título do projeto de pesquisa: “agrobiodiversidade para ... · desenvolvimento do cérebro foi...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PESQUISA
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC : CNPq, CNPq/AF, UFPA,
UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PARD, PIAD, PIBIT, PADRC E FAPESPA
RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO
Período: Agosto de 2015 a Janeiro de 2016
( X) PARCIAL ( ) FINAL
IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO
Título do Projeto de Pesquisa: “Agrobiodiversidade para comer, ser feliz e ter saúde”: práticas educativas
e diálogos de saberes entre Universidade e Comunidades Tradicionais na Amazônia Paraense.
Nome do Orientador: Flávio Bezerra Barros
Titulação do Orientador: Doutorado em Biologia da Conservação
Instituto/Núcleo: Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural
Título do Plano de Trabalho: Modos de comer tradicionais entre os ribeirinhos da Ilha Sirituba
(Abaetetuba, Pará): diálogos de saberes na Amazônia Paraense.
Nome do Bolsista: Bruno Rodrigo Carvalho Domingues
Tipo de Bolsa: PIBIC/CNPq.
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INTRODUÇÃO
“De todas as atividades humanas , o comportamento alimentar é, sem dúvida, o
que caminha de modo mais desconcertante sobre a linha divisória entre natureza e
cultura” Douglas (1979) apud Contreras&Garcia (2011).
A alimentação humana, desde o surgimento do homem primitivo, desempenha papel fundamental
na evolução humana (ENGELS, 1883), quando a partir das da diversificação dos alimentos, o
desenvolvimento do cérebro foi possível, bem como possibilitou o desenvolvimento da postura humana
pela atividade laboriosa para obtenção dos alimentos.
Com o passar dos anos e o desenvolvimento da sociedade, a alimentação continuou exercendo
papel fundamental no desenvolvimento humano, como no desenvolvimento da sociabilidade e o
surgimento de categorias de trabalho voltadas à alimentação. Na pós-modernidade, no entanto, verifica-se
a alimentação como fator de afirmação das identidades culturais coletivas (HALL, 2015), afinal, como
pensar na cultura de um determinado local sem perpassar pelos modos de comer? Segundo Contreras e
Garcia (2011) o ato de comer é um fenômeno social e cultural.
Especialmente na Amazônia brasileira, percebemos que os modos de comer possuem carga
cultural muito forte, e a maioria destes estão ligados à agrobiodiversidade, sendo esta, segundo Wood e
Lennè (1999) corresponde à diversidade de espécies cultivadas, sistemas de cultivo e de criação de
animais presentes em um sistema agrícola, corroborando com o escrito por Meirelles e Rupp (2006), que
tratam a agrobiodiversidade como referente ao conjunto de seres vivos domesticados e utilizados na
agricultura, dada a composição da palavra: AGRO: agricultura, BIO: vida e DIVERSIDADE: formas
diferentes, portanto, agrobiodiversidade corresponde às diferentes formas de vida presentes na
agricultura.
Neste sentido, os modos de comer em uma comunidade de várzea da Amazônia paraense fazem
parte dos nossos estudos no sentido de verificar como as identidades coletivas se fortalecem através da
comida. Bem como verificar a relação desta com a agrobiodiversidade local, destacando elementos
socioculturais e educacionais, verificando as políticas públicas que integrem a alimentação cultural dessa
comunidade na escola, através do currículo e da merenda escolar.
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JUSTIFICATIVA
LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
A pesquisa é realizada na comunidade Santa Maria do rio Sirituba, na ilha Sirituba, localizada no
município de Abaetetuba, pertencente à Mesorregião do Nordeste paraense e à Microrregião de Cametá
(Figura 1).
Figura 1 – Mapa de localização da Ilha Sirituba – Abaetetuba, Pará.
