotografias históricas que foram tiradas com fins militares dão-nos as mesmas

vantagens que as que referimos no assunto anterior. Mas se olharmos para as fotos aéreas da

Segunda Guerra Mundial, podemos encontrar literalmente centenas de milhares de fotografias em

diferentes colecções espalhadas pelo mundo inteiro e cuja qualidade é superior às restantes, devido

as avançadas técnicas utilizadas pelos militares.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 8Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 6: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Fig.2-1: Exemplo de fotografia aérea tirada durante a Segunda Guerra Mundial sobre Poperinge. (Pode-se notar a grande diferença de qualidade em relação à fig. anterior.

Pela primeira vez na história da Europa uma batalha tinha sido travada a uma escala industrial.

Ao mesmo nível foram tiradas fotografias aéreas ao longo das várias linhas de frente, criando assim

uma quase completa cobertura de fotografia aérea. Estes factos permitem estudar estas paisagens em

grande pormenor.

Recorrendo ao uso de tecnologia fotogramétrica moderna é já possível “reconstruir” estas

paisagens em 3D.

Se observarmos algumas das fotos aéreas obliquas recentemente tiradas de alguns destes locais

de conflito podemos reconhecer os traços bem visíveis “marcas na agricultura” de sistemas de

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 9Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 7: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

trincheiras em Lichtervelde, Bélgica (Fig. 3-1) ou de uma trincheira nas dunas da costa Belga (Fig.4-

1).

Fig. 3-1: Sistemas de trincheiras em Lichtervelde, Bélgica.

Fig. 4-1: Trincheira nas dunas da costa Belga.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 10Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 8: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

A fotografia aérea tem sido em larga escala uma fonte inestimável de pesquisa não invasiva na

Europa durante quase um século. O grande número de fotografias tiradas durante e imediatamente

após o final da Segunda Guerra Mundial são só por si um valioso recurso e desde então, começaram

a aparecer os chamados “arqueólogos voadores” tripulando aeronave ligeira e até mesmo

helicópteros. Eles voavam à procura quer de novas ruínas quer de marcas na agricultura que os

levasse à descoberta de novos sítios arqueológicos.

As horas e as estações do ano em que se fazem este tipo de voos depende das

características daquilo que se pretende pesquisar. As marcas na agricultura (crop marks) que são

mais visíveis durante o crescimento das sementeiras. Estruturas arquitectónicas ainda de pé que

requerem fotos tiradas durante a hora do dia em que o sol se encontra com uma inclinação em

relação à linha do horizonte ao ponto de provocar sombra no terreno, consequente das pequenas

deformações do terreno.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 11Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 9: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

CAPITULO – 2

A FOTOGRAFIA AÉREA CONTEMPORÂNEA

Poder-se-ão considerar dois tipos de fotografia aérea como sendo os principais e os de

maior utilização, os quais designaremos de verticais e oblíquos.

IMAGENS VERTICAIS

Estas são frequentemente tiradas com uma máquina fotográfica fixa montada num avião de

pesquisa aérea, militar ou civil. A aeronave voará a uma altura fixa de maneira a tirar fotos à

vertical do terreno (inclinação inferior a 4º) produzindo fotografias a uma certa escala (normalmente

1:10.000 e 1:25.000 mas também poderão ser de 1:30.000 e 1:50.000).

Verticais Estereoscópicas

Uma das características dos seres humanos, entre outros, é terem a possibilidade de ver aquilo

que os rodeia em três dimensões. A terceira dimensão ou percepção de profundidade, resulta do

facto de se captarem imagens do mesmo objecto, simultaneamente de dois ângulos diferentes. De

facto, através dos nossos dois olhos, captam-se duas imagens ligeiramente diferentes de cada

objecto e essas imagens fundem-se no cérebro numa imagem tridimensional.

