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“Beleza é Namorar”: Metáforas do Amor no Gênero Publicidade Adriano Dias de Andrade (Professor de Educação Básica, Mestrando em Linguística – UFPE, [email protected] ) RESUMO: Este trabalho analisa as metáforas em publicidades do Dia dos Namorados veiculadas pela mídia no mês de junho de 2008. Como corpus, utilizamos 10 exemplares textuais do gênero publicidade, extraídos do site na internet Portal da Propaganda. Constatamos que em todos os exemplares textuais vistos houve a presença de pelo menos uma Expressão Lingüística Metafórica licenciada por Metáfora Conceptual (MC). Diagnosticamos desde MC primárias até orientacionais. Entendemos que esse equilíbrio é espelho da diversidade lingüística e cultural apresentada pelo Discurso Publicitário. Ademais, nos apoiamos teoricamente nas contribuições advindas da teoria da Metáfora Conceptual defendida por Lakoff (1980) e colaboradores e nas reflexões sobre ethos em Maingueneau (2008). PALAVRAS-CHAVES: Semântica Cognitiva; Análise do Discurso; Gênero Publicidade; Metáfora. ABSTRACT: This paper aims at investigating the nature of the metaphor through the textual genre advertisement. We started from the assumption that metaphors are not linguistic embellishments, but rather a performer of diverse cognitive and discursive functions. More explicitly, on this presentation: (i) we explore the incidence of metaphors on the selected text and (ii) we suggest ways to addressing and analyzing this phenomenon from a discursive-cognitive perspective. We have used the contributions of Cognitive Semantics, more specifically the theory of Conceptual Metaphor by Lakoff (1980) and supporters, as well the contribution of the theory of Ethos by Maingueneau (2008). We have used as corpus ten texts from a Brazilian website specialized in advertisements. 1

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“Beleza é Namorar”: Metáforas do Amor no Gênero Publicidade

Adriano Dias de Andrade (Professor de Educação Básica, Mestrando em Linguística –

UFPE, [email protected])

RESUMO: Este trabalho analisa as metáforas em publicidades do Dia dos Namorados

veiculadas pela mídia no mês de junho de 2008. Como corpus, utilizamos 10 exemplares

textuais do gênero publicidade, extraídos do site na internet Portal da Propaganda.

Constatamos que em todos os exemplares textuais vistos houve a presença de pelo menos

uma Expressão Lingüística Metafórica licenciada por Metáfora Conceptual (MC).

Diagnosticamos desde MC primárias até orientacionais. Entendemos que esse equilíbrio é

espelho da diversidade lingüística e cultural apresentada pelo Discurso Publicitário.

Ademais, nos apoiamos teoricamente nas contribuições advindas da teoria da Metáfora

Conceptual defendida por Lakoff (1980) e colaboradores e nas reflexões sobre ethos em

Maingueneau (2008).

PALAVRAS-CHAVES: Semântica Cognitiva; Análise do Discurso; Gênero Publicidade;

Metáfora.

ABSTRACT: This paper aims at investigating the nature of the metaphor through the

textual genre advertisement. We started from the assumption that metaphors are not

linguistic embellishments, but rather a performer of diverse cognitive and discursive

functions. More explicitly, on this presentation: (i) we explore the incidence of metaphors

on the selected text and (ii) we suggest ways to addressing and analyzing this phenomenon

from a discursive-cognitive perspective. We have used the contributions of Cognitive

Semantics, more specifically the theory of Conceptual Metaphor by Lakoff (1980) and

supporters, as well the contribution of the theory of Ethos by Maingueneau (2008). We

have used as corpus ten texts from a Brazilian website specialized in advertisements.

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KEYWORDS: Cognitive Semantics; Discourse Analysis; Advertisement; Metaphor.

1. Introdução

Este trabalho centra-se na questão das metáforas em publicidades do Dia dos Namorados

veiculadas pela mídia virtual no mês de junho de 2008. A discussão do tema é de grande

relevância, tendo em vista que no nosso dia-a-dia, nas nossas atividades mais ordinárias,

nos deparamos com situações lingüísticas nas quais os sentidos são produzidos e

partilhados através de estratégias cognitivo-discursivas complexas. De modo mais

explicito, visa-se a: (a) identificar a incidência desse fenômeno no gênero textual

selecionado, (b) sugerir formas de tratamento e (c) analisar o ethos construído nesses textos.