Abaetetuba
A sede municipal de Abaetetuba corresponde às coordenadas geográficas 01º 43” 24” de latitude
Sul e 48º 52” 54” de longitude a Oeste de Greenwich. Os limites territoriais do município são: ao Norte o
Rio Pará e o município de Barcarena; a Leste o município de Moju; ao Sul, os municípios de Igarapé-Miri
e Moju; e a Oeste, os municípios de Igarapé-Miri, Limoeiro do Ajuru e Muaná (IDESP, 2011).
O município de Abaetetuba fora primitivamente chamado Abaeté, topônimo indígena que
significa “homem forte e valente”. Há divergência quanto às primeiras penetrações no território.
Tradicionalmente, sabe-se que foram realizadas por Francisco de Azevedo Monteiro quando, em 1745, ali
aportou acompanhado de sua família, abrigando-se de forte temporal. Segundo Palma Muniz, frades
capuchos fundaram o Convento da Uma, seguindo-os, mais tarde, os Jesuítas, exploradores do rio
Uraenga ou Ararenga. Afirma também Palma Muniz que a fundação de Abaeté ocorreu em 1750 (IBGE,
2014).
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Incialmente, o território pertencia ao município de Belém, passando, em 1844, ao de Igarapé-Miri.
Abaeté recebeu foros de Cidade em 1895. Entretanto, por força da legislação federal que proibia a
duplicidade de topônimos de Cidade e Vilas brasileiras, em 1944, passou a chamar-se Abaetetuba – de
origem tupi que significa “lugar de homem ilustre”. Atualmente, o munícipio apresenta uma área
territorial de 1.610,408 km², com uma população estimada em 2014 de 148.873 habitantes e densidade
demográfica de 87,61 hab/km² (IBGE, 2014).
A economia do município baseia-se, sobretudo, na pesca, no extrativismo vegetal, com destaque
para o açaí, e na agricultura. Diariamente, são desembarcados no porto da cidade, cerca de 10 toneladas
de pescado, a qual é destinada ao abastecimento do munícipio, às cidades vizinhas e à capital paraense.
No mesmo local em que funciona, durante a manhã, a feira do peixe, camarão e diversos outros produtos,
transforma-se em um estacionamento de caminhões, durante a tarde, para fazer o carregamento do açaí,
que durante os meses do verão amazônico, chegam todos os dias das ilhas. Assim como o pescado, a
produção de açaí também é enviada a cidades vizinhas (BARROS, 2009).
A principal manifestação religiosa do município é o Círio de Nossa Senhora da Conceição, a
padroeira da cidade. Seu culto é uma tradição antiga, datada de 1812. Entre as principais manifestações,
destacam-se a Folia dos Reis, Grupos de Bois-Bumbás, Quadrilhas, dentre outros. O artesanato de miriti é
um dos marcos de Abaetetuba, o que lhe confere o título de capital do miriti. A igreja da Padroeira e a de
São Miguel de Beja são os principais monumentos históricos do município (ABAETETUBA, 2014).
O patrimônio natural do munícipio configura-se por importantes acidentes geográficos que são os
rios Pará, Abaeté (com uma pequena cachoeira com esse nome), Jarumã, Arapiranga de Beja, Arienga,
Itanambuca e Itacuruçá. Além das diversas ilhas que constituem o município, com destaque para as ilhas
do Capim (com 944,7 ha), Sirituba e Campopema; também apresenta praias, dentre as quais se destaca a
praia de Beja, considerada a mais bonita e atrativa de Abaetetuba (IDESP, 2011).
Ilha Sirituba
A ilha Sirituba está localizada no rio Pará, no município de Abaetetuba, estado do Pará e é
caracterizada como imóvel da União, sob gestão da Superintendência do Patrimônio da União no Estado
do Pará -SPU/PA, com uma área total de 758,3283 ha.