A partir de duas imagens sucessivas do mesmo local, recolhidas a partir de pontos diferentes,

com cerca de 60% de sobreposição longitudinal entre si, obtém-se aquilo a que se chama de

estereopar. Quando observadas simultaneamente, e cada uma por um dos olhos do observador,

geram paralaxe estereoscópica que transmite a noção de profundidade (3D) entre pontos de

observação e proporciona a percepção das três dimensões do terreno (relevo), quando visto através

de um estereoscópio, permitindo deste modo fazer observações rigorosas.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 12Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 10: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

(Estereoscópios são instrumentos ópticos que tornam possível a visão tridimensional das

fotografias aéreas).

Fig. 1-2: Estereoscópio

Fig. 2-2: Estereopar em software para

foto interpretação

Requisitos para visão estereoscópica:

A fim de se conseguir tirar partido da visão estereoscópica é necessário cumprir certas

condicionantes nas imagens observadas. Assim, consideram-se como requisitos para a

visão estereoscópica:

O estereopar tem de ter a mesma escala;

O eixo óptico da câmara, no decorrer dos disparos sucessivos, tem de estar no

mesmo plano vertical e ser perpendicular ao plano horizontal de referência do

terreno.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 13Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 11: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Fig. 3-2: Exemplo de fotografia vertical simples que mostra uma escombreira de remoção

clandestina de materiais arqueológicos romanos na Quinta da Torre D’aires

IMAGENS OBLÍQUAS

Esta é a forma mais comum de fotografar estruturas arqueológicas e onde a máquina fotográfica

não está fixa. Dependendo do grau de inclinação do eixo óptico, pode obter-se uma perspectiva, ou

seja, uma visão panorâmica do terreno. Esta perspectiva apresenta-nos os objectos de uma forma

mais familiar dado que a nossa visão do mundo é em perspectiva, facilitando assim a sua análise.

Isto resulta numa foto angular tirada a um dado local, é tirada a uma menor altitude e este tipo de

foto produz uma maior detalhe do que na vertical. Este tipo de imagens tem o inconveniente de não

permitir distinguir bem as periferias e carecem de uniformidade de escala. A sua utilização é mais

adequada em aprofundamento de estudos em locais já conhecidos do que na identificação de novos

elementos. Elas não permitem visão estereoscópica e empregam-se como complemento das imagens

verticais anteriormente referidas.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 14Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 12: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Fig. 4-2: Exemplo de fotografia obliqua que neste caso mostra a destruição sistemática de solo

arqueológico na Quinta da torre D’aires (Hipotético local da localização da cidade romana de

Balsa).

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 15Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 13: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

CAPITULO 3

A FOTO INTERPRETAÇÃO E A ARQUEOLOGIA

A FOTO INTERPRETAÇÃO

A foto interpretação (analise e interpretação de fotografias), é uma ferramenta que nos ajuda a

examinar as imagens fotográficas do terreno com propósitos diversos, aqui são analisados algumas

das possibilidades de aliar a fotografia aérea à arqueologia. Já foi amplamente demonstrada a

grande utilidade que a fotografia aérea tem para a prospecção arqueológica, mas toda a informação

que é registado no papel fotográfico necessita de ser entendida, para se poder analisar da existência

ou não de sinais no terreno que nos levara a novas descobertas cientificas.

Pode então definir o conceito de foto interpretação como sendo, o acto de examinar imagens

com o fim de identificar objectos, áreas ou fenómenos e ajuizar do seu significado.

As possibilidades de predição de sítios que nos proporciona a interpretação de fotografias aéreas

é uma das características que lhe confere o valor que tem como auxiliar da ciência e pratica

profissional arqueológica.

ELEMENTOS A TER EM CONSIDERAÇÃO AQUANDO DA ELABORAÇÃO DE

UMA FOTOCARTA COM FINS ARQUEOLÓGICOS.

Uma vez delimitada a área de estudo, e antes de proceder a interpretação da fotografia aérea

será oportuno realizar uma investigação bibliográfica das características geológicas e

geomorfológicas da região, assim como fazer uma investigação histórica arqueológica da mesma.

