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TÍTULO: Travesseiros, Redes e Conchas: Produção e Comércio de Ostras em áreas de Resex. Maria Regina Ribeiro Reis Professora, Mestra em Sociologia, Doutoranda em Antropologia da UFPA. [email protected] RESUMO: Este artigo tem como objetivo fazer uma etnografia sobre a organização da produção para a comercialização de ostras em áreas da reserva extrativista marinha “Mãe Grande” em Curuçá município pertencente a região nordeste do estado do Pará. O cultivo da ostra em Curuçá tem como referência a vila de Lauro Sodré conhecida pela a criação e comércio de ostras. Para tal é necessário observar e descrever como são estabelecidas as relações sociais para a produção e verificar de que forma são tecidos e construídos os acessos para a comercialização da produção tanto de “sementes” de ostras e de ostras “adultas”. Esta organização é feita em forma de associação denominada de Aquavila, ou seja, associação dos aquicultores da vila Lauro Sodré.

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TÍTULO: Travesseiros, Redes e Conchas: Produção e Comércio de

Ostras em áreas de Resex.

Maria Regina Ribeiro Reis

Professora, Mestra em Sociologia,

Doutoranda em Antropologia da UFPA.

[email protected]

RESUMO: Este artigo tem como objetivo fazer uma etnografia sobre a organização da produção

para a comercialização de ostras em áreas da reserva extrativista marinha “Mãe Grande” em Curuçá município pertencente a região nordeste do estado do Pará. O cultivo da ostra em Curuçá tem como referência a vila de Lauro Sodré conhecida pela a criação e comércio de ostras. Para tal é necessário observar e descrever como são estabelecidas as relações sociais para a produção e verificar de que forma são tecidos e construídos os acessos para a comercialização da produção tanto de “sementes” de ostras e de ostras “adultas”. Esta organização é feita em forma de associação denominada de Aquavila, ou seja, associação dos aquicultores da vila Lauro Sodré.

1. Introdução

Este artigo é parte da pesquisa do doutorado cuja pretensão é analisar a organização da

produção de ostras em áreas de Resex bem como a rota de comercialização.

Para análise da organização dos aquicultores da vila de Lauro Sodré sobre o cultivo de ostras

no município de Curuçá faz-se necessário a produção acadêmica sobre o pequeno produtor

amazônico, que desenvolve uma economia plural, polivalente, como sendo a atividade plural

condição básica da vida humana, para fixação do homem no campo. Com a pressão

mercadológica e o avanço do capitalismo na região amazônica o pequeno produtor especializa-se

em agricultor, pescador, tirador de caranguejo ou criador de ostras tornando-se um “profissional”;

categoria que surge em conseqüência de uma estrutura social desigual, que desapropria, ao

penetrar nas bases de ocupação humana, ponto de análise de vários estudiosos (QUEIROZ,

1976); (MALDONADO, 1986); (MELLO, 1985); (LOUREIRO, 1985); (FURTADO, 1987; 1993;

2001); (MANESCHY, 1988).

Esses autores enfatizam as múltiplas atividades desenvolvidas pelos pequenos produtores

que estabelecem uma relação de dependência direta com os recursos da natureza. As mudanças

nas relações sociais incentivam a propriedade privada, o trabalho remunerado que facilita a

aquisição de bens materiais1 através de sistema de crédito, ao mesmo tempo em que dificulta a

exploração racional e equilibrada dos Recursos Naturais e particularmente nesta pesquisa os

manguezais.

A ostra tinha “valor de uso” para complementar a alimentação dos grupos humanos

que vivem no entorno do manguezal. Contudo, há vinte anos, os estudos de Furtado (1987)

apresentavam preocupação quanto à pressão mercadológica na atividade pesqueira, provocando

mudanças socioeconômicas. Naquele momento a coleta de moluscos, carangueijos e mariscos

em Marapanim já deixavam de ser uma atividade destinada exclusivamente ao consumo

doméstico, para, sobretudo, atender aos interesses de comercialização. A abertura de rodovias,

expansão dos meios de comunicação e a intensa migração, em busca de melhores condições de

vida, facilitaram em grande medida tal mudança.