A ilha é considerada pelo Estado uma comunidade tradicional ribeirinha, na qual foram
beneficiadas, por meio da SPU/PA, 307 famílias agroextrativistas ribeirinhas que promovem o uso
sustentável das várzeas pela outorga de Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) pelo
Programa Nossa Várzea da SPU/PA. Mais recentemente também foi criado, na mesma ilha, o Projeto de
Assentamento Agroextrativista (PAE) Ilha Sirituba, o qual beneficiou 248 famílias agroextrativistas
ribeirinhas (BRASIL, 2013). A ilha compreende quatro comunidades: Costa Sirituba, Costa Campopema,
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Tabatinga e Santa Maria do rio Sirituba (Sirituba). Esta última, trata-se do locus de investigação desta
pesquisa.
Comunidade Santa Maria do rio Sirituba
A comunidade Santa Maria do rio Sirituba, ou simplesmente Sirituba, como chama a maioria dos
moradores da comunidade, fica localizada no centro da ilha, apresentando casas ribeirinhas situadas às
margens do rio Sirituba, chegando a formar conglomerados em alguns trechos, os quais, geralmente
representam núcleos familiares correspondentes a uma única unidade de produção.
O local ganhou o status de comunidade há aproximadamente 39 anos, por intervenção da igreja
católica, que percebendo a expansão do povoamento às margens. O uso do termo comunidade é recente,
tendo sido introduzido pela ação pastoral da Igreja Católica durante os anos 1960-70, através das
Comunidades Eclesiásticas de Base. A comunidade reúne ainda “as famílias que rezam juntas” e não
apenas as da religião católica (AMMANN, 2003).
Santa Maria do rio Sirituba viu a necessidade da construção da igreja e organização comunitária.
A primeira igreja foi construída em estrutura de madeira, a partir de mutirões organizados pela população.
Esta foi substituída por uma igreja de alvenaria há cerca de 18 anos atrás e hoje também conta com um
salão paroquial, estruturas na qual ocorrem missas, sacramentos e festividades religiosas (Comunicação
oral, 2015). Além da igreja católica também há a presença da igreja evangélica Assembleia de Deus.
A comunidade também possui uma escola de ensino fundamental e médio, a qual foi construída
em 1992, e desde então oportuniza a educação das crianças, jovens e adultos. A escola funciona em todos
os turnos (matutino, vespertino e noturno), e as disciplinas são ofertadas em regime modular, por
professores da cidade que se deslocam para a comunidade, diariamente ou semanalmente. Recentemente a
comunidade passou a contar com um barco-escola que garante o deslocamento do alunado até a escola.
Espaços de lazer também são encontrados na comunidade, com destaque para quadras de esporte,
construídas em alvenaria com piso em serragem de madeira, estratégia encontrada pelos ribeirinhos para
garantir a prática do futebol mesmo no solo úmido da várzea. Além das quadras há bares e barracões de
festas dançantes, onde jovens e adultos reúnem-se, principalmente aos finais de semana para divertirem-
se.
A comunidade também conta com mercearias e pontos de comercialização de água mineral, gás de
cozinha, gasolina, recargas para celular, dentre outros mantimentos indispensáveis para a reprodução das
famílias. Em conversa com alguns moradores foi relatado que alguns desses estabelecimentos realizam,
inclusive, serviço de entrega, sendo necessária apenas uma ligação solicitando o produto desejado. Pela
proximidade com a cidade de Abaetetuba, a comunidade possui cobertura telefônica e acesso à internet
(via rádio).
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A organização política da comunidade é outro fator de destaque, pois sua articulação junto aos
órgãos governamentais e universidades, tem garantido algumas conquistas para a comunidade, como
políticas de transferência de renda, construção de habitações e créditos rurais. Para as reuniões e
discussões deliberativas a comunidade conta com um espaço específico; a sede da Associação do
Assentamento Agroextrativista Santa Maria Ilha Sirituba (Figura 3). A comunidade possui cerca de 150
famílias, das quais 96 são beneficiadas pelo Projeto de Assentamento Agroextrativista.
