trabalhadores e sindicatos no brasil_marcelo badaró mattos

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    Marcelo Badar Matos

    1 edio

    Editora Expresso Popular

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    Copyright 2008 by Expresso Popular

    Reviso Cristina Daniels, Geraldo Martins de Azevedo Filho, Ricardo N. Barreiros

    Capa Marcos Cartum

    Projeto grfco e diagramao Maria Rosa Juliani

    Impresso Cromosete

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada

    ou reproduzida sem a autorizao da editora.

    1 edio: maro de 2009

    Editora Expresso Popular Ltda.

    Rua Abolio, 197 Bela Vista 01319-010 So Paulo SP

    Tel. (11) 3105 9500 Fax(11) 3112 0941

    [email protected]

    www.expressaopopular.com.br

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    sumrio

    Introduo 7

    captulo 1a forMaodaclassetraBalhadora: prIMeIrosMoMentos 9

    captulo 2traBalhadoresesIndIcatosna repBlIcaVelha 9

    captulo 3traBalhadoresesIndIcatosnoprIMeIroGoVernoVarGas 9

    captulo 4ossIndIcatoseoensaIodeMocrtIco(1945-1964) 9

    captulo 5

    doGolpenoVatransIodeMocrtIca 9

    captulo 6ossIndIcatosBrasIleIros, dacrIsedadItaduraMIlItarIMplantaoda

    dItaduradoMercado 9

    construIndoalternatIVas: quesIndIcalIsMoparaaManh 9

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    inTroduo

    No h como analisar a sociedade brasileira de hoje sem le-var em conta a importncia das organizaes sindicais. Nasltimas trs dcadas, inmeras greves, a ascenso de lideran-

    as polticas vindas do meio sindical (incluindo um Presi-dente da Repblica), o surgimento das centrais sindicais, astentativas de pactos, entre outros fatores, esto a nos alertarpara a posio central dos trabalhadores organizados emqualquer proposta para o Brasil. Mas a experincia de lutados ltimos anos, vivida diretamente por muitos de ns, nodeve nos levar ao julgamento de que o sindicalismo (ou o

    sindicalismo combativo) no Brasil coisa recente.Este pequeno trabalho pretende servir de instrumentointrodutrio para o estudo da trajetria dos trabalhadoresurbanos e do sindicalismo que construram no Brasil. Comoqualquer texto de introduo, trata-se de uma sntese queno tem como dar conta de anlises mais aprofundadas deassuntos especficos, nem realar as diferenas no movimen-

    to operrio das vrias regies do pas.Optei por trabalhar com a maior quantidade possvel defontes, documentos de poca, que servem para uma apro-ximao com os discursos e prticas de cada fase estudada

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    e facilitam o exerccio da reflexo crtica sobre o passado.Para no sobrecarregar a leitura, as citaes desses docu-mentos vm acompanhadas de referncias simplificadas,

    que as identificam no prprio texto. Quase todas foramretiradas de coletneas de documentos ou de outras obrasde anlise do tema, embora algumas tenham sido por mimdiretamente coletadas em arquivos. De qualquer forma, asreferncias completas dos livros e artigos utilizados para co-lher documentos e orientar a anlise so apresentadas, porcaptulo, no fim do livro.

    A despeito das diversas conjunturas, das contradies,das possibilidades e alternativas em conflito, possvel pen-sar a trajetria republicana no Brasil como marcada pelacontnua subordinao/dominao da grande maioria dapopulao. Subordinao assinalada pela excluso da parti-cipao poltica, em um sculo marcado por ditaduras, gol-pes, restrio de democracia e empecilhos ao voto; em que

    o Estado foi tomado sempre como extenso dos domniosprivados das minorias detentoras da riqueza. Dominaovisvel tambm na forma profundamente desigual de distri-buio dos dividendos da riqueza socialmente produzida,em um pas que obteve ndices altssimos de crescimentoeconmico, at pelo menos os anos de 1970, garantidos scustas da superexplorao dos trabalhadores e do aprofun-

    damento do fosso das desigualdades sociais. Cidadania res-trita e perversa distribuio de renda e de riqueza, portanto.No que se pense possvel uma distribuio justa da riquezanuma sociedade capitalista. Trata-se de realar o grau maisviolento da dominao/explorao entre ns.

    No contexto de restries ao pleno exerccio dos direi-tos do cidado, em que o acesso ao voto foi vedado, cercea-

    do, ou manipulado ao sabor dos interesses polticos domi-nantes, seria de esperar que as propostas polticas popularestivessem dificuldade de manifestar-se pela via do partidopoltico e das eleies.

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    Da mesma forma, desde fins do sculo passado, aspssimas condies de vida e de trabalho, os baixssimossalrios e a violncia de um mercado de trabalho carac-

    terizado pela discriminao, tornaram as demandas eco-nmicas prioritrias, na medida em que dizem respeito sobrevivncia e dignidade. Mas demandas econmicas,quando articuladas em planos classistas mais amplos, ad-quirem inegvel peso poltico.

    No de se estranhar, portanto, que o instrumento derepresentao de interesses coletivos mais prximo ao mun-

    do do trabalho o sindicato tivesse aqui uma grande im-portncia. Conhecer melhor a trajetria dessas organizaes, por tudo isso, uma obrigao para os que tm compro-misso com a transformao da ordem atual.

    Cabe esclarecer que esta uma segunda edio, revista eampliada em relao primeira, que foi publicada em 2002.Alm de uma reviso geral, esta nova verso foi acrescida

    de um primeiro captulo, que discute o momento inicial doprocesso de formao da classe trabalhadora ainda no scu-lo 19, bem como de uma extenso do captulo sobre o sindi-calismo recente, atualizando dados e discusses da primeiraverso. Na reviso, tentei manter o mesmo tom geral dotexto anterior: objetivo e didtico, sem abrir mo da atua-lizao em relao s pesquisas acadmicas, nem tampouco

    do claro compromisso com um tema que bem mais que umobjeto de estudo.A maior parte dos trabalhos sobre a histria brasileira

    produzidos atualmente tem origem nas pesquisas desenvol-vidas nas universidades. Este livro foi escrito por um pro-fessor/pesquisador universitrio e baseou-se em boa partedas pesquisas recentes produzidas nas universidades sobre

    o tema. Porm, sua origem no foi exclusivamente acadmi-ca. As primeiras verses deste material foram apostilas paracursos de formao de lideranas e ativistas sindicais. A pri-meira edio do livro foi parcialmente financiada pelo Sin-

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    dicato dos Trabalhadores das Universidades Pblicas Esta-duais Sintuperj e distribuda e discutida em diversos cursosde formao (entre eles os cursos de Realidade Brasileira

    e o de Histria da Luta de Classes no Brasil, com ativistasdo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MSTe de outros movimentos sociais), o que possibilitou que estanova verso se beneficiasse de tais discusses. Trabalhado-res e sindicatos foram, assim, abordados como objeto depesquisa no muito distante, pois passei os ltimos 20 anosenvolvido, com maior ou menor intensidade, na atividade

    sindical, como professor de cursos de formao, ativista oudirigente. Trata-se, portanto, de um trabalho que tem com-promisso com uma abordagem academicamente consistentee atualizada da histria do movimento operrio e sindical noBrasil, mas que a entende como compatvel e necessria comum outro compromisso, com o prprio movimento. Da otom militante que o texto conscientemente assume. Porm,

    uma militncia que compreende que a anlise crtica, e no alouvao de lideranas ou organizaes, fundamental paraum movimento conseqente.

    Por isso mesmo, estas primeiras palavras no estariamcompletas sem meus agradecimentos aos alunos dos cursosque ministrei na universidade, nos sindicatos, na Escola Na-cional Florestan Fernandes MST, aos bolsistas que comigo

    trabalharam em projetos correlatos Andra, Paulo, M-nica, Rodrigo, Jlia, Luciana, Marcela, Rafael, Igor, Josu,Branno, Maya, Elisa, Desire aos companheiros e compa-nheiras do Instituto de Estudos Socialistas (IES), do Brasiloutros 500 e, em especial, para a militncia na Aduff-SSinde do Andes-SN. Agradecimento parte a Vito Gianotti eCludia Santiago, patres em diversos cursos, mestres que

    gentilmente concordaram em fazer uma leitura atenta e umareviso cuidadosa de uma primeira verso do trabalho.Com Joo atravessei os ltimos 15 anos compreenden-

    do que estudo e militncia s fazem sentido se forem instru-

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    mentos para tentar legar a ele um outro mundo, possvel,necessrio, socialista.

    Por fim, um agradecimento especial ao Grego e Gabi,

    que me hospedaram no carnaval em que esta nova versodo livro foi concluda. Com Stela, que me abriu as portas deSanta Tereza e do seu corao. Por nosso amor.

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    a formaodaclasseTrabalhadora:primeirosmomenTos

    Comeo este livro resumindo uma histria. Uma histria dedesventuras e aventuras de trabalhadores em padarias, entre1876 e 1912, contada por um lder da categoria, Joo de

    Mattos, num manuscrito localizado entre os papis apreen-didos pela polcia poltica carioca nos anos de 1930. Nomanuscrito, Joo registra suas memrias sobre as lutas dosempregados em padarias desde a poca da escravido at omomento das mobilizaes sindicais.

    Sua histria comea em Santos, em 1876, quando traba-lhava em padarias da cidade e organizou um levante, que

    ele explica ser como as mesmas greves de hoje. O levanteorganizado por Joo de Mattos foi uma paralisao das pa-darias da cidade, em meio qual se deu a fuga dos trabalha-dores escravizados daqueles estabelecimentos. Esta foi pre-parada com a falsificao de cartas de alforria (documentosque diziam que seu portador havia sido libertado), que per-mitiram aos fugitivos encontrar trabalho como trabalhadores

    livres no interior do Estado. Na linguagem do manuscrito:Em Santos existiam 5 padarias. E ns com os convenientes pre-paros, e com toda a cautela conseguimos o 1o. Levante geral,devido aos patres serem muito maus e malvados com castigos

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    e mais castigos sem a mnima razo. s horas combinadas [aspadarias] foram todas abandonadas. Eu j tinha todas cartasprecisas, porm falsificadas, para cada, de liberdade. Seguimos.E, alm deles j estarem bem compenetrados, mais fomos no ca-minho insinuando-os. E to bem dispersos foram que no apare-ceram mais. Passados dois meses fui preso em So Bernardo e meconduziram para a cidade de Santos. Estive preso uns trs mesese como no apareceu um s que fosse para provar fui posto emliberdade, condicional de no voltar mais quela cidade (Duarte,L. Po e liberdade (), pp. 64-65).