Nesta pesquisa, tentamos o diálogo entre a Análise do Discurso e a Semântica Cognitiva.

Tomamos como alicerce a visão de língua como atividade sócio-interativa histórica

situada de caráter essencialmente cognitivo, tal como proposto por Marcuschi (2007).

Ademais, nos apoiamos teoricamente nas contribuições advindas da teoria da Metáfora

Conceptual defendida por Lakoff (1980) e colaboradores e nas reflexões sobre ethos em

Maingueneau (2008).

2. Metodologia

Como corpus de análise, utilizamos 10 exemplares textuais do gênero publicidade,

escolhidos e extraídos do site na internet Portal da Propaganda. A escolha do gênero não se

deu de forma acidental, mas pela substancial recorrência do fenômeno abordado. Definido

o corpus, a pesquisa seguiu as seguintes etapas: (a) as metáforas encontradas foram

classificadas em orientacionais, ontológicas e estruturais, com o objetivo de validar a

teoria sobre a qual nos debruçamos e (b) esboçamos alguns traços característicos da

formação discursiva estudada, no que se refere à temática aqui abordada.

3. Embasamento Teórico

2

Como dito na introdução deste trabalho, tentaremos o diálogo entre a Semântica Cognitiva

e a Análise do Discurso. Mais objetivamente usaremos como arcabouço teórico a Teoria da

Metáfora Conceptual de Lakoff e colaboradores, conforme detalhes na seção subseqüente,

e a noção de Ethos conforme discutida em Maingueneau. Em complemento, veremos uma

proposta de análise de metáforas de forma pragmática/discursiva e, na última seção deste

amálgama teórico, veremos algumas considerações sobre o Discurso Publicitário.

3.1 Teoria da Metáfora Conceptual de Lakoff e colaboradores

As metáforas não são simples elementos de “enfeite” lingüístico sem nenhuma pretensão

comunicativa. Mas, configuram-se como poderosos instrumentos cognitivos e assumem

importantes tarefas nos nossos sistemas perceptuais. Esse fenômeno pode ser,

sinteticamente, definido como a sobreposição de domínios conceituais ou de conhecimento

com a finalidade de se construir um determinado objeto de significação.

No processo de produção de enunciados metafóricos, temos como produto final um

enunciado cuja significação corresponde (pelo menos em parte) à mescla dos conceitos.

Nesse sentido, Lakoff (1986)1, baseando-se na metáfora love is journey – o amor é uma

viagem, explica:

A metáfora envolve a compreensão de um domínio de experiência, o amor, em termos de

outro domínio muito diferente da experiência, as viagens. A metáfora pode ser entendida

como um mapeamento (no sentido matemático) de um domínio de origem (neste caso,

viagens) a um domínio alvo (neste caso, amor). O mapeamento é estruturado

sistematicamente. Há correspondências ontológicas de acordo com as quais as entidades no

domínio do amor correspondem sistematicamente a entidades no domínio de uma viagem.

Essa abordagem para o estudo da metáfora passou a ser chamada de Teoria da Metáfora

Conceptual, e segundo Feltes (2007) é caracterizada por (i) esquemas do tipo CONTAINER

e ORIGEM-PERCURSO-META e (ii) por se tratar de uma projeção de base experiencial, a

partir de um Modelo Cognitivo Idealizado (MCI) de um domínio para um MCI de outro.

Lakoff e Johnson (1980) tipificam as metáforas em três subcategorias, de acordo com suas

funções cognitivo-lingüísticas:

1. Metáforas orientacionais – estruturam os conceitos de linearidade tendo como base

orientações lineares não-metafóricas.

1 Lakoff, 1986:201-217 apud Zanotto, 1998:17.

3

2. Metáforas ontológicas – projetam características de uma entidade ou substância sobre

outra entidade ou substância que a priori não possui essas características. As

personificações são metáforas desse tipo.