Pois será extremamente importante obter toda a informação possível referente as ocupações

populacionais contemporâneas e passadas, assim como dos sistemas de mobilidade utilizados, das

condições climatéricas, da fauna, da flora, etc.

Ao fim de realizar estes estudos prévios, necessários e essenciais, deve-se passar então ao

estudo concreto de interpretação da fotografia aérea para elaboração da foto carta com fins

arqueológicos. Nesta altura deve-se proceder ao relacionamento de pontos de “mapeamento” das

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 16Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 14: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

fotos relacionando-os directamente com a carta topográfica da região de preferência 1:25.000,

utilizando para este fim as características geofísica do terreno associando os possíveis significados

arqueológicos que cada unidade de interpretação possa ter.

Marcas na agricultura

“Marcas na agricultura” (crop marks) pode ser definido como sendo, a detecção de sinais no

terreno que nos poderá levar à descoberta de infra-estruturas soterrados que não estando visíveis,

implicam alterações de crescimento na vegetação de um dado local. Ou seja, a camada arqueológica

do subsolo causa variações no crescimento das culturas, devido à variação na retenção da humidade

no solo. Antigas valas ou muros soterrados causam uma observável diferença no crescimento e na

cor da vegetação e é mais claramente visível em grandes e homogéneas áreas de cultura.

Nesta foto poderemos detectar um circulo bem impresso no

terreno que demonstra a existência de uma zona circular rica em

nutrientes e humidade e que vai implicar um mais rápido

crescimento da vegetação, (marca de agricultura positiva), ou seja

demonstra a existência de uma antiga vala soterrada, enquanto

muros, estradas ou estruturas mais compactas não conseguem reter

a humidade implicando um crescimento mais lento das culturas aí

semeadas, (marca de agricultura negativa).

O período de visibilidade destas marcas é geralmente de curta

duração, dependendo do tipo de cultura e é mais visível durante o pico do verão (entre Julho e

Agosto).

Fig. 1-2: Exemplo da diferença de crescimento num campo cultivado

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 17Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

VALA

MURO OUPAREDE

Page 15: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Marcas de seca no terreno

Como sugere o nome, “marcas de seca” aparecem durante os períodos de maior calor ou de falta

de precipitação prolongada. Terá de ser o arqueologia a determinar o grau de seca do terreno e a

interpretar a sua morfologia tendo em conta as áreas mais compactas do subsolo que são as que

retêm menor quantidade de humidade, tais como muros, estradas, etc. É possível ver estas marcas

claramente em áreas relvadas como também em áreas cultivadas, entretanto a janela de

oportunidade para ver e identificar estes locais é só durante um período de tempo particularmente

quente.

Sítios de baixo perfil

Um sítio com estruturas que tenham um baixo perfil em relação ao terreno poderá ser facilmente

visível no chão, no entanto pode ser imperceptível através de fotografia aérea, com o solo a

apresentar altos na sua superfície como único sinal de estruturas enterradas. Este tipo de estruturas

normalmente só sobreviverão em áreas que não estiveram sujeito a cultivo, onde são utilizados

regularmente arados e niveladoras. Assim, locais de planalto, terrenos apenas utilizados para o

pastoreio, baldios etc., serão os locais mais indicados para utilizar este tipo de prospecção.

Estes locais não são de fácil detecção através de fotos verticais devido ao ângulo de incidência da

objectiva que não permite ver o ligeiro relevo do terreno.

A luz clara é essencial para melhor se detectar este tipo de sítios. A luz límpida e clara das

manhãs e no Inverno do fim da tarde aplicam ao terreno contrastes de sombra e luz, que facilitam

grandemente a detecção deste tipo de estruturas.