    De Santos, Joo rumou para a cidade de So Paulo,

    onde organizou outro levante, desta vez reunindo 11 ou12 padarias da cidade, em 1877. Tal qual o de Santos comparalisao, fuga, cartas de alforria falsificadas tudo deucerto, e os trabalhadores escravizados das padarias pau-listanas fugiram na direo do Estado do Rio de Janeiro,acompanhados de Joo de Mattos, que em 1878 chegou cidade do Rio de Janeiro, ento capital do Imprio do Bra-

    sil, onde atuou com os mesmos objetivos. No Rio, com umnmero muito maior de padarias, para preparar um levan-te igual aos de Santos e So Paulo, ele e seus companheirosprecisaram criar uma organizao, que foi batizada de Blo-co de Combate dos Empregados em Padarias. O Bloco deCombate tinha sede, estatuto e um lema Pelo po e pelaliberdade , mas precisava funcionar clandestinamente,

    escondido sob a fachada de um curso de dana. Afinal,como relata Joo de Mattos, no podiam funcionar clara-mente, era um crime terrvel guerrear a propriedade escra-va (Idem, p. 67).

    O Bloco de Defesa chegou a reunir mais de 100 associa-dos, organizou-se em quatro comisses, fez alguns levantesparciais e, em 1880, um novo levante geral, como o chamou

    Joo de Mattos. Os trabalhadores escravizados fugiram emdireo Barra do Pira, com suas cartas de alforria forja-das e Joo acabou sendo novamente preso, por conta deuma delao. Dessa vez, foi defendido pelo propagandista

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    da abolio e da Repblica, Saldanha Marinho, conseguin-do ser absolvido.

    Quando a escravido foi abolida, em 1888, as lutas de

    Joo de Mattos e dos seus companheiros no haviam termi-nado. Afinal, como ele mesmo ensina, em 1888 ns reali-zamos a maior vitria da nossa intransigente luta, ficandoo caminho livre para os escravizados de fato e ns, os es-cravizados livres, at o presente entremos a lutar (Idem, p.70). Os trabalhadores livres, que ele define como escra-vizados livres, s possuem o direito de escolher entre este

    e aquele senhor (Idem, p. 71). Na nova fase das lutas dospadeiros, Joo e seus companheiros organizaram, em 1890,uma associao com o objetivo de reunir recursos para com-prar padarias para os prprios trabalhadores, eliminando ospatres. Era a Sociedade Cooperativa dos Empregados emPadarias no Brasil cujo lema era Trabalhar para ns mes-mos , que reuniu cerca de 400 scios, mas no deu certo,

    porque o tesoureiro fugiu com o dinheiro da entidade.Os problemas no os levaram a desistir das lutas e,em 1898 (ou 1893, segundo outras fontes), eles fundarama Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados emPadarias com o lema Trabalho, justia e liberdade: semdistino de cor, crena ou nacionalidade com o ob-jetivo de auxlio mtuo (arrecadava dos scios para au-

    xili-los em momentos de doena, acidentes, morte etc.).Essa sociedade reuniu mais de mil associados, publicou ojornal O Panificador, organizou uma biblioteca, um centrode educao e acabou adquirindo caractersticas de sindi-cato, buscando representar os interesses profissionais deseus associados. Travou, assim, uma luta pelo descanso aosdomingos e pela jornada de 8 horas de trabalho, dirigin-

    do abaixo-assinados s autoridades, que nada resolveram.Recorrendo sociedade dirigente nada obtive explicaJoo de Mattos , porque a poltica deles uma e a dosdirigidos outra (Idem, p. 77).

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    Depois desses embates, no incio do sculo 20, Joo foiposto pelos donos de padaria em uma lista negra, noconseguindo mais se empregar nesse setor. Os patres tam-

    bm tentaram dividir o movimento, criando a Liga Federaldos Empregados em Padarias, uma entidade que filiava tra-balhadores para dirigi-los, entretanto, segundo os interessespatronais. No entanto, a lio de luta de Joo de Mattosdeixou fortes marcas e, nos anos seguintes, a Liga foi con-quistada por militantes combativos, que unificaram a orga-nizao da categoria, filiaram mais de 4 mil trabalhadores e

    realizaram, em 1912, a primeira greve geral dos trabalhado-res em padarias na cidade do Rio de Janeiro.Por que o relato de Joo de Mattos e da trajetria de

    luta dos padeiros importante para entendermos a forma-o da classe trabalhadora no Brasil? O processo de forma-o de uma classe s pode ser compreendido a partir dascondies objetivas (independentes da vontade dos homens)

    que, desde o surgimento da propriedade privada (e do Esta-do), opem, no processo da produo, os produtores dire-tos, queles que, detendo os meios de produo (terras, fer-ramentas, mquinas, oficinas, fbricas, empresas), exploramos que nada possuem, por isso tendo de trabalhar para ou-tros de forma a garantir sua sobrevivncia. No capitalismo,tal oposio objetiva entre os interesses dos proprietrios

    e os dos despossudos ganha novos contornos, pois os quevendem sua fora de trabalho em troca de um salrio adqui-rem, na experincia comum da explorao a que esto sub-metidos, a conscincia da identidade entre seus interesses,que se opem aos interesses de seus exploradores, e, no bojodesse conflito (a luta de classes), constroem sua conscinciade classe. Os valores, discursos e referncias culturais que

    articulam tal conscincia, entretanto, no surgem do nada.Desenvolvem-se a partir da experincia da explorao e daslutas de classes anteriores. Ou seja, numa sociedade como abrasileira, marcada por quase quatro sculos de escravido,

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    no seria possvel pensar o surgimento de uma classe traba-lhadora assalariada sem levar em conta as lutas de classes e os valores e referncias que se desenrolaram entre os

    trabalhadores escravizados e seus senhores, particularmenteno perodo final da vigncia da escravido, quando a lutapela liberdade envolve contingentes cada vez mais significa-tivos de pessoas.

    experinciascomunseluTapelaliberdadePor isso a histria de Joo de Mattos to significativa.

    Nela se revelam os elos entre os perodos anterior e posteriora 1888, no processo de formao da classe trabalhadora.Afinal, at meados dos anos de 1850, o trabalho escraviza-do dominava no apenas o cenrio dos grandes latifndiosmonocultores, voltados para a agricultura de exportao,mas tambm as principais cidades do pas, em que os tra-balhadores escravizados moviam portos, transportes terres-

    tres, comrcio urbano e at mesmo as primeiras fbricas.Assim, o Rio de Janeiro possua, em 1849, uma populaototal de 266.466 pessoas, sendo 155.854 livres (muitas dasquais libertas, ou seja, ex-escravizadas) e 110.602 escravi-zadas. Com o fim oficial e a represso ao trfico negreiro,em 1850, esse nmero caiu nas dcadas seguintes. Mas, em1872, os trabalhadores escravizados ainda representavam

    quase 20% da populao da capital do Imprio, somando48.939 entre os 274.972 habitantes da cidade. Em Salvador,a populao total da cidade era estimada em 66 mil pessoas,com 42% delas escravizadas.

    Nesses centros urbanos, os trabalhadores escravizadosestavam inseridos nas mais diversas atividades, dos servi-os domsticos aos ofcios mais especializados, passando

    pelo trabalho pesado do transporte de mercadorias e pelovariado comrcio de rua. Muitos eram alugados pelos seussenhores para prestarem servios a outros e um outro tan-to corria as ruas da cidade vendendo seus servios por um

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    pagamento em dinheiro, do qual destinavam a maior partepara os senhores, que estipulavam um valor a ser pago di-ria ou semanalmente eram os trabalhadores escravizados

    ao ganho. Circulavam com relativa autonomia pela cidade,muitas vezes pagando pelo alimento ou mesmo pela mo-radia com parte do que recebiam. Eram, entretanto, cons-tantemente vigiados pela polcia, que impedia reunio detrabalhadores escravizados e controlava seus movimentos,porque os senhores temiam revoltas urbanas de trabalhado-res escravizados, como as vrias que ocorreram em Salvador

    na primeira metade do sculo 19, a maior delas conhecidacomo Revolta dos Mals (nome atribudo aos africanosde religio muulmana), ocorrida em 1835.

    Nessas condies, trabalhadores escravizados e livresconviviam lado a lado, nas ruas, moradias e locais de tra-balho das maiores cidades brasileiras. Como nas padariasde Santos, So Paulo e Rio de Janeiro, que Joo de Mattos

    nos faz relembrar. No poderia ser estranho, portanto, que,compartilhando espaos de trabalho, circulao, moradia elazer, esses trabalhadores escravizados ou livres tambmcompartilhassem valores, hbitos, vocabulrio, experinciasenfim, inclusive de organizao e de luta, ainda que as dife-renas de sua condio jurdica criassem distncias signifi-cativas (p. 11).

    Por isso, tratando do principal embate de classes da-quela poca a luta contra a escravido , quando Joo deMattos afirma que os abolicionistas iniciaram sua campanhapblica em 1879, mas os empregados em padarias foram osprimitivos lutadores antiescravistas, pois desde 1876 jguerreavam a escravido de fato, podemos entender, comele, que os abolicionistas do Parlamento e das campanhas

    na imprensa foram os figurantes de uma luta pela liberda-de que teve como protagonistas os prprios trabalhadoresescravizados, mas apoiados por trabalhadores livres que seopunham escravido.

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    Em So Paulo, a rede de apoio aos caifazes (os abolicio-nistas tidos como radicais porque apoiavam a fuga em mas-sa dos trabalhadores escravizados) inclua os ferrovirios,

    cocheiros, charuteiros e tipgrafos. Rede de solidariedadeque chegava a envolver organizaes de operrios imigran-tes, como o Crculo Operrio Italiano, que promoveu espe-tculos em 1881 com o objetivo de angariar fundos paracomprar a liberdade de trabalhadores escravizados. Em de-poimento imprensa dcadas depois, um antigo cocheiroda estao ferroviria da Luz assim recorda sua atuao em

    apoio s fugas de escravizados:E como todos ns compreendamos! Um simples piscar de olho,um gesto, uma contoro e estavam prontos para tudo, prestan-do o servio desejado com o maior disfarce e limpeza! (Quinto,A. A. Irmandades negras (), p. 82).

    Jornais abolicionistas registram o mesmo tipo de en-volvimento operrio com a causa da abolio no Cear,

    provncia que impulsionou a retomada do movimento abo-licionista, ainda em 1881. Segundo O Abolicionista, jornalcarioca:

    A classe tipogrfica da capital reuniu-se e publicou um manifes-to aderindo Sociedade Cearense Libertadora, resolvendo negarabsolutamente os seus servios aos jornais que se declararamadversos ao movimento abolicionista da provncia e do pas, fa-zendo publicaes de qualquer gnero naquele sentido (O Abo-licionista n 14, 1/12/1881, ano II, p. 5).

