interacÇÃo do gÉnero, da agrobiodiversidade e … · população rural e para promover a gestão...

171
MANUAL DE FORMAÇÃO INTERACÇÃO DO GÉNERO, DA AGROBIODIVERSIDADE E DOS CONHECIMENTOS LOCAIS AO SERVIÇO DA SEGURANÇA ALIMENTAR

Upload: phungkhanh

Post on 07-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

M A N U A L D E F O R M A Ç Ã O

INTERACÇÃO DO GÉNERO,DA AGROBIODIVERSIDADE E

DOS CONHECIMENTOS LOCAIS AO SERVIÇO DA SEGURANÇA ALIMENTAR

i

M A N U A L D E F O R M A Ç Ã O

INTERACÇÃO DO GÉNERO,DA AGROBIODIVERSIDADE E

DOS CONHECIMENTOS LOCAIS AO SERVIÇO DA SEGURANÇA ALIMENTAR

Todos os direitos reservados. A reprodução e disseminação de material existente neste produto de informação parapropósitos educacionais ou outros propósitos não comerciais estão autorizadas sem qualquer permissão escritaprévia dos detentores do copyright desde que a fonte seja completamente reconhecida. A reprodução de materialcontido neste produto de informação para revenda ou para outros propósitos comerciais sem permissão escrita dosdetentores do copyright é proibida. Os pedidos para essa permissão deverão ser dirigidos ao Chief, PublishingManagement Service, Information Division, FAO, Viale delle Terme di Caracalla, 00100 Rome, Italia ou serem enviadospor e-mail para [email protected]

© FAO 2005

As designações empregues e a apresentação de material neste produto de informação não implica a expressão de qualqueropinião por parte da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) com respeito ao estado legal oude desenvolvimento de qualquer país, território, cidade ou área das suas autoridades, ou concernente à delimitação das suasfronteiras ou limites.

As opiniões expressas nesta publicação são as dos autores e não reflectem obrigatoriamente as opiniões da Organização dasNações Unidas para a Alimentação e Agricultura.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura encoraja a disseminação de material contido nestapublicação, desde que seja feita referência à fonte.

P R ÓL O G O

O presente Manual de Formação é baseado em experiências recolhidas em numerosos seminários de formação

realizadas ao abrigo do projecto FAO-LinKS1 na Africa Oriental e Meridional. Este manual de formação constitui um

guia conceptual para formadores que pode ser utilizado para orientá-los através dos assuntos do género e

conhecimento local, que são elementos importantes para a gestão da agrobiodiversidade e para a segurança

alimentar.

É aparente, quando se trabalha com este Manual de Formação, que a agrobiodiversidade e a segurança alimentar são

assuntos complexos que necessitam de uma apreciação cuidadosa. O mito de que as tecnologias ensinadas aos

agricultores vão aligeirar a sua pobreza e fome, porque o conhecimento ou sementes providenciadas são modernos e

novos, persiste em muitos contextos. Isto leva à não materialização de resultados positivos e aos agricultores rurais

serem confrontados com colheitas falhadas, ou à descoberta que a tecnologia aplicada não é a apropriada à sua

situação particular.

Têm havido sucessos, é verdade, contudo, uma leitura cuidadosa dos estudos de caso contidos neste Manual, vai

estimular os leitores a parar e reflectir. Em alguns casos, o equilíbrio entre os alimentos selvagens e as variedades

cultivadas locais oferece melhores soluções para contextos locais e a introdução de novas tecnologias pode perturbar

o equilíbrio.

Um dos resultados de participar na formação vai ser uma consciência crescente da importância do género e

conhecimento local para a gestão sustentável da agrobiodiversidade. Os assuntos do género, conhecimento local e

agrobiodiversidade e as suas ligações são explicados claramente. A abordagem da subsistência sustentável é usada

como uma estrutura para melhor compreender estas ligações. Além disso, o Manual fornece uma visão geral das

políticas, processos e instituições ao nível global que podem afectar os agricultores e a agrobiodiversidade em geral.

As fichas informativas contidas no Manual providenciam uma compreensão geral dos assuntos. Partilhar experiências

e aplicar o conhecimento e a compreensão dos participantes será ainda mais importante. O Manual inclui alguns

exercícios que encorajam os participantes a trazer as suas próprias experiências, partilhar as suas ideias e aplicá-las

à sua própria situação de trabalho. O Manual fornece recursos a investigadores, extensionistas e àqueles envolvidos

na implementação diária de projectos para orientarem melhor os processos que levam a uma gestão sustentável da

agrobiodiversidade e a uma melhor segurança alimentar. Além disso o Manual acentua a importância de envolver os

detentores do conhecimento local, tanto homens como mulheres no processo de tomada de decisão. Mais importante,

para citar do Manual, eles vão recordar “que o ponto de entrada para a gestão da agrobiodiversidade são as próprias

pessoas”.

Este processo participativo leva tempo, mas leva a resultados mais efectivos e sustentáveis.

Marcela Villarreal

Directora

Direcção de Género e PopulaçãoDepartamento do Desenvolvimento Sustentável

1 O projecto FAO-LinKS (Género, biodiversidade e sistemas de conhecimento local para a segurança alimentar) trabalha para melhorar a segurança alimentar da

população rural e para promover a gestão sustentável da agrobiodiversidade por fortalecer a capacidade das instituições para usarem abordagens

participativas que reconheçam o conhecimento agrícola dos homens e mulheres nos seus programas e políticas. O projecto é financiado pelo Governo da

Noruega. Para mais informação visite o sítio da Internet do projecto: www.fao/sd/links, ou envie um e-mail para [email protected].

iii

A G R A D E C I M E N T O S

Este Manual de Formação é um produto de uma extensiva colaboração com formadores, investigadores e agricultores

O Serviço de Desenvolvimento e de Género gostaria de agradecer aos seguintes peritos por contribuírem para o

desenvolvimento dos presentes materiais.

Sabiene Guendel, Cientista Sénior, por desenvolver o Manual de Formação; aos nossos colegas das Divisões técnicas

da FAO, pelo seu suporte e contribuições; a todos os autores, instituições e organizações que autorizaram gentilmente

a utilização dos seus artigos e publicações. Ao Programa de Parceria FAO/Holanda (FNPP), que providenciou suportes

técnicos e financeiros adicionais.

Agradecimentos especiais vão para as equipas de projecto da LinKs na Tanzânia, Moçambique e Suazilândia por

contribuírem com a sua valiosa experiência.

iv

C O N T E Ú D O

ABREVIAÇÕES E ACRÓNIMOS ............................................................................................................................................................................................................................... viINTRODUÇÃO AO MANUAL .................................................................................................................................................................................................................................... vii

MÓDULO 1

O QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?.............................................................................................................................................. 3

O QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?........................................................................................................................................... 9

O QUE É O GÉNERO? .............................................................................................................................................................................. 15

O QUE É A SEGURANÇA ALIMENTAR?......................................................................................................................................... 21

MÓDULO 2

O QUE É A ABORDAGEM DA SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL? .................................................................................... 29

QUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, CONHECIMENTO LOCAL............................. 39E GÉNERO NA PERSPECTIVA DA SUBSISTÊNCIA?

MÓDUL0 3

A DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE................................................................................................ 49

OS VALORES E BENEFÍCIOS DA AGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO..................... 53

RECONHECER ASPECTOS DO GÉNERO NAS INICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE ......................... 59

MÓDUL0 4

O CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADE............................................................. 69

DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO LOCAL – ................................................................................................................... 75COMPREENDENDO O CONTEXTO DA VULNERABILIDADE

DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE – .................................................... 79POLÍTICAS, INSTITUIÇÕES E PROCESSOS

MÓDUL0 5

OPINIÕES CONTRÁRIAS SOBRE O GÉNERO,........................................................................................................................ 95A AGROBIODIVERSIDADE E A SEGURANÇA ALIMENTAR

1.1

1.2

1.3

1.4

3.1

3.2

3.3

4.1

4.2

4.3

5.1

2.1

2.2

Introdução de conceitos chave

Gestão da agrobiodiversidade da perspectiva de uma subsistência sustentável

Abordagens à agrobiodiversidade, género e conhecimento local

Compreender a relação entre a agrobiodiversidade e o conhecimento local

Género, perda de biodiversidade, e a conservação perdendo terreno

v

A B R E V I A T U R A S E A C R Ó N I M O S

CBD Convenção sobre Diversidade Biológica

CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres

CIP Centro Internacional da Batata

COP Conferência das Partes

DFID Departamento para o Desenvolvimento Internacional (Reino Unido)

ESEAP Gabinete Regional para o Este, Sudeste e o Pacífico

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

GPA Plano Global de Acção

GTZ Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit GmbH

IC Comité Intergovernamental

ICESR Convenção Internacional sobre os Direitos Sociais e Culturais

IDRC Centro de Investigação em Desenvolvimento Internacional (Canadá)

IITA Instituto Internacional de Agricultura Tropical

IK Conhecimento Indígena

ILO/OIT Organização Internacional do Trabalho

IP Propriedade Intelectual

IPGRI Instituto Internacional de Recursos Genéticos de Plantas

ISNAR Serviço Internacional para a Investigação de Agricultura Nacional

ITPGRFA Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para a Alimentação e Agricultura

IU Tarefa Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas

IUCN União de Conservação do Mundo

KEPDA Associação Pastoral Económica de Desenvolvimento do Quénia

NGO/ONG Organização Não Governamental

NRI Instituto dos Recursos Naturais (Reino Unido)

ODI Instituto de Desenvolvimento Além-mar (Reino Unido)

PGR Recursos Genéticos de Plantas

PGRFA Recursos Genéticos de Plantas na Alimentação e Agricultura

PIC Consentimento Informado Prévio

PIPs Políticas, Instituições e Processos

SEAGA Programa de Análise Sócio-económico e Género

SEARICE Iniciativas Regionais do Sudeste da Ásia para o Empowerment das Comunidades

SL Subsistência Sustentável

SNNPR Região do Povo, Nacionalidades e Nações do Sul

TK Conhecimento Tradicional

TRIPS Acordo de Propriedade Intelectual Relacionado com o Comércio

UNEP Programa Ambiental das Nações Unidas

UPOV União para a Protecção das Variedades Vegetais

UPWARD Perspectivas dos Utilizadores com o Desenvolvimento e Investigação Agrícola

WTO/OMC Organização Mundial do Comércio

vi

I N T R O D U Ç Ã O A O M A N U A L

PROPÓSITO DO MANUAL

Este manual de formação foca especificamente as ligações entre os sistemas de conhecimento local, os papéis do

género e suas relações, a conservação e gestão da agrobiodiversidade, os recursos genéticos de animais e plantas e

a segurança alimentar. O objectivo da formação é fortalecer a capacidade institucional no sector agrícola e reconhecer

e encorajar estas ligações nos programas e políticas relevantes.

Outros manuais podem abordar estes mesmos assuntos, mas, existe uma falta óbvia de materiais de formação

que contemplem todos os três tópicos. Além disso, as organizações que são parceiras locais da FAO requisitaram

materiais de formação específicos que foquem estes assuntos transversais. Acreditamos, fortemente, que uma

compreensão mais aprofundada dos conceitos chave e suas interligações nos irá levar a um aperfeiçoamento do

planeamento e implementação de projectos.

Portanto, este manual está direccionado a explorar as ligações entre a agrobiodiversidade, o género e o

conhecimento local e a mostrar a sua relevância no contexto da investigação e desenvolvimento. Este manual não irá

equipá-lo com as capacidades necessárias realizar uma investigação participativa ou activa ao nível do campo, nem

providenciará métodos e ferramentas de pesquisa. Contudo, foi elaborado para complementar as ferramentas,

métodos e abordagens dos manuais existentes, tais como o material do manual para análise sócio-económica e de

género da FAO/SEAGA (www.fao.org/sd/seaga).

AUDIÊNCIA ALVO

Este manual é dirigido a um grupo alvo alargado. Esperamos que seja útil como um guia conceptual para formadores,

como um material de recurso para participantes em cursos de formação (principalmente investigadores e

extensionistas) e como material de referência para outros que trabalhem no contexto da gestão da

agrobiodiversidade, género e conhecimento local. Apesar de este manual ter sido escrito para o projecto Links2 na

África Oriental e Meridional, o seu conteúdo é de relevância global.

ORGANIZAÇÃO DO MÓDULO

O manual está dividido em cinco módulos. Cada módulo contem fichas informativas3 que abordam aspectos

importantes e a interligação entre a agrobiodiversidade, o género e o conhecimento local. Estas fichas informativas

incluem exemplos de pequenos casos para mostrarem na prática a relevância dos tópicos. A lógica por detrás desta

estrutura é a de permitir o uso flexível do manual. Cada ficha informativa contem, no fim, uma lista dos pontos-chave

para ajudar o utilizador a sintetizar a informação contida no manual. Dependendo da exigência e da necessidade dos

participantes, alguns módulos podem ser acrescentados ou retirados. Um conjunto breve de linhas gerais dos cinco

módulos está descrito a seguir.

vii

1 O projecto Links trabalha para melhorar a segurança alimentar da população rural e promover a gestão sustentável da agrobiodiversidade por fortalecer a

capacidade das instituições de usarem abordagens participativas que reconhecem o conhecimento agrícola de homens e mulheres no seu programa e

políticas. As três áreas de actividade principais são a construção de capacidade e formação, investigação e comunicação e apoio. O projecto é financiado pelo

Governo da Noruega. Para mais informação sobre o projecto LinKS, por favor ver www.fao.org/sd/links

2 Estas folhas com informação factual também estão disponíveis em folhetos, que estão na pasta em separado, para os participantes.

I N T R O D U Ç Ã O A O M A N U A L

viii

As páginas guia adicionais do formador (páginas com informação processual) têm o objectivo de ajudar o formador a

estruturar e planear cada módulo do ponto de vista do processo de formação. Queremos encorajar os formadores a

adaptarem o material de formação a cada situação única de formação e à necessidade de informação e exigências dos

participantes. São dadas ideias para exercícios nas páginas com informação processual que podem ser adaptadas aos

diferentes actos de formação. Os exercícios marcados com (a) são exercícios básicos que podem ser desenvolvidos se o

tempo for limitado. Os exercícios marcados com (b) requerem mais tempo e podem ser adicionados se houver tempo

disponível. É importante mostrar aos participantes, desde o inicio, que a abordagem da formação é baseada na partilha

mútua de conhecimento e informação. Além disso, ao longo da formação o conhecimento tantode de formadores como de

participantes é igualmente respeitado e valorizado.

Os pontos-chave fornecidos no fim de cada ficha informativa são para ser usados como lista de controlo. Isto vai

assegurar que todas as questões chave foram desenvolvidas e ajudar o formador a monitorar o processo de aprendizagem

dos participantes.

São sugeridas leituras chave para cada módulo. Estas podem fazer parte dos exercícios dos alunos ou podem servir

como fonte de informação adicional sobre os tópicos apresentados.

MÓDULO 1 introduz os conceitos chave de agrobiodiversidade, género e conhecimento local no contexto da segurança

alimentar melhorada e fornece uma visão geral dos assuntos principais.

MÓDULO 2 introduz o modelo da subsistência sustentável como uma ferramenta analítica de forma a explorar as ligações

entre a agrobiodiversidade, género e conhecimento local.

MÓDULO 3 concentra-se nas interligações entre a agrobiodiversidade e o género. Explora a complexidade desta relação

de uma perspectiva da subsistência.

MÓDULO 4 analisa a relação entre a agrobiodiversidade e o conhecimento local de uma perspectiva da subsistência e

explora a natureza dinâmica destas interligações.

MÓDULO 5 fornece um estudo de caso que reflecte aspectos conceptuais abordados nos módulos anteriores.

RECURSOS ÚTEIS DE FORMAÇÃO ADICIONAIS:

O manual Intermédio da Análise Socio-Económica e de Género ASEG (FAO) foi escrito para os planeadores de

desenvolvimento em todos os tipos de sector, tanto grupos públicos como privados, incluindo os ministérios

governamentais e grupos comunitários. É desenvolvido para ajudar pequenas e médias empresas, tais como os grupos

baseados na comunidade. Alguns gabinetes ou ministérios poderão achar as ideias úteis. Os conceitos e ferramentas de

análise incluídos neste livro focam a mudança do planeamento e implementação participativa, que toma em consideração

as diferenças nas relações e nos papéis do género e outras características sócio-económicas de vários grupos de

intervenientes. O livro encoraja a aplicação prática dos conceitos e ferramentas da Análise Socio-Económica e de Género

ASEG. Fonte: http://www.fao.org/sd/seaga/downloads/en/intermediateen.pdf

Law and policy of relevance to the management of plant genetic resources (S. Bragdon, C. Fowler and Z. Franca (Eds)

SGRP, IPGRI, ISNAR Módulo de Ensino. Fonte: IPGRI/ ISNAR

A abordagem da Subsistência Sustentável (SL) é um modelo desenvolvido pelo Departamento para o

Desenvolvimento Internacional (DFID) do Reino Unido, para assegurar que a população e as suas prioridades estejam no

centro do desenvolvimento. Estas páginas guia têm como intenção ser um recurso para ajudar a explicar e fornecer

ferramentas para a implementação da abordagem da subsistência sustentável ao desenvolvimento.

Fonte: www.livelihoods.org/info/info_guidancessheets.html ou www.livelihoods.org/info/info_distancelearning.html

1

O QUE É A AGROBIODIVERSIDADE? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3

Pontos-chave para a ficha informativa 1.1Página com informação processual 1.1 – Notas para o facilitador

1.1

O QUE É O CONHECIMENTO LOCAL? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9

Pontos-chave para a ficha informativa 1.2Página com informação processual 1.2 – Notas para o facilitador

1.2

O QUE É O GÉNERO? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15

Pontos-chave para a ficha informativa 1.3Página com informação processual 1.3 – Notas para o facilitador

1.3

O QUE É A SEGURANÇA ALIMENTAR? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

Pontos-chave para a ficha informativa 1.4Página com informação processual 1.4 – Notas para o facilitador

Leituras ChaveReferências

1.4

INTRODUÇÃO DE CONCEITOS CHAVE

Mód

ulo1

3FICHA INFORMATIVAO QUE É A AGROBIODIVERSIDADE? 1.1

A agrobiodiversidade é o resultado dos processos de selecção natural, da selecção cuidada e dos desenvolvimentos

inventivos de agricultores, criadores de gado e pescadores ao longo de milénios. A agrobiodiversidade é um subgrupo vital

da biodiversidade. Muitos dos alimentos e da protecção da subsistência das populações depende da gestão sustentável de

vários recursos biológicos diversos que são importantes para a alimentação e agricultura. A agrobiodiversidade, também

conhecida como biodiversidade agrícola ou recursos genéticos para a alimentação e agricultura, inclui:

Variedades de produtos colhidos, raças de gado, espécies de peixe e recursos não domesticados (selvagens) dos

campos, florestas, extensões de terra incluindo produtos das árvores, animais selvagens caçados para alimentação

e nos ecossistemas aquáticos (exemplo. peixe selvagem);

Espécies não colhidas dentro da produção dos ecossistemas que apoiam a provisão de alimentos, incluindo os

microorganismos terrestres, polinizadores e outros insectos, tais como, abelhas, borboletas, minhocas,

pulgões, etc.); e

Espécies não colhidas no ambiente mais vasto que apoiam os ecossistemas de produção de alimentos

(ecossistemas agrícolas, pastorais, florestais e aquáticos).

A biodiversidade agrícola resulta da interacção entre o ambiente, recursos genéticos e os sistemas de gestão e

práticas utilizados pelas populações culturalmente diversas, resultando então em diferentes formas de utilização da terra e

água para a produção. Mais ainda, a agrobiodiversidade engloba a variedade e diversidade de animais, plantas e

microorganismos que são necessários para sustentar as funções chave, as estruturas e os processos do ecossistema

agrícola e como apoio da produção e segurança alimentar (FAO, 1999a). O conhecimento local e a cultura podem, portanto,

ser considerados partes integrantes da agrobiodiversidade, porque é a actividade humana da agricultura que molda e

conserva esta biodiversidade.

O QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?

BIODIVERSIDADE

Agrobiodiversidade

Ecossistemas agrícolas mistosEspécies/variedades colhidasEspécies de gado e de peixesGermenplasma animal/vegetalOrganismos do solo em áreas cultivadasAgentes de bio controlo para pestes de colheitas/gadoEspécies selvagens como variedades terrestres oucom reproduçãoConhecimento local e cultural de diversidade

[Caixa 1] A AGROBIODIVERSIDADE É CENTRAL À BIODIVERSIDADE TOTAL

4 1.1

Muitos agricultores, especialmente os que se localizam em ambientes onde as colheitas de alto rendimento e criação

de variedades de gado não prosperam, contam com uma vasta gama de tipos de colheitas e gado. Isso ajuda-os a manter a

sua subsistência no caso de encararem uma infestação patogénica, chuvas incertas, flutuação dos preços de compra de

cereais, perturbações sócio-políticas e a disponibilidade imprevisível dos produtos químicos agrícolas. As chamadas

colheitas menores ou subutilizadas (mais precisamente, colheitas companheiras) são frequentemente encontradas

próximas da cultura principal ou de rendimento. Elas crescem, frequentemente, lado a lado e a sua importância é, muitas

das vezes, mal avaliada. Em muitos casos não são menores nem sub-utilizadas na perspectiva da subsistência, por poderem

representar, desproporcionalmente um papel importante nos sistemas de produção de alimentos ao nível local. As plantas

que irão crescer em solos inférteis ou desgastados, e o gado que irá comer vegetação degradada, são, muitas das vezes

cruciais às estratégias nutricionais das famílias. Mais ainda, as comunidades rurais e os mercados urbanos com os quais

estabelecem comércio, fazem um grande uso destas espécies de colheita companheira.

Existem muitas características que são distintas da biodiversidade agrícola quando comparadas com outras componentes

da biodiversidade:

≠ A agrobiodiversidade é gerida activamente por agricultores de ambos os sexos;

≠ Muitos componentes da biodiversidade agrícola não sobreviveriam sem esta interferência humana; o

conhecimento local e a cultura são partes integrantes da gestão da biodiversidade agrícola;

≠ Muitos sistemas agrícolas economicamente importantes estão baseados em colheitas ou espécies de gado

introduzidas de outras partes (por exemplo, os sistemas de produção de horticulturas ou as vacas Frísias em

África). Isto cria um alto grau de interdependência entre países para os recursos genéticos nos quais os nossos

sistemas de alimentação estão baseados;

≠ Com respeito às diversidades das colheitas, a diversidade dentro das espécies é, pelo menos, tão importante como

a diversidade entre as espécies;

[Caixa 2] UMA DEFINIÇÃO DE AGROBIODIVERSIDADE

A variedade e diversificação dos animais, plantas e microorganismos utilizados directamente ou indirectamente

para alimentação e agricultura, incluindo colheitas, gado, silvicultura e pesca. Inclui a diversidade dos recursos

genéticos (variedades, raças) e espécies utilizados para a alimentação, forragem, fibra, combustível e fins

terapêuticos. Inclui também a diversidade das espécies não colhidas que apoiam a produção (microorganismos

terrestres, predadores, polinizadores) e os do ambiente mais vasto que apoia os ecossistemas agrícolas

(agrícolas, pastorais, florestais e aquáticos), assim como a diversidade dos próprios ecossistemas agrícolas.

Font

e: F

AO, 1

999a

[Caixa 3] A COLECTA DE PLANTAS SILVESTRES PARA O CONSUMO DAS FAMÍLIAS

Em Burkina Faso e por todo o Sahel do Oeste Africano, por exemplo, as mulheres rurais colhem cuidadosamente

as frutas, folhas e raízes das plantas nativas, como a árvore do baobá (Adansonia digitata), folhas vermelhas

do cavalo marrom-avermelhado (Hibiscus saddarifa), folhas da paina (Ceiba pentandra) e bolbos tigernut

(Cyperus esculentus L.) para uso na dieta das suas famílias, completando os grãos agrícolas (milhete, sorgo)

que fornecem apenas uma parte de espectro nutricional e pode falhar num ano qualquer. Mais de 800 espécies

de plantas silvestres comestíveis estão catalogadas através do Sahel.

Fonte: IK Notes No. 23.

O QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?FICHA INFORMATIVA

51.1

≠ Devido ao grau de gestão humana, a conservação da biodiversidade agrícola nos sistemas de produção está

inerentemente ligada ao uso sustentável – a preservação através do estabelecimento de áreas protegidas é de

menor relevância;

≠ Nos sistemas agrícolas do tipo industrial, muita diversidade das colheitas é agora guardada ex-situ em materiais

de bancos de genes ou de reprodutores em vez de nas quintas.

A caixa seguinte apresenta uma visão geral das funções principais da agrobiodiversidade. Nem todos os papéis na

lista terão relevância numa dada situação, mas podemos utilizar esta lista como lista de controlo para dar prioridade

àqueles que são cruciais no nosso projecto/situação de trabalho.

O QUE É QUE ESTÁ A ACONTECER À AGROBIODIVERSIDADE?Localmente, os sistemas diversos de produção de alimentos estão ameaçados, incluindo, o conhecimento local, a cultura e

os conhecimentos dos produtores de alimentos, de ambos os sexos. Com este declínio, a biodiversidade agrícola está a

desaparecer, a escala da perda é extensa. Com o desaparecimento das espécies de colheitas, variedades e raças também

desaparecem uma vasta gama de espécies não colhidas.

[Caixa 4] A FUNÇÃO DA BIODIVERSIDADE AGRÍCOLA A experiência e a investigação demonstraram que a biodiversidade agrícola pode:

* Aumentar a produtividade, a segurança alimentar e as receitas económicas;

* Reduzir a pressão da agricultura nas áreas frágeis, nas florestas e espécies em perigo;

* Tornar os sistemas de agricultura mais estáveis, robustos e sustentáveis;

* Contribuir para a gestão sadia de pestes e doenças;

* Conservar o solo e aumentar a sua fertilidade e saúde natural;

* Contribuir para uma intensificação sustentável;

* Diversificar produtos e oportunidades de rendimento;

* Reduzir ou dispersar riscos a indivíduos e nações;

* Ajudar a maximizar o uso efectivo de recursos e do meio ambiente;

* Reduzir a dependência nos investimentos externos;

* Melhorar a nutrição humana e fornecer fontes de medicamentos e vitaminas; e

* Conservar a estrutura do ecossistema e a estabilidade da diversidade das espécies.

(Ada

ptad

o de

Thr

upp)

[Caixa 5] 100 ANOS DE MUDANÇA AGRÍCOLA:Algumas tendências e números relacionados com a biodiversidade agrícola

* 75% da diversidade genética de plantas foi perdida desde os anos 1900 quando os agricultores mundiais

abandonaram as suas múltiplas variedades locais e “raças da terra” por variedades geneticamente uniformes

de alto rendimento.

* 30% de raças de gado estão em risco de extinção; seis raças são perdidas mensalmente.

* Actualmente, 75% dos alimentos mundiais são gerados de apenas 12 plantas e cinco espécies de animais.

* Dos 4% das 250 000 a 300 000 espécies de plantas comestíveis conhecidas, apenas 150 a 200 são utilizadas

pela espécie humana e apenas três – arroz, milho e trigo – contribuem, com aproximadamente 60% das calorias

e proteínas obtidas das plantas por seres humanos.

* Os animais fornecem uns 30% dos requisitos humanos para alimentos e agricultura e 12% da população

mundial vive quase inteiramente dos produtos dos ruminantes.

Fonte: FAO. 1999b

FICHA INFORMATIVAO QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?

6 1.1

Mais de 90% de variedades de culturas desapareceram dos campos dos agricultores; metade das raças de muitos

animais domésticos foi perdida. Nas áreas de pesca, todas as 17 zonas mundiais principais de pesca são actualmente

exploradas nos seus limites sustentáveis ou acima deles, com muitas populações de peixe que se tornam efectivamente

extintas. A perda da cobertura florestal, terrenos húmidos costeiros e outras áreas selvagens não cultivadas, e a destruição

do meio ambiente aquático, também agrava a erosão genética da biodiversidade agrícola.

Os campos de pousio e terras selvagens podem suportar grande número de espécies úteis aos agricultores. Para além

do fornecimento de calorias e proteínas, os alimentos silvestres fornecem vitaminas e outros micro-nutrientes essenciais.

Geralmente, as famílias pobres dependem mais do acesso aos alimentos silvestres, do que as ricas (ver a tabela 1). Contudo,

em algumas áreas, a pressão sobre a terra é tão grande que até o stock de alimentos silvestres se exauriu.

O termo “alimento silvestre”, embora geralmente usado, é erróneo porque implica a ausência da influência e gestão

humana. Ao longo do tempo, as pessoas moldaram, indirectamente, muitas plantas. Algumas foram domesticadas em

jardins caseiros e nos campos, juntamente com a comida e as colheitas de rendimento cultivadas pelos agricultores.

Portanto, o termo “alimento silvestre” é utilizado para descrever todos os recursos de plantas que são colhidos ou

colectados para o consumo humano fora das áreas agrícolas, nas florestas, savanas e outras áreas de matagal. Os alimentos

silvestres estão incorporadas nas estratégias de subsistência normais de muitas populações rurais, sejam elas pastorais,

semi-nómadas, colectores contínuos ou caçadores recolectores. O alimento silvestre é geralmente considerado como um

suplemento dietético adicional no padrão do consumo de alimentos diários dos agricultores, geralmente baseado na

colheita das suas culturas, produtos de animais domésticos e na compra de alimentos nos mercados locais. Por exemplo,

as frutas e bagas, da vasta gama de plantas silvestres são tipicamente referenciadas de “alimento silvestre”. As frutas e

bagas silvestres acrescentam vitaminas cruciais à dieta etíope normal de cereais, deficiente de vitaminas, particularmente

no caso das crianças.

Data Pobre % Média % Rica%Local da pesquisa

* Wollo – Dega, Etiópia

* Jaibor, Sudão

* Chitipa, Malawi

* Ndoywo, Zimbabwe

Proporção de alimentos provenientes de produtos silvestresem famílias com diferentes graus de rendimento

Fonte: Biodiversity in development

1999

1997

1997

1997

0–10

15

0–10

0–5

0–10

5

0–10

0

0–5

2–5

0–5

0

Existem várias causas para este declínio na agrobiodiversidade. Ao longo do século 20 este declínio acelerou, em

paralelo com exigências crescentes de uma população cada vez maior e uma maior competição por recursos naturais. As

causas base principais incluem:

A rápida expansão da agricultura industrial e da Revolução Verde agrícola. Isto inclui a produção intensiva de gado,

áreas de pesca industriais e aquacultura. Alguns sistemas de produção utilizam variedades e raças modificadas

geneticamente. Além disso, relativamente poucas variedades de culturas são cultivadas em monoculturas e um

número limitado de raças de animais domésticos , ou peixe, são criados ou são cultivadas poucas espécies aquáticas.

[Tabela 1]

O QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?FICHA INFORMATIVA

71.1

A globalização do sistema e marketing da alimentação. A extensão do patenteamento industrial e outros sistemas

de propriedade intelectual a organismos vivos levou a uma difusão do cultivo e à criação de poucas variedades e

raças. Isto resulta num mercado global mais uniforme, menos diverso, mas mais competitivo. Como consequência,

tem havido:

≠ Mudanças nas percepções, nas preferências e nas condições de vida dos agricultores e consumidores;

≠ Marginalização de sistemas de produção de alimentos diversos de pequena escala que conservam as variedades

das culturas e raças dos animais domésticos dos agricultores;

≠ Integração reduzida de gado na produção arável o que reduz a diversidade dos usos para os quais o gado é

necessário

≠ Uso reduzido de técnicas de pesca “para alimentação” que conservam e desenvolvem a biodiversidade aquática.

A causa principal da erosão genética nas culturas, conforme reportado por quase todos os países, é a substituição

das variedades locais pelas variedades e espécies aperfeiçoadas ou exóticas. Frequentemente, a erosão genética

ocorre quando as variedades antigas são substituídas por novas., nos campos dos agricultores. Os genes e os

complexos genéticos encontrados nas diversas variedades dos agricultores não são inteiramente contidos nas

variedades modernas. Muitas vezes, o número de variedades é reduzido quando as variedades comerciais são

introduzidas nos sistemas agrícolas tradicionais. Enquanto, segundo a FAO (1996), alguns indicadores da erosão

genética foram desenvolvidos, poucos estudos sistemáticos da erosão genética da diversidade genética da culturas

foram feitos. Além do mais, nos Relatórios dos Países da FAO (1996) quase todos os países confirmam que a erosão

genética está a ocorrer e é um problema sério.

Pontos-Chave0 A agrobiodiversidade é um subgrupo vital da biodiversidade que é desenvolvida e gerida activamente

pelos agricultores, pastores e pescadores.

0 Muitos componentes da biodiversidade agrícola não sobreviveriam sem esta interferência humana; o

conhecimento local e a cultura são partes integrantes da gestão da agrobiodiversidade.

0 Muitos sistemas agrícolas economicamente importantes estão baseados em culturas ou espécies de

gado alheias, introduzidas de outros locais (por exemplo, sistemas de produção hortícolas ou vacas

frísias em África). Isto cria um alto grau de interdependência entre os países para os recursos

genéticos nos quais os nossos sistemas de alimentação são baseados;

0 Em relação à diversidade das colheitas, a diversidade dentro das espécies é, pelo menos, tão

importante quanto a diversidade entre as espécies;

0 Os sistemas locais diversos de produção de alimentos estão ameaçados e, com eles, o conhecimento

local acompanhante, a cultura e os conhecimentos dos produtores de alimentos;

0 A perda da cobertura florestal, terrenos húmidos costeiros e outras áreas selvagens não cultivadas e

a destruição do meio ambiente aquático, exacerbam a erosão genética da biodiversidade agrícola;

0 A causa principal da erosão genética nas culturas, como reportada por quase todos os países, é a

substituição das variedades locais pelas variedades e espécies exóticas ou melhoradas.

FICHA INFORMATIVAO QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?

8

1.1

O QUE É A AGROBIODIVERSIDADE?

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL – NOTAS PARA O FACILITADOR

OBJECTIVO: A ficha informativa 1.1 fornece uma introdução e uma visão geral da agrobiodiversidade. Ela introduz as

definições do conceito e descreve as diferentes componentes e dinâmicas da biodiversidade agrícola. O objectivo geral é

estabelecer uma compreensão partilhada entre os participantes dos termos e conceitos relevantes.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes adquiram um nível partilhado de compreensão dos termos e conceitos

relevantes relacionados com a agrobiodiversidade.

PROCESSO: A ficha informativa 1.1, deve ser disponibilizad e circular entre os participantes depois da sessão. Isto deve

ajudá-los a explorar os conceitos, do ponto de vista do seu próprio background de trabalho, sem serem influenciados pela

informação fornecida. É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na

partilha mútua de conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos formadores e participantes é valorizado e

respeitado de forma igual.

1) Dependendo da disponibilidade temporal1, os participantes podem ser convidados a:

a) Nomear componentes/exemplos de agrobiodiversidade. Isto teria lugar na forma de uma actividade de “brain-

storming”. A informação gerada durante este exercício pode ser então organizada conjuntamente e servir como

base a uma apresentação mais formal.

b) Em grupos pequenos, desenvolverem mapas de sistemas agrícolas em que diferentes componentes da

agrobiodiversidade estão localizadas. Estes mapas podem então ser mostrados e partilhados com os outros

participantes.

2) Este exercício pode ser seguido de uma apresentação em acetatos/Power Point cobrindo as definições e as

diferenças entre a agrobiodiversidade e a biodiversidade em geral.

3) Depois seria útil discutir as dinâmicas e as tendências na biodiversidade agrícola. Isto pode ser baseado:

a) Nas discussões gerais entre os participantes das dinâmicas e tendências na agrobiodiversidade.

b) Nos mapas desenvolvidos pelos participantes, indicando mudanças passadas e tendências.

4) Os pontos-chave devem ser extraídos da discussão em conjunto com os participantes.

5) Finalmente, o facilitador pode apresentar os pontos-chave de aprendizagem da ficha informativa 1.1.

Seria útil integrar outros estímulos visuais, tais como vídeos ou slides para aumentar o interesse e o envolvimento dos

participantes.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes compreendam o conceito de agrobiodiversidade. Que tenham estabelecido

uma compreensão partilhada de assuntos e termos chave. Para mais detalhes por favor remeter para os pontos-chave das

páginas com informação factual 1.1.

TEMPO NECESSÁRIO: É sugerido um mínimo de 3 horas para a ficha informativa 1.1.

1 São fornecidas ideias para exercícios nas páginas com informação processual, que podem ser adaptados a diferentes actos de formação. Os exercíciosmarcados com a) são exercícios básicos que podem ser desenvolvidos se o tempo disponível for limitado. Os exercícios marcados com b) podem seradicionados se houver tempo disponível.

91.2

O QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?

[Caixa 1] CONHECIMENTO LOCAL, TRADICIONAL E INDÍGENA

O conhecimento local é uma colecção de factos e relaciona-se com todo o sistema de conceitos, crenças e

percepções que as populações têm sobre o mundo a sua volta. Isto inclui a maneira como elas observam e medem

o que os rodeia, como elas resolvem os seus problemas, e validam novas informações. Inclui também os

processos através dos quais o conhecimento é gerado, armazenado, aplicado e transmitido aos outros.

O conceito de conhecimento tradicional implica que as populações que vivem nas zonas rurais estão isoladas do

resto do mundo e que os seus sistemas de conhecimento são estáticos e não interagem com outros sistemas de

conhecimentos.

Os sistemas de conhecimento indígena estão muitas vezes associados com as populações nativas. Este conceito

é particularmente limitador para as políticas, projectos e programas que procuram trabalhar com os agricultores

rurais de uma forma geral. Mais ainda, em alguns países, o termo “indígena” tem uma conotação negativa, por

estar associado com “atraso” ou tem uma conotação étnica ou política.

Fontes: Warburton and Martin

O conhecimento local é o conhecimento que os povos duma determinada comunidade desenvolveram ao longo do tempo,

e continuam a desenvolver. Ele é:

\ Baseado na experiência

\ Testado muitas vezes ao longo de séculos

\ Adaptado à cultura e ao meio ambiente local

\ Englobado nas práticas da comunidade, instituições, relações e rituais

\ Detido por indivíduos ou comunidades

\ Dinâmico e evolutivo

O conhecimento local não está confinado a grupos tribais ou aos habitantes nativos da área. Não está sequer

confinado às populações rurais. Em vez disso, todas as comunidades – rurais e urbanas, sedentárias e nómadas, habitantes

nativos e emigrantes, possuem conhecimento local. Existem outros termos tais como conhecimento tradicional ou

conhecimento indígena, que estão muito relacionados ou mesmo sinónimos do conhecimento local. Escolhemos o termo

conhecimento local, porque aparenta ser menos enviesado em termos do seu conteúdo ou origem. Ao compreender um

conjunto maior de sistemas de conhecimento, este inclui aqueles classificados como tradicionais ou indígenas.

FICHA INFORMATIVAO QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?

10 1.2

2 As unidades administrativas básicas na Etiópia, que equivalem a um distrito

[Caixa 2] PLANTAS SILVESTRES NO SUL DA ETIÓPIA

As populações rurais da Etiópia estão dotadas de um conhecimento profundo do uso de plantas silvestres. Isto é

particularmente verdadeiro para o uso de plantas selvagens e medicinais, algumas das quais são consumidas

durante as secas, guerras e outras dificuldades. Os mais velhos, e outros membros conhecedores da comunidade,

são as fontes chave ou “reservatórios” dos conhecimentos sobre plantas. O consumo de alimentos silvestres é ainda

muito comum nas zonas rurais da Etiópia, particularmente por crianças. Entre os frutos silvestres mais comuns

consumidos por crianças, existem, por exemplo, frutas do Ficus spp, Carissa edulis e espécies de plantas Rosa

abyssinica.

O consumo de plantas silvestres aparenta ser mais comum e difundido nas áreas que sofrem de insegurança

alimentar, onde uma vasta gama de espécies é consumida. A associação criou a noção de “alimentos de fome”,

plantas consumidas apenas em tempos de crise de alimentos e que são, portanto, um indicador das condições de

fome. As populações locais conhecem a importância e a contribuição das plantas silvestres para a sua dieta

alimentar. Elas também sabem estar alerta contra possíveis problemas de saúde, tais como a irritação estomacal,

que ocasionalmente ocorrem depois do consumo de certas plantas silvestres.

Por exemplo, a Balanites aegyptiaca (“bedena” em Amharico), uma árvore sempre-verde, com cerca de 10 a 20

metros de altura, é típica desta categoria. Os seus frutos são consumidos a qualquer altura por crianças quando

estão maduros, e também, por adultos em períodos de falta de alimentos. Os rebentos novos, que crescem sempre

durante a época seca, são geralmente utilizados como forragem animal. Mas em períodos de escassez de alimentos,

as populações cortam os rebentos e folhas mais novas e suculentas e cozinham-nas como couve. As populações das

zonas propensas à seca do sul da Etiópia também aplicam estes hábitos de consumo aos frutos e folhas novas da

Solanium nigrum (sombra nocturna negra), uma erva pequena anual e à Syzygium guineense (árvore de bagas de

água), uma árvore com folhas densas, florestal e frondosa de cerca de 20 metros de altura.

Em algumas partes do sul da Etiópia, o consumo de plantas silvestres aparenta ser uma das estratégias importantes

de sobrevivência local. Isto parece ter-se intensificado devido aos choques climáticos repetitivos que atrasaram a

produção agrícola, levando à escassez de alimentos. O maior consumo de alimentos silvestres ajuda as populações

a lidarem melhor com chuvas erráticas e fora de hora. Elas são capazes de encarar vários anos consecutivos de seca,

sem enfrentarem uma escassez severa de alimentos, fome e esgotamento geral dos bens, como acontece noutras

zonas da Etiópia. A chave para esta estratégia de sobrevivência é a colecção e consumo de plantas silvestres que se

encontram em terras baixas não cultivadas, tais como, matas, florestas e áreas pastorais. Nas terras médias e altas,

mais densamente povoadas e usadas mais intensamente, uma grande variedade destas plantas indígenas foi

domesticada para consumo caseiro e uso medicinal. A Etiópia do sul, e particularmente as weredas2 especiais do

Konso, Derashe e Burji, e partes das SNNPR (Nações, Nacionalidades e Regiões Populacionais Sulistas), podem

ainda ser consideradas parte destas chamadas zonas quentes da biodiversidade na Etiópia.

Fonte: Guinand and Lemessa

Os sistemas de conhecimento são dinâmicos, as populações adaptam-se a mudanças no seu meio ambiente e

absorvem e assimilam ideias de uma variedade de fontes. Contudo, o conhecimento e o acesso ao conhecimento não estão

distribuídos igualmente ao longo de uma comunidade ou entre as comunidades. As populações podem ter diferentes

objectivos, interesses, percepções, crenças e acesso à informação e aos recursos. O conhecimento é gerado e transmitido

através de interacções dentro de contextos sociais e agro-ecológicos específicos. Está ligado ao acesso e ao controlo do

poder. As diferenças de estatuto social podem afectar as percepções, o acesso ao conhecimento e, crucialmente, a

importância e a credibilidade ligados ao que um indivíduo sabe. O conhecimento das populações pobres rurais,

especialmente de mulheres é, muitas vezes, negligenciado e ignorado.

O QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?FICHA INFORMATIVA

111.2

O conhecimento local é exclusivo a todas culturas ou sociedades; Os mais velhos e os mais novos possuem tipos

diferentes de conhecimento. As mulheres e homens, agricultores e mercadores, populações educadas e não educadas todas

têm diferentes tipos de conhecimentos.

O conhecimento comum é detido pela maior parte da população numa comunidade; por exemplo, quase toda gente

sabe como cozinhar arroz (ou a comida local principal).

O conhecimento partilhado é detido por muitos, mas não por todos, os membros da comunidade; por exemplo, os

criadores de gado irão saber mais sobre os cuidados e gestão básica animal do que os que não têm gado.

O conhecimento especializado é detido por umas poucas pessoas que podem ter tido uma formação ou uma

aprendizagem especial; por exemplo, apenas poucas aldeões se tornarão curandeiros, parteiras ou ferreiros.

O tipo de conhecimento que as populações têm está relacionado com a idade, género, ocupação, divisão de tarefas

dentro da família, empresas ou comunidades, estatuto sócio-económico, experiência, meio ambiente, história, etc. Isto tem

implicações importantes para os trabalhos de investigação e desenvolvimento. Para descobrir o que as populações sabem,

temos de identificar as pessoas certas a inquirir. Por exemplo, se os rapazes praticam a pastorícia, eles podem saber melhor

onde é que se localizam as melhores zonas de pastagem do que os seus pais. Se perguntarmos aos pais para nos mostrarem

as boas zonas de pastagem, podemos obter apenas informações parciais. Os profissionais do desenvolvimento, algumas

vezes pensam que as populações sabem muito pouco, quando, de facto foram entrevistadas as pessoas erradas.

É importante perceber que o conhecimento local – como acontece com outros tipos de conhecimento – é dinâmico e

está constantemente em mudança, à medida que se adapta a um meio ambiente variável. Porque o conhecimento local muda

ao longo do tempo é, por vezes, difícil decidir se a tecnologia ou prática é local ou adoptada de fora, ou se é uma mistura de

componentes locais e adoptados. Em muitos casos a última situação é mais provável. Contudo, para um projecto de

desenvolvimento, não importa se a prática é local ou já está misturada com conhecimento introduzido. O que é importante

antes de se procurar por tecnologias e soluções fora da comunidade, é olhar primeiro para o que está disponível dentro da

comunidade. Baseada nesta informação, pode ser feita a decisão do tipo de informação mais relevante para a situação

específica. É mais provável que seja uma combinação de diferentes fontes de conhecimentos e tipos de informação.

Mais uma vez, isto tem implicações importantes para o processo de pesquisa e do desenvolvimento. Não é suficiente

documentar o conhecimento local existente. É igualmente importante compreender como é que este conhecimento se

adapta, se desenvolve e muda com o tempo. Também é significativo saber como este conhecimento é comunicado e por

quem, tanto dentro como fora da comunidade

PORQUE É QUE O CONHECIMENTO LOCAL É IMPORTANTE?O conhecimento local é o capital humano, tanto das populações urbanas como rurais. É o bem principal que eles investem

na batalha pela sobrevivência, para produzir alimentos, para providenciar abrigo ou para obter controlo das suas próprias

vidas. Contribuições significativas para o conhecimento global tiveram origem nas populações locais, por exemplo, na

medicina humana e medicina veterinária. O conhecimento local é desenvolvido e adaptado continuamente a um meio

ambiente em mudança gradual. Ele é passado de geração em geração e está intimamente ligado com os valores culturais

das populações.

Na economia global emergente de conhecimento, a capacidade de um país de criar e mobilizar capital de

conhecimento é tão essencial para um desenvolvimento sustentável, assim como o é a disponibilidade do capital físico e

FICHA INFORMATIVAO QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?

12 1.2

financeiro. A componente básica do sistema de conhecimento de qualquer país é o seu conhecimento local. O mesmo inclui

os conhecimentos, experiências e as percepções da população, aplicado para manter ou melhorar a sua subsistência.

Actualmente, muitos sistemas de conhecimento local estão em risco de extinção. Isto acontece pois, globalmente, os

meios ambientes naturais estão a mudar rapidamente e existem mudanças económicas, políticas e culturais muito velozes.

As práticas desaparecem, quando são inapropriadas, perante novos desafios, ou porque elas se adaptam muito lentamente.

Contudo, muitas práticas desaparecem por causa da invasão de tecnologias estrangeiras ou conceitos de desenvolvimento

que prometem ganhos de curta duração ou soluções para problemas. A tragédia do desaparecimento iminente do

conhecimento local é muito obvio para os que se desenvolveram e ganham a sua vida a partir dele. O caso do alimento

silvestre do Sul da Etiópia (ver Caixa 2, nesta ficha informativa) é um bom exemplo disso. Estas plantas são especialmente

vitais para a sobrevivência dos pobres, durante períodos de carência de comida, quando não existem outros meios de

satisfazer as necessidades básicas. Além disso, as implicações para os outros também podem ser prejudiciais, quando o

saber-fazer, tecnologias, artefactos, estratégias de resolução de problemas e as especialidades se perdem. O conhecimento

local é uma parte da vida da população. Os pobres, em especial, dependem quase inteiramente, para a sua sustento, de um

saber-fazer específico e conhecimentos essenciais à sua sobrevivência. Por conseguinte, para o processo de

desenvolvimento, o conhecimento local é de particular relevância para os seguintes sectores e estratégias:

≠ Agricultura, conhecimento relacionado com a selecção, intercalagem, tempos de plantio de culturas.

≠ Cuidados e gestão de animais e medicina étnica veterinária, conhecimento sobre as estratégias de reprodução,

características e requisitos de gado, utilidade de plantas para tratar doenças comuns.

≠ Uso e gestão de recursos naturais, conhecimento sobre a gestão da fertilidade do solo, gestão sustentável de

espécies selvagens.

≠ Cuidados de saúde, conhecimento sobre as propriedades das plantas para fins medicinais.

≠ Desenvolvimento comunitário, o conhecimento comum ou partilhado fornece ligações entre os membros da

comunidade e as gerações; e

≠ Alívio da pobreza, ex. conhecimento de estratégias de sobrevivência baseado em recursos locais.

As abordagens convencionais implicam que os processos de desenvolvimento requerem sempre transferências de

tecnologia de locais que são percebidos como mais avançados. Esta prática tem levado, muitas vezes, ao negligenciar do

potencial das experiências e práticas locais. O exemplo seguinte do programa de segurança alimentar da Etiópia ilustra as

o que pode acontecer se o conhecimento local não for adequadamente considerado (ver Caixa 3).

[Caixa 3] INTRODUÇÃO DE VARIEDADES DE SOJA NA ETIÓPIA

Variedades de sorgo de maior rendimento foram introduzidas na Etiópia para aumentar a segurança alimentar

e o rendimento dos agricultores e comunidades rurais. Quando o tempo e outras condições foram favoráveis,

as variedades modernas provaram ser um sucesso. No entanto, em algumas áreas, foram observadas perdas

completas de culturas, enquanto que as variedades locais, com maior variedade de características eram menos

susceptíveis às secas frequentes. A perda de uma cultura inteira foi considerada pela comunidade de

agricultores como maior que a compensação das menores colheitas médias de variedade local também

produzidas em condições mais extremas. Uma abordagem, que incluísse a experiência agrícola local, poderia

ter resultado numa mistura equilibrada de variedades locais e introduzidas, assim reduzindo o risco dos

produtores.

Font

e: O

duol

O QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?FICHA INFORMATIVA

131.2

O conhecimento local é relevante a 3 níveis do processo de desenvolvimento.

≠ É, obviamente, muito importante para os homens e mulheres, velhos e jovens da comunidade local na qual os

portadores do tal conhecimento vivem e produzem.

≠ Os agentes de desenvolvimento (CBOs, ONGs, governos, doadores, líderes locais e as iniciativas do sector privado)

precisam de reconhecer, valorizar e apreciar o conhecimento local nas suas interacções com as comunidades

locais. Antes de incorporá-lo nas suas abordagens, precisam de o compreender e de validá-lo criticamente acerca

da sua utilidade para os objectivos desejados.

≠ Finalmente, o conhecimento local faz parte do conhecimento global. Neste contexto, tem um valor e relevância

próprios. O conhecimento local pode ser preservado, transferido ou adoptado e adaptado noutros locais.

Porém, é importante frisar que o conhecimento local não é exclusivo ou necessariamente suficiente para cuidar dos

desafios que as populações enfrentam actualmente. Muitas provas mostram que os actores locais procuram informações e

conceitos de qualquer sítio onde possam adquiri-lo nos seus esforços para resolver os seus problemas e atingir os seus

objectivos. Para as pessoas envolvidas nos processos de investigação e desenvolvimento com as comunidades locais, é

importante ver o conhecimento local como um componente dentro de um sistema de inovação mais complexo. Portanto,

uma análise profunda das fontes existentes de informação e conhecimento, é um passo importante para qualquer projecto

de pesquisa ou desenvolvimento. Estas fontes podem ser de natureza formal e informal. Por exemplo, os grupos

comunitários que estão envolvidos em práticas agrícolas similares podem ser uma fonte informal de conhecimento local,

enquanto que os centros ou extensões de pesquisa regional ou nacional seriam uma fonte formal de conhecimento. Neste

contexto, é igualmente importante considerar os fornecedores de serviços privados, tais como, os revendedores locais de

sementes, visto que se estão a tornar cada vez mais importantes como fornecedores de conhecimentos.

Pontos-chave0 O conhecimento local é desenvolvido ao longo do tempo pelas pessoas de uma dada comunidade, e

está constantemente a desenvolver-se;

0 Os sistemas de conhecimentos são dinâmicos, as populações adaptam-se às mudanças no seu meio

ambiente, absorvem e assimilam as ideias de uma variedade de fontes;

0 O conhecimento e o acesso ao conhecimento não estão distribuídos igualmente na comunidade ou

entre comunidades: as populações têm objectivos, interesses, percepções, crenças, acesso à

informação e recursos diferentes;

0 O tipo do conhecimento que as populações possuem está relacionado com a sua idade, género,

ocupação, divisão de tarefas dentro da família, empresa ou comunidade, seu estatuto sócio-económico,

sua experiência, meio ambiente, história, etc.

0 O conhecimento local é o capital humano das populações rurais e urbanas, é o seu principal bem para

investir na luta pela sobrevivência, para produzir alimentos, para providenciar abrigo ou para ter o

controlo das suas próprias vidas; e

0 Para aqueles envolvidos em processos de investigação e desenvolvimento com as comunidades locais,

é importante ver o conhecimento local como um componente dentro de um sistema de inovação mais

complexo.

FICHA INFORMATIVAO QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?

1.2

O QUE É O CONHECIMENTO LOCAL?

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL – NOTAS PARA O FACILITADOR

OBJECTIVO: A ficha informativa 1.2 fornece uma introdução geral ao conceito de conhecimento local e descreve a

natureza dinâmica deste conceito. O objectivo geral é estabelecer uma compreensão partilhada entre os participantes

dos termos e conceitos relevantes.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam o conceito de conhecimento local e estejam cientes

da sua posição num sistema de conhecimento mais abrangente.

PROCESSO:

1) É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na partilha

mútua de conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos participantes e formadores é igualmente

respeitado e valorizado.

2) Os participantes podem ser convidados primeiramente a partilharem experiências, relacionadas com o

conhecimento local, do ponto de vista do seu background profissional.

3) Num exercício posterior, pode pedir-se aos participantes que resumissem a informação, para definir o conceito.

Se o tempo for limitado, o facilitador pode ir directamente para o Ponto 4 e incluir a definição na sua

apresentação.

4) Uma apresentação dada pelo que promove a acção sobre o conhecimento local (conceitos, definições).

5) Pode seguir-se uma discussão sobre as dinâmicas e tendências no desenvolvimento do conhecimento local. Isto

pode ser baseado, mais uma vez, (a) em ideias gerais e brain-storming dos participantes, ou (b) na

apresentação de alguns exemplos dos sistemas agrícolas da sua região, comparando situações passadas e

presentes em termos da relevância do conhecimento local.

6) Os pontos-chave devem ser extraídos desta discussão em conjunto com os participantes.

Seria útil integrar outros estímulos visuais, tais como vídeos ou slides para aumentar o interesse e o envolvimento dos

participantes.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes compreendam o conceito de conhecimento local. Que tenham estabelecido

uma compreensão partilhada de assuntos, termos chave e tenham coberto os pontos-chave descritos na ficha

informativa 1.1.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 2 horas.

14

151.3

O género é definido pela FAO como sendo “as relações, tanto perceptivas como materiais, entre homens e mulheres. O

género não é determinado biologicamente como resultado das características sexuais dos homens ou mulheres, mas é

sim, construído socialmente. É um princípio central organizador das sociedades e, muitas vezes, governa os processos

de produção e reprodução, consumo e distribuição” (FAO 1997). Apesar desta definição, o género tem sido,

frequentemente, mal entendido como sendo apenas, a promoção de mulheres. No entanto, como podemos verificar na

definição da FAO, os assuntos de género focam-se nas mulheres, nas relações entre homens e mulheres, seus papéis, ao

acesso e controlo dos recursos e à divisão do trabalho, interesses e necessidades. As relações de género afectam a

segurança familiar, o bem-estar da família, planeamento, produção e muitos outros aspectos da vida (Bravo-Baumann

2000).

Os papéis dos homens e mulheres rurais como produtores e fornecedores de alimentos associam-se directamente

à gestão e ao uso sustentável da biodiversidade agrícola. Através do seu trabalho diário, as populações rurais

acumularam conhecimentos e competências relativas aos seus ecossistemas, variedades de culturas locais e raças de

animais, sistemas agrícolas e valores nutricionais de várias plantas sub-utilizadas. Eles tornaram-se especialistas na

manutenção dos seus próprios escassos recursos. Os homens e as mulheres agem de formas diferentes por causa dos

seus papéis relacionados socialmente, portanto, eles tem conjuntos diferentes de conhecimentos e de necessidades.

A experiência mostra que os programas e as políticas relacionados com a agricultura e o ambiente não diferenciam

entre agricultores masculinos e femininos. Portanto, eles frequentemente recusam reconhecer as diferenças entre o

trabalho, conhecimento, contribuições e necessidades dos homens e das mulheres. Isto tem consequências importantes

para a biodiversidade assim como para a igualdade do género. O estudo de caso apresentado no Módulo 5, por exemplo,

mostra claramente como a agrobiodiversidade e o conhecimento local detido por mulheres eram negativamente

afectados pela introdução de vegetais exóticos para a produção no mercado, que foi, uma actividade principalmente

conduzida por homens.

[Caixa 1] DEFINIÇÃO DOS PAPÉIS DE GÉNERO E DAS RELAÇÕES DE GÉNERO

Os Papéis de género são “a definição social” de homens e mulheres. Eles variam nas diferentes sociedades e

culturas, classes e idades e durante diferentes períodos da história. Os papéis e responsabilidades específicas

do género são muitas vezes condicionados pela estrutura da família, acesso aos recursos, impactos

específicos da economia global e outros factores locais relevantes, tais como as condições ecológicas (FAO

1997).

As Relações de género são as formas segundo as quais a cultura ou a sociedade define os direitos, as

responsabilidades e identidades dos homens e mulheres em relação a um ao outro (Bravo-Baumann 2000).

O QUE É O GÉNERO?

FICHA INFORMATIVAO QUE É O GÉNERO?

16 1.3

Tanto os agricultores que são homens como os que são mulheres desempenham um papel importante como decisores

na gestão da biodiversidade agrícola. Eles decidem quando fazer a sementeira, colheita e processamento das suas culturas.

Decidem também, quanto é que se deve semear de cada variedade de cultura em cada ano, a percentagem de sementes da

sua própria produção a guardar e o que comprar ou trocar. Todas estas decisões afectam o montante total da diversidade

genética que é conservada e utilizada.

Em muitos sistemas agrícolas existe uma divisão do trabalho que determina as diferentes tarefas pelas quais os homens

e as mulheres têm responsabilidade. Geralmente, as mulheres têm um papel importante na produção, processamento,

preservação, preparação e venda das culturas básicas, enquanto que os homens tendem a dedicar-se mais à produção de

culturas de alto rendimento ou orientadas para o mercado. Encontramos, muitas vezes, uma divisão nas práticas de gestão de

culturas e gado. O arrancar de ervas daninhas é normalmente tarefa de mulheres, enquanto que a pulverização e aplicação

dos fertilizantes é principalmente feito por homens. As mulheres e as crianças muitas vezes cuidam da criação de espécies

pequenas de animais, enquanto os homens são geralmente responsáveis pela criação de gado. Estes são apenas alguns

exemplos que embora não sejam geralmente aplicáveis, vão depender das situações e culturas específicas em que estamos a

trabalhar.

[Caixa 3] DIFERENÇAS DE GÉNERO E ESPECÍFICAS DE IDADES EM RELAÇÃO À RECOLHA,PREPARAÇÃO E CONSUMO DE “ALIMENTOS DE PLANTAS SILVESTRES”NA ETIÓPIA RURALAs crianças, principalmente, são as que colhem e consomem os frutos das plantas silvestres. Outros frutos

silvestres e plantas de alimentos de fome são colhidos por crianças e mulheres e preparados pelas mulheres

em todas as áreas inquiridas. As mulheres colhem frequentemente alimentos silvestres quando estão a

caminho da busca de água, da recolha de lenha, da ida ao mercado e quando estão de regresso a casa vindas

dos seus campos.

Os membros masculinos saudáveis da comunidade, usualmente emigram a procura de oportunidades diárias

de trabalho noutros sítios durante os períodos de escassez de alimentos. As mulheres e crianças ficam para

gerirem o melhor possível. Portanto, as mulheres e as crianças são os actores principais no que respeita a

colecção, preparação e consumo dos alimentos de plantas silvestres. As crianças vão à procura de alimentos

e trepam árvores para a colheita, enquanto as mulheres fazem a preparação e cozinham.

Os jovens rurais consomem mais alimentos silvestres que a geração mais velha nas épocas normais. No

entanto, nos tempos de escassez de alimentos as pessoas de todas as idades e sexos comem os alimentos

selvagens, para satisfazerem as suas necessidades nutricionais, para a concretização tradicional e para os

tratamentos locais curativos. Isto inclui o consumo dos frutos da Embelia schimperi (“enkoko” em Amharico)

para controlar os parasitas intestinais.

Font

e: G

uina

nd a

nd L

emes

sa

[Caixa 2] DIFERENÇAS DE GÉNERO NO CONHECIMENTO DAS VARIEDADESTRADICIONAIS DO ARROZ NO MALI

O arroz era tradicionalmente considerado uma cultura feminina na região de Bafoulabé no Mali. Era cultivado perto

de rios ou em zonas onde houvesse água estagnada durante a época chuvosa. As mulheres tomavam conta dos

campos, individualmente ou em grupos. O seu conhecimento das variedades terrestres era vasto e podiam

identificar 30 variedades diferentes pelo ciclo de crescimento, hábito de crescimento da planta, altura da planta,

número de caules, produção de grão, tamanho do grão, forma e cor, qualidade da preparação, utilização e sabor do

produto final. Os homens tinham pouco conhecimento das variedades tradicionais do arroz, mas, tinham a

responsabilidade principal das três variedades melhoradas de arroz introduzidas na vila.

Fonte: Synnevag, 1997

O QUE É O GÉNERO?FICHA INFORMATIVA

171.3

As mulheres estão frequentemente envolvidas na selecção, melhoramento e adaptação das variedades de plantas.

Elas têm frequentemente mais conhecimentos especializados na utilização de plantas silvestres para a alimentação,

forragem e medicina do que os homens (ver Caixa 2 e 3). Os homens e as mulheres podem ser responsáveis por culturas ou

mesmo variedades diferentes ou serem responsáveis por diferentes tarefas relacionadas com uma certa cultura.

As décadas mais recentes testemunharam ganhos substanciais na produtividade agrícola e avanços rápidos na

tecnologia agrícola. Estes avanços têm frequentemente contornado as agricultoras e reduzido a sua produtividade.

Frequentemente, as mudanças estavam ligadas aos requisitos de créditos inacessíveis às mulheres, ou não estavam apenas

adaptados às necessidades e exigências das mulheres. Portanto, como agricultoras e gerentes dos recursos naturais, as

mulheres enfrentam uma série de constrangimentos baseados no género. Os países devem encontrar formas de ultrapassar

este vazio da produtividade a fim de enfrentar os desafios da produção de alimentos para uma população crescente, os

países precisam de encontrar formas de ultrapassar esta lacuna na produtividade.

GESTÃO DO GÉNERO E DA AGROBIODIVERSIDADEExistem preocupações crescentes que a contribuição vital das mulheres para a gestão dos recursos biológicos e geralmente

para a produção económica, tem sido, mal entendida, ignorada ou subestimada (Howard 2003). As mulheres são o único

ganha-pão em um terço de todas as famílias no mundo. Nas famílias pobres com dois adultos, mais de metade do

rendimento disponível é proveniente do trabalho das mulheres e crianças. Mais ainda, as mulheres usam mais os seus

ganhos para custear as necessidades básicas. As mulheres produzem 80 por cento dos alimentos em África, 60 por cento

na Ásia e 40 por cento na América Latina (Howard 2003).

As mulheres tendem a estar mais activamente envolvidas, que os homens, na economia familiar. Isto envolve

tipicamente o uso de uma diversidade mais ampla de espécies para a alimentação e medicina, do que as que são

comercializadas nos mercados regionais ou internacionais. As mulheres têm geralmente a responsabilidade primária de

fornecerem as suas famílias com alimentos, água, combustível, medicamentos, fibras, forragem e outros produtos. Muitas

vezes, elas precisam de contar com um ecossistema saudável e diverso para terem um rendimento em dinheiro. Como

resultado, as mulheres rurais são mais entendidas sobre os padrões e usos da biodiversidade local. Todavia, é muitas vezes

negado o acesso à terra e seus recursos a estas mesmas mulheres. Em muitos países, tais como o Quénia, as mulheres têm

acesso apenas à terra mais marginal – as plantas medicinais são colhidas ao longo das ruas e vedações, e o combustível é

de facto recolhido nas áreas comuns, muito distantes das vilas para os homens as reclamarem.

As questões de género cortam caminho através das actividades da gestão da biodiversidade agrícola de várias

formas. Primeiro, a gestão da agrobiodiversidade é baseada na comunidade e requer o apoio de toda a comunidade - jovens

e velhos, ricos e pobres, homens e mulheres, rapazes e raparigas. Porque as mulheres desempenham um papel restrito ou

invisível nos assuntos públicos de muitas comunidades, são preciso tomar passos especiais para que as mulheres sejam

consultadas sobre a gestão da biodiversidade agrícola.

A tradição pode ditar que o chefe da família fale em nome da família. Contudo, muitos homens não estão

suficientemente cientes dos assuntos das mulheres para os levantar de forma adequada nas reuniões públicas. Por

conseguinte, devem ser encontradas outras formas para utilizar os conhecimentos, as necessidades e requisitos das

mulheres, e para determinar os seus compromissos e contribuições para a gestão da biodiversidade agrícola.

Segundo, os homens e as mulheres usam a agrobiodiversidade de diferentes formas e têm diferentes medidas de

distribuição e conservação. Portanto, a gestão da biodiversidade agrícola requer informação, participação na tomada de

decisões, gestão e compromisso de ambos os sexos.

FICHA INFORMATIVAO QUE É O GÉNERO?

1.318

Além disso, os papéis e responsabilidades das mulheres são maiores do que nunca em diversas regiões devido à

emigração dos homens para as zonas urbanas. Os homens estão, frequentemente, ausentes dos lares das zonas rurais

porque procuram ganhar um rendimento alternativo. Isto cria, “de facto” famílias lideradas por mulheres, onde os homens

podem reter o poder de tomada de decisão apesar das mulheres estarem a gerir as quintas e as famílias durante longos

períodos. Esta “feminização da agricultura” pode indicar que as mulheres estão a conquistar mais poder de tomada de

decisão no que diz respeito à gestão da agrobiodiversidade.

Devido às tendências acima descritas é importante, para nós, reconhecer que as considerações de género na

biodiversidade agrícola precisam sempre de tomar em linha de conta os papéis, responsabilidade, interesses e

necessidades tanto dos homens como das mulheres. Além do mais, é necessário estarmos cientes de outras diferenças que

devem ser tomados em consideração dentro destes dois grupos, tais como a idade, etnia e estatuto social.

O fracasso em considerar estas diferenças, entre homens e mulheres, leva a actividades de projecto mal sucedidas.

Pode levar também, à marginalização do maior sector da sociedade e a larga parte da mão-de-obra agrícola. Assim, a

compreensão das relações de género e o ajuste dos métodos e das mensagens é crucial para a participação completa de

todos os sectores da comunidade.

Pontos-chave0 As correntes agrícolas e ambientais principais e as políticas e programas relacionados tendem a ver os

agricultores como homens ou, não fazem, a diferenciação entre agricultores masculinos e femininos.

0 Os papéis dos homens e mulheres rurais como produtores e fornecedores de alimentos, ligam-nos

directamente à gestão e ao uso sustentável da agrobiodiversidade.

