as muitas faces do compadrio de escravos, cacilda machado

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RESUMO O cruzamento de registros paroquiais (batismo, casamento e óbito) com cen- sos domiciliares e com a genealogia de uma família senhorial permite aprofun- dar discussões tradicionais na historio- grafia, acerca das alianças de parentesco ritual efetuadas por escravos. Este arti- go sugere que as relações de compadrio dos cativos de São José dos Pinhais (PR) eram mecanismo de manutenção e de ampliação de uma comunidade de ne- gros e pardos, e mesmo de brancos po- bres. No entanto, o predomínio de pe- quenos proprietários de escravos tornou o compadrio estratégico também na busca de proteção social, por parte dos escravos, e instrumento de controle se- nhorial. Tais características acabaram por reforçar o componente de domina- ção/submissão e ajudaram a debilitar o caráter igualitário que o parentesco es- piritual tridentino também pressupu- nha, contribuindo para a reprodução da hierarquia social. Palavras-chave: Escravidão; Compadrio; Hieraquia social. ABSTRACT Through crossing parochial records (baptisms, marriages and deaths) with census data (Listas Nominativas de Ha- bitantes) and a genealogy of a master fa- mily, this article aim to deepen traditio- nal historiographical discussions about slave’s ritual kinship alliances. The arti- cle suggest that slave’s compadrio rela- tions in São José dos Pinhais (PR) was a mechanism of maintenance and enlar- gement of a community of negroes, par- dos and white poors. However, in this area where predominated owners with few slaves, compadrio was useful to social protection and also an instrument of master control. These characteristics reinforced the mark of domination- submission, and helped to debilitate the equalitarian character also presupposed by Catholic ritual kinship, thus contri- buting to reproduction of social hie- rarchy. Keywords: Slavery; Compadrio; Social hierarchy. As muitas faces do compadrio de escravos: o caso da Freguesia de São José dos Pinhais (PR), na passagem do século XVIII para o XIX 1 Cacilda Machado UFRJ Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 52, p. 49-77 - 2006

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Compadrio de Escravos

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  • RESUMO

    O cruzamento de registros paroquiais

    (batismo, casamento e bito) com cen-

    sos domiciliares e com a genealogia de

    uma famlia senhorial permite aprofun-

    dar discusses tradicionais na historio-

    grafia, acerca das alianas de parentesco

    ritual efetuadas por escravos. Este arti-

    go sugere que as relaes de compadrio

    dos cativos de So Jos dos Pinhais (PR)

    eram mecanismo de manuteno e de

    ampliao de uma comunidade de ne-

    gros e pardos, e mesmo de brancos po-

    bres. No entanto, o predomnio de pe-

    quenos proprietrios de escravos tornou

    o compadrio estratgico tambm na

    busca de proteo social, por parte dos

    escravos, e instrumento de controle se-

    nhorial. Tais caractersticas acabaram

    por reforar o componente de domina-

    o/submisso e ajudaram a debilitar o

    carter igualitrio que o parentesco es-

    piritual tridentino tambm pressupu-

    nha, contribuindo para a reproduo da

    hierarquia social.

    Palavras-chave: Escravido; Compadrio;

    Hieraquia social.

    ABSTRACT

    Through crossing parochial records

    (baptisms, marriages and deaths) with

    census data (Listas Nominativas de Ha-

    bitantes) and a genealogy of a master fa-

    mily, this article aim to deepen traditio-

    nal historiographical discussions about

    slaves ritual kinship alliances. The arti-

    cle suggest that slaves compadrio rela-

    tions in So Jos dos Pinhais (PR) was a

    mechanism of maintenance and enlar-

    gement of a community of negroes, par-

    dos and white poors. However, in this

    area where predominated owners with

    few slaves, compadrio was useful to social

    protection and also an instrument of

    master control. These characteristics

    reinforced the mark of domination-

    submission, and helped to debilitate the

    equalitarian character also presupposed

    by Catholic ritual kinship, thus contri-

    buting to reproduction of social hie-

    rarchy.

    Keywords: Slavery; Compadrio; Social

    hierarchy.

    As muitas faces do compadrio de escravos: o caso da Freguesia

    de So Jos dos Pinhais (PR), na passagem do sculo XVIII para o XIX1

    Cacilda Machado UFRJ

    Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 26, n 52, p. 49-77 - 2006

  • Dentre os estudos sobre escravido, h algum tempo vm se destacandoaqueles que dedicam especial ateno s relaes de compadrio. Talvez por-que o batismo foi o sacramento catlico mais comum entre os escravos, queatravs dele multiplicaram os laos de parentesco espiritual, dentro e fora docativeiro.

    A partir dos resultados das pesquisas empreendidas, alguns tpicos dediscusso se destacam, entre os quais a compreenso do compadrio no mbi-to da relao senhor-escravo. Em um estudo pioneiro no Brasil, Gudeman eSchwartz indicaram que, no Recncavo baiano, na dcada de 1780, foi extre-mamente raro o apadrinhamento de cativos por seus senhores.2 Para os auto-res, havia incompatibilidade entre propriedade escrava e parentesco espiri-tual, e a sada para essa incompatibilidade no consistiu em abolir o batismoou a escravido, mas mant-los separados. Dessa forma, tais autores pemem dvida a existncia de relaes paternalistas entre senhores e seus cativos.

    Trabalhos posteriores vm confirmando tais inferncias, pois, em geral,os pesquisadores encontraram pouqussimos casos de compadrio de escravoscom seus senhores.3 Quase todos concordam, igualmente, que a despeito dis-so a instituio no deixava de se constituir em uma aliana hierrquica, jque muito raramente um escravo era padrinho ou madrinha de uma crianalivre, e os cativos tendiam a preferir madrinhas e, especialmente, padrinhosforros ou livres para seus filhos, sobretudo os cativos de unidades escravistasde pequeno porte. Robert Slenes, por exemplo, escreveu que a construo, pe-los escravos, de relaes de compadrio que ultrapassavam os limites do cati-veiro demonstra a necessidade, num mundo hostil, de criar laos morais compessoas de recursos, para proteger-se a si e aos filhos.4 De fato, muitos auto-res j nos forneceram notveis testemunhos de como os laos de compadriocom pessoa de maior importncia podiam beneficiar compadre/comadre ouafilhado, sobretudo mediante heranas. Silvia Brgger, alm disso, demons-trou a complexidade do compadrio, indicando a existncia de laos de soli-dariedade entre padrinhos e afilhados e entre compadres, mas tambm reve-lando o componente de dominao presente nessas relaes.5

    De fato, o compadrio comportava inmeros contedos polticos. Nas re-gies com predomnio de grandes escravarias, por exemplo, o percentual deescravos apadrinhando escravos era bem mais significativo.6 Para Jos Rober-to Ges, nesses casos o compadrio era uma das formas de incorporar os afri-canos recm-chegados, e de propiciar meios de socializao de modo a for-mar uma comunidade escrava.7 No entanto, alguns autores ressaltam que ocarter hierrquico no estava necessariamente ausente no compadrio entre

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  • cativos, pois em geral os escravos domsticos ou os que possuam algum tipode qualificao profissional apadrinhavam mais do que os escravos de roa.8

    Neste artigo, procuro discutir tais questes a partir da anlise das rela-es de compadrio estabelecidas por escravos de So Jos dos Pinhais, na pas-sagem do sculo XVIII para o XIX. No perodo, esse vilarejo era freguesia davila de Curitiba, situada a sudeste desta, em direo Serra do Mar. Seus ha-bitantes viviam basicamente da pecuria e da agricultura de subsistncia eabastecimento do mercado interno, e uma caracterstica dessa populao eraa forte presena de pardos entre os livres, oscilando, no perodo, em torno de40 por cento.9

    Em 1782, a populao de So Jos compunha-se de aproximadamentemil pessoas, sendo escravas 15 por cento delas.10 Em 1804, 11,5 por cento dos1.894 habitantes eram escravos; em 1830, estavam nessa condio apenas 10,2por cento dos 3.240 habitantes.11 Em todo o perodo, esses cativos pertenciama poucos senhores: em 1782 e em 1803, no havia escravos em 80,5 por centodos domiclios da freguesia. Esse ndice subiu para 83,7 por cento, em 1827.Alm disso, a maior parte dos escravistas do lugar tinha no mximo quatrocativos, tendncia que se acentuou ao longo do tempo: em 1782, 58 por cen-to dos escravistas da freguesia possuam de um a quatro cativos; em 1803 es-se ndice era de 66 por cento, e de 75 por cento, em 1827.12

    Em todo o perodo o grupo cativo de So Jos dos Pinhais apresentavaum perfil sexo-etrio muito semelhante ao dos livres, compondo-se ambos demuitas crianas e com equilbrio dos sexos. Isso significa que, por ento, com-pravam-se poucos escravos no mercado externo freguesia. Para a reposioou incremento de suas escravarias, portanto, aqueles pequenos senhores de-pendiam basicamente da reproduo endgena da comunidade de cativos.

    Esse quadro talvez possa ser estendido a boa parte da Capitania de SoPaulo, pois os autores que estudam a escravido paulista nas reas econmi-cas de subsistncia e abastecimento costumam encontrar uma estrutura se-xo-etria bastante semelhante de So Jos dos Pinhais. Francisco Vidal Lu-na, por exemplo, ao estudar treze localidades da Capitania de So Paulo, em1776, 1804 e 1829, a partir de listas nominativas, observou que, nas reas deexportao, a razo de masculinidade era mais alta do que nas de subsistn-cia e abastecimento, nas quais existia maior equilbrio quantitativo entre ossexos. As reas de cultivo para exportao apresentaram os menores ndicesde populao cativa infantil. Inversamente, em Curitiba, Mogi das Cruzes,So Paulo e So Sebastio resultaram os maiores valores, a refletir, para o au-tor, a predominncia de atividades pouco voltadas para o mercado externo e,

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    Jefferson LNotaReduo do nmero de escravos, mas maior concentrao de escravos por senhor

  • portanto, com menor capacidade de compra de novos escravos adultos, emidade produtiva, servindo-se, provavelmente, de uma maior parcela de cati-vos nascidos na prpria regio.13

    Um estudo sobre compadrio de escravos tem especial interesse para opresente trabalho, pois resultou de uma ampla pesquisa nos registros de ba-tismo da parquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais (em Curitiba), nossculos XVIII e XIX, coordenada por Stuart Schwartz. No artigo em que rela-ta os resultados do trabalho, o autor destaca que, tal como em sua pesquisaanterior, o j citado estudo com Gudeman, na Bahia, tambm em Curitiba opadro era o apadrinhamento de crianas escravas preferencialmente por pes-soas livres ou libertas.