    No Rio de Janeiro, envolvimentos semelhantes seriamencontrados em vrios grupos operrios organizados. Comono caso dos operrios do Arsenal de Marinha, registradopelo mesmo jornal:

    Os mestres e operrios das oficinas de fundio e ferreiros do

    arsenal de marinha resolveram abrir entre si uma contribuiomensal em favor da abolio do elemento servil. Cada um delesdar a quantia que puder dispor, sendo o total entregue todosos meses diretoria da Sociedade Emancipadora, para a devida

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    aplicao. Eis a um procedimento digno de imitao, e que mui-to abona a classe artstica que teve a iniciativa, digna de louvor(O Abolicionista n 12, 28/9/1881, ano II, p. 7).

    Nos primeiros anos da dcada de 1880, os tipgrafos doRio de Janeiro fundaram o Clube Abolicionista Gutemberg,que se encarregou de comprar alforrias e instituiu uma es-cola noturna e gratuita. O empenho dos tipgrafos na causaabolicionista j era visvel havia alguns anos, como demons-tra a conferncia de Vicente de Souza agitador republicano,anos depois uma das principais lideranas socialistas cario-

    cas patrocinada pela Associao Tipogrfica Fluminense,em 1879. A conferncia aconteceu em 23 de maro daqueleano, no Teatro So Luiz, tendo como ttulo O Imprio ea escravido, o Parlamento e a pena de morte. Seu objetoespecfico era a denncia do carter retrgrado da propostado Deputado Martin Francisco que, sob o pretexto de evitarcrimes cometidos por escravizados, que ele atribua a uma

    opo consciente destes pela pena de gals (trabalho for-ado), propunha a adoo da pena de morte para escravoscondenados por assassinato. Embora definindo os africanoscomo brutais como a selvageria do hipoptamo, selvagenscomo a brutalidade de suas guerras, Vicente de Souza atri-bua os crimes praticados por trabalhadores escravizados aofato de no lhes ser aberto o caminho do recurso lei, sob

    o argumento de defesa do direito de propriedade dos senho-res, que se pautava numa conquista, num roubo da prpriahumanidade dos cativos (Conferncia realizada no Teatro S.Luis (), pp. 15- 28).

    Em depoimento de Andr Rebouas, percebe-se queos setores operrios estavam presentes de forma ativa nafase final da luta contra a escravido, apoiando as fugas em

    massa e a formao dos quilombos abolicionistas. Casase locais de trabalho haviam sido utilizados como refgiode trabalhadores escravizados que escapavam ao controlesenhorial:

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    Nas casas das famlias abolicionistas, nos escritrios comerciais,nas redaes dos jornais, nos hotis, nas padarias, nas grandes f-bricas, nos quartis, nas tipografias, por toda a parte em que hou-vesse alguma alma abolicionista, encontrava-se um abrigo seguropara guardar a pobre gente(Depoimento de Andr Rebouas ()citado por Silva, Eduardo. As camlias do Leblon (), p. 97).

    Ou seja, os trabalhadores assalariados, que comparti-lhavam espaos de trabalho e de vida urbana com os escra-vizados, atuaram coletiva e organizadamente pela sua liber-tao, demonstrando que este tipo de solidariedade na luta

    pela liberdade era parte do arsenal de valores da nova classeem formao.

    organizaesE se trabalhadores escravizados e livres compartilharam

    experincias de trabalho e de vida, alm de valores, fize-ram-no por meio de uma troca de experincias que incluiu o

    compartilhamento de modelos e formas associativas, assimcomo de padres de mobilizao e luta. No que diz respeitos formas associativas, aos trabalhadores escravizados eraproibida a associao coletiva, restando a clandestinidadeem organizaes pelas quais buscavam libertar-se, como oBloco de Combate, lembrado por Joo de Mattos. Havia,entretanto, uma exceo, pois lhes era permitido pertencer a

    irmandades, sociedades catlicas que reuniam devotos de umsanto padroeiro e que possuam, alm do objetivo de culto aesse padroeiro, funes de apoio aos membros (irmos),como o auxlio em caso de morte, para que a famlia custeas-se o funeral. Para os trabalhadores escravizados e libertos(ex-trabalhadores escravizados) existiam irmandades espe-cficas, como as de N. Sra. do Rosrio, as de So Benedito,

    as de So Elesbo e Sta. Efignia, entre outras. Mas tambmhavia irmandades organizadas por grupos de trabalhadoreslivres, como aquelas associadas a determinados ofcios espe-cializados, que reuniam os artesos (aqui chamados geral-

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    mente de artistas) de uma mesma profisso, sob a proteode um santo padroeiro associado quele ofcio. Era o casodas irmandades de So Jorge, que reuniam os ferreiros, fu-

    nileiros, latoeiros etc.; ou as de So Pedro, dos pedreiros; deSanto Eli, dos ourives; entre outras. Embora as irmandadesnegras no tivessem sido criadas com o objetivo de luta pelaliberdade ao contrrio, foram institudas pela Igreja parabuscar converter os africanos e seus descendentes ao catoli-cismo, que justificou durante sculos a escravido , acaba-ram em alguns momentos adquirindo o papel de espao de

    aglutinao de abolicionistas (em So Paulo, os caifazes sereuniam e imprimiam seu jornal na irmandade do Rosrio).Da mesma forma, as irmandades ligadas aos ofcios artesa-nais no foram criadas para representar interesses profissio-nais, mas o faziam em alguns momentos.

    Porm, se irmandades eram associaes de carter re-ligioso que, em determinadas condies, poderiam reunir

    trabalhadores escravizados, ao longo do sculo 19 os traba-lhadores livres experimentaram outro tipo de associativis-mo vedado aos escravizados. Trata-se da experincia com asassociaes de ajuda mtua as mutuais sem refernciareligiosa, com o objetivo de reunir em uma caixa comumas contribuies dos associados para auxili-los em mo-mentos de doena, invalidez, morte, entre outros. Como os

    mais necessitados desse tipo de apoio eram os pobres, leia-se os trabalhadores que ganhavam to pouco que no po-diam arcar com os custos de sua incapacidade temporriaou permanente para o trabalho, muitas mutuais tiveram umcarter profissional, reunindo trabalhadores do mesmo of-cio, da mesma empresa ou de vrias profisses aglutinadas.Entre as mutuais profissionais, algumas chegaram a ir alm

    dos limites de seus estatutos, como a Associao TipogrficaFluminense que, em 1858, apoiou uma greve dos tipgrafosdo Rio de Janeiro (comentada mais adiante). Entre as queaglutinavam vrios ofcios, uma experincia interessante,

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    tambm ocorrida no Rio de Janeiro, mas que gerou frutosde nomes semelhantes em muitas outras cidades, foi a da So-ciedade Beneficente Liga Operria, fundada em 1871. Alm

    de denominar-se operria, a Liga propunha-se, segundo seusestatutos, a reunir todos os operrios e artistas nacionaise estrangeiros e anunciava, entre seus fins, representar osinteresses dos associados, s que de forma bem ampla, pois,como afirmava, procuraria por todos os meios ao seu alcan-ce, melhorar a sorte de todas as classes operrias (Estatutosda Sociedade Beneficente denominada Liga Operria, p. 3).

    Os trabalhadores escravizados e os libertos nas cidadesabsorviam tais experincias, pois h registros de algumastentativas de criao de mutuais de trabalhadores negros,como a Sociedade Beneficente da Nao Conga, criada an-tes de 1861, ou a Associao Beneficente Socorro Mtuodos Homens de Cor, de 1874. No mesmo ano de 1874, oConselho de Estado (principal instncia administrativa do

    Imprio) examinou o pedido de registro de uma Sociedadede Beneficncia da Nao Conga Amigos da Conscincia.Seus estatutos, como os das outras duas, eram muito seme-lhantes aos de qualquer mutual prevendo auxlios parascios doentes, vivas etc. , com a diferena entretanto deestabelecer que, para ser scio, o candidato devia pertencer Nao Conga ou a qualquer outra, porm, africana [So-

    ciedade de Beneficncia da Nao Conga Amiga da Cons-cincia (24 de setembro de 1874), fl. 9].Os membros do conselho rejeitam todos esses pedidos,

    alegando falhas tcnicas nos processos, inabilitao dos res-ponsveis, ou ainda que a Nao Conga no uma nao,como as europias, e sim uma horda de brbaros. Mas oprincipal motivo, explcito no caso desta ltima, o fato de

    que intitulando-se da Nao Conga admite scios de ou-tras procedncias africanas, e sem declarar que livres, podejulgar-se com direito a admitir trabalhadores escravizados,o que no permitido pelas leis (Idem, fl 2v).

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    Filiando inclusive trabalhadores escravizados, tais as-sociaes podiam incluir em seus estatutos formas de uti-lizar o caixa da entidade para comprar a liberdade de seus

    scios, ou podiam mesmo possuir o objetivo, no declara-do nos estatutos, de apoiar por todos os meios a causa daabolio, razo pela qual os conselheiros de Estado, nosatisfeitos em apenas proibir seu funcionamento, ainda re-comendam a represso, determinando ao governo imperialtomar conhecimento reservado, por meio da Polcia, dosindivduos que as promovem e das circunstncias que lhes

    do causa.Mesmo sendo proibidas, a existncia dessas associaes,ou das tentativas de cri-las demonstra a disposio de li-bertos e mesmo escravizados de se apropriarem de formasde organizao e solidariedade coletiva de trabalhadores di-tos livres, as quais, aos olhos dos homens de Estado, nolhes eram adequadas.

    E essa experincia associativa de escravizados e ex-escra-vos se desdobra para alm da abolio. Um exemplo est naorganizao dos trabalhadores do porto no Rio de Janeiro.Na vigncia da escravido, o conjunto de variados trabalhostpicos do porto, como o de carregadores, estivadores, arru-madores, era predominantemente ocupado por trabalhado-res escravizados. Constituam caractersticas comuns a esse

    conjunto o trabalho avulso ou seja, recebe-se por dia detrabalho e no h garantia de ser contratado todos os dias e o fato de que a maioria das tarefas era executada porturmas de vrios trabalhadores, normalmente coordenadaspor um capataz, encarregado, ou capito. Diante da du-reza do trabalho, da insegurana em relao contrataodiria e do exerccio coletivo das tarefas, criou-se no setor

    uma forte solidariedade entre os trabalhadores escravizadosque desempenhavam tais tarefas, sendo comuns os relatosde que, em grupos, eles economizavam recursos para com-prar, um a um, a liberdade de seus parceiros de trabalho.