0 Ambos os agricultores, masculinos e femininos, desempenham um papel importante como tomadores

de decisões na gestão da biodiversidade agrícola. Todas estas decisões afectam o montante total da

diversidade genética que é conservada e utilizada.

0 Na maioria dos sistemas agrícolas existe uma divisão do trabalho, que determina as diferentes tarefas

complementares pelas quais os homens e as mulheres são responsáveis.

0 As mulheres tendem a estar mais activamente envolvidas que os homens na economia familiar que

envolve tipicamente o uso de uma diversidade mais ampla de espécies para a alimentação e medicina

do que os que são comercializados nos mercados regionais ou internacionais.

0 Existem preocupações crescentes que a contribuição vital das mulheres para a gestão dos recursos

biológicos e para a produção económica em geral, tem sido mal entendida, ignorada ou subestimada.

O QUE É O GÉNERO?FICHA INFORMATIVA

1.3

O QUE É O GÉNERO?

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

19

OBJECTIVO: A ficha informativa 1.3 fornece uma introdução ao conceito de género dentro da gestão da

agrobiodiversidade. Ela apresentam definições e descreve a relevância dos papéis de do género e suas

responsabilidades. O objectivo geral é estabelecer uma compreensão partilhada entre os participantes dos termos e

conceitos relevantes.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes cheguem a um entendimento do conceito de género e estejam

cientes da sua posição dentro da gestão da biodiversidade agrícola.

PROCESSO:

É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na partilha mútua de

conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos participantes e formadores é igualmente respeitado e

valorizado.

1) Como uma introdução à sessão, um curto exercício pode ser realizado para revelar os diferentes papéis e

responsabilidades dos homens e mulheres na agricultura (Ver o manual do ASEG em www.fao.org/sd/seaga/4_en.htm).

2) Sessões de brain-storming sobre termos do género e com ele relacionados baseadas no material de formação

do ASEG.

3) Os resultados deste exercício podem ser usados para explorar a relevância das descobertas para a gestão da

agrobiodiversidade

4) O facilitador pode guiar a discussão para níveis mais complexos de análise. Os participantes podem ser

encorajados a incluir aspectos de idade e estatuto social na sua discussão.

5) Um passo seguinte pode ser o de convidar os participantes a discutir as consequências de intervenções de

projecto e abordagens insensíveis ao género3.

6) As descobertas dos participantes devem ser organizadas em conjunto com o facilitador. Os participantes

podiam ser encorajados a fornecer exemplos da sua própria experiência de trabalho.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estejam conscientes da importância da dimensão do género dentro da

gestão da agrobiodiversidade. Que tenham estabelecido, em conjunto, uma compreensão partilhada do conceito. Os

pontos-chave da ficha informativa 1.3 tenham sido levantados pelos participantes.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 2 horas.

3 Ignorar/falhar em abordar a dimensão do género, em oposição a sensíveis ou género ou neutrais ao género

211.4

A Cimeira Mundial de Alimentação de 1996 chegou a um quase consenso sobres as características principais do problema

global da segurança alimentar. A segurança alimentar é o fornecimento adequado de alimentos e da disponibilidade

alimentar. Isto significa estabilidade de mantimentos e acesso à comida e ao consumo por todos. “ A segurança alimentar…é

conseguida quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico e económico a comida nutritiva e segura

em quantidade suficiente e adequada às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida activa e

saudável” (FAO, 1996). O direito à comida é um direito humano básico, mandatado na lei internacional e reconhecido por

todos os países.

A disponibilidade alimentar é necessária para a segurança alimentar, mas não é suficiente. As famílias com

insegurança alimentar podem estar em áreas onde existe comida suficiente, mas falta à família o rendimento ou os meios

que dão direito (produção, comércio ou trabalho) a obtê-los. Melhorar os meios que dão direito significa expandir as

oportunidades económicas e fazer os mercados funcionarem melhor para os pobres. Além disso, os indivíduos com

insegurança alimentar podem viver em agregados familiares com segurança alimentar. Assegurar que todos os membros de

família têm uma dieta adequada significa ultrapassar a descriminação de género ou de idade.

Estado da segurança alimentar mundial: Não existe escassez de comida para aqueles que se podem permitir comprá-la.

Embora o retrato global demonstre excedentes sólidos de comida e preços em queda, a segurança alimentar

permanece uma preocupação chave. Isto acontece pois milhões de pessoas não têm acesso económico a comida

suficiente:

≠ Mais de 826 milhões de pessoas estão com fome cronicamente; eles precisam de comer mais 100-400 mais

Calorias por dia;

≠ Mundialmente, 32 por cento das crianças em idade pré-escolar está atrofiada, 26 por cento têm peso abaixo do

normal;

≠ A Ásia tem mais pessoas com fome do que qualquer outro lugar, mas a fome é maior na África sub-Sahariana e é

pior em países afectados pelo conflito;

≠ A pobreza é a causa mais comum para a insegurança alimentar;

≠ O progresso tem sido irregular, a pobreza continua a aumentar na África sub-Sahariana e na Ásia, a proporção de

pessoas a viver na pobreza tem declinado dramaticamente, mas o progresso abrandou recentemente.

O QUE É A SEGURANÇA ALIMENTAR?

UMA DEFINIÇÃO DE SEGURANÇA ALIMENTAR FAMILIAR

As famílias estão seguras do ponto de vista alimentar quando todos os membros têm acesso durante todo o ano

à quantidade e variedade de alimentos seguros para levarem vidas activas e saudáveis. Ao nível familiar, a

segurança alimentar refere-se à capacidade dos membros da família de assegurarem comida adequada para as

necessidade alimentares, quer provenientes de produção familiar quer adquiridos através da compra.

FICHA INFORMATIVAO QUE É A SEGURANÇA ALIMENTAR?

22 1.4

Ligações à análise da subsistência: A abordagem da subsistência, que considera os bens e constrangimentos das pessoas,

é uma ferramenta valiosa para melhorar o acesso à comida pelas pessoas pobres. Ajuda-nos a chegar à

compreensão da insegurança e vulnerabilidade alimentar transitória. Isto inclui, por exemplo, como as mudanças na

vulnerabilidade (infecção pelo VIH, seca), instituições (reformas de mercado) ou as fundações (degradação do solo)

têm impacto nos resultados da subsistência (segurança alimentar). As estratégias de bens e de subsistência,

incluindo as estratégias que não têm a ver com o cultivo, são valiosas porque elas nos permitem distanciar-nos do

pensamento que a segurança alimentar se foca apenas na agricultura (Ver Módulo 2).

A biodiversidade e especialmente a agrobiodiversidade, são bens importantes que favorecem a segurança alimentar

das pessoas pobres. A biodiversidade agrícola contribui para a realização de subsistências sustentáveis ao ser um elemento

essencial da base de recursos naturais. Além disso, a maior extensão e volume de biodiversidade é detida pelos países em

desenvolvimento. Estes recursos genéticos são particularmente importantes para a segurança alimentar e de rendimentos,

cuidados de saúde e práticas culturais e espirituais. Isto é verdade para muitas comunidades rurais, nos países em

desenvolvimento, pois os recursos genéticos são elementos cruciais para a gestão do risco ambiental e para a produção de

comida. A importância do conhecimento local está relacionada de perto com este aspecto da segurança alimentar, porque

não é suficiente ter diversidade genética disponível. As populações contam com o conhecimento local para a gestão

sustentável e utilização destes recursos para que eles possam beneficiar deles (Mais detalhes sobre a agrobiodiversidade

e o conhecimento local podem ser encontrados nas fichas informativas 1.1 e 1.2)

O VIH/SIDA tem sido um factor importante na discussão da segurança alimentar. Duma perspectiva das subsistências,

o VIH/SIDA representa um choque severo, dentro do contexto de vulnerabilidade de muitas pessoas ao redor do globo. O

VIH/SIDA ataca tipicamente os membros mais produtivos das famílias em primeiro lugar. Quando estas pessoas ficam

doentes, existe um esforço na capacidade de trabalho, de se alimentarem e de providenciarem atenção na família. Há

medida que a doença progride, pode ser ainda mais difícil para a família lidar com esse facto. O estado de pobreza avança

à medida que os recursos se exaurem e os bens valiosos, tais como o gado e as ferramentas são vendidos para pagar as

despesas com comida e medicamentos.

Sem comida ou rendimentos, alguns membros da família podem emigrar na procura de trabalho, aumentando as sua

hipóteses de contraírem o VIH – e de o trazerem de volta para casa. Para outros, o sexo comercial pode ser a única opção

para alimentar e suportar a sua família. A insegurança alimentar também leva à má nutrição, que pode agravar e acelerar o

desenvolvimento da SIDA. Do mesmo modo, a doença em si própria pode contribuir para a má nutrição ao reduzir o apetite,

interferir com a absorção de nutrientes e fazer exigências adicionais no estado nutricional do organismo.

(www.fao/es/ESN/nutrition/household_hivaids_en.stm)

No Módulo 2, vai aprender mais acerca do sistema de subsistências e compreender como a segurança alimentar está

colocada dentro dele de uma forma central.

O QUE É A SEGURANÇA ALIMENTAR?FICHA INFORMATIVA

23

1.4

O QUE É A SEGURANÇA ALIMENTAR?

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

OBJECTIVO: A ficha infromativa 1.4 fornece uma curta introdução a um aspecto da segurança alimentar, que é a gestão

sustentável da agrobiodiversidade, que é um pré-requisito importante para alcançar a segurança alimentar. Além disso,

isto está directamente ligado ao conhecimento local e às relações de género.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes estejam cientes da importância global de uma segurança alimentar

melhorada.

PROCESSO:

É importante mostrar aos participantes, desde o início, que a abordagem da formação é baseada na partilha mútua de

conhecimento e informação. Além disso, o conhecimento dos participantes e formadores é igualmente respeitado e

valorizado.

1) Como uma introdução a esta sessão, os participantes podem partilhar ideias de como os três conceitos de

agrobiodiversidade, género e conhecimento local são importantes para a segurança alimentar.

2) O facilitador pode agrupar as diferentes ideias e o aspecto da “segurança alimentar”deveria ser sublinhado.

Finalmente o facilitador pode: (a) apresentar uma definição de segurança alimentar baseada na ficha

informativa 1.4. (b) Se o tempo disponível o permitir, os participantes podem formar pequenos grupos e

desenvolver, por si próprios, uma definição de segurança alimentar, que irá então ser partilhada no plenário.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estejam conscientes que o curso inteiro está embutido no objectivo de

conseguir alcançar a segurança alimentar. Além disso, que eles tenham estabelecido uma compreensão partilhada do

termo.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 1 hora.

Leituras chave para a ficha infromativa 1.2

j Mujaju, C., Zinhanga, F. e Rusike, E. (2003). Bancos de Sementes Comunitários para a Agricultura Semi-

árida no Zimbabué. Em Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade Agrícola, publicado por CIP-

UPWARD em colaboração com a GTZ, IDRC, IPGRI e SEARICE.

Leituras chave para a ficha infromativa 1.3

j FAO (1999). Mulheres utilizadoras, preservadoras e gestoras da agrobiodiversidade.

j Torkelsson, A. (2003). Género na Conservação da Biodiversidade Agrícola. Em Conservação e Uso

Sustentável da Biodiversidade Agrícola, publicado por CIP-UPWARD em colaboração com a GTZ, IDRC,

IPGRI e SEARICE

L E I T U R A S C H A V E - M Ó D U L O 1

Leituras chave para a ficha infromativa 1.1

j Thrupp, L.A. (2003). O Papel Central da Biodiversidade Agrícola: Tendências e Desafios, publicado por

CIP-UPWARD em colaboração com a GTZ, IDRC, IPGRI e SEARICE.

j Notas da IK; Nº 23 (Agosto 2000). Sementes da vida: as mulheres e a Biodiversidade Agrícola em África.

Leituras chave para a ficha infromativa 1.4

j Breve da Biodiversidade Nº 6. A Biodiversidade no desenvolvimento. IUCN/DFID.

A Segurança Alimentar e a Biodiversidade.

www.iucn.org/themes/wcpa/pubs/pdfs/biodiversity/biodiv_brf_06.pdf

24

Bamako, Mali, 24 – 28.2.1997. pp. 85–92, Montpellier, France, Institut d’Economie Rurale, Bureau des Ressources Génétiques,Solidarités Agricoles et Alimentaires.

Bravo-Baumann, H. 2000. Capitalisation of experiences on the contribution of livestock projects to gender issues. WorkingDocument, Bern, Swiss Agency for Development and Cooperation.

FAO. 1996a. Global plan of action for the conservation and sustainable utilisation of plant genetic resources for food andagriculture, Leipzig, Germany, June 1996.

FAO. 1996b. Rome Declaration on World Food Security and the World Food Summit Plan of Action,www.fao.org/docrep/003/w3613e/w3613e00.htm

FAO. 1997. Gender: the key to sustainability and food security, SD Dimensions, May 1997. www.fao.org/sd/

FAO. 1999a. Agricultural Biodiversity, Multifunctional Character of Agriculture and Land Conference, Background Paper 1,Maastricht, September 1999.

FAO. 1999b. Women: users, preservers and managers of agrobiodiversity. www.fao.org/FOCUS/E/Women/Biodiv-e.htm

Guinand, Y. & Lemessa, D. (2000), Wild-food plants in southern Ethiopia: Reflections on the role of “famine-foods” at a time ofdrought. UN-Emergencies Unit for Ethiopia, UNDP Emergencies Unit for Ethiopia.

Howard, P. 2003. Women and plants, gender relations in biodiversity management and conservation. United Kingdom, ZED Books.

IK Notes, No 23. August 2000. Seeds of life: Women and agricultural biodiversity in Africa.

IK Notes, No. 44. May 2002. The contribution of indigenous vegetables to household food security.

IIRR. 1996. Manual on Indigenous knowledge: Recording and using indigenous knowledge. A manual for developmentpractitioners and field workers. International Institute of Rural Reconstruction. The Philippines.

IUCN/ DFID. (No date). Biodiversity in development, Biodiversity Brief No. 6. United Kingdom.www.iucn.org/themes/wcpa/pubs/pdfs/biodiversity/biodiv_brf_06.pdf

Mujaju, C., Zinhanga, F. & Rusike, E. 2003. Community seed banks for semi-arid agriculture in Zimbabwe. In Conservation andsustainable use of agricultural biodiversity. Published by CIP-UPWARD in partnership with GTZ, IDRC, IPGRI and SEARICE.

Oduol, W. 1995. Adaptive responses to modern technology: Kitui farmers in the semi-arid regions of eastern Kenya. In Technologypolicy and practices in Africa, Canada, International Development Research Centre.

Synnevag, G. 1997. Gender differentiated management of local crop genetic resources in Bafoulabe Cercle, Kayes region of Mali –A case study. In Actes du Colloque, Gestion des Ressources Génétiques de Plantes en Afrique des Savanes.

Thrupp, L.A. 1997. Linking biodiversity and agriculture: Challenges and opportunities for sustainable food security.World Resources Institute, USA.

Warburton, H. & Martin, A.M. 1999. Local people’s knowledge. Best practice guideline. Socio-Economic MethodologiesProgramme, DFID, United Kingdom

Warren, D. M. 1991. Using indigenous knowledge in agricultural development. World Bank Discussion Paper No. 127, Washington,DC, World Bank.

World Resources Institute (No date) Women and biodiversity. www.wri.org/biodiv/women-01.html

Web sites

FAO Web site on Agrobiodiversity: www.fao.org/biodiversity/index.asp?lang=en

FAO Web site on Gender, Agrobiodiversity and Local Knowledge: www.fao.org/sd/links

FAO Web site on Gender: www.fao.org/Gender/gender.htm

FAO Web site on Sustainable Development issues: www.fao.og/sd/index_en.htm

FAO Web site on HIV/AIDS: www.fao.org/hivaids/links/index_en.htm

FAO Web site on Food Security: www.fao.org/es/ESN/nutrition/household_hivaids_en.stm

World Bank Web site on indigenous knowledge: www.worldbank.org/afr/ik/what.htm

M Ó D U L O 1 - R E F E R ÊN C I A S

25

27

O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL? . . . . . . . . . . .29

Pontos-chave para a ficha informativa 2.1Página com informação processual 2.1 – Notas para o facilitadorPágina de Exercícios 2.1

2.1

QUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39CONHECIMENTO LOCAL E GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DESUBSISTÊNCIA?

Pontos-chave para a ficha informativa 2.2Página com informação processual 1.2 – Notas para o facilitadorPágina de Exercícios 2.2

2.2

GESTÃO DA AGROBIODIVERSIDADE DAPERSPECTIVA DE UMA SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL

Leituras ChaveReferências

Mód

ulo2

29

Esta ficha informativa vai introduzir o modelo da subsistência. O modelo de subsistência sustentável1 pode ajudar a explorar

as ligações entre agrobiodiversidade, género e conhecimento local. Para além disso, vai auxiliar-nos a alargar a nossa

perspectiva e a aplicar uma visão mais holística a estes assuntos. Este módulo é principalmente teórico, mas nos módulos 3

e 4 vai encontrar mais exemplos práticos de assuntos desenvolvidos aqui. A investigação recente, em colheitas tradicionais e

espécies de gado, sugere que existe uma discrepância significativa entre as prioridades de pesquisa e as necessidades dos

agricultores (Blench, 1997). Uma forma de explicar esta discrepância é reflectir sobre os pontos de vista subjacentes tomados

por estes diferentes actores. Podem ser identificadas duas perspectivas principais, que são comparadas na tabela seguinte.

CENTRADA NAS POPULAÇÕESO ponto de partida para a gestão da agrobiodiversidade é as

próprias populações. Uma perspectiva de subsistência

facilita uma análise mais aprofundada dos diferentes grupos

sociais, incluindo a distribuição de benefícios e acesso aos

recursos de uma perspectiva do género. A adopção de uma

perspectiva de subsistência vai, portanto, facilitar a

identificação das múltiplas funções e propósitos que a

biodiversidade agrícola desempenha. Sendo para diferentes

grupos sociais e diferentes ambientes, vai colocar a

segurança alimentar das populações pobres no centro da

discussão.

HOLÍSTICADe uma perspectiva de subsistência, a gestão da

agrobiodiversidade não é vista como um actividade separada

que visa a conservação de espécies, variedades e raças

individuais. Em vez disso, é encarada como parte das

estratégias de subsistência diárias em todo o globo. Os

agricultores não mantêm a agrobiodiversidade com o mero

propósito da conservação. Eles aplicam uma perspectiva mais

holística e integrada ao uso das espécies, variedades e raças

dentro do seu sistema agrícola. A agrobiodiversidade é gerida

por agricultores e, por um conjunto maior de razões, o sucesso

da conservação e melhoramento depende dos benefícios que

as populações obtêm.

Qual é o ponto de partida da perspectiva da subsistência? As populações em si devem ser o ponto principal para a

análise da gestão da agrobiodiversidade. Se as populações não forem o ponto de partida, será difícil conseguir prioridades

de investigação e desenvolvimento que estejam alinhadas com os pontos de vista das populações locais. Os méritos de usar

uma perspectiva de subsistência para compreender a gestão da biodiversidade agrícola estão descritos em maior detalhe,

seguidamente.

O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?

PERSPECTIVA DA GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS

O foco é nos recursos genéticos e no seu uso e potencial de produção

Estreita em termos de compreender e fortalecer propósitos efunções diferentes da agrobiodiversidade

Estática resultando da pré-selecção de espécies prioritárias paramelhoramento e conservação

Depende fortemente do conhecimento e tecnologias externospara o melhoramento de espécies, incluindo práticas deconservação ex situ

Tende a focar-se mais ou ao nível dos recursos naturais ou ao nívelpolítico

Sustentabilidade questionável porque é dada pouca atenção àconstrução de capacidades locais

PERSPECTIVA DA SUBSISTÊNCIA

O foco é nas populações locais e suas estratégias de subsistência

Holística em termos de compreender os propósitos e funçõesdesempenhadas pela agrobiodiversidade nas estratégias desubsistência

Dinâmica em termos de mudança de prioridades e necessidades dediferentes populações em alturas diferentes

Constrói-se com os pontos fortes das populações, e.g.conhecimento local para a selecção de espécies e práticas deconservação in situ

Ligações Macro-Micro, e.g. lobbying de políticas para os Direitos dosAgricultores para assegurar o acesso local à diversidade genética

Sustentabilidade relacionada com o melhoramento das capacidadeslocais e ao fortalecimento das populações locais

[Tabela 1] Comparação de diferentes perspectivas sobre a agrobiodiversidade

1 Esta ficha informativa é baseada nos Folhetos Guia de Subsistência Sustentável do DFID, que podem ser acedidos em

www.livelihoods.org/info/info_guidanceSheets.html.

2.1FICHA INFORMATIVAO QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?

30

DINÂMICAA utilização e a gestão da agrobiodiversidade é dinâmica.

Componentes diferentes da agrobiodiversidade são usados por

diferentes pessoas em tempos e locais diferenciados,

contribuindo assim para o desenvolvimento de estratégias de

subsistência complexas. A compreensão de como este uso

difere de acordo com a riqueza, género, idade e situação

ecológica é essencial para a compreensão da contribuição da

biodiversidade agrícola para a subsistência de diferentes

membros de uma comunidade.

CONSTRUIR SOBRE FORÇAS E BENSSe tomarmos uma perspectiva de subsistência, significa que

nos focamos nas forças e bens de subsistência existentes, em

vez de nos focarmos nas fraquezas e necessidades. De uma

perspectiva de subsistência, o conhecimento local e os recursos

genéticos são considerados bens importantes. O conhecimento

detido por agricultores, por exemplo, das espécies de plantas

locais e de gado é uma componente crucial da selecção,

conservação e melhoramento de espécies. As plantas e animais

locais formam parte de um complexo agro-ecosistema; os

agricultores construíram um corpo de conhecimento

significativo de como estes têm que ser geridos sob condições

específicas.

LIGAÇÕES MACRO-MICROAs actividades de investigação e desenvolvimento tendem a

focar-se ao nível macro ou micro. Ao aplicar uma perspectiva de

subsistência torna-se importante ligar estes níveis para a

gestão bem sucedida da agrobiodiversidade, Como vimos no

Módulo 1.1, muitos factores relacionados com a perda de

biodiversidade agrícola estão ligados ao nível macro. Os

factores que contribuem a para a perda de agrobiodiversidade

incluem a globalização dos mercados, estratégias de

financiamento, o estabelecimento de prioridades para a

investigação e desenvolvimento e os direitos de acesso aos

recursos genéticos. Por outro lado, o nível micro é relevante

para a consideração da agrobiodiversidade como um bem

valioso gerido por uma variedade de pessoas.

SUSTENTABILIDADEA abordagem da subsistência enfatiza a importância de

construir sobre as capacidades e forças existentes. Os

aspectos chave são o fortalecimento da população local

através da partilha de informação e construção da capacidade.

Mais ainda, a negociação dos Direitos dos Agricultores e a

partilha equitativa destes benefícios vai contribuir para a

sustentabilidade da subsistência (ver Módulo 4).

Globalmente, a perspectiva da subsistência está interessada

em primeiro lugar e principalmente com as populações. É

procurada uma compreensão acertada e realística dos pontos

fortes das populações (bens e dotações de capital) e como

podem converte-los em resultados de subsistência positivos.

A abordagem é baseada na crença de que as populações

necessitam de um leque de bens para conseguirem

resultados de subsistência positivos. Nenhuma categoria

simples de bens, por si só, é suficiente para produzir os

muitos e variados resultados de subsistência que as

populações procuram. Isto é, particularmente, verdade para

os pobres, cujo acesso a qualquer categoria de bens, tende a

ser muito limitado. Eles têm que procurar formas de promover

e combinar os bens que têm de formas inovadoras para

assegurar a sua sobrevivência.

[Caixa 1] AGRICULTURA DE FEIJÕES NO QUÉNIA

A agricultura dos feijões entre os Kikuyu no Quénia providencia um caso de interesse. As evidências disponíveis

indicam que, nos tempos pré-coloniais, uma grande variedade de espécies de feijão eram cultivadas nas terras

altas do Quénia. Mais ainda, os feijões constituíam um elemento crítico da dieta das populações rurais, ao

fornecerem uma rica fonte de proteínas para complementar o consumo de milho e de outros tipos de comida

disponíveis. Particularmente, as variedades de feijões pretos indígenas chamados njahe em Kikuyu (Lablab níger e

Dcolichos lablab pelos seus nomes científicos) eram cultivadas por mulheres, e constituíam uma boa proporção da

colheita. Os Njahe tinham, para além disso, um significado especial para as mulheres, pois considerava-se que

o feijão aumentava a fertilidade e que tinha propriedades curativas para mães no pós-parto. Era, ao mesmo

tempo, uma comida quase sagrada pois os feijões cresciam na montanha do Ol Donyo Sabuk, que é o segundo

local de residência mais importante do Criador na religião Kikuyu, e era usado em cerimónias de adoração. Os

feijões no Quénia são predominantemente uma colheita de pequeno proprietário, são largamente produzidos

por mulheres para alimentar as suas famílias. Tradicionalmente, as mulheres tendem a desenvolver múltiplas

variedades no mesmo campo – e guardam vários stocks de sementes – como uma vantagem contra as doenças

e clima imprevisível. Para além disso, os pratos locais, tais como o githeri e o irio, eram baseados em tipos

múltiplos de feijões.

Fon

te:

IK N

otes

2.1 O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?FICHA INFORMATIVA

31

O exemplo do Quénia mostra a complexidade por detrás de uma actividade simples como a plantação de feijões. Asagricultoras tentam atingir um leque de diferentes resultados de subsistência. A terra que elas utilizam para plantar estasculturas é outro bem importante, assim como o seu trabalho, que usam para gerir estas colheitas. Os resultados desubsistência que elas alcançam incluem a segurança alimentar, assuntos de saúde e estratégias de gestão das pestes.

A abordagem da subsistência enfatiza, ainda mais, a relevância do contexto mais vasto em que os modos de vida(subsistência) e os seus bens se encontram incluidos. É muito importante ter isto em mente, quando é discutida aagrobiodiversidade e a sua contribuição potencial para a subsistência das populações, o contexto de vulnerabilidade daspopulações, as políticas existentes, as instituições e os processos também necessitam de ser considerados. Devemosconsiderar as diferentes estratégias e resultados de subsistência que determinam amplamente como estes bens podem serusados. A figura seguinte é uma visão esquemática do modelo de subsistências sustentáveis. Os termos usados nestemodelo vão ser explicados e apresentados detalhadamente a seguir.

2 Este diagrama baseia-se na ficha dos sistemas de subsistência do Natural Resources Institute (NRI)

[Imagem 1] Modelo de subsistências sustentáveis2

2.1FICHA INFORMATIVAO QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?

32

O modelo de subsistências sustentáveis apresenta os factores principais que afectam os modos de vida (subsistência)

das populações e as relações típicas entre estes factores. O modelo pode ser usado tanto para planear novas actividades de

planeamento como para avaliar a contribuição que as actividades existentes têm para a sustentabilidade da subsistência. De

forma particular, este modelo:

≠ Providencia uma lista de assuntos importantes e sublinha a forma como estes se ligam uns aos outros;

≠ Chama a atenção para influências e processos principais; e

≠ Enfatiza as interacções múltiplas entre vários factores que afectam os modos de vida (subsistência);

O modelo não funciona de uma maneira linear e não tenta apresentar um modelo da realidade. O seu objectivo é auxiliar

os intervenientes, com a suas diferentes perspectivas, a envolverem-se num debate estruturado e coerente dos muitos

factores que afectam a subsistência, da sua importância relativa e da forma como interagem. No nosso caso, o modelo deverá

ajudar-nos a explorar as ligações entre a agrobiodiversidade, o género e o conhecimento local e a compreender melhor o seu

potencial na contribuição para uma subsistência melhorada.

As subsistências são moldadas por uma variedade de diferentes forças e factores, que estão em constante mudança.

As análises centradas nas populações vão começar, mais provavelmente, com a investigação simultânea dos bens das

populações, os seus objectivos (os resultados de subsistência que procuram) e as estratégias de subsistência que adoptam

para atingir esses resultados. Os termos usados neste modelo e a sua relevância vão ser explicados em seguida.

BENS são o que as pessoas usam para ganhar a vida. Eles são os aspectos principais de um modo de vida (subsistência). Os

bens podem ser classificados em cinco tipos – humanos, sociais, naturais, físicos e financeiros. As pessoas vão ter acesso aos

bens de formas diferentes, e.g. através da posse privada ou como direitos costumeiros para grupos.

O Capital Humano é a parte dos recursos humanos que é determinado pelas qualidades das pessoas, e.g. personalidades,

atitudes, aptidões, capacidades, conhecimento, e também a sua saúde física, mental e espiritual. O capital humano é o mais

importante, não só pelo seu valor intrínseco, mas porque os outros bens capitais não podem ser usados sem ele. Tal como o

capital social, descrito a seguir, pode ser difícil de definir e medir. Por exemplo, o estudo de caso sobre

agricultura de feijões no Quénia (ver Caixa 1) mostra que o conhecimento das mulheres, relacionado com

as diferentes variedades locais de feijões, é um bem importante para a segurança alimentar familiar tal

como para a saúde feminina.

O Capital Social é a parte dos recursos humanos determinada pelas relações que as pessoas têm com as outras. Estas

relações podem ser entre membros de família, amigos, trabalhadores, comunidades e organizações. Elas podem ser definidas

pelo seu propósito e qualidades, tais como, confiança, proximidade, força, flexibilidade. O capital Social é importante

por causa do seu valor intrínseco, pois, aumenta o bem-estar, facilita a geração de outro capital e serve para gerar

a estrutura da sociedade em geral; que é cultural, religiosa, política e outras normas de comportamento. Com

a agrobiodiversidade, poderíamos pensar nas ligações entre gerações que facilitam o fluxo de informação e

conhecimento, ou, poderíamos pensar em estratégias de troca de sementes entre famílias, como parte de uma

rede de segurança, em caso de perda de colheitas, etc.

2.1 O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?FICHA INFORMATIVA

33

O Capital Natural é constituído pelos recursos naturais usados pelas pessoas: ar, terra, minerais, água, plantas e vida

animal. Eles providenciam bens e serviços, quer sem a influência das pessoas (vida selvagem da floresta, estabilização dos

solos), quer com a sua intervenção activa (colheitas de quintas, plantações de árvores). O capital natural pode ser

medido em termos de quantidade e qualidade (número de acres, número de cabeças de gado, diversidade e

fertilidade). O capital natural é importante para os seus benefícios ambientais gerais e porque é a base essencial

de muitas economias rurais (ao providenciar comida, materiais de construção, forragem). Este é provavelmente

o bem mais fácil de compreender, porque a biodiversidade agrícola, como tal, forma um capital natural.

O Capital físico é derivado dos recursos criados pelas pessoas. Estes incluem edifícios, estradas, transportes, água potável,

electricidade, sistemas de comunicação e equipamento e maquinaria que produzem mais capital. O capital físico é constituído

por de bens de produção, serviços e bens de consumo que estão disponíveis para as pessoas usarem. O capital

físico é importante, porque supre as necessidades das pessoas através do acesso a outros capitais através

de transportes ou infra-estruturas. Um exemplo relevante relacionado com a gestão da agrobiodiversidade

é a disponibilidade de locais de armazenamento para guardar as sementes entre ciclos de colheita.

O Capital financeiro é uma parte específica e importante dos recursos criados. Compreende as finanças que estão

disponíveis para as pessoas na forma de salários, poupanças, ofertas de crédito, transferências de dinheiro ou pensões. É

muitas vezes, por definição, o bem mais limitador das pessoas pobres, apesar de poder ser o mais importante,

pois pode ser utilizado para comprar outros tipos de capital e pode ter uma má ou boa influência sobre as outras

pessoas. Em relação à biodiversidade agrícola, os bens financeiros podem ser importantes porque evitam que

as pessoas tenham que comer, ou vender todas as suas colheitas e sementes, ou matar todo o seu gado.

BALANÇOÉ a quantidade relativa de bens possuídos por um indivíduo, ou disponíveis, vai variar de acordo com

o género, localização e outros factores. O diagrama pentagonal que representa os bens pode ser

redesenhado, como demonstrado no exemplo, para se visualizar a quantidade relativa de cada

capital que está disponível a ser acedido por um indivíduo ou comunidade. É importante saber como

este acesso e disponibilidade variam ao longo do tempo.

O CONTEXTO DA VULNERABILIDADEA extensão, até à qual os bens das pessoas podem ser acumulados, balanceados; e como eles

contribuem para os seus modos de vida, depende de um conjunto de factores externos que alteram

as capacidades das pessoas de ganhar a vida. Alguns destes factores vão estar para além do seu

controlo e podem exercer uma influência negativa. Este aspecto da subsistência pode ser chamado

o contexto da vulnerabilidade, este contexto deve ser compreendido, o mais possível, para se

desenharem formas de mitigar estes efeitos. Existem três tipos principais de mudança:

2.1FICHA INFORMATIVAO QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?

34

Tendências: Estas são graduais e são relativamente previsíveis. As mudanças podem relacionar-se com a população,

recursos, economia, governo ou tecnologia. Elas podem ter um efeito positivo, apesar de aqui nos focarmos em efeitos

negativos. Os exemplos são:

≠ Degradação gradual da qualidade dos recursos naturais. O processo de desertificação pode levar à perda de

espécies valiosas de plantas e animais.

≠ Aumento populacional excessivo por causa da migração, que pode levar a um aumento da pressão nos recursos

locais resultando no uso insustentável e depleção.

≠ Desenvolvimentos inapropriados da tecnologia podem desalojar espécies ou variedades de culturas ou gado.

≠ Mudanças não desejadas na representação política podem levar a sistemas políticos que exploram recursos

naturais locais.

≠ Estagnação económica geral pode levar a um aumento da pobreza, e resultar na gestão insustentável dos recursos

locais. Isto pode levar, por exemplo, à depleção de certos recursos genéticos de plantas.

Choques: Algumas alterações externas podem ser súbitas e imprevisíveis. Elas podem estar relacionadas com a saúde,

natureza, economia, ou relações. Geralmente, elas são muito mais problemáticas. Os exemplos são:

≠ Extremos climáticos (seca, inundações, tremores de terra), que podem eliminar recursos animais e de vegetais

existentes.

≠ Perturbação civil (revolução) pode afectar as estruturas sociais. Pode resultar na interrupção de transferências de

conhecimento de recursos animais ou vegetais.

≠ Surto de doenças, e.g. VIH/SIDA pode levar a mudanças nos recursos de trabalho para as actividades agrícolas.

Certas culturas podem ser abandonadas ao mesmo tempo que o conhecimento relacionado com a sua gestão.

Sazonalidade: Muitas mudanças são determinadas pelos efeitos sazonais da produção de colheitas, acesso e

condições de vida. Apesar de serem de curto prazo, durando uma estação, podem ser críticas para as pessoas pobres

que têm um modo de vida de subsistência. Os exemplos são mudanças nos:

≠ Preços – podem fazer a produção de certos produtos muito cara e portanto sem atractivos. Por outro lado, isto pode

levar ao seu abandono.

≠ Oportunidades de emprego – podem alterar a disponibilidade de recursos relacionados com o trabalho, para a

produção agrícola em estações importantes, levando à perda de algumas práticas agrícolas e de colheitas.

POLÍTICAS, INSTITUIÇÕES E PROCESSOS (PIPs)Para além dos factores que determinam o contexto da vulnerabilidade, existem uma gama de

políticas, instituições e processos, desenhados para influenciar as pessoas e a forma como ganham

a vida. Se bem feitas, estas influências na sociedade devem ser positivas. Contudo, dependendo do

seu propósito original, algumas pessoas podem ser afectadas negativamente.

As políticas, instituições e processos, dentro do modelo da subsistência, são as instituições,

organizações, políticas e legislação que moldam os modos de vida. A sua importância não pode ser

supra-enfatizada. Operam a todos os níveis, do familiar ao nível internacional. Funcionam em todas as esferas, das

mais privadas às mais públicas. Determinam efectivamente:

2.1 O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?FICHA INFORMATIVA

35

≠ Acesso a vários tipos de capital, a estratégias de subsistência, e a corpos de tomada de decisão e fontes de influência.

≠ Termos de troca entre diferentes tipos de capital; e

≠ Retornos, económicos e outros, para uma qualquer estratégia de subsistência.

Para além disso, eles têm um impacto directo nos sentimentos das pessoas de inclusão e bem-estar. Porque a cultura

está incluída nesta área, as PIPs descrevem outras diferenças não explicadas na forma como as coisas são feitas em

diferentes sociedades.

Exemplos de PIPs incluem:

≠ Políticas – sobre o uso dos recursos genéticos de plantas e gestão da biodiversidade.

≠ Legislação – na criação de patentes de recursos genéticos vegetais, direitos de propriedade

≠ Impostos, incentivos, etc. – incentivos para a produção de culturas de rendimento ou variedades melhoradas que

possam substituir as variedades locais.

≠ Instituições – extensões ou instituições de pesquisa que promovam inovações externas, e representem o interesse

de agricultores prósperos que dependem menos da agrobiodiversidade.

≠ Culturas – relacionadas com as relações de género, que podem afectar o acesso e a tomada de decisão na selecção

e gestão de culturas e gado.

ESTRATÉGIAS DE SUBSISTÊNCIAPara resumir as características dos modos de vida (subsistência): as pessoas usam bens para

ganhar a vida. Elas enfrentam o melhor que podem os factores para além do seu controlo que

fazem os sue modos de vida vulneráveis. São afectados por políticas, instituições e processos

existentes, que podem influencia-los parcialmente. Existem três tipos principais de estratégias,

que podem ser combinadas de múltiplas formas:

≠ Baseadas nos recursos naturais: A maioria dos habitantes rurais vai planear formas de ganhar a

vida, baseadas directamente nos recursos naturais à sua volta e.g. agricultoras de subsistência, pescadores,

caçadores/colectores, gestores de plantações

≠ Não baseadas nos recursos naturais: Alguns habitantes rurais, e a maior parte das pessoas urbanas, vai optar por

ganhar a vida baseados em recursos criados que vão desde a mendicidade, trabalhos sociais, condutores, trabalhos

governamentais ao trabalho nas lojas.

≠ Migração: Se não existirem oportunidades apropriadas para as pessoas ganharem a vida, então uma terceira opção

pode ser a de migrar da área para um local onde possam ganhar a vida. Os exemplos variam das tribos nómadas aos

académicos expatriados. Esta migração pode ser sazonal ou permanente.

Estudos recentes chamaram a atenção para a enorme variedade de estratégias de subsistência a todos os níveis –

dentro de áreas geográficas, entre sectores, dentro das famílias e ao longo do tempo. Isto não é uma questão das pessoas

mudarem de uma forma de emprego ou actividade “própria” (agricultura, pesca), para outra. Em vez disso é um processo

dinâmico em que as pessoas combinam as suas actividades para suprirem as suas necessidades em diferentes alturas. Uma

manifestação comum deste facto, ao nível familiar, é o “straddling”, em que diferentes membros da família vivem e trabalham

temporariamente em locais diferentes, e.g. migração sazonal, ou permanente.

2.1FICHA INFORMATIVAO QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?

36

Pontos-chave0 O modelo da subsistência sustentável apresenta os factores principais que afectam os modos de vida das

pessoas e as relações típicas que existem entre estes.

0 O ponto de partida para a gestão da agrobiodiversidade é as pessoas em si.

0 A gestão da biodiversidade agrícola não é uma actividade separada que aponta para a conservação das

espécies, variedades ou raças individuais. Em vez disso, é vista como parte das estratégias de

subsistência diárias das populações em todo o mundo.

0 Usando uma perspectiva de subsistência significa focarmo-nos nas forças existentes e bens de

subsistência, em vez de nos focarmos nas fraquezas e necessidades.

0 É importante ligar os níveis micro e macro para uma gestão bem sucedida da agrobiodiversidade

0 O uso e gestão da biodiversidade agrícola são dinâmicos. Componentes diferentes da agrobiodiversidade

são usados por pessoas diferentes em diferentes alturas em vários locais, contribuindo para o

desenvolvimento de estratégias complexas de subsistência.

0 A abordagem da subsistência enfatiza a relevância de um contexto mais abrangente em que os modos de

vida das pessoas e os seus bens se encontram embuidos.

0 O fortalecimento das populações locais, através da partilha de informação e da construção de

capacidade, são aspectos chave de uma abordagem de subsistência.

RESULTADOS DA SUBSISTÊNCIAO objectivo destas estratégias de subsistência é suprir às necessidades das pessoas, tão

eficientemente e eficazmente como possível. Estas necessidades podem ser

expressadas como resultados de subsistência esperados de uma estratégia de

subsistência escolhida. Quando considerando as pessoas “pobres”, existem cinco

resultados básicos que vão ser habitualmente mais importantes para eles. A prioridade

dada a cada um vai depender da percepção do indivíduo de si próprio e das suas

circunstâncias. Eles são os seguintes:

≠ Melhor segurança alimentar: Um requisito básico para qualquer subsistência é

alcançar a segurança alimentar. Não é suficiente ter uma alimentação adequada

durante parte do ano e insuficiente noutra parte. Deve existir um fornecimento seguro

durante todo o ano.

≠ Bem-estar aumentado: Um sentimento de bem-estar físico, mental e espiritual aumentado é uma necessidade

básica e importante. Até certa medida, depende de outras necessidades estarem satisfeitas.

≠ Vulnerabilidade reduzida: Na medida do possível, um modo de vida escolhido deverá ajudar a reduzir o efeito dos

vários factores que tornam a vida mais vulnerável, e.g. seca, conflitos.

≠ Rendimento aumentado: Claramente, a maior parte das pessoas pobres que o seu rendimento seja aumentado para

um nível adequado, e de ter o máximo de flexibilidade na supressão das suas necessidades.

≠ Uso sustentável dos recursos naturais: Como muitos modos de vida dos pobres rurais depende do acesso aos

recursos naturais, é importante que as suas estratégias levem a um uso mais sustentável destes recursos.

2.1 O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?FICHA INFORMATIVA

37

2.1

O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

OBJECTIVO: A ficha informativa 2.1 pretende introduzir o modelo da subsistência e de aumentar a consciência dos

participantes dos diferentes bens usados pelas pessoas pobres para construírem os seus modos de vida. Para além

disso, enfatiza a relevância do contexto da vulnerabilidade e as ligações entre o contexto da vulnerabilidade e os bens

de subsistência.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam a complexidade dos modos de vida das pessoas. Que

sejam capazes de usar o modelo da subsistência, como uma ferramenta de análise, para identificar as forças e bens das

pessoas. Os participantes deverão ser capazes de reconhecer o conhecimento local e a agrobiodiversidade como bens

chave dos modos de vida das pessoas pobres.

PROCESSO:

1) Dependendo do tempo disponível, e do interesse/conhecimento prévio dos participantes e facilitador, podem,

em conjunto com os participantes, quer analisar as diferenças entra os modos de vida e a gestão dos recursos

naturais de forma mais detalhada (Passo 1), ou ir directamente para o Passo 2.

2) Formando dois grupos, os participantes deverão explorar por si próprios o significado de uma abordagem de

subsistência, comparado com uma abordagem da gestão dos recursos naturais. Este exercício vai encorajar os

participantes a reflectirem na sua própria compreensão dos conceitos, anterior à introdução do modelo da

subsistência.

3) O facilitador dá uma introdução curta da perspectiva da subsistência e do modelo da subsistência. Dependendo

da audiência, ele poderá utilizar uma apresentação em Power Point para alcançar este propósito, ou

desenvolver o modelo num quadro largo à frente dos participantes. A segunda opção é mais lenta, e pode ser

mais adequada para participantes que não conhecem o modelo de subsistência. Durante esta apresentação, a

ênfase deverá ser dada à relevância do modelo de subsistência para a compreensão das ligações entre

agrobiodiversidade, género e conhecimento local. Após a apresentação, deverá seguir-se uma sessão de

feedback para clarificação.

4) Após a apresentação conceptual, o facilitador poderá introduzir o estudo de caso de Mali (Módulo 5) para

auxiliar os participantes a aplicarem o modelo a uma situação real. Dependendo do tempo disponível, e da

disposição dos participantes, o estudo de caso pode ser lido por pequenos grupos ou apresentado pelo

facilitador. Isto levará a um exercício, que é descrito em seguida (ver Página de Exercícios 2.1)

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes compreendam os aspectos principais e o foco do modelo da subsistência e

sejam capazes de aplicá-lo à gestão da biodiversidade agrícola.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 4 horas.

38

2.1

O QUE É UMA ABORDAGEM DE SUBSISTÊNCIA SUSTENTÁVEL?

PÁGINA DE EXERCÍCIOS

Os participantes são convidados a dividirem-se em pequenos grupos de 4-5 pessoas.

TAREFA DE TRABALHO DE GRUPO

Usando o modelo da subsistência sustentável como guia, distinguir:

1) Quais são os diferentes bens descritos no estudo de caso? Que grau de controlo as diferentes pessoas da

aldeia têm sobre eles?

2) Existem factores fora do controlo imediato das pessoas da aldeia que podem torná-los vulneráveis (e.g.

tendências, choques, estações)?

3) Que políticas, instituições e processos afectam a gestão corrente e futura dos seus bens?

4) Conseguem identificar estratégias de subsistência diferentes no estudo de caso? O que é que as pessoas

querem alcançar com estas estratégias?

Depois deste exercício estar completo, os grupos estão convidados a apresentar as suas descobertas, e a discutir as

diferenças e semelhanças entre elas.

39

QUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE,CONHECIMENTO LOCAL E GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DO MEIO DE SUBSISTÊNCIA?

Na ficha informativa 2.1 aprendemos que a biodiversidade agrícola pode ser considerada como um capital ou bem natural

importante para a subsistência das populações com potencial de contribuir para a segurança alimentar e para a geração de

rendimentos. Aprendemos também que o capital humano – tal como o conhecimento local – é considerado como um bem de

subsistência que pode contribuir para diferentes estratégias do meio de vida. Os papéis e relações do género formam parte

das políticas, instituições e processos que influenciam as probabilidades das populações usarem os seus bens e atingirem

os resultados desejados do meio de subsistência.

O nosso desafio e o da comunidade de investigação e desenvolvimento, é compreender as ligações e as complexidades

entre estes diferentes componentes do meio de vida. Somente depois, podemos atingir a gestão sustentável da

biodiversidade agrícola e podemos contribuir para o melhoramento dos meios de vida, desenvolvimento económico, bem

como para a manutenção da diversidade genética e o seu conhecimento local associado.

Há evidências suficientes resultantes das experiências passadas e actuais que indicam que estas ligações e a forma

como funcionam gera resultados positivos ou negativos do meio de vida.

Na secção seguinte, vamos explorar, com mais detalhe, as relações potenciais e suas interligações. Esta secção

apresenta os conceitos básicos destas interligações. As considerações aplicadas estão apresentadas nos Módulos 3 e 4.

Relações entre os bensOs bens combinam-se numa multiplicidade de diferentes formas a fim de gerar resultados positivos da subsistência. Dois

tipos de relações são particularmente importantes:

≠ Sequência: será que os que escapam à pobreza começam com uma combinação particular dos bens? Será que o

acesso a um tipo de bens, ou a um subconjunto reconhecível de bens, é necessário ou suficiente para escapar da

pobreza?

Esta é uma questão importante a considerar em termos de esforços de conservação empregados para manter a

agrobiodiversidade. Será que é suficiente ter acesso a uma vasta gama de diversidade? Ou, será que as populações precisam

de outros tipos de bens para usar efectivamente a biodiversidade agrícola? O pequeno estudo de caso do Uganda e Camarões

(ver Caixa 2) mostra que a disponibilidade de uma estrutura do mercado é crucial para a venda bem sucedida de produtos.

Geralmente, os meios de vida das populações pobres são muito complexos e necessitam de muitos recursos diferentes para

a sua sobrevivência. Parece, portanto, não ser provável que apenas um tipo de bens possa ser suficiente para ganhar a vida.

Para além disso, existem provas crescentes que sugerem que o acesso à informação, ao conhecimento, às infra-estruturas de

mercado, etc. é um factor importante para a gestão bem sucedida da biodiversidade agrícola. No Módulo 4 iremos discutir,

com mais detalhe, a relevância do conhecimento local para a gestão sustentável da agrobiodiversidade.

≠ Substituição: Será que um tipo de capital pode ser substituído por outros? Por exemplo, pode o capital humano

aumentado compensar a falta do capital financeiro numa determinada circunstância?

2.2FICHA INFORMATIVAQUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, CONHECIMENTO LOCALE GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DO MEIO DE SUBSISTÊNCIA?

Os resultados da investigação e desenvolvimento existentes demonstram que as populações pobres dependem

especialmente do capital natural, visto que elas têm possibilidades muito limitadas de substituir a perda da diversidade por

outros tipos de bens. Contudo, esta questão não pode ser respondida de uma forma geral porque depende muito das

condições individuais ou dos casos específicos. Por exemplo, caso existam possibilidades de emprego alternativo fora do

sector agrícola, as pessoas com capacidades relevantes podem sair do sector agrícola para outros sectores.

Relações com outros componentes do modelo

As relações dentro do modelo do meio de subsistência são altamente complexas. A sua compreensão é um grande desafio e

um passo importante no processo da análise da subsistência que leva a acções para eliminar a pobreza.

Bens e o Contexto da Vulnerabilidade: os bens são tanto destruídos como criados como resultado das tendências,

choques e sazonalidade do Contexto da Vulnerabilidade (ver Figura 1). Por exemplo, o desaparecimento súbito dos

sistemas formais de distribuição de sementes numa determinada região, pode fazer com que as populações voltem às

variedades das culturas e sistemas de sementes locais que podem aumentar a diversidade. Ou uma calamidade natural

ou induzida pelo homem pode levar a uma perda de sementes locais numa região.

Bens e Políticas, Instituições e Processos (PIPs): As políticas, instituições e processos têm uma influência profunda no

acesso aos bens. Estes:

≠ Criam bens – as políticas governamentais para investir nas infra-estruturas básicas (capital físico) ou geração de

tecnologia (produção do capital humano) ou a existência de instituições locais que reforçam o capital social, pode,

por exemplo, ser importante para manter os sistemas locais de sementes ou práticas de gestão de gado.

≠ Determinam o acesso – os direitos de posse, instituições que regulam o acesso a recursos comuns. Isto é

extremamente relevante no que diz respeito à biodiversidade agrícola em termos de direitos de propriedade

intelectual, patentes, etc.

≠ Influenciam as taxas de acumulação de bens – as políticas que afectam os retornos de diferentes estratégias de

subsistência, tributação, etc. A respeito da gestão da agrobiodiversidade pode pensar-se em estruturas de

incentivos para melhorar diferentes sistemas.

Contudo, esta não é uma relação unívoca simples. Os próprios indivíduos e grupos influenciam as políticas, instituições

e processos. No geral, quanto maior for a dotação de bens das pessoas, maior é a influência que podem exercer. Portanto,

uma forma de atingir o fortalecimento/autonomia pode ser o ajudar as populações a acumularem os seus bens.

Bens e Estratégias de Subsistência: As pessoas que possuem mais bens tendem a possuir uma gama de opções mais

vasta e uma capacidade de mudar entre estratégias múltiplas para assegurar os seus meios de subsistência. Existe

também uma dimensão importante do género quando se olha para os bens disponíveis e as estratégias de

subsistência. Como os homens e as mulheres têm diferentes estratégias de subsistência gerem a biodiversidade

agrícola de formas diferentes.

Bens e Resultados da Subsistência: As análises de pobreza mostraram que a capacidade das pessoas escaparem da

pobreza é criticamente dependente do seu acesso aos bens. São requeridos diferentes bens para se atingirem

diferentes resultados de subsistência. Por exemplo, algumas pessoas podem considerar essencial um nível mínimo do

capital social para atingirem um certo sentido de bem-estar. Ou, nas áreas rurais remotas, as populações podem sentir

que precisam dum certo nível de acesso ao capital natural para terem segurança.

40 2.2 QUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, CONHECIMENTO LOCALE GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DO MEIO DE SUBSISTÊNCIA?

FICHA INFORMATIVA

41

Ligações entre políticas, instituições e processos dentro do modelo

A influência das PIPs estende-se ao longo do modelo:

≠ Existe um feedback directo ao contexto da vulnerabilidade. As PIPs afectam as tendências, tanto directamente (ex.

políticas relacionadas com a pesquisa agrícola e o desenvolvimento da tecnologia/tendências económicas) como

indirectamente (ex. políticas de saúde/ tendências da população). Elas podem ainda ajudar a amortecer o impacto

dos choques externos (ex. políticas sobre o alívio das secas, ajuda alimentar, etc.). Outros tipos de PIPs são também

importantes, por exemplo, os mercados com bom funcionamento podem ajudar a reduzir o efeito da sazonalidade

ao facilitarem o comércio entre áreas, que, por sua vez, pode ser um incentivo para os agricultores locais manterem

certas variedades de culturas que poderiam, de outra forma, ser substituídas por outras culturas com maior procura

no mercado.

≠ As PIPs podem restringir as escolhas das estratégias de subsistência pelas pessoas. Exemplos comuns são as

políticas e regulamentos que afectam a atractividade das escolhas de subsistência particulares, através do seu

impacto sobre os resultados esperados. Por exemplo, o estabelecimento de certas normas de qualidade de frutos e

vegetais pode tornar a produção de variedades locais menos atractivas, visto que estas podem ser menos uniformes

em relação às variedades melhoradas.

≠ Pode também existir um impacto directo sobre os resultados dos meios de subsistência. As estruturas políticas

responsáveis pela implementação de políticas a favor dos pobres, incluindo a extensão dos serviços sociais às áreas

onde as populações pobres vivem, podem aumentar de forma significativa o sentido de bem-estar das populações.

Elas podem promover a consciência sobre os direitos e um sentido de auto-controle. Elas podem ainda reduzir a

vulnerabilidade através da provisão de redes sociais de segurança. As relações entre as várias políticas e a

sustentabilidade do uso de recursos são complexas e, algumas vezes significativas.

[Caixa 2] VEGETAIS INDÍGENAS NOS CAMARÕES E NO UGANDA

Nos Camarões e no Uganda, os vegetais indígenas desempenham um papel importante na geração de rendimentos

e produção de subsistência. Os vegetais indígenas oferecem uma oportunidade significativa para as populações mais

pobres ganharem a vida, como produtores e/ou comerciantes, sem precisarem de grandes investimentos de capital.

Estes vegetais constituem um produto de consumo importante para as famílias pobres, porque os seus preços são

relativamente acessíveis quando comparados com outros produtos alimentares. De forma argumentável, o mercado

de vegetais indígenas é uma das poucas oportunidades para as mulheres pobres e desempregadas ganharem a vida.

Apesar do aumento na produção de vegetais exóticos, os vegetais indígenas continuam a ser populares,

especialmente nas zonas rurais, onde são considerados mais saborosos e nutritivos do que os vegetais exóticos. Os

vegetais indígenas têm muitas vezes um papel cerimonial e são um ingrediente essencial nos pratos tradicionais.

Fonte: Schippers

O pequeno exemplo seguinte ilustra a maior parte das questões acima mencionadas. Mostra como um bem natural

(vegetais indígenas) é usado para contribuir para diferentes resultados de subsistência desejados. Ilustra também que a

existência duma certa infra-estrutura (mercados) é necessária para a realização bem sucedida duma estratégia de

subsistência particular (neste caso, a venda dos vegetais). Além disso, mostra que as tendências, tais como o aumento da

produção de vegetais exóticos, não afecta negativamente esta estratégia de subsistência.

2.2FICHA INFORMATIVAQUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, CONHECIMENTO LOCALE GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DO MEIO DE SUBSISTÊNCIA?

42

Pontos-chave0 Os bens combinam-se numa multiplicidade de formas diferentes para gerarem resultados positivos de

subsistência. Dois tipos de relações são particularmente importantes, que são a Sequenciação e a

Substituição.

0 Os bens de subsistência são destruídos e criados como resultado das tendências, choques e

sazonalidade do Contexto da Vulnerabilidade.

0 As políticas, instituições e processos têm uma influência profunda sobre o acesso aos bens.

0 Os que possuem muitos bens tendem a possuir uma gama mais vasta de opções e uma capacidade de

mudar entre múltiplas estratégias para assegurar a sua subsistência.

0 Homens e mulheres têm diferentes estratégias de subsistência e, portanto gerem a biodiversidade

agrícola de formas diferentes.

0 As análises da pobreza mostraram que a capacidade das populações de escaparem à pobreza é

criticamente dependente do seu acesso aos bens. Diferentes bens são necessários para atingir diferentes

resultados de subsistência.

2.2 QUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, CONHECIMENTO LOCALE GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DO MEIO DE SUBSISTÊNCIA?

FICHA INFORMATIVA

43

2.2

QUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, CONHECIMENTO LOCALE GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DO MEIO DE SUBSISTÊNCIA?

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

OBJECTIVO: As páginas com informação factual 2.2 tem como objectivo introduzir as ligações entre os diferentes

componentes dos meios de subsistência. Elas mostram a necessidade de considerar a biodiversidade agrícola dentro de

um modelo complexo de forma a compreenderem-se as ligações entre agrobiodiversidade, género e conhecimento local.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes tenham consciência da relevância dos diferentes tipos de ligações e

serem capazes de usar o modelo do meio de subsistência como uma ferramenta de análise.

PROCESSO:

1) O ponto de partida para esta sessão pode ser uma breve apresentação feita pelo facilitador. O conteúdo da

sessão é teórico e pode requerer uma introdução guiada.

(a) Se o tempo disponível for limitado, o facilitador pode se referir ao estudo de caso do Mali a fim de explorar

as questões apresentadas na ficha informativa 2.2.

(b) Caso haja tempo suficiente, os participantes podem desenvolver, em pequenos grupos, cenários de campo

de situações nos quais as populações baseiam as suas formas de subsistência na gestão da biodiversidade

agrícola. É importante incluir o conhecimento local e os papéis e relações do género, como parte destes

cenários. Estes cenários podem, mais tarde, serem usados para desenvolver as questões conceptuais

apresentadas na ficha informativa 2.2.

2) O exercício 2.2 centra-se no impacto das políticas, instituições e processos sobre os diferentes componentes do

modelo de subsistência. Dependendo do alocação de tempo, os participantes podem ou trabalhar no estudo de

caso do Mali ou nos seus próprios cenários de campo a fim de desenvolver o exercício. (ver a página de exercício

2.2).

3) Os resultados dos grupos de trabalho poderão ser trazidos ao plenário e apresentados em forma de uma

discussão em pódio. É importante sugerir apresentações e mecanismos de feedback diferentes, visto estes

tornarem a discussão mais activa e interessante.

RESULTADO ESPERADO: Os participantes tenham explorado a utilidade do modelo de meio de subsistência. Que

compreendam agora a complexidade da gestão da agrobiodiversidade e as ligações com outros componentes do meio

de subsistência.

TEMPO NECESSÁRIO: o tempo mínimo estipulado é de 3 horas. Caso haja necessidade de desenvolver e usar os cenários

de campo para o exercício, pode se fixar o mínimo de 5 horas.

44

2.2

QUAIS SÃO AS LIGAÇÕES ENTRE AGROBIODIVERSIDADE, CONHECIMENTO LOCALE GÉNERO DE UMA PERSPECTIVA DO MEIO DE SUBSISTÊNCIA?

PÁGINA DE EXERCÍCIOS

TAREFA DE TRABALHO DE GRUPO

1) Em grupos, leiam as partes relevantes das fichas informativas 2.1 e 2.2 sobre as políticas, instituições e processos.

2) Formem três grupos. Identifiquem exemplos de políticas, instituições e processos dentro do contexto da gestão da

biodiversidade agrícola que exercem um impacto sobre: (Grupo 1) o contexto da vulnerabilidade, (Grupo 2) bens de

subsistência e (Grupo 3) estratégias e resultados de subsistência.

3) Usem os cenários desenvolvidos na sessão como um ponto de partida para a vossa discussão. Sintam-se livres de

discutir para além destes cenários e tomarem em conta as vossas próprias experiências ligadas com o vosso

contexto de trabalho.

M Ó D U L O 2 - L E I T U R A S C H A V E

45

j Blench, R. (1997). Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis: Como

deve responder o sector público? Perspectiva dos Recursos Naturais da ODI, Trabalho 23, Londres.

j Ghotge, N. e Ramdas, S. (2003). Gado e meios de subsistência (Trabalho 24). Em Conservação e uso

sustentável da biodiversidade agrícola. Publicado por CIP-UPWARD em parceria com GTZ, IDRC, IPGRI e

SEARICE.

j Anderson, S. 2003. Sustentar os meios de subsistência através da conservação dos recuros genéticos

animais. Em Conservação e uso sustentável da biodiversidade agrícola. Publicado por CIP-UPWARD em

parceria com GTZ, IDRC, IPGRI e SEARICE.

46

Anderson, S. 2003. Sustaining livelihoods through animal genetic resources conservation. In Conservation andsustainable use of agricultural biodiversity. Published by CIP-UPWARD in partnership with GTZ, IDRC, IPGRI andSEARICE.

Blench, R. 1997. Neglected Species, Livelihoods and Biodiversity in difficult areas: How should the public sectorrespond? London, ODI Natural Resource Perspective Paper 23.

Ghotge, N. & Ramdas, S. 2003. Livestock and livelihoods (Paper 24). In Conservation and sustainable use ofagricultural biodiversity, published by CIP-UPWARD in partnership with GTZ, IDRC, IPGRI and SEARICE.

IK Notes, No 23. August 2000. Seeds of life: Women and agricultural biodiversity in Africa.

Livelihood fact sheet, United Kingdom, Natural Resources Institute (NRI), University of Greenwich.

Schippers, R. 1999. Indigenous vegetable becoming more popular in Central Africa, ph Action News, No. 1, IITA.

Web sites

DFID Web site on Sustainable Livelihoods: www.livelihoods.org/info/info_guidancesheets.html

R E F E R ÊN C I A S - M Ó D U L O 2

46

AS DINÂMICAS DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49

Pontos-chave para a ficha informativa 3.1Página com informação processual 3.1 – Notas para o facilitador

3.1

VALORES E BENEFÍCIOS DA AGROBIODIVERSIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

Pontos-chave para a ficha informativa 3.2Página com informação processual 3.2 – Notas para o facilitador

3.2

RECONHECER ASPECTOS DO GÉNERO NAS INICIATIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59DA AGROBIODIVERSIDADE

Pontos-chave para a ficha informativa 3.3Página com informação processual 3.3 – Notas para o facilitador

3.3

ABORDAGENS À AGROBIODIVERSIDADE,GÉNERO E CONHECIMENTO LOCAL

Leituras ChaveReferências

Mód

ulo3

COMPREENDER O CONTEXTO ESPECÍFICO DA VULNERABILIDADE DO GÉNERONo Módulo 1 aprendemos que os homens e as mulheres desempenham um papel importante, mas muitas vezes distinto

no que respeita à gestão e conservação da biodiversidade agrícola. Frequentemente existe uma diferenciação clara do

género em termos da divisão de trabalho, funções e responsabilidades na agricultura. Isto torna os homens e as

mulheres responsáveis pela gestão de diferentes aspectos da agrobiodiversidade, tendo propósitos e exigências

diferentes. Isto, por sua vez, tem um impacto sobre o seu conhecimento da gestão e utilização dos elementos específicos

da biodiversidade agrícola.

O Módulo 2 enfatiza a importância de analisar a biodiversidade agrícola dentro de um sistema mais amplo de

subsistência. A realidade, em termos das relações de género e suas ligações com a agrobiodiversidade, é muito mais

complexa. Além disso, um número de tendências e choques que exercem impacto sobre a gestão e conservação da

biodiversidade agrícola e conhecimento local também devem ser analisados. (Consultar o Módulo 2, Figura 1 “sistema de

subsistência sustentável”).

≠ Mudança nos hábitos de dieta: A cultura e os valores culturais são, e têm sido, a força motriz da gestão e

conservação da biodiversidade agrícola. Isto acontece porque a diversidade cultural está intimamente relacionada

com a diversidade biológica. Por outras palavras, as culturas de alimento e hábitos de dieta são uma parte

importante da cultura das populações. O papel das mulheres na esfera doméstica, inclui cozinhar, a preparação de

refeições e muitas vezes também implica o cultivo de culturas específicas. A tarefa das mulheres é principalmente a

colheita, a preparação e a gestão de plantas silvestres (Howard, 2003). Com o aumento da disponibilidade dos

alimentos de conveniência, tais como massas e o pão, descobriu-se que os hábitos locais de alimentação estão a

mudar nas comunidades rurais. Em muitos casos, o aumento do volume de trabalho das mulheres contribui para a

mudança da dieta alimentar, visto que as mulheres têm menos tempo para gastar na preparação de alimentos. Isto

é especialmente verdade nas nos casos em que as mulheres são chefes de família devido à migração ou ao

VIH/SIDA. A mudança dos hábitos na dieta alimentar pode levar à erosão do conhecimento das mulheres em relação

ao processamento, preparação e armazenamento, assim como, à erosão da diversidade das plantas, da segurança

alimentar da família e da saúde (Howard 2003).

≠ Substituição das culturas locais: As culturas locais, cuja intenção é a produção para o uso, são frequentemente

substituídas pelas culturas introduzidas para fins comerciais. Isto significa muitas vezes que os homens substituem

as mulheres. Esta transferência pode ter, entre outras, implicações, repercussões na capacidade das mulheres

cumprirem as obrigações familiares, incluindo a provisão de alimentos tradicionais, segurança alimentar e a

diversidade das plantas. Por exemplo, um estudo de caso do Mali (Wooten 2003) mostrou que as mudanças na

produção hortícola, nas imediações de Bamako, levaram a uma mudança de culturas e a uma mudança dos papéis

dos homens e das mulheres. A produção comercial hortícola teve lugar na bacia fértil do rio e portanto as mulheres

tiveram que encontrar outras áreas para o cultivo das suas plantas tradicionais que são necessárias para a confecção

de molho. Nas últimas décadas, a jardinagem, muito associada às mulheres e à economia alimentar, tornou-se um

assunto de homens e um empreendimento comercial.

A DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE

493.1FICHA INFORMATIVAA DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE

≠ Desenvolvimento das infra-estruturas de mercado: Existe uma tendência crescente na integração das

comunidades e indivíduos nos mercados. Com esta mudança direccionada para a comercialização da

agricultura, as tecnologias e inovações modernas criaram sistemas altamente dependentes de investimentos

externos que têm, muitas vezes, excluído as mulheres. As razões são de vária ordem, incluindo o acesso limitado

a facilidades de crédito e à informação, devido à falta de oportunidades de formação. Em muitos casos estas

tendências de desenvolvimento têm tido um efeito neutro sobre as mulheres ou levaram à deslocação das

actividades agrícolas das mulheres. As mulheres tiveram que mudar-se para terras mais marginais o que levou

à substituição de culturas e raças de animais locais, que por sua vez, pode ter implicações na segurança

alimentar familiar.

≠ Actualmente, em muitas partes do mundo existe uma tendência para o aumento da “feminização da

agricultura”. À medida que a participação dos homens na agricultura declina, o papel das mulheres na produção

agrícola torna-se cada vez mais dominante. As guerras, doenças e mortes causadas pelo VIH/SIDA reduziram a

população rural. Outra grande causa para a feminização da agricultura, é a migração dos homens das zonas

rurais para as cidades dos seus próprios países ou do estrangeiro à procura de emprego remunerado. Em África,

por exemplo, a população masculina nas zonas rurais está a decrescer rapidamente, enquanto que a população

feminina permanece relativamente estável. No Malawi, a população masculina rural decresceu em 21.8 por

cento entre 1970 e 1990. Durante o mesmo período de 20 anos, a população rural feminina decresceu apenas

5.4 por cento. Esta tendência resultou num aumento da proporção de famílias lideradas por mulheres.

Actualmente, aproximadamente um terço de todas as famílias rurais na África sub-Sahariana é actualmente

liderado por mulheres. Vários estudos mostraram que as mulheres chefes de família tendem a ser mais jovens

e menos formadas do que os seus homólogos masculinos. Geralmente, elas têm menos terra, menos capital e

falta-lhes mão-de-obra para a agricultura. Estas mudanças levam constantemente a ajustamentos nos padrões

de culturas e sistemas agrícolas (FAO).