As pessoas mais velhas recordam que a exploração madeireira e a produção de cana-de-açúcar
apresentaram-se como base da economia local durante várias décadas, tendo declinado, respectivamente,
em virtude da redução dos estoques de madeiras de interesse comercial e da competição com a produção
canavieira de outras regiões do país, a partir da década de 1970. Atualmente, as principais atividades
econômicas desenvolvidas na comunidade são o cultivo e extração de açaí (Euterpe oleracea Mart.),
seguido pelo artesanato (matapi), pesca e captura de camarão e o extrativismo vegetal de sementes, frutas
e fibras, com destaque para o miriti.
O extrativismo de frutos de miriti para despolpamento e comercialização é forte na comunidade, o
que lhe dá notoriedade, sendo a mesma reconhecida pelas pessoas de outras ilhas e da cidade de
Abaetetuba como uma das principais ilhas de produção de polpa de miriti, fato que determinou a escolha
desta como locus de pesquisa. A coleta dos frutos ocorre nos meses do inverno, entre novembro e maio,
coincidindo com a entressafra do açaí, situando-o como principal fonte de renda e alimentação no
inverno.
A principal forma de locomoção na comunidade são as embarcações, com destaque para aquelas
de pequeno porte equipadas com motor a diesel como as rabetas e voadeiras, e os cascos a remo em
menor escala. Durante todo o dia é constante a circulação de pessoas, que se deslocam para a cidade,
comunidades vizinhas ou mesmo para visitar um amigo ou parente na própria comunidade. Além disso, as
embarcações também garantem o transporte dos produtos agroextrativistas e outros bens de consumo.
AGROBIODIVERSIDADE
O conceito de agrobiodiversidade emergiu nos últimos dez a quinze anos, em um contexto
interdisciplinar que envolve diversas áreas de conhecimento (agronomia, antropologia, ecologia, botânica,
biologia da conservação etc.) e reflete as dinâmicas e complexas relações entre as sociedades humanas, as
plantas cultivadas e os ambientes em que convivem, repercutindo sobre as políticas de conservação dos
ecossistemas cultivados, de promoção da segurança alimentar e nutricional das populações humanas, de
inclusão social e de desenvolvimento rural sustentável (SANTILLI, 2012)
A agrobiodiversidade, ou diversidade agrícola, constitui uma parte importante da biodiversidade e
engloba todos os elementos que interagem na produção agrícola, como os cultivos, criações, plantas
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espontâneas, parasitas, pragas, polinizadores, remanescentes de floresta, inimigos naturais e os simbiontes
(RODRIGUES et al. 2012). Dessa forma, a agrobiodiversidade é um componente essencial dos sistemas
agrícolas sustentáveis e um de seus princípios é justamente a diversificação de cultivos. Essa
diversificação promove os serviços ambientais dos agroecossistemas, principalmente no que tange a
ciclagem de nutrientes e controle biológico de pragas. Um maior número de espécies em determinado
ecossistema, associado a outros fatores ecológicos, assegura maior estabilidade e menor necessidade de
insumos externos, como fertilizantes e agrotóxicos (SANTILLI, 2009).
Diversas especificidades da agricultura familiar têm sido apontadas como potencialmente
amigáveis ao meio ambiente, especialmente no que diz respeito ao uso de recursos naturais e preservação
de mananciais. (RODRIGUES et al. 2012).
A agrobiodiversidade está diretamente ligada ao conhecimento tradicional, através das técnicas
que são aperfeiçoadas com o passar dos anos, sendo essencialmente um produto da intervenção do
homem sobre os ecossistemas: de sua inventividade e criatividade na interação com o ambiente natural.
Os processos culturais, os conhecimentos, práticas e inovações agrícolas, desenvolvidos e compartilhados
pelos agricultores, são um componente-chave da agrobiodiversidade (SANTILLI, 2011).
Contudo, o desenvolvimento técnico-científico-informacional aliado às grandes empresas do
agronegócio, põe a prática familiar e tradicional da diversificação agrícola em risco, como aponta Santilli
(2011) “A perda da biodiversidade agrícola é causada sobretudo pela substituição das variedades locais e
tradicionais, que se caracterizam por sua ampla variabilidade genética, pelas variedades “modernas”, de
alto rendimento e estreita base genética”, ideia que corrobora com a de Sayago e Bursztyn (2006) de que
quando a modernidade se moderniza, tudo o que é passado vira tradição, sendo que durante a tradição a
natureza representava valores de uso, enquanto na modernidade, ela se transforma em valor de troca.