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    No incio do sculo 20, quando comearam a surgir os pri-meiros sindicatos dos trabalhadores do porto, como a Uniodos Estivadores, ou a Sociedade de Resistncia dos Trabalha-

    dores em Trapiches de Caf, percebe-se que as continuidadesem relao ao perodo da escravido ainda eram visveis. Osindicato dos trabalhadores em trapiches (os armzens dapoca) de caf, por exemplo, fundado em 1905, possua umquadro social quase exclusivamente composto por trabalha-dores negros e seus primeiros presidentes foram todos negros.Atravs de vrias mobilizaes e greves, os porturios do Rio

    conquistaram, ainda no incio do sculo, o direito de orga-nizarem, por meio dos sindicatos, a contratao das turmasde carregadores, garantindo o monoplio do servio no setorpara os sindicalizados, e criando regras que buscavam distri-buir de forma mais uniforme os dias de labuta pelo conjuntodos trabalhadores. Como explica o jornal Correio da Manh,em matria publicada no dia 14/10/1906, aps as conquistas

    de uma greve comandada pela Sociedade de Resistncia:Presentemente, e em razo da greve (ainda no de todo termina-da) obtm os carregadores salrios relativamente elevados, go-zando de regalias que nunca tiveram. () Em cada trapiche oucasa de caf coloca a Sociedade um representante do trabalho,reconhecido pelo industrial que emprega a tropa e respeitadopelos companheiros que a compem. Para manter a boa ordeme necessria disciplina existem muitos fiscais, que so tambm

    carregadores, usando uma chapa especial que o distintivo dasua categoria (Citado por Cruz, M. C. V. Tradies negras naformao de um sindicato (), p. 252).

    Ou seja, os ex-escravos e seus descendentes que exerciamo trabalho porturio na segunda metade do sculo 19 noapenas continuaram no setor, mas tambm se organizaram

    sindicalmente, sobre a base de formas de solidariedade exis-tentes h muito tempo, para garantir seu monoplio sobreesses empregos irregulares, no interior do instvel mercadode trabalho da cidade.

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    E no era uma experincia isolada. Em Pelotas e RioGrande, no Rio Grande do Sul, as cidades gachas em quea presena escrava fora mais ampla, em razo das ativida-

    des do porto e da charqueada (produo da carne seca), asprimeiras organizaes operrias tiveram, entre seus funda-dores e organizadores, muitas vezes, lideranas negras, quetambm organizavam jornais, clubes e outra formas asso-ciativas de ex-escravos e seus descendentes, em condiesde forte presena do preconceito racial. Como reconhecia older anarquista Ceclio Villar, que por l esteve em 1914 e

    relatou a um jornal operrio sua experincia, afirmando queos militantes deviam:

    reagir denodadamente contra os preconceitos profundos, ves-tgios da escravido que dividem os trabalhadores. Como temacontecido em outras partes, os trabalhadores da chegam compreenso de que as nacionalidades, as cores, as raas nodevem ser empecilhos sua funo, com congraamento detodas as suas energias no combate ao regime que a todos trazescravizados(citado por Loner, B. A. Construo de classe(), p. 275).

    Lembremos o lema da Sociedade Cosmopolita Prote-tora dos Empregados em Padarias: Trabalho, justia e li-berdade: sem distino de cor, crena ou nacionalidade.Por isso, quando o relato de Joo de Mattos traa a his-

    tria, a trajetria das organizaes coletivas de padeiros,do Bloco de Defesa com fins de luta contra a escravido Cosmopolita e Liga Federal dos Empregados emPadarias, que passam a atuar com objetivos sindicais, de-fendendo os interesses dos trabalhadores, inclusive como recurso greve, podemos no estar lendo uma hist-ria comum, como a de qualquer outra organizao, mas

    sim percebendo um campo de possibilidades associativasque atravessa as lutas contra a escravido e finca razesimportantes para a formao das organizaes sindicaispropriamente ditas.

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    formasdeluTaBoa parte dos textos, de memrias ou de anlises que lo-calizam a primeira greve no Brasil, citam a dos composito-

    res tipogrficos dos trs jornais dirios que circulavam nacapital do Imprio (a Corte), em 1858, como a pioneira.Essa greve , de fato, bastante significativa. Aps meses rei-vindicando aos donos dos trs principais jornais da Corte(Correio Mercantil, Dirio do Rio de Janeiro e Jornal doComrcio) um reajuste de salrios, numa conjuntura de altados preos, os compositores (os tipgrafos que compunham

    os jornais artesanalmente, organizando letras de metal emchapas para impresso) resolveram recorrer paralisaodo trabalho a partir de 9 de janeiro de 1858. O mais interes-sante da greve que dela h registros relativamente amplos,porque os compositores, apoiados pela Imperial AssociaoTipogrfica Fluminense, fundaram oJornal dos Tipgrafos,de circulao diria, que nas semanas seguintes apresentou

    os argumentos dos trabalhadores. Nas pginas do jornal,um grupo profissional relativamente pequeno (o maior dosdirios, oJornal do Comrcio, empregava cerca de 32 tip-grafos), apresentava-se como constitudo por artistas, ar-tesos especializados, empobrecidos pela ganncia dos pro-prietrios das folhas que se negavam a pagar-lhes um salriodigno. Alm disso, a greve chama a ateno pelo papel ativo

    da associao dos tipgrafos, que embora tivesse como ob-jetivo principal o auxlio mtuo de seus filiados, assumiu afuno de representao dos seus interesses, intercedendojunto s autoridades e financiando a compra do maquinriopara a impresso do jornal dos grevistas.

    NoJornal dos Tipgrafos podemos encontrar manifes-taes preliminares de uma identidade de classe em cons-

    truo, mesmo havendo afirmaes claras de especificidade,quando define seus membros como artistas, que se co-ligaram por constiturem uma classe mal retribuda nosseus servios. Porm, tambm se afirma que operrios de

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    diversas classes encontravam-se em situao semelhante dos tipgrafos e se reconheciam em seus atos (Jornal dosTipgrafos, Rio de Janeiro, 14/1/1858, p. 1). Em alguns ar-

    tigos referentes ao movimento ia-se alm, afirmando a ne-cessidade de pr fim s opresses de toda a casta e decombater a explorao do homem pelo mesmo homem,apontando contra o egosmo estpido dos empreendedoresda indstria, capitalistas () (Jornal dos Tipgrafos, Riode Janeiro, 23/1/1858, pp. 2-3).

    Examinando o movimento dos tipgrafos de 1858 suas

    caractersticas de representao de um setor de trabalhado-res livres e assalariados, que se associaram e lutaram cole-tivamente, para defender sua dignidade como artistas, mas,tambm, enfrentando aqueles que conscientemente conside-ravam como seus inimigos de classe, os patres podera-mos dizer que estamos diante de um episdio do processo deformao da classe trabalhadora, que apresenta semelhan-

    as evidentes com os casos clssicos, como o ingls. Mas,para as maiores cidades brasileiras na segunda metade dosculo 19, e do Rio de Janeiro em particular, como j ficouclaro nas pginas anteriores, deter-se apenas nessa face dotrabalho livre para pensar o processo de formao da classepode gerar uma grande limitao da anlise.

    Se a greve dos tipgrafos foi ou no a primeira greve de

    trabalhadores livres ou assalariados no Brasil, difcil com-provar. Porm, chama a ateno que alguns dos mesmos me-morialistas que a definem como a primeira greve brasileiratenham comentado outro episdio, ocorrido no ano anterior.Trata-se dos trabalhadores escravizados do estabelecimentoda Ponta da Areia, de propriedade de Mau, assim noticiadapelo jornal A Ptria, de Niteri, em 26/11/1857:

    Ontem, das 11 para o meio-dia, segundo nos informam, os es-cravos do estabelecimento da Ponta da Areia levantaram-se e re-cusaram-se a continuar no trabalho, sem que fossem soltos trsdos seus parceiros, que haviam sido presos por desobedincia s

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    ordens do mesmo estabelecimento. Felizmente o levantamentono ganhou terreno, pois o Exmo. Sr. Dr. Paranagu [o Chefe dePolcia da Provncia], apenas teve a notcia, dirigiu-se ao local e fezconduzir casa de deteno, presos, os 30 e tantos amotinados.

    Sabe-se que o estabelecimento da Ponta da Areia, cons-titudo de fundio e estaleiro organizados em muitas ofi-cinas, era o maior empreendimento privado do gnero napoca, contando com cerca de 600 operrios, sendo aproxi-madamente um quarto deles escravizados. Sabemos tambmque muitos outros arsenais e fbricas de ento empregavam

    grande quantidade de escravizados. Ou seja, alm de com-partilharem espaos e experincias de trabalho, escravizadose livres acabavam por compartilhar formas de luta.

    Alis, naquele ano de 1857, em Salvador, os carregado-res urbanos, em sua maioria escravizados que trabalhavamao ganho, interromperam o trabalho para protestar contrauma nova legislao da cidade que os obrigava a pagar uma

    taxa e usar uma plaqueta de identificao. O peso de tal pa-ralisao na cidade era evidente, pois como relatou no anoseguinte o viajante alemo Robert Ar-Lallement: Tudo oque corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega ne-gro (citado por Reis, J. J. A greve negra de 1857 (), p. 8).Organizados coletivamente para o trabalho, nos cantosem que se reuniam espera da contratao, mostraram du-

    rante a paralisao uma forte capacidade de articulao eresistncia que acabou por gerar uma reviso da legislao,atendendo ao menos parcialmente suas reivindicaes.

    Mesmo as greves, portanto, instrumento tpico de rei-vindicao dos trabalhadores assalariados, foram em algunsmomentos utilizadas como forma de luta pelos trabalha-dores escravizados das cidades, apresentando demandas

    especficas, porm demonstrando que os intercmbios deexperincias entre os que viviam e trabalhavam nos mesmosespaos poderiam ter dimenses mais amplas do que o espe-rado pelos senhores e patres.

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    ValordaliberdadeeconscinciadeclasseNas pginas anteriores, espero ter demonstrado que a his-tria do processo de formao da classe trabalhadora no

    Brasil comea ainda durante a vigncia da escravido e noapenas a partir de 1888, com a chegada em massa dos imi-grantes europeus, que com base em uma generalizao doque se viu em So Paulo so identificados muitas vezescomo a classe operria no Brasil, e associados aos primei-ros sindicatos, s greves e s propostas de transformaosocial. Isso, porm, no significa dizer que a classe traba-

    lhadora estava formada no Brasil antes da virada do sculo19 para o 20.O que se identificou aqui que, a partir do compartilha-

    mento de experincias de trabalho e vida em algumas cidadesbrasileiras com forte presena da escravido, ao longo do s-culo 19, trabalhadores escravizados e livres partilharam for-mas de organizao e de luta, gerando valores e expectativas

    comuns, que acabariam tendo uma importncia central paramomentos posteriores do processo de formao da classe. Ese a conquista da liberdade era o elemento central da lutade classes sob a vigncia da escravido, cujo protagonismofoi desempenhado pelos prprios escravizados, com apoiode outros segmentos sociais causa, particularmente dostrabalhadores livres em algumas de suas primeiras organi-

    zaes, os valores forjados naquelas batalhas passaram afazer parte do arsenal compartilhado pelos trabalhadoresnas dcadas seguintes, servindo mesmo de parmetro para aavaliao das experincias e das lutas subseqentes.