Fortificações, aldeias medievais desertas sulco, limites de aldeamentos são exemplos de

monumentos que ficam mais nítidos depois deste tipo de fotografia aérea.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 18Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

VALA MURO OUPAREDE

Page 16: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

A FOTO INTERPRETAÇÃO E A ELABORAÇÃO DE CARTAS

ARQUEOLÓGICAS

A palavra TELEDETECÇÃO é a tradução para português da expressão inglesa remote sensing,

expressão essa com origem nos anos 60’s para designar qualquer método de observação remota da

superfície terrestre onde amplamente se destaca a técnica da fotografia aérea (principal método

existente naquela época). O desenvolvimento da tecnologia espacial permitiu contar com

plataformas de observação espaciais (satélites), dando lugar a uma variante da teledetecção: a

teledetecção por meio de satélite.

Assim a foto interpretação é o ramo da teledetecção que nos ajuda a examinar as imagens

fotográficas do terreno com o propósito de identificar os diferentes componentes naturais de origem

antrópica da paisagem. Com estas técnicas obtemos informações para analisar elementos

geológicos, natureza e uso do solo, tipos de cobertura vegetal; aspectos arqueológicos, existência de

muros, calçadas, etc.

A interpretação de fotografias aéreas aplicadas à arqueologia é um recurso mais que

reconhecido no seio da comunidade arqueológica mundial como de efectivo valor para esta ciência,

mas não é utilizada em Portugal com a frequência que mereceria, apesar da sua grande eficácia e

aplicabilidade em prol das descobertas de novos e valiosos (a nível cientifico) sítios arqueológicos.

A sua grande utilidade deriva principalmente do fácil e económico manejo dos dados em relação

à grande quantidade de informação que pode proporcionar. Os projectos arqueológicos que utilizam

a análise da fotografia aérea incluem nos seus planos a utilização desta técnica com fins variados,

tais como a identificação de sítios arqueológicos, o relevantamento de antigos sítios arqueológicos,

o parcelamento de áreas com fins arqueológicos, etc.

DIFERENÇAS ENTRE IMAGEM DE SATÉLITE E FOTOGRAFIA AÉREA

As Imagens de Satélite permitem:

Registos discretos (digitais) a duas dimensões (2D);

Cobrir áreas extensas;

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 19Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 17: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Ser processadas directamente por computados sem necessidade de serem

digitalizadas;

Uma disponibilidade quase directa em/para utilização em Sistemas de

Informação Geográfica (SIG);

Ser verticais ou oblíquas;

Ser multi-espectrais (conter informação da energia emitida e da energia reflectida);

Ser multi-temporais;

Ser multi-sensoriais.

As Imagens Fotográficas permitem:

Registos contínuos a duas dimensões (2D);

Cobrir áreas restritas (dependendo da escala);

Facilidade em ampliar;

Efectuar uma análise estereoscópica (ver a 3D);

Ser digitalizadas para serem processadas por computador;

Ser verticais ou oblíquas;

O registo de pequenos objectos e estruturas dificilmente detectáveis pela vista

humana (4 ou 5 linhas por mm) dado o elevado poder de resolução dos filmes

actualmente utilizados em fotografia aérea (várias centenas de linhas por mm).

Tanto as imagens de satélite como as fotografias aéreas:

Permitem realçar as relações que unem ou perturbam os elementos da paisagem;

Possibilitam a realização de uma arqueologia da própria paisagem através da

“Lei da Persistência dos Planos”, segundo a qual, nas imagens se conservam as

formas de organização espacial antigas, embora sobrepondo várias delas.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 20Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 18: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

CAPITULO 4

EXEMPLO DA UTILIZAÇÃO DA FOTOGRAFIA AÉREA NA

DESCOBERTA DE NOVOS SÍTIOS ARQUEOLOGICOS

LOS CASARES DE ARMUÑA

Tomo como um dos muitos exemplos de como a fotografia aérea pode ser útil e esclarecedora

no campo da arqueologia, o sítio romano de “Villa de los Casares” situado na vizinha Espanha

(onde a fotografia aérea para fins arqueológicos é amplamente utilizada) a cerca de 3 km de

Armuña, Segovia.