    Esse padro aparece desde fins do sculo XVII, alterando-se entre 1750 e1799, quando a proporo de padrinhos livres caiu para menos da metade,talvez em razo do grande nmero de adultos que chegaram nesses anos os escravos adultos do Brasil raramente tinham padrinhos livres. Depois de1800 ressurgiu o antigo padro. Dos 504 batismos da parquia curitibana en-tre 1800 e 1869, 70 por cento tiveram um par de padrinhos livres, menos de20 por cento tiveram dois escravos como padrinhos, e quando os dois padri-nhos tinham status desigual, o afilhado tinha duas vezes mais probabilidadede ter madrinha escrava e padrinho livre do que o contrrio. Quando se es-colhiam escravos para apadrinhar, na maioria dos casos no eram escravosdo mesmo proprietrio do batizado, talvez porque em geral as escravarias fos-sem pequenas em Curitiba, mas tambm sugerindo a capacidade de formarlaos alm dos limites da propriedade. Segundo Schwartz, o padro da Bahiae do Paran indica que talvez houvesse reconhecimento da importncia so-cial do padrinho livre, que poderia fazer as vezes de protetor e intercessor nofuturo. Mas uma estratgia paralela e prtica consistia em levar em conta apossibilidade de, em caso de morte da me, a madrinha escrava assumir a res-ponsabilidade pela criao do afilhado.14

    No texto Schwartz enfatiza uma especificidade da regio: no Paran, sobo regime da administrao, a mo-de-obra indgena foi amplamente utiliza-da at meados do sculo XVIII. Embora esses administrados vivessem de fatocomo escravos, o autor observou que na comparao com os cativos havia di-ferenas importantes nos batismos de seus filhos: entre 1685 e 1750, somente7 por cento dos escravos de Curitiba tiveram o senhor ou um parente destecomo padrinho ou madrinha. No entanto, eles ou seus parentes batizaram 21por cento dos filhos de seus administrados. No perodo entre 1750 e 1820 ne-nhum escravo negro foi batizado pelo prprio senhor, e em somente 5 por

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  • cento dos batismos o padrinho ou a madrinha era parente do proprietrio docativo.

    De 1820 at a abolio da escravatura, em 1888, a separao entre o sta-tus de senhor e o de padrinho continuava sendo a norma predominante. Nes-se perodo, dos 444 casos examinados, em somente trs deles os senhores ba-tizaram os prprios escravos. Tambm no se demonstrava paternalismo pormeio do batismo por algum membro da famlia do senhor de escravos. De1685 a 1850, somente 2,3 por cento (41/1.764) dos padrinhos eram parentesdos senhores dos escravos batizados. A partir desses resultados o autor sugerea existncia de uma postura geral com relao aos ndios bem diferente da-quela expressa com relao aos negros.

    Afinal, a justificativa de administrar ndios eram os aspectos civilizadores de

    fazer com que tivessem contato com cristos, que lhes ensinariam o comporta-

    mento apropriado de membros da igreja e da sociedade civil. Assim, se os se-

    nhores levavam a srio seu papel, no havia incongruncia e, de fato, haveria

    motivos considerveis para que fossem tanto senhores quanto padrinhos de ba-

    tismos dos ndios que estavam sob sua tutela ... Est bem claro que, com o des-

    locamento para a escravido negra, surgira outro padro de compadrio, seme-

    lhante ao observado na Bahia, no qual os papis de senhor e padrinho eram

    considerados contraditrios.15

    Uma vez que So Jos dos Pinhais era freguesia de Curitiba e apresenta-va caractersticas econmicas e demogrficas semelhantes s daquela vila inclusive a forte presena de pequenas escravarias , praticamente certoque tambm ali os livres, predominantemente, apadrinhassem as crianas es-cravas. De fato, para a confeco do presente artigo manipulei um total de114 registros de batismos, sendo 29 registros de filhos de negros ou pardosforros ou livres, e 85 registros de crianas que tinham ao menos um dos paisescravo. Desse ltimo total, 67 eram crianas de me escrava (e pai livre, for-ro ou escravo), e 55 tiveram padrinhos e madrinhas livres (em apenas um de-les a senhora era a madrinha). Em dois desses batismos o padrinho era livre ea madrinha escrava; um batismo teve padrinho escravo e madrinha forra; emnove batismos ambos os padrinhos eram escravos. Dos 18 batismos em queapenas o pai da criana era cativo, 17 tiveram padrinhos livres, e em um o pa-drinho era livre e a madrinha escrava. Finalmente, em todos aqueles 29 batis-mos em que ambos os pais eram forros ou livres de cor, os padrinhos eramforros ou livres. Por essas caractersticas, portanto, vale a pena analis-los no

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    Jefferson LNotaA prtica do compadrio de indgenas era visto como papel dos senhores enquanto intermediadores do contato dos ndios com as prticas crists, ou seja, a administrao e o apadrinhamento estavam de certa forma ligados.

    Jefferson LNenhum definido pelo Jefferson L

  • contexto em que ocorreram e, dessa forma, tentar acrescentar novos aspectosao quadro historiogrfico j existente.

    COMPADRIO DE DOROTIA E DE ELENA,ESCRAVAS DE ANTONIO DOS SANTOS TEIXEIRA

    Entre 1784 e 1796 a escrava Dorotia batizou cinco filhos na parquiade So Jos dos Pinhais, e teve oito filhos batizados a cativa Elena. Emborapertencessem a um mesmo senhor (o Alferes Antonio dos Santos Teixeira) etivessem, ambas, prole ilegtima, fizeram escolhas muito distintas no que dizrespeito ao status dos padrinhos de seus filhos: eram todos brancos os com-padres de Dorotia, enquanto os filhos de Elena foram batizados por bran-cos, livres de cor e escravos.

    Dorotia, alm disso, estabeleceu laos de compadrio com pessoas demaior distino. Sua primeira filha, Felizarda, foi batizada em 1784, tendo co-mo padrinhos Jos e Josefa, filhos de Igncio Jos Preto.16 Esse ltimo possi-velmente era vizinho do Alferes Antonio dos Santos, pois no perodo os seusdomiclios aparecem um aps o outro ou prximos nas listas nominativas dafreguesia. Alm disso, Igncio Jos Preto era sobrinho de Margarida OliveiraLeo (a esposa de Bernardo Martins Ferreira, escravista proprietrio de An-tonio e Simoa, cujo compadrio veremos adiante).17

    O segundo filho de Dorotia foi apadrinhado por Manoel Vaz Torres eAnglica, filha de Antonio Joo de Oliveira (LBPSJP 1, 1787, 103v), ambos daelite escravista do lugar. Manoel Vaz Torres tinha um filho com o mesmo no-me, de modo que no sei de qual se trata. Ambos, o pai e o filho, estavam re-gistrados como proprietrios de lojas e negociantes entre 1765 e 1784, e o pri-meiro fez o registro de dois escravos, como ferreiros, um em 1778 e outro em1779.18 O pai de Anglica, Antonio Joo de Oliveira, foi recenseado em 1790com a mulher, os filhos e dois escravos.19

    Dorotia batizou outro menino em 1792, cujos padrinhos foram Fran-cisco dos Santos e Francisca de Assis Pacheco, filhos solteiros de Jos dos San-tos Pacheco (LBPSJP 1, 1792, 117), homem da elite da vila da Lapa, recensea-do em 1798 como proprietrio de 23 escravos.20 Alis, outras escravas do alferesAntonio dos Santos Teixeira tinham ligaes com pessoas daquela localidade.A cerimnia de batismo de uma filha dos cativos Felipe e Vernica, emboratenha ocorrido em So Jos dos Pinhais, foi oficiada pelo vigrio da Lapa, e acriana teve como padrinhos dois moradores daquela vila (LBPSJP 1, 1776,

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  • 87). Da mesma forma, Quitria, filha de Anna, outra escrava de Antonio dosSantos, teve sua cerimnia de batismo realizada pelo vigrio da Lapa, em SoJos dos Pinhais (LBPSJP 1, 1776, 86v). No entanto, no foi possvel desco-brir qual era essa ligao, mas pode ser que essas cativas ou suas famlias fos-sem naturais da Lapa.

    Elias, tambm filho de Dorotia, foi batizado em 1794 por Teodoro e Jo-sefa, filhos solteiros do Sargento Comandante Toms Joo Ferreira, e netosdo j mencionado Bernardo Martins Ferreira (LBPSJP 1, 1794, 127). A lti-ma filha de Dorotia foi apadrinhada por Francisco da Silva, casado, e LuizaMaria, viva (LBPSJP 1, 1796, 132v). Sobre Luiza Maria no consegui obterqualquer informao, mas Francisco da Silva era casado com uma exposta(LCPSJP 1, 1784, 76) e no tinha escravos em 1793 (LNSJP 1793, dom. 25).

    Eleutrio, o primeiro filho de Elena, foi apadrinhado por Agostinho, es-cravo do vigrio da freguesia, e por Vernica, escrava do mesmo alferes Anto-nio dos Santos Teixeira (LBPSJP 1, 1784, 96v/97). A escrava Vernica, agoracom seu marido Felipe, tambm escravo do alferes, batizou uma outra filhade Elena em 1785 (LBPSJP 1, 101).

    Os filhos de Elena nascidos aps essa data tiveram todos padrinhos li-vres: Felisberta foi apadrinhada por Luis Antonio de Albuquerque, de Curiti-ba, e por Brbara Cascais, filha de Maria Antonia Albuquerque, da freguesia(LBPSJP 1, 1787, 104v). Em razo do sobrenome eles provavelmente tinhamparentesco entre si, e eram brancos, possivelmente. Alm disso, Maria Anto-nia Albuquerque tambm tinha relaes com pessoas da Lapa, pois em 1790,quando um sobrinho do Capito Joo da Rocha Loures foi batizado em SoJos dos Pinhais, os padrinhos foram um casal da Lapa, por procurao apre-sentada por Maria Antonia.