3. Metáforas estruturais – estruturam experiências ou atividades em termos de outras

experiências ou atividades. São chamadas, genericamente, metáforas literais, porque são,

em geral, inconscientes, automáticas e convencionais (Feltes, 2007:156).

É importante comentarmos sobre alguns outros conceitos dessa teoria que serão bastante

utilizados durante nossas análises, então, vejamos, conforme Berber Sardinha (2007):

Metáfora Conceptual: uma maneira convencional de conceitualizar um domínio da

experiência em termos de outro domínio da experiência (estruturas mentais de

representação);

Expressão Lingüística Metafórica: é a realização lingüística da Metáfora

Conceptual;

Domínio Fonte: área do conhecimento ou experiência humana, a partir do qual

conceitualizamos alguma coisa; em geral, é mais concreto;

Domínio Alvo: área do conhecimento ou experiência humana que desejamos

conceitualizar, esse é o domínio mais abstrato;

Mapeamentos: relações entre os domínios fonte e alvo, como num conjunto

matemático;

Acarretamentos: são inferências que podemos fazer a partir de uma metáfora

conceptual.

Baseados na perspectiva de trabalho da Teoria da Metáfora Conceptual de Lakoff e

colaboradores, acreditamos que as metáforas nos permitem criar quadros conceituais novos

a partir da sobreposição de outros. Endossamos, ainda, a postura de Marcuschi (2004)

quando diz que o léxico é central, mas não atua sozinho nem autonomamente na produção

de significações, isso porque os itens lexicais são opacos de diversos modos (polissêmicos,

homonímicos, metafóricos, metonímicos, etc.). As metáforas constituem-se, então, como

importantes elementos no processo de textualização.

3.2 Sobre o Ethos

4

O conceito clássico de ethos remete à Aristóteles e diz respeito à apresentação física

(roupas, adereços, gestos, entonação, etc.) e psicológica (alegria, entusiasmo, etc.) do

sujeito enunciador. Com o advento de novas tecnologias e conseqüentemente novas formas

de apresentação dos discursos, esse conceito clássico tem sido constantemente revisitado e

ampliado pelos estudiosos do Discurso.

Neste trabalho adotamos as considerações de Maingueneau (2008:64), para quem a noção

de ethos é ligada à noção de “fiador”, conforme pode ser visto na citação abaixo.

Ao meu ver, a noção de ethos é interessante por causa do laço crucial que mantém

com a reflexidade enunciativa, mas também, porque permite articular corpo e

discurso numa dimensão diferente da oposição empírica entre oral e escrito. [...]

Enquanto a retórica ligou estreitamente o ethos à oralidade [...] pode-se propor que

em qualquer texto escrito, mesmo se ele o nega, tem uma vocalidade específica que

permite relacioná-lo a uma caracterização do corpo do enunciador (e não, bem

entendido, ao corpo extradiscursivo), a um “fiador” que, por meio de seu “tom”,

atesta o que é dito.

O autor liga, ainda, a noção de ethos à de cena de enunciação. Segundo ele, através do

ethos, o destinatário é inserido numa cena de enunciação implicada pelo texto.

Maingueneau (ipsi: 70) diz que a cena de enunciação é composta por três outras cenas: a

cena englobante, a cena genérica e a cenografia.

A cena englobante atribui ao discurso um estatuto pragmático, ela o integra em um

tipo: publicitário, administrativo, filosófico... A cena genérica é a do contexto

associado a um gênero ou a um subgênero de discurso: o editorial, o sermão, o guia

turístico, a consulta médica...Quanto a cenografia, ela não é imposta pelo gênero,

mas construída pelo próprio texto: um sermão pode ser enunciado por meio de uma

cenografia professoral, profética, amigável, etc. A cenografia é a cena de fala que o

discurso pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar

através de sua própria enunciação. [...] A cenografia não é, pois, um quadro, um

ambiente, como se o discurso ocorresse em um espaço já construído e independente

do discurso, mas aquilo que a cenografia instaura progressivamente como seu

próprio dispositivo de fala.