Os choques dentro do contexto da vulnerabilidade têm um impacto nas relações de género e nas interacções com

outros bens da subsistência. O VIH-SIDA é um exemplo importante disto, porque foram afectadas milhões de famílias em

África.

Para os agregados familiares dependentes da agricultura, a consequente reestruturação do trabalho intra-familiar

pode levar a um declínio na produção de culturas, que pode resultar em insegurança alimentar e num decréscimo geral

nos bens financeiros. As famílias podem, então, responder com uma série de outras estratégias. Por exemplo, no Uganda,

uma resposta inicial típica dada pelas famílias de agricultores é a mudança do conjunto dos produtos agrícolas Isto seria

para se focarem primeiro em produzir o suficiente para a subsistência e depois para cultivar excedentes para vender no

mercado (Armstrong, 1993). Outra resposta comum é a redução da porção de terra de cultivo, resultando em colheitas

reduzidas (FAO 2003). Um estudo de caso recente no Uganda, mostrou que isto era particularmente evidente nas famílias

afectadas que eram lideradas por mulheres, as quais cultivaram em média apenas 1.3 acres, comparando com as famílias

afectadas que eram lideradas por homens que cultivaram em média 2.5 acres (FAO 2003).

50 3.1 A DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

Foi observado que algumas famílias afectadas pelo VIH/SIDA se viraram para a produção de gado, como uma

alternativa à produção agrícola, quando os solos se tornaram inférteis e as práticas da gestão de culturas se tornazam muito

exigentes para o trabalho disponível. Outras famílias vendem gado mais frequentemente para pagarem as despesas médicas

e fúnebres. Outra tendência que também foi identificada é aquela em que as famílias criam animais de espécies pequenas,

tais como porcos e aves domésticas, uma actividade de trabalho menos intensiva e mais acessível para as mulheres. Foi

identificada uma alteração na qual os agricultores mudam de culturas que exigem uma mão-de-obra intensiva, para outras

que necessitam de menos trabalho, que são resistentes às secas e cultiváveis ao longo de todo ano, tais como a mandioca e

a batata-doce. Verificou-se também, uma redução no cultivo das culturas de rendimento. Os agricultores escolheram focalizar

o trabalho disponível na produção de culturas secundárias de subsistência, muitas vezes para optimizar a segurança

alimentar da família (White and Robinson 2000).

A resposta de uma família afectada pelo VIH-SIDA é a de voltar aos sistemas agrícolas baseados nas culturas e gado

locais. Isto mostra como os choques podem exercer um impacto sobre as relações de género e gestão de bens de

subsistência.

Pontos-chave0 Os homens e as mulheres desempenham papéis importantes mas muitas vezes distintos na gestão e

conservação da agrobiodiversidade. Existe uma clara diferenciação do género em termos da divisão de

trabalho, papéis e responsabilidades na agricultura.

0 Um número de tendências e choques exercem impacto sobre a gestão e conservação da biodiversidade

agrícola e conhecimento local. Estes influenciam também as relações de género.

0 A cultura e os valores culturais são e têm sido a força motriz para a gestão e conservação da

biodiversidade. A mudança da cultura de alimentação e hábitos de dieta pode levar à erosão do

conhecimento das mulheres relacionado com o processamento, preparação e armazenamento, assim

como à erosão da diversidade de plantas e segurança alimentar da família e sua saúde.

0 Com a tendência virada mais para a agricultura comercial, as tecnologias e inovações modernas criaram

sistemas altamente dependentes do investimento externo. Estes muitas vezes apoiam-se em espécies e

variedades introduzidas que, por sua vez, introduziram mudanças nos papéis do género.

0 As mudanças dentro da composição da família afectam os recursos de trabalho disponíveis e têm um

impacto profundo sobre as práticas da gestão agrícola e agrobiodiversidade.

0 Os choques, tais como o VIH-SIDA, dentro do contexto da vulnerabilidade, têm um impacto sobre as

relações de género e a interacção com outros bens de subsistência.

513.1FICHA INFORMATIVAA DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE

3.1

A DINÂMICA DO GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL – NOTAS PARA O FACILITADOR

52

OBJECTIVO: A ficha informativa 3.1 tenta aumentar a consciência dos participantes da importância de considerar e

compreender o contexto no qual a gestão e conservação da agrobiodiversidade agrícola tomam parte. A compreensão

da natureza dinâmica deste contexto é crucial para o planeamento de uma intervenção bem sucedida e sensível ao

género.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreenderem o impacto das tendências e choques sobre a

biodiversidade agrícola e reconhecerão a relevância das relações de género dentro deste contexto.

PROCESSO:

1) Os participantes devem ser encorajados a explorarem as questões levantadas na ficha informativa 3.1

baseando-se na sua própria experiência de trabalho. O formador pode facilitar este processo criando três

grupos, que poderão explorar os choques possíveis, as tendências e a sazonalidade, situações que podem

afectar a gestão da biodiversidade agrícola na perspectiva do género. Os grupos podem sentar-se juntos e

discutirem as suas ideias que serão posteriormente apresentadas em plenária depois de um curto período de

tempo. Este exercício pode levar 1 hora no total.

2) O facilitador pode depois completar as conclusões com outros assuntos chave realçados na página factual.

Nesta fase, será importante relacionar a discussão com a estrutura do meio de subsistência sustentável

introduzida no Módulo 2. Se possível, um gráfico visual com os diagramas do meio de subsistência pode estar

disponível ao longo do curso.

3) O facilitador, para explorar os efeitos positivos e negativos das mudanças de género sobre a biodiversidade

agrícola, pode facilitar a discussão do pódio. Esta discussão não pode durar mais de uma hora, incluindo o

tempo de preparação.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes ganharem experiência do uso da estrutura do meio de subsistência para

explorarem o impacto do contexto sobre a gestão da agrobiodiversidade e relações de género.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo de 3 horas

A fim de compreender os valores e benefícios da biodiversidade agrícola na perspectiva do género, devemos olhar

primeiro para os diferentes valores e benefícios da agrobiodiversidade no geral. Existem duas categorias principais de

valores que precisamos distinguir. Elas são os valores do uso e os valores de não uso1. A primeira categoria pode ser

dividida em três subcategorias principais:

≠ Valores de uso directo referem-se aos benefícios resultantes de usos reais, tais como a comida, a forragem, o

abrigo, os rituais, valores medicinais e a comercialização. Estes valores também podem ser divididos em valores

de rendimento e valores de não rendimento. Esta distinção é importante para se entenderem as diferenças de

género.

≠ Valores de uso indirecto são os benefícios derivados das funções dos ecossistemas, tais como a adaptação a

ambientes marginais e contribuição para os ciclos dos nutrientes. Também se podem considerar, deste tipo, os

valores culturais e sociais obtidos da biodiversidade agrícola (ex. o estatuto social).

≠ Valores de opção são derivados do valor dado à protecção de um bem para a opção de o usar no futuro. Estes

podem ser vistos como um tipo de valor de seguro contra a ocorrência de, por exemplo, novas doenças ou

mudanças climáticas.

Os valores de não uso incluem o valor da existência, para as comunidades biológicas, ou áreas de beleza paisagística.

Estes geralmente referem-se, em termos simples, ao valor que as pessoas estão dispostas a pagar para prevenir que uma

espécie se extinga ou que uma área seja desenvolvida (Funtowicz and Ravetz, 1994). O valor da existência é relevante para

um grupo muito mais alargado de intervenientes, visto que não está ligado a nenhum uso directo. Por exemplo, as pessoas

podem pagar para ver vida animal ou vegetal noutro país ou região que não podem ver no seu próprio local de residência.

O leque de valores e benefícios obtidos da gestão da biodiversidade agrícola está intimamente relacionado com as

estratégias subjacentes de subsistência e seus resultados que as diferentes populações procuram (Consultar o Módulo 2,

sobre as estratégias e resultados da subsistência).

Os valores que tem uma maior importância imediata na gestão da agrobiodiversidade são os valores de uso

directo. Sabemos que a biodiversidade agrícola apenas pode ser mantida se as populações que a gerem obtêm

benefícios ou usos directos de o fazer. Vamos, portanto, focar-nos mais nestes tipos de valores. A aplicação de uma

perspectiva de género mais diferenciada aos valores de uso directo, vai ajudar-nos a compreender melhor os benefícios

obtidos da gestão da agrobiodiversidade.

Tomando como exemplo a gestão do gado, sabemos que homens e mulheres em todo o mundo participam na

produção de gado. Contudo, homens e mulheres geralmente:

VALORES E BENEFÍCIOS DA AGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

1 Para exemplos destes diferentes valores consultar Anderson, S., 2003. Sustaining livelihoods through animal genetic resources conservation. EmConservation and sustainable use of agricultural biodiversity. Manila, CIP-UPWARD em parceria com GTZ, IDRC, IPGRI e SEARICE.

533.2FICHA INFORMATIVAVALORES E BENEFÍCIOS DAAGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

54

≠ Possuem diferentes espécies de animais. Os homens tendem a ser responsáveis pelo gado e pelos animais de

grande porte, enquanto as mulheres são responsáveis pelos animais de pequeno porte, tais como pequenos

ruminantes e aves domésticas.

≠ Têm responsabilidades diferentes. Independentemente de a quem pertença o animal, as mulheres são muitas

vezes responsáveis pelo cuidado dos animais jovens, limpeza dos estábulos individuais ou o retirar do leite dos

animais. Os homens estão ocupados com os rebanhos, a reprodução e o abate. Ou, as mulheres podem ser

responsáveis pelos cuidados diários e os homens pela gestão e administração.

≠ Utilizam diferentes produtos de animais. Em muitas sociedades, as mulheres utilizam os animais pelo o leite e

produtos derivados, enquanto, em muitos casos, os homens usam os animais pela sua carne, pele e para tracção.

Tanto os homens como as mulheres beneficiam dos valores do uso directo obtidos da criação de gado. Não obstante,

os homens concentram-se mais nos valores de rendimento obtidos através da comercialização dos produtos de gado ou

outros animais, enquanto para as mulheres, em muitos casos, os valores de não rendimento são de maior importância

(Anderson, 2003).

Aspectos similares aplicam-se a gestão dos recursos genéticos de plantas por mulheres. Aqui elas são muitas vezes

responsáveis pela gestão e conservação de culturas de alimentos menores, utilizados para o consumo caseiro, rituais e pelas

suas propriedades medicinais. Geralmente, estas espécies são cultivadas em jardins caseiros ou são intercaladas em

pequenas áreas dos campos principais. Os homens são frequentemente responsáveis pelo cultivo das culturas principais e

comerciais, que são cultivadas nos campos fora da fazenda. O exemplo seguinte de uma aldeia Bamana no Mali, mostra os

papéis e responsabilidades do género na produção de culturas (ver Caixa 1).

[Caixa 1] PAPÉIS DO GÉNERO NA PRODUÇÃO DE CULTURAS NUMA ALDEIA BAMANA (MALI)

Os homens na vila de Bamana no Mali trabalham colectivamente no campo principal das terras altas pertencentes

ao seu grupo (foroba), que está situado numa área de mato, a poucos quilómetros da povoação. Aqui, produzem

uma série de culturas principais incluindo o sorgo (nyo – Sorghum bicolor), o milhete (sanyo –Pennisetum glaucum),

o milho (kaba – Zea mays), a ervilha de vaca (sho – Vigna unguiculata), o amendoim (tiga – Arachis hypogaea), e o

amendoim de Bambara (tiganinkuru – Voandzeia subterranea)

As mulheres, por outro lado, são responsáveis pelo cultivo e colheita de plantas necessárias para a preparação dos

molhos que acompanham os cereais das culturas dos homens nas refeições diárias. Na época de chuvas, as

mulheres casadas trabalham individualmente nos campos das terras altas que lhes são designados pelos dutigiw

para produzir nafenw, ou “coisas de molho”. Em muitos casos, as mulheres intercalam amendoim (tiga – Arachis

hypogaea), ervilha de vaca, kenaf (dajan – Hibiscus cannabinus), roselle (dakumum ou dabilenni – Hibiscus sabdariffa),

quiabo (gwan – Abelmoschus (Hibiscus esculentus) e sorgo. Elas focam os seus padrões de cultivo em folhas e itens

vegetais tradicionais que complementam as culturas básicas produzidas nos forobaw. A vasta maioria das culturas

das mulheres é destinada ao consumo directo, embora, de tempos em tempos, alguns itens sejam vendidos para

gerar rendimento que é tipicamente utilizado na compra de ingredientes comerciais para o molho, tais como os

cubos de sopa, óleo vegetal ou sal. Para além do cultivo de culturas de condimentos nos campos das terras altas

durante a época chuvosa, as mulheres, ao longo do ano recolhem várias plantas silvestres ou semi-silvestres dos

seus campos ou áreas de arbustos para o uso nos seus molhos. Por exemplo, elas apanham e processam as folhas

da árvore do baobá (Adansonia digitata) como um ingrediente chave para o molho e utilizam a fruta da árvore de

nozes shea (Butryospermum parkii) para fazer óleo de cozinha e loção para o tratamento da pele. As mulheres

conservam estas árvores produtivas nos seus campos e fazem uso destas espécies nas matas em redor da

comunidade. Desta forma uma vasta variedade de verduras silvestres ou semi-silvestres é regularmente utilizada

na confeição dos seus molhos.

Fonte: Wooten, 2003.

3.2 VALORES E BENEFÍCIOS DAAGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

FICHA INFORMATIVA

55

Contudo estas responsabilidades podem mudar e mudam. Por exemplo, com a emigração dos homens, as

mulheres podem passar a desempenhar o papel dos homens e a descentralização pode mudar a ênfase da produção do

leite para a produção de carne. Mais ainda, a mecanização e outras inovações técnicas podem envolver os homens no

que eram anteriormente sistemas de produção das mulheres.

Os quatro aspectos chave que se seguem são importantes porque ajudam na avaliação e compreensão dos

diferentes valores e benefícios obtidos da agrobiodiversidade na perspectiva do género:

≠ Determinar a divisão actual de trabalho e a posse de diferentes componentes de culturas/gado

≠ Avaliar o papel das culturas/gado na economia familiar tanto para homens como para mulheres. Por exemplo,

as mulheres podem utilizar culturas/gado e produtos de gado para o consumo da família, geração de

rendimentos, investimento das suas economias, ou como garantia contra riscos económicos ou pessoais no

futuro.

≠ Ter em conta os diferentes usos de culturas/gado na economia local – por exemplo, tracção, carne, leite,

estrume, peles, lã ou usos cerimoniais

≠ Incluir o processamento/marketing de culturas/gado e produtos de gado, nos quais as mulheres, muitas vezes

desempenham um papel chave.

Estas diferenças, baseadas no género, reflectem as diferentes estratégias e resultados da subsistência adoptados

e perseguidos por homens e mulheres, e exemplificam os diferentes valores obtidos por este meio. O papel chave das

mulheres rurais como fornecedores e produtores de alimentos, liga-as directamente à gestão dos recursos genéticos

para assegurar a produção de alimentos para a família. Ao mesmo tempo, o papel dos homens como ganhadores de

rendimentos liga-os, mais vezes, a culturas de rendimento e a espécies e variedades melhoradas.

Para os valores de uso indirecto é importante considerar o estatuto social obtido pela gestão ou posse dum

determinado recurso. O estatuto na comunidade ou sociedade pode ser definido como um valor de uso indirecto. O

estatuto dos homens e mulheres é muitas vezes definido pelo seu acesso e controlo sobre os recursos das plantas e

animais. A criação de galinhas no quintal, por exemplo, é, em muitos locais, um critério para o estatuto social da família.

Um estudo de caso no Botsuana revelou que acima de 80% dos criadores de galinhas nos quintais são mulheres e que

a ausência das galinhas é vista como um claro sinal de pobreza (Moreki, 2001). Este exemplo mostra que a criação de

galinhas não resulta apenas em valores de uso directo (ovos, carne), mas também em valores de uso indirecto, tais como

o estatuto social. No Botsuana, assim como em muitas regiões Africanas, as galinhas são geralmente consideradas como

gado criado pelas mulheres, principalmente porque são consideradas como de menor valor comercial que outros tipos

de gado (vacas e cabras) (Moreki 2001). O estatuto dos homens numa tal sociedade pode ser definido pelo número de

cabeças de gado que detém ou por outro critério similar.

3.2FICHA INFORMATIVAVALORES E BENEFÍCIOS DAAGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

Na introdução dissemos que os valores de opção são derivados do valor dado à salvaguarda de um bem. Isto permite

a opção de vir a usar o bem no futuro. É um tipo de valor seguro contra a ocorrência de, por exemplo, novas doenças ou

mudanças climáticas. É difícil avaliar se a população está ciente deste tipo de valor e até que ponto este pode influenciar a

suas práticas de gestão. Mas, de qualquer forma, existem exemplos de agricultores que cultivam ou não eliminam as espécies

de plantas silvestres dentro dos seus campos. Eles sabem que estas podem ser importantes para a sua segurança alimentar

em caso de falha das culturas principais. Neste sentido eles reconhecem o valor de opção destas espécies selvagens.

Pontos-chave0 A extensão dos valores e benefícios obtidos da gestão da biodiversidade agrícola está intimamente

relacionada com as diferentes estratégias subjacentes da subsistência e seus resultados perseguidos

pelas populações.

0 Os valores de uso directo são de maior importância imediata para a gestão da agrobiodiversidade.

Sabemos que a biodiversidade agrícola apenas pode ser sustentada se as populações que a gerem

obtiverem benefícios ou usos directos de o fazer.

0 Aplicar uma perspectiva de género mais diferenciada aos valores de uso directo ajudará a compreender

melhor os benefícios obtidos no manejo da agrobiodiversidade.

0 Tanto os homens como as mulheres, beneficiam dos valores de uso directo obtidos da criação de gado.

Contudo, os homens focam-se mais frequentemente nos valores de rendimento obtidos através da

comercialização dos produtos de gado ou animais. Enquanto que em muitos casos os valores de não

rendimento são de maior importância para as mulheres.

0 Em termos dos valores de uso indirecto, é importante considerar o estatuto social obtido pelo gestão ou

posse de um determinado recurso.

0 Os valores de opção são derivados do valor dado à protecção de um bem. Isto fornece a opção de este ser

usado no futuro. É um tipo de valor de seguro contra a ocorrência de, por exemplo, novas doenças ou

mudanças climáticas.

56 3.2 VALORES E BENEFÍCIOS DAAGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

FICHA INFORMATIVA

3.2

VALORES E BENEFÍCIOS DAAGROBIODIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DO GÉNERO

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

57

OBJECTIVO: A ficha informativa 3.2 tem como objectivo introduzir os diferentes valores e benefícios obtidos da

biodiversidade agrícola e realçar as diferenças de uma perspectiva diferenciada em relação ao género. O seu objectivo é

de ampliar a compreensão dos participantes quanto aos diferentes valores potenciais. Também liga estes valores as

estratégias globais e resultados da subsistência adoptados por diferentes actores.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam a diferença entre os valores de uso directo e indirecto

e os valores de não uso e serem capazes de identificar os valores potenciais para diferentes estratégias e resultados da

subsistência.

PROCESSO:

1) Breve introdução ao tópico pelo facilitador, com base na ficha informativa 3.2. (máximo 30 minutos)

2) Os participantes podem, então, assistir ao vídeo da FAO sobre a diversidade do gado em África (Livestock

diversity in Africa), com o foco principal nos benefícios obtidos da diversidade de gado. (20 minutos)

3) Depois, os participantes podem dividir-se em grupos para tentarem identificar as diferentes categorias de

benefícios e valores. A partir da sua própria experiência de trabalho, podem também adicionar mais exemplos

sobre a diversidade das plantas. (1 hora)

4) As conclusões dos trabalhos em grupo serão apresentadas em plenário. O processo levará à identificação e

sistematização de diferentes categorias de benefícios e valores. Este processo de sistematização pode, depois,

ser complementado pelas categorias sugeridas na ficha informativa 3.2. (1 hora)

5) A seguir, se o tempo disponível o permitir, os participantes poderão discutir em plenário a importância de

diferentes categorias de valores para diferentes estratégias de subsistência. Este debate poderá levar a uma

reflexão das diferenças do género em termos de valores e benefícios obtidos. (45 minutos)

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes reconheçam a diversidade dos valores e benefícios obtidos da

agrobiodiversidade para diferentes populações e diferentes estratégias de subsistência. Isto irá ajudá-los a aplicarem

mais o modelo de subsistência e aumentará a sua consciência sobre a complexidade da gestão da biodiversidade

agrícola.

TEMPO NECESSÁRIO: 3-4 horas.

59

RELAÇÕES E POLÍTICAS DO GÉNERO, INSTITUIÇÕES E PROCESSOS Existem uma série de instrumentos legais que regulam a gestão e uso da biodiversidade agrícola. Embora estejam

estabelecidos ao nível global, parece difícil localizá-los ao nível local. Em muitos casos, os extensionistas, agricultores e

mesmo investigadores não estão cientes da sua existência ou dos seus conteúdos. Estaria fora do objectivo desta ficha

informativa a análise destes instrumentos legais de uma forma detalhada. Contudo, pensamos que os gestores e

utilizadores da agrobiodiversidade precisam, pelo menos, de estar cientes da sua existência e propósito principal. Esta

ficha informativa irá dar uma visão geral de até que ponto os assuntos do género foram tomados em conta em políticas

internacionais e acordos relacionados com a agrobiodiversidade. Não iremos apresentar detalhes regionais em termos

da ratificação destes instrumentos legais ou existência de diferentes políticas nacionais2.

Em termos do género, estes instrumentos legais não fazem nenhuma tentativa de discutir as implicações do género

resultantes das políticas e acordos legais. Apenas a Convenção sobre a Diversidade Biológica e o Plano Global de Acção,

reconhecem o papel chave que as mulheres desempenham, especialmente nos países em desenvolvimento, na gestão e

uso dos recursos biológicos. Para os extensionistas, investigadores e agricultores é um desafio compreender o impacto

e o significado destes instrumentos legais no seu trabalho diário.

≠ Desde a década de 30 tem existido uma preocupação oficial pública crescente sobre a perda da biodiversidade

agrícola. O primeiro acordo internacional sobre a biodiversidade, o Empreendimento Internacional sobre os

Recursos Genéticos de Plantas (IU), foi adoptado pela FAO no início dos anos oitenta para a protecção dos

recursos genéticos de plantas. O IU cobre todos os recursos genéticos de plantas e destina-se à exploração,

preservação, avaliação e à disponibilidade dos recursos genéticos de plantas disponíveis. Um total de 113 países

aderiu à IU. As provisões do IU sempre foram voluntárias – era um acordo não vinculativo. O IU foi renegociado

pela Comissão Intergovernamental sobre Recursos Genéticos para a Alimentação e Agricultura, resultando no

Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para Alimentação e Agricultura (ITPGRFA).

≠ O Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para Alimentação e Agricultura foi finalmente

acordado pelos 184 governos que estavam presentes na Conferência da FAO, em Novembro de 2001. Os seus

objectivos são a conservação e uso sustentável dos recursos genéticos de plantas para a alimentação e a

agricultura. Também cobre a partilha justa e equitativa derivada do seu uso, para uma agricultura sustentável e

segurança alimentar. O Tratado está em harmonia com a Convenção sobre a Diversidade Biológica (ver a seguir).

Entrou oficialmente em vigor no dia 29 de Junho de 2004. O tratado cobre todos os PGRFA e contem provisões

para a conservação e uso sustentável da diversidade de plantas, cooperação internacional e assistência técnica.

O Tratado reconhece a enorme contribuição que os agricultores e suas comunidades têm feito, e continuam a

fazer, para a conservação e desenvolvimento dos recursos genéticos de plantas. Esta é a base para os Direitos

dos Agricultores. O Tratado estabelece também um sistema multilateral de acesso e partilha de benefícios que

se aplica a mais de 64 culturas e forragens principais, seleccionadas de acordo com o critério da segurança

RECONHECER OS ASPECTOS DO GÉNERO NASINICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE

1 Mais informação sobre estes aspectos pode ser obtida em Law and policy of relevance to the management of plant genetic resources por S. Bragdon, C.Fowler e Z. Franca (Eds), 2003. Módulo de Aprendizagem, ISNAR, Hague, Holanda

3.3FICHA INFORMATIVARECONHECER OS ASPECTOS DOGÉNERO NAS INICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE

60

alimentar e interdependência entre os países e regiões. Os benefícios que provêm do sistema multilateral serão

parte da estratégia de financiamento do Tratado Internacional. Será dada prioridade à implementação dos

planos e programas acordados para os agricultores nos países em desenvolvimento que pratiquem a gestão

sustentável da diversidade genética das plantas. O Tratado é legalmente vinculativo para todos os países que o

ratificaram, requerendo a conformidade de todas as leis e regulamentos nacionais.

≠ O Plano Global de Acção (GPA) para a conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos de plantas

foi adoptado por 150 países na Quarta Conferência Técnica Internacional sobre os Recursos Genéticos de

Plantas, que foi realizada em Leipzig em 1996. O GPA é uma componente que suporta o Tratado Internacional,

assim, as partes contratantes da ITPGRFA devem promover a sua implementação eficaz, através das acções

nacionais e cooperação internacional. O GPA fornece uma estrutura coerente que identifica 20 actividades

prioritárias in situ e ex situ nas áreas de conservação, utilização sustentável, assim como na construção das

instituições e da capacidade (FAO, 1996). O GPA contém muitas referências aos papéis das mulheres na

conservação da diversidade de plantas. Mais ainda, desenvolve actividades e medidas para fortalecer a

capacidade das mulheres para gerir estes recursos de forma sustentável. Em particular, estão contidas

referências nas actividades prioritárias seguintes2: conservação em quintas (parágrafo 31, 33 e 43 do GPA),

promoção da conservação de parentes das culturas silvestres (parágrafo 67 e 70); caracterização e avaliação

(parágrafo158); promoção do desenvolvimento e comercialização de culturas e espécies sub utilizadas

(parágrafos 189, 193, 203 e 204), expansão e melhoramento da educação e da formação (parágrafo 307).

≠ A Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), adoptada em 1992, cobre todas as componentes da

agrobiodiversidade, dos genes às espécies e aos ecossistemas, e reconhece a importância dos recursos

genéticos e sua conservação. No seu preâmbulo, a Convenção reconheceu, em particular, o papel vital que as

mulheres desempenham na conservação e uso sustentável da diversidade biológica. Mais ainda, a Convenção

da Diversidade Biológica (CBD) realçou a necessidade da participação total das mulheres a todos os níveis na

elaboração de políticas e implementação para a conservação da diversidade biológica. Na terceira Conferência

das Partes em 1997, os estados membros reconheceram a necessidade de fortalecer as comunidades indígenas

e locais, bem como de capacitá-las para a conservação nos locais próprios (in situ) e uso e gestão sustentável

da diversidade biológica agrícola, fortalecendo os sistemas de conhecimento indígena. A Convenção é

legalmente vinculativa para os países que a ratificaram (183, até Março de 2002). Como já foi antes referido, os

países que a ratificaram devem adoptar a legislação/regulamentos apropriados e/ou transformarem os

existentes de forma a estarem em harmonia com a Convenção. A Convenção não se aplica aos países que não a

ratificaram. Através da sua decisão V/5, os países presentes na Conferência das partes da CBD estabeleceram

um programa de trabalho sobre a biodiversidade agrícola. A decisão descreve os componentes da

agrobiodiversidade e reconhece que a natureza especial e as características da biodiversidade agrícola

merecem soluções distintas em termos de políticas e programação. Como descrita na CBD, a agrobiodiversidade

é essencial para a satisfação das necessidades humanas para a alimentação e segurança da subsistência. Para

além disso, existe uma grande interdependência entre países no que concerne aos recursos genéticos para a

alimentação e agricultura.

2 Ver www.fao.org/ag/agp/agps/pgr/default.htm

3.3 RECONHECER OS ASPECTOS DOGÉNERO NAS INICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE

FICHA INFORMATIVA

≠ A Estratégia Global para a Gestão dos Recursos Genéticos de Animais de Quinta oferece uma estrutura técnica

e operacional para apoiar os países. Contem vários elementos chave, como o Inventário Global dos Recursos

Genéticos de Animais de Quinta através do Estado do Relatório Mundial, que vai facilitar a análise do nível de

ameaça dos recursos mundiais e estabelecer as prioridades de conservação. A Estratégia tem como objectivo

assistir os países nos seus esforços de caracterizar e monitorar os seus recursos, assim como desenvolver os

seus programas e planos de acção para a sua conservação e utilização sustentável. Como os Estados possuem

direitos soberanos sob os seus próprios recursos biológicos, eles são igualmente responsáveis pela sua

conservação e utilização duma forma sustentável. Os Estados participantes na Estratégia Global da FAO para a

Gestão dos Recursos Genéticos de Animais de Quinta foram convidados a nomearem um ponto focal nacional

para os recursos genéticos animais e um coordenador nacional que são responsáveis pelas actividades dos

países na gestão dos recursos genéticos de animais. Também são responsáveis pelas contribuições dos países

para os esforços globais, especialmente na troca de informações e dados.

≠ A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres (CEDAW) é outro

instrumento legal que se debruça directamente sobre a discriminação das mulheres e insta os países membros a

porem os objectivos da convenção em prática. Esta Convenção pode oferecer uma estrutura útil para a

implementação dos acordos legais acima referidos. A CEDAW, adoptada em 1979 pela Assembleia-Geral das

Nações Unidas, é muitas vezes descrita como uma declaração internacional de direitos das mulheres. Consistindo

dum preâmbulo e 30 artigos, define o que constitui discriminação das mulheres e estabelece uma agenda para a

acção nacional para acabar com tal discriminação. Ao aceitar a Convenção, os Estados obrigam-se a executarem

uma série de medidas para pôr fim à discriminação das mulheres de todas as formas, incluindo:

z A incorporação do princípio da igualdade dos homens e mulheres no seu sistema legal, a abolição das suas leis

discriminatórias e a adopção de leis apropriadas proibindo a discriminação de mulheres;

z O estabelecimento de tribunais e outras instituições públicas a fim de assegurarem a protecção efectiva de

mulheres contra a discriminação; e,

z Assegurar a eliminação de todos os actos de discriminação contra mulheres por indivíduos, organizações ou

empresas.

Os países que ratificaram ou acederam à Convenção são legalmente obrigados a porem as suas provisões em prática.

Estão também comprometidos a submeterem relatórios nacionais, pelo menos a cada quatro anos, sobre as medidas que

tomaram para cumprirem com as suas obrigações para com o tratado. Tendo entrado em vigor a 3 de Setembro de 1981, tinha,

em Março de 2004, 176 Estados como partes da Convenção.

Apesar deste reconhecimento crescente das diferenças e implicações do género a nível internacional, tem-se feito muito

pouco para implementar este conhecimento em políticas e programas nacionais para a gestão e conservação da

biodiversidade agrícola.

Como referido no Relatório sobre o Estado Mundial dos Recursos Genéticos de Plantas para a Alimentação e

Agricultura, a principal causa da erosão genética nas culturas reportadas por quase todos os países, é a substituição das

variedades locais pelas variedades ou espécies exóticas ou melhoradas. A medida que as variedades antigas nos campos

dos agricultores são substituídas pelas novas, a erosão genética ocorre frequentemente. Os genes e complexos de genes

encontrados nas diversas variedades dos agricultores não estão contidos nas variedades modernas. Mais ainda, o

número completo de variedades é muitas vezes reduzido quando as variedades comerciais são introduzidas nos

sistemas tradicionais de agricultura. Isto é igualmente verdade para a substituição dos recursos genéticos de animais. O

relatório reconhece mais os impactos negativos que estes processos têm sobre os pequenos agricultores,

especialmente, sobre as mulheres que dependem da diversidade genética para a sua subsistência.

613.3FICHA INFORMATIVARECONHECER OS ASPECTOS DOGÉNERO NAS INICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE

Devido às tecnologias modernas e a mudanças nas percepções, as mulheres perderam a sua influência sobre a

produção que controlavam tradicionalmente. O acesso aos recursos perdeu-se em favor dos homens, que beneficiam dos

serviços de vulgarização e podem comprar sementes, fertilizantes e as tecnologias necessárias. Desta forma, as mulheres

perdem também o seu estatuto e determinação própria e não são compensadas de forma alguma.

O estudo de caso acima referido, mostra que a agrobiodiversidade está ameaçada porque não é usada e não por

uso excessivo, como é o caso de muitas espécies de plantas silvestres e fauna selvagem. As investigações e

desenvolvimentos modernos e a reprodução centralizada de plantas ignoraram e minaram principalmente as

capacidades das comunidades agrícolas locais na inovação e melhoramento de variedades de plantas locais, que, muitas

vezes, levou à sua substituição.

Os programas convencionais de reprodução tendem a se focar fortemente na “adaptabilidade geral”. Esta refere-

se à capacidade da planta de produzir uma alta colheita média numa série de ambientes e anos de produção.

Infelizmente, o material genético que produz boas colheitas numa zona de produção mas más colheitas noutras, tende

a ser rapidamente eliminado do património genético do reprodutor. Porém, isto pode ser exactamente o que os pequenos

agricultores, em algumas áreas, necessitam. As variedades “melhoradas” resultantes, requerem muitas vezes doses

grandes de fertilizantes e outros químicos, que a maioria dos agricultores pobres não podem adquirir. Para além disso,

os criadores profissionais, trabalham geralmente em relativo isolamento dos agricultores. Eles têm por vezes

desconhecimento da amplitude de preferências – para além do rendimento e da resistência a doenças e pestes – dos

seus agricultores alvos.

Por outro lado, existem ainda muitos exemplos de políticas nacionais e projectos de desenvolvimento que promovem

a produção comercial. Estes focam-se em algumas poucas culturas principais de rendimento, que são uma ameaça a

biodiversidade agrícola existente e à segurança alimentar. Quanto mais produção for gerida para fins comerciais, mais

variedades e raças de maior rendimento são usadas. Por outro lado, a redução de riscos tradicional, através do uso de uma

maior diversidade de variedades e raças, torna-se cada vez de menor importância. Muitas variedades e raças locais são ainda

categorizadas como de menor performance e inferiores pelos serviços extensionistas nacionais e organizações de pesquisa.

Portanto, as políticas nacionais oferecem incentivos para o uso de variedades e raças modernas. Esta prática pode levar à

perda irreversível da diversidade genética ou pode ter impacto nos papéis e responsabilidades estabelecidos ou tradicionais

do género. O exemplo seguinte oriundo do Mali realça o impacto no uso da biodiversidade agrícola e nos papéis do género

(ver Caixa 2).

[Caixa 2] JARDINAGEM COMERCIAL NO MALI

Numa aldeia de Bamana no Mali, a produção de subsistência das mulheres que é baseada na biodiversidade das

plantas locais, veio a ter muita competição com a produção de culturas exóticas e comercial feita pelos homens.

Durante este processo, a produção das mulheres foi marginalizada ou mesmo perdida. As mulheres eram

tradicionalmente responsáveis pela produção ou colheita das variedades de plantas tradicionais, usadas na

preparação dos molhos e condimentos que elas historicamente produziam nos jardins domésticos. Contudo, um

regime de jardinagem comercial foi desenvolvido na comunidade. Este, visa satisfazer a crescente procura urbana de

produtos frescos, ao invés dos requisitos domésticos locais. Tipicamente, a jardinagem comercial envolve culturas

de frutas e vegetais não tradicionais. Os homens de meia-idade dominam a liderança de jardins.

Fonte: Wooten, 2003

62 3.3 RECONHECER OS ASPECTOS DOGÉNERO NAS INICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE

FICHA INFORMATIVA

A facilidade de colheita e armazenamento, gosto e qualidades de culinária, a rapidez do amadurecimento da

cultura e a adequação dos resíduos da cultura como alimento para gado, são apenas algumas das dezenas de

características das plantas de interesse para os agricultores de pequena escala. Apesar desta riqueza de conhecimentos,

os programas de reprodução convencionais têm limitado a participação dos agricultores na avaliação e dos seus

comentários sobre algumas variedades experimentais antes da sua divulgação oficial. Este tipo de participação, leva a

que poucos agricultores tenham um sentimento de posse da pesquisa ou de que tenham contribuído com a sua perícia

técnica. Muitas das variedades que são sujeitas às experiências nos campos, poderiam ter sido eliminadas mais cedo e

poupados anos de testagem se os agricultores tivessem tido a oportunidade de os avaliar criticamente. Os agricultores

- e em muitos casos, os agricultores femininos – têm sido os engenheiros chefes do desenvolvimento das culturas e

variedades durante milhares de anos. Actualmente continuam a seleccionar e reproduzir activamente a maioria das

culturas, incluindo as chamadas menores ou sub utilizadas, que são tão importantes para a nutrição familiar.

Contudo, existem muitos exemplos encorajadores onde os agricultores estão envolvidos no melhoramento e

reprodução de culturas. A reprodução participativa de plantas é uma abordagem alternativa para os países em

desenvolvimento, ao ter sido reconhecido que os programas convencionais de reprodução trouxeram poucos benefícios aos

ambientes marginais agro-ecológicos e sócio-económicos. Tal abordagem tem um potencial de contribuir para a conservação

e gestão sustentável dos recursos genéticos das plantas.

Os objectivos principais da reprodução participativa de plantas são a criação de mais tecnologias relevantes e o acesso

equitativo. No entanto, dependendo das organizações envolvidas, existem muitas vezes outros objectivos. Por exemplo, os

programas de reprodução em larga escala desenvolvidos por agências de pesquisa nacionais e internacionais podem desejar

diminuir os custos de pesquisa. Outras organizações, tais como grupos dos agricultores e ONGs, podem desejar afirmar os

direitos das populações sobre os recursos genéticos. Estes podem produzir sementes, desenvolver as competências técnicas

dos agricultores, ou desenvolver novos produtos para nichos de mercado, tais como produtos produzidos organicamente.

63

Pontos-chave0 Existem uma série de instrumentos legais que regulam a gestão e o uso da biodiversidade agrícola. Em

termos dos aspectos do género, estes instrumentos legais não fazem nenhuma tentativa de discutir as

implicações do género e das políticas e acordos legais daí resultantes.

0 Os recursos genéticos de plantas eram inicialmente vistos como uma herança comum da humanidade. A

Convenção sobre a Diversidade Biológica deu às nações um direito soberano sobre os seus recursos

genéticos e requer um consentimento prévio para o seu uso (UNEP, 1992).

0 A opinião dos PGRs, como propriedade comum, está a mudar rapidamente para uma visão dos mesmos

como objectos de troca.

0 Apesar do reconhecimento crescente das diferenças e implicações do género a nível internacional, pouco

tem sido feito para implementar este conhecimento em políticas e programas para a gestão e conservação

da agrobiodiversidade.

0 A biodiversidade agrícola é ameaçada porque não é usada e não porque é usada em excesso, como

acontece com muitas espécies de plantas silvestres ou animais selvagens.

0 Existem muitos exemplos de políticas nacionais e projectos de desenvolvimento que promovem a

produção comercial. Estes focam-se em poucas culturas principais de rendimento, ameaçando portanto, a

biodiversidade agrícola e a segurança alimentar existentes. Têm sido observadas mudanças nos papéis e

responsabilidades do género.

3.3FICHA INFORMATIVARECONHECER OS ASPECTOS DOGÉNERO NAS INICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE

3.3

RECONHECER OS ASPECTOS DOGÉNERO NAS INICIATIVAS DA AGROBIODIVERSIDADE

PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL – NOTAS PARA O FACILITADOR

64

OBJECTIVO: A ficha informativa 3.3 tem como objectivo introduzir políticas e acordos legais internacionais importantes

que são relevantes para a gestão e conservação da biodiversidade agrícola. Mais ainda, apresenta o impacto das

políticas e instituições sobre a gestão e conservação da agrobiodiversidade, assim como sobre os papéis e

responsabilidades do género.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes ficarem cientes da estrutura internacional legal existente e reflictam

sobre a influência das políticas e instituições sobre as responsabilidades do género na gestão da biodiversidade agrícola.

PROCESSO:

A sessão começa com uma introdução dos diferentes acordos e políticas legais feita pelo moderador. A fim de envolver

os participantes a partir do princípio, eles podem ser convidados a nomearem as estruturas legais que conhecem.

Durante esta sessão, o facilitador deve enfatizar que estas estruturas legais são principalmente discutidas ao nível das

políticas. No entanto, estas precisam ser comunicadas também a todos os outros níveis, de forma que as populações

possam ser informadas dos seus direitos e responsabilidades. Uma tarefa importante do facilitador é de identificar o

estatuto de ratificação dos diferentes países presentes no workshop.

1) Se o tempo disponível o permitir, o facilitador pode distribuir os artigos relevantes dos diferentes acordos legais

e deixar os participantes lê-los em pequenos grupos. Depois, os pontos-chave podem ser apresentados pelos

participantes. (1 hora)

2) O que se torna mais directamente relevante e visível ao nível da comunidade são os processos, que podem ser

induzidos pelas organizações externas ou pelas próprias populações. Os participantes são convidados a

partilharem experiências do seu conhecimento prévio derivado do trabalho sobre processos e iniciativas que

tentam fortalecer as populações locais a gerirem e beneficiarem da sua agrobiodiversidade. (1 hora incluindo a

discussão)

3) O facilitador deve, de novo, encorajar os participantes a reflectirem sobre as diferenças do género em termos do

impacto potencial dos processos e iniciativas identificadas.

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estejam cientes da existência de regulamentos internacionais chave e

tenham identificado questões importantes por eles cobertos. Mais ainda, terem reflectido sobre as implicações do

género nos processos e iniciativas potenciais.

TEMPO NECESSÁRIO: mínimo 3 horas

Nota: Para informação adicional sobre as leis e políticas, consultar Bragdon, S., Fowler, C. e Franca, Z. (eds) (2003) “Leis e Política

de relevância à Gestão dos Recursos Genéticos de Plantas”. Módulo de aprendizagem. ISNAR, The Hague, Países Baixos

M Ó D U L O 3 - L E I T U R A S C H A V E

65

j Grain (2003). Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos.

http://www.grain.org/seedling/seed-04-01-2-en.cfm

j Notas IK, Nº. 44 (Maio de 2002). A contribuição de vegetais indígenas para a segurança alimentar familiar.

j Wooten (2003). Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade local de plantas no Mali

rural. Em Howard, P.L. (Ed). (2003). Mulheres e plantas, relações de género na gestão e conservação da

biodiversidade. Reino Unido, Livros ZED

Anderson. 2003. Sustaining livelihoods through animal genetic resources. In Conservation and sustainable use ofagricultural biodiversity. Published by CIP-UPWARD in partnership with GTZ, IDRC, IPGRI and SEARICE

Armstrong, S. 1993. The last taboo. WorldAIDS, 29:2.

Bragdon, S., Fowler, C. & Franca, Z. (eds). 2003. Laws and policy of relevance to the management of plant genetic resources.Learning Module. The Hague, The Netherlands, ISNAR.

FAO. June 1996. Global plan of action for the conservation and sustainable utilisation of plant genetic resources for food andagriculture, Leipzig, Germany.

FAO. 2003. HIV/AIDS and agriculture: impacts and responses. Case studies from Namibia, Uganda and Zambia.

FAO. No date. Gender and food security - The feminization of agriculture. Source: www.fao.org/Gender/en/agrib2-e.htm

Funtowicz, S.O. & Ravetz, J.R. 1994. The worth of a songbird. Ecological economics as a post-normal science. Ecologicaleconomics 10, pp.197-207.

GRAIN. 2004. Good ideas turned bad? A glossary of right-related terminology. www.grain.org/seedling/?id=259

Howard, P.L. 2003. Women and plants, gender relations in biodiversity management and conservation. United Kingdom,ZED Books.

IK Notes, No. 44. May 2002. The contribution of indigenous vegetables to household food security.

Leskien, D. & Flitner, M. 1997. Intellectual property rights and plant genetic resources: Options for a sui generis system.IPGRI, Issues in Genetic Resources No. 6, June 1997.

Moreki. 2001. Village poultry and poverty alleviation. Workshop proceedings of community based management of animalgenetic resources, Swaziland 7-11 May 2001.

UNEP. 1992. Convention on Biological Diversity. www.biodiv.org

White, J. & Robinson, E. 2000. HIV/AIDS and rural livelihoods in sub-Saharan Africa. United Kingdom, Natural ResourcesInstitute, University of Greenwich.

Wooten, S. 2003. Losing ground: Gender relations, commercial horticulture, and threats to local plant diversity in rural Mali.In Howard, P.L. (Ed). 2003. Women and plants, gender relations in biodiversity management and conservation, UnitedKingdom, ZED Books.

Web sites

FAO Web site on Plant Genetic Resources: www.fao.org/ag/agp/agps/pgr/default.htm

FAO Web site on Agrobiodiversity: www.fao.org/biodiversity/index.asp?lang=en

FAO Web site on Gender, Agrobiodiversity and Local Knowledge: www.fao.org/sd/links

International Undertaking on Plant Genetic resources (IU): www.fao.org/ag/cgrfa/IU.htm

ITPGRFA or International Seed Treaty: www.fao.org/AG/CGRFA/ITPGR.htm

Global Plan of Action, Leipzig, 1996: www.fao.org/WAICENT/FaoInfo/Agricult/AGP/AGPS/GpaEN/leipzig.htm

Convention on Biological Diversity: www.biodiv.org/convention/articles.asp

Global Strategy for the Management of Farm Animal Genetic Resources: www.fao.org/ag/cgrfa/AnGR.htm

CEDAW: www.un.org/womenwatch/daw/cedaw

R E F E R ÊN C I A S - M Ó D U L O 3

66

67

O CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADE . . . . . .69

Pontos-chave para a ficha informativa 4.1Página com informação processual 4.1 – Notas para o facilitador

4.1

DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO LOCAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75- COMPREENDER O CONTEXTO DA VULNERABILIDADE

Pontos-chave para a ficha informativa 4.2Página com informação processual 4.2 – Notas para o facilitador

4.2

MOLDANDO O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE . . . . . . .79- POLÍTICAS, INSTITUIÇÕES E PROCESSOS

Pontos-chave para a ficha informativa 4.3Página com informação processual 4.3 – Notas para o facilitador

4.3

COMPREENDER A RELAÇÃO ENTRE AAGROBIODIVERSIDADE E O CONHECIMENTO LOCAL

Leituras ChaveReferências

Mód

ulo4

No Módulo 3 abordamos as ligações entre a biodiversidade agrícola e o género. Neste Módulo iremos expandir estas ligações

analisando as interligações entre a agrobiodiversidade e o conhecimento local. Primeiramente vamos olhar para a definição

de “conhecimento” antes de prosseguir com esta análise.

Esta definição é muito importante para nós porque ela contém um número de características importantes que são

significativas para compreender o conhecimento local. Estas características incluem:

≠ O conhecimento emerge de processos decorrentes complexos

≠ O desenvolvimento do conhecimento realiza-se através da selecção, rejeição, criação, desenvolvimento e

transformação (adaptação)

≠ O conhecimento está intimamente ligado a contextos sociais, ambientais e institucionais

O conhecimento local é a informação que as populações, numa determinada comunidade, desenvolveram ao longo do

tempo. É baseado na experiência, adaptado à cultura e ambiente local, e está em constante desenvolvimento. Este

conhecimento é usado para sustentar a comunidade, sua cultura e os recursos genéticos necessários para a sobrevivência

contínua da comunidade.

O conhecimento local inclui inventários mentais dos recursos biológicos locais, raças de animais, plantas locais e

espécies de culturas e árvores. Pode incluir informação acerca de árvores e plantas que crescem bem juntos, de plantas

indicadoras que revelam a salinidade do solo ou que florescem no início da época da chuva. Inclui também práticas e

tecnologias, tais como os métodos de tratamento e armazenamento de sementes e materiais usados para o plantio e colheita.

O conhecimento local engloba também sistemas de crenças que desempenham um papel fundamental na subsistência das

populações, na manutenção da sua saúde e na protecção e renovação do ambiente. O conhecimento local é dinâmico por

natureza e pode incluir a experimentação da integração de novas plantas ou espécies de árvores nos sistemas agrícolas

existentes ou dos testes de novas plantas medicinais pelos curandeiros tradicionais.

O CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADE

[Caixa 1] O QUE É O CONHECIMENTO?

O conhecimento refere-se à forma como as populações compreendem o mundo, a maneira como elas

interpretam e aplicam significado às suas experiências. O conhecimento não é a descoberta de alguma “verdade”

objectiva final. É sim a compreensão culturalmente subjectiva - produtos condicionados que emergem de

processos complexos e contínuos. O conhecimento envolve a selecção, rejeição, criação, desenvolvimento e

transformação de informação. Estes processos, e portanto o conhecimento, estão intrinsecamente ligados aos

contextos sociais, ambientais e institucionais nos quais eles se encontram.

Bla

ikie

, 199

2.

694.1FICHA INFORMATIVAO CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADE

O conhecimento local é muitas vezes colectivo por natureza. É considerado propriedade de toda a comunidade e não

pertence a nenhum indivíduo em singular. Mas, como aprendemos no Módulo 1, isto depende do tipo de conhecimento.

Podemos distinguir entre:

≠ O conhecimento comum é detido pela maioria da população numa comunidade; ex. quase toda a gente sabe como

cozinhar arroz (ou os alimentos locais básicos).

≠ O conhecimento partilhado é detido por muitas pessoas, mas não por todos os membros da comunidade; ex. os

aldeões que criam gado conhecem os cuidados básicos que devem ser prestados aos animais.

≠ O conhecimento especializado é detido por poucas pessoas que podem ter tido uma aprendizagem ou formação

especial; ex. apenas poucos residentes da vila podem se tornar curandeiros, parteiras ou ferreiros.

A transferência de conhecimento irá acontecer de diferentes maneiras, dependendo do tipo de conhecimento. Por

exemplo, muito do conhecimento comum, é partilhado nas actividades diárias com os outros membros da família e vizinhos.

Durante o trabalho e as interacções diárias, as crianças, por exemplo, observam e experienciam o conhecimento detido pelos

mais velhos e pelos membros da família e adquirem-no ao longo do tempo. Os locais públicos, tais como os mercados ou os

moinhos comunitários são locais importantes, onde a partilha de informações acontece. O conhecimento comum está

intimamente ligado à vida diária das comunidades locais. Elas não o tratam como sendo uma coisa separada ou que precisa

de mecanismos específicos de transmissão.

Um caso diferente é a transmissão do conhecimento partilhado ou especializado. Aqui, a transmissão realiza-se através

de mecanismos específicos de troca de informações culturais e tradicionais. Por exemplo, pode ser mantida e transmitida

oralmente através dos mais velhos ou especialistas (criadores, curandeiros, etc.), e é, geralmente, apenas partilhada com

poucas pessoas seleccionadas dentro da comunidade.

CONHECIMENTO LOCAL E DIMENSÕES DO GÉNEROO conhecimento local está integrado nas estruturas sociais. Diferentes grupos de pessoas, ex. etnias, clãs, géneros, grupos

etários ou de riqueza podem possuir tipos de conhecimento diferentes. Este tipo de conhecimento está relacionado com

diferenças existentes que dizem respeito ao:

≠ Acesso ou controlo dos recursos para a produção

≠ Acesso à educação, formação e informação em geral

≠ Divisão de trabalho entre homens e mulheres, agricultores e pastores, etc.

≠ Controlo sobre os benefícios da produção

O género e o conhecimento local estão, portanto, ligados de muitas maneiras. As mulheres e os homens geralmente

possuem capacidades muito diferentes e conhecimentos diferentes das condições locais e vida quotidiana. Por exemplo, as

mulheres são utilizadoras e processadoras importantes dos recursos naturais para a subsistência humana, como tal, elas são

muitas vezes os repositórios do conhecimento local para a gestão sustentável dos recursos. Por outro lado, os homens podem

ter mais conhecimento de assuntos de produção. Em muitas sociedades as mulheres têm a responsabilidade principal de

produzir e recolher alimentos, assegurar água, combustível e medicamentos. Também fornecem um rendimento em dinheiro

para a educação, cuidados de saúde e outras necessidades familiares. Para além disso, as mulheres também contribuem com

muito do trabalho e da tomada de decisões diária referente à produção de culturas e criação de animais.

Embora tanto os homens como as mulheres estejam envolvidos na selecção de culturas e tenham conhecimentos

altamente específicos, usam critérios de selecção substancialmente diferentes. Os critérios e conhecimentos das mulheres são

geralmente ignorados por investigadores de selecção e conservação de variedades de plantas. Onde as mulheres são as

principais produtoras das culturas, elas seleccionam conscientemente as variedades que respondem a uma vasta gama de

critérios relacionados com a produção, processamento, armazenamento e preservação, assim como qualidades da culinária.

70 4.1 O CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

Quando os homens são os produtores principais, eles dependem dos membros femininos da família para se aconselharem a

respeito das características não relacionadas com a produção de culturas no campo, particularmente as relacionadas com o

processamento após a colheita e utilização culinária (Howard 2003).

A idade é um outro factor importante que influencia o conhecimento local, as pessoas mais jovens tendem a estar menos

cientes da sua relevância. A pesquisa no Gana e na Zâmbia sobre medicamentos tradicionais, por exemplo, mostrou que as

gerações jovens geralmente subestimam este conhecimento. Isto acontece, pelo menos parcialmente, porque os

medicamentos tradicionais raramente trazem rendimentos económicos altos aos seus praticantes (Notas IK, Nº. 30).

Dependendo das estratégias de subsistência adoptadas por diferentes pessoas, ou entre gerações, irá variar a relevância do

conhecimento local para a produção agrícola.

O conhecimento local, e as diferenças de género relacionadas, podem ser vistas como um factor chave para definir e

influenciar a diversidade de plantas e animais. As práticas de selecção, gestão e uso dos recursos genéticos dos agricultores

desempenharam um papel importante na conservação da biodiversidade agrícola. A gestão continuada destes recursos vai

desempenhar um papel significativo para o sucesso de estratégias futuras. O conhecimento local pode ajudar a aumentar a

relevância e eficiência dos esforços de conservação da agrobiodiversidade em várias situações:

≠ Colheita de amostras: A inclusão do conhecimento local na colheita e identificação ajudará a identificar

culturas/variedades que estão em perigo de serem perdidas, que são importantes para grupos de agricultores

particulares.

≠ Sistemas de documentação e informação: O conhecimento local é relevante para uma melhor compreensão do

potencial de variedades/raças específicas. Isto inclui adaptações específicas, resistência a factores de stress,

características de qualidade, etc.

≠ Uso de colecções ex situ: A reintrodução das variedades/raças, introdução de variedades/raças adaptadas,

programas participativos de criação, etc.

≠ Elaboração de estratégias para a conservação e gestão in situ: O conhecimento local pode contribuir para a selecção

de locais e participantes relevantes. Só se o conhecimento local for considerado é que intervenções significativas

poderão ser desenvolvidas para responderem às necessidades locais.

Contudo, temos que estar conscientes que existem limitações claras para a construção sobre o conhecimento local. Estas

limitações são de tipos diferentes e incluem as seguintes:

≠ O conhecimento local não está igualmente distribuído dentro da comunidade. Nem toda a gente dentro de uma

comunidade possui o mesmo nível e tipo do conhecimento local. Isto pode ser uma desvantagem para pessoas que

participam em certas actividades e pode até ser um obstáculo quando se tentar analisar o conhecimento local.

≠ O conhecimento não é necessariamente comunicado livremente. Esta é uma das razões porque o conhecimento local

não está igualmente distribuído ao nível da comunidade. O conhecimento local é parte das estruturas relacionadas

com o poder e pode ser gerido duma maneira que exclui certas partes da sociedade de o obter.

≠ O conhecimento local não é facilmente acessível e compreensível para os estranhos. Não deve ser extraído de

indivíduos/comunidades, mas sim explorado e partilhado de uma maneira participativa que traga benefícios a todas

as partes envolvidas. Devido à sua natureza dinâmica, muda e desenvolve-se constantemente. Mais ainda, é muitas

vezes específico de certos locais e, portanto, não é necessariamente útil em outras situações agro-ecológicas ou

sócio-económicas.

≠ O conhecimento local é muitas vezes considerado inferior ao conhecimento “Ocidental” (Briggs e Sharp 2003). Esta

atitude é reflectida em muitos abordagens de extensão e de pesquisa que não tomam em consideração o

conhecimento local existente. Existe também um vácuo claro ao nível das políticas, onde não contribui para os

processos de tomada de decisão.

≠ O conhecimento local não oferece necessariamente uma solução para as condições externas em mudança. Portanto,

é importante estabelecer mecanismos que permitam a integração de fontes locais e externas de conhecimento.

≠ O exemplo seguinte mostra como estas fraquezas ou limitações podem ser superados para se alcançarem resultados

positivos para os meios de subsistência das populações (ver Caixa 2).

714.1FICHA INFORMATIVAO CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADE

72

Da perspectiva dos meios de vida, o conhecimento local continua a ser um bem importante para recurso das

populações pobres. Mais ainda, estudos recentes enfatizam a relevância do conhecimento local sobre as plantas de

alimentação indígenas para o aumento da segurança alimentar e saúde. Isto é especialmente verdade para as famílias

afectadas pelo VIH-SIDA em África, onde o aumento da insegurança alimentar agrava o impacto negativo do VIH-SIDA. As

respostas de base, que dependem da biodiversidade agrícola e o conhecimento local podem contribuir para combater os

impactos da insegurança alimentar e do VIH-SIDA (Garí, 2003).

Pontos-chave0 O conhecimento local é a informação que as populações, numa determinada comunidade desenvolveram

ao longo do tempo. É baseado na experiência e adaptado à cultura e ambiente local, está em constante

desenvolvimento.

0 O conhecimento local está integrado nas estruturas sociais. Diferentes grupos de pessoas, grupos

étnicos, clãs, géneros ou grupos diferenciados em relação ao rendimento detêm conhecimentos

diferentes. As mulheres e os homens possuem muitas vezes capacidades conhecimentos muito

diferentes das condições locais e vida quotidiana.

0 A idade é outro factor importante que influencia o conhecimento local. As pessoas mais jovens tendem a

estar menos cientes da sua relevância.

0 O conhecimento local e as diferenças do género no conhecimento local podem ser vistas como factores

chave que definem e influenciam a diversidade de plantas e animais.

0 O conhecimento local pode ajudar a aumentar a relevância e eficiência dos esforços da conservação da

biodiversidade agrícola em níveis diferentes.

0 O conhecimento local não é facilmente acessível e compreensível para os estranhos. Não deve ser

extraído de indivíduos/comunidades, mas sim explorado e partilhado de uma forma participativa que

traga benefícios a todas as partes envolvidas.

0 O conhecimento local não oferece necessariamente uma solução para as condições externas em

mudança. É, portanto, importante estabelecer mecanismos que permitem a integração de fontes de

conhecimento locais e externas.

0 Da perspectiva dos meios de vida, o conhecimento local continua a ser um bem importante para recurso

das populações pobres.

4.1 O CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

[Caixa 2] AUMENTAR A INDEPENDÊNCIA PASTORÍCIA NO QUÉNIA ATRAVÉS DODESENVOLVIMENTO ECONÓMICO SUSTENTÁVEL

No Quénia, um programa de desenvolvimento integrado para pastores junta o conhecimento tradicional (indígena)

e o conhecimento técnico moderno para a formação e manuais no tratamento de doenças do gado. O programa

pretende recolher conhecimento indígena de diferentes grupos étnicos, partilhar conhecimentos e práticas e

promover a pastorícia como modo válido de produção e forma de vida. Em todas as actividades do projecto, a

Associação Económica de Desenvolvimento Pastoral do Quénia (KEPDA) junta o conhecimento tradicional com o

conhecimento técnico moderno.

A compreensão e consciência de questões chave são então promovidas através de publicações e redes de trabalho.

Esta abordagem tem um potencial considerável para o melhoramento sustentável da produtividade das terras secas.

No passado, o conhecimento local era considerado principalmente como um tópico de investigação, e o

conhecimento técnico era considerado como um substituto das práticas “primitivas” ou ultrapassadas. Este projecto

tem como objectivo integrar estes dois grupos de conhecimento.

Fonte: Banco Mundial

73

4.1

O CONHECIMENTO LOCAL COMO PARTE DA AGROBIODIVERSIDADE

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

73

OBJECTIVO: A ficha informativa 4.1 tem como objectivo permitir aos participantes compreenderem e aplicarem o conceito

do conhecimento local à gestão da biodiversidade agrícola. Mais ainda, tem como objectivo estabelecer as ligações entre

o modelo dos meios de subsistência e o conceito de conhecimento local como um bem de subsistência.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam a importância do conhecimento local e as ligações

entre o conhecimento local e o contexto mais amplo dos meios de vida.

PROCESSO:

1) Os participantes devem ser encorajados a explorar as questões levantadas na ficha informativa 4.1, baseados

nas suas próprias experiências de trabalho. Este exercício não deve levar mais de 1 hora. O formador pode

facilitar este processo fornecendo perguntas de orientação, tais como:

x Que tipo de conhecimento é relevante para a implementação do vosso projecto?

x Quem possui este conhecimento?

x Como é que este conhecimento está relacionado com a gestão da agrobiodiversidade?

x Como é que este conhecimento se desenvolve e muda? Porquê?

x Quem comunica este conhecimento, a quem e como?

x Etc.

2) A informação gerada durante este exercício pode, posteriormente ser sistematizada pelo facilitador juntamente

com os participantes e podem tirar-se as conclusões base. (30 minutos)

3) O facilitador, pode então, usar os pontos-chave apresentados na ficha informativa 4.1 para comparar com os

pontos identificados pelo grupo. Se for apropriado, os aspectos em falta podem ser apresentados aos

participantes. (30 minutos)

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes tenham estabelecido uma compreensão partilhada do conceito de

conhecimento local e serem capazes de reconhecê-lo como um bem importante de subsistência para as populações

pobres. As ligações à biodiversidade agrícola e género tenham sido estabelecidas.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 2 horas.

COMPREENDER O CONTEXTO DA VULNERABILIDADE

O conhecimento local e as instituições locais que gerem este conhecimento são particularmente desafiados pelas rápidas

mudanças sócio-económicas e ambientais. Voltando ao modelo dos meios de subsistência, iremos reconhecer que os

choques e tendências dentro do contexto da vulnerabilidade podem conduzir a perdas dramáticas do conhecimento local.

Blaikie et al (1992) distingue cinco tendências e choques comuns onde a utilidade e manutenção do conhecimento local

são extremamente desafiadas.

≠ As áreas com um crescimento muito rápido da população ou uma redução concomitante de recursos causado por

pressões externas podem exigir adaptações particulares de novas tecnologias agrícolas a fim de aumentar a

produção alimentar e a diversificação dos meios de subsistência. Todas estas adaptações requerem a aprendizagem

rápida de novas capacidades. Neste tipo de situação, o conhecimento local tem que ser desenvolvido e adaptado

muito rapidamente a fim de responder aos novos desafios. Uma grande densidade populacional e campos de cultivo

de tamanho reduzido, geralmente levam à redução da diversidade de culturas a favor das culturas básicas principais.

As variedades de cultura com maior rendimento têm sido promovidas durante décadas para responder a populações

crescentes. Não foram considerados os efeitos negativos potenciais para a agrobiodiversidade e para o

conhecimento local.

≠ As circunstâncias nas quais a rápida imigração para uma área particular significou que os reservatórios de

conhecimento para a produção agrícola/pastoral e para a conservação ambiental estão desalinhados com um novo

conjunto de oportunidades e constrangimentos. As estruturas sócio-económicas que criam esse conhecimento

podem estar a encarar acréscimos fracturantes e contraditórios a medida que novos migrantes chegam. Os

programas de repovoamento são um exemplo destas circunstâncias. As pessoas encontram-se numa nova situação,

onde o seu conhecimento local já não é relevante. Por exemplo, as culturas locais trazidas por estes migrantes

podem não estar adaptadas ao novo ambiente, ou novas doenças de gado podem ameaçar as práticas veterinárias

locais existentes. Estes tipos de choques podem levar a uma perda completa do conhecimento local existente.

≠ As calamidades e outros eventos extremos causam disjunções, tanto material como culturais. O sistema de

conhecimento sofre frequentemente um choque. Tais ocorrências são tanto oportunistas como limitadoras. O VIH-

SIDA é um exemplo relevante para África, onde o conhecimento local pode voltar a ganhar importância como uma

estratégia a nível local para o combate à insegurança alimentar. Ou ter a sua existência ameaçada devido à perda de

muitas pessoas que possuem o conhecimento.

≠ Existem outros processos de mudanças ambientais mais lentas, tais como a mudança climática, extensa

desflorestação ou degradação de terras que desafiam a resistência e adaptabilidade dos sistemas de conhecimento

local. Por exemplo, os critérios para a variedade de culturas ou selecção de raças têm que se adaptar às condições

ambientais variáveis. Então tem que existir um processo de inovação e adaptação a fim de ajustar o sistema aos

desafios que surgem. Contudo, existem muitos exemplos de como os agricultores conseguem adaptar a suas

práticas e conhecimentos aos ambientes em mudança que resultam, muitas vezes, numa maior diversidade.

DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO LOCAL

CHALLENGES TO LOCAL KNOWLEDGE 754.2FICHA INFORMATIVADESAFIOS PARA O CONHECIMENTO LOCAL

76

≠ A rápida comercialização e os choques económicos podem também minar o conhecimento local. A venda dos

produtos locais num mercado global vai desligar necessariamente o produto do seu contexto de conhecimento

relacionado. O foco nas actividades agrícolas comerciais irá substituir as práticas locais e ameaçar a base de

conhecimento local. Anteriormente, vimos o exemplo do Mali, onde a produção local de vegetais foi desafiada pelos

sistemas de jardinagem comercial (ver Caixa 1, ficha informativa 3.2). Esta competição levou a uma redução de

produção de vegetais locais e reduziu o envolvimento das mulheres, que eram anteriormente responsáveis por esta

actividade. Com o declínio da diversidade de culturas, a importância do conhecimento local foi reduzida (Wooten,

2003).

Todos estes aspectos apresentam um desafio para os sistemas de conhecimento local. Contudo, o seu impacto não

precisa ser negativo. Existem muitos exemplos de adaptações e inovações bem sucedidas, que surgiram como resultado de

desafios externos. A fim de melhor compreender esta questão, vamos nos referir à teoria global da co-evolução.

Co-evolução refere-se ao processo contínuo e dinâmico de adaptação mútua entre a espécie humana e o ambiente

natural. A teoria da co-evolução ilustra como os sistemas sociais (ex. sistemas de conhecimento) e os sistemas ecológicos

estão interligados e como eles se influenciam. A co-evolução leva a adaptações constantes a ambientes em mudança, que

por sua vez, levam ao aumento da diversidade. Vamos ver um exemplo para compreendermos esta teoria mais facilmente:

A agricultura em terras secas requer a capacidade específica dos agricultores para identificar e desenvolver variedades

de culturas que possam resistir no ambiente difícil. As secas são um problema comum em muitos sistemas agrícolas em África

e noutros locais, e os agricultores aprenderam a responder-lhes cultivando uma grande variedade de culturas e variedades.

Por exemplo, ao invés de plantarem apenas uma variedade de milho, os agricultores desenvolveram sistemas complexos de

interculturas, contendo muitas espécies e variedades. Isto significa que eles podem salvar parte da colheita em caso de seca.

De uma perspectiva co-evolucionária, os desafios que Blaikie et al. (1992) descreveu em cima, irão levar a adaptações

e, estas por sua vez, irão aumentar a diversidade existente. Para nós, a lição mais importante a aprender é de que precisamos

ter em conta o contexto mais amplo quando tentamos entender o conhecimento local existente. O contexto influencia

fortemente as dinâmicas da adaptação e desenvolvimento do conhecimento local e, com isto as adaptações e mudanças

dentro da biodiversidade agrícola.

Pontos-chave0 O conhecimento local e instituições locais, que gerem este conhecimento, são particularmente

desafiados pelas rápidas mudanças sócio-económicas e ambientais.

0 As áreas com um crescimento populacional muito rápido ou uma redução concomitante em recursos

pelas pressões externas, podem requerer adaptações particulares de novas tecnologias agrícolas a fim

de aumentar a produção alimentar e a diversificação dos meios de subsistência.

0 As circunstâncias nas quais a rápida imigração para uma área particular ocorre, significam que os

reservatórios de conhecimento para a produção agrícola/pastoral e a conservação ambiental estão

desalinhados com um novo conjunto de oportunidades e constrangimentos.