2. Organização Social

O conceito de organização social sugerida por Fernandes (1989) compreende um conjunto

de atividades, ações e de relações humanas, de caráter adaptativo ou integrativo, ordenadas em

uma configuração social de vida. Mas consciente de que as tensões e os conflitos não aparecem

1 Consideramos bens materiais aparelhos eletroeletrônicos, tais como televisão, antena parabólica, geladeira, bicicleta, DVD, s om,

além de roupas, calçados e etc.

no conceito, mas são inerentes aos grupos humanos e que estão presentes nos grupos

estudados.

Na concepção de Firth (1974), a organização econômica é um tipo de ação social que

envolve combinação de vários tipos de serviços humanos entre si e com bens não-humanos, de

modo a servir a várias finalidades, pois a organização em grupos de seres humanos seja qual for

o caráter implica uma relação social que envolve adaptação, conflito e exploração.

É importante a analise da produção econômica em Godelier (1981) que para o autor

implica compreender a lógica real de um sistema, porque na organização da produção é

importante considerar as relações políticas que envolvem poder, as relações de parentesco e

religiosas. Porque conceitualmente posto para o autor a produção é um conjunto de operações

destinadas a fornecerem a uma sociedade seus meios materiais de existência e se “ocupa” um

território e onde se encontram os recursos que faltam. Porque o aspecto econômico não pode ser

pensado como um ato isolado em si mesmo, ou seja, o ato econômico se apresenta como

atividades de significações e funções múltiplas. Onde você tem de um lado o material2 e imaterial3

da cultura.

Essas relações não consistem apenas em alguns processos de trabalho, mas numa

relação dos homens entre si, produtores e não produtores, na apropriação e no controle dos

meios de produção.

Esses meios podem se apresentar sob variadas formas de relações de parentesco

que passa a ser um domínio na organização social quando não se leva em consideração somente

as relações de descendência e de aliança e sim quando os grupos regulam os seus respectivos

direitos sobre os meios de produção e os produtos de trabalho. E quando definem também as

relações de autoridade e de obediência, pois as relações de subordinação política ou religiosa

servem de código, de linguagem simbólica, para exprimir ao mesmo tempo as relações dos seres

humanos entre si e com a natureza.

Pois Polanyi (1980) mostra que existe uma diversidade de sistemas econômicos pré-

capitalistas regulados por mecanismos de reciprocidade que inclui as trocas de bens mercantis e

não mercantis como, por exemplo, o parentesco, a redistribuição além da circulação dos bens que

não são somente materiais, mas imaterias. Não se separa as relações de produção das outras

relações sociais por que:

[...] um antropólogo dificilmente pode aceitar considerar as relações econômicas como um domínio separado, autônomo, da organização

social, tornando-se então as outras relações sociais variáveis exógenas às relações econômicas, um quadro institucional [...]

Mas é ingênuo pensar que nas sociedades ditas primitivas não havia competição,

verificam-se inúmeras formas que se revestem muitas vezes o aspecto de dádiva como o potlatch

dos índios Kwakiult para mostrar a força e o prestígio. Mas para ele o ganho e o lucro feitos nas

trocas jamais desempenharam um papel importante na economia humana muito embora a

2 Terra, machado, vestimenta e etc.

3 O saber das populações ou os conhecimentos rituais.

instituição do mercado fosse bastante comum desde a idade da pedra, seu papel era apenas

incidental na vida econômica (Ibidem).

Neste sentido para analise do sistema organizacional da produção é essencial considerar o

parentesco nesse caso particular a organização da produção de ostras que tem como base

econômica a família nuclear ou extensa.

As relações sociais de parentesco como o de compadrio4 funcionam como verdadeiras

relações de produção na medida em que podem determinar a forma social de acesso aos

recursos, pois colaboram na organização dos processos de trabalho e finalmente, marcam a

distribuição do trabalho individual ou coletivo como o mutirão5.

Além disso, acredita-se que a tecnologia utilizada tem impactos ecológicos reduzidos sobre

o ecossistema que utiliza, permitindo a renovabilidade dos estoques e a sustentabilidade dos

processos ecológicos fundamentais.