Segundo o autor (ipsi:73), o ethos é uma construção que fazemos do discurso, uma tentativa

de enquadramento e rotulação das nossas experiências com a linguagem. Essa tentativa

depende de observações muito mais empíricas que simplesmente teóricas, ela é dependente

da negociação do sentido desde o enunciador que dispõe os signos no ‘jogo da linguagem’

até o destinatário que operará com eles.

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3.3 Metáfora e Discurso

Steen (1999) propõe a análise de metáforas de forma contextualizada, isto é, discursiva. Ele

assume que há pelo menos três maneiras de se estudar metáforas, três caminhos

metodológicos/ teóricos: análise conceptual; análise lingüística e análise comunicativa ou

pragmática. Essas maneiras de análise não são excludentes, mas podem ser tomadas

conjuntamente a depender dos objetivos e da natureza da pesquisa. Neste trabalho, nos

deteremos com mais ênfase à análise conceptual, embora os aspectos lingüísticos e

pragmáticos atuem conjuntamente e sejam levados em conta nas nossas descrições e

reflexões. Vejamos a classificação que o autor faz no que tange a questão da referência à

metáfora.

Metáforas implícitas e explícitas

Nem todas as metáforas são expressas em orações, frases ou palavras. Há um grupo

considerável de metáforas que só podem ser reconhecidas e compreendidas a partir de

inferências entre proposições. Steen nos dá o seguinte exemplo (p.82):

(i) Eu andei até o lugar onde o pássaro da morte voava sobre o povo.

Esta frase é um trecho de uma narrativa sobre uma manifestação em Amsterdam, na qual os

policiais combatiam os manifestantes enquanto o helicóptero da polícia sobrevoava o céu,

dando a cobertura aérea. ‘Pássaro da morte’ faz referência ao termo literal helicóptero que

havia sido anteriormente usado na narrativa.

As palavras usadas figurativamente numa metáfora têm um referente, mas esse referente

não precisa ser necessariamente expresso na mesma oração. Se o referente não é expresso

na mesma oração (como no exemplo acima), nós estamos diante de uma ‘metáfora

implícita’ (p.84). Vejamos, agora, este outro caso:

(ii) O helicóptero é um pássaro da morte

Numa análise proposicional desse enunciado, podemos teorizar a metáfora através do

modelo HELICÓPTEROS SÃO PÁSSAROS DA MORTE. Podemos, também, dizer que temos

presente na mesma oração tanto a parte usada figurativamente (pássaro da morte), quanto a

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usada literalmente (helicóptero) na metáfora. Quando o referente literal de uma metáfora é

expresso na mesma oração, temos uma metáfora explícita, como é o caso do exemplo (ii).

Há, ainda, outro tipo de metáfora implícita – a metáfora implícita contextual (doravante

apenas metáfora contextual). Consideremos a seguinte frase (p.89):

(iii) Nós queremos alguma calma na nossa casa.

Segundo Steen, no exemplo (iii) casa é usada em referência a um clube de futebol e não há

referente predecessor no texto. Então, chamamos de metáfora contextual as metáforas que

não apresentam referentes expressos em nenhum lugar do texto. Para sua compreensão, são

necessárias inferências que enderecem nosso conhecimento da língua em uso ao

conhecimento de mundo.

3.4 Sobre o Discurso Publicitário

A função primordial do texto publicitário é vender um determinado produto, serviço ou

ideologia e fazer nascer no público a necessidade do consumo. Com relação a isso, Stumpf

Toldo (2002) diz que “o texto publicitário, pela seleção e organização do seu léxico e por

outros recursos que a tecnologia lhe oferece, cria no outro a necessidade de ter”. Seguindo

essa linha, podemos dizer que as publicidades criam mundos possíveis e realidades

paralelas, umas mais imediatas que outras, mas sempre na esperança de agradar os olhos e

seduzir os bolsos para o consumo. Assim, as publicidades, como qualquer outro domínio

discursivo, se valem de forma incisiva do uso de metáforas para a configuração do seu

discurso.