    A filha de Elena nascida em 1790 teve Salvador Siqueira e sua filha Ma-ria do Rosrio como padrinhos (LBPSJP 1, 106v), sendo o primeiro identifi-cado como bastardo na lista nominativa de 1790 (LNSJP, p.17). Maria, a fi-lha batizada em 1792, foi apadrinhada por Francisco Oliveira Bueno, filho deFrancisco Franco, e por Maria da Veiga, filha do falecido Antonio da Veiga Le-me (LBPSJP 1, 119). O filho seguinte (LBPSJP 1, 1794, 124v) teve como pa-drinho Jos Leonel da Silva, tambm filho de Antonio da Veiga Leme. Em 1803Jos Leonel foi recenseado como branco, fazendeiro e sem escravos (LNSJP,dom. 119). A madrinha foi Rita Cabral, filha de Joo Cabral, um msico, tam-bm branco (LNSJP, 1803, dom. 39). Em 1796, um outro filho de Elena foibatizado pelo prprio Joo Cabral, e Maria, filha de Antonio da Veiga Leme,foi novamente a madrinha (LBPSJP 1, 132v/133). Esse menino faleceu aos 3

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  • meses de idade (LOPSJP 1, 1797, 98). No batismo da ltima filha de Elena,em 1798, o padrinho foi Manoel Simes da Costa, um sapateiro branco, semescravos. Mais uma vez, Maria, filha de Antonio da Veiga Leme, foi a madri-nha (LBPSJP 1, 136v).

    Ao escolher seus compadres, Dorotia, ao que tudo indica, priorizou oamparo que a ligao com membros da elite poderia proporcionar a si e a seusfilhos. J os laos de compadrio efetuados por Elena nos sugerem a opo pe-lo reforo de laos de amizade com membros da comunidade de escravos elivres pobres, especialmente com a escrava Vernica, com os filhos do faleci-do Antonio da Veiga Leme e com a famlia do msico Joo Cabral. Alis, em-bora Rita Cabral, o pai e os irmos apaream sempre identificados como bran-cos, em 1802 ela se casou com Antonio Rodrigues (LCPSJP 2, 45), identificadocomo pardo (LNSJP, 3a cia, dom. 319). Ele era filho de Incio Rodrigues e Ma-ria de Jesus, recenseados como branco, o marido, e como parda, a esposa(LNSJP, 1802, 3a cia, dom. 291).

    Parece, enfim, que Dorotia e Elena tinham diferentes expectativas emrelao ao estabelecimento de alianas sociais por ocasio do batismo dos fi-lhos. Como bem observou Silvia Maria Brgger, a especificidade do compa-drio talvez residisse exatamente no fato de apresentar uma grande possibili-dade de extenso, permitindo a criao de slidos vnculos entre pessoas dasmais diferentes condies sociais, que passavam a se reconhecer como paren-tes. Entre elas no haveria nenhuma implicao de ordem patrimonial, comoocorria, por exemplo, no estabelecimento de alianas matrimoniais.21

    Assim, o parentesco espiritual poderia ser utilizado como estratgia paracriar laos morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos filhos,como salientou Slenes. Mas tambm poderia funcionar como meio de sociali-zao de modo a formar uma comunidade escrava, como sugeriu Ges, ou, noambiente de poucos escravos e muitos livres de cor, como era o caso da fregue-sia de So Jos dos Pinhais, uma comunidade de escravos e livres pobres.

    COMPADRIO DE ANTONIO GUIN E ESPERANA,ESCRAVOS DE MANOEL JOS DA CRUZ

    Esperana, escrava de Manoel Jos da Cruz, batizou cinco filhos em SoJos dos Pinhais entre 1789 e 1801. Os trs primeiros eram de pais incgni-tos, os demais, filhos seus com Antonio Guin, tambm escravo de ManoelJos da Cruz.

    Cacilda Machado

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  • O primeiro filho de Esperana foi apadrinhado por Manoel, escravo deManoel Fernandes, morador de Paranagu, e pela escrava Teresa, de proprie-dade de Rosa Maria Guedes (LBPSJP 1, 1789, 106v). No consegui descobrirquem era Manoel Fernandes, mas sei que Rosa Maria Guedes, proprietria damadrinha, era tia materna de Margarida Anglica de Oliveira, esposa de Ma-noel Jos da Cruz. A segunda filha, Teresa, foi batizada em 1791 por Francis-co, filho de Toms Joo Ferreira, e por Gertrudes, filha do Capito Joo daRocha Loures (LBPSJP 1, 115), ambos sobrinhos da esposa de Manoel Josda Cruz.

    A terceira filha teve Toms Joo Ferreira (irmo de Margarida Anglica)e sua filha Josefa (portanto, sobrinha de Margarida Anglica) como padri-nhos (LBPSJP 1, 1795, 128v). Joaquim, quarto filho de Esperana e Antonio,foi batizado por Teodoro, outro filho de Toms Joo Ferreira, e por Franciscado Rosrio Freitas, solteira (LBPSJP 1, 1796, 132). Sei que tempos depois essamadrinha se casou com Francisco Igncio de Andrade, pois encontrei o re-gistro de trs filhos deles (LBPSJP 2, 1798, 85v; 1799, 100v e 1801, 113v). Lo-calizei Francisco Incio na lista nominativa de 1798 (LNSJP, p. 7). Ele e a mu-lher foram registrados como brancos, e na casa viviam tambm um escravo etrs agregados. Em 1803 o casal estava agregado na casa do vigrio TheodoroJos de Freitas, com os filhos Theodoro e Anna, de um e trs anos, respecti-vamente (dom. 321). Mas Francisca logo ficou viva, pois em 1806 contraiusegundas npcias com Joo Mendes Machado (LCPSJP 2, 56v), este, recen-seado em 1818 como capito da 9 Companhia de So Jos, e proprietrio de13 escravos (9a cia, dom.1).

    O ltimo filho de Antonio e Esperana foi apadrinhado por Francisco eRosa, filhos de Maria do Carmo, solteira (LBPSJP 1, 1801, 140v). Esta ltimaaparece na lista nominativa de 1798 como forra e fazendeira da Fazenda BomJesus (p.8). Na lista nominativa de 1803 consta que era parda e lavradora(dom. 61).

    Como se pode observar, tal como Elena, tambm Esperana convidoupadrinhos dos vrios estratos sociais. No entanto, o que se destaca no seu ca-so era a ligao que tinha com a famlia de Toms Joo Ferreira, irmo de suasenhora, Margarida Anglica (Figura 1, a seguir).

    As muitas faces do compadrio de escravos

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  • Figura 1 Compadrio do casal Antonio e Esperana,escravos de Manoel Jos da Cruz (MJC)

    Teresa, filha de Esperana batizada em 1791, tambm estabeleceu laosde compadrio com a famlia senhorial. Ela se casou em 1805 com o escravoJoo, quando ambos eram propriedade de Francisco Bueno da Rocha, genrode Manoel Jos da Cruz. O primeiro filho do casal foi pia batismal em 1809,e teve por padrinhos Bernardo Martins Ferreira Neto e Maria Francisca, suamulher (LBPSJP 3, 44). O padrinho era filho de Manoel Jos da Cruz e, por-tanto, irmo da senhora. O segundo filho foi batizado em 1812, e apadrinha-do por Manoel da Cruz, filho de Manoel Jos da Cruz (portanto, tambm ir-mo da senhora) e por Francisca, filha de Joaquim Bastos (LBPSJP 3, 62). Estamadrinha tinha parentesco com a senhora da criana batizada, pois era netade Rosa Maria Guedes, irm de Margarida Oliveira Leo, esta av da senhorado casal de cativos. O terceiro filho, batizado em 1814, teve por padrinhosManoel e Anna, tambm filhos do mesmo Joaquim Bastos (LBPSJP 3, 79).

    Figura 2 Compadrio do casal Joo e Teresa,escravos de Francisco Bueno da Rocha (FBR)

    FBR

    2 3 3

    211

    MJC

    11

    Escravos

    2

    3

    23

    4

    4

    Branca

    5 5

    Pardos livres

    Cacilda Machado

    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5258

  • Esse tipo de vnculo com a parentela senhorial aparece de forma aindamais marcante nos batismos dos filhos e principalmente dos netos e bisnetosdo casal Antonio e Simoa e dos filhos e netos da escrava Liberata, todos elesescravos de Bernardo Martins Ferreira, que analiso nos prximos itens.

    COMPADRIO DE ANTONIO ANGOLA E SIMOA,ESCRAVOS DE BERNARDO MARTINS FERREIRA

    Antonio e Simoa casaram-se em 1764 (LCPSJP 1, 15 e 15v). Por ento jeram cativos de Bernardo Martins Ferreira, e embora nas listas nominativas enos batismos dos filhos Antonio aparea identificado como Angola, no regis-tro de seu casamento ele foi citado como Benguela. Em So Jos dos Pinhaisno existe o registro do batismo de Feliciana, a filha mais velha, cuja filiaopude identificar pelo registro de seu casamento (LCPSJP 1, 1783, 74v e 75).Entretanto, na Figura 3, a seguir, resumi os laos de compadrio efetuados apartir do batismo dos demais filhos do casal.

    Figura 3 Compadrio do casal Antonio e Simoa,escravos de Bernardo Martins Ferreira (BMF)

    Joo, o primeiro filho batizado na parquia de So Jos, teve como pa-drinhos Manoel, filho de Nazrio Texeira da Cruz, e Maria, filha de ManoelVaz Torres (LBPSJP 1, 1773, 79v). Trata-se, o primeiro, de Manoel Jos daCruz, que sete anos depois se casaria com Margarida, filha de Bernardo Mar-tins (LCPSJP 1, 1780, 167). Maria, filha de Manoel Vaz Torres, deve ser sobri-nha de Maria Vaz, esposa de Toms Joo Ferreira (filho de Bernardo Martins).Isso porque, de acordo com o registro de casamento de Toms Joo e MariaVaz, ocorrido em 1768, a noiva era filha de Manoel Vaz Torres. J Maria, a ma-

    BMF

    1

    3

    1 3

    2

    2

    As muitas faces do compadrio de escravos

    59dezembro de 2006

  • drinha, deve ser filha de Manoel Vaz Torres (2o.), filho do anterior e, portan-to, irmo de Maria Vaz (LCPSJP 1, 1768, 29).