Em relação ao cultivo da ostra as famílias que trabalham nesta atividade utilizam-se dos

criatórios feitos de material industrializado que ficam submersos em mesas, estrategicamente as

proximidades dos manguezais, conhecidos por travesseiros como podemos verificar na foto 1

abaixo.

Foto 1: Belchior presidente da associação recolhe um travesseiro cheio de ostras Fonte: Regina Reis, janeiro/2012

3. Sobre o Município de Curuçá e a Vila Lauro Sodré: O Locus da Pesquisa Empírica: O município de Curuçá situa-se na costa paraense, na zona do salgado distante 134 km da

capital Belém. A extensão territorial é de 672,61km quadrados (IBGE, 2010). Sobre o limite

geográfico fica localizado ao norte com o Oceano Atlântico, ao sul com o município de terra Alta, a

leste com o município de Marapanim e a Oeste com os municípios de São Caetano de Odivelas e

4 Para uma discussão mais aprofundada sobre as relações de Compadrio ver Arantes (1971), Foster (1963) e Wolf (1970).

5 Formas tradicionais de ajuda mutua.

São João da Ponta (CUNHA, 2007 APUD BATISTA, 2010). Para Oliveira (2010) abrange também

os municípios de Colares, Maracanã, Salinópolis, São João de Pirabas e Vigia

Pelo censo do IBGE (2007) a população é de 33.768 habitantes, sendo a população

urbana estimada em 13.027 e a rural 20.741 habitantes que para Batista (2010) no ano de 2009 o

censo estimou um total de 36.650 habitantes.

Oliveira (2010) verificou que a vegetação apresenta ambientes diversos como campinas,

campos, dunas, capoeiras, igapós, várzeas e restingas que para Batista (2010) as restingas fazem

parte da paisagem do município que intercalam as zonas de manguezais. O município de Curuçá

em quase 95% de seu território pertence a reserva extrativista marinha “mãe grande”.

A Vila de Lauro Sodré fundada no século XVIII por volta de 1777 tendo como primeiro

nome o de “Paquaquara” depois chamou-se Sítio Livramento e já como povoado recebeu o nome

de “Flor da Boa- Vista”. Mas com a Lei Estadual nº 422 de 16 de maio de 1896 foi elevada à

categoria de povoação “Lauro Sodré” e no dia 22 de outubro de 1901 pela Lei Estadual de nº 797

foi elevada a categoria de Vila. Para (Ferreira, 2005, Bastos 2010) no início da povoação as

famílias que mais se destacaram foram Gomes, Pinheiro, Baía e Ferreira. A Vila de Lauro Sodré

situa-se na margem esquerda do rio Tijóca próximo da rodoviária PA 136 que liga Curuçá à

Castanhal (IDEM, IDEM).

Esta Vila, base da pesquisa empírica, é uma das 52 comunidades tradicionais do município

de Curuçá, está situada na micro-região do Salgado (ou Zona do Salgado, como é mais

conhecida), que juntamente com as micro-regiões Guajarina, Bragantina, Vizeu e Tomé-Açú,

compõe o nordeste do estado do Pará às proximidades do litoral. Faz limite com os Municípios de

São Caetano de Odivelas, Marapanim, Castanhal e com o Oceano Atlântico tem uma área de

105.720 km. A sede municipal fica a 107 km de distância em linha reta da capital do Estado.

Foto 2: Placa indicativa na entrada da vila “Lauro Sodré” Fonte: Regina Reis em janeiro/2012

Em 27 de março de 2006 nesta vila foi fundada a Associação dos Aquicultores –

AQUAVILA, que segundo informações dos associados, o objetivo é conter a pressão sobre os

estoques e atender demandas de uma economia de subsistência e de mercado. Essa aqüicultura

produtiva tem como finalidade de geração de renda, de ocupação da comunidade; educação;

saúde, moradia, segurança, transporte e lazer. Além de promover a melhoria das condições de

vida dos aquicultores; defender e preservar o meio ambiente; resgatar as manifestações culturais

e religiosas da comunidade.

Esta associação tem como presidente o senhor Belchior conhecido por Bel, segundo dona

Elza (2012) a associação é composta por 10 famílias (membros), sendo 4 mulheres e 6 homens.