Característica intrigante no caso do Discurso Publicitário é que sua formação se dá no

contra fluxo lingüístico, isto é, começa-se pelo sentido pretendido antes da realização

lingüística propriamente dita. Com relação a isso, a professora Nelly Carvalho (2004)

chama a atenção dizendo que “no mundo da publicidade não se começa por criar o discurso

e sim por estudar o efeito que deve provocar. Cria-se a causa depois de haver estudado a

conseqüência”.

As publicidades operam com modelos culturais comuns ao grupo alvo que deseja atingir e

por esse motivo seu entendimento é quase sempre imediato e sem esforço. Nesse sentido,

retomamos os comentários da professora Nelly Carvalho (2004) quando assinala que “o

discurso publicitário tem as características específicas da sociedade na qual se insere e é o

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testemunho autorizado dos imaginários sociais no contexto envolvente, revelando o

funcionamento cultural”.

No que diz respeito à relação Metáfora e Discurso Publicitário, Berber Sardinha (2007)

sublinha o fato de nesse discurso, muitas vezes, as metáforas serem construídas por meio de

mapeamentos falsos. Isto é, um mapeamento do tipo O AMOR É UMA VIAGEM ocorre por

meio de razões históricas e culturais que ligam esses dois conceitos na nossa cultura. A

publicidade por ser uma formação discursiva que lida com a fantasia e, como já dissemos,

com a capacidade de criação de novos mundos, os mapeamentos podem ser totalmente

novos e sem nenhuma razão sócio-histórica que os licenciem. O autor dá como exemplo o

caso de uma propaganda de automóvel que mostra um homem seduzindo uma mulher pelo

fato de ter um carro novo. Segundo Berber Sardinha, essa cena pode ser entendida como

uma metáfora conceptual do tipo SEDUZIR É POSSUIR BENS MATERIAIS. Nesse caso a

publicidade opera com um mapeamento artificial já que em nossa sociedade essa

conceptualização normalmente não é válida.

4. Análise dos Dados

Como já dissemos, nossas análises se centram nas metáforas presentes em publicidades do

Dia dos Namorados de 2008. Para tanto, vejamos a partir de agora as Metáforas

Conceptuais (MC) e as Expressões Lingüísticas Metafóricas (ELM) encontradas nos textos

observados e trataremos a seguir de algumas considerações sobre a incidência desse

fenômeno e a formação discursiva das publicidades. Entre as 10 publicidades analisadas, 8

são de shoppings, 1 de uma marca de produtos de beleza e 1 de um motel.

4.1 Metáforas Conceptuais e Expressões Lingüísticas Metafóricas

A tabela abaixo relaciona todas as MCs e ELMs encontradas nos textos:

Metáfora Conceptual Tipo de Metáfora

Conceptual

Expressão Lingüística

Metafórica

Esquente o seu amor AFEIÇÃO É CALOR Primária

Esquente seu romance

AMOR É PRESENTE Ontológica Peça às estrelas um amor de

8

presente

BELEZA É NAMORAR Estrutural Beleza é namorar

MAIOR É MELHOR Orientacional O maior dia dos namorados está

no shopping estação

NAMORO BOM É NAMORO

PERTO

Orientacional Namoro é igual ao shopping

cidade quanto mais perto,

melhor

NAMORO É COMIDA Estrutural Coloque tempero no seu

namoro

O amor envolve

Seu amor nunca te levou tão

longe

O AMOR É UM SER

Ontológica

Só o amor para juntar gente tão

diferente

O AMOR É UMA VIAGEM Estrutural Seu amor nunca te levou tão

longe

Como demonstrado acima, encontramos 8 MCs, sendo 1 primária, 2 ontológicas, 3

estruturais e 2 orientacionais. Essas Metáforas Conceptuais são, nos textos, geradoras de 11

Expressões Lingüísticas Metafóricas. Cabe aqui uma breve observação entre MC e ELM.