    Salvador, filho de Antonio e Simoa batizado em 1776, foi apadrinhadopor Francisco, filho de Pedro Antonio Moreira, e por Maria, filha do falecidoJoo Franco Moreira (LBPSJP 1, 86). Tambm esses faziam parte da famliasenhorial. O padrinho era sobrinho-neto e a madrinha era sobrinha de Mar-garida Oliveira Leo, mulher de Bernardo Martins.

    Os padrinhos de guida, a ltima filha de Antonio e Simoa, foram Ben-to Ferraz Lima e Josefa lvares Pereira, esposa de Nazrio Teixeira da Cruz(LBPSJP 1,1783, 95v). Os dois ltimos eram os pais de Manoel Jos da Cruz,ento j marido de uma filha de Bernardo Martins. Bento Ferraz Lima tam-bm era sobrinho-neto de Margarida Oliveira Leo.

    COMPADRIO DE LIBERATA E DOS FILHOSDE ANTONIO ANGOLA E SIMOA

    Mencionei anteriormente que s pude identificar a cativa Feliciana co-mo filha do casal Antonio e Simoa porque encontrei seu registro de casamen-to em So Jos dos Pinhais, onde se anotou sua filiao. Portanto, no im-provvel que a cativa Liberata tambm fosse filha daquele casal, o que no sepde comprovar por ela no ter se casado. De modo que resolvi analisar osbatismos de seus filhos e netos junto com os da famlia de Antonio e Simoa,posto que eram escravos de um mesmo senhor. Um resumo dos laos de com-padrio desta escrava encontra-se efetuada na Figura 4, a seguir.

    Figura 4 Compadrio de Liberata, escrava de Bernardo Martins Ferreira(BMF) e de sua filha Gertrudes Maria da Luz (GML)

    BMF

    33GM 1 2

    1

    4

    24

    Cacilda Machado

    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5260

  • O primeiro dos quatro filhos de Liberata recebeu o nome de Joaquim e

    foi apadrinhado em 1783 por Manoel da Cruz Teixeira e por Luzia, filha de

    Joo Bastos Coimbra (LBPSJP 1, 96). No improvvel que o padrinho fosse

    Manoel Jos da Cruz filho de Nazrio Teixeira da Cruz e genro de Bernar-

    do Martins sendo identificado de outra forma, o que no era incomum no

    passado, ou ento era parente dele. A madrinha era neta de Rosa Maria Gue-

    des, esta, irm da senhora de Liberata.

    Em 1784 Liberata teve seu segundo filho, a menina Lucrcia. Por ento,

    a me j era escrava de Gertrudes Maria da Luz (filha de Bernardo Martins e

    Margarida Oliveira Leo). A criana foi batizada por Francisco Ferreira de

    Paula, filho de Toms Joo Ferreira (portanto sobrinho de sua nova senho-

    ra), e por Margarida Anglica, irm de sua senhora (LBPSJP 1, 98v). Em 1791

    ocorreu o batismo da filha Feliciana, apadrinhada pelo Capito Joo da Ro-

    cha Loures e por sua esposa Ana Ferreira, respectivamente cunhado e irm

    de Gertrudes Maria da Luz (LBPSJP 1, 125v). Em 1794, o ltimo filho, Fran-

    cisco, teve por padrinhos Antonio Joo da Costa (2o), filho do Capito Joo

    da Rocha Loures, e por Maria Teresa, filha de Antonio Pereira do Valle (LBPSJP

    1, 125v). O padrinho era, portanto, sobrinho de Gertrudes Maria, j a madri-

    nha era enteada de Luzia Fernandes Bastos, que apadrinhou o primeiro filho

    de Liberata.

    Figura 5 Compadrio do casal Joaquim e Feliciana,escravos do Capito Joo da Rocha Loures (JRL)

    JRL 3 32

    5

    151

    2

    4 4

    Indeterminados

    As muitas faces do compadrio de escravos

    61dezembro de 2006

  • Como j indiquei, Feliciana, a filha mais velha de Antonio e Simoa, casou-se em 1783 com o escravo Joaquim. Naquele momento ela e o marido erampropriedade do Capito Joo da Rocha Loures, genro de Bernardo Martins. Oquadro do apadrinhamento dos filhos desse casal encontra-se na Figura 5.

    O filho Cipriano foi apadrinhado por Manoel Jos da Cruz (cunhado dasenhora) e por Gertrudes, filha de Bernardo Martins, portanto, irm da se-nhora (LBPSJP 1, 1784, 75v). Em seguida Joaquim e Feliciana batizaram o fi-lho Hilrio, que teve por padrinhos Toms Joo Ferreira (irmo da esposa deRocha Loures) e Margarida de Oliveira Loba ou Leo, sogra de Rocha Loures(LBPSJP 1, 1785, 101). Dois anos depois o casal levou pia batismal o filhoIncio, apadrinhado por Miguel Arcngelo e Maria de Nazar, irmos de seusenhor (LBPSJP 1, 1787, 104).

    O compadrio estabelecido por ocasio do batismo de Bento, penltimofilho de Joaquim e Feliciana, distingue-se dos anteriores. Seus padrinhos fo-ram Jos Paes de Almeida e sua esposa Francisca Maria do Pilar (LBPSJP 1,1789, 106). Infelizmente no consegui localizar esse casal nas listas nomina-tivas. Mas encontrei seu registro de casamento (LCPSJP 2, 1786, 1), bem co-mo o batismo de dois de seus filhos. Neles consta que Jos Paes de Almeidaera natural da Vila de So Jos de Mogi Mirim, em So Paulo, e que Franciscaera da freguesia, embora no houvesse referncia a seus pais, nem mesmo noregistro do casamento. De qualquer forma pode-se afirmar que eram gentedas relaes do Capito Joo da Rocha Loures, proprietrio de Joaquim e Fe-liciana, pois a primeira filha do casal foi batizada pelo prprio Capito RochaLoures, e por uma cunhada deste, Teresa de Jesus do Nascimento (LBPSJP 2,1788, 26v). A segunda filha foi batizada por Miguel Arcngelo e Francisca dePaula, irmos de Joo Rocha Loures (LBPSJP 2, 1790, 35).

    A ltima filha de Joaquim e Feliciana recebeu o nome de Escolstica, efoi apadrinhada por Francisco, filho de Toms Joo Ferreira, e por MargaridaAnglica (LBPSJP 1, 1791, 114v), respectivamente sobrinho e irm de sua se-nhora.

    Cacilda Machado

    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5262

  • Figura 6 Compadrio do casal Jos e guida,escravos de Margarida Oliveira Leo (MOL) e de sua filha Gertrudes Maria da Luz (GML)

    Tambm encontrei os batismos dos filhos de guida, a caula do casal An-tonio e Simoa. guida havia se tornado propriedade de Gertrudes Maria da Luz(filha solteira de Bernardo Martins e Margarida Oliveira), algum tempo depoisde se casar com Jos, escravo da mesma Gertrudes. O casal teve ao menos setefilhos, cujo quadro de apadrinhamento est resumido na Figura 6.

    A primeira, a menina Josefa, nascida quando guida ainda pertencia aMargarida Oliveira, foi batizada por Jos Joaquim, casado, e por Izabel deSouza, esposa de Jos Alvares (LBPSJP 1, 1801, 139). O padrinho era prova-velmente o portugus Jos Joaquim dos Santos, casado com Anna Ferreira daRocha, filha de Joo da Rocha Loures.

    O segundo filho, nascido quando guida j era propriedade de Gertru-des Maria, foi batizado in extremis por Margarida Anglica, irm da senhora(LBPSJP 3, 1804, 6). O terceiro, Domingos, foi pia batismal sob o apadri-nhamento de Joo e Gertrudes, filhos do Capito Joo da Rocha Loures(LBPSJP 3, 1808. 34). A menina Antonia tambm foi batizada por Joo, filhodo Capito Loures, e teve a viva Maria Antonia por madrinha (LBPSJP 3,1810, 49). Esta ltima pode ser a mesma Maria Antonia (Albuquerque), queem 1787 batizou uma filha da cativa Elena, mencionada anteriormente. Masno h como saber, pois na lista nominativa de 1810 existem duas vivas, am-bas brancas, com o nome de Maria Antonia e sem a indicao dos sobreno-mes (dom. 179 e 333).

    1 4

    5 5

    Brancos

    6/7 6/7

    Pardos forros

    2 GM

    133/4

    MO

    In extremis

    As muitas faces do compadrio de escravos

    63dezembro de 2006

  • Antonio, nascido dois anos depois, foi apadrinhado por Manoel de Jesus epor Anna, enteada de Joo Mendes (LBPSJP 3, 1812, 66v). Encontrei um Ma-noel de Jesus, na lista nominativa de 1810, recenseado como lavrador, branco,30 anos, e vivendo com mulher, dois escravos e uma menina parda agregada(dom.231). Joo Mendes,padrasto da madrinha,era provavelmente Joo MendesMachado, casado desde 1806 com Francisca do Rosrio Freitas (madrinha deum filho de Antonio e Esperana em 1796). Em 1818, como j mencionei, JooMendes era capito da 9a Companhia de So Jos e proprietrio de 13 escravos.