    Por isso, Joo de Mattos, no relato que abriu esta discus-so, ao se referir aos trabalhadores escravizados (ele no falaem escravos, pois no nasceram assim, foram escravizados

    por outros), chama-os de escravizados de fato, contrapon-do-os no aos trabalhadores livres, mas aos escravizadoslivres, porque para ele a luta pela liberdade no estava com-pleta, j que os trabalhadores assalariados possuam, em suas

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    palavras, apenas o direito de escolher entre este ou aquelesenhor (Duarte, L. Po e liberdade, p. 71).

    No incio do sculo 20, esse tipo de raciocnio estar

    presente muitas vezes nos discursos das lideranas oper-rias, em seu esforo para mobilizar, organizar e conscien-tizar os trabalhadores, como se percebe na anlise de umoutro trabalhador de padarias, publicada em 1908 no jornalA Voz do Trabalhador:

    A lei de 88 que aboliu a escravido no Brasil parece que s noatingiu os operrios padeiros, mais escravos do que foram os

    daquela raa, porque de todos os gananciosos e exploradoressobressaem os donos de padaria

    Argumento que se mantinha, alguns anos depois, naspalavras de um outro trabalhador:

    fato que acabou a escravatura em 13 de maio de 1888, e dizainda o adgio popular que contra os fatos no h argumen-tos; porm, eu digo que h. H porque, se bem que a escravatu-

    ra acabou, no acabou no pensamento dos nossos algozes, queso estes para quem ns derramamos at a ltima gota de suor eque no nos sabem recompensar, e nunca sabero, se a isso noos obrigarmos por nossas prprias mos. A essa classe de gentens denominamos, na nossa linguagem operria burgueses (AVoz do Trabalhador, 1913).

    Nas dcadas seguintes, quando o nmero e a diversida-

    de emigrantes estrangeiros, antigos artistas, ex-escravos,migrantes das reas rurais dos trabalhadores urbanos seampliar, as experincias comuns a escravizados e livres nasegunda metade do sculo 19 tero deixado marcas bastantesignificativas sobre o processo de formao da classe traba-lhadora.

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    A fase da chamada Repblica Velha (1889-1930) ummomento chave para a constituio no s do movimentooperrio, mas tambm da prpria classe trabalhadora. E a

    formao de uma classe trabalhadora no Brasil de entoera um processo bastante complicado. certo que, desdea segunda metade do sculo 19 tnhamos, ao menos nasprincipais cidades, algumas fbricas, diversas oficinas,alm de muitos estabelecimentos comerciais e de servios,cujos empregados recebiam salrios. Havia tambm, comovimos, formas variadas de organizaes coletivas que con-

    gregavam trabalhadores, livres ou no. Mas, at 1888, aslutas de classes ainda giravam em torno da questo da es-cravido e, mesmo aps o fim desta, persistiriam grandesobstculos para a formao da classe, associados diver-sidade da origem dos novos assalariados, e s dificuldadespara que as organizaes coletivas existentes assumissem ocarter de defesa de interesses comuns identificados a par-

    tir do compartilhamento de uma mesma posio na divisosocial do trabalho.No o bastante, embora seja determinante, que muitos

    indivduos compartilhem uma experincia comum em ter-

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    mos de condies de vida e de trabalho para que constituamuma classe. preciso que os grupos de indivduos identifi-quem essa experincia como comum e seus interesses como

    convergentes entre si e opostos aos de outros grupos. Daorganizarem-se, em sindicatos ou partidos, por exemplo,para coletivamente defenderem tais interesses, expressos nacrtica sua situao e em propostas de mudana social,com sentido de classe.

    inTer elemenToscaracTersTicosdaconscinciadeclasse.

    Mas, no Brasil de quase quatro sculos de escravido, cons-truir uma identidade de classe para os trabalhadores esbar-rava na imagem negativa do trabalho. At o sculo 19, aregra era: trabalhava quem era escravizado ou os livres queno possuam escravos. Nossas classes dominantes no ti-nham como se apoiar numa tradio cultural ou religiosa devalorizao do trabalho e, por isso, no confiaram apenas

    na mensagem ideolgica que rezava: o trabalho dignifica ohomem, o trabalho o caminho para a ascenso socialetc. Classes dominantes, tambm marcadas pela experinciada escravido, s que pelo lado do mando, insistiram narepresso como estratgia para garantir a disponibilidadede trabalhadores no mercado de trabalho assalariado emformao. A frmula era simples: quem no trabalhasse

    deveria ser preso. Logo aps a abolio, nossos deputadosdiscutiam uma lei capaz de garantir que o ex-escravo se con-formasse s novas regras. Tal lei teria o sintomtico nomede Lei de Represso Ociosidade. Assim referia-se umdeputado ao projeto em discusso:

    Votei pela utilidade do projeto, convencido, como todos es-tamos, de que hoje, mais do que nunca, preciso reprimir a

    vadiao, a mendicidade desnecessria etc. () H o dever im-perioso por parte do Estado de reprimir e opor um dique atodos os vcios que o liberto trouxe de seu antigo estado, e queno podia o efeito miraculoso de uma lei fazer desaparecer,

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    porque a lei no pode de um momento para o outro transfor-mar o que est na natureza. () A lei produzir os desejadosefeitos compelindo-se a populao ociosa ao trabalho honesto,minorando-se o efeito desastroso que fatalmente se prev comoconseqncia da libertao de uma massa enorme de escravos,atirada no meio da sociedade civilizada, escravos sem estmu-los para o bem, sem educao, sem os sentimentos nobres ques pode adquirir uma populao livre e finalmente ser regu-lada a educao dos menores, que se tornaro instrumentosdo trabalho inteligente, cidados morigerados, () servindode exemplo e edificao aos outros da mesma classe social

    (Deputado MacDowell, na Cmara, em 1888, citado por Cha-lhoub, S. Trabalho, lar e botequim, p. 42).

    Nessa situao, coube aos prprios trabalhadores a ta-refa de construir, para si, uma tica positiva do trabalho.Porm, no com os mesmos objetivos dos empresrios. Avalorizao do trabalho e do trabalhador era, para os pri-meiros militantes operrios, um pr-requisito para que se

    identificassem como classe e pudessem, ento, agir coletiva-mente por meio de suas organizaes sindicais. Isso explicaa nfase de certas manifestaes culturais operrias na di-fuso de uma imagem positiva do trabalho e do trabalha-dor, ainda que nem sempre com um discurso autnomo daclasse, indicando um processo de conscientizao complexoem curso. Como no Soneto publicado por um rgo da

    imprensa operria:Tu que batalhas noite e dia e a arteHonras com o teu trabalho, tu benditoHs de um dia gozar a melhor parteDa fortuna que d gozo infinito

    Tu que vives agora, qual baluarte

    De trabalho fecundo, ouve meu grito,E vs que nestes versos pra saudar-teChamo-te luta e a trabalhar insisto.

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    que a verdade se resume nisto:Nada, nem mundo, existiria agora,Se o operrio no fosse o meigo Cristo

    Vivamos, pois, num trabalho fecundo,O trabalho engrandece e revigoraO operrio, riqueza deste mundo.

    (Soneto, citado por Kocher, B. & Lobo,E. Ouve meu grito, p. 7).

    Com a ambigidade tpica de uma fase em que falar

    diretamente aos de baixo era considerado to importantecomo pedir espao aos de cima, o poema expressa esse es-foro para convencer os prprios trabalhadores, e a socieda-de como um todo, da importncia da classe. Em tal tarefa,o movimento sindical desse perodo desempenhou o papelprincipal. Ao fim desse processo, a expresso de uma cons-cincia de classe autnoma, embora limitada como sempre

    pelo contexto da luta de classes de sua poca, se apresenta-ria de forma mais clara.

    a experinciaoperria, dofimdosculo19sprimeirasdcadasdosculo20Ao tratarmos da classe trabalhadora nas primeiras dcadasde sua formao, preciso ter em conta o peso relativamente

    pequeno do operariado industrial tpico no conjunto da forade trabalho. Era ainda muito pequeno o espao da indstriana economia brasileira de ento. A produo industrial res-pondia por cerca de 5% da populao empregada no pas em1872, chegando a 13,8%, em 1920. Nessa primeira fase, aindstria crescia a partir do investimento de capitais acumu-lados em outros setores, considerados, ento, mais dinmicos,

    como era o caso do comrcio importador e atacadista, no Riode Janeiro, e do complexo cafeeiro em So Paulo. A tabelaabaixo nos fornece uma idia mais clara das dimenses doparque industrial nos dois maiores centros urbanos do pas:

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    INDSTRIAS E CAPITAL INVESTIDO RIO E SO PAULO

    Local Ano N de empresas Capital (contos)

    Rio

    1907 662 167.120

    1920 1.542 441.669

    1929 1.937 641.661

    So Paulo

    1907 326 127.702

    1920 4.154 537.817

    1929 6.923 1.101.824

    Fonte: Silva, S. Expanso cafeeira e origens da indstria no Brasil, p. 79.

    Era de se esperar que o nmero de postos de trabalhonas fbricas no garantisse, por si s, a efetivao de umlargo mercado de trabalho assalariado urbano no pas. Acifra de 293.673 operrios manufatureiros e industriaisno Brasil em 1920 pouco significativa se comparada aos9.566.840 de habitantes economicamente ativos do pas,

    66,7% dos quais esto no campo. Mesmo que tomsse-mos os empregados no comrcio e servios, ainda assimseria baixo o nmero de assalariados. Ainda mais se levar-mos em conta que em todos esses setores era majoritrioo nmero de autnomos e contratados temporariamenteou por tarefa.

    Apesar de todos esses limites, no possvel ignorar

    que existiam fbricas, em grandes cidades, e que o merca-do de trabalho assalariado urbano era uma realidade emconstruo. Desse ponto de vista, como grupo de pessoasque compartilham experincias comuns a partir de condi-es de vida e de trabalho semelhantes, pode-se afirmarque uma classe trabalhadora j estava em formao.

    Tomando por base o Rio de Janeiro, na primeira d-

    cada do sculo 20 o principal plo industrial, possvelobservar, pelo censo de 1906, o seguinte quadro em ter-mos de estratificao ocupacional da populao economi-camente ativa:

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    CLASSIFICAO DAS PROFISSES SEGUNDO O CENSO DE 106

    CIDADE DO RIO DE JANEIRO

    Profisses Populao empregada

    Produo da matria-prima 25.575Indstria 115.779

    Comrcio 62.775

    Transporte 22.807

    Administrao pblica e profisses liberais 44.493

    Diversos (domsticos, sem profisso, improdutivos) 540.014

    Total 811.443

    Fonte: Recenseamento do Rio de Janeiro (Distrito Federal), realizado em 20

    de setembro de 1906.