Metáforas Conceptuais são estruturas cognitivas que operam no nosso pensamento,

enquanto que Expressões Lingüísticas Metafóricas são as metáforas lingüísticas, de fato

realizáveis e tangíveis, mas que só são assim porque são geradas ou licenciadas por

conceitos prévios que temos no pensamento – as MCs. As Metáforas Conceptuais podem

ter raízes muito distintas, podem ser baseadas em noções muito primárias de nosso

desenvolvimento sócio-cognitivo (veja-se o caso das metáforas primárias mais abaixo),

podem ser construídas ao longo do tempo por razões históricas que associam conceitos

distintos, entre outras.

4.2 Sobre os Tipos de Metáforas Conceptuais Encontrados no Corpus

4.2.1 Metáfora Primária

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Encontramos um exemplar de MC primária, licenciando 2 ELMs. Vejamos esse caso nos

textos em que figurou:

P1 – Central Plaza Shopping Dia dos Namorados. Esquente seu amor no central Plaza.

P10 – Site na internet guia de motéis www.nomotel.com.br Promoção esquente seu romance.

As metáforas primárias estão ligadas a conceitos primitivos que aprendemos desde muito

cedo com o desenvolvimento sócio-cognitivo, e, muitas delas estão ligadas a experiências

universais. Nesse sentido, Kövecses (2005:2-3), tomando como exemplo a MC AFEIÇÃO É

CALOR, argumenta que nós metaforicamente vemos afeição em termos de calor por causa

da correlação em nossas experiências, quando crianças, entre os abraços amorosos de

nossos pais e o calor corporal reconfortante que acompanha esse ato. Isto nos dá a Metáfora

Conceptual AFEIÇÃO É CALOR. Aprender MC primárias não é uma escolha que temos, mas

acontece de forma inconsciente e automática. Se um dado fato é uma experiência corporal

10

universal, a metáfora correspondente a ele é muito propensa a ser também universal. Em

outras palavras, experiências primárias universais produzem Metáforas Primárias

universais.2

4.2.2 Metáforas Ontológicas

As metáforas ontológicas são chamadas assim porque lidam com conceitos abstratos de

uma forma menos abstrata. É a função de corporificar, de materializar conceitos etéreos de

forma que podemos manuseá-los, quantificá-los, manipulá-los, enfim, trabalhar com esses

conceitos de forma mais íntima e próxima.

Ao escolhermos publicidades do Dia dos Namorados para analisarmos, tínhamos a intuição

de encontrar, pela temática envolvida, metáforas que tratassem do conceito de amor. E de

fato muitas das MCs versam sobre esse conceito. Localizamos 2 MCs ontológicas as quais

licenciaram 4 ELMs, atentemos para o caso de O AMOR É UM SER:

P2 – Continental Shopping

O amor envolve. Aproveite.

Nessa publicidade temos o conceito amor sendo metaforizado de forma ontológica como

um ser. A expressão O amor envolve é, então, uma personificação, caso prototípico de MC

ontológica. O conceito é, ainda, reforçado pela imagem do casal amarrado por uma fita

vermelha.

4.2.3 Metáforas Estruturais

As metáforas estruturais ocorrem quando há mescla de conceitos complexos, isto é, quando

domínios fonte e alvo são domínios complexos e geram mapeamentos também complexos.

No corpus, foram encontradas 3 MCs estruturais que licenciam número igual de ELMs.

Vejamos um exemplo:

2 Tradução nossa.

P3 – Eskala Shopping Coloque tempero no seu namoro.

11

No exemplo da publicidade do Eskala Shopping, lemos a expressão Coloque tempero no

seu namoro que é licenciada pela MC NAMORO É COMIDA. Nesse exemplo temos uma MC

estrutural porque os domínios origem e fonte geram mapeamentos complexos do tipo:

Domínio fonte: COMIDA Domínio alvo: NAMORO

Sabores da comida Tipos de namoro

Comida fria Namoro ruim

Comida quente Namoro bom

Comida saudável Relação saudável

Comida com tempero Relação com atributos positivos

Comida sem tempero Relação com carência de atributos positivos

Comida Fast-Food Namoro rápido

Refeição completa Namoro completo, satisfatório

4.2.4 Metáforas Orientacionais

Operam com conceitos não-lineares / não-espaciais de forma linear / espacial. Estão

também ligadas as nossas experienciais sensório-motoras, algumas universais e primitivas,

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outras variacionais e sócio-construídas. Encontramos 2 MCs orientacionais que licenciam

também 2 ELMs.