    As coisas comearam a mudar para o casal Jos e guida somente em1823, quando do batismo do filho Francisco. Nele, a senhora mandou queassentasse por forro [o menino], pois pretendia que todos ficassem forros,visto no ter herdeiro forado nenhum (LBPSJP 3, 155). Os padrinhos domenino foram Joaquim e Lucrcia, filhos de Liberata, tambm escrava de Ger-trudes Maria. Naquela data Joaquim e Lucrcia j eram forros, embora a medeles permanecesse cativa. Por ento, Lucrcia estava agregada na casa da ex-senhora, e Joaquim (que adotou o sobrenome Cruz, provavelmente em ho-menagem ao seu padrinho Manoel Jos da Cruz) vivia com a mulher e os fi-lhos em domiclio independente, porm vizinho ao de sua ex-senhora.22

    Embora tivesse a sorte de ser alforriado na pia, o menino Francisco nodeve ter sobrevivido, pois em 1825 Jos e guida deram o mesmo nome a umoutro filho, e os mesmos padrinhos (LBPSJP 3, 157v). Nesse registro os paisda criana foram identificados como administrados de Gertrudes Maria daLuz, logo, tambm eles haviam conquistado a alforria.

    COMPADRIO DE NETOS DE ANTONIO ANGOLAE SIMOA E DE UMA FILHA DE LIBERATA

    Escolstica, filha caula de Joaquim e Feliciana e escrava do Capito Jooda Rocha Loures, teve ao menos trs filhos (Figura 7, adiante). A menina An-tonia, batizada em 1811, foi apadrinhada por Joaquim Jos da Cruz e Regi-nalda da Silva, sua mulher (LBPSJP 3, 59). Joaquim Jos da Cruz era o filholiberto da escrava Liberata, que mencionei como padrinho dos dois ltimosfilhos de Jos e guida. Na poca em que batizaram a filha de Escolstica, po-rm, ele e sua esposa ainda viviam como agregados na casa da ex-senhora.

    O segundo filho de Escolstica foi apadrinhado por Francisco da Rochae por Ana, filha de Joo Nepomuceno (LBPSJP 3, 1814, 79v). Francisco da Ro-cha era casado com Gertrudes da Cruz, filha de Manoel Jos da Cruz e Mar-

    Cacilda Machado

    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5264

  • garida Anglica, portanto, sobrinha da senhora de Escolstica. A madrinhaera sobrinha do Capito Joo da Rocha Loures.

    Em 1820 nasceu o ltimo filho de Escolstica, cujos padrinhos foramJoaquim Pereira, casado, e Gertrudes da Cruz, casada com Francisco da Ro-cha (LBPSJP 3, 120v). Gertrudes, j se sabe, era sobrinha da senhora de Esco-lstica. O padrinho provavelmente Joaquim Pereira do Valle, irmo de umanora do Capito Joo da Rocha Loures.

    Figura 7 Compadrio de Escolstica, escrava doCapito Joo da Rocha Loures (JRL)

    Feliciana, filha de Liberata nascida em 1791, casou-se em 1809 com Joa-quim Manoel, pardo livre oriundo de So Francisco, em Santa Catarina(LCPSJP 1, 93). Desde o casamento, Joaquim Manoel tornou-se agregado deGertrudes Maria, proprietria de Feliciana. Na Figura 8, a seguir, resumi a his-tria do apadrinhamento de seus filhos.

    Figura 8 Compadrio do casal Joaquim Manoel (forro) e de Feliciana,escrava de Gertrudes Maria da Luz (GML)

    GML4

    3 3 1

    5

    6

    6

    5

    1 2

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    Brancos

    4

    P ardo

    JRL

    1 1

    3 22

    3

    Pardos forros

    As muitas faces do compadrio de escravos

    65dezembro de 2006

  • O primeiro recebeu o nome de Jos. Embora o pai fosse livre, o padri-nho foi escolhido dentro da famlia senhorial: o jovem Joo, filho do CapitoJoo da Rocha Loures (portanto sobrinho de Gertrudes Maria da Luz). A ma-drinha foi Apelnia Ribeiro, casada com Jos Simes (LBPSJP 3, 1810, 49). Afamlia de Apelnia est registrada na lista de 1810 no domiclio 366 (e o do-miclio de Gertrudes era o 360). Jos Simes era lavrador e o casal vivia comsete filhos, sem escravos ou agregados. Foram identificados como brancos.

    Em 1813 Joaquim Manoel e Feliciana batizaram um rebento com o no-me de Joaquim. No registro o pai citado como forro, e a me permanece es-crava de Gertrudes. O menino teve apenas madrinha: Anna Rita, filha soltei-ra de Francisco Incio, j falecido (LBPSJP 3, 72v). Certamente a mesmaAnna que batizou um filho de Jos e guida em 1812, filha de Francisca doRosrio de Freitas.

    Em 1818 nasceu Fortunato, o terceiro filho do casal. No registro foi ano-tado que por ento a me estava forra, mas que o menino permaneceria cati-vo de Gertrudes Maria da Luz. No entanto, o proco indicou que quando sebaptizou, o pai o forrou, e a mesma Senhora me disse estava forro. Os padri-nhos do menino foram Miguel e Maria, filhos solteiros de Manoel Jos daCruz, ou seja, sobrinhos da senhora (LBPSJP 3, 101).

    Joaquim Manoel e Feliciana tiveram ainda mais quatro filhos. Em 1820nasceu Silvestre. Embora no registro de batismo do filho anterior a me te-nha sido citada como forra, neste ela aparece como escrava. No registro o p-roco anotou que a Senhora me disse que forrava o dito Silvestre por ser seuafilhado, j quando o livrou na pia me disse que o forrava, e deixava forro. Ooutro padrinho da criana era Joaquim Ribeiro da Silva, solteiro (LBPSJP 3,119). Em 1818 existe o registro de apenas um homem com o nome de Joa-quim Ribeiro em So Jos dos Pinhais (LNSJP, 9a cia, dom. 18). Era pardo,com 22 anos, natural de Antonina. Vivia com a mulher, Rosa, de 16 anos, eplantava para comer.

    Em 1824, no registro de batismo de Mateus, novamente Feliciana foiidentificada como escrava, e a Senhora mandou assentar por forro [a crian-a]. Os padrinhos do menino foram Joaquim Bastos e Rosria (LBPSJP 3,152). Ele deve ser Joaquim Bastos Coimbra, neto de uma irm de MargaridaOliveira Leo (esta, me de Gertrudes Maria da Luz). Pode ser que a madri-nha, Rosria, fosse Rosria da Rocha, filha de Jos Joaquim dos Santos, o qualhavia batizado um filho de Jos e guida em 1801 e era genro do Capito Jooda Rocha Loures.

    Em 1826 ocorreu o batismo de Hermenegildo, no qual a me foi identifi-

    Cacilda Machado

    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5266

  • cada como forra. Nessa poca o casal j vivia em domiclio autnomo (LNSJP,1824, 33), porm prximo ao da ex-proprietria de Feliciana (LNSJP, 1824,25). Aparentemente os dois primeiros filhos do casal, que no foram alforria-dos ao nascer, por ento tambm estavam livres. Os padrinhos de Hermene-gildo foram o Capito Joo da Rocha Loures e sua filha Gertrudes (LBPSJP 3,165). Em 1828 nasceu o ltimo filho. No registro os pais foram identificadosapenas como pardos, e o menino, Pedro, foi apadrinhado por Matias CarneiroMendes de S e sua irm Luiza Maria de S, filhos do Capito Manoel MendesLeito (LBPSJP 3, 178). Esse capito era uma das pessoas mais proeminentesdo lugar e em 1824 foi recenseado como proprietrio de fazendas de criar,mantendo em So Jos dos Pinhais 17 escravos (LNPSJP, 1824, 3a cia, 7).

    CONTROLE SENHORIAL, COMUNIDADE DE ESCRAVOS E DEPARDOS E NEGROS LIVRES E REPRODUO DA HIERARQUIA SOCIAL

    Mencionei anteriormente que em seu estudo sobre batismos de escravosde Curitiba, Schwartz destacou que raramente os padrinhos eram os senho-res ou seus parentes. O mesmo quadro se desenhou na Bahia, por Gudemane Schwartz, e em Minas Gerais, por Higgins, e por outros autores. Na inter-pretao desses padres, Schwartz reitera sua tese da incompatibilidade entrepropriedade escrava e parentesco espiritual, bem como pe em dvida o usodo compadrio para reforar as relaes paternalistas entre senhores e seus ca-tivos.

    Acredito que as relaes de compadrio at aqui recuperadas me permi-tem tecer algumas consideraes sobre essa questo. A primeira delas quemuito dificilmente o parentesco do padrinho de um escravo revelado emestudos que utilizam como fonte apenas registros de batismo, posto que nes-te tipo de documento eclesistico nomeava-se somente o cnjuge ou o paidos padrinhos, e isso quando a madrinha era casada ou quando o/a padri-nho/madrinha era solteiro/a. De modo que em geral o parentesco que se po-de levantar o que unia marido e mulher, e pais e filhos (quando estes eramsolteiros). Nos casos por mim expostos, encontram-se com mais freqnciaoutros vnculos parentais, especialmente sobrinhos, irmos e cunhados, emesmo parentes mais distantes.

    Assim, tem razo Stuart Schwartz quando afirma a incompatibilidadeentre propriedade escrava e parentesco espiritual. De fato, raramente o se-nhor batizava seus escravos e, ao menos nos casos aqui vistos, tampouco os

    As muitas faces do compadrio de escravos

    67dezembro de 2006

  • seus filhos e genros (provveis herdeiros dos cativos) o fizeram. Creio ser pre-ciso, contudo, relativizar sua tese de que o compadrio no era utilizado comoreforo das relaes paternalistas. preciso admitir ao menos algum grau decontrole dos senhores sobre a socializao de seus cativos, conforme se evi-dencia nas recorrentes ligaes de compadrio dos escravos de So Jos commembros da parentela senhorial.

    Parece que esse mesmo quadro estava presente quando se tratava de ca-sais mistos, isto , aqueles em que um dos cnjuges era escravo e o outro for-ro ou livre. Revejam-se, nesse sentido, as relaes de compadrio efetivadas pe-lo casal Joaquim Manoel e a escrava Feliciana (cf. Figura 8).