Este local era já desde a alguns anos referenciado como possível “aglomerado de construções

da época romana”, mas não havendo nada especifico que o provasse foi ficando no esquecimento

até que em Abril de 1989, Alonzo Zamara, Director do Museu de Segóvia, tirou várias fotografias

aéreas onde se apercebiam diferenças de coloração no terreno, algumas hipotéticas construções

confusamente delimitadas, mas sem descobrir nada especifico.

Julio del Olmo efectua o mesmo tipo de voo, (durante o Inverno e a Primavera de 1994-1995)

conseguindo fotografias que aclararam e complementaram as fotografias realizadas 6 anos antes,

permitindo uma leitura (foto interpretação) mais clara do local, fig. 1-4, permitindo assim a

descoberta desta tão arqueologicamente importante Villa Romana.

Villa da época de Teodósio I (379-395), é considerado um dos conjuntos residenciais mais

significativos do Baixo-império Romano em Castela.

Supõe-se que esta villa tenha sido construída numa época de grande intensidade da cultura

cerealífera na zona.

Durante a 2ª campanha de escavações em 2007, foi posto a descoberto um mosaico com nove

metros de comprimento num excelente estado de conservação, fazendo prever a importância dos

achados que futuras escavações poderão trazer à luz do dia.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 21Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 19: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Fig. 1 - 4: Vista aérea dos vestígios da “Villa de Los Casares”, em  Armuña, Fotografia aérea de Julio del Olmo Martín, tirada em 1994.

Fig. 2 - 4: Planta da Villa de los Casares. Segundo a obra “La villa de los Casares (Armuña, Segovia): Propostas de leitura. Congresso Internacional La Hispania de Teodosio. Vol 2, 1997”.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 22Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 20: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Fig. 3 - 4: Trabalhos de escavação. Setembro de 2007. Foto: Sonia Llorente

Fig. 4 - 4: Trabalhos de escavação. Mosaico. Setembro de 2007. Foto: Sonia Llorente

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 23Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 21: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Fig. 5 - 4: Trabalhos de escavação. Mosaico. Setembro de 2007. Foto de Sonia Llorente

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 24Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 22: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

CAPITULO 5

A FOTOGRAFIA AÉREA COMO FERRAMENTA NO CONTROLO EVOLUTIVO DAS ESCAVAÇÕES ARQUEOLÓGICAS

SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE S. MARCOS

Este será um dos muitos exemplos onde se pode observar a evolução (nesta situação específica,

pela negativa) de uma escavação arqueológica através da fotografia aérea. Aqui observamos como

na generalidade muitos dos sítios arqueológicos são “devorados” pelo avanço urbanístico.

Fig. 1– 5 Sítio arqueológico de São Marcos: fotografia aérea (obliqua) das valas abertas durante a campanha de 1984.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 25Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 23: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

Fig. 2-5 Sítio arqueológico de São Marcos: levantamento topográfico das estruturas arqueológicas sobre ortofoto (vertical) da área 2004.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 26Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira

Page 24: TRABALHO A fotografia aérea

A FOTOGRAFIA AÉREA E À ARQUEOLOGIA 2010/11

BIBLIOGRAFÍA

Nuevos Elementos de Ingeniería Romana – III Congreso de las Obras Públicas Romanas. Astorga 2006Junta de Castilla y León – Colegio de Ingenieros T. de O. P. TRAIANVS, 2006: ET, p. 313-340

SILVA, L. F. – Um projecto de prospecção geofísica de Balsa.

STICHELBAUT, B. – BOURGEOIS, J. – SAUNDERS, N. – CHIELENS, P. - Images of Conflict

ESPIRO, V. E. – PAPETTI, L. – Interpretación de Fotografias Aéreas y Arqueologia Socialmente Útil

BRITISH ARCHAEOLOGICAL JOBS RESOURCE - Aerial Photography and Manual Image Rectification, a Short Guide.

SANTOS, P. J. L. da S. – Aplicações de Sistemas de Informação Geográfica em Arqueologia.

UNL-FCSH Licenciatura em Arqueologia 27Aluno nº 25439 Acácio Pedro Ferreira