0 As calamidades e outros eventos extremos causam disjunções, tanto material como culturalmente. O

sistema de conhecimento sofre frequentemente um choque. Tais exemplos são tanto oportunistas como

limitadores.

0 Existem outros processos de mudanças ambientais lentas, tais como as mudanças climáticas, extensa

desflorestação ou degradação de terras que desafiam a resistência e adaptabilidade dos sistemas de

conhecimento local.

0 A rápida comercialização e os choques económicos podem também minar o conhecimento local.

0 Todos estes aspectos apresentam um desafio para os sistemas de conhecimento local. Contudo, o seu

impacto não necessita de ser negativo. Existem muitos exemplos de adaptações e inovações bem

sucedidas, que resultaram de desafios externos.

4.2 DESAFIOS PARA O CONHECIMENTO LOCALFICHA INFORMATIVA

77

OBJECTIVO: A ficha informativa 4.2 tem como objectivo aumentar a consciência dos participantes da importância do

contexto mais amplo que influencia o desenvolvimento do conhecimento local, e a sua relevância para a gestão da

agrobiodiversidade.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes compreendam a importância do contexto e identifiquem choques,

tendências e outros processos, que têm um impacto, positivo ou negativo, na biodiversidade agrícola e no conhecimento

local.

PROCESSO:

1) O facilitador deve lembrar aos participantes do modelo dos meios de subsistência e fazer referência às questões

abordadas no Módulo 2. Isto vai ajudar os participantes a lembrarem-se do contexto da vulnerabilidade e da sua

importância para os meios de subsistência das populações. (20 minutos)

2) Os participantes podem ser convidados a fazer um “brain-storming”, em grupos, sobre os choques e tendências

potenciais que podem ter um impacto sobre a existência e relevância do conhecimento local. (1 hora)

3) As conclusões dos grupos devem ser apresentadas em plenário, onde irão fornecer uma boa base para uma

discussão posterior. O facilitador deve enfatizar a importância de distinguir entre efeitos positivos e negativos

que as tendências e os choques podem ter em certas situações. (1 hora)

4) A seguir, os participantes podem aplicar a informação produzida aos seus próprios ambientes de trabalho e

discutir a relevância destas conclusões para os seus projectos e iniciativas em vigor ou futuros. (40 minutos)

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes reconheçam a natureza dinâmica do conhecimento local e compreendam as

ligações íntimas entre o conhecimento local e o contexto mais amplo dos meios de subsistência.

TEMPO NECESSÁRIO: Mínimo 3 horas.

4.2

DESAFIO PARA O CONHECIMENTO LOCAL

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

79

Esta secção examina como a as leis internacionais afectam os que trabalham com os gestores dos recursos genéticos de

plantas1 (PGR), em programas nacionais (governamentais). Até onde estão obrigados a ir para obter um consentimento

informado prévio (PIC) das populações indígenas e comunidades locais? Quando e como podem os recursos para a

alimentação e agricultura (PGRFA) serem acedidos, usados ou trocados? Como pode o conhecimento associado ser usado?

Para tentar responder a estas questões vão ser examinados tanto os instrumentos internacionais existentes como aqueles

em desenvolvimento/negociação.

CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA (CBD)Este acordo internacional tem o perfil mais alto de concordância sobre este assunto. O artigo 8 (j) da Convenção sobre

Diversidade Biológica (CBD), exige que os signatários “devam, o melhor possÍvel e da forma mais apropriada” e “sujeitos

à [sua] legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades

indígenas e locais incorporando estilos tradicionais de vida relevantes para a conservação e uso sustentável da

diversidade biológica, e promover a sua ampla aplicação com a aprovação e envolvimento dos portadores de tais

conhecimentos, inovações e práticas e encorajar a partilha equitativa dos benefícios provenientes da utilização de tais

conhecimentos, inovações e práticas”. O artigo 10 (c) obriga as partes contratantes a, “o melhor possível, e da forma mais

apropriada… [a] proteger e encorajar o uso tradicional dos recursos biológicos de acordo com as práticas culturais e

tradicionais que são compatíveis com a conservação ou requisitos do uso sustentável”.

Ambos os artigos são relativamente vagos: não explicam verdadeiramente o que os estados podem ou devem fazer

para cumprirem as suas obrigações. Em parte isto é motivado por as partes em negociação da CBD, não concordarem até

que ponto os signatários deveriam ser obrigados a proteger o conhecimento tradicional.

No período que se estendeu até o ano 1992, quando a CBD foi finalizada, a ideia de proteger o conhecimento local

era ainda relativamente nova; ninguém tinha nenhuma ideia fixa sobre como devia ser feito. Em parte, como

consequência desta ambiguidade, a Conferência das Partes para a CBD (COP-CBD) estabeleceu dois Grupos Abertos e

Interseccionais de Trabalho Ad Hoc para investigarem, entre outras coisas, os meios através dos quais os estados

membros podiam proteger o conhecimento local “da forma mais apropriada” e “sujeitos a sua própria legislação”.

Em Maio de 1998, a Quarta COP-CBD criou o Grupo Aberto e Interseccional de Trabalho Ad Hoc sobre a

Implementação do Artigo 8 (j) a fim de aconselhar as Partes sobre o “desenvolvimento legal e outras formas apropriadas

de protecção do conhecimento das comunidades indígenas e locais”. Em Maio de 2000, a Quinta Conferência das Partes

estendeu o mandato deste grupo de trabalho e orientou-o para o desenvolvimento de parâmetros para tais sistemas

legais.

DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

Políticas, instituições e processos

1 Os gestores dos recursos genéticos de plantas são, principalmente, agricultores e comunidades agrícolas de todo o mundo que têm sido e continuam a serresponsáveis pela gestão de recursos genéticos. Nesta secção referimo-nos aos gestores PGR como aqueles que interagem com as comunidades agrícolasna gestão dos seus recursos (criadores, cientistas, gestores de bancos de genes).

4.3FICHA INFORMATIVADESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

O mandato do Grupo de Trabalho foi renovado pela Sexta Conferência das Partes (VI COP) em Abril de 2002. Na verdade,

o progresso deste grupo foi relativamente lento. Contudo, que é preciso levar em conta que o mandato do Grupo de Trabalho

para o 8 (j) é extraordinariamente amplo, ao tentar trabalhar em território não explorado. Além disso, a sua própria existência

é um passo importante na evolução potencial de uma norma internacional para a melhor protecção do conhecimento

tradicional.

Em Outubro de 2001, os Grupos Abertos de Trabalho Ad Hoc sobre o Acesso e Partilha de Benefícios, criaram o esboço

das “Directrizes Bonn”(Bonn Guidelines), destinadas aos estados parceiros que estavam a desenvolver legislação nacional

para regular o acesso aos recursos genéticos e partilha de benefícios. Uma variação destas directrizes foi adoptada pelo COP

VI em Abril de 2002 através da decisão VI/24.

Apesar de que não serem vinculativas, têm ainda um grande potencial para influenciar a forma como os países

desenvolvem as suas leis de acesso. Entre outras, as Directrizes Bonn recomendam que “respeitando os direitos legais

estabelecidos das comunidades indígenas e locais, associados aos recursos genéticos a serem acedidos, ou onde o

conhecimento tradicional associado a estes recursos genéticos está sendo acedido, deve ser obtido o consentimento prévio

das comunidades indígenas e locais, e a aprovação e envolvimento dos detentores do conhecimento local, inovações e

práticas, de acordo com as suas práticas tradicionais, políticas nacionais de acesso e sujeitos às leis nacionais.”

Isto é significativo, porque a CBD não declara explicitamente a necessidade de obter o PIC das comunidades

constituintes. Tem sido discutido que o requisito para a obtenção do tal consentimento está implícito no texto da Convenção;

apesar disso, não é um requisito explícito. Consequentemente, pode ser discutido que as linhas gerais das Directrizes Bonn

vão mais longe que a CDB neste contexto. Ou por outras palavras, oferecem uma interpretação da CDB que clarifica uma

ambiguidade saliente.

Mais ainda, a COP VI recomendou que os estados deviam incluir, nas suas leis nacionais, requisitos para os países

fornecerem a origem dos recursos genéticos e conhecimento tradicional usado quando desenvolvem inovações para os as

quais procuram obter direitos IP (Decisões VI/10 e I/24).

OBRIGAÇÕES PARA GESTORES DOS PROGRAMAS NACIONAIS PGRFA Qual o impacto, em relação às obrigações dos gestores dos programas nacionais PGRFA? Existem duas respostas diferentes

para esta pergunta: uma é legal (1) e outra é política/moral (2).

(1) A questão legal preliminar, considerada pelos gestores dos programas nacionais de recursos genéticos, é se o país no

qual as actividades do programa estão a ser realizadas ratificou o CBD ou não. Se não, a convenção não se aplica, e os

gestores nacionais dos programas de recursos genéticos não precisam seguir a CBD quando tomarem em conta as suas

obrigações para com as comunidades indígenas e locais. Se o país em causa tiver ratificado a CBD, os gestores

nacionais dos programas de recursos genéticos devem considerar alguns assuntos relacionados.

Primeiro, devem saber que como agentes ou representantes dos governos nacionais, são obrigados pelos padrões

estabelecidos pela CBD, mesmo se o país em causa não tiver criado leis para implementar a CBD.

Segundo, se o país tiver implementado legislação, eles devem tomar em conta essas leis para orientarem a forma como

devem conduzir as suas operações. Contudo, podem não ter que contar apenas com as leis nacionais a este respeito. É

possível que a legislação nacional não implemente todos os padrões estabelecidos na CBD. Em tais casos, o gestor nacional

do programa deve considerar voluntariamente o cumprimento de padrões de conduta mais elevados do que aqueles exigidos

pela lei nacional.

80 4.3 DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

Isto vai garantir a conformidade com a Convenção. Infelizmente, para os gestores dos programas nacionais, são

julgamentos difíceis de fazer e complicados pelos factos acima referidos. Particularmente, a CDB não declara explicitamente,

que as leis nacionais de implementação devem exigir aos países que buscam o acesso, que obtenham das comunidades

indígenas e locais ou dos detentores do conhecimento tradicional o PIC. Para além disso, as linhas gerais de implementação

desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho da CBD sobre o Acesso e Partilha de Benefícios – que inclui o tal requisito – não são

legalmente vinculativas. Consequentemente, os governos nacionais têm uma grande latitude na interpretação e

implementação da CBD.

Falando estritamente de um ponto de vista legal, e com tais precedentes, os gestores nacionais dos programas de

recursos genéticos não conseguem determinar se devem ou não obter o PIC das comunidades indígenas e locais no decurso

das actividades do programa. Como foi acima referido, tem sido debatido se a CBD requer o PIC das comunidades, mas não

existe nenhum consenso universal sobre este ponto.

(2) Apesar da CBD poder não incluir muitas obrigações legais concretas, deu origem a um aumento a um nível sem

precedentes da sensibilidade política para as questões relacionadas com os recursos genéticos. No tribunal de opinião

pública, não existe defesa para as partes acusadas de tirar e utilizar os recursos genéticos associados com as

comunidades indígenas, sem a sua permissão. As acusações de bio-pirataria (pirataria biológica) não são atenuadas

por explicações legais técnicas, quando a actividade em questão tenha sido realizada num país que:

≠ Ainda não assinou ou ratificou a CBD; ou

≠ Determinou que a CDB não os exigiu a requerer acesso, ou as partes que procuram a obtenção do PIC das

comunidades indígenas e locais.

No que respeita às preocupações do público em geral, a CBD cria padrões de conduta aplicáveis a toda a gente, em todo

mundo. A reputação dos programas e instituições pode ser perdida numa noite através de alegações de violação do espírito

da CBD. O que complica esta situação, mais uma vez, é o facto da CBD ser vaga em termos do que verdadeiramente pode e

deve ser feito para avançar com os seus objectivos. A interpretação por um estado subscritor da definição da CBD de

comportamento concordante com a convenção pode ser uma definição de outro estado para bio-pirataria.

O termo bio-pirataria é muitas vezes usado para descrever a má apropriação de conhecimento e/ou materiais

biológicos de comunidades tradicionais. O caso apresentado a seguir, sobre medicamentos tradicionais, é apenas um

exemplo da bio-pirataria (ver Caixa 1). As empresas comerciais e de pesquisa, envolvidas em tais actividades, geralmente

utilizam o termo prospecção biológica para as suas actividades de investigação. Contudo, se os benefícios obtidos de tais

actividades não forem igualmente partilhados com as comunidades locais, a prospecção biológica pode ser considerada

adequadamente como sendo bio-pirataria.

814.3

[Caixa 1] USO DO CONHECIMENTO LOCAL PARA A PROSPECÇÃO BIOLÓGICA O caso do desenvolvimento de medicamentos

O conhecimento e uso de plantas específicas para propósitos medicinais, geralmente chamado medicina tradicional, são

uma componente importante do conhecimento local. No passado, os medicamentos tradicionais eram uma grande fonte

de materiais e informação para o desenvolvimento de novos medicamentos. Contudo, no século 20, novas fontes para

fármacos levaram a um declínio na importância da etnobotânica nos programas de descoberta de medicamentos.

Contudo, novas descobertas de agentes anti cancerosas potencialmente potentes em plantas (tais como a turmerica e o

taxol), como também um rápido mercado crescente de remédios herbáceos, ressuscitou o interesse da indústria no

conhecimento e práticas medicinais tradicionais. O restaurar do interesse na medicina tradicional resultou num aumento

alarmante da exploração do conhecimento indígena de cultivo e aplicação de recursos genéticos. Em relação a isto, as

vendas mundiais só de medicamentos herbáceos foram estimadas em 30 biliões de dólares Americanos no ano 2000.

Font

e: S

vars

tad

and

Dhi

llion

FICHA INFORMATIVADESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

[Caixa 2]AS ESPÉCIES DE PLANTAS INDÍGENAS COMESTÍVEIS, DISPONIVEISLOCALMENTE, AUMENTAM A SAÚDE DA COMUNIDADE, FORNECEMRENDIMENTO E CONSERVAM A BIODIVERSIDADE NO QUÉNIA

O museu nacional do Quénia está a compilar um banco de dados de plantas alimentares indígenas do Quénia. Isto

para compilar dados agronómicos, nutricionais, culturais e dados de mercado sobre as espécies prioritárias; para

promover o cultivo, consumo e comercialização destes alimentos através de demonstrações de campo, materiais

educacionais e dos média. As populações abandonaram os seus alimentos tradicionais a favor dos alimentos

exóticos. Isto era mais comum entre as gerações jovens que tinham orgulho nos seus padrões “modernos” de

consumo. Contudo, a pobreza, fome e má nutrição eram comuns nas zonas rurais, apesar dos alimentos locais

estarem facilmente disponíveis. Muito conhecimento local sobre o valor nutricional e o cultivo de plantas

comestíveis locais estava a ser perdido. A maioria das pessoas já não sabia, por exemplo, quando e onde colher

sementes. Por nunca ter sido escrito, o conhecimento indígena dos mais velhos estava a escapar-se dia após dia.

Um número de espécies importantes, ou variedades de espécies, estavam à beira da extinção. O conhecimento

indígena era então o ponto de partida. Os especialistas em nutrição, ecologia e botânica tiveram que basear a sua

pesquisa nele, porque simplesmente não havia tempo, dinheiro ou recursos humanos suficientes para duplicar

todo esse conhecimento. O significado científico, económico e sócio-cultural do conhecimento indígena, tornou-

se aparente, à medida que os especialistas e praticantes trabalharam com ele. A prática é benéfica de várias

formas. Ela melhora os padrões de vida e a saúde das comunidades locais, aumenta o conhecimento que os

extensionistas usam no trabalho diário e gera conhecimento que é útil às ONGs que procuram formas de aliviar a

pobreza e melhorar a saúde pública. É gerado conhecimento científico que é útil para a preservação da diversidade

cultural e biológica. Ao aumentar o status do conhecimento indígena, aos olhos das comunidades locais, a prática

ajuda a aliviar a pobreza e aumenta o respeito das populações pela sua própria cultura. No entanto, existem

alguns perigos. Os interesses comerciais podem resultar numa selecção de espécies e variedades e reduzir a

diversidade presente. Para além disso, a pesquisa pode expor o conhecimento local à pirataria.

Fonte: Banco Mundial

O pequeno exemplo acima ilustrado, mostra que, de um lado, o conhecimento local pode ser “explorado” ou “extraído”

através de processos de pesquisa. As suas “sabedorias” podem então ser incorporadas por cientistas nos métodos formais

de pesquisa e programas orientados comercialmente. Nestes casos, é duvidoso saber se os “donos” do conhecimento

original beneficiam dos ganhos comerciais realizados.

Por outro lado, os actores externos e locais podem juntar o seu conhecimento respectivo a fim de produzir um resultado

maior do que a soma das partes. Os exemplos seguintes, do Quénia e Camarões, ilustram os impactos positivos da pesquisa

colaborativa baseada no conhecimento local (ver Caixas 2 e 3).

82 4.3 DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

Uma concepção errada comum assume que os “benefícios” são puramente monetários. Nos casos onde o uso dos

recursos genéticos é comercial, quaisquer ganhos (royalties) surgem entre dez e vinte anos depois do acesso original dos

recursos genéticos. Uma vez que as probabilidades de uma amostra individual ter êxito no mercado serem muito remotas,

apenas uma pequena proporção de transacções de acesso individual pode fazer surgir tais benefícios. Portanto, os exemplos

acima referidos mostram que os benefícios não são necessariamente apenas de natureza monetária. Os empreendimentos

colaborativos no Quénia e Camarões contribuem para o reforço das comunidades locais para revalorizarem o conhecimento

local existente e melhorarem a segurança alimentar e resistência.

Falando política e moralmente, é aconselhável para os gestores dos programas nacionais dos recursos genéticos que

sejam extremamente cuidadosos na certeza da obtenção de PIC dos representantes das comunidades indígenas e locais,

mudando e usando os recursos genéticos e informações relacionadas associadas com essas comunidades.

O ACTO DA UNIÃO PARA A PROTECÇÃO DE VARIEDADES VEGETAIS (UPOV) DE 1991O Acto da UPOV de 1991 providencia uma protecção sui generis de propriedade intelectual para variedades de plantas. Os

direitos exclusivos são dados aos criadores comerciais de plantas. Os direitos dos criadores de plantas são concedidos por

um período de 15 a 30 anos para variedades de plantas novas, distintas, estáveis e homogéneas. Os direitos dos criadores de

plantas têm sido altamente criticados por organizações não-governamentais dedicadas à conservação da diversidade

genética e à protecção de comunidades de pequenos agricultores. O sistema UPOV tem sido acusado de “jogar o jogo” de

companhias gigantes de sementes que promovem a monocultura intensiva, e a substituição de sementes tradicionais por

sementes altamente produtivas e resistentes. Também, o Acto UPOV de 1991 limita o exercício do privilégio dos criadores. Na

realidade, o Artigo 15 (2) explícita que “cada Parte Contratante pode, dentro de limites razoáveis, e sujeita à salvaguarda dos

interesses legítimos do criador, restringir o direito do criador em relação a qualquer variedade de forma a permitir aos

agricultores usarem para propósitos de propagação, nas suas próprias terras, o produto da colheita que tenham obtido

através da plantação, nas suas próprias terras, a variedade protegida”.

[Caixa 3] A MEDICINA ETNOVETERINARIA TRADICIONAL E A MEDICINA MODERNATRABALHAM COMO PARCEIROS NOS CAMARÕES

O sector da veterinária moderna é atormentado por inúmeros constrangimentos. Isto inclui o fornecimento

errático e despesas proibitivas dos medicamentos e abastecimentos veterinários, meios de comunicação

deficientes e a falta da mão-de-obra humana. O projecto promoveu o uso complementar de medicamentos

veterinários convencionais e indígenas para a produção sustentável de gado e a conservação de recursos de

plantas medicinais. Através da colaboração interdisciplinar, com organizações governamentais e não

governamentais, o projecto documentou o tratamento indígena de várias doenças e perturbações de gado.

Actualmente, as doenças estão a ser tratadas usando remédios eficazes que eram usados pelas comunidades

locais muitos anos antes da chegada dos medicamentos modernos. A prática depende, acima de tudo, do

conhecimento indígena dos agricultores. Os medicamentos modernos complementam os indígenas e são

usados para certas doenças, se não houver disponibilidade de remédios indígenas eficazes. Actualmente, os

agricultores usam mais os remédios locais, que são muito mais baratos que os modernos. Os baixos custos de

investimento e o aumento de produtividade do gado melhoram os lucros e nutrição dos agricultores. Porque a

prática se baseia nas práticas e conhecimentos indígenas, esta goza de uma alta taxa de aceitação. O

conhecimento indígena é preservado duma forma sustentável e os agricultores são fortalecidos e encorajados a

participarem no desenvolvimento. Finalmente, existe uma consciência aumentada da importância da

conservação ambiental.

Font

e: B

anco

Mun

dial

834.3FICHA INFORMATIVADESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

Por outro lado, as opiniões pró UPOV argumentam que é a ferramenta legal corrente mais eficiente para despoletar a

investigação e desenvolvimento em biotecnologia para alimentação e agricultura. No processo de revisão do artigo 27 do

acordo TRIPS, alguns países industrializados são a favor de designar o Acto UPOV de 1991 como o regime sui generis para a

protecção das variedades de plantas.

Ao nível regional, os membros do Office African de la Propriété Intellectuelle (Gabinete Africano da Propriedade

Intelectual) juntaram-se ao Acordo de Banguí2 de 28 de Fevereiro de 2002. O que reflete a adesão genérica aos princípios e

obrigações do Acto UPOV de 1991.

TRATADO INTERNACIONAL SOBRE OS RECURSOS GENÉTICOS DEPLANTAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (ITPGRFA OU TRATADOINTERNACIONAL DE SEMENTES) O Tratado Internacional foi adoptado pela Assembleia-Geral da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações

Unidas (FAO) em Novembro de 2001 e entrou em vigor em Junho de 2004. O tratado foi desenvolvido e adoptado depois de

um longo processo de negociação, que durou sete anos, ao nível internacional e dá resposta a assuntos salientes que não

foram cobertos pela CBD3. O ITPGR lida especificamente com a natureza e necessidades do sector agrícola. Procurou

encontrar um equilíbrio entre os interesses dos países desenvolvidos e em desenvolvimento e entre os direitos dos

agricultores (variedades dos agricultores) e criadores (variedades comerciais, linhas dos criadores). Contudo, está em

harmonia com a CBD e reflecte alguns dos seus princípios mais importantes, incluindo:

≠ Os direitos de soberania dos estados sobre os seus recursos genéticos de plantas;

≠ O uso e conservação sustentável dos recursos genéticos de plantas;

≠ O acesso a uma troca de informação em “assuntos científicos, técnicos e ambientais relacionados com os recursos

genéticos de plantas para a alimentação e agricultura”, com a perspectiva de contribuir para a partilha de benefícios

de aí em diante,

≠ A participação na tomada de decisões sobre recursos genéticos de plantas.

O que torna o ITPGRFA um grande triunfo, é a aprovação formal dos Direitos dos Agricultores através de um instrumento

legalmente vinculativo ao nível global. Isto é um marco importante, pois é um passo importante para o reconhecimento e

implementação dos direitos dos inovadores informais (agricultores). Coloca-os em pé de igualdade com os direitos já

garantidos aos inovadores formais (criadores modernos). O artigo 9 do Tratado Internacional postula que: “De acordo com as

suas necessidades e prioridades, cada Parte Contratante deve, apropriadamente, e sujeito à legislação nacional, tomar

medidas de protecção e promover os Direitos dos Agricultores, incluindo”:

≠ A protecção do conhecimento tradicional relevante aos recursos genéticos de plantas para alimentação e

agricultura; e

≠ O direito de participarem igualmente na partilha de benefícios resultantes da utilização dos recursos genéticos de

plantas para alimentação e agricultura...”

Os Direitos dos Agricultores estão baseados no reconhecimento da enorme contribuição feita por comunidades locais

e agricultores indígenas de todas as regiões do mundo. Isto inclui, particularmente, os que estão nos centros de origem e

diversidade de culturas. Para além disso, os Direitos dos Agricultores cobrem a conservação e desenvolvimento dos recursos

genéticos de plantas que constituem a base da produção de alimentos e agricultura em todo o mundo.

2 O Acordo Banguí é a resposta Africana à UPOV.3 O acesso a colecções ex situ não é requerido estar em concordância com os Direitos dos Agricultores da CBD.

84 4.3 DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

Neste caso, o princípio dos Direitos dos Agricultores, na sua totalidade, está explicitamente sujeito à legislação

nacional. Como consequência, legalmente falando, os gestores dos programas nacionais de recursos genéticos podem

apenas olhar para a legislação do país no qual as actividades relevantes do programa estão a ser realizadas e determinar

quais são as suas responsabilidades. Apesar do efeito legal de submeter em tornar os direitos dos agricultores às leis

nacionais, existe pouca dúvida de que a inclusão destas provisões no Tratado Internacional irá sublinhar a pressão

política que já existe em virtude da CBD (e menos ainda, a Convenção para Combater a Desertificação das Nações Unidas

- a UNCCD). Isto refere-se em particular à obtenção do PIC na aquisição, troca e uso de recursos genéticos e

conhecimento relacionado associado com as populações indígenas e comunidades locais. O artigo 4 e 6 estipulam que

as políticas e leis nacionais relacionadas com a agrobiodiversidade, necessitam de ser definidas ou ajustadas para

cumprirem os requisitos do Tratado. Como os Direitos dos Agricultores são tão inovadores, é muitas vezes necessária

nova legislação. Alguns países, tais como a Índia, já aprovaram novas leis tais como o Acto Nº 53 de 31 de Agosto de

Protecção de Variedades de Plantas e de Direitos dos Agricultores.

Outro avanço importante relacionado com o tratado é a partilha de benefícios que resultam do uso dos recursos

genéticos de plantas duma forma justa e equitativa. Em particular, a partilha de benefícios monetários que surgem do

uso comercial4.

Acredita-se que “Os Direitos dos Agricultores são cruciais para a segurança alimentar ao providenciarem um

incentivo para a conservação e desenvolvimento dos recursos genéticos de plantas que constituem a base da produção

agrícola e alimentar em todo o mundo. Tornar esses direitos uma realidade, sob o Tratado e outros instrumentos legais

relevantes, ao nível nacional e também entre nações, vai representar um desafio nos anos vindouros…” (Mekoaur, 2002).

A CONVENÇÃO AFRICANA SOBRE A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA ERECURSOS NATURAISAdoptada na Cimeira das Nações Africanas em Maputo, Moçambique, em 11 de Julho de 2003, a Convenção Africana

revista sobre a Conservação da Natureza e Recursos Naturais compromete os estados membros com a conservação e uso

sustentável dos recursos naturais. A Convenção Africana requer que as partes providenciem o acesso justo e equitativo

aos recursos genéticos, em termos acordados mutuamente, como também a partilha justa e equitativa dos benefícios

resultantes das biotecnologias, baseadas nos recursos genéticos e conhecimento local relacionado, com os dadores de

tais recursos.

[Caixa 4] DIREITOS DOS AGRICULTORES

Os Direitos dos Agricultores incluem:

≠ Protecção do conhecimento tradicional relevante aos recursos genéticos de plantas para alimentação e agricultura;

≠ O direito de participarem equitativamente na partilha de benefícios resultantes da utilização dos recursos

genéticos de plantas para alimentação e agricultura; e

≠ O direito de participar na tomada de decisões, a nível nacional, sobre questões relacionadas com a conservação e

uso sustentável dos recursos genéticos de plantas para alimentação e agricultura.

4 Para mais informação em mecanismos de partilha, parcerias e colaboração entre os sectores público e privado, pagamentos voluntários e obrigatórios, verMekoaur, A. 2002. Um instrumento global sobre a agrobiodiversidade: O Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para a Alimentação eAgricultura. Trabalhos Legais On-line, #24 (disponível em www.fao.org/legal/prs-ol/lpo24.pdf ).

854.3FICHA INFORMATIVADESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

Ao reconhecer os direitos tradicionais das comunidades locais e do conhecimento indígena, a Convenção compele os

estados membros a aprovarem legislação nacional para assegurar que sejam respeitados os direitos tradicionais,

direitos de propriedade intelectual das comunidades locais incluindo os direitos dos agricultores. Para além disso, a

Convenção requer que o acesso ao conhecimento tradicional esteja sujeito ao consentimento informado prévio (PIC) das

comunidades e que as comunidades participem no processo de planeamento e gestão dos recursos naturais.

OUTROS ACORDOS E DECLARAÇÕES INTERNACIONAISOutros acordos internacionais, embora não mencionem exactamente o conhecimento indígena e local, certamente

apoiam a noção de que os países estão sob uma obrigação crescente de introduzir políticas para lidar com o

conhecimento indígena e local. Por exemplo, a Convenção Internacional sobre os Direitos Sociais e Culturais (ICESR)

inclui o direito ao desenvolvimento e difusão da ciência e cultura. A mesma obriga, também, os signatários a

providenciarem medidas para o usufruto da herança cultural das populações indígenas.

A Organização Internacional de Trabalho (OIT), na Convenção sobre as Populações Indígenas e Tribais nos Países

Independentes (OIT 169) declara que os países membros devem promover “a realização completa dos direitos sociais,

económicos e culturais [das populações indígenas e tribais] em relação à sua identidade social e cultural, seus costumes

e tradições e suas instituições.” Apesar de nenhum destes instrumentos criar uma obrigação explícita para que os

estados implementem meios de legalizar formas exclusivas de direitos de protecção dos portadores do conhecimento

tradicional, pode dizer-se que elas suportam este tipo de medidas legislativas.

ESBOÇO DA DECLARAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS POPULAÇÕESINDÍGENASO Artigo 29 do Esboço da Declaração sobre os Direitos das Populações Indígenas declara que as populações indígenas

“têm direito ao reconhecimento da posse completa, controle e protecção da sua propriedade cultural e intelectual. Elas

têm o direito a medidas especiais para controlar, desenvolver e proteger as suas ciências, tecnologias e manifestações

culturais, incluindo humanas e outros recursos genéticos, sementes, medicamentos, conhecimento das propriedades de

fauna e flora, tradições orais, literatura, desenhos e artes visuais e de interpretação.”

O COMITÉ INTERGOVERNAMENTAL SOBRE A PROPRIEDADE INTELECTUAL,RECURSOS GENÉTICOS, CONHECIMENTO TRADICIONAL E FOLCLOREEntre outras coisas, o Comité Intergovernamental (IC) desenvolverá recomendações para um modelo não vinculativo para

cláusulas de propriedade intelectual. Estas seriam incluídas nos acordos contratuais que governam as trocas do PGRFA

entre várias instituições públicas e privadas e bancos nacionais de genes. Irá, também olhar para outros tipos de trocas,

ex. o fornecimento de plantas silvestres com utilidades medicinais de uma comunidade indígena para os institutos de

pesquisa estrangeiros. O IC está também a examinar meios através dos quais o conhecimento tradicional (TK) pode ser

incluído na procura de licenças por gabinetes para arte prévia. Actualmente, o IC está a considerar trabalhar para

recomendar que um número de jornais relacionados com o TK seja incluído em tais procuras. Em preparação para o

próximo encontro, o Secretariado irá compor uma lista de jornais relacionados com o TK, e fazer um esforço inicial para

estabelecer o que é mais importante para ser incluído.

86 4.3 DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

O ACORDO RELACIONADO COM A TROCA DE PROPRIEDADE INTELECTUALO artigo 27(3)(b) do acordo TRIPS exige a todos os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) que

disponibilizem uma protecção da propriedade intelectual para as variedades de plantas na forma de patentes ou

“protecção efectiva sui generis”. Não existe menção no acordo TRIPS ao conhecimento tradicional, mas é

suficientemente flexível para permitir algumas formas de protecção. Contudo, existiu uma revisão do artigo 27(3)(b) (em

1999), e uma revisão do progresso dos estados membros na implementação do acordo TRIPS (em 2000) onde podia ser

possível introduzir emendas relacionadas com a protecção do conhecimento tradicional.

Muitos países em desenvolvimento tentaram incluir a consideração da protecção do conhecimento tradicional no

contexto destas revisões. Os seus esforços coincidiram, e consequentemente foram incluídos, com a decisão de lançar

uma nova ronda compreensiva de negociações comerciais sob a égide da OMC. Com este fim, o artigo 19 da Declaração

Ministerial de Doha, instrui o Conselho do TRIPS a examinar: “a relação entre o Acordo TRIPS e a Convenção sobre a

Biodiversidade Biológica, a protecção do conhecimento tradicional e folclore,” no contexto da sua revisão do artigo 27.3

(b) e a revisão da implementação do Acordo TRIPS. Entretanto, parece pouco provável que os estados membros da OMC

possam chegar a um consenso necessário para alterar o acordo TRIPS. Isto iria obrigar os membros a providenciar

alguma forma de protecção da propriedade intelectual para o conhecimento indígena e local (incluindo,

presumivelmente, as variedades dos agricultores que satisfizeram o novo critério para protecção sui generis). Até agora,

não existe nada explícito no acordo TRIPS que obriga os gestores do PGR a obter o PIC das comunidades indígenas se

quiserem colher ou trocar essas variedades de plantas comunitárias.

CONCLUSÃONos anos recentes tem havido uma proliferação de fora internacionalis considerando diferentes aspectos da protecção

das tecnologias e conhecimento das populações indígenas e comunidades locais. Existe uma tendência crescente para

o reconhecimento/criação de direitos de controlo sobre os recursos genéticos associados a estas comunidades e sobre

o conhecimento com elas relacionado. Por enquanto, a lei internacional não foi suficientemente longe para estabelecer

sequer padrões mínimos de criação e reforço dos direitos sui generis das populações indígenas, para as comunidades

sobre as suas tecnologias e conhecimento associado. Nem está estabelecido explicitamente, em nenhum documento

legal vinculativo internacional corrente, que é necessário obter o PIC das populações indígenas e das comunidades locais

antes de recolher, utilizar ou trocar esses recursos e conhecimentos. Pode, certamente, ser argumentado que a lei

internacional está definitivamente a encaminhar-se nessa direcção, porém, ainda não está lá. Entretanto, dado o clima

político, podemos argumentar que todos os gestores nacionais dos programas dos recursos genéticos são incumbidos a

exceder as suas obrigações legais estritas. Particularmente, devem ter altos padrões de comportamento em termos da

obtenção do PIC das populações indígenas e comunidades locais quando estão a aceder, trocar e utilizar os recursos

genéticos e as informações relacionadas com as quais estes grupos estão associados.

874.3FICHA INFORMATIVADESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

Pontos-chave0 Nos anos recentes tem havido uma proliferação de fora internacionalis considerando diferentes

aspectos da protecção das tecnologias e conhecimento das populações indígenas e das

comunidades locais.

0 A Convenção sobre Biodiversidade Biológica (CBD) aborda a questão do conhecimento local em dois

artigos. Porém, ambos artigos são relativamente vagos. Eles não definem, verdadeiramente, o que os

estados podem ou devem fazer para cumprir com as suas obrigações. Parte da razão para isto

acontecer é, que as partes que negociaram a CBD não concordaram quão longe os signatários

deveriam ir para proteger o conhecimento tradicional.

0 A Conferência das Partes da CBD (COP-CBD) estabeleceu dois Grupos Abertos e Interseccionais de

Trabalho Ad Hoc para investigarem, entre outras coisas, os meios através dos quais os estados

membros podiam proteger o conhecimento local “da forma mais apropriada” e “sujeitos a sua

própria legislação”.

0 O Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas foi um avanço importante, pois

endossou formalmente os Direitos dos Agricultores ao nível global através de um instrumento legal

vinculativo. Os Direitos dos Agricultores são baseados no reconhecimento que os agricultores

desempenham um papel importante e crucial na gestão e conservação dos recursos genéticos de

plantas. Estes incluem a protecção do conhecimento tradicional, tomada de decisão participativa e o

direito a participar equitativamente na partilha de benefícios que surjam da utilização de recursos

genéticos de plantas para a alimentação e agricultura.

0 Outros instrumentos internacionais existentes apoiam a protecção do conhecimento tradicional,

embora não o mencionam explicitamente. Estes incluem a Convenção Relacionada com as

Populações Indígenas e Tribais nos Países Independentes e a Convenção Internacional sobre os

Direitos Sociais e Culturais (ICESR) da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

0 Existe uma tendência crescente no reconhecimento/criação de direitos de controlo nestas

comunidades sobre os recursos genéticos, com os quais estão associados, e sobre o conhecimento

relacionado.

0 A lei internacional não foi suficientemente longe para estabelecer sequer padrões mínimos de

criação e reforço dos direitos sui generis das populações indígenas, para as comunidades sobre as

suas tecnologias e conhecimento associado.

88 4.3 DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADEFICHA INFORMATIVA

89

OBJECTIVO: A ficha informativa 4.3 têm como objectivo introduzir aos acordos legais importantes que são relevantes

para a gestão e partilha do conhecimento local.

OBJECTIVOS DA APRENDIZAGEM: Os participantes estejam cientes dos acordos legais existentes e possam reflectir

sobre a influência das políticas e instituições na gestão do conhecimento local e o seu impacto na gestão da

biodiversidade agrícola.

PROCESSO:

Os participantes devem ter tido acesso a estas fichas informativas antes da sessão a fim de serem capazes de absorver

o conteúdo dos diferentes acordos legais.

Os participantes podem começar esta sessão dividindo-se em três grupos. Cada grupo deve ler um dos três exemplos de

casos fornecidos na ficha informativa 4.3 (incluindo o exemplo na página de exercícios). A sua tarefa será identificar

estratégias de gestão de conhecimento e as questões chave relacionadas, de forma a ser melhor exploradas e discutidas

durante a sessão. (1 hora)

Posteriormente, o facilitador pode apresentar brevemente as estruturas legais relevantes, que estão relacionadas com o

conhecimento local e partilha de benefícios. Estas estruturas podem ser clarificadas numa sessão plenária. (1 hora)

Os participantes podem trabalhar, em grupo, nos pequenos exemplos e pensar em possíveis estratégias para aumentar

o envolvimento e partilha de benefícios dos agricultores. Para consegui-lo, os participantes podem ser encorajados a

basearem-se na sua experiência de trabalho. As descobertas devem ser apresentadas em plenário e organizadas pelo

facilitador. (1 hora)

RESULTADOS ESPERADOS: Os participantes estarem cientes da existência das estruturas legais importantes com

relação ao conhecimento local e partilha de benefícios, e tenham identificado estratégias relevantes para melhorar o

envolvimento e partilha de benefícios dos agricultores.

TEMPO NECESSÁRIO: mínimo 3 horas.

Nota: Se for requerida informação adicional sobre leis e políticas, referir-se a Bragdon, S., Fowler, C. e Franca, Z. (eds), (2003). Leis e política

de relevância para a gestão dos recursos genéticos de plantas. Módulo de aprendizagem. ISNAR, Haia, Países Baixos.

4.3

DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

NOTAS PARA O FACILITADOR – PÁGINA COM INFORMAÇÃO PROCESSUAL

90

4.3

DESENVOLVER O CONHECIMENTO LOCAL E A AGROBIODIVERSIDADE

PÁGINA DE EXERCÍCIOSPromover as estratégias das comunidades locais para a conservação

TAREFA DE TRABALHO DE GRUPO: Por favor leia o pequeno estudo do caso que se segue e, com o seu grupo, discuta a

possibilidade de promover alguma coisa semelhante dentro do seu contexto de trabalho. Olhe para as forças e fraquezas

deste tipo de iniciativa, e discuta as oportunidades e limitações. Use o estudo do caso fornecido como um ponto de

partida, mas use também a experiência adquirida no trabalho com os agricultores e outros participantes.

[Caixa 7]PROMOVER ESTRATÉGIAS DAS COMUNIDADES LOCAIS PARA ACONSERVAÇÃO DOS RECURSOS GENÉTICOS DE PLANTAS MEDICINAIS EMÁFRICA

Em África, mais de 80% da população usa medicamentos provenientes de plantas e animais para satisfazer as suas

exigências de cuidados de saúde. A maior parte das plantas e animais utilizados na medicina tradicional são

adquiridos no mato e, em muitos casos, a procura excede a oferta. Com o crescimento da população Africana, a

procura de medicamentos tradicionais irá aumentar o que vai provocar uma grande pressão sob os recursos naturais.

A África tem uma história de conservar a biodiversidade em plantas medicinais por duas razões: as práticas

tradicionais existentes em volta do seu uso, reflectem o conhecimento local e sabedoria, e as plantas estão

disponíveis prontamente e são relativamente baratas – sendo fácil colhê-las no mato ou a simplesmente cultivá-las.

As ervanárias preservaram o conhecimento tradicional e práticas de medicamentos provenientes de ervas, usando-

as muitas vezes em combinação com poderes espirituais. Certas famílias guardam as suas receitas como um

segredo.

As plantas continuam a fornecer à maior parte das populações rurais Africanas, ingredientes para medicamentos

tradicionais. Para muitas gerações em todo o continente, pequenas parcelas de terra, perto das residências, têm sido

utilizadas como jardins caseiros. Porque estes jardins servem a necessidades próprias da família, possuem toda a

gama de plantas que fornecem alimentos e medicamentos. Elas são principalmente utilizadas para prevenir e tratar

doenças comuns, mas a sua conservação também significa que o conhecimento indígena, associado com às suas

únicas propriedades e correcta aplicação, será preservado.

Através duma combinação de pesquisa participativa e actividades de desenvolvimento envolvendo as comunidades

locais, os trabalhadores do projecto aprendem primeiro as soluções das comunidades locais para a conservação de

plantas medicinais e para as porem a uso seguro e efectivo para os cuidados de saúde tradicionais.

Incentivos apropriados oferecem encorajamento adicional aos esforços da comunidade de salvaguardar a

biodiversidade a nível da aldeia. Os incentivos económicos incluem fundos de sementes, a promoção de actividades

geradoras de rendimentos, e ajuda com a comercialização. Os incentivos sociais incluem assistência técnica e

formação, informação e consciencialização relacionada com a conservação, provisão de equipamentos e, para além

disso, conselhos e assistência técnica e científica. Os incentivos institucionais incluem garantias de direitos de

propriedade total, e o estabelecimento de comités e associações locais para monitorar e planear.

O facto de que pode ser gerado rendimento das plantas medicinais e medicamentos tradicionais, ajuda a manter a

prática do seu cultivo. O reconhecimento do valor da medicina tradicional e plantas medicinais irá promover métodos

sustentáveis de propagação e cultivo. O conhecimento e práticas tradicionais, relacionados com plantas medicinais,

serão preservados à medida que os medicamentos herbáceos forem usados cada vez mais para complementar

outras formas de cuidados de saúde na comunidade.

Fonte: Traditional Knowledge case studies. www.worldbank.org/afr/ik/casestudies/ Banco Mundial

M Ó D U L O 4 - L E I T U R A S C H A V E

91

j Grain (2004). Boas ideias convertidas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos.

http://www.grain.org/seedling/seed-04-01-2-en.cfm

j O conhecimento local e patenteabilidade, Memorandum do IISD, Nº 7. Instituto Internacional para o

Desenvolvimento Sustentável

j Notas IK, Nº 30 (Março de 2001) O conhecimento indígena e o VIH/SIDA: Gana e Zâmbia.

Blaikie, P.M. et al. 1992. In: Long, N. & Long, A. (eds.). Battlefields of knowledge: The interlocking theory and practice insocial research and development. London, New York, Routledge.

Bragdon, S., Fowler, C. and Franca, Z. (eds). 2003. Laws and policy of relevance to the management of plant geneticresources. Learning Module. ISNAR. The Hague, The Netherlands.

Briggs, J. & Sharp, J. 2003. De-romanticising indigenous knowledge: challenges from Egypt. In Indigenous environmentalknowledge and sustainable development in semi-arid Africa, UK, University of Glasgow.

Gari. 2003. Local agricultural knowledge key to fighting HIV/AIDS and Food Security, FAO Consultancy Report.

GRAIN. 2004. Good ideas turned bad? A glossary of right-related terminology. www.grain.org/seedling/seed-04-01-2-en.cfm

IISD Trade and Development Brief, No. 7. Traditional knowledge and patentability, International Institute for SustainableDevelopment.

IK Notes No. 30. March 2001. Indigenous knowledge and HIV/AIDS: Ghana and Zambia

Halewood, M. 2003. Genetic resources, traditional knowledge and international law. In Conservation and sustainable useof agricultural biodiversity. Published by CIP-UPWARD, in partnership with GTZ GmbH, IDRC of Canada, IPGRI andSEARICE.

Hansen, S., Van Fleet, J./American Association for the Advancement of Science (AAAS), 2003. Traditional Knowledge andIntellectual Property: A Handbook on Issues and Options for Traditional Knowledge Holders in Protecting theirIntellectual Property and Maintaining Biological Diversity.

Howard, P. 2003. Women and plants, gender relations in biodiversity management and conservation. United Kingdom, ZEDBooks.

Mekoaur, A. 2002. A global instrument on agrobiodiversity: The International Treaty on Plant Genetic Resources for Foodand Agriculture. FAO Legal papers online #24, www.fao.org/Legal/prs-ol/lpo24.pdf

Svarstad, H. and Dhillion. S.S. (eds) 2000. Responding to Bioprospecting: From Biodiversity in the South to Medicines in theNorth, Oslo, Norway

World Bank. Traditional knowledge case studies. www.worldbank.org/afr/ik/casestudies/

Web sites

FAO Web site on HIV/AIDS: www.fao.org/hivaids

FAO Web site on Gender, Agrobiodiversity and Local Knowledge: www.fao.org/sd/links

World Bank Web site on Local Knowledge: www.worldbank.org/afr/ik/what.htm

R E F E R ÊN C I A S - M Ó D U L O 4

92

PERSPECTIVAS CONTRASTANTES SOBRE O GÉNERO, A AGROBIODIVERSIDADE E A SEGURANÇA ALIMENTAR

5.1

GÉNERO, PERDA DE BIODIVERSIDADE,E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENO

Mód

ulo5

95

GÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E ACONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENO

RELAÇÕES DE GÉNERO, HORTICULTURA COMERCIAL E AMEAÇAS ÀDIVERSIDADE DE PLANTAS LOCAIS NO MALI RURAL

Stephen Wooten

Niamakoroni é uma comunidade agrícola localizada no

Planalto de Mande na zona Centro-Sul do Mali,

aproximadamente a 35 quilómetros de Bamako. O

povoamento consiste em séries de estruturas de tijolos

de barro cru agrupados perto uns dos outros e árvores

de sombra. O povoamento foi fundado perto do fim do

século 19, quando um segmento de uma linhagem

duma comunidade vizinha ali se fixou a fim de ganhar

acesso a novas terras de cultivo. Os residentes

contemporâneos de Niamakoroni, como os seus

antepassados, afirmam ter uma identidade étnica

Bamana (Bambara).

Na comunidade, o grupo doméstico primário

(unidade residencial, produtora e consumidora de

alimentos) é chamado du (duw, no plural), na língua

Bamana (Bamanankan). Os membros de cada du vivem

perto uns dos outros e partilham as refeições ao longo de

todo o ano. Os duw Niamakoronianos são famílias multi-

geracionais unidas, os jovens, e suas esposas e famílias

vivem e trabalham tipicamente sob a autoridade do

ancião mais velho do grupo, o dutigi. Como membros

seniores dos seus grupos de linhagem, os dutigiw têm

acesso às áreas aráveis das terras altas e á autoridade para

dirigir o trabalho dos que vivem com eles.

As mulheres na comunidade são responsáveis

pelo processamento e preparação dos alimentos, assim

como por todas as tarefas inerentes à manutenção da

família e da casa. Os homens têm poucas obrigações

domésticas para além da construção e manutenção das

casas (veja também Creevey 1986; Thiam 1986).

A comunidade depende da agricultura alimentada

pela chuva, e em Niamakoroni as chuvas escassas

caem de Junho até Setembro. A comunidade depende

principalmente desta curta época das chuvas para

fazer frente às suas necessidades alimentares. A

maioria da população activa capaz cultiva ou colhe

culturas alimentares e plantas. Estas actividades são

denominadas de ka balo (para a vida).

Relações de género claramente demarcadas

caracterizam este processo de produção de alimentos.

Os homens em cada família trabalham colectivamente

no seu campo principal das terras altas (foroba), que

está localizado nas áreas de mato, a apenas poucos

quilómetros da povoação. Aqui eles produzem uma

gama de culturas básicas incluindo o sorgo (nyo –Sorghum bicolor), milhete (sanyo –Pennisetum glaucum),

milho (kaba – Zea mays), ervilha (sho – Vigna unguiculata),

amendoim (tiga – Arachis hypogaea), e amendoim

Bambara (tiganinkuru – Voandzeia subterranea). Na maior

parte da região o sorgo e o milhete ocupam a maior

parte da área total cultivada (PIRL 1988).

As mulheres, por outro lado, são responsáveis pelo

cultivo e colecção de plantas necessárias para a realização

dos molhos que temperam os cereais das culturas dos

homens nas refeições diárias. Na época das chuvas, as

mulheres casadas, em cada grupo doméstico, trabalham

individualmente nos campos das terras altas a elas

destinados pelos dutigiw para produzir nafenw, ou ‘coisas

para molho’. Na maior parte das vezes, as mulheres

intercalam as culturas de amendoim (tiga – Arachishypogaea), ervilha, kenaf (dajan – Hibiscus cannabinus),

roselle (dakumum ou dabilenni – Hibiscus sabdariffa), quiabo

(gwan – Abelmoschus Hibiscus esculentus) e sorgo. Os seus

padrões de cultivo focam-se nas folhas e vegetais

tradicionais que complementam as culturas básicas

produzidas nas forobaw. A maioria das culturas das

mulheres é destinada ao consumo directo, embora, às

vezes, alguns produtos sejam vendidos para gerar

CENÁRIO

DOMÍNIOS DO GÉNERO NA ECONOMIA ALIMENTAR

5.1ESTUDO DE CASOGÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENO

96

Para além de trabalharem nos seus duw respectivos para

o consumo doméstico, os indivíduos de todas as idades

em Niamakoroni têm a opção de se envolverem em

actividades independentes de produção de mercadorias

que lhes trarão rendimentos pessoais. Estas são

tipicamente chamadas actividades ka wari nyini (para

dinheiro)

Enquanto uma variedade de actividades que

geram rendimento ocorre na comunidade, toda a gente

percebe a jardinagem comercial como sendo uma

actividade para a geração de rendimento e acumulação

potencial. Tanto os homens como as mulheres

identificaram a jardinagem comercial como sendo a

estratégia preferida para adquirir rendimentos. Eles

também notaram que os consumidores urbanos de

Bamako, a capital, constituem o maior mercado para o

produto das suas hortas (veja também Konaté 1994).

Bamako cresceu drasticamente desde que os

Franceses fixaram as suas sedes administrativas na

cidade no fim do século 19. Existe, actualmente, um

mercado regional de cereais bem estabelecido, e a

maioria dos consumidores urbanos dependem dos

produtores rurais para fornecimento dos produtos de

consumo básicos, tais como o sorgo e o milhete. Mais

ainda, existe uma procura crescente de produtos

hortícolas especializados. Desde que as forças

coloniais Francesas começaram a consumir frutas e

vegetais frescos produzidos nas colónias, os residentes

de Bamako tornaram-se cada vez mais interessados em

adquirir e consumir frutas e vegetais exóticos

(République du Mali 1992, Villien-Rossi 1966). Um

número de factores contribuiu para esta mudança no

consumo; estes incluem, a expansão de campanhas

nutricionais governamentais que realçaram o valor

nutricional de frutas e vegetais frescos, a emergência de

uma classe média que considera os padrões de dieta

Ocidentais como sendo um sinal de cultura e saúde, e o

crescimento do número de trabalhadores de ajuda

estrangeiros, que desejavam consumir frutas e vegetais

nativos dos seus países de origem. Todos estes factores,

criaram uma forte procura de produtos de horticultura

não tradicionais, especializados, na capital. As

rendimento que é tipicamente utilizado na compra de

ingredientes comerciais complementares, tais como os

cubos para sopa, óleo vegetal ou sal (Wooten 1997).

Para além do cultivo de culturas de condimentos

nos campos das terras altas durante a época das chuvas,

as mulheres ao longo do ano juntam recursos de plantas

silvestres ou semi-silvestres nos seus campos ou nas

áreas de arbustos para usarem nos seus molhos. Elas

colhem e processam as folhas da árvore do báobá

(Adansonia digitata) para fazer um ingrediente chave para

o molho e utilizam a fruta da árvore de noz de shea

(Butryospermum parkii) para fazer óleo de cozinha e loção

para o tratamento da pele. Como foi reportado noutros

sítios da região (Becker 2000, 2001; Gakou et al. 1994;

Grisby 1996), as mulheres conservam estas árvores

produtivas nos seus campos e fazem uso das espécies nas

matas em redor da comunidade. Uma vasta variedade de

verduras silvestres ou semi-silvestres é regularmente

utilizada para os seus molhos.

Este padrão geral de contribuições distintas do

género para a economia alimentar, com os homens a

fornecer cereais e as mulheres a fornecer molhos, é

comum entre os Bamana (Becker 1996; Thiam 1986;

Toulmin 1992). Contudo, existe uma outra actividade

típica de produção associada às mulheres de Bamana: a

jardinagem. Descrições da região de Bamana sugerem

que as mulheres usam regularmente áreas baixas, perto

de riachos, como hortas caseiras e para colherem plantas

silvestres para usarem como ingredientes necessários

para os seus molhos (Grisby 1996, Konaté 1994). De

facto, nako, a palavra Bamana que significa jardim ou

horta, é, muitas vezes traduzida literalmente como

‘riacho de molho”, que se relaciona com o tipo do

produto e com a área de produção. As mulheres, têm

sido, responsáveis pela produção de nafenw, na maioria

das comunidades Bamana ao longo das gerações.

Portanto, a associação histórica entre as mulheres de

Niamakoroni e os nakow (riachos de molho) parece

inteiramente lógica. Porém, actualmente, elas não

praticam a jardinagem em tais áreas, em redor das suas

vilas. Em vez disso, elas cultivam as suas culturas de

ingredientes para os molhos, nos campos das terras altas

e colhem alimentos de plantas silvestres nas áreas das

matas vizinhas. Nas últimas décadas, a jardinagem, que

antigamente foi um domínio intimamente associada às

mulheres e à economia alimentar, tornou-se num assunto

de homens e um empreendimento comercial.

TRABALHAR NO JARDIM POR DINHEIRO: INDO AO ENCONTRO DAS EXIGÊNCIAS DOS CONSUMIDORES URBANOS

5.1 GÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENOESTUDO DE CASO

97

comunidades, tais como Niamakoroni que estão nas

proximidades do mercado da capital estão bem

situadas neste contexto global (veja também Becker

1996; Konaté 1994).

Actualmente, a jardinagem comercial constitui uma

componente central do sistema local dos meios de

subsistência em Niamakoroni. Nos meados dos anos

1990, existiam 22 operações distintas de jardinagem

comercial na comunidade, cada uma com o seu líder de

jardim (nakotigi). Os homens casados geriam a vasta

maioria das operações das hortas (19 das 22, ou 86%).

Todas as três mulheres nakotigiw tinham a posição de

primeira esposa dentro da unidade poligâmica. Como tal,

todas estavam dispensadas do compromisso directo na

produção de alimentos, e as suas actividades já não eram

geridas pelo respectivo dutigiw. Comparando com os

outros nakotigiw, estas mulheres operavam empresas

relativamente menores, trabalhando em pequenos

campos situados em localizações periféricas. A maioria

dos nakotigiw é ajudada pelos seus irmãos mais novos,

filhos e filhas e, em alguns casos, esposas. Os nakotigiwestabelecem os padrões de cultivo, organizam o trabalho,

tomam decisões relacionadas com a colheita e marketing,

vendem os produtos e distribuem os proventos da forma

que acham mais adequada.

Nos meados dos anos 1990, os 22 nakotigiw de

Niamakoroni operavam um total de 34 hortas, variando

de tamanhos entre os 378 a 9720 m2 com uma média de

3212 m2. A vasta maioria destes campos estava situada em

terras baixas, imediatamente em redor da comunidade.

Muitos estavam bem delineados e delimitados para se

protegerem dos estragos do gado. Os campos

controlados pelas três mulheres jardineiras não estavam

vedados e eram os mais pequenos (378-650 m2). Além

disso, os seus campos estavam localizados dentro das

matas ao longo de riachos relativamente menores.

Os jardins comerciais produzem uma variedade

ampla de vegetais e frutas, muitos dos quais são exóticos

e não tradicionais. Os tipos mais comuns dos vegetais

produzidos em Niamakoroni eram tomate, beringela

amarga (Solanum incanum), feijões comuns, pimenta

picante e couve. Num ponto ou noutro, todos os 22

nakotigiw cultivavam estas culturas. Outras culturas de

vegetais incluíam cebola, beringela Europeia, pimenta

verde, abóbora e okra. As culturas de frutas também

desempenhavam um grande papel nestes jardins.

Geralmente estas plantações de frutas ocupam uma

grande percentagem da área total do jardim,

principalmente como hortas puras ou, menos frequente,

integrados num jardim diversamente plantado. Excepto

nos campos pertencentes às três mulheres nakotigiw,todos os campos do jardim continham, pelo menos,

algumas plantações de frutas produtivas incluindo

banana, papaia, manga e várias espécies de citrinos. Em

todos os casos, a banana era a cultura de fruta mais

abundante. A papaia ocupava o segundo lugar e era

cultivada por todos os dezanove homens. Todos os

nakotigiw homens também tinham mangueiras. Muitos

jardineiros tinham stocks de citrinos incluindo limões,

laranjas, tangerinas, tangelos, toranjas, sendo os limões

os mais comuns. Com a excepção da beringela amarga,

pimenta picante e manga, estas culturas são plantações

não tradicionais de jardim. Todas as culturas do jardim,

tradicionais e não tradicionais têm uma grande procura

na capital.

Os jardineiros fazem, frequentemente, uma série de

investimentos comerciais. Todos os 22 nakotigiwcompram sementes de vegetais comerciais para os seus

jardins. Para além da compra de sementes e mudas de

vegetais, os nakotigiw de Niamakoroni, também

compram regularmente stocks de hortas. Todos os

nakotigiw homens compram stocks de hortas, plantações

de bananas, mudas de citrinos ou stocks de enxertos de

citrinos e o mercado de Badala, ao longo do Rio Níger, era

a sua fonte principal. Alguns dos nakotigiw homens

disseram que também obtêm tais itens de outros

nakotigiw das comunidades vizinhas onde existem hortas

estabelecidas há mais tempo. As três mulheres nakotigiwnão plantaram nenhumas árvores de citrinos nos seus

campos e as bananas que elas cultivaram foram obtidas

localmente.

Todos os 19 nakotigiw homens afirmaram comprar

fertilizantes químicos para os seus campos. Catorze dos

quais também afirmaram comprar estrume de animais

(principalmente de galinhas). Poucos dos nakotigiwhomens também compram pesticidas químicos de

tempos em tempos. Os jardineiros não estão geralmente

cientes dos riscos de saúde destes materiais e, assim

falham em se proteger.

Os jardineiros foram unânimes quando

questionados sobre os seus objectivos de produção.

Todos os 22 nakotigiw indicaram que viam as suas

actividades de horticultura como uma forma de ganhar

rendimento e que todos os produtos dos seus jardins

eram destinados à venda. De facto, os produtos de jardim

apareciam muito raramente na dieta local e quando isto

acontecia, estavam estragados ou a deteriorarem-se. O

grosso dos produtos dos jardins de Niamakoroni era

5.1ESTUDO DE CASOGÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENO

98

direccionada aos mercados de Bamako. Os produtos

eram levados a um local suburbano onde os comerciantes

urbanos, maioritariamente mulheres jovens, os

compravam aos jardineiros ou aos seus ajudantes. Em

algumas ocasiões, estes compradores deslocavam-se

directamente aos jardins para assegurar produtos,

indicando uma grande procura na capital.

Para dar uma ideia dos níveis potenciais de

rendimento da jardinagem comercial, foi feita uma

série de estimativas de valores de culturas. Estas

análises mostraram que o valor total da cultura de

banana, em todos os jardins durante os anos 1993-1994

era de aproximadamente US$35,000. O valor

projectado da cultura total de papaia desses anos foi de

aproximadamente US$9,500. O indivíduo com o maior

número de plantações de bananas (736) pode ter tido

de proveito aproximadamente US$4,400 somente desta

cultura. O indivíduo com a menor plantação de

bananas (36) pode ter ganho US$216. O valor

projectado da cultura total de papaia desses anos foi de

aproximadamente US$9,500.O indivíduo com a maior

plantação madura (76) pode ter ganho cerca de

US$1,600 desta cultura, enquanto que o indivíduo com

a menor plantação madura (4) pode ter ganho US$85.

Estes exemplos indicam que os rendimentos potenciais

da jardinagem comercial são relativamente altos no

Mali, que tem um rendimento per capita muito baixo,

US$260 no inicio dos anos 90 (Imperato 1996).

OPINIÕES CONTRASTANTES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA HORTICULTURA COMERCIAL

Baseados nos proveitos destas duas culturas, se

compartilhadas igualmente entre todos os 184

residentes de Niamakoroni, o rendimento bruto per

capita seria aproximadamente de US$244, ou quase a

média nacional. Contudo, os números são baseados no

valor bruto e não em rendimento líquido. Além disso, o

rendimento gerado através de jardinagem não é

distribuído uniformemente na comunidade. A vasta

maioria dos líderes dos jardins são homens, eles são os

principais beneficiários primários desta estratégia de

diversificação de meio de subsistência relativamente

lucrativa (Wooten 1997).

Claramente, a jardinagem comercial é

significativa na Niamakoroni contemporânea.

Contudo, é claramente uma actividade comercial

principalmente masculina, que está focada numa

variedade de culturas principalmente exóticas e não

tradicionais. No entanto, como indicado na

introdução, a jardinagem não foi sempre uma

actividade predominantemente masculina, destinada

ao comércio e baseada em plantas exóticas. Mais ainda,

nem todas as pessoas aceitaram calmamente a

jardinagem comercial, nem é provável que afecte toda a

gente da mesma maneira. De facto, os homens e as

mulheres na comunidade tendem narrar a história do

desenvolvimento da jardinagem comercial e os padrões

correntes de posse dos jardins de formas diferentes. A

justaposição das suas descrições realça uma mudança

significativa na natureza da jardinagem ao longo do

tempo.

Na perspectiva de um ancião, a posse de

jardins/hortas em Niamakoroni partilha uma

característica com a fixação da comunidade: os

primeiros agricultores fizeram as primeiras

reclamações de terras. Quando os habitantes iniciais de

Jara começaram a praticar a agricultura em

Niamakoroni, os chefes de linhagem masculina

estabeleceram-se como guardiões da terra (Wooten

1997). Como tal, os descendentes masculinos dos

fundadores patriarcas de Jara conservaram o direito de

distribuir extensões de terras altas aos chefes de família

da comunidade. Contudo, parece que a reclamação

original dos Jara não inclui necessariamente as terras

baixas, que os homens, nesses tempos, não viam como

sendo centrais para o regime de produção de alimentos.

Baseado nos comentários fornecidos por Nene Jara e

Shimbon Jara, os dois anciãos, parece que o controle

destas terras passou para os que as prepararam, em

primeiro lugar, para o cultivo, em muitos casos, para a

primeira geração de jardineiros comerciais: os seus

pais.

Outros juntaram-se, subsequentemente, à

primeira onda de jardineiros na comunidade assim que

começaram a ver as vantagens do cultivo de jardins. Os

homens jovens juntaram-se ao domínio limpando as

áreas que o Nene as considerava “áreas não usadas”.

Para além disso, ao longo do tempo, alguns homens

jovens que tinham trabalhado para os chefes dos

jardins originais estabeleceram as suas operações. Eles

ou reivindicaram as terras “não usadas” ou obtiveram

5.1 GÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENOESTUDO DE CASO

99

secções originalmente pertencentes aos seus pais ou

irmãos mais velhos depois da sua morte ou reforma.

Mais tarde, alguns indivíduos obtiveram terras de

outros indivíduos não familiares. O aluguer não foi

mencionado, embora tenham sido feitos alguns

empréstimos não remunerados de terras a curto prazo.

Nene e Shimbon afirmaram que, muito recentemente,

algumas mulheres começaram a realizar actividades de

jardinagem no interior das matas, em terras que eles

dizem que os homens julgaram serem muito distantes

para a prática de actividades sérias de horticultura. As

mulheres limparam estas áreas sozinhas a fim de

praticarem a jardinagem.

As mulheres ofereceram uma perspectiva muito

diferente do desenvolvimento da jardinagem comercial.

Várias mulheres mais idosas afirmaram que, no início

do desenvolvimento das actividades de jardinagem

comercial masculina nas áreas baixas, as mulheres

tinham, de facto, desenvolvido certas culturas e

coleccionado plantas em algumas destas áreas. Wilene

Diallo, a mulher mais velha da comunidade disse que

ela e outras esposas da comunidade utilizavam terras

nestas áreas, durante a época das chuvas, para cultivar

culturas de vegetais tradicionais para os seus molhos

(naw). Ela indicou também que as mulheres da aldeia

plantavam, às vezes, arroz nas terras baixas durante a

época das chuvas. O arroz produzido era uma variedade

tradicional que era usada em refeições especiais ou

comercializada. O padrão foi também observado nas

descrições publicadas sobre os padrões rurais de

produção noutras áreas do Mali (e.g. muitos jornais em

Creevey 1986, Becker 1996).

Mais, antes do estabelecimento da primeira

geração de jardineiros comerciais, parece que as

mulheres utilizavam livremente, pelo menos algumas

áreas perto de riachos, sem competição directa com os

homens. Elas agiam assim com o objectivo primário de

produzir culturas de ingredientes locais para os seus

molhos. Tal uso incontestável destas áreas pode-se

relacionar com o facto de ainda não ter sido

desenvolvido um mercado para produtos de

horticulturas especializados e de que os homens

consideravam as terras baixas como sendo menos

desejáveis. Mamari Jara, um dos líderes de jardim da

Niamakoroni contemporânea, disse que talvez na

geração anterior, algumas terras tenham sido

originalmente usadas por algumas das mulheres da

aldeia para a produção de folhas e vegetais para molhos.

Quaisquer que sejam as particularidades históricas

exactas, está claro que, actualmente as mulheres estão

em grande parte excluídas dos espaços de jardim na

comunidade. Para estabelecerem as suas empresas

comerciais, os homens apropriaram-se dos espaços

físicos das terras baixas, assim como do próprio nicho

de produção em jardim. Eles reivindicaram terras onde

as suas mães e esposas anteriormente cultivavam e

colhiam plantas para a culinária da família. Esta atitude

tem implicações para as contribuições das mulheres

para a economia alimentar e para a sua posição relativa

na comunidade.

A marginalização das mulheres do nicho de

jardim em Niamakoroni limita a sua capacidade de

produzir alimentos tradicionais. As mulheres

esforçam-se em produzir culturas suficientes de

vegetais nos campos das terras altas, que lhes são

destinadas pelo dutigiw, mas a sua produtividade

nessas terras é limitada. A vasta gama de obrigações

domésticas das mulheres limita o tempo disponível

para o cultivo nesses campos. Mais ainda, algumas das

culturas tradicionais podem não crescer bem no

ambiente das terras altas, porque, os campos das terras

altos só podem ser cultivados durante a época das

chuvas, enquanto que a confecção dos molhos requer

ingredientes frescos ao longo de todo o ano. Mais,

mesmo se as mulheres forem suficientemente

afortunadas para obterem uma colheita de algumas

culturas de vegetais dos seus campos, elas ainda

precisam de localizar recursos adicionais de plantas

locais para confeccionar os seus molhos. Com o acesso

restringido às áreas das terras baixas, as suas

capacidades para procurar estes itens estão limitadas. A

sua marginalização da jardinagem limita o seu acesso

aos recursos financeiros, que podiam ser usados na

compra de alguns ingredientes para molhos que elas

não são capazes de obter localmente.