    Salta aos olhos a grande quantidade de pessoas sem ocu-pao definida ou empregadas no servio domstico, o quedemonstra os limites de um mercado de trabalho assalariadoem expanso. Ainda assim, somando trabalhadores em inds-trias (que nas estatsticas da poca incluam oficinas e manu-

    faturas), comrcio, transportes, agricultura, funcionalismo eprofisses liberais, encontramos cerca de 300 mil pessoas.Quanto formao do operariado industrial propria-

    mente dito, os dados sobre o Rio de Janeiro e So Paulopodem nos fornecer uma viso do crescimento no nmerode postos de trabalho nas principais cidades industriais aolongo do perodo:

    OPERRIOS INDUSTRIAIS EM SO PAULO E NO RIO DE JANEIRO

    Anos So Paulo Rio de Janeiro1907 24.186 34.850

    1920 83.998 56.517

    1929 148.376 93.525

    Fonte: Silva, S. Expanso cafeeira e origens da indstria no Brasil, p. 79.

    Cabe destacar tambm que, alm da extenso limitadado mercado de trabalho assalariado, uma extrema diferen-ciao (quanto origem nacional e tnica principalmente)

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    entre os trabalhadores era uma barreira significativa for-mao de uma identidade comum. Em So Paulo, cerca de55% da populao era composta por estrangeiros na dca-

    da de 1890 e, entre a populao ocupada, os estrangeiroschegavam a somar 68%, ou seja, a grande maioria dos tra-balhadores paulistas era composta por imigrantes, a maiorparte dos quais, italianos. J no Rio de Janeiro, na virada dosculo, o percentual de estrangeiros na populao girou emtorno dos 25%, sendo portugueses mais da metade dessesimigrantes. Ainda nessa cidade, cerca de 35% dos habitan-

    tes foram identificados como negros ou mestios, em 1890.Quando confrontados com os dados relativos ao mercadode trabalho, esses nmeros tornam-se marcas de uma discri-minao. Enquanto mais da metade dos estrangeiros econo-micamente ativos estava ocupada no comrcio, indstria ouartesanato atividades de remunerao menos baixa cercade 65% dos de origem negra ocupavam-se em servios do-

    msticos ou no tinham profisso declarada, em 1890.Sobre aqueles que se encontravam no mercado de tra-balho dito formal, h algumas referncias interessantes arespeito das condies a que estavam submetidos. Algunspoucos escritores demonstraram uma curiosidade no ne-cessariamente simpatia que os levou a descrever as mr-bidas condies de trabalho de certos grupos urbanos. o

    caso desta passagem da crnica/reportagem de Joo doRio sobre um grupo de mineiros do Rio de Janeiro:

    Estvamos na Ilha da Conceio, no trecho hoje denominado A fome negra. H ali um grande depsito de mangans, e dooutro lado da pedreira que separa a ilha, um depsito de carvo.() Logo depois do caf, os pobres seres saem do barraco evo para o Norte da ilha, onde a pedreira refulge. () Quando

    chega o vapor, de novo removem o pedregulho para os saveirose de l para os pores dos navios. Esse trabalho contnuo, notem descanso. () Trabalha-se dez horas por dia, com pequenosintervalos para as refeies, e ganha-se 5 mil ris. H, alm dis-

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    so, o desconto da comida, do barraco onde dormem, 1.500; demodo que o ordenado na totalidade de 8 mil ris. Os homensgananciosos aproveitam ento o servio da noite, que pago atde manh por 3.500 e at a meia-noite pela metade disso, tendonaturalmente o desconto do po, da carne e do caf servido du-rante o labor [Joo do Rio (Paulo Barreto). A fome negra. In:A alma encantadora das ruas].

    O Estado, em alguns poucos momentos, tambm se dis-ps a relatar as condies de trabalho de algumas catego-rias. Embora em tom mais neutro e intenes normalmente

    associadas racionalizao do trabalho (no sentido deaumento do ritmo de produo e diminuio do nmerode empregados), os funcionrios do governo no podiamdeixar de descrever as pssimas condies a que os traba-lhadores estavam submetidos. o caso deste relato sobre oscarregadores no Porto de Santos em 1912:

    O trabalho dos carregadores de caf pesadssimo. Sob um sol

    ardente, sob a chuva e em dias de noroeste, esse pessoal, nas dezhoras de servio que tem, executa um trabalho fatigante e peri-goso. O servio que comea s seis horas da manh e termina scinco horas da tarde, interrompido s dez horas, para o des-canso de uma hora destinado refeio. () Fato que desagradaa todos que visitam as instalaes do porto de Santos a faltade aparelhamento mecnico de seu cais e armazns. Ali tudo sefaz mo. imitao do que se observa em portos em tudo in-

    feriores ao de Santos, j poderia a companhia concessionria deseu cais ter tratado do dito aparelhamento, diminuindo assim oesforo exigido no emprego do brao humano e o nmero dostrabalhadores ocupados () (Boletim do Departamento Esta-dual do Trabalho, So Paulo, 3 trimestre de 1912, citado porGitahy, M. L. C. Ventos do mar, p. 115).

    Ainda mais importantes so os relatos dos prprios tra-

    balhadores sobre sua condio. Como os de Elvira Boni,costureira que fundou e dirigiu o sindicato de sua categoria,recordando as estratgias de explorao das costureiras, emlocais de trabalho que confundiam o ambiente da produo

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    com o ambiente domstico dos proprietrios, como era ocaso das casas de madames, ou atelis de costura:

    A que horas se comeava a trabalhar? s oito horas da ma-nh. As aprendizes chegavam um pouco mais cedo para ver se aoficina estava em ordem. s 11 e meia, meio-dia, parava-se paraalmoar. Nessa primeira casa em que trabalhei, por exemplo, amadame dava o almoo. Era uma questo de meia hora s: le-vantvamos, comamos na cozinha e voltvamos para a costura.Alis, a comida era muito malfeita, ruim mesmo. Feijo, arroz,s vezes um ensopado, outras vezes legumes. A mesma emprega-da fazia a comida da madame, mas era uma comida diferente.Havia depois um intervalo de uns 15 minutos para tomar caf,e s seis horas amos embora [Depoimento de Elvira Boni. InGomes, A . C. (org.). Velhos militantes, p. 28].

    O que dizer ento das primeiras fbricas, onde as ps-simas condies de trabalho eram aguadas pelas jornadasmuito longas, pela violncia dos encarregados, pelos cons-

    tantes acidentes, pela explorao do trabalho de crianase pelos abusos contra as operrias? Mulheres e crianas,alis, formavam a maioria da mo-de-obra empregada nasfbricas de tecido, os maiores estabelecimentos industriaisde ento. Ganhavam menos e cumpriam a mesma jornadados homens. A imprensa operria sempre trazia dennciasde superexplorao, acidentes, doenas e violncias no am-

    biente fabril. As que pareciam provocar maior sentimentode injustia e indignao eram justamente relativas ao abusocontra mulheres e violncia contra crianas. Como a quese segue, publicada em 1922, sobre uma fbrica de tecidosdo grupo de Ermnio de Moraes:

    Votorantim! Terrvel palavra! Todos quantos conhecem a fbri-ca que leva esse nome no podem mais do que tremer de dio,

    ao escutar seu nome mil vezes maldito. No h, no pode haverem toda Sorocaba um s trabalhador, homem ou mulher, quel, nesse ergstulo da morte, no tenha uma recordao lgu-bre. A morte impera; a tuberculose domina; a tirania o apa-

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    ngio dos feudais daquelas paragens. Hoje, ainda hoje, maisum crime revoltante acaba de perpetrar-se naquela bastilha:centenas de crianas que ali se estiolam na seo de fiao,cansadas de serem exploradas miseravelmente, e ultimamentecoagidas a trabalhar nove horas por dia, resolveram abando-nar o trabalho, para fazerem respeitar a jornada de oito horas.Foi quanto bastou para que os janzaros, chefiados pelo imbe-cil que responde ao chamado de Pereira Igncio, trancassemtodas as portas e janelas da fbrica, querendo, assim, evitar queos pequenos mrtires do trabalho pudessem regressar aos seuslares (Pinheiro, P. S. & Hall, M. A classe operria no Brasil,

    vol. 2, p. 124).Quando o jornal fala em centenas de crianas na f-

    brica, no est exagerando. Um relatrio de 1912, do De-partamento Estadual do Trabalho de So Paulo, lista 3.707menores de 16 anos (grande parte deles com menos de 12anos), num total de 10.204 operrios empregados em 29fbricas de tecidos do Estado (Citado por Pinheiro, P. S. &

    Hall, M. A classe operria no Brasil, vol. 2, pp. 87-88).Em todas as fbricas do pas, as jornadas sempre supe-riores a dez horas dirias, o trabalho de crianas e o ma-quinrio perigoso somavam-se insalubridade do ambientepara formar um quadro de mortes e acidentes constantes.Um exemplo ilustrativo o das oficinas tipogrficas de umjornal gacho, assim descritas em matria do jornal A de-

    mocracia, de orientao socialista, em 1905:As oficinas de A Federao tm todas as condies precisas paraser um foco pestfero. Para resumir as provas desta assero bastante citar que de todas as casas de trabalho de Porto Alegre,no espao de 15 anos, delas que tem morrido maior nmerode operrios. O edifcio extenso e como uma caverna: ali noh sequer uma rea, um pequeno ptio ou uma janela por ondefacilmente se renove o ar () Na parede dos fundos, que confinacom a funilaria de uma fbrica de beneficiar banha fizeram duaspequenas aberturas, sala de ventiladores. por ali que devepenetrar o ar puro nas oficinas de impresso e composio, mas,

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    ao contrrio disso, aquilo antes o transmissor de ar ainda maisviciado. E como se tudo isso ainda no fosse suficiente para aba-lar, para destruir a sade do pessoal operrio da A Federao,acresce mais este caso barbaramente anti-higinico: no h latri-nas no edifcio.(A Democracia, Porto Alegre, 4/6/1905, citadopor Petersen, S. R. F. & Lucas, M. E. Antologia do movimentooperrio gacho, p. 140).