Amarildo primo de Belchior, Dona Elza, José Galvão sobrinho de dona Elza, Marcos, Eliel genro

de dona Elza, Denis filho de dona Elza, Lena esposa de Belchior, Dica (Aldilene) filha de dona

Elza e Nelma.

4. O Ecossistema Manguezal

As maiores extensões de manguezal do mundo cobrem cerca de 172.000 km

quadrados das costas tropicais. Aproximadamente um quarto desse total encontra-se no Brasil,

que apresenta a mais extensa área de manguezais com 26.000 km quadrados que representam

mais de 15% dos manguezais do mundo inteiro, seguido pela Indonésia, com 21.000 km

quadrados.

O Brasil é, portanto, o país que tem a maior extensão de manguezal no mundo, que se

estende do extremo litoral norte brasileiro (Oiapoque AP), até Laguna /SC formando uma

verdadeira barreira entre o mar, os campos alagados e a terra firme. Do sudeste do Maranhão até

o Espírito Santo, os manguezais são mais reduzidos, localizando-se ao longo dos rios e

associados a lagunas, baías e estuários e voltam a ser extensos na Baia da Guanabara, apesar

do intenso processo de degradação que estão sofrendo. O complexo de Iguape-Cananéia (SP) e

Paranaguá (PR) representa uma das reservas de manguezais mais importante do país

(DIEGUES, 2002), passiveis de serem explorados ao máximo por grupos humanos.

Os estados do Pará e Maranhão possuem quase a metade da área total de

manguezais brasileiros estruturalmente os mais complexos do país (LACERDA, 2002);

(MANESCHY, 2003). Somente no estado do Pará, os manguezais ocupam uma área de 4.500 km

quadrados, correspondendo a cerca de 1/5 dos manguezais brasileiros.

No uso social dos manguezais, verificam-se importantes mudanças que se

acentuaram nas três últimas décadas do século XX, sobretudo em razão de implantação de

transportes rodoviários que proporcionaram a intensificação da tiração do caranguejo, modificando

a base econômica dos tiradores e provocaram investimentos de algumas famílias na captura e

beneficiamento dos caranguejos. Segundo Maneschy (2003), as restrições na oferta de trabalho e

empregos nas cidades têm fornecido um contingente suplementar nas atividades de extrativismo

do caranguejo. São homens e mulheres que desenvolvem formas de ajustamento ao ecossistema

para extrair os meios de vida dos manguezais, que no estado do Pará constituem-se em grandes

áreas.

São áreas de transição entre terra e mar, formando um complexo ecossistema, típico

de regiões tropicais e subtropicais. Abrigam multiplicidade de espécies animais e vegetais e

permitem inúmeras condições de exploração dos recursos (NOVELLI, 1995). Suas raízes

funcionam como filtros na retenção de sedimentos, constituindo importante banco genético para a

recuperação de áreas degradadas.

Os manguezais desempenham também importantes papéis como exportadores de

matéria orgânica para o estuário, contribuindo para produtividade primária na zona costeira. É no

manguezal que peixes, moluscos e crustáceos encontram as condições ideais para reprodução e

criadouro para várias espécies, com considerável valor econômico e sociocultural. Os manguezais

do estuário do rio Caeté, por exemplo, são responsáveis, segundo Glaser (2005), pela produção

de 95% de alimento que os seres humanos retiram do mar, vital para sua subsistência.

Devido à riqueza da vegetação e dos animais, os manguezais brasileiros são

explorados desde o período colonial o que naquele momento já era objeto de preocupação por

parte de D. José, Rei de Portugal, que proibiu o corte de árvores de manguezal, fonte do tanino6,

utilizado para coloração de velas das embarcações e da roupa em geral, quando a atividade de

tiração de caranguejo e consumo de ostras eram complemento alimentar da dieta dos índios neste

período (LOUREIRO, 1985); (LACERDA, 2002).

Os manguezais localizados no município de Curuçá são afetados devido os

desmatamentos extensivos para o plantio de espécies agrícolas. Esse ecossistema é responsável

por filtrar um grande volume de sedimentos finos, de textura argilosa, e que são empurrados para

o mar e devolvidos para a margem dos estuários da costa de Curuçá.