Deve ter-se em conta que esta mudança não passou

despercebida ou incontestada pelas mulheres de

Niamakoroni. No decorrer de entrevistas, várias

mulheres demonstraram uma insatisfação clara com a

situação. Como disse uma das mulheres: “Os homens

TERRA PERDIDA, RECURSOS AMEAÇADOS

5.1ESTUDO DE CASOGÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENO

100

ficam com todos os jardins. Eles ficam com todo o

dinheiro. Ainda por cima, não nos dão nada, nem sequer

dinheiro para molho ou para os nossos bebés.” Algumas

mulheres ressentem-se claramente que o que elas

concebem como uma esfera tradicional feminina tornou-

se parte do mundo masculino. Mais ainda, é importante

ter em mente que existiam três mulheres nakotigiw. Os

seus jardins eram muito pequenos, localizados a uma

distância considerável da vila e junto a riachos

relativamente menores, mas, apesar disso, elas tinham

jardins destinados ao comércio. Contudo, ao contrário da

maioria das mulheres casadas na comunidade, estas

mulheres jardineiras eram esposas seniores que se

tinham reformado da maioria dos deveres habituais

associados com a economia alimentar da família. As suas

realizações, apesar de escassas, provavelmente não

seriam replicadas de uma forma alargada.

Para além da emergência de uma série de desafios

sociais e económicos, a exclusão das mulheres do

domínio dos jardins pode levar a mudanças prejudiciais

em muitos domínios importantes. A mudança aqui

documentada indica mudanças nos padrões de

culinária, um declínio possível nos níveis nutricionais e

uma redução na diversidade das plantas locais e na

estabilidade ambiental global. Apesar destas questões

não serem avaliadas especificamente neste estudo, os

dados apresentados revelam um número significativo

de ameaças.

A expansão da jardinagem comercial masculina

pode levar a uma diminuição na disponibilidade das

plantas locais para a dieta. Os homens colocaram as

mulheres e as suas culturas fora dos nichos de jardins.

No processo, muitas plantas de jardim mantidas por

homens, e associadas com os consumidores urbanos,

substituíram as plantas locais ligadas às mulheres e à

culinária ligada aos molhos, nos jardins de

Niamakoroni. Os jardineiros comerciais actuais não

estão interessados em manter as culturas dos produtos

locais, associadas às mulheres e à elaboração de

molhos, a não ser que haja uma procura urbana desses

mesmos produtos, como é o caso da beringela amarga.

De facto, a maioria dos homens considera as plantas

das mulheres (especialmente as culturas das folhas

tradicionais e plantas silvestres de ingredientes para

molhos) como ervas a serem removidas a favor das

culturas de rendimento, como é o caso do tomate e da

banana. Actualmente, os jardins comerciais bem

tratados, raramente contêm, vegetais e plantas

silvestres ou semi-domesticadas tradicionais.

Resumindo, não tendo acesso à jardinagem

tradicional e às áreas para a colheita de plantas, as

mulheres tinham menos opções relacionadas com a

preparação dos seus molhos. Apesar de ainda não ter

sido documentado, pode estar a caminho uma

mudança nos padrões de culinária locais.

Ironicamente, através do cultivo e venda das culturas

dos jardins, os jardineiros podem estar a contribuir

para um declínio no valor nutricional das suas próprias

refeições. Sem acesso a nichos apropriados para

jardinagem, as mulheres não têm a oportunidade de

manter os recursos de plantas tradicionais in situ.

Apesar de algumas das suas plantas tradicionais

poderem ser adequadas para o cultivo nas terras altas

durante a época das chuvas, muitas mais plantas

silvestres ou semi-domesticadas estão adaptadas às

áreas baixas dos riachos. Consequentemente, esta

situação apresenta um desafio para a manutenção de

plantas viáveis adaptadas localmente e, a prazo, para a

continuidade do conhecimento local destas espécies

ensaiadas e verdadeiras. Resumindo, sem gestão

contínua, é possível que estas espécies fiquem erudidas

localmente.

A ameaça à biodiversidade das plantas locais não

está limitada às áreas dos jardins. Existem muitos

efeitos ambientais secundários importantes

relacionados com o desenvolvimento da jardinagem

comercial dos homens em Niamakoroni. Sem o acesso

às terras baixas para a produção de molhos ou outras

alternativas para a geração de rendimento, as mulheres

estão a direccionar as suas atenções na exploração de

outros recursos baseados em plantas silvestres locais

para a alimentação, assim como para a geração de

rendimentos para ajudar a cumprir as suas obrigações

domésticas de culinária. (Wooten 1997).

Especificamente, elas estão a expandir a sua produção

comercial de carvão, manteiga de noz de shea e escovas

de dentes feitas das plantas. Em entrevistas, muitas

mulheres afirmaram utilizar os proventos destas

actividades para obterem ingredientes para a confecção

de molhos para as refeições das suas famílias. Todas

estas actividades estão dependentes do uso dos

recursos das plantas silvestres nativas. O uso

expandido destes recursos pelas mulheres, revela o que

pode ser um ciclo vicioso. Sem o acesso a espaços para

jardins, as mulheres podem explorar em excesso os

recursos dos arbustos a fim de adquirirem

rendimentos que possam utilizar para obterem

ingredientes, para molhos que elas já não podem

produzir localmente.

5.1 GÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENOESTUDO DE CASO

LEITURAS CHAVE

Sustentar os meios de subsistência através da Conservação dos Recursos Genéticos de Animais . . . .1Anderson, S. 2003

Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7Como Deve O Sector Público Responder?Blench, R. 1997

Mulheres – utilizadoras, preservadoras e gestoras da agrobiodiversidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15Fao. 1999

O gado e os meios de subsistência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19Ghotge, N. E Ramdas, S. 2003

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos . . . . . . . . . . . . . . .23Grain. 2004

O conhecimento local e a patenteabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31Memorandum do IISD Sobre Comércio E Desenvolvimento. Nº 7

Sementes da vida: as mulheres e a biodiversidade agrícola em África . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37Notas Ik Nº 23 Agosto de 2000

O conhecimento indígena e o VIH/SIDA: Gana e Zâmbia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41Notas Ik Nº 30 Março de 2001

A contribuição dos vegetais indígenas para a segurança alimentar familiar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45Notas Ik Nº 44 Maio de 2002

A Segurança Alimentar e a Biodiversidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49Biodiversidade no desenvolvimento – Breve Sobre Biodiversidade 6. Iucn/Dfid

Bancos de sementes comunitários para a Agricultura semi-árida no Zimbábue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53Mujaju, C., Zinhanga, F. E Rusike, E. 2003

O papel central da Biodiversidade Agrícola: tendências e desafios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57Thrupp, L. A. 2003

O Género na Conservação da Biodiversidade Agrícola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..65Torkelsson, A. 2003

Perdendo Terreno:

Relações de Género, Horticultura Comercial, e Ameaças à Diversidade de Plantas no Mali Rural.....69Wooten, S. 2003

Leit

uras

Cha

ve

1

Sustentar os meios de subsistência atravésda conservação dos recursos genéticos de animais

Quase dois biliões de pessoas contam com o gado para suprir parte ou a totalidade das suas necessidades diárias. O

gado forma uma componente dos meios de vida de pelo menos 70% da população rural pobre do mundo, incluindo

milhões de pastores, agricultores mistos e criadores de gado sem-terra. Em África, na Ásia e na América Latina, os pobres

e os sem-terra obtêm uma maior proporção do rendimento familiar de fontes relacionadas com o gado do que as outras

famílias.

Os sistemas de subsistência dos camponeses, complexos, diversos e propensos ao risco dos pobres que vivem em

áreas marginais, e os marginalizados que vivem de recursos escassos em áreas com elevado potencial, requerem

recursos genéticos animais (RGAn) que sejam tolerantes a condições rudes, resistentes à doença, produtivos e diversos.

O acesso aos recursos genéticos por parte dos pobres está, muitas vezes, limitado por vários factores sociais e

culturais. A erosão genética também está a ameaçar os meios de vida dos pobres ao restringir o seu acesso aos RGAn

apropriados. Ao utilizarmos uma abordagem de subsistência sustentável (SLA) para avaliar a importância dos RGAn para

os pobres, é possível identificar pontos de partida e intervenções para reduzir a pobreza através da gestão dos RGAn.

A criação de gado como um meio de subsistência

Os animais mantidos pelas pessoas para propósitos agrícolas – gado – são considerados como bens de subsistência, e

a criação de gado é parte da actividade de subsistência da família. Existem quatro sistemas principais de criação de gado.

≠ Criadores de gado a tempo inteiro que dependem principalmente do gado para a sua subsistência (eles podem

ser nómadas, sedentários ou transumantes);

≠ Criadores de gado que fazem algumas colheitas, mas cujo gado continua a ser o meio de vida principal (podem

ser transumantes ou sedentários);

≠ Agricultores que também mantêm animais e normalmente ficam num sítio durante todo o ano; e

≠ Os sem-terra que criam algum gado muitas vezes como uma actividade auxiliar e vivem nos limites das aldeias,

vilas ou cidades.

As mulheres criadoras de gado enquadram-se muitas vezes nas categorias de pequenas criadoras ou de criadoras de

gado sem-terra, dependendo da quantidade de terra disponibilizada e direitos de uso dentro da família.

A criação de gado:

≠ Providencia um rendimento em dinheiro da venda de animais, dos seus produtos, e/ou dos seus serviços;

≠ Providencia stocks de salvaguarda quando as outras actividades não proporcionam os retornos esperados;

≠ Providencia materiais e serviços para a produção de colheitas;

≠ Recolhe benefícios de direitos das propriedades comuns, e.g. a transferência de nutrientes através do uso das

pastagens em terras comuns e estrume usado em terras privadas para colheitas

≠ É usada para fornecer transporte, combustível, comida e fibras para a família; e

≠ Realiza funções sociais e culturais através da posse do gado

Simon Anderson (2003)

2

Para as famílias pobres, as funções da criação de gado não relacionadas com a geração de lucro são particularmente

importantes. Estas funções ou benefícios incluem poupanças, salvaguardas e seguros. Por exemplo, no Sudeste do

México, descobriu-se que a função principal da criação de porcos de quintal era a de ser um bem convertível, disponível

e facilmente comercializado, para pagar os gastos de saúde, educação, comida e outras exigências familiares.

Os aumentos de produtividade podem ser importantes para alguns tipos de criadores de gado e um objectivo

adequado na mudança de estratégias de subsistência de algumas populações rurais, mas muitas situações vão requerer

um equilíbrio entre o aumento da produtividade e a necessidade de assegurar poupanças, e outras funções de

subsistência.

Os Recursos Genéticos Animais e os Meios de Subsistência dos Pobres

A abordagem dos meios de vida sustentáveis pode ser usada para analisar os objectivos de bem-estar a que as pessoas

aspiram, os recursos ou bens a que têm acesso, e à forma como usam esses bens para alcançar os seus objectivos. Para

a abordagem, é essencial uma compreensão da forma como as instituições, tanto formais (governo, leis, mercados) como

informais (cultura, parentesco, etc.), moldam o acesso das pessoas aos recursos.

Os factores que afectam as formas como estas funções são cumpridas incluem:

≠ Diferenças entre espécies, raças e animais individuais;

≠ Base genética reduzida devido à selecção genética;

≠ Mudanças nos ambientes e propósitos dos criadores de gado para a criação de gado; e

≠ Novas necessidades para RGAn apropriados a sistemas de produção agroecológicos e orientados para a

subsistência.

Sustentar os meios de subsistência através da conservação dos recursos genéticos de animais

Os RGAn e as contribuições do gado para os meios de subsistência dos pobres

Contribuição Factores que diferenciam entre raças

Rendimento em dinheiroregular proveniente dosanimais ou dos seus produtos

Rendimento em dinheiroregular proveniente davenda ou uso dos animais

Stocks de salvaguarda

Materiais e serviços paraa produção de colheitas

Captura de benefíciosdos CPRs

Transporte, combustível,comida, fibras para oscriadores

As preferências dos consumidores podem favorecer ou rejeitar produtos de certasraças. As vendas dos intermediários vão ter muitas vezes preços diferentes paraprodutos e animais de diferentes raças.

Certos usos reunidos pelas raças com as características desejadas (tamanho, poder,docilidade) e a adaptação ao ambiente (tolerância ao calor, capacidade de caminhar,necessidades de água).

A sobrevivência é importante; também a resistência às doenças e a tolerânciaclimática; velocidade reprodutiva para a acumulação de bens

Alguns serviços são providenciados melhor por raças com características requeridas(tamanho, poder, docilidade), e adaptadas ao ambiente (tolerância ao calor,capacidade de caminhar, necessidades de água).

Adaptadas ao ambiente e características comportamentais (tolerância ao calor,capacidade de caminhar, capacidades de pastar e procurar alimentos)

Capacidade produtiva e velocidade reprodutiva. Funções sociais e culturais queprovidenciam status e identidade. Características de aparência são importantes(pele e cor do pelo, tamanho e forma dos chifres, confirmação, etc.).

3

Muitos dos recursos genéticos animais mais importantes para os pobres não são raças melhoradas, mas raças locais

que ainda têm características importantes de adaptação a ambientes desfavoráveis e são capazes de prosperar com uma

gestão de baixo uso de materiais/serviços externos.

Bens de Capital Natural

Os recursos genéticos animais são parte dos bens de capital natural das famílias rurais pobres. O acesso a estes recursos

é crucial para muitas das suas actividades de gestão dos recursos naturais, e portanto para as suas estratégias de

subsistência. O acesso a recursos RGAn apropriados tem sido, em muitos casos, afectado negativamente pela selecção

intensa de características desejadas, exigências de mercado e políticas.

Instituições e Relações Sociais

Instituições sociais formais e informais fornecem o contexto sócio-económico dentro do qual as actividades de

subsistência são desenvolvidas. Os processos e estruturas destas instituições podem influenciar amplamente o acesso

e a utilização dos recursos genéticos animais.

Tendências nos Factores Externos

As tendências na demografia e localização populacionais, e.g. urbanização, também as mudanças tecnológicas nos

sistemas de marketing e agro-ecológicos, podem afectar negativamente os RGAn. Os sistemas de produção comerciais

tendem para a uniformidade de materiais e serviços utilizados, recursos e produtos e serviços produzidos, enquanto os

sistemas orientados para a subsistência prosperam com a diversidade.

Choques

Mudanças súbitas nas condições climáticas (secas, inundações), o impacto das guerras e instabilidade social e o advento

de doenças novas ou esporádicas e epidemias podem significar a perda de RGAn que são em baixo número. As famílias

pobres não têm tanta capacidade de responder a este tipo de choques.

A Conservação de RGAn para os Meios de Vida Sustentáveis

A conservação de RGAn com o propósito de manter os meios de vida necessita de uma abordagem holística às

características das raças, que reconheça o leque de contribuições que o gado faz para os meios de vida e as

características das raças que, com estes, estão relacionadas.

As raças “locais” têm muitas vezes vantagens ao satisfazerem necessidades sócio-culturais ou não relacionadas com

o lucro como um resultado da selecção para características adaptativas e de aparência. As raças que foram sujeitas à

selecção genética para características produtivas – raças “melhoradas” – geralmente melhoram a sua performance com

níveis mais altos de gestão. As raças cruzadas (“locais” com “melhoradas”) podem expressar uma combinação de

características (adaptativas e produtivas), e podem ou não adequar-se com as exigências das populações locais para

traços relacionados com funções sócio-culturais. Portanto, a importância das raças locais como RGAn não é apenas a sua

capacidade de preencher funções de subsistência, mas também a sua contribuição genética para características

adaptativas e outras de animais cruzados.

De uma perspectiva dos meios de vida, é importante, identificar e ter em conta os requisitos de RGAn de criadores de

gado pobres. Isto é melhor conseguido atrvés da gestão de RGAn baseada na comunidade.

Sustentar os meios de subsistência através da conservação dos recursos genéticos de animais

Sustentar os meios de subsistência através da conservação dos recursos genéticos de animais

Uma comparação de três tipos de porcos no Sudeste do México para

(A) funções de subsistência e (B) funções semi-comerciais

Características produtivas

(incluindo produtos indirectos)

Características produtivas (incluindo materiais e serviços indirectos)

4

Características sócio-culturais(Cor do pelo, forma dos chifres, etc.)

Criadas localmente

Híbridas Box Keken x melhoradass

Raças melhoradas

Características não lucrativas(poupança, seguros, etc)

Características adaptativas (tolerância ao calor, capacidade digestiva, resistência às doenças)

Características adaptativas (tolerância ao calor, capacidade digestiva, resistência às doenças)

(A)

(B)

Características sócio-culturais(Cor do pelo, forma dos chifres, etc.)

Características não lucrativas(poupança, seguros, etc.)

MelhorPior

Pior

Melhor

Melhor

Melhor

Melhor

Melhor

Melhor

Classificar Expressões de Características de Raças de Gado

Para tomar decisões racionais que têm uma consideração holística das funções da sobrevivência, as raças podem ser

comparadas usando a classificação (melhores até piores) ou expressão de características em ambientes comuns. Quatro

critérios gerais podem ser identificados – Características Produtivas (CP), Características Adaptativas (CA),

Características Sócio-culturais (CS) e Características Não Lucrativas (CNL). Á medida que a soma das classificações dos

traços CP + CA aumentam, também aumenta a importância da conservação genética para uso futuro em sistemas de

produção de gado diferentes. Á medida que a soma de classificações para as características CS + CNL aumentam,

aumenta também a importância da conservação genética por razões sócio-económicas e culturais. Ao organizar a soma

das classificações num diagrama em losango, com as CP e a CA no eixo vertical e as CS e CNL no eixo horizontal, podem

ser comparados os méritos relativos das raças para a conservação. As classificações podem ser obtidas de diferentes

tipos de criadores de gado, que podem conservar as suas raças em diferentes condições. Desta forma as necessidades

de conservação de RGAn podem ser diferenciadas para criadores de gado pobres, não tão pobres, e em melhor situação.

Como um exemplo, as figuras apresentam uma comparação de raças de porcos locais, híbridas e melhoradas da

perspectiva de criadores que criam os porcos para funções de subsistência e semi-comerciais no Sudeste do México.

É importante ter em conta que para os traços CP, CA e CNL, a base genética das mesmas características fenótipicas

classificadas em ambientes diferentes, não é necessariamente a mesma. Por exemplo, o peso vivo ganho pelas

galinhas, um traço CP, vai estar dependente de diferentes combinações de genes e da sua expressão num sistema de

alimentação, onde as aves têm de procurar as suas próprias dietas e num sistema intensivo onde é providenciada uma

dieta equilibrada alta em proteínas. Portanto, as comparações só são possíveis nas mesmas condições ambientais.

Contudo, criadores de gado diferentes aplicam diferentes métodos de criação, pois, as suas necessidades para

RGAn são diferentes.

Melhor

Sustentar os meios de subsistência através da conservação dos recursos genéticos de animais

5

Uma abordagem dos meios de subsistência à gestão e conservação dos RGAn requer o trabalho directo com os

pobres para compreender as interacções complexas entre os RGAn e a pobreza, e para manter ou aumentar os bens de

RGAn disponíveis. Essencial para esta abordagem é a necessidade de compreender as funções do gado como bens

familiares, os propósitos de investimento de recursos na criação de gado (propósitos lucrativos, não lucrativos e sócio-

culturais), e as características genéticas que são importantes para cumprir estes propósitos. A conservação dos RGAn de

uma perspectiva dos meios de subsistência deve, portanto, ter em conta a manutenção e o reforço dos RGAn mais

adequados aos meios de vida dos pobres, e assegurar o acesso equitativo a estes recursos.

ReferênciasAnderson, S. 2003. “Animal Genetic Resources and Livelihoods”. Ecological Economics, Edição Especial sobre RGAn

Carney, D. 1998. Implementing the Sustainable Rural Livelihoods Approach. Em: Carney, D. (ed). Sustainable Rural Livelihoods:What Contribution Can We Make? Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID), Londres, pp. 3-26.

Waters Bayer e Bayer. 1992. The Role of Livestock in the Rural Economy. Nomadic Peoples. Vol. 31.

Livro de Base produzido pela CIP-UPWARD

Em parceria com o GTZ GmbH, IDRC do Canadá, IPGRI e SEARICE

Contribuído por: Simon Anderson

(Email: Simon. [email protected])

Constrangimentos no Acesso aos RGAn pelos Pobres

Requisitos de mudança de RGAn, incluindo

de mercado

Ambiente Político

Constrangimentos

no acesso aos RGAn

pelos pobres

Perda de RGAn através da erosão

genética

Marginalização da agricultura dos

camponeses

Criadores de gado incapazes de manter ouso sustentável de raças “apropriadas”

Subsídios para aagricultura intensiva

Falhanços de mercado– valor da conservação

dos RGAn nãoconseguido

Falta de articulaçãocom as exigênciasdos camponeses

Ausência de políticas contra a pobreza

7

Roger Blench (1997)

Número 23, Setembro se 1997 – Natural Resources Perspectives

O material que se segue foi disponibilizado pelo Instituto de Desenvolvimento Ultramarino (Overseas Development

Institute). Investigações recentes sobre colheitas e espécies animais negligenciadas sugere que existe uma lacuna

importante na forma como as prioridades do desenvolvimento e agências de pesquisa e os pequenos agricultores, tanto

em África como no resto do mundo, tratam essas espécies. Este trabalho discute que as políticas que promovem as

espécies negligenciadas vão ter efeitos positivos na biodiversidade e nos meios de subsistência, especialmente em

áreas mais difíceis onde continua a ser importante a gestão conjunta dos conjuntos de recursos comuns e privados.

Conclusões

≠ Colheitas e espécies de gado negligenciadas são mais importantes do que até aqui se pensava, na sua contribuição

para a biodiversidade e para os meios de vida dos pobres em áreas difíceis. Elas merecem mais atenção do sector

público do que aquela que receberam até agora.

≠ Tal atenção inclui a caracterização compreensiva das variedades e espécies nestas áreas, tais como os tipos de

vegetação consumidos por espécies de gado negligenciadas, os nichos agroecológicos ocupados por tipos de

plantas que são ou pouco conhecidas ou são encaradas noutros sítios como ervas daninhas, e várias características

económicas das plantas e do gado, incluindo a resistência a doenças e pestes, as suas propriedades nutricionais,

requerimentos de trabalho, complementaridade com outras variedades/espécies, e por aí adiante.

≠ As características de “nicho” de muitas espécies de gado e variedades de plantas referidas, podem significar que os

recursos públicos não podem ser alocados em profundidade na sua pesquisa. Contudo, pode ser possível promover

trocas de materiais e abordagens entre agricultores, suportando-as com a informação científica disponível.

≠ Existe um potencial considerável para reformular a pesquisa sobre os sistemas agrícolas na direcção de descrições

mais convincentes de repertórios de culturas e gado, e dessa forma obter uma avaliação mais acertada da

significância económica das espécies menores e do seu potencial em nichos de mercado.

≠ A caracterização das espécies menores com maior clareza também contribui para a segurança alimentar ao tornar

possível uma compreensão mais coerente da dieta em períodos de dificuldades nutricionais e dessa forma gerando

informação para as respostas das agências que lidam com emergências.

Introdução

O estudo de culturas e espécies de gado “perdidas” ou “menores” está repleto de armadilhas linguísticas; estas espécies não

são mais “perdidas” ou “menores” para as pessoas que as usam do que a “descoberta” das Cataratas de Vitória do ponto de

vista das pessoas que viviam perto delas. O significado comum é a de que elas foram negligenciadas pela pesquisa Ocidental

ou que as estatísticas da produção mundial não são publicadas ou indicam baixos volumes comparados com as culturas ou

espécies de gado mais conhecidas. Duas análises recentes (ANC - NAS [Academia Nacional de Ciências], 1996 e Blench, em

publicação) em culturas e gado respectivamente, sugerem que, pelo menos no caso de África, existem grandes disparidades

na quantidade e qualidade de pesquisa sobre muitas espécies. Para além disso, nem a sua economia de produção nem a sua

contribuição para a subsistência dos pequenos agricultores foi um critério para financiar a pesquisa, apesar da suposta

ênfase na segurança alimentar ou nos meios de subsistência. O Centro Internacional de Gado para Africa (CIGA – ILCA)

desencorajou fortemente a pesquisa sobre camelos, burros, porcos, roedores e aves indígenas em África, apesar da sua

preocupação aparente com o gado do continente. Outras publicações da ANC sobre as espécies de gado e pequeno gado

Asiáticas negligenciadas, sugere um padrão semelhante em outras partes do mundo.

Espécies negligenciadas, meios de subsistênciae biodiversidade em áreas difíceis:como deve o sector público responder?

Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis

8

Está a tornar-se cada vez mais claro que os agricultores fazem uso de um leque muito mais vasto de plantas e animais do

que é abrangido nas listas padrão de culturas e gado e que estes podem não estar domesticados da forma como vem nos

livros. Pesquisas recentes, especialmente na Austrália e na floresta tropical Africana, enfatizaram que não é necessário ser

um agricultor para cuidar de plantas; em ambas as regiões os inhames são transplantados e podados para melhorar tanto

características de crescimento como a acessibilidade. De forma semelhante, os pastores podem criar animais não

domesticados, de uma forma mais visível as renas ao longo das zonas circumpolares da Eurásia. A adaptação da pesquisa e

estratégias de intervenção para acomodar esta visão mais abrangente é um processo que mal começou.

O Padrão de Pesquisa

Apesar do crescimento das ideologias participativas durante a última década, tem havido pouca ênfase sobre as espécies de

importância para os pequenos agricultores. É irónico notar que muito do trabalho descritivo detalhado sobre tais espécies

data da época colonial. No período mais antigo, as descrições resultavam das experiências de campo dos Oficiais Agrícolas,

mas há medida que a agronomia profissional tomou o comando, as agendas de pesquisa foram cada vez mais influenciadas

pelo sistema científico Ocidental. O padrão de pesquisa em grande escala tendeu a não ter em conta culturas e animais de

nenhum valor económico percebido fora da sua área imediata. O problema tem tido duas vertentes: um foco num número

pequeno de culturas ou espécies mais conhecidas e um ênfase em assuntos cuja relevância para os problemas enfrentados

pelos agricultores nem sempre é clara.

A África representa um mosaico elaborado de espécies e raças de culturas e gado produzidas usando estratégias não

muito comuns. Ervas daninhas ou híbridos simbióticos de ervas daninhas com cerais podem ser toleradas ou mesmo

plantadas. Inhames tóxicos podem ser cultivados para dissuadir ladrões de culturas. O gado mais pequeno, tal como o burro,

o caracol ou o rato gigante, podem ter um papel muito importante na vida económica das famílias rurais comuns. Eles não

têm, contudo, nenhum interesse significativo para as principais agências contributivas e a pesquisa está muitas vezes

confinada a indivíduos entusiastas. A primeira edição do livro Plantas Úteis da África Tropical Ocidental (1937) descreve

muitas espécies do domínio do cultivo; a bibliografia não foi alargada na sua quase totalidade. Alguns volumes mais antigos

do jornal de Botânica Económica têm, entre as suas páginas, culturas tropicais “prometedoras” cujas promessas nunca se

realizaram. Apesar dos textos encorajadores sobre gado não convencional (e.g. ANC, 1991), a quantidade de pesquisa

permanece pequena.

A opinião dos cépticos pode ser que as espécies não convencionais não são mais desenvolvidas porque elas são, de facto,

de valor limitado, i.e. elas não apresentam as características económicas apropriadas para se expandirem para a escala mais

larga do comércio internacional. Contudo, isto seria o ignorar de inúmeros factores que contribuem para a negligência destas

espécies: as dificuldades de manter o financiamento das pesquisas, a inacessibilidade das regiões onde estas espécies são

produzidas, o tradicionalismo culinário e nutricional e os interesses poderosos das grandes companhias veterinárias e de

sementes que desencorajaram activamente a manutenção da biodiversidade devido aos custos mais altos de servir um

mercado mais difuso.

Domesticação e cultivo

O processo de domesticação pode ser caracterizado como a adaptação do modo de ser de uma espécie às necessidades da

sociedade humana, um processo muitas vezes prejudicial às capacidades de sobrevivência da espécie no ambiente selvagem.

Para além do porco, as espécies principais de animais domesticados não têm parentes selvagens na Europa e na América e

os sistemas de criação modernos tendem a assegurar que a combinação de genes de tais parentes não e um factor de

variação significativo. Isto não costuma acontecer desta forma nas plantas pois, quando acontecem estas combinações de

genes de formas selvagens, elas são normalmente intencionais. Os geneticistas usam a hibridação com espécies selvagens

com o intuito de obter características económicas específicas em vez de a usarem para manter a diversidade inerente num

conjunto genético mais alargado.

As ovelhas, cabras, galinhas e porcos chegaram à Africa completamente domesticados e apesar das raças locais se terem

desenvolvido, não existe mais nenhuma interacção genética com os seus parentes selvagens. Contrastando, a domesticação

da fauna indígena Africana continua a ser um processo dinâmico, tanto em termos de inter-cruzamentos com as populações

selvagens como com a experimentação continuada com novas espécies. O burro foi domesticado quase certamente em África

Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis

9

e existem provas de inter-cruzamento com populações de asnos selvagens em tempos históricos. Com a eliminação provável

dos últimos asnos selvagens da Somália este processo chegou ao fim. Por outro lado, a pintada é parte da fauna das aves de

África que foi apenas parcialmente domesticada. Na África Central Ocidental, as galinhas-da-guiné são mantidas em

complexos fechados, são engordadas e têm pouca tendência para voarem embora, mas na África Oriental e do Sul elas ainda

são apanhadas em estado selvagem no mato.

O domar, por outro lado, implica a adaptação temporária das espécies selvagens às necessidades humanas sem alterar

a sua constituição genética. A evolução de um nicho social para animais de estimação pode ser uma antecipação à

domesticação, embora o prestígio possa estar ligado ao domar de animais selvagens e isso possa tornar o processo de domar

um fim em si mesmo. Os registos iconográficos do Antigo Egipto documentam uma capacidade extraordinária no controlo de

animais, especialmente as aves. No Norte de África os Romanos são mostrados a usar chitas treinadas para caçar enquanto

o domar de hienas é feito ao longo da África Muçulmana do Sahel, normalmente como um tipo de arte circense. O domar

também implica alguma selecção, porque muitas espécies animais revertem para padrões comportamentais selvagens

quando chegam à idade adulta. Provas da literatura etnográfica sugerem que a experimentação continua na África sub-

Sahariana, e existem “novos” domesticados, animais apanhados inicialmente no estado selvagem que “acabam” em

cativeiro, tais como, o rato gigante (Cricetomys), o grasscutter (Thryonomys) e o Caracol Terrestre Africano (Achatina), que são

agora reproduzidos selectivamente em cativeiro.

Um processo comparável ocorreu com muitas plantas que eram cultivadas antes de serem domesticadas. O cultivo é

definido aqui como a alteração da sua localização ou hábitos de crescimento de forma a torná-las mais úteis para os seres

humanos de alguma forma. A maneira mais simples é a transplantação. Os inhames da floresta são arrancados pela raiz e

replantados perto da propriedade. As sementes das árvores de fruta tais como a Canarium schweinfurthii são largadas perto

do complexo e protegidas do fogo. Os grãos de cereais são colhidos do mato e espalhados para que possam ser recolhidos

mais facilmente no ano seguinte. As palmeiras (tal como a palmeira-dum, Hyphaene thebaica) são escovadas para as folhas

serem ceifadas anualmente. Apesar de se assumir que estes processos eram mais comuns no passado, quando as

densidades populacionais humanas eram mais baixas, eles continuam hoje, como mostram as descrições do “pseudo-

cultivo” da Paspalum scrobiculatum na Guiné.

O número de plantas indígenas Africanas domesticadas é muito maior do que os animais e em, muitos casos, a sua

taxonomia exacta permanece um problema. Géneros importantes, como a Discoreaceae, de onde provêm as muitas espécies

de inhames comerciais, permanecem confusos em parte por causa da interacção contínua com espécies selvagens.

A tabela 1 dá alguns exemplos dos animais e plantas Africanos que têm sido cultivados ou domados em oposição àqueles

verdadeiramente domesticados.

Tabela 1. Cultivo versus domesticação: alguns exemplos Africanos

Cultivatos/Domados Domesticados

Plantas Discorea praehensilis, inhame aéreo Sorgo, milho-miúdo, finger-millet, Tef, Arroz Africano,

(Dioscorea bulbifera), Futa Jalon fonio Ervilhas, nozes Bambara, Inhame da Guiné,

(Brachiaria deflexa var. sativa), batata Hausa (Solenostemon rotundifolius),

koko vine (Gnetum bucholzianum), rizga (Plectranthus esculentus), palmeira

Aiélé (Canarium schweinfurthii),

Polygala butyracea

Animais Pintada, pato-ferrão, Gado bovino, burros, pombos, pintadas

rato gigante (Cricetomys), Grasscutter

(Thryonomys), Caracol Terrestre (Achatina),

Tartaruga marinha (Chelonia mydas), abelhas

N.B. Quando anotados, os nomes em Português são dados, mas muitos destes são locais e não muito conhecidos; o nome científicoé dado por esse motivo

Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis

10

Espécies, raças rústicas e raças

O argumento relacionado com as espécies menores também pode ser estendido aos cultivadores e criadores de espécies

económicas principais. Muitas das maiores cultigenes económicas mundiais têm regiões de alta diversidade genética, muitas

vezes perto do local onde foram domesticadas em primeiro lugar. Esta agrobiodiversidade tem sido, muitas vezes, conservada

de forma acidental, simplesmente porque os pequenos agricultores permanecem na periferia da agricultura que necessita de

alta utilização de materiais. A diversidade de batatas nos Andes ou de espécies semelhantes a gado bovino no Sudeste da

Ásia são casos apropriados. Criadores de plantas e animais reconhecem isto de forma crescente e tratam frequentemente

áreas de agrobiodiversidade conservada como um recurso genético livre.

A batalha intelectual para conservar esta diversidade é agora ganha amplamente no caso de espécies principais,

simplesmente por causa da importância das espécies titulares. Isto não significa que os métodos apropriados para conservar

as raças não melhoradas in situ tenham sido desenvolvidos ou que o recurso criado pelas estratégias locais de conservação

é recompensado justamente. Mas a conservação das raças locais não pode mais ser descrita simplesmente como sendo

contra o problema mais alargado da conservação das espécies menores.

Entre selvagens e domésticas: uma fronteira dinâmica

Os especialistas do desenvolvimento, cientistas de postos de pesquisa e antropólogos têm um investimento substancial na

distinção entre o selvagem e o doméstico. Conjuntos de domesticados bem estabelecidos permitem as especializações de

pesquisa, projectos e diagramas de dicotomias favorecidos por este tipo de literatura. Plantas ou animais que são

domesticados em algumas localizações e não outros, e a gestão de plantas ou animais selvagens levam a categorias vagas e

não levam a distinções bem estruturada na ciência genética. Por este motivo, as espécies que passam do mato para a quinta,

tal como o fonio, Digitaria exilis, tendem a ser negligenciadas. Onde plantas criadas formam ervas daninhas híbridas com as

suas parentes selvagens, tal como no caso do milho-miúdo Africano Ocidental, são feitos esforços consideráveis para eliminar

estas plantas não desejadas.

Na realidade, esta fronteira dinâmica está embutida na agricultura e nos sistemas pastorícios em todo o mundo e a sua

fluidez é uma resposta a mudanças nas condições ambientais e económicas. A Tabela 2 descreve algumas espécies de plantas

e animais que ilustram a domesticação variável de acordo com a geografia e onde os géneros “domésticos” estão sujeitos

constantemente ao cruzamento com parentes “selvagens”.

Ervas Daninhas Toleradas

As ervas daninhas têm tido, de forma geral, uma má publicidade na literatura profissional. Harlan e de Wet (1965), que

recolheram depoimentos acerca de ervas daninhas, contrastam aqueles de agrónomos profissionais (“plantas

detestáveis conhecidas com ervas daninhas”, “uma moléstia”) com os de amadores entusiastas (“uma planta cujas

virtudes ainda não foram descobertas”, “ervas daninhas…condenadas sem um julgamento justo”). As ervas daninhas

colonizam tipicamente habitats perturbados e os terrenos cultivados representam um caso especial desses habitats. A

Tabela 2. Entre o selvagem e o doméstico: alguns exemplos

Plantas Bolbos: Dioscorea bulbífera, D. dumetorum, D. sansibarensis

Cereais: Brachiaria deflexa, Paspalum scrobiculatum var. polystachyum,

Oryza glaberrima

Caniços: Cyperus esculentus (juncinha)Pulses: Macrotyloma geocarpa, Psophocarpus tetragonolobus,

Sphenostylis stenocarpa

Hortaliças: Portulaca oleracea, Bidens pilosa, Amaranthus hybridus

Árvores: Tamarindo, Palmeira-andim, Moringa oleifera, Alfarrobeira

Animais Burro, camelo do Turquestão, pintada, avestruz, elefante, gansos Chinês e Europeu, rena,iaque, camelo do Turquestão, vicunha

Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis

11

pesquisa recente sugere que as culturas principais de rendimento evoluíram conjuntamente com as ervas daninhas e

estas últimas são mantidas em sistemas agrícolas não intensivos e colhidas para a alimentação ou outros usos. Tais

ervas daninhas foram renomeadas “culturas companheiras” ou “anecófitas” para reflectir esta mudança no status. Os

sistemas agrícolas Africanos incluem muitas destas espécies, especialmente hortaliças de folhas verdes e estas têm uma

contribuição importante para a dieta.

Tem-se argumentado que algumas espécies de animais preenchem um nicho correspondente em relação à sociedade

humana. Os ratos, pombos, pardais e coelhos (nas Antípodas) têm sido avançados como candidatos a este respeito. A

analogia não é precisa porque, destes, quase todos são considerados pragas. Contudo, o rato doméstico Europeu só se

começou a espalhar em África subsequentemente ao contacto com a Europa e em algumas regiões a sua existência é

encorajada através do deixar de restos para que esteja disponível como uma reserva alimentar de emergência.

Será que importa?

Podia ser discutido que, uma vez que estas várias espécies menores foram atiradas fora do comboio expresso da história,

estas não possuíam os atributos biológicos necessários para entrarem no sistema económico mundial. Por outras

palavras, a sua importância limitada é justificada. A história da domesticação pode ser usada para mostrar que as

espécies que não se conformam com os nichos sociais e técnicos disponíveis no seu período são eliminadas. Este

Darwinismo ecológico domina rudemente o processo actual de domesticação de culturas. Uma cultura da maior

importância mundial tal como o milho dependeu nas gerações de Americanos da América Central desconhecidos que

trabalharam o teosinte não promissor. Desta perspectiva a falha de tais espécies em produzir retornos dentro de um ciclo

de pesquisa curto seriam uma razão suficiente para as rejeitar.

Isto cria uma auto-realização de profecias; uma vez que certas espécies de culturas/gado são definidas como

“menores”, as estatísticas sobre a sua prevalência não são recolhidas ou têm um valor duvidoso. Esta ausência de dados,

torna-se então, uma razão para condenar pesquisas futuras. Outro desencorajamento pode ser no trabalho; descrever os

reportórios das culturas em detalhe envolve listas longas de nomes científicos com nenhuns equivalentes Ingleses fáceis

de lembrar e falta de referências em livros de texto rapidamente disponíveis. Os trabalhadores de desenvolvimento

prático podem muitas vezes ser levados a dispensar este tipo de pesquisa por ser uma espécie de trabalho de antiquário.

Apesar de tudo, a investigação em África demonstrou que as culturas “menores” desempenham muitas vezes um

papel essencial na nutrição familiar. Os estudos reportados em Schippers e Budd (1997) indicaram, por exemplo, que no

Sudoeste dos Camarões as hortaliças indígenas constituem até 50% do consumo familiar de vegetais, e que até agora

ainda não existe a tendência para serem substituídas por espécies exóticas. Um exercício de classificação para comparar

o papel dos vegetais indígenas na economia de cinco países Africanos identificou vários de importância regional

considerável que são tão pouco conhecidos que não têm nenhum nome Inglês comum.

De forma semelhante, embora menos reconhecido, está o problema dos governos Africanos, mesmo aqueles

focalizados explicitamente na luta contra a pobreza, não estão dispostos a promover espécies vistas como “retrógradas”

ou que aparentam projectar uma imagem que “não é moderna”. Críticas recentes de um relatório na utilização de burros

em áreas pobres da África do Sul pelos funcionários do ANC, sugere que nem todos os valores do governo precedente

foram sumariamente dispensados. De forma similar, a prática de comer animais domésticos e de trabalho no fim da sua

vida útil, como é comum com cães e burros, é muitas vezes categorizado como sendo repugnante à luz dos valores

“modernos”.

Argumentos para a promoção de espécies e raças menores

O argumento mais forte para a promoção de espécies menores é simplesmente de que uma vez que as pessoas

continuam a usá-las, isto constitui um reconhecimento suficiente do seu valor para sugerir que as prioridades de

pesquisa sejam reorientadas. Contudo, um caso mais pró activo pode ser feito em termos tanto da segurança alimentar

como da economia.

As culturas menores estão fortemente associadas com ambientes marginais: regiões onde o calor extremo, solos

pobres e problemas de acesso tornam a produção em grande escala de culturas e gado mundiais não económicas. Estas

desempenham um papel desproporcionalmente grande nos sistemas de segurança alimentar; plantas que cresçam em

Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis

12

solos inférteis ou desgastados e gado que come vegetação degradada são muitas vezes cruciais para as estratégias de

nutrição familiares. Estes necessitam normalmente de cuidados e trabalhos reduzidos e são resistentes às doenças ao

mesmo tempo que fornecem uma diversidade nutricional. Isto é especialmente importante em regiões onde a

dependência crescente em cereais comprados tal como o milho podem levar a doenças de deficiências de vitaminas.

Ao mesmo tempo, as espécies menores são importantes para a manutenção da agrobiodiversidade. Os sistemas

agrícolas tradicionais combinam os jardins caseiros com a combinação sequencial de plantas anuais e permanentes com

as culturas arbóreas. Estudos em Java Ocidental encontraram mais de 230 espécies de plantas incluídas no sistema

global de culturas (Christanty et al., 1986). Além disso estes sistemas incluem gado, aquacultura e insectos passíveis de

serem apanhados e descobriu-se que encorajam uma maior diversidade de espécies de pássaros do que nas regiões de

monoculturas (por exemplo, arroz com casca).

Outro argumento estritamente económico para se dar uma maior atenção a espécies menores é o de que as pessoas

pobres têm uma vantagem comparativa na sua produção. Há medida que a produção mundial de culturas e gado

principais se torna mais de alta tecnologia, os preços à saída da quinta não acompanham com o preço dos materiais e

serviços usados pelos pequenos proprietários (McNeely, 1995 e referências nele contidas). O sistema mundial reduz

constantemente a sua capacidade de competir como indivíduos, embora possam encontrar trabalho pago em empresas

agro-industriais. Eles podem competir, contudo, ao produzir culturas e gado para consumidores especializados, tanto

através do comércio ético como do mercado dos produtos exóticos. Esta descoberta não está limitada ao mundo em

desenvolvimento; os agricultores na Europa e na América estão a virar-se de forma crescente para os alimentos

especializados, como demonstra a recente difusão de avestruzes e quinoas. As espécies menores podem também ajudar

os agricultores pobres a dispersar o risco e diversificar os seus produtos contra as flutuações nas culturas de rendimento

principais.

Sumário

Pesquisas recentes sobre os reportórios tanto de culturas como de animais sugere que existe uma lacuna importante

entre as prioridades de desenvolvimento de agências de pesquisa e a forma como os pequenos agricultores, quer na

África como no resto do mundo, tratam tais espécies. Os aspectos mais importantes referentes a isto são:

≠ Os agricultores usam um leque mais largo de culturas e espécies do que as que estão enumeradas normalmente

nos livros de texto.

≠ Eles fazem experiências regulares com “novas” espécies.

≠ As culturas e o gado entram e saem da domesticação, um processo que não deve ser conceptualizado como

sendo unidireccional.

Culturas maravilha e raças mágicas

Um aspecto contraditório do desenvolvimento agrícola que dificilmente parece mudar é a forma como se

desenvolvem rápidas ondas de entusiasmo para culturas maravilha e raças de gado mágicas. A produtividade de

algumas árvores, culturas ou animais é vista como dando vantagens espetaculares comparadas com as espécies

indígenas. O Eucalipto, a Gmelina, a Leucaena, a vetiver-da-índia e raças de gado exóticas, todas apareceram e

desapareceram, nenhuma das quais tendo uma fracção do sucesso que era esperado delas. Que tais entidades

devam existir parece contrário à ecologia agrícola, que sugere que as colheitas demasiado dominantes (no sentido

da promoção das monoculturas) vão despoletar um interesse aumentado por parte dos parasitas e doenças. Mas

tais entusiasmos não são realmente induzidos tecnicamente, mas reflectem, em vez disso, as políticas internas de

agências de desenvolvimento, que estão sobre pressão constante para arranjarem soluções até ao próximo

relatório anual. Os agricultores são normalmente demasiado sensíveis para arrancar pela raiz as culturas

existentes em favor de qualquer panaceia na moda, plantando somente o necessário para testá-las, de um ponto

de vista céptico, para assegurar que os fundos continuam a fluir dos visitantes que desenvolvem. Maiores danos

são feitos provavelmente pelo encorajamento da adopção de raças de gado exóticas. Apesar de serem

impressionantes inicialmente, os animais acabam por ter custos veterinários inaceitáveis ou por morrer, levando às

vezes toda a manada/rebanho com eles.

Espécies negligenciadas, meios de subsistência e biodiversidade em áreas difíceis

13

≠ As espécies podem permanecer domadas ou cultivadas durante milénios até a domesticação se tornar

apropriada.

≠ A pesquisa foca-se quase inteiramente em espécies de interesse para os doadores Ocidentais e promove uma

visão da agricultura que é muito menos flexível e reactiva do que os sistema existente de pequenos agricultores.

≠ As culturas e o gado exóticos são promovidos grandemente como tendo vantagens de produção significativas

sobre as espécies existentes, mas quando adaptadas de forma inadequada, têm quase sempre custos elevados

a longo prazo e podem empobrecer os pequenos proprietários.

Uma consequência desta situação é a de que muito frequentemente os promotores principais das espécies

negligenciadas são entusiastas individuais ou amadores e isto muitas vezes actua como um dissuasor futuro para as

agências principais.

As espécies negligenciadas são encontradas quase sempre em áreas difíceis que abrangem solos pobres, chuva

irregular, topografia montanhosa e vegetação degradada. Grandes proporções dos pobres vivem nestas áreas, e as

espécies negligenciadas são muitas vezes as únicas que são capazes de aguentar estas condições e, desta forma,

contribuem para os seus meios de vida. Existe um sentido em que a redução nos sistemas diversificados representa uma

versão da “tragédia dos comuns” escrita de forma vasta. Nos sistemas de gestão de recursos da biodiversidade as

comunidades gerem os conjuntos de recursos privados e comuns de uma forma integrada ao longo de grandes períodos

de tempo. Os sistemas de espécies únicas de altos requerimentos materiais e de serviços podem produzir mais por

unidade de área para um mercado definido num período de tempo mais curto e é, portanto, normalmente no interesse

dos indivíduos de os produzirem. Mas ao fazê-lo, eles podem enfraquecer os sistemas de gestão conjuntos ao retirarem-

lhes, ou pior, ao procurar a privatização de parte dos recursos.

Referências

Blench, R.M. (in press) “Minor livestock species in Africa.” In: Blench, R.M. and MacDonald, K.C. (eds), The origin and development

of African livestock. London: University College Press.

Christanty, L., Abdoellah, O.S., Marten, G.G. and Iskandar, J. (1986) “Traditional agroforestry in West Java: the Perangkan

(Homegarden) and the kebun-Talun (Annual-perennial rotation) cropping systems.” In Marten, G.G. (ed.) Traditional agriculture in

Southeast Asia: a human ecology perspective. 132-158. Boulder and London: Westview Press.

Chupin, D. (ed.) (1995) “Rearing unconventional livestock species: a flourishing activity.” World Animal Review [Special Issue],83(2). Rome: Food and Agriculture Organisation of the United Nations.

Harlan, J.R. and de Wet, J.M.J. (1965) “Some thoughts about weeds.” Economic Botany, 19(1):16-24.

McNeely, J.A. (1995) “How traditional agro-ecosystems can contribute to conserving biodiversity.” In Halladay, P. and Gilmour, D.A.(eds) Conserving biodiversity outside protected areas. pp.20-40. Gland and Cambridge: IUCN.

NAS. (1991) Microlivestock: little-known small animals with a promising economic future. Washington: National Academy Press.

NAS. (1996) Lost crops of Africa. Volume I: Grains. Washington: National Academy Press.

Schippers, R. and Budd, L. (1997) African indigenous vegetables. Kenya and Chatham: IPGRI and NRI.

As Perspectivas dos Recursos Naturais apresentam informação acessível em assuntos de desenvolvimento importantes. Os leitores sãoencorajados a citá-los para os seus próprios propósitos ou a duplicá-los para colegas mas, como detentor do copyright, a ODI solicita oreconhecimento devido. O Editor recebe com prazer comentários dos leitores sobre estas séries.

Editor Administrativo: Alison SaxbyEditor de Série: John FarringtonISSN: 1356-9228Copyright: Instituto de Desenvolvimento Ultramarino (Overseas Development Institute) 1997Overseas Development InstitutePortland House. Stag PlaceLondon SW1E 5DP, UK Telephone +44 (0)171 393 1600Fax +44 (0)171 393 1699Email: [email protected]

FAO (1999)

15

Através do seu trabalho diário, as mulheres rurais acumularam conhecimento profundo sobre os seus ecossistemas, incluindo

a gestão das pragas, a conservação do solo e o desenvolvimento e uso dos recursos genéticos de plantas e animais.

Estima-se que até 90% do material de plantação usado pelos agricultores pobres deriva de sementes e plasma germinativo

que estes produzem, seleccionam e guardam. Isto significa que os pequenos agricultores desempenham um papel crucial na

preservação e gestão dos recursos genéticos de plantas e da biodiversidade.

Na agricultura dos pequenos agricultores, as agricultoras são grandemente responsáveis pela selecção, melhoramento e

adaptação de variedades de plantas. Em muitas regiões, as mulheres também são responsáveis pela gestão de pequeno

gado, incluindo a sua reprodução. As mulheres têm muitas vezes um conhecimento especializado mais elevado das plantas

silvestres usadas para alimentação, forragem e para a medicina do que os homens.

PERFIL GERAL

As mulheres rurais dos países em desenvolvimento detêm uma chave para o futuro dos sistemas agrícolas da terra e para a

segurança alimentar e dos meios de vida. Elas são responsáveis pela selecção das sementes, gestão do pequeno gado e pela

conservação e uso sustentável da diversidade animal e vegetal. Os papéis das mulheres rurais como fornecedoras de

alimentos e produtoras de alimentos ligam-nas directamente à conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos

para a alimentação e agricultura. Séculos de experiência prática deram às mulheres um papel único na tomada de decisão e

conhecimento acerca de culturas locais e gestão de animais de quinta, ecossistemas e seu uso.

As comunidades agrícolas mais pobres são aquelas que vivem em ambientes marginais e heterogéneos que beneficiaram

menos de variedades de plantas de alto rendimento. Pelo menos 90% das culturas criadas por agricultores pobres vêm de

sementes e material de plantação que eles seleccionaram e armazenaram por si próprios.

Estes agricultores de subsistência não podem pagar materiais externos tais como fertilizantes e pesticidas, produtos

veterinários, forragens de alta qualidade e combustíveis fósseis para cozinhar e para o aquecimento. Eles dependem da

manutenção de um grande leque de variedades de plantas e animais adaptadas ao ambiente local. Desta forma, eles são

capazes de se proteger contra o falhanço de culturas e perdas de animais, para providenciar um abastecimento contínuo e

variado de alimentos, e afastar a fome e a má nutrição. Em muitas áreas, a maioria dos pequenos agricultores é mulher.

POLÍTICAS, ACORDOS E APOIO QUE RESPONDEM AO GÉNERO

Políticas internacionais importantes e acordos legais reconhecem o papel central que as mulheres desempenham,

especialmente no mundo em desenvolvimento, na gestão e uso dos recursos biológicos. Apesar deste reconhecimento

crescente ao nível internacional, tem sido feito pouco para clarificar a natureza das relações entre a diversidade agrobiológica

MULHERES – Utilizadoras, preservadoras e gestorasda agrobiodiversidade

Algumas tendências e números relacionados com a agrobiodiversidade≠ 30 porcento dos recursos genéticos animais na fase de reprodução estão categorizados como de alto risco de

perda.

≠ Das 250000 a 300000 espécies de plantas conhecidas, 4 porcento são comestíveis, mas apenas 15 a 200 são

usadas por humanos.

≠ Três espécies de plantas (arroz, milho e trigo) contribuem com quase 60 porcento das Calorias e proteínas que

os humanos retiram das plantas.

≠ Os pobres rurais dependem dos recursos biológicos para uns estimados 90 porcento das suas necessidades.

Mulheres – Utilizadoras, preservadoras e gestoras da agrobiodiversidade

16

e as actividades, responsabilidades e direitos de homens e mulheres. Os papéis chave das mulheres, responsabilidades e

conhecimento profundo de plantas e animais permanecem, muitas vezes, “invisíveis” aos olhos dos técnicos que trabalham

nos sectores agrícolas, florestais e ambientais, e também aos olhos dos planeadores e legisladores.

A falta de reconhecimento aos níveis técnico e institucional significa que não é dada a atenção necessária aos

interesses e exigências das mulheres. Para além disso, o envolvimento das mulheres em esforços formais para conservar

a biodiversidade é modesto por causa das barreiras culturais frequentes à participação das mulheres nas arenas de

tomada de decisão a todos os níveis.

A pesquisa e desenvolvimento modernos e a criação de plantas centralizada tem ignorado, e em alguns casos,

minado as capacidades das comunidades agrícolas locais para modificarem e melhorarem as variedades de plantas. Com

a introdução das tecnologias e práticas agrícolas modernas, as mulheres perderam influência e controlo substancial

sobre a produção e acesso aos recursos, enquanto que os homens beneficiam frequentemente dos serviços de extensão

e têm a capacidade de comprar sementes, fertilizantes e as tecnologias necessárias.

Dando o reconhecimento devido

Tanto a Convenção sobre Diversidade Biológica (UNEP, 1993) como o Plano Global de Acção da FAO para a Conservação

e Utilização dos Recursos Genéticos de Plantas para a Alimentação e Agricultura (1996) reconhecem o papel

desempenhado por gerações de agricultores e agricultoras, e por comunidades indígenas e locais, na conservação e

melhoramento dos recursos genéticos de plantas. Estes declaram a necessidade das mulheres participarem totalmente

nos programas de conservação e a todos os níveis da elaboração de políticas.

Dois objectivos chave do Capítulo 24 da Agenda 21 (UNCED, 1992) são a promoção”dos métodos tradicionais e o

conhecimento das populações indígenas e das suas comunidades, enfatizando o papel particular das mulheres, relevante

para a conservação da diversidade biológica e o uso sustentável dos recursos biológicos” e o assegurar “da participação

desses grupos nos benefícios económicos e comerciais derivados do uso de tais métodos e conhecimentos tradicionais”.

OS HOMENS E AS MULHERES DETÊM DIFERENTES CONJUNTOS DE CONHECIMENTOS

Através das suas diferentes actividades e práticas de gestão, os homens e as mulheres desenvolvem muitas vezes

experiências e conhecimentos diferentes sobre o ambiente local, espécies de plantas e animais e dos seus produtos e

usos. Estes sistemas de conhecimento local diferenciados por género desempenham um papel decisivo na conservação,

gestão e melhoramento in situ dos recursos genéticos para a alimentação e agricultura. É claro que a decisão acerca do

que conservar depende do conhecimento e percepção do que é mais útil para família e para a comunidade local.

O conhecimento especializado das mulheres e dos homens do valor e uso diverso de espécies e variedades de

culturas domesticadas estende-se a plantas selvagens que são usadas como comida em tempos de necessidade ou

como medicamentos e fontes de rendimentos. Este conhecimento local é altamente sofisticado e é partilhado e

transmitido tradicionalmente entre gerações. Através da experiência, inovação e experimentação, as práticas

sustentáveis são desenvolvidas para proteger o solo, a água, a vegetação natural e a diversidade biológica. Isto tem

implicações importantes para a conservação dos recursos genéticos de plantas.

OS “CIENTISTAS” E DECISORES NA SELECÇÃO E MELHORAMENTO DE VARIEDADES DE

PLANTAS E RAÇAS ANIMAIS

Na pequena agricultura, as agricultoras têm sido largamente responsáveis pela selecção, melhoramento e adaptação de

variedades de plantas. A selecção de variedades é um processo complexo e multifacetado que depende na escolha de

certas características desejáveis (por exemplo, resistência a pragas e doenças; adaptabilidade ao solo e ao clima;

qualidades nutricionais, de sabor e de cozinha e propriedades de processamento e de armazenamento).

Em muitas regiões, as mulheres também são responsáveis pela gestão e reprodução de pequeno gado. De novo, a

escolha de traços preferidos para reprodução é ditado pela adaptação de algumas raças às condições locais, resistência

às doenças e tipo de pasto disponível.

Mulheres – Utilizadoras, preservadoras e gestoras da agrobiodiversidade

17

O facto de que as plantas e animais são frequentemente produzidos para uma variedade de propósitos, complica

ainda mais o processo de selecção pois são procuradas muitas características.

Por exemplo, o sorgo pode ser cultivado pelo seu grão e caule, a batata-doce pelas suas folhas e raiz, e as ovelhas

podem fornecer leite, lã e carne. Mais ainda, para criar um micro ambiente favorável e para melhor gerir o espaço e o

tempo, várias espécies de plantas que se complementam são frequentemente cultivadas em conjunto e é praticada

frequentemente a agricultura mista (culturas, gado e agro-sivicultura).

O reconhecimento deste processo sofisticado de tomada de decisão está a levar gradualmente a que os criadores e

investigadores se apercebam que uma comunidade irá adoptar e seleccionar sementes novas e melhoradas para culturas

alimentares e raças animais, se eles tiverem sido testados e aprovados por agricultores e agricultoras

No estado de Andhra Pradesh na Índia, as agricultoras individuais e os sanghams (cooperativas de mulheres)

ajudaram entomologistas do Instituto Internacional de Pesquisa de Culturas (ICRISAT) a desenvolverem um programa de

ervilhas de Angola bem sucedido para desenvolver linhagens resistentes às pragas. Os investigadores examinaram as

variedades tradicionais de ervilhas das mulheres e ofereceram vários tipos que eram resistentes ao principal inimigo, o

destruidor de vagens, e chegaram mais perto das preferências para sementes dos agricultores. As mulheres avaliaram a

sua performance não só em termos de rendimento, mas também com base em dez critérios diferentes, incluindo a

produção de folhas, danos do destruidor de vagens, sabor, biomassa de madeira, qualidade, preço de mercado e

armazenamento. Três das quatro linhagens melhoradas foram avaliadas como sendo superiores às suas variedades

locais e foram, então, cultivadas com as suas próprias ervilhas, que elas manteram por causa do seu sabor superior. Mais

ainda, uma mistura de variedades foi mantida para reduzir o ataque de pragas.

DIREITOS DOS AGRICULTORES

Através das suas actividades diárias, as mulheres experientes e conhecedoras têm um grande papel na protecção da

diversidade biológica. Contudo, ao nível nacional e local as mulheres rurais ainda estão restringidas por uma falta de

direitos aos recursos de que elas dependem para satisfazer as suas necessidades. De forma geral, os seus direitos de

acesso a, e controlo sobre, os recursos locais e políticas nacionais não se compara às suas responsabilidades crescentes

para a produção alimentar e gestão de recursos naturais.

Dado que o conhecimento, capacidades e práticas dos homens e mulheres contribuem para a conservação,

desenvolvimento, melhoramento e gestão dos recursos genéticos de plantas, as suas diferentes contribuições devem ser

reconhecidas e respeitadas como direitos dos agricultores. Estes são “direitos que surgem das contribuições passadas,

presentes e futuras dos agricultores na conservação, melhoramento e disponibilização dos recursos genéticos de

plantas, particularmente aqueles nos centros de origem/diversidade”. O propósito destes direitos é o de “assegurar

benefícios completos aos agricultores e apoiar a continuação das suas contribuições” (FAO, 1989).

O conceito dos direitos dos agricultores foi desenvolvido para contrabalançar os direitos de propriedade intelectual

(IPR) “formais”. Estes mecanismos formais de reconhecimento dão pouca consideração ao facto de que, em muitos

casos, tais inovações são apenas o passo mais recente num processo longo de invenções que foram desenvolvidas ao

longo de milénios por gerações de agricultores, particularmente mulheres, em todo o mundo.

COMO ABORDAR O GÉNERO E A AGROBIODIVERSIDADE

Uma estratégia a longo termo para a conservação, utilização, melhoramento e gestão da diversidade dos recursos

genéticos para a alimentação e agricultura requer:

≠ O reconhecimento de que existem diferenças baseadas no género nos papeis, responsabilidades e

contribuições dos diferentes grupos sócio-económicos nas comunidades agrícolas.

≠ O reconhecimento do valor do conhecimento, das capacidades e das práticas dos homens e mulheres e do seu

direito a beneficiar dos frutos do seu trabalho.

≠ Políticas agrícolas sólidas e equitativas para providenciar incentivos para o uso sustentável de recursos

genéticos, especialmente através de conservação in situ e ligações melhoradas com a conservação ex situ.

Mulheres – Utilizadoras, preservadoras e gestoras da agrobiodiversidade

18

≠ Legislação nacional apropriada para proteger re cursos genéticos “ameaçados” para a alimentação e

agricultura, garantir o seu uso e gestão contínuos pelas comunidades locais, populações indígenas, homens e

mulheres e assegurar a partilha justa e equitativa dos benefícios derivados do seu uso.

≠ Melhoramento do acesso das agricultoras aos recursos de terra e água, à educação, à extensão, à formação, ao

crédito e às tecnologias apropriadas.

≠ Participação das mulheres, como parceiras, tomadoras de decisões e beneficiárias.

O desafio para as gerações futuras é o de salvaguardar a agrobiodiversidade protegendo e promovendo a diversidade

encontrada nos sistemas agrícolas integrados, que são muitas vezes geridos por mulheres. A manutenção da diversidade

de plantas e animais vai proteger a capacidade dos agricultores e agricultoras de responder às condições em mudança,

aliviar o risco e manter e melhorar a produção de culturas e de gado, a produtividade e a agricultura sustentável.

Bibliografia

Balakrishnan, R. 1997. Gender and biodiversity. Paper presented at the FARM Programme Regional Trainingcum-workshop onApplication of Biotechnologies to Rainfed Farming Systems, including Bio-indexing Participatory Approach at CommunityLevel.

Bunning, S. & Hill, C. 1996. Farmers’ rights in the conservation and use of plant genetic resources. A gender perspective. Paperpresented at a seminar during the second Extraordinary Session of the FAO Commission on Genetic Resources for Food andAgriculture. Rome.

FAO. 1989. Conference resolution 5/89. 25th Session of the FAO Conference, Rome, 11-29 November.

FAO. 1993. World Watch list for domestic animal diversity, 1st edition. Loftus, R. and Scherf, B., eds. Rome.

FAO. 1996a. Global Plan of Action for the Conservation and Sustainable Utilization of Plant genetic Resources for Food and

Agriculture and The Leipzig Declaration. Rome.

FAO. 1996b. Fact sheet: Women – users, preservers and managers of agrobiodiversity. First version. Rome, SDWW.

FAO. 1996c. Harvesting nature’s diversity. Rome.

IBPGR. 1991. Geneflow. A publication about the earth’s plant genetic resources. Rome, International Board for Plant GeneticResources.

UNCED. 1992. Agenda 21. United Nations Conference on Environment and Development, Rio de Janeiro, June 1992.

UNEP. 1993. Convention on Biological Diversity. Nairobi.I/X2560E/1/9.99/2000

Glossário

Conservação ex situ: Literalmente, “fora do lugar”; não no ambiente original ou natural, e.g. semente armazenada num bancode genesBanco de genes: Instalação onde o plasma germinativo é armazenado na forma de sementes, pólen ou cultura de tecidos.Conservação in situ: Literalmente, “no local original (da planta) ”.

Para mais informação por favor contactar:

Serviço de Género e Desenvolvimento

Divisão do Género e População

Departamento de Desenvolvimento Sustentável

Serviço de ambiente e de recursos naturais

Divisão de investigação, extensão e formação

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e AgriculturaViale delle Terme di Caracalla, 00100 Roma, Itáliaou visite os sítios de Internet da FAO em: www.fao.org/gender ou www.fao.org/sd

Nitya Ghotge e Sagari Ramdas (2003)

19

Ao longo dos anos, muitos tipos diferentes de animais (ex. cavalos, porcos, gado bovino, cabras, camelos, lamas,

alpacas, vicunhas , renas, etc.) foram domesticados em regiões diferentes do mundo por motivos diferentes. Estima-se

que a domesticação mais antiga de animais aconteceu à mais de 14.000 anos atrás. O primeiro anima a ser domesticado

foi o cão, essencialmente como um animal de companhia.

Algumas espécies animais viajaram dos seus locais originais de domesticação para outros sítios. Eles adaptaram-se

de uma forma bem sucedida às condições e necessidades das pessoas nesses locais. Exemplos disto são as vacas,

cavalos, ovelhas, cabras, aves domésticas, porcos, galinhas e patos. No caso de algumas espécies, acredita-se que

talvez, a domesticação tenha acontecido mais de que uma vez em diferentes localizações. Isto é o que se pensa do Bos

taurus (bovídeos sem bossa), que se acredita ter sido domesticado a partir dos Auroques na região circundante da

Turquia e teve outra fase de domesticação no Norte de África.

As populações dos desertos, por outro lado, domesticam camelos para propósitos de transporte. De forma

semelhante, os camelos fornecem leite, carne, pelo, peles e estrume. Para além disso, eles são símbolos de riqueza e

status, e podem ser trocados por outros bens.

Raças de Gado

As raças desenvolveram-se lentamente ao longo de um processo que durou milhares de anos. Isto aconteceu através de

um processo de selecção, que era tanto natural como motivado pelas necessidades humanas. Através do processo

natural, apenas aquelas espécies, que podiam resistir a uma zona agroecológica particular, é que sobreviviam. Por outro

lado, os humanos seleccionaram espécies cuidadosamente, baseados em características físicas e produtivas para irem

de encontro às suas necessidades e requisitos. Portanto, as necessidades de um agricultor nas pastagens frias das

Estepes da Rússia eram bastante diferentes das necessidades de um agricultor nas pastagens da Índia ou Paquistão.

Hoje em dia, existem cerca de 6.000 a 7.000 raças conhecidas de animais domesticados espalhadas por todo o mundo.

O processo cuidadoso de selecção de diferentes características é largamente responsável pela diferença em performance

e aparência da raça para com o seu progenitor selvagem, como também das outras raças da mesma espécie.

Sistemas de Meios de Vida baseados no Gado

Certos padrões distintos de agricultura do gado surgiram da região de domesticação, a necessidade para domesticação,

e as exigências específicas das comunidades locais.

Sistemas Pastorícios

Um grande número de animais foi domesticado nas pastagens da Ásia Ocidental e Central. Estas eram principalmente

espécies herbívoras que comiam erva (i.e., ovelhas, cabras, cavalos e camelos). Nestas áreas, a agricultura de culturas

era arriscada e estava repleta de incertezas enquanto o gado provou ser uma alternativa adequada. Os pastores mais

antigos de gado bovino, ovelhas e cabras eram muitas vezes migratórios. Eles conduziam os seus rebanhos de local para

local à procura de pasto. Quando a pressão sobre as pastagens se tornou excessiva, eles migravam à procura de pasto

fresco ou mudavam-se para novos territórios.

Gado e meios de vida

As raças seleccionadas por estes pastores eram essencialmente aquelas que podiam aguentar o stress

das migrações, secas e carências periódicas de alimentos e nutrientes.

Gado e meios de vida

20

Como as suas vidas e subsistência dependiam dos animais e do cuidar de animais, estes pastores mantiveram alguns

dos animais e raças ao longo de gerações. Mesmo hoje em dia, estima-se que 15% do gado bovino no mundo em

desenvolvimento são mantidos por pastores, especialmente nas zonas semi-áridas da África, Ásia Ocidental, Índia e

Paquistão.