É necessário compreender a agrobiodiversidade enquanto um elemento complexo que precisa
tratar dos contextos, processos e práticas culturais e socioeconômicas que a determinam e condicionam.
Por isso, além da diversidade biológica, genética e ecológica, há autores que agregam um quarto nível de
variabilidade: o dos sistemas socioeconômicos e culturais que geram e constroem a diversidade agrícola.
(SANTILLI, 2011).
Outro aspecto importante da agrobiodiversidade é que a mesma está ligada diretamente à
segurança alimentar e nutricional, que trata a cerca da realização do direito de todos ao acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a
diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL,
2006).
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A agrobiodiversidade está não só associada à produção sustentável de alimentos, como tem
também papel fundamental na promoção da qualidade dos alimentos. Uma alimentação diversifi cada –
equilibrada em proteínas, vitaminas, minerais e outros nutrientes – é recomendada por nutricionistas e
condição fundamental para uma boa saúde. Os modelos de produção agrícola têm implicações diretas
para a alimentação, a nutrição e a saúde humana. A agricultura “moderna” e o cultivo de poucas espécies
agrícolas favoreceram a padronização dos hábitos alimentares e a desvalorização cultural das espécies
nativas. (SANTILLI, 2011).
CULTURA, IDENTIDADE CULTURAL E ANTROPOLOGIA DA ALIMENTAÇÃO
“É evidente e amplamente conhecida a diversidade gastronômica humana”. Assim inicia Laraia
(1986) a discussão acerca da alimentação humana e seus traços culturais, destacando que o ato de comer
varia de acordo com a sociedade, causado estranhamento nas sociedades que não possuem os mesmo
modos, sendo este estranhamento causado não somente pelo o que comem de diferente, mas pelo modo
como agem à mesa, como se dão as relações sociais durante o ato de comer.
Estas relações sãos as bases desta pesquisa, entender o processo de sociabilidade, as relações
culturais e sociais do “comer” e a relação deste com a agrobiodiversidade local são nossos nortes de
pesquisa.
A alimentação é tema de interesse de diversas ciências não apenas por sua complexidade, mas,
principalmente, por sua íntima relação com a reprodução biológica e social dos grupos humanos.
Também por ser uma ação cotidiana e frequente. De forma geral, as pessoas comem diariamente e em
vários momentos, e muitas das suas atividades durante o dia são realizadas em função da alimentação ou
para garanti-la. (CONTRERAS; GARCIA, 2011).
Neste sentido, a comida funciona também como demarcadora das identidades sociais, afinal,
segundo Hall (2015) o sujeito pós-moderno precisa sempre se afirmar enquanto sujeito social de
determinado grupo, através da história, do sistema simbólico, da cultura, ideia muito próxima a de
Cardoso de Oliveira (2000) onde se apresenta uma dialética entre as identidades étnicas e nacionais.
Contudo, é possível analisar que conforme os avanços da globalização se dão, os hábitos se
alteram, dado culturas externas que adentram as outras culturas a partir das mídias. Este contato é bom,
segundo Miranda (2000), contudo, pode tomar outras proporções, deixando como segundo plano a cultura
local, representando então, risco e mutação à identidade coletiva e cultural de determinado grupo.
Tendo em vista esses pressupostos, a presente proposta tem a intenção de realizar um conjunto de
intervenções/ações junto a escola de ensino básico de uma comunidade tradicional amazônica. Que se
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insere entre os ribeirinhos da Ilha Sirituba, em Abaetetuba, a partir da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Santa Maria.