    Esse foi tambm o caso de Joaquim Antonio Barbosa e sua mulher Qui-tria. Esse casal foi unido pela Igreja em 1779 (LCPSJP 1, 59v). O marido erafilho de uma ex-administrada de Jos de Aguiar, e a esposa era escrava de An-tonio de Souza Pereira. Quitria nasceu escrava de Felipe Pereira de Maga-lhes e de Rosa Maria Guedes, esta, irm de Luzia Cardoso Leo, que por suavez era av de Coleta Maria, a esposa de Antonio de Souza Pereira.23 Quitriafaleceu precocemente (LOPSJP 1, 1785, 87v), de modo que o casal teve ape-nas dois filhos.

    Em maio de 1780 Joaquim Antonio e Quitria batizaram Bento, apadri-nhado por Manoel, filho solteiro de Manoel Vaz Torres, e por Maria, filha sol-teira de Felipe Valente, de Curitiba (LBPSJP 1, 92 e 92v). Sobre a madrinhano tenho informaes, mas Manoel, filho de Manoel Vaz Torres, tinha pa-rentesco por afinidade com os Cardoso Leo, pois, como j mencionei antes,sua irm Maria Vaz Torres de Arajo era casada com Thomas Joo Ferreira,filho de Margarida Oliveira Leo (irm de Rosa Maria Guedes).

    Em 1784, no batismo do filho Serafino, os laos com a famlia do pro-prietrio de Quitria se consolidaram. O menino foi apadrinhado por Ger-trudes Maria da Luz e por Joo Rocha Loures (LBPSJP 1, 98v). Como se sabe,eles eram, respectivamente, filha e genro de Margarida Oliveira Leo (tam-bm irm de Rosa Maria Guedes).

    O mesmo tipo de relao com o senhor parece ter ocorrido com Anto-nio, escravo de Paulo da Rocha, e Gertrudes Leme, filha dos ex-administra-dos Gregrio Leme e Domingas do Rosrio. Eles se casaram em 1783 (LCPSJP1, 75) e tiveram ao menos seis filhos.

    O primeiro filho foi apadrinhado pelo casal proprietrio de Antonio(LBPSJP, 1784, 99). Em 1789 foi batizada a menina Leonor, que teve comopadrinhos Jernimo Caixes e Rita, filha de Bonifcio da Silva (LBPSJP 1, 106v).Em 1792 nasceu Maria. Os padrinhos foram os mesmos Bonifcio da Silva e

    Cacilda Machado

    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5268

    Jefferson LDestacar

  • sua filha Rita (LBPSJP 1, 115v). Em 1793 a filha Izabel foi apadrinhada porFrancisco da Cunha Bueno e Izabel Maria, ambos casados e da freguesia(LBPSJP 1, 120v). Em 1795 o pequeno Joaquim foi apadrinhado por JooBueno e ngela Maria sua mulher (LBPSJP 1, 130). Em 1797, o menino Ma-noel foi apadrinhado por Manoel Pires e Anna, filha solteira de Joanna da Ro-cha (LBPSJP 1, 133). Por fim, em 1800 foi batizado o menino Joo, sob o apa-drinhamento do alferes Luis Cardoso, solteiro, e da mesma Anna da Rocha,agora casada com Jos Joaquim (LBPSJP 1, 138V/139).

    Mais uma vez, tem-se aqui a indicao da existncia de laos entre o es-cravo e a famlia de seu proprietrio, sugeridos pelo grande nmero de pa-drinhos com sobrenomes Bueno e Rocha, muito provavelmente familiares docasal Paulo da Rocha e Maria Buena da Rocha. Alm disso, novamente cons-tata-se o predomnio de laos de compadrio com pessoas livres.

    Todavia, aqui o destaque, a meu ver, foi o apadrinhamento de um filhode Antonio por seus senhores. Embora a criana fosse livre (como a me, Ger-trudes), o fato que a partir de ento o escravo Antonio se tornou compadrede seus proprietrios. Mas essa pode ter sido a interpretao apenas do cati-vo, que talvez pensasse ser esse um caminho possvel para a obteno de suaalforria (o que no aconteceu). Relembrando que Gertrudes vivia agregadana casa, pode-se supor que, para Paulo da Rocha, batizar um filho livre de seucativo no seria fonte de constrangimento, ao contrrio, poderia ser uma for-ma de reforar ou consolidar sua autoridade sobre a famlia do escravo. Umponto de vista que se aproximaria daquele observado por Stuart Schwartz, napassagem do sculo XVII para o XVIII em Curitiba, acerca do apadrinhamen-to senhorial de filhos de administrados, citado no incio do artigo. Eu acres-centaria, no entanto, que poca do predomnio da escravido negra na re-gio, talvez os escravistas do lugar tenham mantido o compadrio como formade controle de seus dependentes livres (antes os administrados de origem in-dgena, agora os filhos livres de seus escravos).

    A despeito dessas consideraes, acredito que no se pode aceitar que ocontrole senhorial implicasse a anulao de qualquer iniciativa escrava. As-sim, se o grande nmero de padrinhos aparentados com o senhor do batizan-do sugerem que o clculo escravista tambm vigia nesse assunto, igualmen-te certo que as preferncias dos cativos contavam. Relembre-se, nesse sentido,que a escrava Esperana estabeleceu laos de compadrio basicamente com afamlia de Toms Joo Ferreira, irmo de sua senhora Margarida Anglica (cf.Figura 1). Igualmente, que alguns parentes foram padrinhos de vrios escra-vos, especialmente o jovem Francisco (filho de Toms Joo Ferreira), Marga-

    As muitas faces do compadrio de escravos

    69dezembro de 2006

    Jefferson LDestacar

    Jefferson LDestacar

    Jefferson LNotaO lao de compadrio de um escravo com seu senhor poderia ter uma dupla interpretao. Para o cativo seria uma forma de, atravs de um lao espiritual, conseguir sua alforria, por exemplo; j para o senhor seria uma forma de mesmo seu admnistrado j sendo livre ou forro, manter-se sob uma hierarquia ou controle sobre sua famlia.

    Jefferson LDestacar

    Jefferson LNotaNo se pode dizer que por um casal ser cativo de determinado senhor e os laos de compadrio funcionarem, ao menos em parte, como forma de controle estes estavam submetidos a apadrinhamentos diretos de seu senhor ou famlia, sobretudo afirmar que os senhores regravam ou limitavam as escolhas dos casais, a preferncia dos cativos tambm contavam igualmente na hora da escolha.

  • rida Anglica (esposa de Manoel Jos da Cruz) e Joo (filho de Joo da RochaLoures), este, padrinho de dois filhos de Jos e guida, escravos de GertrudesMaria da Luz.

    Porm, alguns parentes nunca foram chamados para apadrinhar: Bernar-do Martins Ferreira e Margarida Oliveira Leo tiveram ao menos oito filhos,porm apenas quatro deles (ou seus cnjuges e filhos) em algum momento apa-drinharam os descendentes dos escravos de seus pais. Dentre os quatro filhosque no apadrinharam, ao menos um vivia em So Jos dos Pinhais: ManoelFerreira de Melo, que aparece chefiando domiclio (com sua famlia e algunsescravos) no mnimo em quatro listas nominativas no perodo.24

    Alm disso, por vezes esses escravos tornaram-se compadres de pessoascom parentesco bastante indireto com o proprietrio dos pais da criana ba-tizada. Foi o caso de Liberata, cujo primeiro filho teve como madrinha umasobrinha-neta de sua senhora naquele momento. Quando j era propriedadede Gertrudes Maria da Luz, Liberata chamou, para apadrinhar um seu outrofilho, a enteada daquela madrinha (cf. Figura 4) Veja-se tambm o caso de Es-colstica, escrava do Capito Joo de Rocha Loures. Um filho desta cativa te-ve por padrinho o irmo de uma nora do Capito. Finalmente, um dos filhosdo forro Joaquim Manoel e sua esposa Feliciana, escrava de Gertrudes Mariada Luz, foi apadrinhado por Joaquim Bastos Coimbra, primo de segundo grauda proprietria de Feliciana, e os filhos dos escravos Joo e Teresa foram apa-drinhados por outros dois filhos desse mesmo Joaquim Bastos (cf. Figura 7).

    Esses cativos tambm puderam estabelecer laos com no-parentes deseus proprietrios, muitos deles da elite, inclusive de outras vilas, como foi ocaso das escravas de Antonio dos Santos Teixeira, cujos vnculos com pessoasda vila da Lapa talvez fossem anteriores ao que as ligava ao senhor. Casos co-mo esses sugerem que os escravos no se pautavam apenas por estratgias vi-sando intermediao de um livre nos conflitos com o senhor, ou a viabiliza-o da comunidade de cativos. Tais escolhas podem estar relacionadas valorizao de antigos laos sociais e afetivos. Num perodo em que o deslo-camento de uma vila para outra era complicado e demorado, a vinda dos fi-lhos de Jos dos Santos Pacheco, da Lapa para So Jos dos Pinhais, apenaspara batizar um filho da escrava Dorotia, a meu ver demonstra que aqueleslaos eram igualmente valorizados por eles. O mesmo se pode dizer dos pa-drinhos e do vigrio (todos da Lapa) que participaram do batismo de outraescrava de Antonio dos Santos Teixeira, em So Jos dos Pinhais.

    Mas a constituio de alianas com homens livres podia, de fato, ser umrecurso importante nessa sociedade extremamente hierarquizada, onde es-

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    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5270

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    Jefferson LSublinhado

    Jefferson LNotaOs cativos visavam no penas laos com seus atuais senhores ou parentes deste, mas tambm a valorizao de antigos laos senhoriais que de certa forma os pudesse vir a beneficiar em algum momento ou j houvessem sido institudos anteriormente entre ex-senhores, por exemplo.

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  • cravos, forros e livres de cor eram vistos como pessoas de menor qualidade.Um exemplo da importncia desses laos est na trajetria do cabra forroVicente Francisco. Pude reconstruir sua histria desde a sua unio matrimo-nial, em 1777, com Antonia, escrava de Manoel Gonalves Padilha (LCPSJP1, 1777, 53v). As testemunhas de seu casamento foram o senhor de Antonia eDiogo Bueno Barbosa. Vicente e Antonia tiveram ao menos trs filhos. Emdezembro de 1777 batizaram Antonio, em cujo registro consta o apadrinha-mento de Paulo da Rocha e Maria Buena, sua mulher (LBPSJP 1, 88v). A fi-lha Rita foi batizada em outubro de 1780, e apadrinhada por Amaro e Anna,ambos filhos de Antonio da Veiga de Godoy (LBPSJP 1, 92v).