Sistemas Baseados nas Florestas

As comunidades que viviam em áreas florestais domesticaram em primeiro lugar espécies de árvores. Nos trópicos, os

animais como os elefantes, os búfalos asiáticos, os porcos e as galinhas foram domesticados para alimentação, estrume,

tracção e desporto. Contudo, nem todas as espécies florestais selvagens eram adequadas para domesticação, e muitas

espécies estavam num estado de semi-domesticação. Estas reverteram para o seu estado selvagem quando os cuidados

humanos foram retirados.

Um exemplo é a raça de ovelhas Mithun que foi domesticada por comunidades que viviam nas regiões florestais do

Nordeste da Índia. A floresta impõe desafios únicos e apenas os animais que conseguem suportá-los podiam ser

domesticados de forma bem sucedida. Os desafios incluem a capacidade de suportar ataques por parte de predadores

naturais; aguentar carências de alimentos; e resistir a doenças. As ovelhas Mithun representam status, riqueza e servem

como capital e moeda de troca para as pessoas destas comunidades. Contudo, as Mithun não são mantidas, da mesma

forma intensiva como o gado bovino nas zonas desenvolvidas do mundo.

Sistemas de Criação de Gado Baseado em Culturas

Uma grande revolução em agricultura de gado aconteceu há milhares de ano quando a agricultura de culturas e a criação

de gado foram juntados em sistemas agrícolas mistos de culturas e gado. Nestes sistemas, os subprodutos da agricultura

(resíduos de culturas e palhas) eram usados para alimentar os animais. Em troca, os animais tinham que trabalhar. O seu

desperdício (estrume) era usado como fertilizante. Foi esta grande revolução que levou a excedentes de alimentos e

auxiliou as sociedades a ir além do nível da mera subsistência.

Muitos padrões interessantes de cuidados mistos de culturas e gado evoluíram nos diferentes países do mundo.

Estes padrões eram em resposta ao desenvolvimento, necessidades emergentes e ambientes em mudança. Através

deste processo desenvolveram-se muitas raças interessantes.

Sistemas Modernos de Criação de Animais

O gado evoluiu e migrou por todo o mundo. As raças de gado foram levadas para as pastagens das Américas e Austrália

onde a produção de gado se intensificou nos sistemas de rancho em lotes. O desenvolvimento dos caminhos-de-ferro,

sistemas de armazenamento no frio e navios refrigerados acelerou o desenvolvimento deste tipo de criação de gado, que

levou claramente a consequências sociais e ambientais indesejáveis (i.e., grandes extensões de floresta virgem foram

destruídas para criar áreas de pasto).

As preferências religiosas e tabus sociais também determinam a selecção de espécies e raças de animais.

Na Índia, as raças de gado bovino não são seleccionadas para carne pois existe uma proibição religiosa no

consumo de carne bovina. Por outro lado, estas mesmas raças (Ongole e a Krankrej ou Gujerat) são criadas

na Austrália e nas Américas por causa da sua carne em sistemas de rancho em lotes.

Gado e meios de vida

21

Sistemas Agrícolas Modernos

A intensificação da produção de gado tem contado com a uniformidade na composição genética do gado. Por exemplo,

quase todos os porcos criados nos sistemas agrícolas comerciais na Europa e América do Norte pertencem a duas ou três

raças. Noventa porcento de todo o gado bovino para produção de leite Norte-Americano e 60% de todo o gado bovino

Europeu pertencem a uma raça, a Holstein. Para além disso, estima-se que em 2015, a diversidade genética dentro desta

raça virá de apenas 66 animais individuais. A criação de aves domésticas em todo o mundo conta com um punhado de

companhias multinacionais que desenvolveram uma mão cheia de raças para o seu suprimento de stock.

A Necessidade de Biodiversidade Agrícola

Uma base genética limitada como a desenvolvida pelos sistemas agrícolas comerciais tem muitos perigos inerentes. Esta

base limitada seleccionada cuidadosamente por uma característica particular pode ser completamente desadequada

para os problemas emergentes do futuro. Estes incluem doenças e a procura crescente de produtos de gado diversos.

Por outro lado, uma base genética alargada torna possível levar a cabo a agricultura de gado produtivamente em diversas

condições.

A maior parte dos pobres do mundo vivem em áreas marginais onde não é possível gerir a criação de gado em

condições intensivas. O gado é criado para satisfazer um certo número de necessidades e exigências.

Os padrões de criação de gado estão entrelaçados complexamente num equilíbrio delicado com outros sistemas na

sua área. Espécies e raças específicas estão associadas e identificadas com a sua posição sócio-cultural na sociedade.

Mais, a introdução de um programa ou novas raças ou espécies de animais tende a desordenar o equilíbrio que evoluiu

lentamente ao longo de muitos anos.

A ampla diversidade genética leva a que estas pessoas continuem a viver uma vida de independência e dignidade

social, cultural e económica.

Referências

Groombridge, B. (ed.). 1992. Global Biodiversity: Status of the Earth’s Living Resources. Compiled by World ConservationMonitoring Centre. Chapman and Hall, London.

Sahai R. and R.K. Vijh (eds). 2000. Domestic Animal Diversity Conservation and Sustainable Development, SI Publications,Karnal (Haryana) 132001, India.

Scherf, B. (ed) 2000. World Watchlist for Domestic Animal

Diversity, 3rd edition, FAO, Rome, Italy.

Livro de Base produzido pela CIP-UPWARD

Em parceria com o GTZ GmbH, IDRC do Canadá, IPGRI e SEARICE

Contribuído por: Nitya Ghotge e Sagari Ramdas

(Email: [email protected])

GRAIN (2004)

23

Muitos de nós têm de lutar com palavras e conceitos que são usados como se tivessem um significado simples e singular,

enquanto na realidade escondem preconceitos e visões do mundo muito específicas. De forma não surpreendente, são

normalmente enviesados em direcção às visões do mundo daqueles no poder. Têm havido também palavras e conceitos

bem-intencionados aquando da sua criação que têm sido corrompidos ao longo do tempo através do uso inapropriado,

adquirindo dessa forma conotações e implicações mais complicadas. Quando usamos estas palavras, ficamos presos,

sem vontade mas sem capacidade de evitá-lo, em sistemas políticos e filosóficos que bloqueiam a nossa capacidade de

desafiar o poder que apoia esses pontos de vista.

Nas páginas seguintes, o GRAIN adopta um ponto de vista crítico para com alguns conceitos chave relacionados com

o conhecimento, biodiversidade e direitos de propriedade intelectual. Muitas destas palavras e frases parecem ser

inocentes à primeira vista, mas com uma examinação mais profunda, podemos ver como elas foram deturpadas,

manipuladas, usurpadas, desvalorizadas e/ou desnaturadas. Algumas são usadas para nos constranger e nos forçar a

pensar de uma forma particular, e outras são usadas contra nós. Isto não é um exercício com o objectivo de nos levar a

tirar conclusões finais, mas um convite a analisar algumas definições e começar a procura por nova terminologia e formas

de pensar que podem ajudar a desembaraçarmo-nos de algumas das armadilhas conceptuais em que estamos presos.

Como os leitores vão ver, um conceito chave está a faltar: direitos. Depois de alguma discussão, concluímos que este

conceito é tão central para os debates actuais, tão carregado de valores implícitos, e o seu enviezamento está

impregnado tão profundamente nas nossas mentes, que uma consideração mais longa e cuidadosa é necessária, antes

de, tentarmos ter uma discussão útil sobre o assunto. Nós esperamos incluir uma discussão sobre “direitos” numa

edição da Seedling. Entretanto, os vossos comentários são bem-vindos.

ACESSO

O termo “acesso” significa simplesmente um direito de usar ou visitar. No contexto da biodiversidade sugere ou

admissão a áreas ricas biologicamente para prospecção biológica, ou a permissão para usar tais recursos ou o

conhecimento tradicional a eles associado para pesquisa, aplicação industrial e/ou exploração comercial. Proclamado

inicialmente como uma salvaguarda contra a pirataria biológica, a expectativa era de que as regras e regulamentos de

acesso iriam ajudar a deter o controlo dos recursos biológicos e o conhecimento nas mãos das comunidades locais.

Qualquer decisão sobre o acesso iria requerer o consentimento prévio informado das comunidades relevantes. Mas os

regimes de acesso tornaram-se em meras ferramentas de negociação entre governos e interesses comerciais. O valor (de

mercado) potencial da biodiversidade e do seu conhecimento associado no desenvolvimento de novos fármacos,

culturas e cosméticos transformou o acesso num jogo de cabo-de-guerra entre países. Desta forma, o acesso tornou-se

sinónimo de troca biológica.

Tomem em consideração a forma como o acesso está correntemente a ser discutido dentro dos Grupos Ad Hoc

Abertos de Trabalho da CBD sobre o Acesso e Partilha de Benefícios. Os governos devem agora responder ás 10

chamadas do Rio para negociar um regime internacional sobre o acesso e a partilha de benefícios, com base nas

Directrizes Bonn (voluntárias) adoptadas pelas partes da Convenção em Abril de 2002. A CBD não define “acesso”, mas

contempla algumas dimensões para com ele:

≠ Acesso aos recursos genéticos de plantas e conhecimento tradicional destes recursos pelo Sul

≠ Acesso à transferência de tecnologia pelo Norte

≠ Acesso aos benefícios derivados do uso de material genético.

Boas ideias tornadas más? Um glossáriode terminologia relacionada com os direitos

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos

24

De forma triste mas previsível, a preocupação é apenas com a primeira dimensão, sem qualquer atenção recíproca

e/ou equilibrada às outras duas. Além disso, ao abrigo da CBD, os países estão obrigados a “facilitar” o acesso, e não a

restringi-lo. O acesso ao plasma germinativo das plantas está a receber o mesmo tratamento no Tratado Internacional

sobre Recursos Genéticos de plantas da FAO.

O que é preocupante em todas estas discussões é a abordagem pró-IPR (direitos de propriedade intelectual). As

negociações sobre o acesso estão obrigadas, em muitos casos, a acomodar os regimes legais internacionais sobre os IPR

como prescrito pelo Acordo TRIPS e pela WIPO da OMC. Isto é inaceitável. Se nos apresentarem o argumento “ sem

patentes, sem benefícios”, nós devemos responder com “com patentes, sem acesso”. Nenhuma quantidade de “partilha

de benefícios” pode compensar a perda de acesso das comunidades aos seus recursos e conhecimentos locais.

PARTILHA DE BENEFÍCIOS

A partilha de benefícios foi vista originalmente como uma forma de trazer equidade e justiça a um mundo em que os

países industrializados e as suas corporações transnacionais há muito têm vindo a pilhar a biodiversidade e

conhecimento tradicional das comunidades no Sul. No início da década de 90, tornou-se um dos três pilares centrais da

CBD, que pede a “ partilha justa e equitativa dos benefícios que surjam da utilização dos recursos genéticos”. Mais tarde,

as partes da CBD desenvolveram directrizes em como proceder para atingir este objectivo, e formulações similares foram

incorporadas no Tratado Internacional da FAO sobre Recursos Genéticos de Plantas. A partilha de benefícios, foi

discutido, iria pôr um fim à pirataria biológica e os responsáveis pela custódia da biodiversidade – as comunidades locais

– iriam ter um negócio mais justo e mais a dizer em relação a como gerir esses recursos.

Mais de uma década depois, parece que a discussão sobre a partilha de benefícios está a dirigir-se numa direcção

oposta. Os governos e os advogados corporativos negoceiam acordos de partilha de benefícios enquanto as

comunidades locais ficam à margem. O dinheiro domina a agenda e os benefícios múltiplos da biodiversidade ao nível

local são esquecidos. Apesar de algumas palestras acerca da construção de capacidade e fortalecimento das

comunidades, a maior parte das abordagens à partilha de benefícios são dominadas pelo ponto principal comercial:

“sem patentes, sem benefícios”. Em vez de apoiar as formas colectivas de inovação que sustentam o conhecimento e

práticas das comunidades locais e a biodiversidade que elas geram e mantêm, a partilha de benefícios está a tornar-se

cada vez mais uma ferramenta para promover as IPR, promover o “comércio biológico” e tornar a biodiversidade em outra

mercadoria para venda (ver caixa).

Está na altura de voltar aos fundamentos; este assunto principal é o de fortalecer o controlo das comunidades locais

sobre a biodiversidade de que eles cuidam (e que cuida deles) de forma a melhorar os benefícios que eles obtêm dela

para os seus sistemas de subsistência. Qualquer esquema de partilha de benefícios que não tenha este facto como

elemento central, está destinado a contribuir para o problema invés de fornecer uma solução.

DIREITOS DOS AGRICULTORES

O que são os Direitos dos Agricultores depende em grande medida de com quem se fala. Uma organização de

agricultores nas Filipinas define-os como o controlo dos agricultores sobre as suas sementes, terras, conhecimento e

meios de vida, enquanto um artigo no Business Line Hindu descreve-os como o direito dos agricultores a terem acesso

a culturas transgénicas. A Federação Internacional de Sementes tem pouca consideração pelo conceito, afirmando que:

“Os Direitos dos Agricultores foram introduzidos de forma algo emocional, sem uma consideração cuidada (…) e levaram

a discussões intermináveis”. O Serviço de Informação de Direitos dos Agricultores criado pela Fundação de Pesquisa M.S.

Swaminathan explica a sua existência com base de que os grupos indígenas e agricultores também necessitam de

ganhar recompensas económicas em conjunto com os interesses comerciais pela exploração da biodiversidade.

A definição oficial descrita no Artigo 9 do Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para a

Alimentação e Agricultura da FAO não nos auxilia muito mais. Este descreve, que os países devem proteger e promover

os Direitos dos Agricultores dando aos agricultores uma parte equitativa dos benefícios, e deixando-os participar nas

tomadas de decisão. Mas estes “direitos” estão limitados pelas “necessidades e prioridades” dos países e estão sujeitos

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos

25

à “legislação nacional”. Mesmo o antigo direito dos agricultores de guardarem e trocarem sementes guardadas nas

quintas não está claramente garantido, mas sujeito à “legislação nacional e de forma apropriada”.

Os Direitos dos Agricultores têm sido um assunto de luta central para muitas ONG e organizações de agricultores,

incluindo o GRAIN, durante grande parte da última década. O objectivo central era – e continua a ser – assegurar o

controlo e o acesso à biodiversidade agrícola pelas comunidades locais, para que estas continuem a desenvolver e

melhorar os seus sistemas agrícolas. Em vez de ser um simples mecanismo de compensação financeira, nós

pressionamos para que os Direitos dos Agricultores sejam direitos socio-económicos, incluindo o direito à comida, terra,

a meios de vida decentes e à protecção dos sistemas de conhecimento. Não tem sido conseguido muito entre governos

ao nível internacional. Mas é uma batalha que continua para muitas comunidades agrícolas ao nível local.

HERANÇA

A herança é o legado histórico de uma nação ou população que é considerado digno de preservação. A herança é algo

que é passado de uma geração para a outra, sugerindo que o património está fora do limite da compra e venda. Isto era

o que a FAO tinha em mente quando o conceito de “herança comum da humanidade” foi desenvolvido em relação aos

recursos genéticos de plantas. Ao reconhecer o estatuto de “herança” das sementes e plantas, a ideia era de mantê-las

no domínio público, livres de direitos de propriedade restritivos e exclusivos. Mas o conceito foi então revisto para

acomodar o princípio de “soberania” embutido na CBD, que significou dar à herança um preço. A santidade das sementes

nas culturas agrícolas como algo inalienável e a ser partilhado, tem sido violada à muito tempo pelo aumento sempre

crescente das privatizações, particularmente através do abuso de direitos dos criadores de plantas e patentes. Esta é

uma situação irónica em que o sistema de IPR, que tanto deseja esta herança, está a fazer a o prenúncio da sua morte.

Em todo o mundo as populações estão a lutar para manter a herança e o que ela necessita para prosperar. A organização

de agricultores internacional Via Campesina lançou uma campanha para defender as sementes como herança das

pessoas para o serviço à humanidade. Esta campanha global foi lançada no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, no

Brasil em 2003, onde milhares de participantes se comprometeram a defender as sementes como uma herança colectiva,

a base das culturas, e a fundação da soberania agrícola e alimentar.

IPR (DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL)

Existem muitas formas de encorajar a inovação e existem muitas maneiras para as pessoas se resguardarem do uso

impróprio dos seus trabalhos criativos. Mas, durante o século passado, estas funções tornaram-se de forma crescente

no domínio dos tribunais e dos sistemas legais que estes governam, tais como copyrights, patentes, marcas registadas,

direitos de criadores de plantas, indicações geográficas e designs industriais. Estas leis pretendem supostamente

maximizar o interesse público: a sociedade ganha acesso aos trabalhos criativos e os inventores/autores ganham uma

recompensa pelos seus esforços e investimentos na forma de direitos temporários de monopólio. Foi acordado que cada

país necessitava de ser capaz de limitar o espectro das leis e os direitos a que eles podiam permitir-se de acordo com os

seus interesses e condições particulares. Mas recentemente, os tribunais em alguns têm confundido cada vez mais estes

sistemas legais com direito de propriedade, e os limites e monopólio de direitos está a ficar fora de controlo. O que é

pior, alguns governos, liderados pelos EU e suportados pelos grandes negócios, estão a fazer pressão para fazer desta

situação a norma em todo o mundo. Eles estão mesmo a pressionar por um sistema de patentes global baseado neste

modelo distorcido.

O uso crescente do termo “direitos de propriedade intelectual” (IPR) é parte do problema. Os IPR entraram em cena

em 1967 quando a Organização Mundial de Propriedade Intelectual foi criada para trazer sobre o mesmo tecto os vários

sistemas legais. O conceito dos IPR está ligado a uma visão mundial neo-liberal que afirma que tudo no mundo – bens

materiais, trabalhos criativos, mesmo o ADN – pode e deve ser privatizado: i.e. empacotado, possuído e governado por

um conjunto de direitos de monopólio. Se a pessoas não possuírem as coisas e não forem capazes de acumular maior

posse sobre as coisas, não pode haver progresso; processos comuns e colectivos não criam nada excepto tragédia e

desordenação sobre o funcionamento dos mercados “livres”. Mas, na prática, vemos os direitos de propriedade a

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos

26

servirem apenas os interesses de poucos. Estes facilitam a concentração de riqueza ao expandirem o controlo dos

detentores de propriedade e desvalorizarem e desapropriarem a riqueza “não reclamada”, tais como as terras das

populações indígenas, ou variedades de plantas tradicionais.

Os IPR, como existem hoje, também favorecem um tipo muito particular de inovação – aquele da autoria privada

individualizada que é geralmente controlada pela grande indústria e satisfaz as necessidades da produção em massa

comercial. Os IPR minam os processos colectivos de inovação mais importantes no coração da biodiversidade agrícola,

cultura, ciência e comunidade. Por exemplo, enquanto as patentes e as variedades de plantas recompensarem a

indústria sementeira por fazer modificações subtis às variedades de plantas existentes, estas obstruem as formas

colectivas de reprodução de plantas que gerações de agricultores usaram para produzir a tremenda biodiversidade

agrícola do planeta. Estamos agora no ponto onde os sistemas legais desenhados para aumentar a inovação estão a

fazer precisamente o oposto: estrangulando a inovação, prendendo as ideias, e roubando as pessoas.

Felizmente, existe um movimento de resistência global crescente a esta tendência. Os agricultores estão a lutar

contra a criminalização da poupança de sementes e contra o patenteamento da vida. Os inovadores digitais estão a lutar

para preservar e expandir o espaço para criar e usar o software livremente. Os activistas e cientistas estão a lutar contra

patentes farmacêuticas obscenas e procurando modelos “abertos” alternativos para evitar as patentes por completo.

PROTECÇÃO

O dicionário Inglês define “proteger” como o escudar do mal ou do perigo; abrigar, defender e guardar. Mas a

interpretação da protecção também pode implicar confinamento, coerção, repressão, limitação, restrição, monopólio e

proibição. Portanto, a protecção não pode ser compreendida sem referência aquilo que queremos defender, a favor de

quem, e há custa de quem. Sem isto, podemos facilmente destruir aquilo que estamos supostamente a proteger, como

é o caso com os IPR. Estes são usados supostamente como escudos para proteger o conhecimento, mas são na verdade

instrumentos para fazer lucros com a chamada investigação científica. O horizonte económico é a sua dimensão de valor:

nada mais. Não muito está a ser protegido excepto a carteira de alguém.

Parte do problema é o de que a protecção significa coisas muito diferentes em direito de propriedade intelectual e no

uso comum. No sentido da propriedade intelectual, a protecção significa proteger a propriedade de alguém de uma forma

muito específica, mas no uso comum tem um significado muito mais vasto. Isto provou ser particularmente problemático

nas discussões sobre a protecção do conhecimento tradicional na WIPO (ver pág. 13). Quando o conhecimento humano

é transformado em propriedade em pedaços convenientes de tamanho confeccionado para os IPR, este deixa os bens

comuns deixando os direitos sociais desprotegidos. Para proteger verdadeiramente o conhecimento humano – científico,

tradicional, indígena ou outro – têm quer ser cumpridas várias condições. Primeiro, precisamos de designar-lhe um valor

maior e criar as condições para o conhecimento florescer, tais como o preservar da diversidade e expressões culturais, e

conservando a diversidade dos ecossistemas. Segundo, o conhecimento deve fluir livremente sem limitações,

monopólios ou proibições. E por último, esta liberdade deve ser aplicada a todos os tipos de conhecimento, que significa

nenhuma forma de IPR.

SOBERANIA

A soberania implica o governo próprio. A lei Internacional estipula que a soberania significa que cada país tem o “controlo

supremo sobre os seus assuntos internos”. Em 1958, A Assembleia-geral das Nações Unidas estabeleceu uma Comissão

sobre a Soberania Permanente sobre os Recursos Naturais, seguida por uma resolução de oito pontos em 1962. Mas a

soberania não se tornou um conceito importante em relação a biodiversidade até à concepção da CBD. Durante os anos

80, as discussões na FAO sobre as políticas sobre os recursos genéticos de plantas centrou-se no princípio de que eram

uma “herança comum da humanidade”. Afirmou-se que a mudança dramática na “posse” percebida da biodiversidade

trazida pela CBD permitia que os estados e as suas populações constituintes pudessem tomar decisões de como os

recursos biológicos dentro da sua jurisdição deviam ser usados, conservados, trocados e partilhados. A mudança

conceptual em direcção à soberania devia supostamente reconhecer as contribuições das populações (especialmente no

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos

27

Sul) para o desenvolvimento da biodiversidade, e inclui-los nas decisões de como gerir e partilhar os benefícios dos

frutos do seu trabalho.

Mais de uma década depois, como é que a soberania está a ser exercida? Em países ricos em biodiversidade em todo

o mundo, são os governos e agências estatais que estão a exercer o poder. Estes parecem ter desviado o conceito. A

soberania de estado não é um direito absoluto, nem foi pensado para garantir nenhuma forma de posse sobre os

recursos genéticos à autoridade governamental. Dar novo fôlego à soberania necessita mandatar o fortalecimento e a

independência das comunidades. Os grupos agrícolas estão a tentar fazê-lo ao promover o conceito de “soberania

alimentar”, que implica o direito das pessoas de cada país de determinarem o que comem.

SUI GENERIS

Em Latim, sui generis significa “do seu próprio género”, algo único, algo especial. Implica, especialmente em Espanhol,

alguma coisa excepcional ou estranha. O conceito de legislação sui generis foi introduzida, em primeiro lugar, nas

negociações sobre propriedade intelectual no acordo GATT, como um forma de conceder propriedade intelectual sobres

plantas em vez de patentes, que tinha enfrentado uma rejeição forte e generalizada por todo o mundo. Apesar da

legislação sui generis ter sido inicialmente feita exclusivamente para as variedades de plantas, o conceito tem-se

expandido gradualmente para cobrir as revindicações de propriedade sobre o conhecimento tradicional e outras

expressões culturais.

Existe muita deformação conceptual e histórica por detrás da ideia de legislação sui generis. A primeira deformação,

e a mais fundamental, estava no seu verdadeiro início no acordo TRIPS da OMC. Ao dizer que a exclusão das patentes era

sui generis (única, diferente), implica que as patentes sobre a vida sejam a norma, apesar do facto do oposto ser

verdade. Uma segunda deformação é que a forma como é definido o TRIPS significa que sui generis é realmente uma

miragem: as únicas alternativas permitidas são ainda patentes do tipo IPRs, modificadas ligeiramente para serem

adaptadas a plantas.

Apesar de falhas básicas, a ideia sui generis permaneceu inquestionável durante uma década, e no entretanto

assistiu-se a um emaranhado de contradições derivadas de algumas buscas audazes por um sistema de IPR melhor, sem

no entanto surtirem grande efeito. Este tem sido o caso de muitos grupos que lutam contra a propriedade intelectual

através do WIPO, um corpo especificamente criado para defender a propriedade intelectual. Após tantos anos de

batalhas sem sucesso, talvez devêssemos virar o argumento contra ele próprio. O facto é que os IPRs são um caso

extremo de legislações sui generis. Assim sendo, deveriam ser esboçadas, aplicadas e interpretadas sob o severo

escrutínio das sociedades, das estreitas limitações por estas impostas e dos seus diferentes fundamentos, normas não

sui generis. De acordo com este ponto de vista, a grande conclusão seria a de que a propriedade intelectual não deveria

ser transmitida ao longo da vida ou do conhecimento.

CONHECIMENTO

Alguma vez reparou que qualquer conceito ou divisa que esteja permanentemente ligado a um adjectivo, se degrada ou

se desvaloriza? Como agricultura orgânica, desenvolvimento sustentado, produção participativa, tecnologia alternativa,

democracia protegida, economia de mercado. O conhecimento tradicional não é excepção.

O conhecimento tradicional é conhecimento, tal como a matemática, biologia ou sociologia. O que o torna distinto é

o facto de ter sido cuidadosamente e pacientemente criado, construído, alimentado, difundido e promovido por pessoas

comuns com pouco poder: pequenos agricultores, pescadores, caçadores, curandeiros tradicionais, tecelães, artesãos,

poetas tradicionais e muitos outros. Uma vez que a maioria destas pessoas pertence a culturas rurais ou têm estritas

relações com culturas rurais, este conhecimento está intimamente ligado à compreensão de processos naturais. É uma

forma de conhecimento que está constantemente a evoluir, integrando novo conhecimento numa estrutura muito rica,

que tem sido testada e enriquecida ao longo de séculos.

Não é habitual falar-se de “conhecimento matemático” ou “conhecimento sociológico”. A razão pela qual ouvimos

sempre falar em “conhecimento tradicional” é uma maneira de desvalorizar uma forma de conhecimento que poderia

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos

28

tornar-se subversiva, não fosse a sua natureza colectiva e a sua autonomia dos círculos de poder. Por outro lado esta

classificação também permite aos círculos de poder demitirem-se de compreender um tipo de conhecimento que é

sempre demasiado sofisticado para integrar os seus modelos actuais. Acima de tudo esta classificação transporta a

mensagem de que o conhecimento tradicional está preso, mumificado e desadaptado aos tempos modernos. Assim que

o conhecimento tradicional foi retratado como um conhecimento de segunda classe, tornou-se mais fácil e menos

dispendioso transformá-lo numa comodidade.

Isto é o que se tem vindo a assistir nos dias de hoje. O resultado de séculos de criatividade humana está a ser vendido

aos poucos, com a colaboração activa da WIPO e da OMC. Mas da mesma forma que não se pode comprar ou vender o

número cinco, também não se pode vender ou comprar o conhecimento das pessoas sobre as plantas e a natureza, ou

sobre qualquer outro assunto. O que está de facto a acontecer é o esmagamento e a violação do direito de muitos povos

do mundo de continuar a criar, a promover, a proteger, a trocar e a desfrutar do conhecimento. Consegue imaginar um

mundo onde apenas algumas corporações pudessem utilizar o número cinco?

TUTELA

A tutela refere-se à responsabilidade legal de supervisionar e administrar uma propriedade ou activos – como um fundo

fiduciário – por parte de alguém. Provem da tradição legal Anglo-saxónica. Foi introduzida no debate político sobre

recursos genéticos de plantas no início dos anos 90 como forma de proteger o stock mundial de colecções de plasma de

germinação ex situ, da destruição física e da apropriação irregular. A forma como foi constituída significava que os

centros de investigação agrícola da GCIAI detinham a responsabilidade de manterem confiadas as colecções de sementes

armazenadas em bancos de genes, em prol do benefício da comunidade internacional. Esta responsabilidade foi-lhes

atribuída pelos membros da Comissão dos Recursos Genéticos das Plantas da FAO, ou seja, pelos governos. O acordo de

Trust inicialmente assinado em 1994, tinha por objectivo afastar as dúvidas sobre quem seria o proprietário dos materiais

nos bancos de genes da GCIAI. O acordo obriga formalmente os centros à preservação eterna das suas colecções de

plasma de germinação, mantendo-as livres das IPRs. Superficialmente parece um esforço nobre. As colecções

institucionais mais importantes de diversidade genética para diversas culturas alimentares vão ser, supostamente,

mantidas em segurança (congeladas a baixas temperaturas), e serão devidamente utilizadas (por cientistas), para o bem

público. A palavra-chave em questão é “público”. As colecções de sementes armazenadas no Fundo são consideradas

“bens públicos internacionais” que não deverão ser privatizados e deverão beneficiar todos. Mas o sistema todo – desde

o texto do acordo da FAO-GCIAI até à forma como é implementado – carrega algumas fraquezas escondidas. Nem os

centros da GCIAI nem a própria GCIAI têm a capacidade legal de impedir as pessoas de adquirirem patentes ou outras

formas de IPRs sobre o material do Fundo. Os centros distribuem amostras de sementes mas não podem controlar o que

acontece a essas amostras, nem no laboratório nem nos tribunais. Por seu turno nem a FAO nem a GCIAI podem impedir

os investigadores de adquirirem IPR sobre os componentes ou derivados desses materiais. Por vezes os ânimos exaltam-

se.

Em 2000, agricultores de arroz tailandeses, ONGs e políticos ficaram furiosos quando souberam que amostras de

arroz jasmim tinham sido enviadas pelo Instituto Internacional de Investigação do Arroz (um centro GCIAI), para

cientistas nos Estados Unidos sem o acordo necessário de transferência de materiais referindo que IPRs eram proibidos.

Em 2001, cientistas peruanos revoltaram-se com a forma como o Centro Internacional da Batata (outro instituto GCIAI)

desrespeitou o acordo do Fundo ao enviar amostras de yacon do Peru para o Japão. Mas ainda mais grave é o facto das

pessoas que forneceram todos estes materiais de plantas únicos e diversos ao depósito do Fundo – comunidades locais

de agricultores e pessoas indígenas de todo o mundo em vias de desenvolvimento – nunca terem sido questionadas se

queriam pôr as sementes neste sistema, se confiavam nos centros GCIAI, quem pensavam que deveria beneficiar, se

consideravam essas sementes bens públicos internacionais ou se queriam desempenhar um papel em todo o processo.

Não há razão para duvidar das boas intenções por detrás do sistema. No entanto a realidade política é a de que a

autoridade de tomar decisões foi retirada aos agricultores que inicialmente contribuíram com as sementes. Este é o

aspecto que necessita ser corrigido. (alguém disse alguma coisa sobre os direitos dos agricultores?)

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos

29

Glossário

CBD – A Convenção de Diversidade Biológica foi o resultado de uma prolongada pressão internacional para que

fosse encontrada uma resposta para a destruição e pirataria da biodiversidade do hemisfério sul. Após anos de

debate, a Convenção foi acordada em 1992, entrando em vigor em 1993. Actualmente, 188 nações já aderiram e

a OMC foi considerada uma importante orientação nos esforços internacionais para promover a conservação da

biodiversidade, aplaudida por ter concedido reconhecimento formal do papel central desempenhado por

comunidades indígenas e locais na conservação da biodiversidade. Dez anos passados e grande parte da

esperança desapareceu.

CGIAR – O Grupo Consultivo de Investigação Agrícola Internacional – um grupo de doadores estabeleceu o GCIAI

no início dos anos 70 para financiar a investigação agrícola por todo o mundo. O GCIAI fá-lo através de 16 Centros

Internacionais de Investigação Agrícola, que actualmente se auto intitula Centros de Futuras Colheitas,

compostos por mais de 8500 cientistas e pessoal auxiliar, espalhados por mais de 100 países.

FAO – A Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas. O único fórum negocial internacional

que alguma vez tentou seriamente abordar o assunto dos direitos dos agricultores – pelo menos fê-lo por uns

tempos. Também sede do Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos das Plantas, que foi concebido para

proteger as colheitas dos agricultores e assegurar a sua conservação, troca e utilização sustentada. Mas as

provisões principais de acesso e de partilha de benefício só se aplicam a uma lista específica e reduzida de

colheitas e o seu valor para os agricultores permanece pouco claro.

GATT – O Acordo Geral de Tarifas e Comércio, ver OMC.

TRIPS – Ao abrigo do Acordo da OMC dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado com o Comércio (artigo

27.b), os países são obrigados a fornecer protecção à propriedade intelectual das variedades de plantas a nível

nacional, quer através de patentes quer através de “um sistema sui generis eficaz”, ou mesmo através de ambos.

As negociações TRIPS têm estado empatadas há bastante tempo, e muitos países desenvolvidos optam por

negociar acordos especiais celebrados com os governos do Sul. Estes acordos TRIPS-plus estabelecem requisitos

mais fortes para as IPRs do que os TRIPS, e estão a ser introduzidas através de inúmeros acordos bilaterais,

regionais e sub regionais. Estes estão a abrir tanto caminho que em breve os TRIPS poderão tornar-se obsoletos.

WIPO – Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Uma estrela nascente na cena das negociações

internacionais, vista pelos Estados Unidos e outros países defensores do patenteamento como uma agremiação

para estabelecer um regime de patente mundial (ver Seedling, Outubro 2003, p11)

OMC – Estabelecida em 1995, a Organização Mundial de Comércio é uma agência que transformou o GATT num

corpo imponente com o poder de definir as regras do comércio global, aplicá-las e punir infracções. Enquanto

coração deste corpo consta de uma série de acordos que se estendem desde a agricultura ao investimento,

assinados pela maioria das nações do comércio mundial e aprovados nos respectivos parlamentos. A OMC é uma

das principais forças da globalização corporativa.

Boas ideias tornadas más? Um glossário de terminologia relacionada com os direitos

30

Partilhando umas migalhas com os San

Durante milhares de anos, os nativos San comeram o cacto Hoodia (deixado) para matar a fome e a sede durante

as caçadas mais longas pelo deserto. No entanto, em 2002, o Hoodia tornou-se o centro da bio pirataria. Uma

empresa do Reino Unido patenteou o Phytopharm p57, o ingrediente supressor do apetite contido na Hoodia,

alegando ter “descoberto” uma potencial cura para a obesidade. A mesma empresa viria a vender os direitos de

licenciar o medicamento à Pfizer, o gigante farmacêutico americano, que espera vir a ter o tratamento pronto em

comprimidos até 2005. Mas enquanto as farmacêuticas estavam ocupadas a convencer os media, os seus

accionistas e os seus financiadores sobre as maravilhas do seu novo medicamento, esqueceram-se de informar

os nativos, cujo conhecimento tinham usado e patenteado.

A desculpa da Phytopharm parece ser a de que pensavam que as tribos que utilizavam o cacto Hoodia estariam

extintas. Richard Dizey, o CEO da firma disse: “Estamos a fazer o que podemos para os recompensar, mas isso é

um verdadeiro problema… especialmente porque o povo que descobriu a planta desapareceu”. Ao acordar para

o facto de os San estarem vivos, de boa saúde e a organizar uma campanha para a compensação, Dixey recuou

rapidamente e foi celebrado um acordo de benefício mútuo entre a Phytopharm e o Concelho Sul-africano para a

Investigação Científica e Industrial (CSIR), que foi responsável por conduzir a Phytopharm até ao Hoodia (e por

induzir a companhia em erro quanto o facto de os San estarem extintos). Ironicamente, o fracasso do CSIR em

conseguir consultar os San antes do desenvolvimento comercial do Hoodia, fortaleceu consideravelmente a

capacidade de negociação e a pressão política dos San, o que resultou num caso muito mediático, seguido em

todo o mundo. Mas mesmo no melhor dos cenários de partilha de benefícios, os San só irão receber uma fracção

de um por cento – menos de 0,003% – do lucro das vendas. O dinheiro dos San virá da parte do CSIR, enquanto

que os lucros recebidos pela Phytopharm e pela Pfizer permanecerão inalterados. Não só estão a Pfizer e a

Phytopharm isentas de partilhar os seus enormes quinhões, como também ficam protegidas, pelo acordo, de

quaisquer reivindicações futuras por parte dos San.

Também existem outras preocupações. A principal é a de que o acordo está confinado quase exclusivamente a

benefícios monetários, que dependem das vendas e do sucesso da comercialização. No entanto a

comercialização está longe de estar garantida, reforçando a necessidade de uma abordagem mais compreensiva

à partilha de benefícios que não sejam exclusivamente financeira, que não seja dependente do sucesso do

desenvolvimento do medicamento, e que forneça benefícios imediatos e tangíveis aos San. Outras preocupações

incluem questões complicadas relacionadas com a administração de fundos, com a determinação dos

beneficiários, de benefícios específicos para além de fronteiras geográficas e entre diferentes comunidades, e as

de minimizar os impactos sociais e económicos que possam surgir com a introdução de grandes somas de

dinheiros em comunidades empobrecidas. Um dilema moral crítico prende-se com o patenteamento e com a

privatização do conhecimento. Nas comunidades como as dos San, a partilha de conhecimento faz parte da

cultura e é elementar no seu estilo de vida.

Fontes: Antony Barnett, “In Africa the Hoddia cactus keeps men alive. Now its secret is “stolen” to make us thin”, The Observer(London), 17 June 2001; Rachel Wynberg (2002), Sharing the Crumbs with the San.

GRAIN. 2004.

Memorandum do IISD sobre Comércio e Desenvolvimento. Nº 7

31

1. Introdução

O Conhecimento Tradicional é informação, são competências, práticas e produtos – muitas vezes associadas a povos

indígenas – que são adquiridos, praticados, enriquecidos e passados através de gerações. Tipicamente está

profundamente enraizado num contexto político, cultural, religioso e ambiental específico, sendo uma parte chave da

interacção da comunidade com o meio natural.

Ao nível global, os critérios mínimos para a protecção de patentes são estabelecidos pelo acordo da OMC sobre os

Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (acordos TRIPS). Apesar dos acordos

TRIPS não contemplarem directamente o Conhecimento Tradicional, (…) a natureza dos direitos conferidos aos

detentores das patentes tem implicações para os grupos indígenas no que concerne à protecção do conhecimento

tradicional. Este assunto é desenvolvido mais à frente.

O artigo 27 do acordo TRIPS requer que os países membros disponibilizem patentes para produtos ou processos

inovadores em todas as áreas da tecnologia, assegurando que os critérios mínimos de novidade, invenção e

aplicabilidade industrial sejam satisfeitos. O artigo 27.3(b) também requer protecção à variedade de plantas, seja

através de um sistema de patentes ou através de outra protecção sui generis1. Nas economias industrializadas, as

patentes são uma ferramenta para recompensar esforços inovadores com um monopólio temporário lucrativo. Esta

concessão de patentes serve como um forte incentivo para desenvolver investigação e para comercializar os seus

resultados. Uma vez que o acordo TRIPS concede permissão ao membros para cederem patentes, plantas e outras

formas de vida, existe um forte incentivo para que a investigação seja conduzida em áreas do mundo ricas em

biodiversidade, em particular porque as terapias à base de plantas, de sementes domésticas, as suas investigações

conjuntas e esforço inventivo emergiram como um elemento importante de sucesso da biotecnologia médica e agrícola

modernas. É aqui que os efeitos incentivadores dos direitos de patente se relaciona mais directamente com o

conhecimento tradicional, o que inclui práticas medicinais e agrícolas baseadas no conhecimento do meio natural –

especialmente de plantas – para tratar membros da comunidade, habitualmente como parte da sobrevivência, de hábitos

comuns, de rituais ou práticas sagradas.

2. Quais são as Questões?

Existem duas questões principais na relação entre o acordo TRIPS e o conhecimento tradicional.

a. Direitos de Propriedade, a Cultura de Posse e Conhecimento Tradicional

Entre alguns grupos indígenas, o conhecimento tradicional é sistematizado e regulado por certos membros do grupo.

No entanto, frequentemente o conhecimento tradicional não é possuído por ninguém, no sentido ocidentalizado da

palavra. É utilizado e desenvolvido para o bem da comunidade inteira, e a ideia do uso de propriedade exclusiva de

tal conhecimento para proveitos individuais é censurável para muitos detentores de conhecimento tradicional.

Além disso, opositores à protecção patenteada do conhecimento tradicional argumentaram que tal protecção, irá em

ultimo caso, minar o processo pelo qual o conhecimento tem sido adquirido, preservado e usado na comunidade

indígena ao longo da história. Isto é, a base histórica para o desenvolvimento do conhecimento tradicional foi a

compreensão de que este seria utilizado para o benefício da comunidade. Os conceitos de benefício individual e de

posse exclusiva podem corroer esse entendimento, resultando na retenção do desenvolvimento do conhecimento

base. A mesma preocupação tem sido levantada no que diz respeito à protecção do conhecimento tradicional através

de direitos de autor e de marcas registadas.

Conhecimento tradicional e a patenteabilidade

Conhecimento tradicional e a patenteabilidade

32

b Apropriação do Conhecimento Tradicional

Outra questão da intersecção do conhecimento tradicional com a protecção patenteada do estilo TRIPS é a

apropriação de conhecimento tradicional por parte de investigadores, de académicos e de instituições externas à

comunidade, sem o consentimento da comunidade e sem acordos para partilhar benefícios que possam surgir do uso

do conhecimento. Estes agentes são normalmente, mas nem sempre, do mundo desenvolvido. Mesmo quando o

acesso ao conhecimento tradicional é autorizado, a questão critica é se as comunidades que são a fonte desse

conhecimento foram compensadas, e se os níveis de compensação são justos. Em demasiados casos isso não

acontece, apesar de serem a fonte primária de pelo menos parte do capital intelectual e das matérias-primas usadas

no desenvolvimento do produto ou processo patenteado.

As comunidades tradicionais estão geralmente em desvantagem quando lidam com “bioprospectores” – aqueles que

procuram e colhem plantas medicinais, variedades de plantas agrícolas e recursos genéticos para fins comerciais, e

que precisam da colaboração e do conhecimento das comunidades. Muitas vezes as comunidades não têm a noção

do valor comercial do conhecimento que lhes é pedido para revelar, nem têm as competências para negociar termos

justos para essa revelação, caso venha a existir uma oportunidade de partilha de benefícios económicos

provenientes da comercialização do conhecimento.

É de referir que podem ser prestados valiosos serviços, independentemente da concessão ou não de uma patente.

Por exemplo, o conhecimento tradicional pode simplesmente informar os investigadores daquilo que poderá não ser

um caminho viável de investigação. No entanto, mesmo esse conhecimento negativo tem algum valor económico,

uma vez que poderá dar a uma empresa um avanço na fase de investigação do desenvolvimento de um produto. Em

alguns países desenvolvidos, decisões judiciais reconheceram o valor dos também designados “becos sem saída” no

cálculo de indemnizações por apropriação indevida dos interesses de propriedade.

3. Alternativas ao modelo TRIPS

Os acordos TRIPS são apenas um de inúmeros modelos institucionais para abordar a protecção e o tratamento justo

do conhecimento tradicional. De facto, uma das principais dificuldades em atingir este objectivo é a diversidade de

agentes e instituições que têm abordagens e mandatos que por vezes se sobrepõem, e a falta de coordenação entre eles.

A OMC já foi discutida acima, e esta secção trata do novo Tratado de Recursos Genéticos para a Alimentação e

Agricultura, da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) e da Convenção para a

Diversidade Biológica com maior detalhe. Outras secções incluem a Organização Mundial da Propriedade Intelectual

(WIPO) (abordando opções legais para a protecção defensiva e positiva do conhecimento tradicional), a Organização

Mundial de Saúde (questões da medicina tradicional), a Organização Educacional, Cientifica e Cultural das Nações

Unidas (abordando a protecção do folclore e da herança cultural), a Conferência para o Comércio e Desenvolvimento das

Nações Unidas (abordando a protecção do conhecimento tradicional relacionado com os acordos TRIPS) e o Sub Comité

dos Direitos Humanos das Nações Unidas (examinando as implicações dos direitos humanos nos acordos TRIPS,

incluindo questões da protecção do conhecimento tradicional). Se o objectivo é um sistema multilateral eficaz e justo,

esta dispersão de responsabilidade institucional será um dos maiores obstáculos.

Nesta secção são abordados dois modelos existentes actualmente de protecção e de tratamento razoavelmente justo

do conhecimento tradicional: a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD) e o Tratado Internacional sobre Recursos

Genéticos de Plantas para a Alimentação e Agricultura.

a. A Convenção sobre a Diversidade Biológica

Está em curso um debate sobre a relação entre os requisitos das patentes do acordo TRIPS e as obrigações da

Convenção para a Diversidade Biológica (CDB). A CDB, entre outras coisas, garante o direitos de soberania de um país

sobre as suas plantas e vida selvagem, bem como dos seus recursos genéticos. A CBD também se certifica de que o

Conhecimento tradicional e a patenteabilidade

33

acesso a recursos genéticos seja submetido a uma informação prévia e ao devido consentimento por parte das

autoridades dos países (incluindo o consentimentos das comunidades tradicionais), e de que exista uma partilha

justa e equitativa dos benefícios que derivam da comercialização do conhecimento tradicional ou de produtos que

incorporam conhecimento tradicional.

Os dois últimos requisitos em particular não estão contemplados no acordo TRIPS. No seguimento de sucessivas

revisões ao artigo 27-3 (b) do Acordo, tem sido sugerido que um pré requisito para conceder uma patente deveria ser

uma prova da existência de um consentimento formal e de acordos de partilha de benefícios no que diz respeito ao

uso de conhecimento tradicional, assim como a inclusão de uma declaração da origem dos recursos biológicos

utilizados nos produtos ou processos.

A maioria destas propostas surgiu de países desenvolvidos, mas não existe consenso entre elas em renegociar o

artigo 27-3 (b), uma vez que existe um certo número de riscos assim como de potenciais benefícios. Por exemplo, as

negociações actuais podem bem resultar na eliminação das excepções da patenteação e no estreitamento da

definição do que é compreendido como sistema sui generis. Nestes casos, a maioria dos países desenvolvidos

concordaria que ficaria pior do que sob a ambiguidade e flexibilidade da linguagem existente.

Os países desenvolvidos opuseram-se a estas propostas, alegando que iriam inevitavelmente carregar o fardo do

processo de patentes e de que o acordo TRIPS seria o fórum errado para este tipo de protecção do conhecimento

tradicional. Este argumento baseia-se, em parte, na convicção de que o conhecimento tradicional não é abrangido

pelos acordos TRIPS, nem deveria ser. Os países que apoiam esta posição, identificam inúmeros obstáculos à

protecção da propriedade intelectual do conhecimento tradicional, incluindo a dificuldade em identificar o

proprietário (a maioria do conhecimento tradicional é mantido por grandes comunidades), o longo período de tempo

em que conhecimento existe (os direitos de propriedade intelectual estão protegidos por uma duração limitada), e os

requisitos legais necessários para a protecção de propriedade intelectual (como a inovação e a não evidência na lei

de patentes), que algum conhecimento tradicional poderá não satisfazer facilmente. O contra argumento é, não

obstante as dificuldades administrativas, que os TRIPS deveriam abranger o conhecimento tradicional que, tal como

a propriedade intelectual, é um produto de actividade intelectual, inovação, criatividade, engenho e uma forma

rudimentar de investigação e desenvolvimento.

De uma forma mais geral, os opositores à protecção do conhecimento tradicional através do acordo TRIPS

argumentam que os fundamentos para a protecção da propriedade intelectual são cada vez mais utilitários, enquanto

que a protecção do conhecimento tradicional teria de ter em conta os aspectos sociais e religiosos dessa base de

conhecimento na comunidade tradicional. Assim, o argumento é de que os objectivos da CDB podem ser facilitados

protegendo o conhecimento tradicional de forma diferente da propriedade intelectual moderna, em vez de ver os

objectivos da CDB e do TRIPS de uma forma holística.

b. O Compromisso Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas e o Tratado Internacional sobre Recursos

Genéticos para a Alimentação e Agricultura

Em 1983, o Compromisso Internacional sobre Recursos Genéticos (IU), um instrumento multilateral gerido pela

Organização Alimentar e Agrícola (FAO), declarou que os recursos genéticos de plantas e as inovações relacionadas

com plantas são uma herança comum da humanidade. A IU preserva o princípio do acesso a bancos internacionais

de genes que guardam sementes para benefício público. Estes bancos de genes fornecem amostras das suas

colecções para fins de investigação, mas impede os utilizadores de adquirirem direitos de propriedade intelectual

sobre qualquer dos materiais distribuídos. A forte ênfase colocada nos direitos de propriedade intelectual para levar

os países desenvolvidos a estimular a investigação e a encorajar o investimento privado, impediu que esses países

assinassem o IU.

Em 2001, um novo tratado sobre recursos genéticos de plantas foi criado: o Tratado Internacional sobre Recursos

Genéticos de Plantas Alimentares e Agrícolas (IT). Este tratado, que é apoiado por muitos países desenvolvidos e em

Conhecimento tradicional e a patenteabilidade

34

desenvolvimento, estabelece um novo sistema de acesso a sementes de plantas alimentares específicas que

constituem a maioria da alimentação humana. Em troca destas sementes, as entidades privadas que criaram

produtos comercialmente viáveis a partir desses bancos, têm de pagar uma percentagem dos seus lucros, a não ser

que o produto seja disponibilizado para futura investigação e reprodução. Os fundos dessas contas serão utilizados

para facilitar a partilha de benefícios nos países em desenvolvimento, e para a conservação de recursos genéticos de

plantas. Neste domínio, este novo acordo atribui estatuto de “domínio público” a material genético específico e

procura estabelecer meios para preservar a riqueza genética da Terra.

O novo Tratado IT aborda questões do conhecimento tradicional sob vários aspectos. Primeiro, estabelece os direitos

dos agricultores e o seu conhecimento tradicional de práticas agrícolas. O artigo 9.2 do acordo IT estipula que é da

responsabilidade dos governos nacionais tomarem medidas apropriadas para proteger os direitos dos agricultores

que incluem, entre outras coisas: “(a) protecção do conhecimento tradicional relevante para os recursos genéticos de

plantas para alimentação e agricultura; (b) o direito de participar equitativamente na partilha de benefícios

provenientes da utilização de recursos genéticos para alimentação e agricultura. ” É no entanto pouco claro se estes

direitos são ou não diminuídos pelo acordo TRIPS à luz do parágrafo seguinte: “Nada neste paragrafo será

interpretado para limitar quaisquer direitos que os agricultores possuam para aproveitar, usar, negociar, e vender

produtos de cultivo, sujeitos à lei nacional conforme seja apropriado.”

Em segundo lugar, não é claro que o conhecimento tradicional seja sujeito a bases de dados de informação relativa

a recursos genéticos de plantas que são parte do novo sistema multilateral. Caso o sejam, então o conhecimento

tradicional que diz respeito a recursos genéticos pode ter sido lançado no domínio público sob os termos do tratado.

Assim sendo, as propostas para proteger o conhecimento tradicional, quer através da garantia de direitos de

propriedade intelectual, ou através de um sistema sui generis, terão de excluir conhecimentos que são contemplados

pelo sistema IT (assumindo que o tratado é ratificado ultimamente).

Por último, o novo tratado IT não garante que a partilha de benefício vá directamente para as comunidades indígenas.

Apesar do objectivo ser o de agricultores de países em desenvolvimento beneficiarem do sistema, não é esclarecido

qual o mecanismo que irá assegurar que tal ocorra de facto.

4. Outros Modelos

Foi proposta uma variedade de outros mecanismos legais para a protecção do conhecimento tradicional. Os mais

salientes são as propostas para um regime sui generis que consiste ou num sistema de partilha de benefício ou num

modelo de apropriação indevida. O sistema de benefício partilhado pressupõe que alguns dos ganhos realizados a partir

da comercialização do conhecimento tradicional revertam a favor dos “proprietários” desse conhecimento. Os modelos

de apropriação indevida implicariam a renovação de patentes e de outros direitos de propriedade intelectual obtidos sem

o consentimento dos detentores desse mesmo conhecimento.

Os esforços desenvolvidos para harmonizar as patentes na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO)

podem tornar difícil a protecção do conhecimento tradicional através do sistema de patentes. O Tratado Substantivo

Legal de Patente actualmente em negociação representará um acordo multilateral na atribuição de patentes. Existe

actualmente uma controvérsia relacionada com o facto de estas conterem ou não requisitos na revelação da origem, e

excepções gerais de patentes baseadas na preservação do interesse público (a ser decidido pelas autoridades a nível

nacional). Se esta questão não for abordada durante as negociações (uma possibilidade a considerar), eliminará – pelo

menos num futuro próximo – a possibilidade de requisitos a nível nacional para que os candidatos a patentes revelem a

origem de plantas ou de outro material genético, e garantam o consentimento prévio para o uso de conhecimento

tradicional. Para além disso, os países que agora incluem esta salvaguarda na sua lei de patentes domésticas podem ser

forçados a suspender essa salvaguarda como condição de membro do tratado.

Conhecimento tradicional e a patenteabilidade

35

5. Implicações para o desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável, no contexto do conhecimento tradicional e das patentes, tem tanto aspectos institucionais

como substantivos. No que respeita a questões substantivas a capacidade dos países em desenvolvimento de regular o

acesso e o uso de recursos genéticos, bem como de proteger o conhecimento tradicional é de enorme relevância para o

desenvolvimento a vários níveis. É um pré requisito para os retornos económicos que podem resultar dos acordos de partilha

de benefício – acordos que possam garantir às comunidades tradicionais os recursos financeiros para escolher o seu estilo

de vida. Dependendo dos acordos em questão, pode até vir a pagar-se às comunidades tradicionais para manterem a bio

diversidade agindo como administradores.

Do ponto de vista Institucional, o modelo da actual partilha de benefícios será a solução. Foi discutido anteriormente que

certo tipo de acordos, dependendo da comunidade em que são introduzidos, pode afectar o processo tradicional de inovação

informal, o que funcionaria contra os interesses da comunidade enquanto um todo. Em geral, qualquer sistema de partilha

de benefícios terá impactos sobre as estruturas sociais existentes e na respectiva distribuição de poder e de recursos. O facto

das sociedades tradicionais estarem organizadas numa variedade de estruturas sociais, torna a abordagem desta

consideração mais difícil quando se desenha um sistema de partilha de benefícios, tendo em conta uma perspectiva de

desenvolvimento sustentado.

Alguns países em vias de desenvolvimento já estabeleceram leis domésticas relacionadas com a protecção do

conhecimento tradicional. Ocorreram também importantes esforços legislativos a nível regional. Também o plano de

implementação da Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (WSSD) (parágrafo 42 (j)) convida os países a “de

acordo com a legislação nacional, reconhecer os direitos de comunidades locais e indígenas que são detentoras de

conhecimento tradicional, inovações e práticas,” e a “desenvolver e implementar mecanismos de partilha de benefícios em

termos de acordo mútuo para o uso de tais conhecimentos, inovações e práticas.”

No entanto, sem um acordo internacional que reconheça e dê protecção a esta agregação de conhecimento, esforços

unilaterais isolados não destacarão suficientemente o valor do conhecimento tradicional para os objectivos de

desenvolvimento. De facto, até acordos multilaterais entre países em desenvolvimento são insuficientes, uma vez que a

exploração do conhecimento e dos recursos ocorre essencialmente em países desenvolvidos. A ausência de um acordo

afectará as oportunidades de países em desenvolvimento e de comunidades tradicionais controlarem, gerirem e beneficiarem

do conhecimento tradicional. No caso dos recursos genéticos como um todo, isto foi reconhecido no plano de implementação

da WSSD, que apelava aos países para negociar, sob a estrutura do CBD, “um regime internacional para promover e

salvaguardar a partilha justa e equitativa de benefícios provenientes da utilização de recursos genéticos.”

Tem sido largamente reconhecido que questões do conhecimento tradicional e de patentes têm de ser abordadas

enquanto componentes chave do desenvolvimento sustentado. As complicações de muitos processos em desenvolvimento

que se sobrepõem, e a complexidade das questões envolvidas, não diminuem o valor de abordar essas questões de uma

forma compreensiva, e de certa forma isso promove a equidade, os valores sociais e a integridade ambiental.

Copyright 2003 Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável,Publicado pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento SustentávelTodos os direitos reservadosImpresso no CanadáInstituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável161 Portage Avenue East, 6th FloorWinnipeg, Manitoba, CanadaR3B0Y4

1 Um sistema sui generis pressupõe um sistema especial. Sui generis quer dizer “da sua espécie.” Neste caso seria um sistemadesenhado especificamente para proteger a variedade de plantas.

Notas IK Nº 23 (2000)

37

O desenvolvimento agrícola a nível mundial causou, como uma das suas consequências, a substituição de espécies de

plantas nativas por plantações comerciais, e paralelamente, a redução na diversidade do stock de sementes. O

desaparecimento de plantas com potencial uso medicinal, particularmente em áreas de elevada biodiversidade como

florestas tropicais, tem sido manchete nos últimos anos; mas o preenchimento da diversidade natural de espécies

comestíveis por espécies normais, e por vezes geneticamente alteradas, plantações rentáveis – e a substituição de “raças

locais” (tipos de planta indígenas) por agricultura comercial – constituem um problema igualmente sério. Estão agora a

ser realizados esforços no sentido de constituir reservas de plantações de uma variedade de plantas ameaçadas. O

conhecimento indígena de plantas comestíveis é um ponto-chave para a biodiversidade em Africa – em que as mulheres

desempenham um papel vital.

Plantação de Feijão no Quénia

O cultivo de feijão entre os Kikuyu no Quénia é um caso de estudo. As evidências indicam que na época pré colonial, uma

grande variedade de diferentes espécies de feijão eram cultivadas nas zonas altas do Quénia. Estes cultivos constituíam

um elemento essencial da dieta dos povos rurais, fornecendo uma fonte rica em proteínas para complementar o consumo

de milho e de outros produtos alimentares disponíveis. Em particular, as variedades de feijão preto indígena denominado

“njahe” em Kikuyu (mais conhecido por Lablab niger e Dolichos lablab na sua denominação cientifica, e por “dólicos do

Egipto” em Português), que eram cultivadas por mulheres, constituíam uma boa parte da colheita. O njahe tinha um

significado especial para as mulheres uma vez que se acreditava que o feijão aumentava a fertilidade e que tinha

propriedades curativas no período de recuperação do parto. Era ao mesmo tempo um alimento quase sagrado. Crescia

na montanha Ol Donyo Sabuk, o segundo local mais importante onde habita o Criador de acordo com a religião Kikuyu,

e era bastante utilizado em cerimónias divinas. Os feijões no Quénia são predominantemente um cultivo de pequenos

fazendeiros, cultivado na sua maioria por mulheres para alimentar as suas famílias. Tradicionalmente, as mulheres

tendiam a plantar variedades múltiplas no mesmo campo de cultivo – conservando uma variedade de sementes em stock

– como uma mais valia contra as doenças e mudanças climatéricas imprevistas. Pratos locais como “githeri” e “irio”,

também eram baseados em vários tipos de feijões.

Estes padrões começaram a mudar na era colonial. A administração Britânica estava principalmente interessada em

aumentar a produção de milho, que fornecia a fonte de alimento menos dispendiosa para os construtores de caminhos-

de-ferro, e em introduzir outras plantações rentáveis como o algodão e o sisal para assegurar o pagamento de impostos.

A estratégia desenvolvida para pôr este plano em prática incluía a atribuição de incentivos financeiros e preços

favoráveis para o cultivo de milho, por um lado; e, por outro lado, a introdução de novas variedades de feijão branco e

encarnado com potencial de exportação (para a Europa em particular) de forma a substituir o njahe e outras espécies

nativas. Apesar de ter sido experimentada uma variedade de espécies ao longo dos anos pela agricultura colonial,

poucas se adaptaram às condições do Quénia e foram aceites nas dietas locais. Aquelas que foram – Feijões, coco rosa

e Phaseolus vulgaris, em particular – apoderaram-se gradualmente do mercado, e o njahe foi deixando de ser produzido.

A agricultura colonial também desenvolveu campanhas de purificação para eliminar plantações de feijões misturados e

para assegurar a prática de “uma variedade por localização” – geralmente uma variedade exportável. Feijões puros ou

ordenados valiam duas ou três vezes mais que colheitas mistas.

Os custos de Monocultura

O fenómeno teve verdadeiras consequências para a nutrição, para a biodiversidade agrícola nas terras altas do Quénia,

para a fertilidade do solo e para as mulheres agricultoras. A substituição do feijão por milho nas dietas locais iniciou uma

espiral descendente no consumo alimentar de população rural que, apesar de não se dever apenas a este factor,

continuou sem diminuição. Ao mesmo tempo, a eliminação de múltiplas variedades de feijão cultivado em épocas pré

Sementes da Vida:As Mulheres e a Biodiversidade Agrícola em África

Sementes da Vida: As Mulheres e a Biodiversidade Agrícola em África

38

coloniais tinha paralelamente empobrecido o stock genético agrícola, desenvolvido ao longo de milhares de anos de

agricultura humana na África de Leste. O cultivo intensivo de milho e a indiferença pelas propriedades dos legumes como

a njahe na fixação de nitrogénio resultaram num empobrecimento dos solos. A monocultura do feijão levou a uma maior

susceptibilidade destas culturas a doenças. Finalmente, uma vez que a cultura de feijão constituía um elemento

importante da actividade económica das mulheres e da capacidade de alimentarem as suas famílias, a pressão para

produzir lucro e abandonar o feijão contribuiu inevitavelmente ao aumento da migração de mulheres para áreas urbanas.

As políticas coloniais foram de facto estendidas até ao período da independência do Quénia. A preocupação

continuada com produções rentáveis e exportações, o monopólio destas actividades pelo homem, pressões económicas

de impostos, e a necessidade de pagar as despesas escolares foram algumas razões que mantiveram as atenções

afastadas do papel das mulheres na produção de feijões e na conservação da diversidade de feijões. Só a partir dos anos

70 o preconceito contra as espécies tradicionais de feijões começou a cessar, à medida que a politica agrícola do Quénia

empreendeu uma re-Africanização gradual.

Exemplos por toda a África

A situação descrita no Quénia está longe de ser um fenómeno isolado. Por toda a África, histórias similares poderiam ser

invocadas – histórias sobre o empobrecimento gradual dos stocks de sementes devido a pressões de plantações

rentáveis e paralelamente da negligência do papel das mulheres na agricultura enquanto guardiãs da biodiversidade. De

facto a Africa é uma das regiões do mundo com o quociente mais baixo entre os stocks de espécies originais e sementes

importadas – uma característica típica de outras zonas de implementação colonial como a América do Norte e a Austrália.

Stocks de sementes e plasma de germinação constituem um tipo de repositório botânico do conhecimento indígena.

Devido à sua responsabilidade para com a sobrevivência da família, as mulheres foram centrais no cultivo de espécies

de plantações agrícolas, pela preservação de sementes e pela domesticação e uso de plantas comestíveis selvagens.

Preocupações com a susceptibilidade a doenças e seguros contra o fracasso das plantações sob stress climático e a

imprevisibilidade levaram-nas a diversificar estes stocks e os padrões de cultivo.

≠ Na Burkina Faso e por todo o Oeste Sahel Africano, por exemplo, as mulheres rurais colhem cuidadosamente a

fruta, folhas e raízes de plantas nativas como a arvore báobá (Adansonia digitata), folhas de malva espinhosa

(Hibiscus sabddarifa), folhas de Mafumeira (Ceiba pentadra) e tubérculos de juncinha (Cyberus esculentus L)

para uso na dieta das suas famílias, complementando a agricultura do grão (milho miúdo, sorgo) que fornecem

apenas uma parte do espectro nutricional e que pode falhar em qualquer ano. Mais de 800 espécies de plantas

selvagens comestíveis foram catalogadas por todo o Sahel.

≠ No sul do Sudão, as mulheres são directamente responsáveis pela selecção por todas as sementes de sorgo

guardadas para plantação todos os anos. Elas escolhem as sementes e conservam uma larga variedade que

assegurará a resistência às diversas condições que poderão surgir em qualquer época de cultivo.

O papel das mulheres agricultoras em todo o mundo

Histórias equivalentes sobre o género e a biodiversidade agrícola também podem ser encontradas noutras regiões do

mundo. Em sociedades agrícolas por todo o globo, as mulheres tenderam a ser guardiãs da biodiversidade.

≠ Investigadores da Universidade Agrícola Wageningen da Holanda constataram que as mulheres da região

Kalasin no norte da Tailândia desempenham um papel essencial na gestão da interface entre espécies de plantas

comestíveis domesticadas e selvagens. Nos anos recentes elas não só trouxeram novas espécies de plantas

selvagens para cultivo como estimularam as suas comunidades a regularem cuidadosamente os direitos de

propriedade face ao aumento da comercialização.

≠ As mulheres nas comunidades Dalwangan e Mammbong, na província Bokidnon, Mindanao (Filipinas)

desempenharam um papel activo, em conjunto com investigadores agrícolas, na constituição de um “banco de

memória” de plasma de germinação indígena, porque elas partilhavam da mesma preocupação pela

Sementes da Vida: As Mulheres e a Biodiversidade Agrícola em África

39

diversidade. “Eu cultivo tipos diferentes de batata-doce, tantas quantas consigo isolar”, comentou um

agricultor, “porque cada uma tem a sua utilidade e nenhuma é imune a todos os desastres.”

≠ No norte da Índia, uma mulher agricultora põe a questão de forma sucinta enquanto selecciona as sementes

para armazenar: “É preciso um olhar apurado, uma mão sensível e muita paciência para perceber a diferença

entre estas sementes. Mas estas já não são as coisas que são respeitadas.”

≠ Nos Estados Unidos, a modificação genética dos tomates pela industria agrícola originou espécies que têm uma

longa “vida em prateleira” – i.e., a capacidade de amadurecer em trânsito, ou em mercearias, depois de terem

sido colhidas verdes – e até com formas quadradas que facilitam a embalagem em caixas. Estas características

tornam a plantação de tomate uma actividade mais lucrativa e mais fácil de desenvolver a uma larga escala, mas

têm tido como consequência paralela a perda de gosto e a de diversidade genética. Um mercado menor nasceu

nos “tomates de herança” – espécies preservadas em muitos casos por mulheres jardineiras e agora

conservadas e reproduzidas para o consumidor de produtos orgânicos.

Invertendo a corrente

Ainda haverá tempo para países como o Quénia? Sim, mas não há tempo a perder. A diminuição da diversidade dos

stocks de sementes põe a segurança alimentar em risco, por causa da maior vulnerabilidade da faixa reduzida de

espécies a mudanças climatéricas e a outros eventos ambientais. E parece improvável que a situação possa ser invertida

sem dar maior atenção aos meios pelos quais os agricultores tradicionais têm criado os stocks de sementes e de espécies

indígenas, e ao papel central que as mulheres desempenharam neste empreendimento.

Mesmo assim o próprio feijão njahe recuperou uma parte do terreno perdido no século passado. Com o abandono

das ambições de exportação do feijão branco, o gosto africano pelas variedades de feijão preto e encarnado voltou a

afirmar-se. Mas os feijões secos – e o trabalho feminino que tradicionalmente assegurou o seu volume e diversidade –

permanecem subsidiários na economia do Quénia. O aumento da sensibilidade para questões da biodiversidade –

despoletados pelas florestas tropicais e pelo exemplo do desaparecimento de espécies com propriedades medicinais –

plantou novas sementes de esperança neste domínio, tanto para Africa como para outras regiões em desenvolvimento.