A opção por essa comunidade se justifica pelo envolvimento prévio com as realidades e
desenvolvimento de projetos de pesquisa de alunos do Mestrado em Agriculturas Familiares e
Desenvolvimento Sustentável da UFPA, sediado no Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento
Rural. O projeto integra o grupo de pesquisa BioSE (Grupo de Estudos Interdisiciplinares sobre
Biodiversidade, Sociedade e Educação na Amazônia), que vem acumulando diversas experiências com
povos e comunidades tradicionais da Amazônia, assim como as temáticas da Educação do Campo,
Agrobiodiversidade e Soberania e Segurança Alimentar.
Considerando que a questão da SAN leva em conta a diversidade cultural, pretendemos realizar as
intervenções metodológicas em estreito diálogo com as comunidades participantes do projeto e a escola.
A razão da proposta se assenta ainda no que diz respeito à valorização dos saberes locais como elementos
a serem incorporados no cotidiano da escola, por meio de novas metodologias de ensino, com vistas a
valorizar as identidades locais através das práticas educativas.
OBJETIVOS
Identificar as variedades de alimentos oriundas da agrobiodiversidade local de consumo pelas
comunidades, bem como descrever as práticas envolvidas, os saberes e elementos culturais (festas,
religiosidades, histórias, cosmologias etc.) atinentes;
Produzir informações, a partir dos dados do objetivo anterior, sobre a importância de cada
alimento na saúde e desenvolvimento dos sujeitos, como por exemplo, o valor nutricional de cada
item alimentar;
Desenvolver diversas intervenções, tais como oficinas, produção de hortas, jogos educativos,
teatro de fantoches, cadernos de atividades, textos, literatura de cordel e cartilhas;
Incentivar a inclusão da temática “comida e cultura” no projeto pedagógico da escola e/ou
currículo, bem como problematizar a discussão sobre a possível inclusão dos produtos locais na
merenda escolar por meio do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar);
Problematizar e incentivar novas formas de ensino que promovam a valorização dos saberes locais
e as práticas sociais da comunidade no que diz respeito aos modos de se alimentar.
MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo em tela é conduzido a partir de diversas técnicas, dentre elas a história oral (MEIHY;
HOLANDA, 2007), a etnografia (CLIFFORD, 2011). Desse modo, a familiaridade com o nativo, a
capacidade de participar de seu universo constituem condições prévias para a investigação, mas não
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eliminam o laborioso trabalho da coleta sistemática de dados, nem a interpretação e integração da
evidência empírica de modo a recriar a totalidade vivida pelo nativo e apreendida pela instituição do
pesquisador.
Importa saber o que as pessoas comem, quando comem, como produzem, quem participa dessa
produção, quem transforma os produtos em comida, qual o papel de cada membro da família nos
diferentes processos, além de identificar e descrever elementos socioculturais associados. Todo o
percurso do projeto será voltado para as crianças, jovens, educadores e demais atores das comunidades.
Faremos um termo de consentimento livre e esclarecido para que a questão ética seja considerada.
Inicialmente vamos realizar trabalho de campo para mapear os educandos e potenciais membros da
comunidade (contadores de histórias, caçadores, agricultores, cantores, poetas, pescadores, extrativistas)
para nos contar/socializar seu cotidiano de trabalho na busca dos alimentos da floresta e dos rios, bem
como as histórias (LOPEZ, 2008).
Cumprida esta etapa, vamos elaborar um roteiro das espécies da agrobiodiversidade alimentar e
descrever as diversas receitas e formas de comer. A partir daí, vamos elaborar material didático (jogos,
peças teatrais, cartilhas, desenhos, planos de ensino) que reflitam toda essa realidade estudada
previamente. O envolvimento da escola será crucial nesse processo, pois pretendemos problematizar e
incentivar novas metodologias de ensino que valorizem as potencialidades alimentares e artísticas das
comunidades (receitas, festas, formas de plantar tradicionais, saberes, cosmologias etc.).