P6 – Shopping Cidade Namoro é igual ao Shopping Cidade: quanto mais perto, melhor.

A expressão quanto mais perto melhor se referindo a namoro em analogia ao próprio

shopping é gerada pela MC NAMORO BOM É NAMORO PERTO que pode ser simplificada

numa MC mais geral do tipo PERTO É BOM.

Vale a pena uma observação sobre o papel cultural para encontrarmos essa MC específica

PERTO É BOM. Podemos operar com os conceitos de perto e bom dessa forma porque

comungamos experiências parecidas na sociedade, no que se refere a relacionamentos

afetivos. Queremos estar perto de nossos amigos, familiares e parceiros amorosos, mas a

MC PERTO É BOM não terá validade em muitos contextos, ou seja, não será

operacionalizada dessa forma. Isso porque nem tudo que está perto de nós é bom, ou nem

tudo que está ao nosso redor nós de fato gostaríamos que assim estivesse. Por exemplo,

num contexto que lidássemos com conceitos de crime e violência, muito dificilmente

pensaríamos em termos da MC PERTO É BOM.

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Isso demonstra que muitas Metáforas Conceptuais têm raízes culturais e variam de contexto

para contexto, de cultura para cultura. Como bem nos lembra Kövecses (2005), “metaphors

are not necessarily based on bodily experience – many are based on cultural considerations

and cognitive processes of various kinds”.

4.3 Análises sobre o Ethos Publicitário

Para uma breve reflexão sobre o Ethos criado no gênero textual analisado, retornemos aos

exemplos abaixo.

P3 – Eskala Shopping P10 – Guia de Motéis www.nomotel.com.br

Alguns gêneros pré-dispõem de uma cena genérica, isto é, não permitem variar sua

cenografia, como, por exemplo, os gêneros receita médica e bula de remédio. Por outro

lado, há gêneros mais plásticos, ou seja, desprovidos de uma cena genérica pré-dada ou

rígida; este é o caso da publicidade que pode apresentar sua cenografia de variados modos.

Em P3 e P10, temos há mesma cena englobante, ou seja, ambas pertencem ao discurso

publicitário, quanto à cena genérica também não temos dificuldade em dizer que as duas

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são publicidades, porém é na cenografia que nos deteremos, é onde, a nosso ver, há a

possibilidade de diferenciação dos dois textos.

A análise imagética dessas publicidades revela algumas semelhanças, ao mesmo tempo em

que denuncia afastamentos. Ambas têm seu plano de fundo preenchido por um vermelho

intenso, uma cor quente, que é culturalmente associada à idéia de sexo, desejo e amor. O

que pode ser constatado através dos letreiros de motel, da representação da paixão por um

coração vermelho, entre outros signos presentes na nossa cultura. Ambas apresentam

ilustrações de pimentas, também na cor vermelha, que se ligam igualmente às idéias já

comentadas.

Em P3, todavia, há uma clara identificação de gênero social descrita por duas imagens: (i) a

imagem da moça em primeiro plano olhando para o leitor, enquanto que o rapaz, em

segundo plano, está de perfil e olha apenas para a moça; e (ii) a imagem das pimentas na

forma de um traje íntimo feminino. É a partir daqui que percebemos os distanciamentos

entre as publicidades. P3 identifica-se, pelo que nós já discutimos com o público feminino,

enquanto que em P10 não é possível diagnosticarmos um direcionamento da publicidade

para um gênero social específico, atingindo, dessa forma, ambos os sexos.

Com relação à linguagem empregada, chamamos a atenção para os imperativos ‘coloque

tempero’ (P3) e ‘esquente” (P10). As idéias de temperar e esquentar, reforçadas pela cor

vermelha e pela ilustração da pimenta referem-se, portanto, a mesma ação: otimizar o

relacionamento afetivo, através do aprimoramento da performance sexual do casal. Com a

ressalva de que em P3, essa incumbência é dada ao gênero feminino, como já comentamos.