O Centro Internacional para a Agricultura Tropical (CIAT) em Cali, Colômbia, está a coordenar um projecto de investigação

participativa sobre o papel do género na agricultura, e o cultivo participativo de plantas (Investigação Participativa e

Análises do Género: “PRGA”, na Internet em www.prgaprogram.org). Uma filial foi estabelecida no Uganda para a

iniciativa das Terras altas Africanas, uma exploração de investigação do género participativa no Leste de Africa. Ao

mesmo tempo, a Associação de Desenvolvimento de Arroz do Oeste Africano (WARDA), com sede em Bouaké, Costa do

Marfim, tem dado maior atenção à preservação da biodiversidade entre os agricultores de arroz do Sahel, tendo

patrocinado investigação em praticas relacionadas no sudoeste de Mali. (Ver www.cgiar.org/warda)

Este artigo foi escrito por Peter Easton e Margaret Ronald (co-autores, Universidade do Estado de Florida. A investigação decorreu sob a

alçada do Clube do Sahel/OECD, o Comité Interestadual para o Combate da Seca no Sahel/Comité inter-état Contre la Sécheresse (CILSS) e

a Associação para o Desenvolvimento da Educação em Africa.

41

Sempre foi difícil fazer chegar aos mais pobres as ajudas para o desenvolvimento, particularmente na saúde, em que muitos

dos recursos beneficiam a classe média em hospitais urbanos. Para os pobres do meio rural, e também cada vez mais para

os pobres do meio urbano, a única forma de cuidados de saúde acessível é fornecida por curandeiros tradicionais.

A Zâmbia, com uma percentagem estimada entre os 20 e os 25 por cento da população infectada pelo VIH, só tem 900

doutores educados no Ocidente (600 dos quais são estrangeiros), mas tem 40,000 curandeiros tradicionais registados para

uma população de 10 milhões. O Gana, com 5 por cento da população infectada, tem 1200 doutores educados no ocidente

mas uns cerca de 50,000 curandeiros tradicionais para uma população de 20 milhões. Assim, o rácio de doutores para

curandeiros tradicionais é de 1:44 na Zâmbia e de 1:42 no Gana. Dado o papel cultural central dos curandeiros tradicionais

nas comunidades, estes constituem uma das melhores esperanças de tratar e conter a propagação do VIH. Mas os

curandeiros dependem de plantas medicinais e tem havido um decréscimo significativo na abundância de muitas espécies

importantes para a medicina devido ao seu habitat ter desaparecido com a desflorestação, o cultivo, os incêndios, as secas,

a desertificação, etc. Este problema tem sido exacerbado pela procura local e internacional de plantas medicinais. Além

disso, os curandeiros tradicionais identificaram como ponto importante, a perca de conhecimento indígena relacionado com

a medicina tradicional, que constitui parte da herança cultural das comunidades locais e é usualmente transmitido

oralmente. Este conhecimento é muitas vezes desvalorizado pelas gerações mais novas, pelo menos em parte porque a

medicina tradicional raramente proporciona retornos económicos ao praticante.

Como reconhecimento da importância de preservar e proteger este conhecimento étnico medicinal, e as plantas em que

se baseia, os governos da Zâmbia e do Gana, com o apoio do Banco Mundial, estão em vias de estabelecer uma ponte entre

o ambiente e a saúde no combate ao VIH. Na Zâmbia, uma agência em actividade é a Associação de Praticantes de Saúde

Tradicional da Zâmbia (THPAZ) através do Programa de Apoio Ambiental (ESP) sob o Ministério do Ambiente e Recursos

Naturais. No Gana, o esforço fará parte do Projecto de Conservação da Biodiversidade da Savana do Norte (NSBCP) sob o

Ministério do Território, das Florestas e das Minas. Basicamente os dois projectos têm a mesma abordagem apesar de

diferirem no modelo: na Zâmbia a iniciativa foi readaptada a um programa já existente enquanto que no Gana as actividades

farão parte de um projecto modelo em desenvolvimento. O que se segue é em primeiro lugar uma curta descrição da

componente SIDA/VIH envolvendo curandeiros tradicionais sob a ESP da Zâmbia; em segundo lugar, a comparação de

evidencias sócio culturais em particular as diferenças relacionadas com a medicina tradicional nos dois países e em função

do género; em terceiro lugar, algumas das dificuldades sentidas durante o processo de estabelecer esta iniciativa

transversal envolvendo agricultura, ambiente, saúde e desenvolvimento rural.

Sob a iniciativa da Zâmbia, “Protecção e Uso Sustentado da Biodiversidade para Valor Medicinal: uma iniciativa para

combater a VIH/SIDA” existem três actividades principais. A primeira refere-se à “Conservação da Biodiversidade para a

Prevenção e o Tratamento da VIH/SIDA” que inclui a construção de jardins botânicos, reservas florestais para plantas

medicinais e um herbário com plantas medicinais. Algumas das sementes, cortes e tubérculos para plantação virão de

Florestas Espirituais, que detêm uma biodiversidade considerável e contendo espécies raras de plantas e árvores, que foram

preservadas devido a regras tradicionais, normas e tabus a elas associados. A segunda actividade, “Treino e Construção de

Capacidade”, destina-se aos curandeiros tradicionais e inclui uma longa lista de tópicos desde a modificação

comportamental em ralação ao VIH, compreensão de ecossistemas, nutrição, toxicologia, virologia básica, epidemias, e

imunologia. Complementarmente aos aspectos ambientais e medicinais também ocorrerá um treino legal para que os

curandeiros não infrinjam a lei, como as leis de Feitiçaria, podendo assim adquirir uma melhor compreensão dos direitos

humanos. A terceira actividade “Disseminação de Informação/Conhecimento sobre a Biodiversidade e VIH/SIDA” criará

uma estratégia de comunicação a ser implementada através de newsletters, programas de rádio, TV, peças de teatro e

panfletos. Esta actividade também incluirá uma base de dados electrónica sobre plantas medicinais e a publicação de um

O Conhecimento Indígena e a VIH/SIDA: Gana e Zâmbia

Notas IK Nº 30 Março 2001

O Conhecimento Indígena e a VIH/SIDA: Gana e Zâmbia

42

manual para os curandeiros tradicionais para ser utilizado durante a sua actividade. Todos os materiais de treino, programas

e publicações estarão disponíveis nas linguagens locais mais importantes e um programa de literatura elementar será

acrescentado de forma a permitir que os curandeiros iletrados sejam capazes de registar as suas patentes, e documentar o

seu conhecimento indígena.

As análises em função do género têm sido essenciais para desenhar os projectos tanto na Zâmbia como no Gana, em que

o papel da mulher é bem diferente nos dois países. De uma forma geral a divisão do trabalho em função do género foi mais

forte no Gana que na Zâmbia. Este factor teve efeitos no posicionamento de curandeiras tradicionais bem como na sua

capacidade de participar em actividades do projecto. Algumas das diferenças sócio culturais serão seguidamente analisadas.

Na Zâmbia, os curandeiros tradicionais receberam ajuda doadores para se organizarem a nível nacional, e 60 por cento dos

curandeiros registados são mulheres. Diz-se até que o número de curandeiras tradicionais está a aumentar como forma de

resposta ao aumento de pacientes infectados com VIH/SIDA. O povo chama o VIH/SIDA de “Kalaye noko”, o que significa “vai

e diz adeus à tua mãe”, porque muitas pessoas morrem nas aldeias em casa das respectivas mães. Apesar de no Gana as

mulheres serem também responsáveis por tratar dos doentes, o contraste torna-se nítido no que diz respeito à prática dos

curativos. No Gana, não existe nenhuma associação funcional de curandeiros tradicionais a nível nacional, e as três regiões

do norte têm menos de um quinto dos curandeiros nacionais registados. Destes poucos membros registados, menos de 10

por cento são mulheres excepto numa sub-região menor onde um curandeiro activista conseguiu aumentar esse número para

os 49 por cento. Apesar de tudo, esta percentagem reduzida no Gana é mais um reflexo das crenças locais do que do numero

real de curandeiras. Além disso, a iniciativa assistida por banco pode ter sedimentado, sem intenção, tendências já existentes

relacionados com o género ao ter, por exemplo, só treinado os curandeiros registados, que são na sua maioria homens. De

acordo com uma curandeira no Gana, se as mulheres praticarem assumidamente medicina tradicional “são denominadas de

feiticeiras e todos os azares lhes são atribuídos; na maioria dos casos estas mulheres são deserdadas e expulsas das suas

sociedades. Por esta razão apenas a rainha das feiticeiras é conhecida como curandeira, porque ela é tão poderosa que é

impossível ser desafiada por qualquer outro membro da sociedade.”

Em ambos os países foi muito raro encontrar-se curandeiros tradicionais que cultivassem as suas próprias plantas

medicinais, e quando isso acontecia, era quase exclusivamente patrocinado por doadores. Na Zâmbia, as curandeiras

muitas vezes mencionavam um espírito que as guiava até às plantas medicinais, que elas próprias colhiam e preparavam

para o remédio. No Gana, havia uma tendência genérica substancial relacionada com a colheita das plantas, preparação do

medicamento, e até com a sexualidade, que tinha um efeito positivo nos homens mas uma influência negativa nas mulheres.

No Gana havia menos curandeiras casadas do que curandeiros, o que foi explicado por uma curandeira ao dizer que seria

incapaz de curar se o marido estivesse a viver com ela. Nem os curandeiros que usam rituais religiosos tradicionais africanos

no processo curativo, enviavam as suas filhas para os bosques apanhar as plantas, porque “as pessoas pensariam que elas

eram bruxas”. Os maridos não deixavam que as mulheres ajudassem no preparativo dos medicamentos “porque o

medicamento não funcionaria” se fosse preparado por uma mulher. Uma razão óbvia para este tabu prende-se com a

situação e sucessão do lado do pai que significava que a mulher após o casamento mudar-se-ia para casa do marido, e que

o conhecimento secreto sobre plantas e o seu uso medicinal, estariam assim em risco de ser descobertos por outra família.

Os curandeiros do Gana também eram relutantes quanto a ensinar a medicina tradicional às suas filhas, mas as raparigas

pequenas também têm olhos e ouvidos, e muitas mulheres praticam medicina apesar de não o assumirem. Isto teve

obviamente uma influência negativa nas perspectivas de gerar lucro através da sua prática. Apenas as assistentes

tradicionais do parto (TBA) eram quase exclusivamente mulheres, e muitas TBAs recebiam alguma remuneração pelos seus

serviços. Mas a maioria dos curandeiros tradicionais têm como fonte principal de rendimento a agricultura e a remuneração

pelos curativos eram em produtos agrícolas ou pecuários. Na Zâmbia, a economia em declínio forçou muitos curandeiros a

abdicar do pagamento em géneros, voltando-se para os pagamentos standard por cada doença. O mais caro era sempre a

cura para a infertilidade, que tinha de ser paga no momento em que nascia a criança. A forte divisão do trabalho no Gana

dá uma oportunidade única de apoiar as mulheres e as famílias na prevenção da VIH/SIDA e na redução da pobreza através

do projecto, potencializando as perspectivas de sucesso do projecto como um todo. O objectivo a longo prazo da

O Conhecimento Indígena e a VIH/SIDA: Gana e Zâmbia

43

conservação da biodiversidade pode parecer algo abstracto para as comunidades a sofrer da escassez de alimentos e fome;

no entanto, a geração a curto prazo de lucros a partir do cultivo e venda de plantas medicinais conduzindo a melhorias, em

particular na saúde das crianças, pode ter um efeito galopante no sucesso do projecto.

Os curandeiros tradicionais, tanto homens como mulheres, expressam uma enorme vontade de serem treinados para

melhorar a sua prática. No Gana, o programa de comunicação de massas sobre o VIH/SIDA foi bem sucedido em divulgar

informação sobre a transmissão da doença de uma pessoa para a outra através do sangue, relações sexuais, entre outros.

Mas o conhecimento da comunidade sobre a forma como se transmite não foi sempre completo e acertado. Algumas

comunidades referiam o perigo de comer ou de tomar banho com uma pessoa infectada pela SIDA; até apertar a mão ou

usar as mesmas roupas foi mencionado como uma forma possível de contágio. Nenhuma das comunidades admitiu que

existiam indivíduos afectados na sua vila, e tanto na Zâmbia como no Gana, havia uma estigmatização severa vinculado à

pessoa com SIDA. Assim, as pessoas dificilmente admitiriam que estavam infectadas e tratariam o VIH/SIDA como uma

doença comum mas séria. A pobreza e as normas culturais também fizeram da África o continente como a proporção mais

elevada de mulheres infectadas pela SIDA por cada homem. No combate contra a SIDA, os curandeiros tradicionais

necessitam de treino uma vez que fornecem cuidados médicos a cerca de 70 por cento da população. E as TBAs, de acordo

com Organização Mundial de Saúde, assistem 95 por cento dos partos nas zonas rurais, o que as torna prestadoras de

cuidados de saúde particularmente vitais, mas que também as coloca mais vulneráveis à VIH/SIDA. A longo prazo, a infra-

estrutura de saúde fornecida pelos curandeiros tradicionais e as suas organizações poderia vir a servir de rede de

distribuição de medicamentos para a SIDA quando estes ficarem disponíveis a um preço mais razoável. Os curandeiros

tradicionais detêm uma posição única enquanto educadores e potenciais distribuidores de medicamentos para a SIDA – por

exemplo em administrar as doses dos pacientes. Nenhum governo africano tem recursos ou pessoal de saúde em

quantidades necessárias para combater a epidemia da SIDA.

Os Governos no Gana ou na Zâmbia não suportam financeiramente os curandeiros tradicionais uma vez que estes não

modernizam as associações médicas, e em nenhum dos países a medicina tradicional faz parte do currículo das faculdades

de medicina. A este respeito, os países africanos estão muito atrasados em relação a países como a China e a Índia onde a

medicina alternativa é uma parte integrante da prática de medicina moderna em hospitais. Ainda assim, tanto o Gana como

a Zâmbia têm pessoal nos seus Ministérios da Saúde para coordenar políticas para curandeiros tradicionais, e ambos os

governos querem que os curandeiros sejam registados. O Gana demonstrou uma atitude favorável à conservação de plantas

medicinais e reconheceu os curandeiros tradicionais ao aprovar uma Acta de Prática de Medicina Tradicional em 2000. Na

Zâmbia, por seu turno, na altura em que mais de um quinto da população ficou infectada pela SIDA, os curandeiros

tradicionais foram convidados para fazerem parte do Comité Técnico de Remédios Naturais para o VIH e Outras Doenças

Relacionadas, colocados directamente sob a alçada do estado. O Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais, sob o

qual se enquadra o ESP, de início estava muito relutante em envolver a sociedade civil na gestão dos recursos naturais, e

em particular a THPAZ, que é a maior organização não governamental do país. Os curandeiros tradicionais foram

considerados irrelevantes para a modernidade e como tal a serem excluídos do desenvolvimento. Uma relutância similar foi

encontrada inicialmente no Banco Mundial onde as práticas dos curandeiros tradicionais eram muitas vezes percepcionadas

como desprovidas de validação científica, e como tal, de legitimidade. Esta visão também era partilhada entre os médicos

ocidentais, apesar da prática de medicina tradicional anteceder a prática de medicina moderna assim como o uso de ervas

e de plantas medicinais antecede a actual farmacologia. No entanto, gradualmente, esta atitude mudou e actualmente é

reconhecido que iniciativas como às da Zâmbia e do Gana estão a beneficiar directamente os pobres e têm um potencial

considerável em tratar doenças relacionadas com a SIDA.

Este artigo foi escrito em cooperação por Peter Easton e Margaret Ronald, Universidade do Estado da Florida. A investigação decorreu sob

a alçada do Clube do Sahel/OECD, o Comité Interestadual para o Combate da Seca no Sahel/Comité inter-état Contre la Sécheresse (CILSS) e a

Associação para o Desenvolvimento da Educação em Africa.

Notas IK Nº 44 (2002)

45

Muitos esforços têm sido investidos pelo governo do Uganda em produzir alimentos suficientes para a população do Uganda

e para exportação do excedente. No entanto os vegetais indígenas, mais conhecidos como vegetais tradicionais, têm sido

desvalorizados a favor dos vegetais exóticos introduzidos (Rubaihayo, 1995). Assim sendo, o potencial dos vegetais

tradicionais não foi explorado.

Os vegetais tradicionais são perecíveis, de baixo rendimento e o seu valor enquanto plantações comerciais não foi

explorado. Mesmo assim, a maioria dos agricultores locais não podem sempre produzir vegetais exóticos devido à

indisponibilidade de sementes e/ou devido aos elevados custos de produção desses vegetais. Infelizmente, as populações

rurais e urbanas com pouco recursos muitas vezes têm dificuldade em comprar vegetais exóticos nos mercados locais devido

ao seu elevado preço. Assim sendo, dependem de vegetais tradicionais para acompanhamento ou como molhos a

acompanhar os alimentos principais como o milho, mandioca, batata-doce, banana, milho-miúdo, sorgo e inhame (Rubaihayo,

1994). Os alimentos principais fornecem as calorias necessárias à energia do corpo mas são muito pobres noutros nutrientes

enquanto os vegetais tradicionais têm um valor nutritivo bastante elevado. Estes contêm vitamina A, B e C, proteínas e

minerais como Ferro, Cálcio, Fósforo, Iodo e Flúor em quantidades variadas mas adequadas para um crescimento e para uma

saúde saudáveis. Por exemplo, a vitamina A que é necessária para prevenir a cegueira, especialmente em crianças encontra-

se em todos os vegetais tradicionais de folhagem verde escura como a Amaranthus (dodo), Solanum aethiopicum (Nakati),

Manihotesculenta (folhas de mandioca) e Ipomea batatas (folha de batata-doce). Por outro lado, crê-se que vegetais como

Solanum indicum disctichum (Katunkuma) regulam a hipertensão. Desta forma os vegetais tradicionais vão de encontro às

maiores necessidades calóricas, proteicas e nutricionais em especial das crianças, dos doentes, dos idosos, e das grávidas

(FAO, 1988).

Infelizmente os consumidores não têm sido sensíveis ao ponto de apreciarem o papel dos vegetais tradicionais no

preenchimento das necessidades humanas referidas.

A maioria dos vegetais tradicionais no mundo em desenvolvimento é produzida em hortas de cozinha ou domésticas.

Devido à importância dessas hortas, um workshop de Projectos de Hortas Domésticas teve lugar em Banguecoque, Tailândia

em Maio de 1991 para consolidar as lições aprendidas da experiência com os projectos de hortas domésticas. O worhshop

analisou a relevância e a eficácia da produção doméstica de alimentos enquanto intervenção de desenvolvimento, destinada

a povos mais desfavorecidos do ponto de vista económico e nutricional, identificando estratégias de implementação viáveis

para hortas domésticas (Midmore e tal., 1991).

O propósito deste documento é o de impulsionar políticos e gestores de desenvolvimento a reconsiderarem e darem maior

importância à produção e consumo de vegetais tradicionais, actualmente negligenciados, como forma de melhorar a nutrição,

a geração de lucro e segurança alimentar para estes pequenos bens domésticos. Os pontos de vista expressos neste

documento são o produto de entrevistas com várias pessoas de vários países incluindo o Uganda, Etiópia, Quénia, Tanzânia,

Zimbabué, Zâmbia, Ruanda, Camarões, Nigéria, Gana, Costa do Marfim, Gabão, Senegal, etc. apesar de se dar mais ênfase à

situação do Uganda.

Hortas de cozinha. As hortas de cozinha são comuns em centros urbanos e nos respectivos subúrbios. Normalmente

consistem em pequenas parcelas de terreno com simples pés de vegetais tradicionais enquanto parte do jardim da

residência. Os vegetais são produzidos a baixo custo nestas hortas usando fertilizantes compostos em vez de fertilizantes

comerciais (Midmore e tal., 1991).

Os vegetais tradicionais mais cultivados incluem entre outros espécies folhosas de Amaranthus, Basellaalba,

Solanumaethiopicum, Solanum gilo, Solanum indicum sub sp distchum, espécies de Cqapsicum Colocasiaesculenta,

Phaseolus vulgaris, Gynendropis gynandra, Vigna unguiculata, Bidens pilosa, Manihot esculenta, Corchorus olitoris,

A Contribuição dos Vegetais Indígenas para aSegurança Alimentar do Agregado Familiar

A Contribuição dos Vegetais Indígenas para a Segurança do Agregado Familiar

46

Solanum nigrum, Abelmoschum esculenta, Cucurbita maxima e Acalypha biparlita. Vegetais exóticos como a Brassica

oleracea, B. oleracea e Daucus carota também são frequentemente cultivados. As propriedades de alguns vegetais do

Uganda constam na Tabela 1.

Hortas domésticas. As hortas domésticas encontram-se em vilas. As parcelas são maiores que as das hortas de

cozinha e são misturados vários vegetais e outras plantações incluindo frutos, vegetais, plantas medicinais,

alimentos principais e árvores de sombra. As hortas domésticas em vilas que rodeiam os subúrbios dos centros

urbanos são geralmente plantadas com couves, couve-flor, cenouras, Amanthus lividus (cresce nos pântanos e em

solos ensopados), Solanum gilo, Solanum indicum subsp. dischum mais frequentemente em mono plantações. Estes

vegetais são vendidos nos meios urbanos vizinhos e nos mercados dos subúrbios.

A contribuição dos vegetais indígenas para a segurança alimentar do agragado familiar

As hortas domésticas de vegetais tradicionais no contexto rural são caracterizadas por sistemas de troca de plantas e de

plantas oferecidas durante a época das chuvas. Em muitos países em desenvolvimento, onde estas hortas predominam,

a contribuição da jardinagem de vegetais tradicionais enquanto estratégia de produção de alimentos tem sido

subestimada pelos políticos e pelos seus auxiliares, a favor de vegetais exóticos que são principalmente produzidos para

fins comerciais (Rubaihayo, 1994). Infelizmente, os meios domésticos rurais pobres em recursos, não beneficiam do

notável aumento de produção de vegetais exóticos comerciais devido ao custo de químicos agrícolas necessários à sua

produção. Assim sendo, é extremamente importante desenvolver investigação e estratégias de produção que

possibilitem directamente aos mais pobres a produção não só de vegetais tradicionais mas também de alimentos

principais.

Apesar da contribuição destas hortas para o bem-estar familiar serem de natureza suplementar, contribuições tão

modestas são de grande importância para aqueles que têm muito pouco nas áreas urbanas e rurais. Muitas vezes estas

pessoas pobres só têm acesso a pequenos terrenos marginais e outros possuem pequenos terrenos. A jardinagem de

cozinha e doméstica intensiva pode transformar esse terreno numa fonte produtiva de alimentos e de segurança

económica usando práticas de agricultura narrativa e vegetais tradicionais que são adoptados localmente.

A importância dos vegetais tradicionais. Uma larga proporção da população do Uganda não consome quantidades

adequadas de vegetais tradicionais suficientes para suprir as necessidades diárias de vitaminas, minerais e

proteínas. Até o que é consumido já tem grande parte destes nutrientes destruídos ou perdidos devido à preparação

e confecção dos alimentos. Existe uma eficácia reduzida em assegurar a segurança alimentar ao longo de todo o ano

devido ao facto de serem poucos os vegetais tradicionais cultivados, sendo a maioria colhidos do meio selvagem ou

de campos de plantações. Em alguns ecossistemas são vistos como ervas daninhas e são retiradas, ficando

indisponíveis durante a época seca (Rubaihayo, 1994). Mas esta situação pode ser invertida através de esforços

concertados pelo governo para educar a população em geral e os diversos serviços para proteger os vegetais

tradicionais e para aumentar a investigação no sentido de produzir métodos melhorados de cultivo, de

processamento, de marketing e de armazenamento. Isto levaria a um aumento do consumo de vegetais tradicionais

e o seu contributo para a segurança alimentar seria potencializado.

Tabela 1. Produção de matéria seca dos vegetais comuns do Uganda

Plantação Produção/ha Referência

Cowpea 11.1 t/ha Ocaya, não publicado

Cabbage 24 t/ha Jabber, não publicado

Amaranthus sp. 20 t/ha Rubaihayo, 1994

Solanum aethiopium 7.5 t/ha Rubaihayo, 1994

A Contribuição dos Vegetais Indígenas para a Segurança do Agregado Familiar

47

As hortas familiares são mais comuns em meios domésticos menos favoráveis, e constituem a maior ou a única fonte

de alimento entre colheitas ou quando as colheitas falham. Constituem uma fonte crítica de energia e proteína,

especialmente para crianças recém-nascidas, doentes e idosos. Alguns deste vegetais tradicionais podem continuar

a ser produzidos mesmo durante a época seca, apesar de ser a um ritmo menor devido ao crescimento mais lento. A

destruição do habitat e a migração para áreas urbanas significam que os alimentos selvagens já não estão

disponíveis para estas famílias rurais de recursos reduzidos. Além do mais, a comercialização da agricultura tirou o

lugar a muitas plantações indígenas que costumavam assegurar uma dieta rural balanceada (Rubaihayo, 1992).

É importante reconhecer que os vegetais tradicionais, em especial os de folhagem como Amaranthus, (dodo, Bugga)

Solarnum aethiopicum (Nakati) etc. podem dar jeito em circunstâncias de emergência e em momentos complicados

derivados de conflitos civis e de perturbações naturais que resultem no desalojamento de comunidades. Estes

vegetais tradicionais entram em produção num curto espaço de tempo após as chuvas, podendo ser colhidas três ou

quatro semanas após o seu cultivo. Estes vegetais de folhagem, poderiam ser seguidos de plantações como feijão

que demoram três a quatro meses, para que a compra de alimentos seja uma medida temporária e suplementar

(Rubaihayo, 1995b).

As mulheres e os vegetais tradicionais. No Uganda, apesar de serem as mulheres rurais as responsáveis por

alimentarem as suas famílias, ainda assim têm acesso limitado a recursos. A jardinagem doméstica fornece às

mulheres uma importante fonte de rendimento sem terem de desafiar as restrições sociais e culturais no

desempenho das suas actividades. Hortas de cozinha e domésticas podem melhorar o poder de compra das mulheres

e a capacidade de produzir alimentos, o que tem um impacto directo na nutrição doméstica, saúde e segurança

alimentar.

Nos locais onde os vegetais tradicionais foram comercializados como Malakwang (Hibicus spp.) Nakati (Solanum

aethiopicum), Egobe (vigna unguiculata), Entula (Solanum gilo), Kotunkuma (Solanum indicum subsp. Disticum),

Doodo (Amaranthus dubious), Bdugga (Amaranthus lividus) particularmente à volta da cidade de Kampala e noutras

áreas urbanas, são principalmente os homens que as cultivam. Homens intermediários compram estes vegetais dos

agricultores (homens) e transportam-nos para os mercados, e nos mercados as mulheres compram-nos e revendem-

nos para o público em geral. A venda de vegetais tradicionais em mercados acessíveis às mulheres não só fornece

segurança alimentar para aqueles que têm poder de compra, mas também permite que as mulheres eduquem os seus

filhos, que os vistam e forneçam os artigos essenciais ao lar, evitando assim a miséria.

Hortas domésticas e de cozinha e o ambiente. Apesar de não ter havido nenhum estudo extensivo dos efeitos do

cultivo de vegetais tradicionais para o ambiente, acredita-se que as hortas domésticas contribuem para os sistemas

de gestão territorial ecologicamente sãos. A produção doméstica de alimentos utiliza práticas agrícolas orgânicas

que são amigas do ambiente. O estilo tradicional de hortas domésticas também é essencial na conservação de

diversos recursos genéticos de plantas (Midmore e tal., 1991).

Conclusão

Os vegetais tradicionais são alimentos domésticos comuns e fornecem uma contribuição substancial, apesar de

raramente reconhecida, para a segurança alimentar dos povos rurais em muitos países africanos. Assim sendo, a

educação aprofundada sobre a sua importância enquanto um alimento equilibrador nutricional e enquanto fonte directa

ou indirecta de rendimento, tem de ser empreendida pelos governos africanos, que se deverão centrar nas famílias

pobres de recursos.

A Contribuição dos Vegetais Indígenas para a Segurança do Agregado Familiar

48

Referências

FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), 1988. “Traditional Food Plants.” FAO Food and NutritionPaper 42. FAO, Rome.

Goode, P.M. 1989. “Edible plants of Uganda. The value of wild and cultivated plants a food.” FAO Food and Nutrition Paper 42/1.FAO, Rome.

Midmore, D.J., Vera Nines & Venkataraman, R. 1991. “Household gardening projects in Asia: past experience and futuredirections.” Technical Bulletin No.19 Asian Vegetable Research and Development Center.

Rubaihayo, E.B. 1992. ”The Diversity and potential use od Local Vegetables in Uganda.” Pages 109-114. In:The First NationalPlant Generic Resources Workshop: Conservation and Utilization

Rubaihayo, E.B. 1994. ”Indigenous vegetables of Uganda.” African Crop Science Conference Proceedings 1, 120 - 124.

Rubaihayo, E.B. 1996b. “Conservation and use of traditional vegetables in Uganda.” In: Proceedings on Genetic Resources ofTraditional Vegetables in Africa: Option for Conservation and Use, 29-31 August 1995, ICRAF Quénia (in press).

Este artigo foi escrito por E. B. Rubaihayo, Instituto de Investigação Agrícola de Kawanda, P.O. Box 7065, Kampala, e foi o primeiro publicado

no African Crop Science Journal, African Crop Science Conference Proceedings, Vol. 3, pp. 1337-1340. A actual versão foi ligeiramente editada

e exclui o texto do abstract em Inglês e Francês.

Biodiversidade no Desenvolvimento – Memoranum sobre Biodiversidade 6. IUCN/DFID

49

A agricultura de espécies domesticadas, a colheita de plantas selvagens e a caça de animais selvagens são as principais

fontes de produção alimentar humana. Cerca de 840 milhões de pessoas no mundo não têm suficiente alimento para comer

e a população está a aumentar. Isto significa que a produção de alimentos tem de aumentar 50% até 2020. A Biodiversidade

faz parte da solução uma vez que fornece a informação genética utilizada na reprodução de plantas e animais. Além do mais,

torna os meios de subsistência mais elásticos ao permitir a minimização do risco através de uma variedade de espécies

selvagens ou domesticas em vez de depender de algumas espécies que podem tornar-se susceptíveis a doenças, pestes,

mudanças climáticas e colapsos de mercado. Também proporciona diversidade para uma dieta variada.

Pirâmides da Biodiversidade

A maior parte do abastecimento alimentar mundial depende de um número muito limitado de espécies de plantas e animais.

Cerca de 7000 plantas (2.6% de todas as espécies de plantas) têm sido cultivadas para o consumo humano. Destas, apenas

umas 200 foram domesticadas e apenas uma dúzia contribuem para cerca de 75% das necessidades globais de calorias de

origem vegetal: bananas, feijão, mandioca, milho, milho miúdo, arroz, sorgo, soja, cana-de-açúcar, batata-doce e milho. No

lado animal, mais de 95% do consumo mundial de proteína animal deriva da criação de aves domésticas, gado e suínos.

Existem cerca de 1000 espécies de peixes comerciais, mas na aquacultura menos de 10 espécies dominam a produção global.

A produção de alimentos humana assenta sobretudo nas pontas das pirâmides da biodiversidade, deixando a maioria das

espécies menos usadas por domesticar.

As espécies domesticadas há mais tempo tendem a estar mais diversificadas: por exemplo, existem cerca de 25000

cultivos de milho, mais de 1300 espécies de ovelhas, e mais de 20 variedades de carpa comum. No entanto em anos recentes,

esta variedade tem sido reduzida através da erosão genética. Estima-se que o número de cultivos de milho na China tenha

descido de 10000 para 1000 em 50 anos; que 90% da couve, milho campestre e variedades de ervilhas já não existam; e que

mais de 30% das espécies animais para fins alimentares estejam em risco de extinção. As causas para esta erosão genética

são várias, mas a razão mais consistente parece relacionar-se com a substituição das variedades locais como resultado da

propagação da agricultura moderna.

Esta perda de agrobiodiversidade representa um risco para a produção de alimentos, em três vertentes:

≠ a redução das opções do futuro, através da perda de informação genética e de material genético que poderia

ser introduzido em plantações domesticadas e em stock através da reprodução;

≠ uma crescente susceptibilidade a doenças e pestes por serem cultivadas menos espécies em grandes extensões

de terreno, o que pode conduzir a uma dependência de pesticidas (e até de fertilizantes);

≠ a destabilização dos processos do ecossistema, através da ruptura da constituição dos solos, dos ciclos de

predador – presa, etc.

Estes riscos aplicam-se particularmente aos camponeses pobres que têm pouco acesso à tecnologia ou bancos de genes,

A Segurança Alimentar e a Biodiversidade

A biodiversidade e a nutrição

A qualidade dos alimentos, especialmente em termos do fornecimento essencial de vitaminas e outros nutrientes,

é vital para alcançar a segurança alimentar, evitando doenças nutricionais. Apesar das plantações principais e o

stock fornecerem a maior parte das necessidades de energia e de proteínas, são muitas vezes deficientes noutros

nutrientes. Nos países de consumo de arroz, por exemplo, os défices nutricionais comuns incluem: ferro, vitamina

A, iodo, tiamina, riboflavina, cálcio, vitamina C, zinco, gordura e ácido ascórbico. Muitos destes nutrientes são

fornecidos por alimentos recolhidos nas terras selvagens e de pousio, dos quais milhões de pessoas dependem.

Entre estes alimentos incluem-se vegetais de folhagem verde que são cozinhados e comidos à refeição, e que podem

fornecer importantes suplementos de ferro e vitamina A. Outros produtos “menores” incluem nozes, óleos, insectos,

mini peixes, aves, raízes/tubérculos fornecendo uma variedade de gorduras, vitaminas, minerais e óleos.

A Segurança Alimentar e a Biodiversidade

50

para encontrar soluções, mas também se aplicam aos produtores comerciais que dependem da diversidade dos cereais e

castas locais, assim como aos parentes selvagens de espécies domesticadas, para programas de futura reprodução. Muitas

variedades que foram desenvolvidas localmente, tais como os 3-5.000 culturas de batatas nos Andes oferecem um ponto de

partida vital nos programas futuros de produção. Proporção de comida com origem nos produtos selvagens, consumida por

famílias pobres, remediadas e relativamente ricas.

Áreas que são pontos quentes ou seja, de alta diversidade genética de cereais e de gado, juntamente com bancos de

genes ex situ( fora do lugar) são os principais repositores de informação genética. Em resultado disso, estão no centro de um

conflito sobre a propriedade uma vez que os recursos genéticos têm sido tratados como “bens globais” e as agências

multilaterais que desenvolvem bancos de genes, enviaram sementes, sémen e outros materiais, para investigadores de

qualquer parte do mundo. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) obriga as nações e as comunidades a avaliar a sua

biodiversidade e a estabelecer os seus direitos no que respeita à sua exploração, uma vez que, o acesso aos recursos

genéticos, que foram reunidos antes que a CBD estabelecesse normas, permanece por regulamentar.

Pequena escala e agricultura de subsistência

Muitos camponeses pobres, especialmente aqueles que vivem em ambientes onde não prosperam as variedades de alta

produção de cereais e de gado, dependem do uso de uma larga gama de tipos de cereais e de gado. Isto ajuda-os a sobreviver

perante uma infestação patogénica, a falta de chuva, a flutuação dos preços dos cereais pagos a pronto, ruptura socio-política

e a incerteza da disponibilidade de agro-químicos.

As chamadas “colheitas menores” (mais correctamente, colheitas associadas), desempenham um papel

desproporcionadamente grande nos sistemas de produção de comida a nível local. Plantas que crescerão em solos inférteis

ou sujeitos a erosão e gado que comerá vegetação degradada são frequentemente cruciais para as estratégias nutricionais

de uma família. A acrescentar a isto, as comunidades rurais e os mercados urbanos com os quais eles negociam fazem um

grande uso das espécies de colheitas associadas, especialmente as hortaliças de folha verde.

Campos de pousio e terras bravias podem proporcionar um grande número de espécies úteis aos camponeses. Para além

de fornecerem calorias e proteínas, os alimentos silvestres são fonte de vitaminas e outros micro - nutrientes essenciais ao

organismo. Em geral as famílias pobres estão mais dependentes do acesso aos alimentos silvestres do que os ricos (ver

quadro), embora em algumas áreas a pressão sobre os campos seja tão grande que as reservas de alimentos selvagens estão

a ficar esgotadas.

Os governos e os planos de acção dos doadores para promoverem a produção de alimentos através da monocultura

podem não prestar atenção a estes recursos, distorcer as decisões tomadas pelos camponeses e ameaçar a diversidade. Um

problema comum tem sido a introdução de novas variedades, ou espécies, com necessidade de investimento elevado e

depois subsidiar investimentos químicos. Programas para a produção de milho em regiões da África do Sul, com tendência

para a seca, tem desencorajado o uso de um grande número de variedades de cereais locais. E a alteração do leito do Rio

Indo, para irrigar plantações agrícolas, causou salinização no mangue do delta do rio, mudando assim de uma região de

Proporção de alimentos provenientes de produtos selvagens em meios domésticos pobres, da classe média e

relativamente ricos

Título do Questionário Data Muito Pobre Classe Média Abastados

Wollo – Dega, Etiópia 1999 0 – 10% 0 – 10% 0 – 5%

Jibor, Sudão 1997 15% 5% 2 – 5%

Chitipa, Malawi 1997 0 – 10% 0 – 10% 0 – 5%

Ndoywo, Zimbabué 1997 0 – 5% 0 0

Fonte: Save the Children fund (ANA)

A Segurança Alimentar e a Biodiversidade

51

grande diversidade e extremamente produtiva, com uma elevada taxa de população humana, para uma área de vegetação

pouco densa, dominada por uma espécie única, a Avicennia marina.

Ruptura do ecossistema: Introduções de novas colheitas e agro-químicos

Apesar dos benefícios para os camponeses locais de sistemas agrícolas ricos em biodiversidade, as variedades indígenas

têm, muitas vezes, desenvolvido pestes e patologias e podem, para além disso, ter investimentos relativamente baixos. Neste

sentido, a introdução de espécies de cereais de fora do seu centro de origem tem sido extremamente benéfico e muito do

desenvolvimento da agricultura tem dependido dessa medida. Mas, algumas introduções, acidentais e intencionais têm

provocado impactos significativos nos ecossistemas locais, frequentemente com maiores implicações no que diz respeito à

garantia de alimentos.

Um exemplo comum está relacionado com a recente introdução de cereais que inicialmente parecia ser bem sucedida e,

em seguida, mostram a produção em declínio, quer através da agressão ao desenvolvimento das espécies locais quer pela

introdução de uma peste ou de um micróbio patogénico da sua região de origem (ver BB7).

Um diferente equilíbrio de um ecossistema que necessita de ser mantido para produção de comida é o do solo, onde

invertebrados e micróbios são fundamentais para decompor os materiais mortos e reciclar os nutrientes como parte do

processo de formação do solo. Para além disso, há relações importantes entre o solo e as plantas que não devem ser

alteradas: certos fungos do solo formam associações micorrizais na raiz das plantas que realçam a absorção de nutrientes do

solo; a bactéria rizobium produz nódulos que fixam o nitrogénio nas plantas com pequenas raízes. Aplicações de um

fertilizante orgânico, tal como estrume nos sistemas agrícolas mistos tendem a fortalecer estas interacções e aumentar a

fertilidade do solo mas a perda de matéria orgânica e/ou grandes aplicações de fertilizadores inorgânicos podem levar a

reduzir a fertilidade do solo e a poluir os caudais de água.

Produção e Biotecnologia

Grande parte do sucesso da Revolução Verde pode ser atribuída à biodiversidade genética que se empenhou em reproduzir

novas variedades de cereais altamente produtivas. A criação de plantas modernas muitas vezes necessita de uma

adaptabilidade mais ampla e tenta desenvolver variedades que são insensíveis à duração da luz do dia (e podem, para além

disso, crescer em qualquer lado). Tem sido frequentemente dirigida para a produção de variedades que respondem às

aplicações de fertilizantes e podem ser plantadas onde estão disponíveis os pesticidas e a irrigação. O resultado é um

aumento da produção, crescendo, contudo, apenas um pequeno número de variedades. Isto pode torná-las menos acessíveis

aos camponeses pobres e levar aos vários problemas acima apontados. É necessário estabelecer um equilíbrio cuidadoso.

Parte da solução para resolver este conjunto de problemas é através de abordagens participativas à reprodução de

plantas e selecção de novas variedades. Estas tentativas têm como objectivo descentralizar a reprodução de plantas e

incorporar as prioridades e constrangimentos dos camponeses mais intimamente na selecção de novas variedades. Os

camponeses testam-nas, frequentemente a um nível baixo ou sem qualquer fertilizante, adoptando-os apenas se elas se

comportam da mesma forma que as variedades locais, sob as mesmas condições. Na zona ocidental da Índia, a reprodução

participativa de plantas tem ajudado a conservar os genes de plantas ao cruzar variedades de arroz indígena que eram mais

heterogéneas do que aquelas que resultavam de uma reprodução centralizada.

Os exemplos mais conhecidos e controversos da biotecnologia são as variedades transgénicas de cereais ou organismos

geneticamente modificados (GMOs). Estes são produto da transferência de genes de um organismo para outro,

frequentemente resultando em alteração genética entre espécies não relacionadas (ex. genes de narcisos em arroz). Muitos

GMOs oferecem tolerância aos herbicidas ou resistência aos insectos e são habitualmente dirigidos às produções agrícolas

comerciais do Norte. O potencial de organismos geneticamente modificados para se cruzarem com os parentes bravios de

cereais é rapidamente relacionado: se uma determinada característica de um GMO confere uma vantagem de adaptação

sobre o seu parente selvagem, pode alterar a população de plantas que actuam como reservatório de genes para espécies

cultivadas no futuro.

Conclusões

A Segurança Alimentar e a Biodiversidade

52

≠ Programas de recolha e caracterização de cereais indígenas, bem como de variedades de gado e peixe deviam

ser mantidos e aumentados, prestando particular atenção à sua capacidade de produção sob condições de

baixo investimento. Em conjugação com isto, os incentivos económicos e as barreiras institucionais para a

manutenção da biodiversidade dos cereais, do gado e do peixe e os sistemas de cultivo ricos em biodiversidade

deviam ser revistos.

≠ Devia ser dado apoio aos países em desenvolvimento nos seus esforços para avaliar os seus recursos genéticos

assim como estabelecer sistemas para o seu uso de forma a trazer benefícios ao país e assegurar-se que os

benefícios de programas de reprodução nacionais e internacionais atinjam as comunidades rurais. Muitas

comunidades rurais foram envolvidas na produção dum amplo banco de genes de populações domesticadas e

semi-domesticadas e o reconhecimento pela sua contribuição é importante.

≠ A criação de plantas e animais necessita ser descentralizada, e realizados esforços para incluir as necessidades

locais e constrangimentos nos critérios de selecção de novas variedades. Isto reduzirá o risco da imposição aos

agricultores de variedades com maior saída que eles não têm recursos para pagar.

≠ Todas as introduções de espécies alienígenas, variedades e raças, especialmente oriundas de outros

continentes, deveriam ser sujeitas a uma vigilância reforçada, através de estudos de risco e de impacto de forma

a assegurar a sanidade ambiental e a produção alimentar sustentável, evitando ameaças à saúde humana.

≠ O risco potencial das GMOs realça a importância de estabelecer procedimentos adequados de bio segurança.

No entanto, a capacidade de implementar os requisitos do protocolo de bio segurança da CDB é fraca, e

necessita de um reforço substancial em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

≠ Deveria ser dada prioridade a projectos que procurem formas amigas do ambiente de melhorar a fertilidade dos

solos, e de reduzir as aplicações de pesticidas (e.g. através de abordagens de controle biológico).

≠ O desenvolvimento de programas deve assegurar que as áreas que fornecem alimentos selvagens permanecem

produtivas e acessíveis.

≠ É urgentemente necessária uma política global sobre quem é proprietário dos genes armazenados nos bancos

de genes nacionais e internacionais, e estas politicas deverão clarificar os princípios da propriedade intelectual

e da partilha de benefícios da CBD.

Informação Adicional

FAO 1998, The State of World Fisheries and Aquaculture. FAO, Rome

FAO 1998, The State of World’s Plant Genetic Resources For Food And Agriculture. FAO, Rome

A base de dados da FAO sobre espécies animais de criação http://dad.fao.org

Groombridge, B.& M.D. Jekins 2000. Global Diversity. Earth’s living resources in the 21st century. Cambridge:WCMC & Hoechst.

Hammond, K. & H.W. Leitch 1995. Towards better management of animal genetic resources. World Anima Review, 84/85:48-53.

Reference to other Biodiversity Briefs is denoted as (See BB#).

Web site

All Biodiversity Development Project (BDP) documents can be found on the web site:http://europa.eu.int/comm/development/sector/environment

Este resumo sobre Biodiversidade é baseado num esboço realizado por Roger Blench do Overseas Development Institute, e foi

editado pela BDP e a Martyn Murray (MGM Consulting Ltd). Apoio técnico adicional foi fornecido por Robert Tripp e Elizabeth

Cromwell do ODI, e John Seaman do SCF. Este resumo foi patrocinado pela European Comission Budget Line b7-6200 e a UK

DFID. As opiniões expressas neste documento são apenas as dos autores, e não reflectem necessariamente as da Comissão

Europeia, da DFID ou do IUCN. O resumo não implica qualquer opinião sobre o estado legal de nenhum pais, território ou

oceano, ou das suas fronteiras.

Mujaju C., Zinhanga, F. & Rusike, E. (2003)

53

O processo de modernização da agricultura no Zimbabué tem marginalizado muitos agricultores e aumentadas as

desigualdades sociais e económicas neste país. Em consequência das tecnologias e da Revolução Verde houve uma

erosão genética e um desaparecimento de cultivos adaptados eco-geograficamente, limitando assim as escolhas dos

agricultores. Os conhecimentos dos agricultores sobre a selecção, tratamento e armazenagem de sementes têm-se

simultaneamente perdido neste processo de adaptação a culturas melhoradas.

O desenvolvimento da agricultura tradicional local depende da micro-adaptação dos agroecossistemas. As

adaptações feitas nas culturas seguem padrões complexos de acordo com o solo, a água, o clima, a topografia, a

diversidade social e cultural, que, também, podem afectar a produção e a utilização dessas culturas. Isto tem

implicações directas para o desenvolvimento de intervenções e de novas tecnologias. Os agricultores minifundiários têm

demonstrado um grande interesse nas inovações tecnológicas e em novas sementes.

O que deve ser feito para assegurar a segurança das sementes para agricultores

minifundiários nas áreas periféricas?

Têm que estar disponíveis intervenções de forma a possibilitar às comunidades o acesso a sementes e a conservarem,

documentarem e aumentarem os seus recursos e conhecimentos. Neste contexto, uma intervenção do banco

comunitário de sementes foi integrada com sistemas agrários tradicionais na agricultura semi-árida.

Objectivo de um Banco Comunitário de sementes

Os bancos comunitários de sementes têm por objectivo servir e fazer cumprir os direitos das comunidades rurais à

conservação da biodiversidade agrícola, recuperação e restituição tanto dos materiais como do conhecimento que lhes

está relacionado e a utilização dos recursos genéticos das suas plantas. As instalações servem como sistemas de back-

up em que os materiais perdidos ou em vias de extinção são revivificados, e servem, também, como mitigação da seca

e como estratégia de gestão ao nível da comunidade.

Estrutura de um Banco Comunitário de Sementes

A estrutura de um banco de sementes comunitário é planeada após a consulta intensiva dos agricultores, tendo em

consideração as suas preferências e expectativas dos serviços que deverá proporcionar. A maioria das instalações

construídas no Zimbabué é composta pelos seguintes compartimentos:

Bancos de Sementes Comunitários para uma Agricultura Semi-árida no Zimbabué

A prática dum sistema de agricultura biodiversificada define a produtividade como a capacidade de proporcionar

provisões e outros produtos de qualidade de uma forma estável mantendo a harmonia com as realidades sociais e

culturais vividas. Existem três elementos essenciais para optimizar a produção sustentável de um dado sistema de

agricultura:

≠ Biodiversidade dos agroecossistemas;

≠ Gestão integrada de recursos; e

≠ Conhecimentos tradicionais locais.

Bancos de Sementes Comunitários para uma Agricultura Semi-árida no Zimbabué

54

Sala de Conservação do Plasma de Germinação

Esta sala é usada para conservar de forma segura todo o plasma de Germinação obtido localmente ou adquirido no

exterior, enquanto sub-amostras do mesmo material são depositadas no Banco Nacional de Genes.

Sala de Conservação das colheitas seleccionadas e preferidas

Os materiais, que foram avaliados nas quintas e seleccionados pelos agricultores para armazenamento, são

guardados nesta sala. Estes materiais consistem em novas variedades ou variedades disponíveis localmente que

passaram por um programa de criação de plantas participatório (CPP) realizado pelos agricultores. Além disso, esta

sala contêm materiais destinado e a armazenagem em quantidades até 30 kg.

Sala de armazenagem e Distribuição de Sementes

Todas as sementes que são multiplicadas com o objectivo de distribuição ou aprovisionamento estão aqui

armazenadas.

Sala de Reuniões dos Agricultores

Esta é uma sala funcional onde os participantes têm as suas reuniões, consultas e formações.

Escritório

Sala onde se realizam as transacções do dia a dia.

Administração dos Bancos Comunitários de Sementes

É formado um comité de administração que integra os agricultores das várias áreas de projecto. Este comité é

responsável por aspectos como:

≠ Determinação de culturas e cultivos a serem multiplicadas;

≠ Identificação dos agricultores que irão ser responsáveis pela multiplicação das sementes;

≠ Realização de estimativa da procura de sementes por cultivo e variedade.

≠ Coordenação da distribuição de sementes e aprovisionamento dos agricultores;

≠ Facilitação da colecção de plasma de germinação e missões de resgate na área;

≠ Determinação da quantidade de reservas de sementes requisitadas por variedade de cultivo;

≠ Tratamento, empacotamento e armazenamento dos materiais das sementes; e

≠ Mediação do fluxo de plasma de germinação entre as comunidades e o Banco Nacional de Genes.

O comité de coordenação dos agricultores é responsável pela implementação destas actividades e pelas tomadas de

decisão.

Formação de Agricultores

A Formação está planeada no sentido de desenvolver as capacidades dos agricultores de forma a poderem administrar

competentemente os bancos comunitários de sementes.

Os assuntos abordados nestes programas de treino incluem:

≠ Importância e a necessidade de conservação do plasma de germinação através da sua utilização;

≠ Dinâmicas do género na conservação da biodiversidade agrícola (selecção, tratamento, armazenagem e

utilização de sementes);

Bancos de Sementes Comunitários para uma Agricultura Semi-árida no Zimbabué

55

≠ Importância e valor dos sistemas de conhecimento/práticas indígenas enquanto relacionado com a

biodiversidade agrícola;

≠ Direitos da comunidade;

≠ Procedimentos para a multiplicação de sementes através dos conceitos apreendidos na escola de campo dos

agricultores;

≠ Selecção, secagem e técnicas de armazenamentos de sementes; e

≠ Partilha de benefícios (troca de sementes através de feiras de sementes que facilitam o fluxo de genes) entre

agricultores.

Benefícios dos Bancos Comunitários de Sementes

1. Os bancos de sementes têm-se tornado uma vantagem e um centro de requisições de sementes dos agricultores na

agricultura semi-árida.

Têm aumentado e mantido vivas as tradições que encorajam a diversidade através de aspectos como:

≠ Acesso às sementes da preferência dos agricultores;

≠ Desenvolvimento capacidade dos agricultores em produzir as sementes desejadas para um cultivo especifico;

≠ Constituição de reservas estratégicas de sementes em anos de seca;

≠ Produção de sementes de boa qualidade;

≠ Assegurar a segurança das sementes dos agricultores a nível doméstico;

≠ Conservação do plasma da germinação na própria quinta através da sua utilização;

≠ Formação dos agricultores nas diferentes modalidades e nos rudimentos de produção de sementes;

≠ Selecção, tratamento e armazenagem de sementes;

≠ Estabelecimento de ligações com os sistemas nacionais de sementes; e

≠ Troca de plasma de germinação, informações, inovações e tecnologias entre agricultores, agentes de extensão

e investigadores.

2. A nova biodiversidade agrícola de sementes permite a diversificação de cultivos que se possam facilmente adaptar

ao clima, aos solos e aos padrões de chuva. O impacto da diversificação segue uma abordagem gradual, visto que a

incorporação de uma nova variedade é um processo lento. São necessárias várias épocas de gestação até se

conseguirem obter resultados e não há garantias de que a nova semente consiga persistir.

3. Troca de informações e conhecimentos sobre os traços e as características das novas variedades.

Recomendações

A intervenção dos bancos comunitários de sementes é uma estratégia de longo alcance para a redução dos efeitos da

insuficiência de sementes entre os agricultores minifundiários em zonas agroecologicamente semi-áridas no Zimbabué.

A disposição de diversos plasmas de germinação em bancos de sementes e a sua ligação ao Banco Nacional de Genes

aumenta a acessibilidade a sementes para a produção de alimentos mesmo durante os anos de seca. No entanto,

recomenda-se a realização de mais pesquisa nas áreas relacionadas com os seguintes aspectos:

≠ Caracterização e a avaliação na própria quinta dos materiais recolhidos e armazenados no banco de sementes

de forma a compreender os seus atributos;

≠ Monitorização da viabilidade das sementes armazenadas por cultivo e variedade;

≠ Determinação da longevidade do plasma de germinação armazenado por cultivo e variedade;

≠ Desenvolvimento de tabelas temporais de regeneração dos materiais armazenados por cultivo e variedade;

Bancos de Sementes Comunitários para uma Agricultura Semi-árida no Zimbabué

56

≠ Inventário das características das preferências dos agricultores por cultivo e variedade;

≠ Determinação dos níveis ideais de humidade no armazenamento das sementes em determinadas condições; e

≠ Determinação das quantidades de reserva estratégica de sementes necessárias para mitigação da seca e

estratégia de gestão.

Os aspectos acima mencionados necessitam de abordagens metodológicas sistemáticas que sejam desenvolvidas

de forma a formularem técnicas práticas que possam ser facilmente utilizadas pelos agricultores.

Contribuição de: Claid Mujaju, Freddy Zinhanga e Elijah Rusike

(Email: [email protected])

Informações produzidas por CIP-UPWARD,

Em parceria com GTZ GmbH, IDRC of

Canada, IPGRI and SEARICE.

Lori Ann Thrupp (2003)

57

Os padrões predominantes de crescimento da agricultura têm causado a erosão da biodiversidade nos ecossistemas

agrários incluindo dos recursos genéticos das plantas, gado, insectos e organismos do solo. Esta erosão tem provocado

perdas económicas, pondo em causa a produtividade e a segurança dos alimentos, e conduzindo a custos sociais

alargados. É igualmente alarmante a perda da biodiversidade nos habitats “naturais” devido à expansão da produção

agrícola a áreas de fronteira.

Os conflitos entre a agricultura e a biodiversidade não são de forma nenhuma inevitáveis. Mas, podem ser

solucionados através da prática de uma agricultura sustentável e de transformações nas instituições e nas políticas

agrícolas. A manutenção da biodiversidade tem que ser incorporada nas práticas agrícolas – esta é uma estratégia que

pode ter múltiplos benefícios ecológicos e socioeconómicos, particularmente na garantia da segurança dos alimentos.

São necessárias práticas que aumentem e conservem a biodiversidade agrícola a todos os níveis.

Este trabalho pretende analisar os serviços do ecossistema proporcionados pela biodiversidade agrícola, e tenciona

por em evidência as políticas, e práticas que enaltecem a diversidade nos agroecossistemas.

O Papel Central da Biodiversidade AgrícolaTendências e Desafios

Os sistemas tradicionais de agroflorestação normalmente contêm mais de 100 espécies anuais e perenes de plantas

por cada campo. Os agricultores por vezes integram árvores leguminosas, árvores de fruto e árvores para lenha que

proporcionam forragem às suas quintas de café. As árvores também proporcionam um habitat para os pássaros e

animais que beneficiam as quintas. Uma plantação de café com sombra no México pode conter até 180 espécies de

pássaros que ajudam no controlo de pestes de insectos e a dispersar as sementes.

Estudos realizados na área da etnobotânica demonstraram que os Maias Tzeltal do México conseguem reconhecer

mais de 1200 espécies de plantas, os P’urepechas reconheceram mais de 900 espécies e os Maias do Yucatan por

volta de 500. Este tipo de conhecimento é usado na tomada de decisões de produção.

Nos inícios do século XX, N. Vavilov, um botânico russo de renome, levou a cabo pesquisas pioneiras nesta área,

coleccionou plantas de forma sistemática e era apologista da conservação da diversidade de cultivo. Vavilov

desenvolveu uma teoria sobre a origem do cultivo doméstico e liderou inúmeras expedições por todo o mundo com

o objectivo de recolher plasma de germinação das colheitas. Criou um enorme banco de sementes em S. Peterburgo

que hoje contém por volta de 380.000 espécies de mais de 180 locais de todo o mundo. Vavilov identificou, também,

as áreas de maior concentração de diversidade de cultivo pelo mundo, a maioria das quais se situava em países

desenvolvidos.

O Papel Central da Biodiversidade Agrícola

58

Mudar as tendências no desenvolvimento da agricultura e as suas ligações àBiodiversidade

Perdas de Biodiversidade agrícola: Conflitos e Efeitos

As relações entre a agricultura e a biodiversidade têm-se modificado ao longo dos tempos. Um aumento da produção e

da produtividade da agricultura nos últimos 30 anos, advém tanto da expansão da área cultivada (extensificação) como

do aumento dos resultados por unidade de terra (intensificação). Isto foi possível devido a melhoramentos tecnológicos,

e ao aperfeiçoamento das variedades e da administração dos recursos biológicos, como o solo ou a água. Os serviços do

ecossistema proporcionados pela biodiversidade agrícola têm degradado e consequentemente minado a saúde do

ecossistema.

Estas tendências gerais da agricultura e da biodiversidade foram moldadas por pressões demográficas,

inclusivamente pelas elevadas taxas de crescimento populacional, pela migração de pessoas para zonas fronteiriças, e

por desequilíbrios na distribuição da população. Outras forças adicionais de influência incluem os paradigmas

predominantes da agricultura industrial e da Revolução Verde que teve início nos anos 60. Estas abordagens geralmente

enfatizam a maximização do rendimento por unidade de terra, a uniformização das variedades, a redução das culturas

múltiplas, a estandardização dos sistemas agrícolas (particularmente a geração e promoção de variedades de alto-

rendimento), e a utilização de químicos agrários. As empresas de sementes e de químicos agrários também têm

influenciado estas tendências. Embora os padrões predominantes de desenvolvimento da agricultura nas últimas

décadas tenham aumentado os rendimentos, também reduziram significativamente a diversidade genética das culturas

e das variedades de gado e dos agroecossistemas, e conduziram a perdas noutros tipos de biodiversidade.

À medida que é causada erosão da biodiversidade, a segurança dos produtos alimentares também pode ser reduzida

e os riscos económicos inflacionados. As evidências indicam que tais mudanças diminuem a sustentabilidade e

produtividade dos sistemas agrários. A perda da diversidade pode também reduzir os recursos disponíveis para uma

futura adaptação.

As Variedades de Alto-Rendimento (VAR) – ou “sementes milagreiras” – são, hoje, semeadas numa grande percentagem

de terra agrícolas – 52% do trigo, 54% do arroz, e 51% do milho. A utilização de VARs aumentou a produção em muitas

regiões e por vezes reduziu a pressão exercida sobre os habitats refreando a necessidade de cultivar novas terras.

Embora as pessoas consumam aproximadamente 7.000 espécies de plantas, apenas 150 dessas são

comercialmente importantes e cerca de 103 espécies perfazem 90 porcento das culturas alimentares no mundo. Três

culturas - arroz, trigo e milho – perfazem 60 porcento das calorias e 56 porcento das proteínas derivadas de plantas.

O gado também está a sofrer uma erosão genética. Os dados da Organização para Alimentação e Agricultura das

Nações Unidas mostram que:

≠ Pelo menos uma raça de gado tradicional extingue-se todas as semanas, num contexto global;

≠ Das 3.831 espécies de gado bovino, búfalos, cabras, porcos, ovelhas, cavalos e burros que se acreditava

existirem neste século, 16 % já se extinguiu e 15% são considerados raros;

≠ Cerca de 474 espécies de gado são consideradas raras, e cerca de 617 já se extinguiram desde 1892; e

≠ Mais de 80 raças de gado bovino encontram-se em África mas, algumas estão a ser substituídas por raças

exóticas. Estas perdas enfraquecem os programas de criação que poderiam melhorar a robustez do gado.

O Papel Central da Biodiversidade Agrícola

59

Aumento da Vulnerabilidade a Pestes de Insectos e a Doenças

A homogeneização genética das variedades aumenta a vulnerabilidade a pestes de insectos, o que pode dizimar uma cultura,

especialmente em grandes plantações. A história tem demonstrado que há grandes perdas económicas quando se conta

apenas com uma variedade monocultural uniforme.

Também se demonstrou um sério declínio dos organismos e dos nutrientes do solo. Insectos e fungos benéficos têm

também sofrido grandemente com os pesticidas e com a uniformização das espécies – o que torna as culturas mais

susceptíveis a problemas de pestes. Estas perdas, juntamente com uma diminuição dos tipos de agroecossistemas,

aumentam os riscos e reduzem a produtividade. Para além disto, muitos insectos e fungos que normalmente parecem

inimigos da produção de alimentos são na verdade muito valiosos. Alguns insectos beneficiam a agricultura – devido à

polinização, à sua contribuição com biomassa, à produção de nutrientes naturais e à reciclagem, e como inimigos das pestes

de insectos e de doenças das culturas. Mycorhizae, um fungo que vive em simbiose com as raízes das plantas, é essencial

para a absorção dos nutrientes e da água.

A proliferação global dos sistemas modernos de agricultura tem diminuído o alcance dos insectos e dos fungos, uma

tendência que diminui a produtividade. A dependência de químicos agrários, e em particular o uso ou mau uso excessivo de

pesticidas é grandemente responsável por esta situação. Os químicos agrários geralmente matam não só os inimigos naturais

e os insectos benéficos como também as pestes “alvo”.

Este distúrbio no equilíbrio dos agroecosistema pode levar ao ressurgimento perpétuo de pestes e ao aparecimento de

novas pestes, tal como à resistência a pesticidas. Este ciclo disruptivo pode, por vezes, levar os agricultores a aplicarem cada

vez mais quantidades de pesticidas ou a mudar os tipos de produtos – uma estratégia que não só é ineficaz, como também

pode perturbar ainda mais o ecossistema e aumentar os custos. Este trabalho monótono com pesticidas tem surgido em

inúmeros locais. A dependência de espécies monoculturais e o declínio dos habitats naturais também pode excluir os

insectos benéficos dos ecossistemas agrários.

Perdas Adicionais – Habitats, Nutrição e Conhecimentos

A expansão da agricultura também tem reduzido a diversidade dos habitats naturais, inclusivamente das florestas

tropicais, pastagens, e áreas de terras húmidas. As projecções sobre as necessidades alimentares nas próximas décadas

indicam uma provável continuação da expansão da área cultivada, o que pode agravar esta degradação. É necessária a

modificação dos sistemas naturais de forma a satisfazer as necessidades alimentares das populações em crescimento,

mas muitas das formas convencionais de desenvolvimento da agricultura, em particular a conversão em larga escala das

florestas ou outros habitats naturais em sistemas de cultivo monoculturais, têm provocado a erosão da biodiversidade

da flora e da fauna. A utilização intensiva de pesticidas e fertilizantes também causar a erosão dos habitats naturais e

dos ecossistemas que circundam as áreas agrícolas, principalmente quando são usados de forma inapropriada.

Outros efeitos directos da redução da diversidade de culturas e de variedades incluem:

≠ O declínio na variedade de alimentos o que afecta de forma adversa a nutrição;

≠ Os legumes ricos em proteínas têm sido substituídos por cereais menos nutritivos;

≠ O conhecimento local sobre a diversidade perde-se à medida que predominam as tecnologias uniformizadas de

agricultura industrial; e

≠ As instituições e empresas do Norte têm vantagens consideradas injustas na exploração dos diversos recursos

biológicos dos trópicos.

De entre os famosos exemplos de culturas vulneráveis a pestes e doenças, a fome da batata na Irlanda o século XIX,

a devastação das vinhas tanto em França como nos EUA, uma doença virulenta (Sigatoka) que danificou extensas

plantações de banana na América Central nas últimas décadas e o mofo devastador que infestou o milho híbrido na

Zâmbia são disso exemplo.

O Papel Central da Biodiversidade Agrícola

60

Confrontação das Causas

Pensar em novas soluções eficazes requer um confronto com as causas da perda de biodiversidade agrícola. As causas

variam sob diferentes condições, mas geralmente relacionam-se com a utilização de tecnologias insustentáveis e

práticas que degradam a utilização das terras, tal como a utilização de variedades uniformes e o uso excessivo de

químicos agrários. Mais especificamente, as causas responsáveis pela erosão da biodiversidade agrária relacionam-se

com pressões demográficas, disparidades na distribuição de recursos, o domínio de politicas industriais agrícolas e

instituições que suportam e contribuem para práticas inapropriadas, pressões para o negócio que promovem a utilização

de monoculturas uniformizadas e de químicos, a depreciação e desvalorização da diversidade e do conhecimento local

e as exigências dos consumidores e do mercado por produtos estandardizados. De entre estas forças condutoras, as que

provavelmente são mais complicadas são as pressões demográficas que levam à extensificação do cultivo a áreas

fronteiriças. A mudança destes padrões exige transformações nas políticas de utilização das terras, e mudanças

socioeconómicas mais extensas que proporcionem mais oportunidades económicas e educacionais a populações rurais

mais pobres. Estes desafios a longo prazo necessitam que lhes seja dada mais atenção.

Diversidade através da Agricultura Sustentável: Princípios e Práticas

Para se poderem concretizar tais transformações de forma a conseguir a conservação e o aumento da biodiversidade

agrícola, os princípios estratégicos que se seguem são de extrema importância:

1. A aplicação de princípios agroecológicos ajuda a conservação, utilização e aumento da biodiversidade nas

quintas e pode aumentar a produtividade sustentável e a intensificação, o que irá evitar a extensificação,

reduzindo assim a pressão para biodiversidade nas quintas;

2. A participação e o aumento dos poderes dos agricultores e dos povos locais, e a protecção dos seus direitos,

são uma forma importante de conservar a biodiversidade agrícola em termos de pesquisa e desenvolvimento;

3. A adaptação dos métodos às condições agroecológicas e socio-económicas locais, a reconstrução de métodos

já existentes e implementados com sucesso e o conhecimento local, são essenciais para o estabelecimento de

uma relação entre a biodiversidade e a agricultura, de forma a satisfazer as necessidades de subsistência;

4. A conservação dos recursos genéticos das plantas e dos animais – especialmente os esforços in situ – ajudam a

proteger a biodiversidade de forma a assegurar a subsistência actual, tal como das futuras necessidades e

funções do ecossistema;

5. Investigações genéticas reformadoras e programas de criação são essenciais para o aumento da biodiversidade

agrícola e podem também acarretar benefícios para a produção, e

6. A criação de uma politica ambiental de suporte – incluindo a eliminação dos incentivos para as variedades

uniformizadas e para os pesticidas, e a implementação de politicas que assegurem a obtenção e os direitos

locais a recursos genéticos das plantas – é vital para o aumento da biodiversidade agrícola e a segurança dos

alimentos.

A humanidade enfrenta um grande desafio para ultrapassar os conflitos e produzir complementaridades entre a

agricultura e a biodiversidade. Enfrentar estes desafios requer o confronto com os motivos base para a perda de

biodiversidade agrária, o que obriga à mudança das práticas, paradigmas e politicas, bem como a compromissos

das instituições e governos.

O Papel Central da Biodiversidade Agrícola

61

As práticas de fertilização do solo e dos ciclos de nutrientes também podem ser utilizados para o incremento da

biodiversidade agrícola. Bons exemplos disto são:

≠ Os compostos de resíduos de culturas, lixos de árvores, e outros resíduos de plantas/orgânicos;

≠ A mistura de culturas e a cobertura de culturas, particularmente de legumes, que adicionam nutrientes, ajudam

à fixação do nitrogénio, e “bombeiam” os nutrientes para a superfície do solo.