Todo o material será produzido em estreita parceria com as comunidades. Faremos uma cartilha
que traduza o diálogo de saberes locais e acadêmicos, a partir de desenhos, nomes dos produtos e
informações relevantes sobre o potencial nutricional de cada tipo de alimento consumido. Todo o material
servirá como produção didático-pedagógica para ser utilizado no âmbito das duas escolas, valorizando
suas especificidades. Por fim, iremos organizar uma mostra fotográfica e exposição de literatura de
cordel. Utilizaremos métodos como entrevistas, observação participante (MALINOWSKY, 1972;
SPRADLEY, 1980).
RESULTADOS:
Os resultados preliminares apontam para a relação que o ribeirinho tem com a agrobiodiversidade
local e como afirmam suas identidades culturais coletivas através dela. Neste sentido, constatamos uma
variedade enorme de pratos preparados com os elementos da ilha, como camarão Vilhena ou
desbarbeado, consumido sem as barbatanas e cozido, a torta de camarão, que trata-se de uma espécie de
macarronada com os camarões menoress (os mais gitos, como dito popularmente), mingau de açaí e
miriti, tomados todas as manhãs.
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No universo da escola, constatamos que a agrobiodiversidade local não é tão explorada no
currículo escolar, nem pela secretaria de educação, que emite livros com realidades distintas das da ilha,
bem como não valoriza a produção local na merenda escolar, gerando desconforto entre pais e alunos,
pois não gostam de consumir o alimento, escola e a prefeitura, então, têm partido do princípio do
alimento enquanto fator biológico/nutricional, não numa perspectiva cultural.
Atentos a esta problemática, elaboramos atividades na escola e na comunidade a fim de
salvaguardar a memória dos modos de comer de Sirituba. Sendo as atividades mencionadas abaixo.
Comemoração do dia mundial da alimentação;
Jogos e brinquedos educativos (Figura 2);
Aulas diferenciadas com a presença do Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre
Biodiversidade, Sociedade e Educação na Amazônia - BioSE, atuando junto às professoras
da escola, numa perspectiva de levar para a sala de aula o cotidiano ribeirinho (Figura 3);
Confecção de um caderno de atividades a ser utilizado na escola, onde as atividades
retratam o cotidiano social dos agentes sociais;
Reuniões com as professoras para a construção coletiva de um currículo que atenda as
demandas da ilha.
Figura 2: Desenhando e pintando a agrobiodiversidade da ilha. Foto: José Artur, 2015.
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PUBLICAÇÕES:
DOMINGUES, B.R.C.; CASTILHO, J. A. C.; COSTA, T. S.; LOPES, A. D. S.; BARROS, F. B. Ӄ
demais bom, nem fale até...”: modos de comer tradicionais entre ribeirinhos da ilha Sirituba, Abaetetuba –
Pará. Anais do III Simpósio de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia. Belém-PA, 2015.
ATIVIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS NOS PRÓXIMOS MESES
CONCLUSÃO
A alimentação molda o cotidiano social de um grupo, e entre os ribeirinhos de Sirituba não
poderia ser diferente, é a alimentação que define a rotina, os costumes, os hábitos sociais, o trabalho. É na
Atividades 2015
Mar
2015
Abr
2015
Mai
2015
Jun
2015
Jul
Levantamento bibliográfico sobre
o tema da pesquisa x x
Trabalho de campo: realização
das entrevistas e observação x x x x
Sistematização de dados x x
Preparação de artigos científicos x x x x
Relatório final de pesquisa x
Figura 3: Equipe BioSE em aula com as crianças da escola em Sirituba. Foto: Fagner Freires, 2015.
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alimentação também que os agentes sociais das ilhas afirmam suas identidades coletivas e perpetuam
saberes tradicionais, contudo, é necessário que haja maior inclusão destes saberes nas escolas ribeirinhas,
fazendo uma educação do campo diferenciada que contemple a comunidade e forme sujeitos sociais que
valorizem suas identidades, sua gente, sua agrobiodiversidade.