Essas breves análises no permitem observar o funcionamento discursivo desses textos, e

perceber como há diferenças sutis e importantíssimas na construção de cada cenografia.

4.3 Metáforas Implícitas, Explícitas e Contextuais

Na maior parte dos textos analisados, as metáforas dispostas eram implícitas ou

contextuais, o que se justifica pelo caráter sintético das publicidades, ou seja, a sua

economia lingüística e ao reforço de sua mensagem através de imagens. Contudo,

encontramos uma publicidade que apresenta metáfora claramente explícita, ou seja, há na

mesma oração a presença do referente literal da metáfora. Para ilustrar, vejamos os

exemplos:

a) O amor envolve (P2) [O AMOR É UM SER]: Não temos nessa metáfora

a presença do referente literal – o ser. Trata-se, portanto, de metáfora

15

b) Beleza é Namorar (P5) [BELEZA É NAMORAR]: Temos nessa oração a

presença do referente literal – namorar – pelo qual o domínio alvo Beleza

é conceptualizado. Neste caso, temos uma metáfora explícita.

Muitas vezes o Discurso Publicitário evidencia, como em P5, a metáfora conceptual como

num espelhamento direto com as metáforas lingüísticas. Isto é, a MC BELEZA É

NAMORAR é licenciada linguisticamente como Beleza é Namorar. Esse fenômeno não é

comum a maioria dos discursos, geralmente há a abstração de uma MC que licencia

inúmeras e diferentes ELMs, como, por exemplo, O AMOR É UMA VIAGEM que em P4

licencia a expressão “seu amor nunca te levou tão longe”. Mas, que pode, na linguagem

ordinária, licenciar várias expressões do tipo “meu namoro vai bem”, “meu namoro

começou bem”, “meu casamento passou por uma turbulência”, para citar, de cabeça, alguns

poucos exemplos.

5. Conclusões

Nossas análises foram breves e não esgotamos em nenhum ponto aqui abordado as

potencialidades de tratamento das metáforas (MCs e ELMs) no gênero textual observado.

Por outro lado, nos serviram para demonstrar a aplicabilidade da Teoria da Metáfora

Conceptual, a substancial recorrência de metáforas no Discurso Publicitário e a importância

das metáforas e das imagens para a construção do ethos publicitário. Constatamos que em

todos os exemplares textuais vistos houve a presença de pelo menos uma MC e uma ELM.

Isso vem a provar o largo emprego de metáforas por quem produz esse tipo de texto. Se

esse uso é consciente e premeditado, ainda é cedo para esboçarmos resposta, mas diríamos

que na maior parte dos exemplos não. Já que a maioria das Expressões Lingüísticas

Metafóricas encontradas não são inovadoras, pelo contrário são cotidianas e quase sempre

entendidas sem esforço, de forma literal. O que não anula sua base metafórica e nem deixa

de permitir ao analista a recuperação de sua matriz geradora – as Metáforas Conceptuais.

Vale a pena, também, reforçarmos a importância da imagem no intercâmbio com o texto

para o vigor de muitas metáforas encontradas e para a formação da cenografia dos textos

vistos. Houve certo equilíbrio entre os tipos de MC encontradas, diagnosticamos desde MC

primárias até orientacionais. Entendemos que esse equilíbrio é espelho da diversidade

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lingüística e cultural apresentada pelo Discurso Publicitário. Não é de se estranhar que um

ambiente discursivo tão multifacetado apresente inúmeras nuances de um mesmo fenômeno

lingüístico-cognitivo como a metáfora. No mais insistimos que conhecer ou atentar um

pouco mais para as metáforas em textos reais e cotidianos nos servirá bastante para

aprofundarmos o conhecimento científico sobre o tema e, também, para nossas vidas

práticas, já que estamos envoltos por metáforas de muitas formas.

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Publicidades extraídas do site www.portaldapropaganda.com.br durante o mês de

junho/2008.

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