5. A Etnografia da Organização da Produção de Ostras

Um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável se nos permitir distinguir

claramente, de um lado, os resultados da observação direta, das declarações e interpretações

nativas e, de outro, as inferências do autor observa Malinowski (1978, p.18). E, ainda, como

afirma Peirano (1995) a prática etnográfica é artesanal, microscópia e detalhista – traduz

particularmente o reconhecimento do aspecto temporal das explicações, para que possa

apreender o maior número possível de informações, através de técnicas de coleta de dados

variada. Se, por um lado, cada técnica de pesquisa tem limites de apreensão dos dados, por outro

lidamos com aquilo que o indivíduo deseja revelar, o que deseja ocultar e a imagem que quer

projetar de si mesmo e de outros (GOLDENBERG, 2004).

No contexto estudado a produção de ostras na vila em si é feito de duas maneiras: os

aquicultores denominam de cultivo e extrativismo, sendo a produção pelo cultivo que é objeto de

analise deste artigo e também da tese de doutorado. A denominação é de cultivo 1 (conforme a

foto3 abaixo) fica localizado a margem dos rios e as proximidades dos manguezais e da vila nesse

6 Corante muito utilizado em coloração de velas para embarcações e roupas de modo geral.

caso aqui os associados pagam um vigia para que outros moradores da vila não-associados não

furtem as ostras quando a maré baixa.

Foto3: Mesa com travesseiros cheios de ostras no cultivo 1 Fonte: José Maria, abril de 2012

No caso do cultivo 2, existe uma diferença geográfica considerada e por isso não é

necessário pagar vigia, visto que, o acesso é somente com rabeta, um tipo de embarcação muito

comum na região.

Sendo assim as ostras são cultivadas as proximidades do manguezal um habitat natural e

um dos ecossistemas mais produtivos com maior complexidade biológica do mundo cada vez

mais ameaçado. No caso da Gâmbia país pertencente ao continente africano os manguezais

estão ameaçados devido segundo Croke (s/d), a coleta excessiva de ostras e conseqüentemente

a destruição dos manguezais.

Na Vila Lauro Sodré o processo para o cultivo de ostras começa com a confecção de

mesas de madeira, material que pegam na mata. As ostras ficam sobre essas mesas separadas e

armazenadas em recipientes em formato de travesseiros e em formato de lanterna conforme foto

abaixo. Cada pessoa possui quantas mesas conseguir confeccionar e cuidar. Pois o tempo

disponível é o tempo da maré baixa, logo a maré enche e elas ficam submersas novamente e os

associados se retiram.

O cultivo 1 é o local que visitei, por ter o acesso mais fácil e rápido além de ficar as

proximidades da vila. Os associados pagam um vigia para que outros moradores da vila não

associados, ou seja, que não fazem parte da associação não furtem as ostras.

O pagamento do vigia é de R$200,00 reais por mês e cada membro deve dispor de R$

20,00 reais por mês para a vigilância do cultivo1que inicia ainda com a maré alta e espera a maré

baixa para que nesse momento chegue alguém para dar o início a lavagem e o manejo das

ostras, além de fazer uma minuciosa seleção e separação das ostras menores, maiores, ostras

mortas e etc.

Foto 4: No destaque os recipientes que armazenam ostras chamadas de

Lanternas e travesseiros. Uns ficam amarrados nas pontas fora das mesas para evitar os predadores. Fonte: José Maria, abril de 2012

Foto 5: A pesquisadora no cultivo1 junto aos travesseiros Com ostras graúdas pronta p/ comercialização. Fonte: José Maria em abril de 2012

Reafirmo que a tarefa diária ou semanal de cultivar só pode ser realiza quando a maré

baixa, nesse momento cada pessoa lava, separa as ostras, ou seja, é necessário classificar as

ostras, separando as pequenas das maiores e principalmente procurar e retirar o predador

conhecido por sapecara.