Neste sentido, sugere-se que essa “educação do campo diferenciada” e valorização
agrossociocultural sejam feitas não somente pelos agentes sociais da ilha, mas que seja cobrado às
autoridades do município a formação de políticas públicas de base e que atuem na preservação destes
hábitos, seja através do cumprimento do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA (BRASIL, 2011) e,
por conseguinte, empregar a agrobiodiversidade amazônica na ilha, seja através da formulação de um
currículo específico e que contemple, de fato, a realidade ribeirinha, afinal, para além dos moldes
eurocêntricos da educação, acima de tudo, se estuda para obter conhecimentos sobre o espaço que vive,
sobre a sua cultura e as demais, sem sobrepor umas as outras e a realidade das escolas no campo, em
especial a escola analisada nesta pesquisa, não confere com as teorias, não por um desvio teórico, mas
pela falta de aplicação destas teorias por parte dos governos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BARROS, F. B. Sociabilidade, cultura e biodiversidade na Beira de Abaetetuba no Pará. Ciências Sociais
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BRASIL. Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011 Institui o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o
Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais; altera as Leis nºs 10.696, de 2 de julho de 2003, 10.836, de
9 de janeiro de 2004, e 11.326, de 24 de julho de 2006. Mencionando no Capítulo III as diretrizes do PAA. 2011.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12512.htm acessado em 19 de
janeiro de 2016.
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Dezembro de 2013. Diário Oficial da União, Brasília, 2013.
CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Os (des)caminhos da identidade. RBSC v 15, n 42, 2000.
CLIFFORD, J. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora
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DIFICULDADES – Não encontrei dificuldades até o presente momento.
PARECER DO ORIENTADOR: O bolsita Bruno Domingues sempre se mostrou muito dedicado às
atividades da bolsa, demonstrando com empenho seu interesse pela pesquisa e pela vida acadêmica.
Durante este período inicial da bolsa realizou trabalho de campo, participou ativamente do grupo de
pesquisa, participou de eventos com apresentação de trabalho. Integrou e participou ativamente na
produção de um caderno de atividades cuja produção envolveu pessoal de dois projetos de pesquisa, a
saber, o que se refere a esta bolsa e outro projeto vinculado ao PAPIM. Bruno escreve muito bem, é
interessado, assíduo e tem habilidades como iniciativa, autonomia e liderança. Por tais razões, sou
favorável a aprovação do seu relatório parcial de atividades.
DATA : 08/02/2016
_________________________________________
ASSINATURA DO ORIENTADOR
____________________________________________
ASSINATURA DO ALUNO
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INFORMAÇÕES ADICIONAIS: Em caso de aluno concluinte, informar o destino do mesmo após a
graduação. Informar também em caso de alunos que seguem para pós-graduação, o nome do curso e da
instituição.
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FICHA DE AVALIAÇÃO DE RELATÓRIO DE BOLSA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
O AVALIADOR DEVE COMENTAR, DE FORMA RESUMIDA, OS SEGUINTES ASPECTOS DO RELATÓRIO :
1. O projeto vem se desenvolvendo segundo a proposta aprovada? Se ocorreram mudanças significativas, elas foram justificadas?
2. A metodologia está de acordo com o Plano de Trabalho ? 3. Os resultados obtidos até o presente são relevantes e estão de acordo com os objetivos
propostos? 4. O plano de atividades originou publicações com a participação do bolsista? Comentar sobre
a qualidade e a quantidade da publicação. Caso não tenha sido gerada nenhuma, os resultados obtidos são recomendados para publicação? Em que tipo de veículo?
5. Comente outros aspectos que considera relevantes no relatório 6. Parecer Final:
Aprovado ( ) Aprovado com restrições ( ) (especificar se são mandatórias ou recomendações) Reprovado ( )
7. Qualidade do relatório apresentado: (nota 0 a 5) _____________ Atribuir conceito ao relatório do bolsista considerando a proposta de plano, o desenvolvimento das atividades, os resultados obtidos e a apresentação do relatório.
Data : _____/____/_____.
________________________________________________ Assinatura do(a) Avaliador(a)