    Graas preservao de um processo de Autos de Livramento, soube queVicente Francisco esteve preso por furto de uma vaca a Francisco Bueno daCunha e Pedro Machado Fagundes, a mando de Manoel Gonalves Padilha.Em 1785 o prprio Francisco Bueno da Cunha testemunhou em favor do ru,dizendo que se equivocara, pois teria sido outro o autor do furto. Dentre astestemunhas de defesa estavam Antonio da Veiga de Godoy e Diogo BuenoBarbosa.25 O primeiro, como se viu, era o pai dos padrinhos de um dos filhosde Vicente Francisco, e o segundo fora testemunha de seu casamento.

    Aps esse incidente com a justia, Vicente Francisco teve mais uma filha,que em 1788 foi batizada com o nome de Anna. Ela teve como padrinhos Dio-go Bueno Barbosa e novamente Anna Clara, filha de Antonio da Veiga de Go-doy (LBPSJP 1, 92). Ou seja, depois de absolvido da acusao de roubo, Vicen-te buscou reiterar os laos de compadrio com seus defensores, por ocasio donascimento da ltima filha. Nesse sentido, esses registros nos permitem de-preender que nessa sociedade o compadrio podia funcionar no sentido de ge-rar no apenas alianas entre as famlias de cativos e administrados e as deseus senhores, mas tambm estabelecer outros laos sociais, os quais, no casopresente, mostraram sua eficcia num momento de dificuldade.

    A observao das idades dos padrinhos outro indcio a sugerir que oscativos participavam na escolha das pessoas com quem estabeleceriam laosde compadrio. Tomando apenas os batismos de filhos, netos e bisnetos de An-tonio Angola e Simoa, e de filhos e netos de Liberata, tem-se que 24 dos 56padrinhos foram citados como filhos de algum (11 padrinhos e 13 madri-nhas). Foi possvel descobrir as idades exatas ou aproximadas de 19 deles;26

    14 (seis homens e oito mulheres) tinham menos de 25 anos no momento dobatismo, dos quais, seis tinham menos de 18 anos. Alm disso, muitos dos pa-drinhos e madrinhas identificados como casados eram jovens com menos de25 anos. A meu ver, tal quadro reflete a preocupao dos escravos em assegu-

    As muitas faces do compadrio de escravos

    71dezembro de 2006

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    Jefferson LNotaPoderia ento os laos de compadrio gerarem favores sociais, ainda que para com cativos?

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  • rar que sua prole teria protetores e aliados ao longo da maior parte da vida,ou ao menos at que pudesse realizar suas prprias alianas.

    Finalmente, destaco que, a despeito da importncia estratgica do com-padrio com membros da parentela senhorial e da elite branca, esses escravosnunca deixaram de se relacionar com outros cativos, com forros, com livresde cor, e mesmo com brancos pobres. Assim foi com Elena, que teve por com-padres os escravos Agostinho, Felipe e Vernica, o bastardo Salvador Siquei-ra e sua filha, os irmos Jos Leonel e Maria, e o msico Joo Cabral e sua fi-lha. Assim foi com Esperana, que criou vnculos com os cativos Manoel eTeresa e com a famlia da parda Maria do Carmo. Do mesmo modo, por oca-sio dos batismos dos filhos de Escolstica (em 1811) e de Jos e guida (em1823), apadrinhados por Joaquim Jos da Cruz e sua mulher Reginalda, o pri-meiro, e pelo mesmo Joaquim Jos com sua irm Lucrcia, o segundo. Estesdois ltimos batismos confirmam os laos que as uniam a Joaquim Jos e Lu-crcia desde quando estes ainda eram escravos de Gertrudes Maria da Luz.

    Esse foi o caso, igualmente, de Joana, escrava de Jos Teixeira da Cruz.Ela era casada com o pardo forro Luciano da Rocha Dantas, e tambm viviaem So Jos dos Pinhais (LCPSJP 2, 1831, 182). Antes de se unir a Luciano,Joana teve trs filhos. Em 1819 seu filho Miguel foi batizado por Joaquim Ma-noel, casado, e por Lucrcia, escrava da nossa conhecida Gertrudes Maria daLuz (LBPSJP 3, 111v). A madrinha , evidentemente, a filha da escrava Libe-rata, que pouco tempo depois conquistaria a liberdade (conforme vimos emitem anterior). O padrinho era o cunhado livre dessa escrava, marido de Feli-ciana, a outra filha de Liberata.

    O segundo filho de Joanna, a menina Izabel, foi batizada em 1824 porJos, escravo de Pedro Teixeira, e por Luciana, escrava de Francisco Franco(LBPSJP 3, 144v). No tenho certeza de quem seja Francisco Franco, mas Pe-dro Teixeira, filho de Nazrio Teixeira da Cruz, era provavelmente parente dosenhor de Joana.

    Somente quando teve o terceiro filho Joanna convidou pessoas livres pa-ra apadrinhar. O menino Antonio teve por padrinhos Miguel Joo, solteiro, eRosa Machada, casada (LBPSJP 3, 1829,190v e 191). Sobre a madrinha noconsegui qualquer informao, mas o padrinho deve ser Miguel Joo Carva-lho (2), neto do primeiro, que era irmo de Joo da Rocha Loures.

    No consegui localizar o casal Francisco das Chagas Cruz e Saturnina Al-vares Pereira, que batizou Gertrudes, a primeira filha de Luciano com Joana(LBPSJP 3, 1832, 247). Mas o filho nascido em 1833, Amncio, foi batizadopor Joaquim Jos da Cruz e por Felicidade Alvares (LBPSJP 3, 268). O padri-

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    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5272

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    Jefferson LNotaSendo assim as relaes de compadrio entre escravos e senhores demonstram, ao menos, uma bem elaborada rede de possveis protees para os filhos dos cativos. Mostrando assim que dentro das aes possveis os cativos faziam o mximo de estratgias que pudessem para amenizar sua condio e a de seus filhos.

  • nho era, como se sabe, o filho forro da nossa conhecida escrava Liberata. Joan-na foi declarada forra nesse registro de batismo, mas seu filho permanecia es-cravo de Jos Teixeira da Cruz.

    Em 1838 o casal novamente batizou uma filha, Laurinda, apadrinhadapor Francisco Franco de Oliveira e sua mulher Izabel Ferraz (LBPSJP 4, 113).O padrinho talvez seja o mesmo Francisco Franco que apadrinhou Izabel em1824. E lembro que Bernarda, filha de Nazrio Teixeira da Cruz, se casou comBento Ferraz Lima em 1782 e teve, entre outros filhos, uma menina de nomeIzabel (LBPSJP 4, fl. 190v), que pode ser a madrinha.

    Os dados aqui analisados, pode-se dizer, tendem a confirmar as teses dosmais recentes estudos, comentadas no incio do artigo, de que o compadrioera uma aliana utilizada de diversas maneiras por escravos e libertos. Foi uminstrumento efetivo na formao e consolidao de uma comunidade de es-cravos e livres de cor, mas tambm ligava essa populao com a sociedadebranca de todos os estratos sociais, e ao menos em So Jos dos Pinhais, coma parentela senhorial.

    Sabemos que a utilizao histrica do rito do compadrio transcende seusignificado religioso. Estar compadre de algum, segundo o dicionarista Mo-rais e Silva (1789), tambm significava estar em boa amizade. Relatos coevosaludem extrema importncia dada na sociedade colonial s relaes de com-padrio, havendo registro de parentes consanguneos preferirem se intitularcompadres, dado o prestgio dessa relao.27

    Enfim, o compadrio com uma pessoa de status social mais alto poderiaconstituir uma aliana decorrente da necessidade, num mundo hostil, decriar laos morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos filhos.28

    Sobre o apadrinhamento de escravo por parentes do senhor poder-se-ia acres-centar que, da perspectiva do pai ou da me da criana, seria estratgico tercomo aliado algum que, embora no pertencesse casa do senhor, era seuparente, portanto suficientemente prximo para poder interferir em caso deconflitos.

    Mas o compadrio tambm se constitua em uma aliana que sacramen-tava a paz (ou dirimia as diferenas).29 Dito de outro modo, a casa de um com-padre passava condio de territrio amigo, ou familiar, onde o outro compa-dre e sua famlia (escravos ou no) teriam trnsito livre. Dessa perspectiva, oparentesco ritual com membros de famlias escravistas permitia a cativos, for-ros, e a pardos e negros livres a comunicao e a convivncia com a escrava-ria e os agregados das casas senhoriais, muitos deles seus parentes.

    Assim, sem desconsiderar o contedo paternalista implcito naqueles la-

    As muitas faces do compadrio de escravos

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    Jefferson LNotaO que no s o tornava parente, mas aumentava seu raio de alianas, sobretudo no caso deste parente do senhor morar em outra freguesia ou localidade, a extenso os laos de proteo desse cativo seriam maiores e ele teria uma possvel proteo e de seus filhos em vrios locais ou em uma abrangncia territorial maior.

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  • os, talvez seja possvel ao menos sugerir que o compadrio escravo tambmpudesse ser utilizado para estreitar os laos com as casas em que seus paren-tes e amigos viviam como cativos ou como agregados. Dessa perspectiva, cons-tituir alianas com escravistas e com a parentela do senhor seria um outro ca-minho para a viabilizao de uma comunidade de cativos nessa freguesia depredomnio de pequenas escravarias.

    Entendendo o compadrio desta forma, tem-se um testemunho de suaeficcia no exemplo de Antonio e Simoa. Atravs do compadrio, entre 1773 e1823 esse casal, suas duas filhas (Feliciana e guida) e a neta Escolstica esta-beleceram laos com 21 casas do vilarejo, sem contar que ao longo do tempomuitos dos padrinhos, filhos dos chefes dessas casas, se casaram e constitu-ram domiclio prprio, ampliando ainda mais o leque de relaes dessa fam-lia de cativos.

