trabalho 1 jesus histórico, jesus o cristo

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Cristologia Henrique Torres «A “antiga” investigação liberal tinha apontado para o Jesus histórico, opondo-o ao kerigma; Bultmann tinha invertido esta perspectiva, apontando para o kerigma independente do Jesus Histórico; a “nova” investigação dos pós-bultmanianos queria recuperar uma ligação entre os dois elementos». O dilema dominante na Teologia está centrado em torno da questão do Jesus Histórico e o Cristo do Kerygma. No parágrafo, de V. Fusco, em análise pode-se subentender três fases que acompanharão a investigação histórica moderna sobre Jesus. Numa leitura retrospectiva constatamos que o objectivo fulcral da narrativa da Boa Nova, anunciar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, perdeu a sua força histórica, a partir do momento em que o discurso da fé assume-se quase como único e exclusivo, a partir do dogma. A investigação histórica moderna sobre Jesus irá debruçar-se por “comprovar a Cristologia no plano da história, de torna-la visível, mediante a aplicação do método do “certo” e do comprovável” 1 , uma vez que o “homem histórico Jesus é o Filho de Deus, e o Filho de Deus é o homem Jesus” 2 . Nos evangelhos teremos duas verdades presentes: uma cristologia ascendente que parte do nascimento de Jesus e culmina na morte e ressurreição; e uma descendente donde ressai a exaltação de Jesus como o Filho de Deus, o Cristo glorificado pelo Pai. Esta questão irá suscitar um especial interesse às ciências históricas. Já não é suficiente afirmar que Jesus é o Cristo, pela simples fé; é necessário demonstrar-Lo, e tal poderá, eventualmente, ser feito a 1 RATZINGER, Joseph, Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Herder, 1970, pag. 156. 2 RATZINGER, Joseph, Introdução ao Cristianismo p.152. 1 Universidade Católica Porto – Faculdade de Teologia 11 de Outubro de 2013

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Page 1: Trabalho 1 Jesus histórico, Jesus o Cristo

Cristologia

Henrique Torres

 

«A “antiga” investigação liberal tinha apontado para o Jesus histórico, opondo-o ao kerigma; Bultmann tinha invertido esta perspectiva, apontando para o kerigma independente do Jesus Histórico; a “nova” investigação dos pós-bultmanianos queria recuperar uma ligação entre os dois elementos».

O dilema dominante na Teologia está centrado em torno da questão do Jesus Histórico e o Cristo do Kerygma. No parágrafo, de V. Fusco, em análise pode-se subentender três fases que acompanharão a investigação histórica moderna sobre Jesus.

Numa leitura retrospectiva constatamos que o objectivo fulcral da narrativa da Boa Nova, anunciar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, perdeu a sua força histórica, a partir do momento em que o discurso da fé assume-se quase como único e exclusivo, a partir do dogma.

A investigação histórica moderna sobre Jesus irá debruçar-se por “comprovar a Cristologia no plano da história, de torna-la visível, mediante a aplicação do método do “certo” e do comprovável”1, uma vez que o “homem histórico Jesus é o Filho de Deus, e o Filho de Deus é o homem Jesus”2.

Nos evangelhos teremos duas verdades presentes: uma cristologia ascendente que parte do nascimento de Jesus e culmina na morte e ressurreição; e uma descendente donde ressai a exaltação de Jesus como o Filho de Deus, o Cristo glorificado pelo Pai. Esta questão irá suscitar um especial interesse às ciências históricas. Já não é suficiente afirmar que Jesus é o Cristo, pela simples fé; é necessário demonstrar-Lo, e tal poderá, eventualmente, ser feito a partir das narrações dos evangelhos de que o Jesus é o Cristo da fé.

H.S. Reimarus levanta a problemática ao fazer uma distinção do Jesus de Nazaré do Cristo da fé, afirmando não ser o mesmo3; um cepticismo dogmático propondo uma leitura moralizante de Jesus. A reflexão preconizada por Reimarus trará à Teologia o desafio da questão da historicidade.

No séc. XIX, David Strausss na obra Vida de Jesus fará a interpretação mítica da história de Jesus, porém não nega o fundo histórico da figura de Jesus. Reconhece a autoconsciência messiânica de Jesus, a partir dos textos bíblicos distingue o Cristo da fé e o Jesus da história. “Para Strauss esta distinción equivalia a la que se hacía entre el «Cristo histórico y la imagen ideal del hombre, es decir, la imagen existente en la rázon humana». Pero esto significa « transformar la religion de Cristo en la religión de 1 RATZINGER, Joseph, Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Herder, 1970, pag. 156.2RATZINGER, Joseph, Introdução ao Cristianismo p.152.3 FAUS, José I. Gonçales, La humanidade nueva. 8 ed., Santander: Sal Terrae, 1984, p.19.