≠ Utilização de cama surda (palha) e estrume ecológico (através da recolha e distribuição de resíduos de culturas,

lixos das áreas circundantes, e materiais orgânicos, e/ou sub-culturas)

≠ A integração de vermes (vermicultura) ou de outros organismos benéficos e de biota no solo de forma a

aumentar a fertilização da matéria orgânica, e a reciclagem de nutrientes; e

≠ A eliminação ou redução dos químicos agrários – espacialmente dos tóxicos nematicidas – que destroem vários

biota do solo, material orgânico, e organismos do solo bastante valiosos.

Estes tipos de práticas de gestão do solo têm-se provado eficazes e lucrativas numa grande variedade de sistemas

agrícolas. A agroflorestação ilustra a “melhor prática” de utilização da biodiversidade agrícola o que pode também trazer

vários benefícios. Em muitos contextos, a integração de árvores nos sistemas agrícolas é altamente eficaz, ajuda à

conservação do solo e à retenção da água. (Na Sumatra Oeste, hortas de agroflorestação ocupam entre 50 e 85 porcento

do total da área destinada à agricultura.) As formas complexas de agroflorestação exibem estruturas semelhantes a

florestas, também contém uma grande diversidade de animais e plantas, combinando a conservação e a utilização dos

recursos naturais.

Possíveis perdas

1 Erosão2 Volatilização3 Lexiviagem 4 Exportação (mercado/prendas)5 Recolha de lixos

Grãos Naturais

6 Chuva7 Fixação do N8 Expor ao ar9 Sedimentos/Pó10 Algas Azul-verde

Opções de Gestão

11 Espécies de Madeira12 Concentrados/de comida/minerais13 Reciclagem (pelo gado, composto, bio

gás, lodo, etc.)14 Inputs externos

Fluxo de Nutrientes

O Papel Central da Biodiversidade Agrícola

62

Os sistemas de agroflorestação na sua forma tradicional são também o abrigo para centenas de espécies de plantas,

que constituem uma forma valiosa de conservação in situ. Muitas das práticas aqui mencionadas servem múltiplos

propósitos. Por exemplo, a mistura de culturas proporciona uma melhor gestão de pestes e do solo e aumenta, também,

o rendimento. Por exemplo, cerca de 70-90 por cento dos feijões e 60 por cento do milho na América do Sul são

misturados com outras culturas. Os agricultores em muitas partes do mundo já reconheceram que tal diversidade é uma

fonte valiosa de nutrientes, nutrição, e de redução dos riscos – essencial para o sustento e para outros valores

económicos.

É um erro comum achar-se que a biodiversidade agrícola é apenas exequível em terras de pequena dimensão. De

facto, a experiência tem demonstrado que sistemas de grande produção também beneficiam com estes princípios e estas

práticas.

A rotação de culturas, a mistura de culturas, técnicas integradas de controlo de pestes, e estrumes ecológicos são os

métodos que estão a ser mais comummente utilizados em grandes sistemas comerciais, tanto no Norte como no Sul.

Estas situações ilustram as abordagens sustentáveis à intensificação. Encontram-se exemplos disto nas plantações de

chá e café nos trópicos, e em vinhas e pomares nas zonas temperadas. Na maioria dos enquadramentos de grande

escala, a mudança de uma estrutura de monocultura para sistemas e práticas diversificadas acarreta custos de transição,

e por vezes perdas de lucro e de trocas de benefícios (trade-offs) durante os primeiros dois a três anos. No entanto, após

uma fase inicial de transição, os produtores têm vindo a considerar que as mudanças agroecológicas são lucrativas e

ecologicamente sãs para a produção comercial e que apresentam novas oportunidades de valor.

Utilização de Abordagens Participativas

A incorporação dos conhecimentos, práticas, e experiências dos agricultores locais são vantajosas para a biodiversidade

agrícola e para uma agricultura sustentável. As experiências têm demonstrado que o total envolvimento das práticas

agrícolas locais na investigação e desenvolvimento da agricultura – através da participação e liderança dos povos locais

– tem tido resultados positivos. È também importante adicionar aos métodos de experimentação informais dos próprios

agricultores, práticas e culturas que não lhes são familiares. No México, por exemplo, os investigadores trabalharam com

os locais no sentido de recriar chinampas – hortas com múltiplas culturas e com espécies diversificadas desenvolvidas a

partir de terras reclamadas a lagos que eram nativas a regiões de Tabasco e faziam parte da tradição Pré-Hispanica. Um

projecto similar foi realizado em Veracruz que também incorporava um sistema tradicional Asiático de agricultura mista,

misturando chinampas com administração animal, e aquaculturas. Estas hortas também fizeram uma utilização mais

proveitosa dos recursos locais, e a integração de desperdícios animais e de plantas, como fertilizantes. As colheitas

destes sistemas igualam ou ultrapassam as dos sistemas convencionais.

No Burkina-Faso, por outro lado, a conservação do solo e o projecto de culturas integradas na província de Yatenga

baseou-se largamente nas tecnologias indígenas dos agricultores Dogon no Mali para a construção de barreiras de pedra

para impedir a passagem da água. O projecto acrescentou barreiras inovadoras ao longo das linhas de contorno – e

recuperou uma técnica indígena chamada “zai”, que consiste na adição de um composto nos buracos onde são

semeados milho miúdo, sorgo, e amendoim. Estas culturas estão num sistema de multiculturas.

Nestes esforços, a total participação das mulheres traz benefícios significativos. Como administradoras da

biodiversidade nos sistemas de agricultura em muitas áreas no mundo, as mulheres podem trazer importantes

contribuições e têm um papel importante na pesquisa, desenvolvimento e conservação da biodiversidade agrícola. No

Ruanda, por exemplo, num projecto de criação de plantas do CIAT (Centro Internacional para a Agricultura Tropical), os

cientistas trabalharam com mulheres agricultoras nas fases iniciais do projecto de criação de novas variedades de feijões

que se adeqúem às necessidades dos locais. Juntos, identificaram as características desejadas para o melhoramento dos

feijões, realizaram experiências, organizaram e avaliaram testes, e tomaram decisões baseadas nos resultados dos

testes. As experiências tiveram resultados surpreendentes: as variedades seleccionadas e testadas pelas mulheres

agricultoras durante quatro estações obtiveram 64 a 89% melhores resultados que as misturas dos cientistas. As

63

selecções das mulheres também produziram substancialmente mais feijões, com um aumento médio de produção que

atingiu os 38 por cento.

O desenvolvimento de abordagens participativas requer medidas deliberadas, treino, e tempo para mudar as

abordagens tradicionais de agricultura de pesquisa e desenvolvimento.

Mudanças Politicas e Institucionais

Embora muitas instituições estejam já activamente envolvidas, é necessário um maior trabalho de coordenação a todos

os níveis para assegurar reformas eficazes e politicas de conservação da biodiversidade agrícola que beneficiem o

público, especialmente os pobres. São necessárias transformações políticas que ataquem as raízes dos problemas e

assegurem os direitos das pessoas. Ideias que necessitam de uma maior atenção:

≠ Assegurar a participação pública no desenvolvimento de politicas agrícolas e de utilização de recursos;

≠ Eliminação de politicas de subsídios e créditos para as variedades de alto rendimento;

≠ Fertilizantes, e pesticidas para encorajar a utilização de tipos mais diversificados de sementes e de métodos de

agricultura;

≠ Politicas de suporte e incentivos para métodos agroecológicos mais eficazes que tornem a intensificação

sustentável possível;

≠ A reforma de sistemas de propriedade e posse que afectem a utilização de recursos biológicos para assegurar

que as pessoas locais têm direitos e o acesso aos recursos necessários;

≠ Regulamentações e incentivos que tornem as industrias de produção de sementes e químicos agrários

socialmente responsáveis;

≠ Desenvolvimento de mercados e oportunidades de negócio para diversos produtos agrícolas orgânicos; e

≠ Mudanças na procura dos consumidores que favoreçam a diversidade de variedades em vez de produtos

uniformizados.

A construção de uma complementaridade entre a agricultura e a biodiversidade irá também requerer mudanças na

pesquisa e desenvolvimento na agricultura, utilização de terrenos, e abordagens à criação/reprodução.

Informações produzidas por CIP-UPWARO Em parceria com GTZ GmbH, IDRC do Canadá, IPGRI e SEARICE.Contribuição de Ann Thrupp (email: [email protected])Adptado de Thrupp, L, 1998. Cultivar Diversidade, Agrobiodiversidade e segurança dos Alimentos, Instituto dos RecursosMundiais, Washington, DC, USA

O Papel Central da Biodiversidade Agrícola

Esforços no sentido da conservação e aumento da biodiversidade agrícola também tem que ter em conta as politicas

que aceleram as suas perdas. Politicas mais abrangentes e as estruturas institucionais focam-se na conservação da

biodiversidade agrícola que conduzem a transformações práticas e ao nível do terreno. Muitas iniciativas políticas

de iniciativa e de instituições já se propuseram a abordar estas questões.

65

O desenvolvimento de respostas será mais igualitário, eficaz e sustentável quando o género tiver um papel mais central

nas estratégias para a conservação da biodiversidade agrícola

Benefícios da Centralidade do Género

Igualdade. Muitos mandatos e compromissos dos estados membros das Nações Unidas existem com o propósito de

conseguir uma igualdade entre os géneros e eliminar a discriminação baseada no género. Isto tem sido reconhecido

como um meio necessário para conseguir atingir os Objectivos para o Desenvolvimento do Milénio de redução a

metade dos números de pessoas pobres e com fome no ano 2015.

O Capitulo 15 da Agenda 21 e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) reconhece que diferentes grupos de

utilizadores nas sociedades rurais têm diferentes obrigações e oportunidades para a conservação e utilização dos

recursos genéticos das plantas.

Eficácia. As sociedades que discriminam com base no género pagam um preço significativo – em termos do aumento da

pobreza, de um crescimento económico mais lento, uma governação mais fraca e uma qualidade de vida mais baixa.

Por exemplo, uma revisão do Banco Mundial reconheceu que 74% de 54 dos projectos completos de agricultura com

acções de relação entre os géneros foram globalmente classificadas como satisfatórias, comparativamente a 65%

dos 81 projectos que não incluiam acções relacionadas com os géneros.

Sustentabilidade. Já se tem demonstrado que as mulheres estão intimamente relacionadas com o ambiente devido a

preocupações com as suas comunidades e com as gerações futuras, e algumas pessoas argumentam que as

mulheres têm um papel central no paradigma da sustentabilidade. De maneira a formular politicas e projectos para

o desenvolvimento da sustentabilidade é crucial que sejam compreendidos os diferentes papéis e responsabilidades

dos homens e das mulheres na implementação sustentável destas actividades.

O Género na Conservação da Biodiversidade agrícola

Irão ser discutidas algumas áreas chave em que o género faz a diferença na conservação da biodiversidade agrícola.

Papéis na Selecção das Sementes

O factor género na selecção de sementes é variável. Nalgumas áreas, os homens são totalmente responsáveis pela

selecção das colheitas, enquanto que noutras áreas, esta tarefa é inteiramente assumida pelas mulheres. Noutros casos,

existe uma partilha de responsabilidades.

O Género na Conservação da Biodiversidade agrícola

65

Åsa Torkelsson (2003)

O género refere-se aos papéis e relações socialmente construídas entre homens e mulheres e que podem

transformar-se e variar no tempo e de acordo com as localizações geográficas e o contexto social. Centralizar o

género é um processo de avaliação das implicações de todas as acções planeadas para as mulheres e para os

homens. È a integração das preocupações das mulheres e dos homens nas suas experiências, no planeamento,

implementação, monitorização e avaliação das políticas e dos programas em todas as esferas politicas, económicas

e sociais, de forma a ambos participarem e beneficiarem de igual modo.

O Género na Conservação da Biodiversidade agrícola

66

Acesso aos Recursos

Devido à partilha de responsabilidades, muitas vezes as mulheres são responsáveis pelas culturas de subsistência (de menor

valor) e os homens pelas culturas que trazem dinheiro (grande valor). Se se aumentar o valor de uma “cultura das mulheres”,

ela pode-se tornar numa “cultura dos homens”.

Quando, no Quénia, o cultivo do feijão francês de tornou mais lucrativo, os homens usurparam as terras ou os

rendimentos derivados das produções. Quando o valor comercial da madeira das Acácias subiu em partes da Africa Ocidental,

os homens começaram a plantar Acácias nas hortas das mulheres ou nos seus terrenos.

Os sistemas de conhecimentos e o Acesso ao trabalho

As mulheres e os homens participam de forma diferente nas organizações formais e informais da comunidade, e usam

diferentes redes de trabalho para a troca de sementes para a biodiversidade agrícola. No Nepal, por exemplo, as variedades

tradicionais são trazidas para uma determinada área pela noiva aquando do seu casamento. As mulheres fazem

essencialmente trocas com outras mulheres e os homens com os homens.

Como resultado da escolarização formal ou da migração, os conhecimentos indígenas entre os homens têm diminuído no

Quénia, enquanto que as mulheres partilham mais conhecimentos e de uma forma mais vasta e por vezes adquirem até os

conhecimentos dos homens à medida que os papéis e os deveres se modificam.

No entanto, o conhecimento das gerações mais velhas por vezes já não é transmitido às gerações mais novas.

Método

Os descritores – ou traços preferidos – da biodiversidade agrícola local das mulheres e dos homens proporcionam uma

compreensão e uma monitorização produtiva, inovadora e sistemática dos factores relacionados com o género na

conservação da biodiversidade agrícola. Os descritores são dinâmicos e podem transformar-se consoante a percepção do

agricultor dos termos do negócio, as transformações culturais e as variações globais de oportunidades e impedimentos. Os

detalhes quantitativos e qualitativos irão proporcionar um melhor conhecimento dos homens e das mulheres e da sua divisão

do trabalho. Os descritores irão, ainda, revelar a forma como os homens e as mulheres percepcionam a utilidade da

variabilidade e a sua distribuição.

Mesmo que os homens tenham a autoridade para tomar as decisões na maioria dos sistemas agrícolas, o facto de as

mulheres terem um conhecimento mas detalhado e intimo das culturas e das suas variedades indica uma maior experiência.

As características agro-morfológicas e sócio-económicas podem ser classificadas em conjunto com os agricultores.

Qualitativamente, a análise pode ser alargada de forma a incluir as descrições usadas ao longo do tempo para descrever uma

dada variedade. O nível do conhecimento das características das variedades não está só correlacionado com a experiência de

manejamento destas (conhecimento e divisão das responsabilidades), mas também com o tipo de descritores usados para

identificar os benefícios percepcionados.

As mulheres parecem ter mais em conta critérios interrelacionados e detalhados como o sabor, a cor, o tamanho, a

textura, o tempo que demora a cozinhar, a produção da cultura, a facilidade de processamento e de acesso, a formação

dos grãos e a resistência a pestes e a insectos. Contrariamente a estas, os agricultores masculinos têm em conta uma

variedade mais limitada de propósitos relacionados com a sua esfera de responsabilidades como o alto rendimento e o

bom preço no mercado.

Na comunidade Kurichiyas de Kerala, Índia, os homens tomam as decisões sobre o cultivo de certas variedades de

arroz com casca devido às suas concepções religiosas (de pureza e poluição) que impossibilitam as mulheres de

participar na selecção e armazenamento das sementes de arroz com casca. Os homens são normalmente

responsáveis por sistemas de monoculturas e as mulheres por sistemas mais diversificados como são as hortas

domésticas. Estes sistemas diversificados são reconhecidos pela comunidade como “bancos de genes vivos” que

são utilizados para conservação in situ de uma grande variedade de recursos genéticos de plantas.

O Género na Conservação da Biodiversidade agrícola

67

Assim como as raças locais evoluíram ao longo do tempo e têm sido seleccionados com base nos traços preferenciais

dos campos dos agricultores, a conservação in situ só será bem sucedida se os homens e as mulheres se envolverem em

actividades de conservação. O seu envolvimento só será possível se este processo lhes trouxer benefícios. No entanto,

não é fácil envolvê-los em todos os aspectos, principalmente as mulheres que podem ter impedimentos que irão

restringir a sua participação. Uma das formas de lidar com esta situação é o planeamento de estratégias para ultrapassar

estes impedimentos. Conferências de preparação anteriores aos workshops comunitários, o facto de as instituições

prestarem cuidados às crianças durante as sessões de formação, ou ter essas mesmas sessões de treino perto dos lares

dessas mulheres são esforços que valem a pena ser considerados de forma a encorajar a participação de todos.

Referências

Dolan, C.S. 2001. The “Good Wife”: Struggles Over Resources in the Kenyan Horticultural Sector. The Journal of DevelopmentStudies. London, England.

Eyzaguirre, P. (Ed). 2001. Growing Diversity, “Handbook for Applying Ethnobotany to Conservation and CommunityDevelopment”. In: People and Plants Handbook, September 2001, Issue 7. IPGRI, Rome, Italy.

Ramprasad, V. 1999. Women Guard the Sacred Seeds of Biodiversity. In: Centre for Research and Information on Low ExternalInput and Sustainable Agriculture (ILEIA) Newsletter Vol. 15, No. 3/4, December 1999. The Netherlands. Available at:www.ileia.org/2/nl15-34.html. expanded version in www.etcint.org/compas_newsl.htm.

Informações produzidas por CIP-UPWARO em parceria com GTZ GmbH, IDRC do Canadá, IPGRI e SEA RICE.

Contribuição de Ann Thrupp (email: [email protected])

Adptado de Thrupp, L, 1998. Cultivando Diversidade, Agrobiodiversidade e Segurança Alimentar, Instituto dos RecursosMundiais, Washington, DC, USA

Contribuição ASA Torkelsson (email: [email protected])

INDICADORES SÓCIO-ECONÓMICOS E SENSÍVEIS AO GÉNERO (SESG)

Dados SESG requeridos:

≠ O tipo e numero de descritores usados para um dado recurso natural fornecidos por mulheres quando

comparados com a linha de base.

≠ O tipo e numero de descritores usados para um dado recurso natural fornecidos por homens quando comparados

com a linha de base.

Indicadores SESG:

≠ A proporção entre o numero de descritores usados por mulheres para um dado recurso natural, quando

comparado com os descritores usados por homens para um dado recurso natural, e comparado com o tipo base.

Stephen Wooten (2003)

69

SECÇÃO VS. GÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E CONSERVAÇÃO

Numa comunidade de agricultores do Bamana no Mali, os dois homens mais velhos, Nene e Shimbon Jara, relataram que os

seus pais se encontravam entre as primeiras pessoas da região a produzir frutos e vegetais exóticos para venda. Contaram que

no início dos anos 60, estes homens empreendedores começaram a cultivar bananas e tomates nas terras baixas junto ao

riacho nas áreas à volta da comunidade. As suas actividades eram uma resposta a uma crescente procura de produtos frescos

da parte das elites urbanas da capital, que se situava perto, Bamako. Com o tempo, os homens mais novos começaram a

limpar e a incorporar, aquilo a que Nene se refere como, “áreas não usadas”. A jardinagem de mercado (o cultivo de frutas e

vegetais para venda) tem-se tornado desde então uma das formas de gerar rendimentos pessoais dentro da comunidade.

Embora os comentários de Nene e de outros anciãos tenham proporcionado uma perspectiva importante do

desenvolvimento das actividades de jardinagem comercial na comunidade, elas contrastam com as perspectivas históricas

proporcionadas pelas mulheres locais – especialmente no que diz respeito à ideia de que as terras de jardinagem não estavam

a ser “usadas”. De facto, as mulheres mais velhas relatam que, antes do desenvolvimento das áreas do vale para actividades

de jardinagem comercial, as mulheres já tinham de facto cultivado e colhido plantas tradicionais em pelo menos algumas

destas áreas. Por exemplo, Wilene Diallo, a mulher mais velha da comunidade, disse que ela e outras esposas da aldeia

usavam estas áreas para o cultivo tradicional de vegetais para os seus molhos. Um horticultor contemporâneo de meia-idade,

Mamari Jara, referiu que as grandes transformações no domínio da jardinagem ocorreram no decorrer da sua vida. O que foi

antes considerado uma actividade das mulheres é agora um assunto dos homens, e as culturas comercialmente valiosas e

exóticas substituíram as culturas tradicionais dos nichos de jardinagem.

Este capítulo vai examinar as transformações na natureza das actividades de jardinagem na comunidade de Bamana no

Mali rural. Utilizando dados etnográficos recolhidos no terreno entre 1992 e 1998, serão descritas as transformações na

jardinagem, passando de uma actividade de subsistência associada às mulheres para uma empresa comercial em que há uma

predominância dos homens. Serão documentados os contornos do sector contemporâneo de jardinagem comercial,

demonstrando que os homens são os principais actores e revelando o seu foco no cultivo de frutas e vegetais não locais. Este

trabalho aborda as implicações que esta mudança na produção hortícola teve na capacidade que as mulheres detêm para

fazer cumprir as suas obrigações no lar em termos da produção do molho, e identificará as potenciais ameaças à diversidade

de plantas locais e à estabilidade global ambiental que é provável que venham a ser o resultado deste processo.

O contexto

Niamakoroni é uma comunidade agrícola localizada nos Planaltos Mande na zona central do Sul do Mali, aproximadamente a

35 quilómetros de Bamako. O colonato nuclear consiste numa série de estruturas em tijolos adobe muito juntas a que estão

associadas às árvores de sombras. De acordo com os anciãos da comunidade, o colonato foi fundado no final do século XIX

quando um segmento da linhagem de uma comunidade próxima se mudou para aqui de forma a ter acesso a terras cultiváveis.

Os residentes contemporâneos de Niamakoroni, tal como os seus predecessores, afirmam ter uma identidade étnica Bamana

(Bambara)

Como é o caso na maioria das comunidades Bamana, as pessoas de Niamakoroni vivem numa comunidade pequena e

muito próxima (Becker, 1990, Lewis, 1979, Toulmin, 1992). Durante os anos de 1993-94, a comunidade tinha um total de 184

residentes. A descendência em Niamakoroni é considerada de forma patriarcal e o controlo dos recursos de produção é

geralmente do tipo corporativo.

A idade e o sexo são características importantes nos contextos sociais, políticos e económicos, com os mais velhos a

dominarem os mais novos e tipicamente os homens detêm o poder. Becker (1990: 315) refere-se a isto como uma

Relações de género, horticultura comercial e ameaçasà diversidade de plantas no Mali rural

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

70

“gerontocracia patriarcal”. O padrão dominante de residência é patrilocal (as mulheres mudam-se para as residências dos

seus maridos quando casam), e os casamentos são frequentemente poligâmicos. Na comunidade o principal grupo doméstico

(unidade de residência, produção e consumo de alimentos) designa-se por du (duw, plural), no dialecto Bamana

(Bamanankan).

Os duw de Niamakoroni são multigeracionais, famílias conjuntas nas quais os indivíduos do sexo masculino mais novos e

as suas esposas e as suas famílias vivem e trabalham, tipicamente sob a autoridade do membro mais velho do grupo, o dutigi.

Sendo os membros sénior das suas linhagens, os dugiti, que têm acesso às terras altas e aráveis e detêm a autoridade para

dirigir o trabalho dos que vivem com eles num sistema de subsistência. Os membros de cada du vivem perto uns dos outros

e partilham as suas refeições ao longo do ano. As mulheres da comunidade são responsáveis pelo processamento da comida

e por cozinhar, bem como por todas as tarefas domésticas. Tipicamente, os homens têm poucas obrigações domésticas para

além da construção e manutenção das casas (ver também Creevey, 1986; Thiam, 1986). Esta óbvia divisão do trabalho por

géneros caracteriza, também, uma vasta comunidade agrária.

Os domínios de cada género na Economia da Alimentação

Em Niamakoroni, a maioria das, relativamente raras, chuvas (900-1200 por ano) caem num curto período de tempo de três a

quatro meses, desde Junho até Setembro. As pessoas dependem da chuva para a sua agricultura de subsistência e como tal

trabalham diligentemente durante estes poucos meses de forma a satisfazerem a maioria das suas necessidades alimentares.

Em cada época de chuvas a grande maioria dos indivíduos em idade e com capacidade para trabalhar focalizam as suas

energias produtivas no cultivo ou colheita de alimentos, ao qual se referem como actividades ka balo (para a vida). Relações

entre os géneros na produção e nos domínios de experiência e conhecimentos marcam de forma muito clara o processo de

produção de alimentos. Os homens de cada lar trabalham colectivamente no seu campo principal do seu grupo nas terras altas

(foroba), que se situa nas áreas de mato pelo menos a alguns quilómetros da povoação. Aqui, eles produzem as suas colheitas

básicas que incluem sorgo (nyo – Sorhum bicolor), milhete (sanyo – Pennisetum glaucum), milho (kaba – Zea mays), ervilhas

(sho – Vigna unguiculata), amendoins (tiga – Arachis hypogaea) e nozes de Bambara (tiganinkuru – Voandzeia subterranea).

Como é o caso na maior parte da região, sorgo e o milhete ocupam a maior área arada (PIRL 1988).

As mulheres, por outro lado, são responsáveis pelo cultivo e pela colheita de plantas para fazerem os molhos que os

homens que trabalham os campos comem diariamente às refeições. Durante a época das chuvas, as mulheres casadas dentro

de cada grupo doméstico trabalham individualmente nos campos nas terras altas que lhes são designados perto do dutigiw

para produzir nafenw, ou “as coisas dos molhos”. Na maioria dos casos, as mulheres fazem uma mistura de culturas entre

amendoins (tiga – Arachis hypogaea), ervilhas, sorgo, kenaf (dajan – Hibiscus cannabinus), malva espinhosa (dakumun ou

dabilenni – Hibiscus sabdariffa) e quiabo (gwan – Abel moschus (Hibiscus esculentus). Há uma focalização bem clara dos seus

padrões de cultivo nos vegetais e folhas que tradicionalmente complementam o que basicamente é produzido no forobaw. A

grande maioria das culturas das mulheres destinam-se ao consumo directo embora, de vez em quando, alguns destes itens

sejam vendidos de forma a gerar algum rendimento que é tipicamente usado para a compra de ingredientes comercializados

para o molho como os cubos de sopa, óleo vegetal e sal (Wooten, 1997). Para além do cultivo dos condimentos nas terras altas

na época das chuvas, durante o resto do ano as mulheres também colhem uma série de plantas selvagens e semi-selvagens

nos seus campos e no mato para os seus molhos. Por exemplo, elas recolhem e processam as folhas da árvore baóba

(Adansonia digitata) para fazer o principal ingrediente dos seus molhos e usam o fruto da árvore de nozes de shea

(Butryospermum parkii) para o óleo de cozinha e para loções para a pele. Como foi relatado noutras zonas da região (Becker,

2000, 2001; Gakou et al. 1994; Grisby, 1996), as mulheres mantêm estas árvores produtivas nos seus campos, e fazem uso das

espécies de arbustos nas áreas circundantes à comunidade. Uma grande variedade de verduras selvagens ou semi-selvagens

são regularmente usadas nos seus molhos.

Este padrão distinto de contribuições para a economia alimentar, em que os homens providenciam os grãos e as mulheres

os molhos, é comum em Bamana (ex. Becker, 1996; Thiam, 1986;Toulmin, 1992). No entanto, há uma outra actividade típica de

produção que está associada às mulheres Bamana: a jardinagem. Relatos de todas a região de Baman sugerem que as

mulheres usam regularmente as áreas nas terras do vale junto ao riacho para estabelecer e manter as suas hortas, e colher as

plantas selvagens para os ingredientes dos seus molhos (ex. Grisby, 1996; Konate, 1994). De facto, nako, a palavra Bamana

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

71

para horta, é por vezes traduzida literalmente como “riacho de molho”, o que se relaciona tanto com o produto como com o

local de produção. Considerando que há várias gerações que as mulheres na maioria das comunidades Bamana têm a

responsabilidade de produzir nafenw, uma associação histórica entre as mulheres de Niamakoroni e os nakow parece

inteiramente lógica. Apesar disso, hoje, tipicamente elas já não jardinam essas áreas à volta da sua aldeia. Em vez disso,

cultivam os ingredientes para os seus molhos nos campos das terras altas e colhem as plantas selvagens nas áreas próximas

ao mato. No decorrer das últimas décadas, a jardinagem, um domínio que em tempos foi fortemente associado às mulheres

e à economia da alimentação, tem-se tornado num assunto dos homens e um empreendimento comercial.

Jardinar por dinheiro: Satisfazer as exigências dos Consumidores Urbanos

Para além de trabalharem dentro do contexto dos seus respectivos duw para o consumo doméstico, indivíduos de todas as

idades em Niamakoroni tem a opção de iniciarem actividades independentes de produção de mercadorias que irão produzir

rendimentos individuais. Estas actividades são normalmente apelidadas de ka wari nyini (por dinheiro).

Embora haja uma série de actividades geradoras de dividendos na comunidade, a maioria das pessoas tem uma opinião

uniforme relativamente a considerarem a jardinagem de mercado como a principal possibilidade disponível para gerar e

potencialmente acumular rendimentos. Tanto os homens como as mulheres apontam a jardinagem de mercado como a melhor

estratégia para ganhar dinheiro, e sublinham ainda que os consumidores urbanos de Bamako, a cidade capital, são o principal

mercado para os seus produtos (ver também Konate, 1994; 122).

Bamako tem crescido drasticamente desde que os Franceses estabeleceram aí a sua sede administrativa no final do século

XIX. Em 1994, estimava-se que tinha uma população de cerca de 800,000 pessoas (Diarra et al. 1994: 230), e estimativas mais

recentes apontam para um milhão de pessoas. Além disso, de acordo com Diarra e os seus colegas (1994: 239), apenas sete

porcento da população de Bamako está envolvida na produção agrícola ou de gado. Claramente, a urbanização de Bamako,

tal como noutros contextos por todo o mundo, tem estado associada a uma mudança drástica nos padrões de produção e de

consumo. Há agora um mercado regional sólido de cereais, e a maioria dos consumidores urbanos dependem dos produtores

rurais para obter as suas provisões básicas como o milhete e o sorgo. Há, ainda, uma crescente procura de produtos hortícolas

especializados.

Ao longo dos tempos desde que as forças coloniais francesas começaram a consumir frutas e legumes frescos produzidos

nas colónias, que os residentes de Bamako se têm interessado cada vez mais na aquisição e consumo de frutas exóticas

(Republique du Mali, 1992; Villien-Rossi, 1966). Houve um grande número de factores que conduziram a esta mudança no

consumo: a expansão de campanhas nutricionais governamentais alertando para a importância do valor nutricional das frutas

e vegetais frescos; a emergência de uma classe média que considera que os padrões de dieta ocidentais são um sinal de

cultura e de saúde; e o crescimento do número de estrangeiros funcionários de organizações de ajuda externa que pretendem

continuar a consumir os frutos e os vegetais dos seus países de origem. Em conjunto estes factores criam uma forte procura

na capital de itens hortícolas especializados não tradicionais.

Comunidades como Niamakoroni, que estão dentro da distância de mercado da capital, estão bem posicionados num

contexto geral (ver também Becker, 1996; Konate, 1994).

A jardinagem de mercado é agora um componente central no sistema de subsistência local em Niamakoroni. Em meados

dos anos 90 existiam 22 unidades distintas de jardinagem de mercado na comunidade, cada uma com o seu líder (nakotigi).

Os homens casados geriam a grande maioria das unidades (19 das 22, ou 86%). Cada uma das três mulheres nakotigiw

tinha a posição de primeiras mulheres dentro de uma unidade poligâmica. Como tal, nenhuma tinha compromissos directos

no domínio da produção de alimentos, e as suas actividades já não eram geridas pelos seus respectivos dutigiw. Comparando

com outros nakotigiw, as mulheres gerem empresas relativamente menores, trabalhando em parcelas pequenas em zonas

periféricas. A maioria dos nakorigiw são ajudados pelos seus irmãos mais novos ou pelos filhos e filhas e, em alguns casos,

pelas suas mulheres. Os nakotigiw estabelecem os padrões de cultivo, organizam o trabalho, tomam as decisões em relação

à colheita e à comercialização, e vendem os seus produtos e distribuem os lucros da forma que melhor entenderem.

Nos anos 90, os 22 nakotigiw de Niamakoroni operavam um total de 34 diferentes parcelas de horta com tamanhos entre

os 378 e os 9720 m2 com uma média de 3212 m2. A grande maioria destas parcelas localizava nas áreas das terras baixas

imediatamente à volta da comunidade. A maioria estava bem delineada e vedada de forma a estarem protegidas dos estragos

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

72

do gado. As parcelas controladas pelas três mulheres não estavam vedadas e eram as mais pequenas (378-650 m2). Além

disso, as suas parcelas estavam localizadas no mato ao longo de riachos relativamente menores.

Os horticultores de mercado produzem uma grande variedade de frutos e vegetais, a maioria dos quais exóticos não-

tradicionais. Os tipos de vegetais mais comummente plantados em Niakoroni são os tomates, as beringelas amargas (Solanum

incanum), feijões comuns, malaguetas, e couves. De entre estes, os tomates e as beringelas são os mais comuns. Numa altura

ou noutra, todos os 22 nakotigiw cultivaram estes produtos. Outras culturas de vegetais incluem cebolas, beringela europeia,

pimento verde, abóbora e quiabo. As colheitas de frutos também desempenham um papel importante nestas hortas. Por vezes

estas plantações de frutas ocupam uma grande percentagem de área de horta vedada, principalmente como pomares puros

ou, menos frequentemente, integrados numa horta com diversas outras culturas. Exceptuando as hortas pertencentes às três

mulheres nakotigiw, todas as hortas contêm pelo menos algumas plantações produtivas de fruta que inclui bananas, papaias,

mangas e varias espécies de citrinos. De todos os casos a banana é a cultura mais abundante, seguindo-se-lhe a papaia que

é cultivada por todos os 19 nakotigiw masculinos. Todos os nakotigiw masculinos também já tiveram árvores de mangas

(mangoro) A maioria dos horticultores tinham um stock de citrinos que incluía limões, laranjas, tangerinas, tangelos e toranjas,

em que os limões eram os mais comuns. Com a excepção de beringelas amargas, malaguetas, e mangas todas as outras

culturas não são tradicionais. Mas todas estas culturas tanto as tradicionais como as que não são tradicionais, são bastante

procuradas na capital.

Todos os 22 nakotigiw compram sementes dos vegetais comerciais para as suas hortas de mercado. Em entrevistas,

mencionaram comprar especificamente sementes de tomate, couve, e beringela amarga. Excepto as culturas tradicionais

como a beringela amarga, todas as outras sementes são provenientes de França ou da Holanda. Os respondentes afirmaram

uniformemente que compram as suas sementes em locais de distribuição na capital onde os vendedores (vendedores de rua

ou de bancada) tendem a especializar-se em material de agricultura. De facto, há várias lojas de catering especialmente para

os horticultores de mercado. Estas lojas fornecem tanto as unidades totalmente comerciais de jardinagem de mercado que

existem dentro da cidade, como os horticultores de mercado rurais como os de Niamakoroni.

Muitos dos horticultores de Niamakoroni afirmaram comprara as suas sementes de boutiques tubabu (lojas ao estilo

europeu) na área de Dibida. Expatriados, incluindo alguns homens de negócios franceses, gerem a maioria das operações de

fornecimento de material especializado aos horticultores. Para além de comprarem sementes de vegetais e mudas, os

nakotigiw de Niamakoroni também compram produtos para os seus pomares. Todos os 19 nakotigiw masculinos afirmaram

que compram produtos para os seus pomares, plantações de bananas, e sementes ou enxertias de citrinos. O mercado de

Badala ao longo do Rio Níger era a sua principal fonte. Eles também mencionaram obter itens como rebentos de banana, e

sementes de laranjeira, e enxertos de tangelo dos vendedores de Badala. Alguns dos homens nakotigiw disseram obter estes

itens de nakotigiw de comunidades vizinhas onde existem pomares mais antigos. As três mulheres nakotigiw não tinham

plantado quaisquer árvores de citrinos nas suas parcelas e as bananas que estavam a cultivar tinham sido obtidas localmente.

Todos os 19 nakotigiw masculinos disseram ter comprado fertilizantes químicos para as suas parcelas. Catorze também

afirmaram ter comprado estrume (principalmente de galinhas – she nogo). Poucos nakotigiw masculinos também compraram

pesticidas químicos de tempos em tempos. Os horticultores realmente não se apercebem dos problemas de saúde que estes

produtos podem causar nem se protegem a si mesmos. A opinião dos horticultores era unânime quando lhes era perguntado

quais os seus objectivos de produção. Todos os 22 nakotigiw indicaram que viam as suas actividades hortícolas como fonte

de rendimento. Afirmaram também que todos os produtos das suas hortas se destinavam à venda. De facto, os produtos das

hortas raramente apareciam nas dietas locais e, quando acontecia, era porque estavam danificados ou deteriorados. A maior

parte dos produtos das hortas de Niamakoroni destinava-se aos mercados de Bamako. Os produtos eram tipicamente trazidos

para os subúrbios onde os comerciantes de mercados urbanos – essencialmente mulheres jovens – os compram aos

horticultores ou seus ajudantes. Sempre houve uma coorte estável de compradores nestes mercados e, em algumas ocasiões,

alguns deles deslocavam-se directamente às hortas para obterem os produtos, o que indica uma grande procura na capital.

De forma a podermo-nos aperceber um pouco melhor dos níveis de potencial rendimento das hortas de mercado, foram

realizadas uma série de estimativas sobre o valor das colheitas baseado na contagem sistemática dos números e a avaliação

do estado reprodutivo das plantações de fruta em cada horta. O valor bruto de certas culturas podia ser estimado ao saber

quantas árvores produtivas havia, quanto é que uma árvore podia produzir por ano, e a média dos preços de venda. Esta

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

73

analise demonstrou que o valor total da colheita da banana por si só em todos as hortas entre 1993-1994 era de

aproximadamente de 35,000$ US. O indivíduo com a maior plantação de bananas (736) poderia ter obtido 4,400 US só da sua

colheita. O indivíduo com menos plantações de banana (36) poderia ter ganho 216$US. O valor projectado do total das

colheitas de papaia para esse mesmo ano era de aproximadamente 9,500$US. O indivíduo com mais plantações maduras (76)

poderia ter obtido cerca de 1,600$US das suas colheitas, enquanto que o indivíduo com menos plantações (4) poderia ter

ganho 85$US.

Estes exemplos indicam que os rendimentos potenciais da jardinagem de mercado eram relativamente altos no Mali, que

tem um rendimento per capita de 260$US nos inícios dos anos 90 (Imperato, 1996). Baseado nos rendimentos apenas destas

duas colheitas, se fossem partilhados de forma igualitária por todos os 184 residentes de Niamakoroni, o rendimento bruto

per capita seria de aproximadamente 244$US, ou quase a média nacional. No entanto, estes números baseiam-se no valor

bruto e não no rendimento líquido. Além disso, o rendimento gerado pela jardinagem não é distribuído uniformemente pela

comunidade. Em vez disso, porque a maioria dos líderes das hortas são casados, eles são os principais beneficiários desta

estratégia de diversificação de sustento relativamente lucrativa.

Pontos de Vista Contratantes sobre o Desenvolvimento da Horticultura Comercial

Claramente a jardinagem de mercado é muito significativa para a Niamakoroni contemporânea. É também bastante evidente

que é uma actividade comercial dominada pelo sexo masculino, e que se foca numa variedade de culturas altamente exóticas

não-tradicionais.

Contudo, de acordo com os comentários feitos na introdução, a jardinagem não foi sempre uma actividade dominada pelo

sexo masculino nem baseada em plantas exóticas. Para além disso, nem todas as pessoas aceitam de bom grado a jardinagem

de mercado, nem é provável que afecte a todos da mesma forma. Efectivamente, homens e mulheres ligados à comunidade

tendem a narrar a história do desenvolvimento da jardinagem de mercado e dos padrões actuais de jardinagem de formas

muito diferentes. A justaposição dos seus relatos põe em evidência uma diferença significativa da natureza da jardinagem ao

longo dos tempos.

Do ponto de vista de um ancião, a posse da horta em Niamakoroni partilha uma característica em comum com a

comunidade: os primeiros agricultores reclamam primeiro as terras. Quando os primeiros colonos Jara começaram a cultivar

em Niamakoroni, os líderes da linhagem masculina estabeleceram-se como guardiães da terra. (Wooten, 1997). Assim, os

descendentes masculinos das linhagens patriarcais dos fundadores Jara tinham o direito a distribuir parcelas das terras altas

aos líderes de cada lar da comunidade. No entanto, aparentemente, as terras originalmente reclamadas pelos Jara não

incluíam necessariamente as terras baixas, que inicialmente não tinham sido percebidas como essenciais para o regime de

produção alimentar. Baseado nos comentários de Nene Jara e Shimbon Jara, os dois homens mais velhos, aparentemente o

controlo destas áreas recaiu sobre aqueles que as cultivassem primeiro, na maioria dos casos, a primeira geração de

agricultores de mercado: os seus pais.

Subsequentemente, outros se juntaram à primeira vaga de horticultores à medida que começaram a reconhecer as

vantagens do cultivo de hortas. Os homens mais novos entraram neste domínio limpando, aquilo a que Nene chama, “áreas

não utilizadas”. Para além disto, ao longo do tempo, alguns homens mais jovens, que inicialmente trabalhavam para os líderes

originais das hortas montaram as suas próprias unidades, reclamando terras “não usadas” ou obtendo dos seus pais ou

irmãos mais velhos parcelas originais após a sua morte ou reforma. Mais tarde, alguns destes indivíduos obtiveram as suas

parcelas de outros indivíduos com os quais não estavam relacionados. Não foi mencionada qualquer renda, embora a curto

prazo, tenham sido efectuados empréstimos não-monetários de parcelas. Nene e Shimbon mencionaram que, mais

recentemente, as mulheres iniciaram actividades de jardinagem nas terras longínquas, perto do mato, em terras que os

homens consideram demasiado distantes para quaisquer actividades sérias de horticultura. Limparam elas mesmas estas

áreas de modo a poderem cultivá-las.

As mulheres apresentaram uma perspectiva bastante diferente sobre o desenvolvimento da jardinagem de mercado.

Várias mulheres mais velhas indicaram que, antes do desenvolvimento das áreas nas zonas menos elevadas para actividades

de jardinagem comercial, as mulheres já tinham de facto cultivado e recolhido plantas nestas mesmas áreas. Wilene Diallo, a

mulher mais velha da comunidade, disse que ela e as outras esposas da aldeia, durante a época das chuvas, costumam utilizar

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

74

estas parcelas para o cultivo tradicional dos vegetais para os seus molhos (naw). Ela também mencionou que as mulheres da

aldeia por vezes também plantavam arroz nas terras baixas durante a época das chuvas. O arroz produzido era da variedade

tradicional que é utilizado em refeições especiais ou é comercializado. As afirmações de Wilene foram confirmadas por uma

grande número de mulheres mais velhas, e este padrão também se pode notar em publicações sobre os padrões de produção

nas zonas rurais noutras áreas do Mali (ex. vários trabalhos realizados por Creevey, 1986, Becker, 1996).

Assim, antes de a primeira geração de horticultores de mercado se ter estabelecido, aparentemente as mulheres já

utilizavam estas áreas de uma forma livre e sem ser em competição directa dos homens, e faziam-no com um objectivo

primordial de produção de ingredientes para os seus molhos. Esta utilização não contestada pode estar relacionado com o

facto de ainda não estar desenvolvido um mercado para a produção hortícola especializada, e os homens percepcionarem as

terras baixas como áreas menos desejáveis. Um comentário proporcionado por um dos líderes masculino contemporâneos de

hortas de Niamakoroni dá suporte a esta posição geral. No que diz respeito ao desenvolvimento das suas próprias parcelas,

Mamari Jara disse que apenas há uma geração atrás, algumas das terras eram usadas por algumas das mulheres da aldeia

para a produção de folha e vegetais para os seus molhos. Mamari continuou dizendo que, à medida que a procura de produtos

hortícolas cresceu, os homens da comunidade se tornaram mais conscientes do valor potencial destas terras e eventualmente

substituíram as mulheres no cultivo destas áreas. Afirmou que elas começaram a desbastar as áreas, vedando-as e

reclamando-as como suas. Mais profundamente, disse “Havia dinheiro a ser feito!”. Assim que acabou de dizer isto, ele e o

seu irmão mais novo Konimba riram e acrescentaram, que no fundo, “os homens são uns ladrões!”.

Terreno perdido, Recursos Ameaçados

Quaisquer que sejam as exactas particularidades históricas, é obvio que as mulheres de hoje são largamente excluídas dos

espaços das hortas da comunidade. Para estabelecer as suas empresas comerciais, os homens apropriaram-se do espaço

físico das terras baixas e dos nichos de produção das hortas em si. Neste processo, as mulheres de Niamakoroni perderam

terreno importante. O movimento masculino para o domínio da jardinagem tem vindo a ser facilitado por amplas iniquidades

na produção que localmente está relacionada com o género. De acordo com Davison (1988: 3), as relações de género com a

produção são “as relações socioeconómicas entre homens e mulheres que estão caracterizadas pela distribuição de tarefas

de forma diferencial, o controlo sobre a tomada de decisões, e o acesso e controlo diferencial sobre a localização dos seus

recursos – incluindo a terra e os rendimentos”.

Em Niamakoroni, tal como na maioria dos cenários em Africa, a produção relacionada com o género geralmente favorece

os homens. Como já tinha sido indicado anteriormente, é uma comunidade onde a descendência é patriarcal e cujo controlo

sobre os recursos de produção é geralmente de natureza corporativa em que há um domínio dos mais velhos sobre os mais

novos, e em que os homens geralmente têm mais poder que as mulheres. Os homens casados têm explorado as suas posições

privilegiadas neste tipo de estrutura para se estabelecerem como horticultores de mercado. Reclamaram as terras onde as

suas mães e as suas mulheres cultivavam e colhiam plantas para o molho. Isto tem importantes implicações nas contribuições

das mulheres para a economia alimentar e para a sua comunidade. A marginalização das mulheres do nicho da jardinagem em

Niamakoroni limita as suas capacidades de produção dos seus ingredientes tradicionais. As mulheres tentam cultivar o

suficiente para os seus molhos nas terras altas que lhes foram designadas pelos seus dutigiw, mas aí a sua produção é

limitada. Elas têm uma grande variedade de obrigações domésticas que lhes limitam o tempo disponível para o cultivo destas

terras e, para além disto, algumas das culturas tradicionais podem não se dar bem a estas altitudes. Os campos das terras

altas só podem ser cultivados na época das chuvas, mas os molhos requerem tipicamente plantas frescas durante todo o ano.

Assim, mesmo que as mulheres sejam afortunadas o suficiente para conseguirem assegurar uma colheita sólida dos seus

campos, vão ainda ter que localizar algumas das plantas necessárias para os seus molhos.Com o acesso aos campos das

terras baixas limitado, são impedidas de obter estes itens. A sua marginalização do domínio da jardinagem também limita o

seu acesso a recursos financeiros, que poderiam ser utilizados para comprar mais ingredientes para os seus molhos que não

conseguiriam obter nestas áreas.

A quase exclusão das mulheres desta importante fonte de rendimento pode ainda ter implicações mais vastas. Os

inúmeros estudos realizados em Africa (ex. Clark, 1994; Fapohunda, 1988; Gordon, 1996) têm demonstrado que a autonomia

financeira pode aumentar o status do indivíduo nos vários cenários sociais. Em particular, um rendimento independente em

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

75

paralelo aos rendimentos dos seus maridos proporciona dá uma maior poder às mulheres para poderem negociar as suas

posições no seio das famílias e comunidades africanas. Isto parece ser realmente importante no contexto de Bamana. Como

referiu Turrittin (1988: 586), “o controlo dos seus recursos económicos é uma importante fonte de negociação das mulheres

com os homens”. A autora demonstrou ainda como é que as relações do género com a produção dos Bamana limitam as

oportunidades das mulheres de terem acesso a estes recursos através de actividades de negociação. Tal como as mulheres de

Niamakoroni, as mulheres do estudo de Turrittin não se conseguiram estabelecer dentro deste nicho de geração de altos

rendimentos. Em ambos os casos, os homens usam as relações de género da produção existentes para reclamarem para si

uma indústria relativamente lucrativa. As suas acções são suportadas pela estrutura institucional já estabelecida em que os

homens, como membros de uma linhagem baseada no patriarcado, tem prioridade no acesso aos recursos de produção e às

oportunidades económicas.

É importante realçar que esta tendência não tem passado despercebida nem incontestada pelas mulheres de

Niamakoroni. No decurso das entrevistas realizadas várias mulheres deram voz à sua insatisfação com esta situação. Como

disse uma das mulheres, “Os homens têm todos os hortas, Eles têm todo o dinheiro. No entanto, eles não nos dão nada, nem

mesmo dinheiro para os molhos ou para as nossas crianças”. Algumas das mulheres ressentem-se do facto de o que

consideravam ser a esfera tradicional das mulheres, passar agora a fazer parte do mundo dos homens. É ainda importante ter

em conta o facto de existirem três mulheres nagotigiw. As suas hortas eram muito pequenas e localizadas a uma distância

considerável da aldeia em terrenos considerados menos bons, mas apesar disso tinham hortas – e hortas orientados para o

comércio. No entanto, ao contrário da maioria das mulheres casadas na comunidade, estas mulheres horticultoras eram as

mulheres mais velhas que se tinham retirado da maior parte das actividades regulares associadas à economia alimentar do

lar. Não é provável que as suas conquistas, apesar de escassas, venham a ser replicadas em grande escala. Para além da

emergência de uma série de desafios sociais e económicos, a exclusão das mulheres do domínio das hortas pode levar a

mudanças noutros domínios importantes. Esta mudança aqui documentada aponta para transformações nos padrões

culinários e para um possível declínio do estatuto nutricional (ver também Daniggelis, neste volume), da diversificação das

plantas locais, e de uma abrangente estabilidade ambiental. Embora estas questões não sejam especificamente avaliadas

neste estudo, os dados apresentados revelam um número significativo de ameaças.

A expansão do mercado de jardinagem dos homens pode levar a um decréscimo da disponibilidade de plantas locais nas

suas dietas. Os homens empurraram as mulheres e os seus cultivos para fora do nicho da jardinagem. Neste processo, muitas

das plantas das hortas e associadas aos consumidores urbanos substituíram as plantas locais associadas às mulheres e aos

seus molhos nas hortas de Niamakoroni. Os horticultores de mercado de hoje não estão interessados em manter as colheitas

das mulheres a menos que estas estejam adequadas aos mercados urbanos, como é o caso da beringela amarga. Assim,

muitos dos homens vêem as plantas das mulheres (especialmente as plantas e folhas tradicionais) como ervas daninhas que

tem que ser retiradas de modo a plantar tomates e bananas que são geradoras de rendimentos. Só recentemente, e raramente,

é que as hortas começaram a ter destes vegetais tradicionais e plantas selvagens ou semi-domesticadas.

Resumindo, pela falta de acesso à jardinagem tradicional e a áreas de cultivo, as mulheres têm menos opções no que diz

respeito a confecção dos seus molhos. Apesar de ainda não estar documentado, um dos resultados possíveis será uma

mudança nos padrões locais de culinária – ironicamente, através do cultivo e comercialização das suas colheitas, os homens

podem estar a contribuir para o declínio do valor nutricional das suas refeições. Estudos realizados em vários outros contextos,

tem revelado que esta mudança para uma agricultura comercial pode resultar no declínio dos valores nutricionais a um nível

local à medida que as culturas tradicionais são substituídas por itens não alimentares, alimentos menos nutritivos, ou itens

que, embora sejam bastante nutritivos, são comercializados em vez de consumidos (von Braun e Kennedy, 1994; De Walt,

1993). Mais especificamente, à luz das pesquisas realizadas nestas áreas tem-se demonstrado o valor significativo nos

vegetais tradicionais na dieta (Chweya e Eyzaguirre, 1999; Nesamvuni et al. 2001; Thaman, 1995), as transformações em

Niamakoroni podem conduzir a deficiências nutritivas e estarem relacionadas com problemas de saúde. De facto, um trabalho

realizado recentemente no sul do Mali documentou a importância nutricional das plantas locais que tradicionalmente estão

associadas às mulheres. Nordeide et al. (1996) demonstraram que as culturas tradicionalmente recolhidas e localmente

produzidas contribuem com nutrientes valiosos, particularmente em contextos rurais como Niamakoroni. Este tipo de declínio

é provável pois muito poucos destes “novos” produtos cultivados são inseridos nas dietas locais. Os horticultores de mercado

76

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

vêem as suas unidades como fontes de rendimento e as suas produções apenas como meios para atingir fins. Nem usam os

seus rendimentos para comprar comida, nem dão dinheiro às suas mulheres que poderia ser utilizado para comprar os

ingredientes tradicionais para os seus molhos ou para comprar ervas medicinais locais (Woote, 1997). Se os estudos

realizados noutros contextos sobre os processos de comercialização servirem como indicadores, é provável que surjam

problemas adicionais com repercussões tanto locais como globais a longo prazo. De forma a assegurar a viabilidade a longo

prazo de recursos que estejam adaptados localmente, peritos na gestão de recursos genéticos de plantas (RGP) estão a exigir

uma conservação in situ (Altieri e Merrick, 1987; Qualset et al., 1997). Esta é considerada a forma mais eficaz de conservação

dos recursos genéticos, e de assegurar o acesso continuado a recursos que estejam adaptados ao local. Pesquisas nesta área

demonstraram que, embora sejam pequenas em tamanho, as hortas domésticos das mulheres por todo o mundo contêm

tipicamente uma variedade considerável de plantas que estão adaptadas aos seus locais (Howard-Borjas, 2002). As mulheres

usam estes locais como parcelas experimentais e sítios para a conservação de plantas raras. De facto, tem-se demonstrado

que as hortas das mulheres africanas são provavelmente um dos reservatórios mais significativos de material genético das

plantas locais (Chweya e Eyzaguirre, 1999). No entanto, o potencial para a conservação in situ de plantas tradicionalmente

relacionadas às mulheres de Niamakoroni está ameaçado pela expansão da jardinagem comercial. Sem um acesso apropriado

aos nichos de jardinagem, falta às mulheres a oportunidade para manterem os recursos de plantas tradicionais in situ. Embora

algumas das plantas tradicionais estejam apropriadas ao cultivo nas terras altas durante a época das chuvas, há muitas mais

plantas selvagens ou semi-domesticadas que estão adaptadas a áreas das terras baixas junto ao riacho. Assim, esta situação

apresenta um desafio para a manutenção da viabilidade da adaptação das plantas localmente e, ao longo do tempo, para a

continuidade do conhecimento local destas espécies. Resumindo, sem uma gestão continuada, é possível que estas espécies

sofram uma erosão localmente.

A perda dos recursos genéticos das plantas e dos conhecimentos que lhe estão associados a nível local irão representar

uma perda significativa no domínio global da biodiversidade das plantas. De um modo geral, muito pouco é conhecido das

características genéticas das culturas tradicionais em Africa. De facto, até muito recentemente, têm vindo a ser ignoradas pelos

bancos de genes ex situ e pelos esforços de proteccionismo comercial (para uma discussão deste assunto ver Chweya e

Eyzaguirre, 1999). Assim, plantas esquecidas ou extintas a um nível local correm o risco de se perderem para sempre.

No entanto, a ameaça à biodiversidade das plantas locais não se limita às áreas de hortas. Há um número importante de

efeitos ambientais secundários que estão relacionados com o desenvolvimento da jardinagem de mercado dos homens em

Niamakoroni. Sem o acesso às terras baixas para a produção dos seus molhos ou outras alternativas para obter rendimentos,

as mulheres focam cada vez mais a sua atenção na exploração de outros locais, recursos de plantas tipo arbustos para comida

e para obterem algum rendimento para suportar as suas obrigações domésticas na cozinha (Wooten, 1997). Em particular, vão

expandindo a sua produção comercial de carvão vegetal, manteiga de shea, e escovas de dentes feitas de plantas. Em

entrevista, várias mulheres disseram que usam os rendimentos destas actividades para assegurarem os itens para os seus

molhos nas refeições. Todas estas actividades dependem da utilização de recursos provenientes de plantas selvagens nativas.

A expansão do uso pelas mulheres de tais recursos revela o que pode representar um ciclo vicioso: Sem o acesso às zonas

jardináveis, as mulheres podem estar a explorar em demasia os recursos do mato de forma a obterem o rendimento que

podem utilizar para obter os ingredientes para o molho que já não podem obter localmente.

As mulheres tinham uma posição uniforme quanto à utilização do carvão vegetal como a sua principal mercadoria: como

os produtos da jardinagem de mercado, o carvão vegetal é um produto muito desejado nas zonas urbanas de Bamako. A

produção de carvão vegetal é um processo árduo. E gera muito pouco lucro. (Wooten n.d.). No entanto, por ser uma das muito

poucas actividades que gerem rendimentos acessíveis às mulheres, as produções de carvão estão a tornar-se muito comuns.

Ao mesmo tempo, tem havido um decréscimo no número de árvores adultas nas áreas à volta da aldeia. É provável que as

acções das mulheres estejam a acelerar a taxa de desflorestação de espécies relacionadas com o carvão. De facto, as mulheres

já lamentam o facto de ser cada vez mais difícil encontrarem espécies em volume suficiente para a produção do carvão. Elas

indicaram que começaram a usar espécies mais novas e menos desejáveis de árvores e a cortar árvores inteiras para este

processo. Um estudo realizado nesta região sugere que, uma vez que as mulheres rurais têm menos direitos sobre as terras,

é pouco provável que invistam a longo prazo em empresas que se baseiem nas terras (Grisby e Force, 1993). Isto é irónico visto

que os estudos realizados nestas zonas indicam que as mulheres são as principais utilizadoras e beneficiárias das actividades

77

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

que se baseiam na utilização das terras (Driel, 1990, Gakou et al., 1994). Com a procura cada vez maior nos meios urbanos e

tendo muito poucas alternativas as mulheres continuam a explorar os recursos de madeira necessários para a produção do

carvão vegetal e este processo vai contribuir para a desflorestação desta área. Neste caso, as mulheres podem em breve

perder os seus benefícios, já por si escassos, e virem a ficar privadas de madeira para lenha. E ainda, com a perda continuada

de madeira vem a possibilidade de o solo ficar mais compacto e haver uma erosão e uma degradação ambiental a ela

associada (ver os relatórios oficiais do Mali citados por Becker, 2001).

Género, Comercialização e Ameaças aos Recursos Genéticos das Plantas Locais

Confrontados com a rápida e crescente degradação da biodiversidade de plantas por todo o planeta, uma grande quantidade

de indivíduos e de organizações estão agora a prestar mais atenção às tarefas de documentação e conservação dos recursos

genéticos das plantas. Como resultado deste facto, nas últimas décadas, tem aumentado a compreensão da diversidade e da

significância das plantas que estão adaptadas localmente. Esta expansão por vezes passa por uma crescente apreciação dos

conhecimentos locais ou indígenas do domínio da bio-complexidade. No entanto, à medida que a pesquisa nesta área

progride, tem-se tornado mais claro que por vezes há uma diferença substancial nesses mesmos conhecimentos sobre a

biodiversidade das plantas locais entre as populações locais, por exemplo dependendo da etnicidade e do modus vivendi.

Resumidamente, os investigadores têm demonstrado que há frequentemente “conhecimentos” das plantas locais em vez de

conhecimento monolítico das plantas locais.

Assim, de forma a perceber melhor as diferentes relações entre as pessoas e as plantas é imperativo identificar os

especialistas locais e aprender com eles os recursos de plantas que eles melhor conhecem. Infelizmente, têm-se tornado cada

vez mais evidente que um grupo significativo de pessoas chave, detentoras destes conhecimentos, tem sido bastante

ignorado neste processo. Apesar dos seus papéis cruciais nas várias áreas de gestão de plantas, os conhecimentos das

mulheres das plantas locais foram mal representadas nas investigações (para uma revisão ver Howard-Borjas, 2002). O

resultado é um quadro incompleto dos conhecimentos locais do mundo das plantas.

De forma a abordar esta lacuna, é imperativo identificar e documentar em detalhe situações em que as mulheres têm

responsabilidades distintas e conhecimentos sobre os recursos locais de plantas. É extremamente importante prestar mais

atenção a estes casos em que os recursos de plantas das mulheres e os seus conhecimentos base estão sob ameaça. Este

estudo de caso oferece um exemplo do tipo de processo que pode levar à deterioração do acesso das mulheres a recursos e,

subsequentemente, a conhecimentos.

À medida que os espaços produtivos das mulheres tal como as hortas domésticas de Niamakoroni são transformados em

colheitas exóticas comercialmente viáveis e na produção de jardinagem de mercado, os recursos tradicionais das plantas

podem decair e os conhecimentos sobre estas culturas podem perder-se. Esta ameaça tem sido identificada como a principal

preocupação da Comissão Internacional para os Recursos Genéticos de Plantas e outras organizações que se preocupam com

a viabilidade a longo prazo da biodiversidade das plantas que estão adaptadas ao local. É bastante claro que partindo do caso

de Niamakoroni que as dinâmicas de comercialização relacionadas com o género podem constituir uma ameaça à

biodiversidade das plantas locais e que a perda de recursos pode provocar ainda mais efeitos negativos no ambiente e no

bem-estar da humanidade.

Referências

Altieri, M., and A. Merrick (1987) “In situ conservation of crop genetic resources through maintenance of traditional farming systems”,Economic Botany, Vol. 41, No. 1, pp. 86-96.

Becker, L. (1990) “The collapse of the family farm in West Africa? Evidence from Mali”, Geographical Journal, Vol. 156, No. 3, pp. 313-322.

Becker, L. (1996) “Access to labor in rural Mali”, Human Organization, Vol. 55, No. 3, pp. 279-288.

Becker, L. (2000) “Garden money buys grain: food procurement patterns in a Malian village”, Human Ecology, Vol. 28, No. 2, pp. 219-250.

Becker, L. (2001) “Seeing green in Mali’s woods: colonial legacy, forest use, and local control”, Annals of the Association of American

Geographers, Vol. 91, No. 3, pp. 504-526.

Braun, J. von, and E. Kennedy (1994) “Introduction and overview”, in J. von Braun and E. Kennedy (eds.) Agricultural

78

Relações de género, horticultura comercial e ameaças à diversidade de plantas no Mali rural

Commercialization, Economic Development, and Nutrition, Baltimore, Maryland: Johns Hopkins University Press.

Chweya, J. A., and P. Eyzaguirre (1999) The Biodiversity of Traditional Leafy Vegetables, Rome: IPRGI.

Clark, G. (1994) Onions Are My Husband: Survival and Accumulation by West African Market Women, Chicago, Illinois: University ofChicago Press.

Creevey, L. (1986) “The role of women in agriculture in Mali”, in L. Creevey (ed.), Women Farmers in Africa: A Study of Rural

Development in Mali and the Sahel, Syracuse, New York: Syracuse University Press.

Davison, J. (1988) “Land and women’s agricultural production: the context”, in J. Davison (ed.), Agriculture, Women, and Land: The

African Experience, Boulder: Westview Press.

DeWalt, K. (1993) “Nutrition and the commercialization of agriculture: ten years later”, Social Science and Medicine, Vol. 36, pp. 1407-1416.

Diarra, S., A. Sékouba Kouame, R. Marcoux, and A. Camara (1994) “Mali”, in J. Tarver (ed.), Urbanization in Africa: A Handbook,Westport, Connecticut: Greenwood Press.

Driel, A. van (1990) “A tree is more than only fuelwood with leaves”, Bos Nieuwsletter (Netherlands), Vol. 9, No. 20, pp. 19-26.

Fapohunda, E. (1988) “The non-pooling household: a challenge to theory”, in D. Dwyer and J. Bruce (eds.), A Home Divided: Women

and Income in the Third World, Stanford, CA: Stanford University Press.

Gakou, M., J. Force, and W. McLaughlin (1994) “Non-timber forest products in rural Mali: a study of villager use”, Agroforestry

Systems, Vol. 28, pp. 213-226.

Gordon, A. (1996) Transforming Capitalism and Patriarchy: Gender and Development in Africa, Boulder, Colorado: Lynne Reiner.

Grisby, W. (1996) “Women, descent, and tenure succession among the Bambara of West Africa: a changing landscape”, Human

Organization, Vol. 55, No. 1, pp. 93-98.

Grisby, W., and J. Force (1993) “Where credit is due: forests, women, and rural development”, Journal of Forestry, Vol. 91, No. 6, pp.29-34.

Howard-Borjas, P., with W. Cuijpers (2002) “Gender and the management and conservation of plant biodiversity”, in H. W. Doelleand E. Da Silva (eds.), Biotechnology, in Encyclopedia of Life Support Systems (EOLSS), Oxford, UK, http://www.eolss.net.

Imperato, P. (1996) Historical Dictionary of Mali, Lanham, Maryland: Scarecrow Press.

Konate, Y. (1994) Household Income and Agricultural Strategies in the Peri-Urban Zone of Bamako, Mali, Ph.D. Dissertation,State University of New York, Binghamton, Ann Arbor, Michigan: University Microfilms International.

Lewis, J. (1979) Descendants and Crops: Two Poles of Production in a Malian Peasant Village, Ph.D. Dissertation, Yale University,Ann Arbor, Michigan: University Microfilms International.

Nesamvuni, C., N. P. Steyn, and M. J. Potgieter (2001) “Nutritional value of wild, leafy plants consumed by the Vhavenda”, South

African Journal of Science, Vol. 97, pp. 51-54.

Nordeide, M., A. Harloy, M. Folling, E. Leid, and A. Oshaug (1996) “Nutrient composition and nutritional importance of greenleaves and wild food resources in an agricultural district, Koutiala, in Southern Mali”, International Journal of Food Sciences and

Nutrition, Vol. 47, pp. 455-468.

Projet Inventaire des Ressources Ligneuses et Occupation Agricole des Terres au Mali (PIRL)(1988) “Notice de cercle, cercle deKati, région de Koulikoro, Bamako”, Ministère de l’Environnement et de l’Élevage, Direction Nationale des Eaux et Forêts.

Qualset, C., A. Damania, A. Zanatta, and S. Brush (1997) “Locally based crop plant conservation”, in N. Maxted, B. V. Ford-Lloyd,and J. G. Hawkes (eds.), Plant Genetic Conservation: the In Situ Approach, New York: Chapman and Hall.

République du Mali (1992) Rapport National sur la Nutrition, Conférence Internationale sur la Nutrition, Rome – Décembre 1992.

Thaman, R. (1995) “Urban food gardening in the Pacific Islands: a basis for food security in rapidly urbanising small-islandstates”, Habitat International, Vol. 19, No. 2, pp. 209-224.

Thiam, M. (1986) “The role of women in rural development in Segou region of Mali”, in L. Creevey (ed.), Women Farmers in Africa,

Syracuse, New York: Syracuse University Press.

Toulmin, C. (1992) Cattle, Women and Wells: Managing Household Survival in the Sahel, Oxford: Oxford University Press.

Turrittin, J. (1988) “Men, women, and market trade in rural Mali, West Africa”, Canadian Journal of African Studies, Vol. 22, pp.583-604.

Villien-Rossi, M. L. (1966) “Bamako, capitale du Mali”, Bulletin d’IFAN, sér. B, Vol. 28, Nos. 1-2, pp. 249-380.

Wooten, S. (1997) “Gardens are for Cash, Grain is for Life”: The Social Organization of Parallel Production Processes in A Rural

Bamana Community (Mali), Ph.D. Dissertation, University of Illinois, Ann Arbor, Michigan: University Microfilms International.

Wooten, S. (in press 2003) “Women, men and market gardens: gender relations and income generation in rural Mali”, HumanOrganizations

D I R E C Ç Ã O D E G É N E R O E P O P U L A Ç Ã O

D E P A R T A M E N T O D E D E S E N V O L V I M E N T O S U S T E N T Á V E L

O R G A N I Z A Ç Ã O D A S N A Ç Õ E S U N I D A S P A R A A A G R I C U L T U R A E A A L I M E N T A Ç Ã O

V I A L E D E L L E T E R M E D I C A R A C A L L A

0 0 1 0 0 R O M A , I T Á L I A

T E L : ( + 3 9 ) 0 6 5 7 0 5 6 7 5 1 F A X : ( + 3 9 ) 0 6 5 7 0 5 2 0 0 4

E - M A I L : l i n k s - p r o j e c t @ f a o . o r g

W E B S I T E : w w w . f a o . o r g / s d / l i n k s