    Daquelas 21 casas originais, mais ou menos poca dos batismos em 16delas havia escravos e/ou agregados. Somando-se os escravos das casas emque viviam pessoas que batizaram membros da famlia cativa at 1799, calcu-lei que eles variaram entre 35 e 45 cativos. Nas casas em que viviam pessoascom laos de compadrio com a famlia, estabelecidos nas primeiras dcadasdo sculo XIX, encontravam-se ao menos cinco agregados e entre 35 e 40 es-cravos.30

    Por fim, creio que o conjunto de inferncias aqui realizadas permite acres-centar algo mais.A meu ver, ainda que o estabelecimento de relaes de compa-drio com pessoas de status superior pudesse funcionar bem na busca de pro-teo social e mesmo como mecanismo de manuteno e de ampliao deuma comunidade de negros e pardos, o fato que aquele privilegiamento sobretudo da parte de cativos de pequenas escravarias e da grande massa depardos e negros livres e pobres acabou por reforar, seno criar, o compo-nente de dominao/submisso da relao, bem como ajudou a debilitar ocarter igualitrio que o parentesco espiritual tridentino tambm pressupu-nha. No entanto, somente funcionando desta maneira o compadrio maisdo que o casamento promovia o estreitamento das relaes entre escravose proprietrios, entre livres e cativos, entre negros, pardos e brancos.

    Por tudo isso, no Brasil escravista que historicamente se caracterizoupela alta disseminao da propriedade escrava (isto , pela alta freqncia depequenos escravistas mesmo em regies de plantation) e pela forte presenade forros e livres de origem africana e/ou indgena na sua populao o pa-rentesco ritual foi decisivo no peculiar processo de produo e reproduo

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    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5274

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    Jefferson LNotaEvidnciando mais uma das finalidades do lao de compadrio, este compadre seja ele cativo ou no, teria livre, ao menos em tese, aos demais escravos e agregados das casas dos senhores escravistas, o que garantia uma comunicao com os grupos de escravos existentes na regio, posibilitando a fortificao de uma comunidade escrava.

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    Jefferson LNotaMesmo que os laos de compadrio entre escravos e senhores acabassem criando uma ordem hierrquica que permitia e por vezes criava uma rede de submisso, esta era a nica que promovia um maior estreitamento de relao entre escravo e senhor, o que se mostrava necessrio e til dadas as circunstncias hosts da sociedade em questo.

  • de uma sociedade que, como nos mostrou Gilberto Freyre, se misturava semdeixar de preservar as diferenas.

    NOTAS

    1 Este artigo uma verso resumida de um captulo de minha tese de doutorado, A trama

    das vontades: negros, pardos e brancos na produo da hierarquia social. (So Jos dos Pi-

    nhais PR, passagem do XVIII para o XIX), defendida, em abril de 2006 no Programa de

    Ps-graduao em Histria Social da UFRJ, sob orientao do Prof. Dr. Joo Luis Ribeiro

    Fragoso.

    2 GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado original: compadrio e

    batismo de escravos na Bahia no sculo XVIII, In: REIS, Joo Jos (Org.) Escravido e in-

    veno da liberdade. Estudos sobre o negro no Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1988.

    3 Por exemplo: FERREIRA, Roberto Guedes. Na pia batismal. Famlia e compadrio entre

    escravos na Freguesia de So Jos do Rio de Janeiro (Primeira Metade do Sculo XIX). Dis-

    sertao de mestrado. PPGHIS-UFF, 2000; NEVES, Maria de F. Rodrigues das. Ampliando

    a famlia escrava: compadrio de escravos em So Paulo do sculo XIX. In: Histria e popu-

    lao. So Paulo: Abep/Iussp/Celade, 1989; BOTELHO, Tarcsio R. Batismo e compadrio

    de escravos: Montes Claros (MG), sculo XIX. Locus Revista de Histria. Juiz de Fora: Ed.

    UFJF, 1997, v.3, p.108-15; FARIA, Sheila de Castro. A Colnia em Movimento: fortuna e fa-

    mlia no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998; BRGGER, Silvia M. J.

    Minas patriarcal: famlia e sociedade (So Joo del Rei, Sculos XVIII e XIX). Niteri, 2002.

    Tese de doutorado UFF, cap. 5.

    4 SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: ALENCASTRO, Luiz

    Felipe de (Org.) Histria da vida privada no Brasil. Imprio: a corte e a modernidade na-

    cional. So Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.271.

    5 BRGGER, Silvia M. J., op. cit., 2002, cap. 5.

    6 Jos Roberto Ges, analisando a Freguesia de Inhama, no Rio de Janeiro, entre 1816 e

    1842, afirma que 65% dos padrinhos de escravos eram da mesma condio, 25% eram li-

    bertos e 10% eram livres (1993). GES, Jos Roberto. O cativeiro imperfeito. Um estudo

    sobre a escravido no Rio de Janeiro da primeira metade do sculo XIX. Vitria (ES):

    SEJC/SEE, 1993. Ana Lugo Rios, abordando os batismos de cativos, entre 1872 e 1888,

    em Paraba do Sul, encontrou cerca de 40% de padrinhos livres e mais de 57% de escra-

    vos, sendo os padrinhos forros absolutamente minoritrios. RIOS, Ana Maria Lugo. Fa-

    mlia e Transio. Famlias negras em Paraba do Sul 1872-1920. Dissertao de mestrado,

    PPGHIS-UFF, 1990, p.56-9.

    7 GES, Jos Roberto, op. cit., 1993.

    8 SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: ALENCASTRO, Luiz

    As muitas faces do compadrio de escravos

    75dezembro de 2006

  • Felipe de (Org.) Histria da vida privada no Brasil. Imprio: a corte e a modernidade na-

    cional. So Paulo: Companhia das Letras, 1997.

    9 COSTA, Iraci del Nero & GUTIRREZ, Horcio. Paran mapas de habitantes 1798-

    1830. So Paulo: IPE/USP-Finep, 1985, passim.

    10 Lista Geral da freguesia do Patrocnio de So Jos da vila de Curitiba (1782). Cpia do

    acervo do CedopeUFPR, originais no Arquivo do Estado de So Paulo.

    11 COSTA & GUTIRREZ, op. cit., 1985, p.65 e 183.

    12 Listas Nominativas de Habitantes de So Jos dos Pinhais, 1782, 1803 e 1827. Cpias Ce-

    dopeUFPR, originais no Arquivo do Estado de So Paulo.

    13 LUNA, Francisco Vidal. Casamento de escravos em So Paulo: 1776, 1804, 1829, p.226-

    36. In: NADALIN, MARCILIO & BALHANA. Histria e populao: estudos sobre a Am-

    rica Latina. So Paulo: Abep/Iussp/Celade, 1990, p.227-9.

    14 SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru (SP): Edusc, 2001, p.223-5.

    15 SCHWARTZ, Stuart B., op. cit., 2001, p.220-2.

    16 Livro 1 de batismos, fl. 97. Arquivo da Parquia de So Jos dos Pinhais (PR). Daqui em

    diante as referncias aos registros de batismos, casamentos e bitos dessa parquia apare-

    cero no texto, entre parnteses, identificadas pelas siglas LBPSJP (batismo), LCPSJP (ca-

    samento) e LOPSJP (bito), seguidas do nmero do livro, do ano do registro (quando o

    ano no estiver citado antes no texto) e do nmero da folha.

    17 Todas as informaes do artigo referentes aos laos de parentesco dos escravistas foram

    obtidas por meio da consulta genealogia da famlia Rocha Loures, documentada e orga-

    nizada pelo Prof. Dr. Hlio Rocha (de Curitiba), a quem agradeo por disponibiliz-la.

    18 Livro de registro de comerciantes e artesos, Cmara de Vereana de Curitiba, 1765 a

    1784. Cpia Cedope-UFPR, originais no Arquivo da Cmara Municipal de Curitiba (PR).

    19 Lista Nominativa de So Jos dos Pinhais de 1790, p.26. Cpia do acervo do Cedope-

    Dehis/UFPR, originais do Arquivo do Estado de So Paulo. Daqui em diante as referncias

    de listas nominativas sero colocadas no texto, entre parnteses, identificadas pela sigla

    LNSJP, seguida do ano, do nmero da companhia de ordenanas (sempre que existir a di-

    viso) e da pgina (ou do nmero do domiclio recenseado, nos casos em que os fogos apa-

    recem numerados no original).

    20 Lista Nominativa de Habitantes de Santo Antonio da Lapa, 1798, domiclio 86. Cpia

    Cedope-Dehis/UFPR, originais no Arquivo do Estado de So Paulo.

    21 BRGGER, Silvia M. J., op. cit., p.367.

    22 Na lista nominativa de 1824 a casa de Gertrudes Maria da Luz era a de nmero 25, e a

    de Joaquim Cruz a de nmero 27.

    23 Autos de Casamento de Joaquim Antonio Barbosa e Quitria, escrava, 1779. Original no

    Cacilda Machado

    Revista Brasileira de Histria, vol. 26, n 5276

  • Arquivo Metropolitano Dom Leopoldo Duarte da Cria Metropolitana de So Paulo. Ro-

    lo 15, microfilme. Cpia do acervo do Cedope Dehis/UFPR.

    24 Listas nominativas de So Jos dos Pinhais de 1781 (p.10), 1783 (dom. 29), 1790 (p.38) e

    1803 (dom. 15).

    25 Autos de Livramento, 1785, Ouvidoria geral de Paranagu, 26p., JP1433 Cx. 69, Arquivo

    Pblico do Paran.

    26 Nos registros de batismo da parquia ou nas listas nominativas.

    27 VAINFAS, Ronaldo (Dir.) Dicionrio do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Ob-

    jetiva, 2000. Autor do Verbete: Sheila Siqueira de Castro Faria (SCF) p.126-7.

    28 SLENES, Robert W., op. cit., 1997, p.271.

    29 GES, Jos Roberto, op. cit., 1993, p.102.

    30 Fiz esses clculos aproximados a partir das listas nominativas de So Jos dos Pinhais

    dos anos de 1765, 1781, 1783, 1790, 1793, 1798, 1803, 1810, 1816 e 1818.

    As muitas faces do compadrio de escravos

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