    Se trabalhar era dureza, mais difcil ainda era sustentaruma famlia com o produto desse trabalho. Comparandoos salrios com a alta do custo de vida, percebemos que, ao

    longo de todo o perodo, ocorreu uma significativa reduodo poder de compra dos trabalhadores, cuja remuneraocrescia sempre mais lentamente que os preos:

    SALRIOS E CUSTOS DE VIDA EM SO PAULO (114-121) NDICES

    Ano ndice do custo de vida ndice de salrio1914 100 100

    1915 108 1001916 116 101

    1917 128 107

    1918 144 117

    1919 148 123

    1920 163 146

    1921 167 158

    Fonte: Pinheiro, P. S. O proletariado industrial na Primeira Repblica. InHGCB, Tomo III, vol. 2, p.147.

    Trabalhava-se muito, ganhava-se pouco e pagava-secaro para viver mal. As descries dos locais de moradia dostrabalhadores no incio do sculo conduzem-nos a realida-des miserveis, insalubres e superpovoadas. Como o quar-teiro de uma regio prxima ao centro do Rio descrito por

    Lima Barreto:Penetrou naquela vetusta parte da cidade, hoje povoada por l-bregas hospedarias, mas que j passou por sua poca de relativorealce e brilho. Os botequins e tascas estavam povoados do que

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    h de mais srdido na nossa populao. Aqueles becos escuros,guarnecidos, de um e de outro lado, por altos sobrados, de cujasjanelas pendiam peas de roupa a enxugar, mal varridos, poucotransitados, formavam uma estranha parte da cidade () Entreos homens [que ali moravam], porm, havia alguns com ocupa-o definida: martimos, carregadores, soldados (Lima Barreto.Clara dos Anjos, p. 171).

    No era muito diferente a situao dos bairros oper-rios paulistas. O relato insuspeito de Antnio Bandeira Jr.,que em 1901 escreveu um estudo pioneiro sobre as fbricas

    em So Paulo, revelando-se um ferrenho defensor do indus-trialismo, mas sendo obrigado a reconhecer que:

    Nem um conforto tem o proletrio nesta opulenta e formosacapital. Os bairros em que mais se concentram, por serem os quecontm o maior nmero de fbricas, so os do Brs e do BomRetiro. As casas so infectas, as ruas, na quase totalidade, noso caladas, h falta de gua para os mais necessrios misteres,escassez de luz e de esgotos (Citado por Decca, M. G. de Coti-dianodos trabalhadores na repblica, p. 20).

    O quadro estaria incompleto se, ao tratar da experin-cia operria na Repblica Velha, nos contentssemos comos aspectos do trabalho e da sobrevivncia. A experincia declasse molda-se tambm a partir de uma vivncia poltica.Se pensssemos apenas em termos de poltica partidrio-

    eleitoral, poderamos dizer que a maioria dos trabalhadoresdaquele perodo no agia politicamente, pois com a barreirada proibio do voto do analfabeto (alm das restries amulheres, menores de 21 anos etc.), pouqussimos eram oseleitores. Para se ter um exemplo, na cidade do Rio de Ja-neiro, capital e, portanto, local com um dos maiores ndicesde alfabetizao do pas, o nmero de potenciais eleitores

    nunca ultrapassava os 20% da populao, mas o nmerodos que efetivamente se apresentavam para votar era menor,oscilando entre 2% e 5% do total de habitantes da cidade.No pas como um todo, as primeiras eleies presidenciais

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    diretas, de 1894, registraram um total de eleitores equiva-lente a cerca de 2% do total da populao.

    Mas esse quadro de baixa participao na poltica das

    eleies, dominadas naquela fase pelas oligarquias regionaisde grandes proprietrios, no deve ofuscar a participaoem manifestaes cujo cunho poltico no pode ser oculta-do. Como os protestos coletivos violentos. Somente no Riode Janeiro, entre 1880 e 1904, pelo menos cinco grandes re-voltas urbanas foram registradas, com a populao promo-vendo quebra-quebras e envolvendo-se em choques com a

    polcia, motivada por aumentos considerados extorsivos emtarifas pblicas (em especial a passagem do bonde). Revol-tavam-se tambm contra o que consideravam intervenesabusivas do poder pblico na vida privada dos indivduos(como o levante contra a vacinao obrigatria de 1904, co-nhecido como Revolta da Vacina). Por trs desses motins,evidencia-se o contraste entre a capital da Repblica, que se

    queria transformar em carto-postal do Brasil para o mun-do civilizado, e as grandes massas de despossudos urbanos,atingidos diretamente por reformas que os expulsavam docentro da cidade para os distantes subrbios, ou morro aci-ma para as primeiras favelas.

    Talvez a manifestao poltica mais organizada dos tra-balhadores no perodo partisse justamente dos sindicatos,

    que, embora no se constitussem em instrumentos de in-terveno no jogo poltico eleitoral, eram os porta-vozesmais ntidos das propostas de mobilizao, reivindicaoe transformao social. Nada mais eminentemente polticoque a prtica sindical.

    ossindicaToseasproposTasdeorganizaodosTrabalhadores

    Na tarefa de criar uma identidade de classe para os trabalhado-res e de exigir do restante da sociedade um espao maior paraesta, as organizaes coletivas sindicatos e outras formas deassociao operria desempenhariam um papel chave.

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    Partidos operrios foram criados ao longo de toda a Re-pblica Velha, mas tiveram sempre vida curta. Os grupossocialistas lutaram por uma ampliao da participao po-

    ltico-eleitoral do operariado, visando encaminhar reformaslegais que os beneficiassem. Porm, o caminho dos partidosera estreito, pois, como vimos, as restries ao voto impe-diam a participao operria e era natural que a polticapartidria fosse vista como impermevel aos interesses po-pulares. As propostas dos partidos socialistas do incio daRepblica, centradas na ampliao da participao poltica

    e na elaborao de leis sociais, podem ser ilustradas pelospontos do programa do Partido Operrio, criado por mili-tncia de imigrantes alemes identificados com a SegundaInternacional, em 1890. Os trechos a seguir foram retiradosde documento aprovado quando do congresso por eles or-ganizado, no Rio de Janeiro, em 1892:

    Art. 1 Eliminao de todo poder hierrquico e hereditrio;

    Art. 2 Eleio direta em todos os postos eletivos pelo sufrgiouniversal e anulao dos mandatos anteriores;Art.3 Direito de todos os cidados elegerem e serem eleitos; ()Art. 13 Introduo das bolsas de trabalho; ()Art. 22 Proibio de trabalho para as crianas menores de 12anos; ()Art. 25 Em caso de reivindicaes comuns dos operrios juntoaos empregadores e aos governos, os trabalhadores negociaro,

    e em caso de fracasso, utilizaro a greve pacfica;Art. 26 Fixao da jornada de trabalho normal em oito horas;diminuio adequada para o trabalho nas indstrias perigosaspara a sade; fixao do trabalho noturno em cinco horas;Art. 27 Pagamento do salrio em funo das horas de trabalho.(Pinheiro, P. S. e Hall, M. A classe operria no Brasil, vol. 1, pp.28 e 29).

    Reforava-se, assim, a importncia dos sindicatos. Ha-via j de algum tempo, entre os trabalhadores, uma tradi-o associativa de cunho mutualista, ou seja, voltada para oauxlio mtuo dos associados. Nas origens do mutualismo

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    brasileiro, como vimos, cruzaram-se a tradio das corpora-es de ofcio (que congregavam os artesos) portuguesas eas irmandades leigas (entidades parareligiosas que tambm

    acumulavam funes assistenciais), fortes entre os portugue-ses e mesmo entre os africanos, escravizados e libertos. Afora dessa tradio das associaes de auxlio mtuo podeser explicada tambm pelas condies de vida e de trabalhodos primeiros operrios. Na ausncia de legislao social,momentos de afastamento do trabalho por acidente, viuvez,funerais etc. eram dramticos para as famlias de trabalha-

    dores, e a participao numa dessas associaes poderia sera nica possibilidade de amenizar tais sofrimentos.Em 1887, somente no Rio de Janeiro, existiam 115 asso-

    ciaes com esses fins assistencialistas, das quais 48 tinhamcunho profissional (formadas por trabalhadores de uma mes-ma categoria ou empresa) (Stotz, E. N. Formao da classeoperria, p. 66). Muitas associaes mutualistas de carter

    profissional passaram a assumir gradualmente feies sindi-cais, ao defenderem interesses de seus associados frente aospatres e ao Estado. Em So Paulo, sete associaes de auxliomtuo foram criadas entre 1888 e 1900; esse nmero subiupara 41 novas associaes entre 1901 e 1914 e para 53 entre1917 e 1929 (Luca,T. O sonho do futuro assegurado, p. 20).

    Das associaes mutuais para os sindicatos o caminho

    no era necessariamente direto, pois suas finalidades erambastante diferentes. Na virada do sculo, um nmero cadavez maior de ligas, associaes de resistncia e sindicatos co-mearam a surgir, enquanto boa parte das mutuais perma-neceu em p. A diferena bsica estava na definio de queao sindicato cabia representar coletivamente os interessesdos trabalhadores, enfrentando, se necessrio, a oposio

    patronal e do governo.Correntes polticas variadas disputaram a direo dasprimeiras organizaes sindicais. Os socialistas buscaramesse espao, mas era compreensvel que uma proposta que

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    secundarizava a vida sindical em relao poltica parti-dria tivesse pouco sucesso naquela conjuntura de pequenaparticipao eleitoral dos operrios.

    Recusando a via eleitoral-partidria e apostando tudono conflito direto com o patronato, como forma de mobi-lizar e conscientizar os trabalhadores para a necessidade detransformao profunda da sociedade, os sindicalistas revo-lucionrios defensores de um sindicalismo de ao direta,inspirado no modelo francs , quase sempre anarquistas,em especial na vertente mais tarde chamada de anarcossin-

    dicalista, tornaram-se as principais lideranas na primeirafase de organizao de sindicatos. O caminho para a revo-luo, que geraria uma sociedade sem classes e sem Estadoera, para esse grupo, a ao direta, cuja manifestao maisconhecida era a greve. Quando, em 1906, organizou-se oI Congresso Operrio Brasileiro, os anarquistas fizeram-serepresentar em maioria e imprimiram s resolues do en-

    contro a marca de suas propostas:Tema 1 O sindicato de resistncia deve ter como nica base aresistncia ou aceitar conjuntamente o subsdio de desocupao,de doena ou de cooperativismo?Considerando que a resistncia ao patronato a ao essencial,e que, sem ela, qualquer obra de beneficncia, mutualismo, oucooperativismo seria toda a cargo do operariado, facilitandomesmo ao patro a imposio de suas condies;

    O Congresso aconselha, sobretudo, resistncia, sem outra caixa ano ser a destinada a esse fim e que, para melhor sintetizar o seuobjetivo, as associaes operrias adotem o nome de sindicato.Tema 2 Quais os meios de ao que o operariado, economica-mente organizado, pode usar vantajosamente?O Congresso aconselha como meios de ao das sociedades de re-sistncia ou sindicatos todos aqueles que dependem do exerccio di-reto e imediato da sua atividade, tais como a greve geral ou parcial,

    a boicotagem, a sabotagem, o labu, as manifestaes pblicas etc.,variveis segundo as circunstncias de lugar e de momento. (A Vozdo Trabalhador. Ano VII, n 48, 1 de fev. de 1914, p. 6).