Na maré alta as mesas com os travesseiros de ostras ficam submersas. Dona Elza

explicou que o manejo das ostras é feito primeiramente separa-se por tamanho, vai separando os

menores das maiores e o tempo todo lavando para tirar a lama e as casquinhas que entram pela

tela.

Foto6: D.Elza fazendo a lavagem e o manejo das ostras no cultivo 1, sua filha ao fundo lavando as ostras. Fonte: José Maria em abril de 2012

Uma alternativa para que o predador não chegue até ostras é fazer com que os

travesseiros com ostras fiquem amarrados nas extremidades com uma linha para que o predador

não chegue até eles conforme pode ser visualizado na foto 3.

A fotografia é um instrumental importante na pesquisa quando a permanência em campo

se faz necessária, como observa e ressalta Travassos (1995), a fotografia ocupa um importante

papel para o pesquisador, no decorrer de todo o trabalho de campo, seja como estratégia de

aproximação, ou conquista dos informantes.

Portanto a fotografia e a etnografia são duas maneiras de olhar as realidades. E em

ambas, o quê e como se observa trazem a opção do autor da imagem fotográfica e do texto

resultante da etnografia.

A tarefa de cada pessoa é individual e cada um cuida somente das suas mesas e dos seus

travesseiros, podemos perceber claramente pela foto 5, mas o acesso pode ser coletivo. Cada

membro da associação tem uma série de obrigações como, por exemplo, contribuir com 10% de

todo ganho com a comercialização da ostra para a associação. Essa associação faz reuniões

mensais sempre na primeira quinta feira do mês.

6. Considerações Finais

Este artigo é uma reflexão sobre a organização da produção de ostras em áreas de

reserva extrativista marinha onde não me limitei a observações porque como acredita Demo

(2004) quando se refere a Carlos Rodrigues Brandão na década de 80 que para ele pesquisa

participante não envolve simplesmente uma atitude do cientista para conhecer melhor a cultura

que pesquisa. Ela, a pesquisa determina um compromisso que subordina o próprio projeto

científico de pesquisa ao projeto político dos grupos populares cuja situação de classe, cultura ou

história se quer conhecer porque se quer agir.

De algum modo participar também das tarefas ou pelo menos “ver” de perto ou observar

como é feito o cultivo da ostra pelos membros da associação dos aquicultores da vila de Lauro

Sodré.

Observou-se que a atividade é desenvolvida por homens e mulheres pois segundo dona

Elza o fato de cultivar ostra é um serviço que lhe dá muito prazer apesar de correr o risco de

algum acidente como machucar as mãos no momento do manejo. Devido a não utilização de

equipamentos de proteção como luvas para lavar e fazer o manejo, pois as cascas que ficam nos

travesseiros são afiadas e podem cortar os dedos e meias longas para proteger os pés de restos

de cascas e pedras. Dessa forma D.Elza explica que:

Ai estas grandes eu vou separando todinhas elas, mas as mortas eu vou tirando, vai ficando as vivinhas aí e a gente tem que ter muito cuidado que é danado para ferir a gente, é muito perigoso. Essa aqui deixa ver... sem luva eu mi firo muito mas é mais rápido, com luva escapole muito, as vezes em me firo, escangalho...olha o tamanho que elas já estão aqui elas já têm que ser tudo classificado, ai vai ficando as miúdas, é justamente aquele processo que eu lhe falo...é porque elas ficaram muito debaixo, outro dia vim aqui e separei tirei um bocado, agora as miudinhas que estavam abafadas, ai eu tiro, essas aqui já vão ser classificadas....ali naquela ponta, tem esse correr ali aquele pedaço de tela branco, já é tudo só desse tamanho que estão pra lá.

Na verdade para eles as roupas de proteção são quase nula, visto que, os equipamentos

de proteção acabam atrapalhando o manejo das ostras, mas algumas pessoas usam meias

compridas até o joelho, bermuda e blusa de manga curta, carregam um facão, um balde de

plástico para fazer a lavagem.

Diferentemente as mulheres que cultivam ostras na Gâmbia que carecem de

equipamentos de proteção, pois muitas apresentam terríveis cicatrizes de cortes acidentais que

para Croke (s/d) geralmente essas mulheres não sabem nadar.

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