1 Universidade Católica Porto – Faculdade de Teologia11 de Outubro de 2013

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la humanidade»4 . No fundo procurou ir ao encontro da tendência da época: a modernidade, procura dar cientificidade à figura de Jesus, desvalorizando a questão dogmática que asfixiou, durante muito tempo, a vida de Jesus, elevando a fé à razão. Período da Teologia Liberal.

Albert Schweitzer irá criticar a leitura de Strauss, na sua obra “História da Investigação sobre a vida de Jesus”, afirma que se havia feito de Jesus histórico não mais do que uma tentativa de transformar Jesus num reflexo das ideias de cada um dos seus autores que assim se moviam mais por um interesse apologético5 . Em síntese o que nos dirá Schweitzer é que Jesus não é “moderno”, mas um homem enigmático impossível de se alcançar unicamente por uma leitura histórica. Esta sua apologia irá abalar a Teologia liberal e despoletará uma reacção fideísta.

Martin Kähler na sua obra “O Jesus que chamam histórico e o Cristo da verdadeira história : o bíblico” aponta as limitações do método histórico. Para ele a investigação histórica é insipida, pois os factos em si, não passam de factos sem significado, dado que a verdadeira realidade de Jesus não se resume aos factos mas aos seus significados que por sua vez são inacessíveis à análise científica. O Jesus histórico é um Jesus interpretado, assim como o Cristo da fé. A fé fundamenta-se a si mesma.

Eis que surge a teologia dialéctica e com ela Karl Barth que procura libertar a cristologia do cientificismo moderno.

- “Bultmann tinha invertido esta perspectiva, apontando para o kerigma independente do Jesus Histórico”. O fideísmo teológico viria a ser radicalizado no “kerygma”.

Bultmann , dará origem à chamada “No Quest”, abrirá caminho para um período de cepticismo , ao contrariar a perspectiva moderna que havia assumido um caminho de acesso a Jesus, porém, segundo ele, este está impedido por falta de fontes. Além disso, teologicamente, não nos é possível aceder totalmente a Jesus.

Na perspectiva bultmanniana os evangelhos, criados pelas comunidades primitivas para satisfazer as suas necessidades evangelizadoras e práticas, pouco nos revelam do Jesus histórico, o que se torna impossível recriar a vida de Jesus.

Atendendo à incapacidade da crítica histórica reconstruir a figura de Jesus, Bultmann considerará que o importante da sua história é que Jesus nasceu, viveu, foi crucificado, morreu e ressuscitou. Na sua teologia faz uma distinção radical ente Jesus, homem histórico, e o Jesus, o Cristo do kerygma.

4 KASPER, Walter, Jesus el Cristo. 13ed. , Salamanca: Sígueme, 2012, pag. 60.5KASPER, Walter, Jesus el Cristo, p.62

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A “nova” investigação dos pós-bultmanianos queria recuperar uma ligação entre os dois elementos, segue-se assim a Second Quest (1953-1980). Procura-se conciliar a história com a fé na figura de Jesus, mas a partir de uma metodologia diferente. Ernest Käsemann dir-nos-á que é possível e necessário o recurso ao método histórico-critico, para uma compreensão teológica das Escrituras “o Jesus histórico só é compreendido no Jesus objecto da pregação, do mesmo modo que, reciprocamente, o discurso da teologia sobre Jesus não tem outra origem além do texto histórico que lhe é “dado”6, porém esta metodologia só nos vem confirmar que o Novo Testamento é uma construção kerigmática pós-pascal e não uma narrativa histórica positivista.

Segundo Käsemann é necessário para a fé ir ao encontro do Jesus histórico pois será a partir da experiência da ressurreição que as comunidades interpretaram a existência histórica de Jesus, incorporando-a na sua pregação. A história de Jesus é um elemento teológico que diz respeito à fé, não é uma invenção, mas sim um elemento relevante da Revelação de Deus.

Eduard Schweizer, numa linha critica de Bultmann, dirá que o Kerygma é uma síntese história-fé, “produto” de um facto singular e a significação de uma história real. Valora o evento pascal como cerne da intervenção de Deus , na qual é preconizada a identidade terrestre de Jesus como o Cristo.

Bultmann com o seu modelo exegético-teológico postulará um Cristo idealizado; em contraposição os pós-bultmanianos procuraram a síntese entre o Cristo histórico e o kerygmático , mantendo assim uma tensão necessária.

6 MOINGT, Joseph - O homem que vinha de Deus. São Paulo: Loyola, 2008, p.206

3 Universidade Católica Porto – Faculdade de Teologia11 de Outubro de 2013