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    Como estratgia para despertar a mobilizao operria,esses sindicalistas revolucionrios defendiam a utilizao in-tensiva de meios de propaganda, como os jornais e as pales-

    tras. Muitos desses jornais tiveram vida curta e foram obrado esforo solitrio de pequenos coletivos ou mesmo de in-divduos. Mas existiram tambm jornais de durao maislonga, como foi o caso de A Voz do Trabalhador, peridicosob a responsabilidade da Confederao Operria Brasileira(COB), criada no Congresso Operrio de 1906. Entre 1908e 1915, com intervalos sem edio, o jornal da COB teve

    mais de 70 nmeros editados.Os anarquistas acreditavam, ainda, que a emancipaosocial dos trabalhadores dependia de sua libertao moraldos vcios e das ideologias da burguesia, expressos nos jo-gos de azar, no alcoolismo e nos festejos mundanos, comoo carnaval, por exemplo. Combatiam tambm as prticaseducativas da escola convencional e a Igreja, responsveis,

    segundo eles, pelo atraso cultural, a degradao moral e asubordinao intelectual dos trabalhadores. Uma verda-deira cultura operria deveria, segundo essa tica, surgir edifundir-se por meio de bibliotecas proletrias, centros deestudos, crculos culturais, escolas livres, teatro social e lite-ratura engajada.

    A conjuntura do incio dos anos de 1920 marcaria o

    declnio anarquista. Para isso, foi decisiva a represso do Es-tado, fechando entidades e jornais de trabalhadores; pren-dendo e exilando lideranas e investindo na propagandaanti-sindicato.

    O aumento da represso pode ser identificado, inclusi-ve, pela maior especializao do aparato policial estatal. Em1920 (no final de um ciclo de crescimento grevista, como

    discutido adiante), foi criada a Inspetoria de Investigao eSegurana Pblica, da qual surgiria, em 1922 (ano da fun-dao do PCB e dos primeiros levantes dos tenentes), a 4Delegacia Auxiliar, com sua Seo de Ordem Poltica e So-

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    cial, corpo policial especializado na vigilncia e represso sorganizaes e movimentos de trabalhadores, atividade ago-ra identificada como de polcia poltica. Aps passarem

    pelas suas celas, militantes estrangeiros eram sumariamenteexpulsos do pas, enquanto se enviavam muitos brasileirospara a mortal Colnia Correcional de Clevelndia, no dis-tante Oiapoque amaznico.

    Mas, a partir de 1922, os anarquistas teriam de en-frentar tambm a competio com os comunistas. Fun-dado naquele ano, por antigos militantes anarquistas, o

    Partido Comunista do Brasil (PCB) procuraria aglutinaras simpatias provocadas pela vitria da Revoluo Sovi-tica de 1917, tentando adequar-se ao formato, j entoexportado para o mundo todo, do partido bolchevique.Como os socialistas, os comunistas consideravam a viapartidria privilegiada, porm, no a defendiam apenasnos limites das instituies polticas legais. Para eles, o

    partido seria uma vanguarda revolucionria pronta acomandar o proletariado no enfrentamento violento coma ordem estabelecida, para a tomada do Estado, em di-reo sociedade socialista. Nessa viso, os sindicatosseriam o melhor local para aglutinar os trabalhadores edifundir a doutrina comunista.

    As distines entre as propostas de comunistas e de

    anarquistas constituam foco de caloroso debate. Uma vezque o espao dos sindicatos era o primeiro a ser ocupa-do pelos comunistas, tomar as direes sindicais das mosanarquistas exigia intenso esforo de propaganda de idiase disputa poltica pela adeso de militantes. Astrogildo Pe-reira, vindo da militncia anarquista, foi o principal for-mulador das propostas do PCB para os sindicatos naque-

    les primeiros anos aps a fundao do partido. O trechoa seguir de 1923 foi extrado de seus muitos artigos, queprocuravam ressaltar as vantagens da doutrina comunistafrente s propostas anarquistas:

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    Podemos, de tal sorte, caracterizar a poltica anarquista em ma-tria de organizao sindical como sendo a poltica do divisionis-mo. Essa poltica deriva em linha reta de seu idealismo. () Paraos anarquistas, a organizao sindical deve ser construda baseidealstica, doutrinria, poltica. Que os sindicatos das vrias ten-dncias se federem parte segundo as tendncias polticas comunsa cada grupo. E nada de misturas nem de entendimentos! Tudoseparado! Federao anarquista de um lado, Federao comunistade outro lado, Federao amarela ainda de outro lado () Ora,esta tambm, precisamente, a opinio da burguesia. Quantomais dividido estiver o proletariado, melhor para ela, burguesia,porque a fragmentao proletria sinnimo de fraqueza pro-letria. Ns, comunistas, encaramos a questo de outro modo.Ns a encaramos realisticamente, objetivamente, e no atravsdo prisma colorido do ideal. E a realidade crua e dura nos diz oseguinte: s argamassada em um bloco nico pode a organizaoproletria enfrentar com vantagem o bloco burgus (Pinheiro, P. S.& Hall, M. A classe operria no Brasil, vol.1 , p. 267).

    O objetivo da hegemonia no meio sindical seria alcanadopelos comunistas por volta de fins da dcada de 1920, emboraas lideranas anarquistas estivessem ainda frente de algumasorganizaes sindicais importantes. Por essa poca, o PCB, em-bora ilegal, realizou suas primeiras incurses na poltica eleito-ral, por meio do Bloco Operrio e Campons (BOC), que, em1928, apresentava candidatos aos legislativos com um progra-

    ma que salientava o combate ao latifndio e ao imperialismo.Em 1929, os comunistas concretizam o desejo de criar umacentral sindical sob sua orientao, fundando em congresso aConfederao Geral do Trabalho do Brasil (CGTB). Na lgi-ca comunista, essa central seria um instrumento privilegiadopara que as esclarecidas vanguardas revolucionrias guiassemas massas em direo transformao social. esse o tom de

    um manifesto da CGTB datado de maro de 1930:Nessa situao, o papel de ns outros, militantes sindicais davanguarda, deve ser unir nossos esforos em todo o pas, paraassumirmos a direo dessas massas e no deix-las, desor-

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    ganizadas e desunidas, praticar atos desorientados e inteis;deve ser orient-las, organiz-las num exrcito formidvel einvencvel, capaz de derrubar de uma vez as foras coligadasda burguesia.

    Mas no existiam apenas lideranas sindicais com hori-zontes de transformao social na Repblica Velha. Haviaespao tambm para o florescimento de um grupo (bastan-te diferenciado entre si) que defendia a colaborao com opatronato e o Estado, como forma de alcanar os objetivosde classe dos trabalhadores. Seus adversrios os chamavam

    de amarelos. Sob essa denominao cabiam os sindica-listas que se afirmavam no extremados e prticos, nosonhadores, em oposio aos anarquistas. Cabiam tam-bm os catlicos, que pregavam com calma e prudncia asolidariedade de classes, como proclamava o jornal UnioOperria, de Recife, em 1906. Assim seriam vistos ainda oscooperativistas, que nos anos de 1920 defendiam no jornal

    carioca O Imparcial:() a conscincia inspirada nos reclamos do interesse nacio-nal que exige a harmonia do proletariado, do patronato e dogoverno, em prol da ordem social e da perfeita tranqilidadede quantos mourejam nas lavouras, nas oficinas, na construocivil, nos servios vrios e na direo administrativa do Brasil(O Imparcial. Rio de Janeiro, 1/2/1928. Citado por Carone, E.Movimento operrio no Brasil. 1877-1944, p. 450).

    TrabalhadoresemmoVimenToConstruir uma periodizao precisa do movimento operriona Primeira Repblica, caracterizando as fases de avano erefluxo em termos de ao e mobilizao, tarefa das maiscomplicadas. As flutuaes nos ciclos grevistas so uma pri-

    meira pista. Tomando as greves como o principal indicadorde mobilizao operria, podemos constatar a concentraode movimentos em alguns anos da primeira dcada do scu-lo 20 e a exploso grevista dos anos de 1917-1920.

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    GREVES OCORRIDAS NO RIO DE JANEIRO (10-120)

    Ano Nmero Ano Nmero Ano Nmero

    1890 6 1904 5 1918 29

    1891 7 1905 8 1919 221892 3 1906 3 1920 26

    1893 1 1907 8 1921 4

    1894 - 1908 6 1922 2

    1895 - 1909 14 1923 1

    1896 2 1910 3 1924 3

    1897 - 1911 8 1925 3

    1898 5 1912 14 1926 3

    1899 8 1913 5 1927 9

    1900 10 1914 2 1928 24

    1901 5 1915 7 1929 20

    1902 4 1916 3 1930 11

    1903 39 1917 13

    Fonte: Mattos, M. B. (org.) Trabalhadores em greve, polcia em guarda.

    OCORRNCIA DE GREVES ESTADO DE SO PAULOAnos Capital Interior Total do Estado

    1888-1900 12 12 24

    1901-1914 81 38 119

    1915-1929 75 41 116

    1930-1940 59 31 90

    Fonte: Moreira, S. So Paulo na Primeira Repblica, p. 14.

    Nas greves, percebemos melhor os mtodos utilizadospelos operrios para pressionar o patronato, bem como asestratgias de mobilizao e conscientizao aplicadas pelaslideranas. Para estas, em especial as anarquistas, as grevespoderiam ter um sentido revolucionrio. Porm, em muitoscasos, os movimentos no se resumiam ao horizonte das li-

    deranas, surgindo s vezes de forma espontnea (no sen-tido de no convocados por organizaes sindicais) e assu-mindo o formato de grandes protestos coletivos, prximosaos levantes da multido urbana descritos anteriormente.

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    tambm no momento das greves que a principal armado empresariado e do Estado para lidar com os trabalha-dores (ou com a questo social como eles diziam) a

    represso manifestava-se de forma mais visvel. Assim que a represso aos movimentos grevistas era consideradatarefa das mais importantes da polcia. Em 1904, em rela-trio referente ao ano de 1903, o mais agitado do perodoem termos de greves, o chefe de Polcia do Rio de Janeiroafirmava que procurou sempre que possvel, fazer obra deconciliao, mas completava em nota que, diante dos tu-

    multos dos agitadores:A liberdade de trabalhar, inquestionavelmente mais legtimado que a de no trabalhar, sofre logo a mais inslita das agres-ses, precisando, portanto, estas de uma represso enrg