tito cardoso e cunha - universidade de coimbra

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Tito Cardoso e Cunha Pedro Pinheiro © Este PDF é distribuído de forma aberta e gratuita. Como Citar: Pinheiro, Pedro. “Tito Cardoso e Cunha”, Personalia.IEF (2019), 1-12. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Instituto de Estudos Filosóficos, U.I.&D. Com o apoio da FCT Personalia.IEF 2019 [email protected] [email protected]

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Tito Cardoso e Cunha

Pedro Pinheiro ©

Este PDF é distribuído de forma aberta e gratuita.

Como Citar: Pinheiro, Pedro. “Tito Cardoso e Cunha”,

Personalia.IEF (2019), 1-12.

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Instituto de Estudos Filosóficos,

U.I.&D.

Com o apoio da FCT

Personalia.IEF

2019

[email protected]

[email protected]

1 Endereço eletrónico: [email protected].

2 Cf. Mário Santiago de Carvalho. “De um tom de modéstia a adoptar para

já em filosofia: sobre os cem anos de filosofia na Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra”. Revista Filosófica de Coimbra 20 (40) (2011), p.477.

TITO MANUEL PEREIRA CARDOSO E CUNHA(1948-)

PEDRO PINHEIRO1

BIOGRAFIA

Tito Manuel Pereira Cardoso e Cunha nasceua 8 de fevereiro de 1948 em S. Sebastião daPedreira, Lisboa. Filho de João Cardoso Cunha ede Maria Manuel Pereira Cardoso Cunha. Notempo da guerra colonial (1961-1974), partiu paraa Bélgica onde estudou Filosofia na UniversitéCatholique de Louvain. Por lá conheceu BrigitteDetry com quem se casou em setembro de 1974. Éportanto já depois do 25 de abril que regressa aPortugal, após completada a licenciatura (a 24 dejaneiro de 1975), e com proposta de provimentoredigida pela Comissão Diretiva da Faculdade deLetras da Universidade de Coimbra com data de 18de fevereiro de 1975. Também Brigitte foi docentena Faculdade de Letras da UC, lecionou«Antropologia Filosófica» e «Temas dePsicanálise.»2 Em abril desse ano, Tito Cunha é

Pinheiro, Pedro. “Tito Cardoso e Cunha”, Personalia.IEF (2019), 1-12.

3 Instituto Nacional de Investigação Científica.

4 No referido documento pode ler-se: “A parte já escrita do trabalho (...)

revela notável maturidade de reflexão junto a um domínio perfeito das

técnicas de investigação filosófica e prenuncia uma obra de craveira

internacional, que muito valorizará a produção filosófica portuguesa. Para os

capítulos que se seguem “question de mèthode”, “le débat”,(...), necessita

de nova estadia em Lovaina.”

contratado por conveniência urgente de serviço.Tinha Tito Cunha 27 anos e receberia um saláriode 8000$00, sendo professor assistente da cadeira«Introdução às grandes revoluções filosóficas».

Passam os anos, a sua investigação filosóficacontinua, continua a produzir textos, e em 1980pede equiparação a bolseiro fora do país. AUniversidade de Coimbra dispensa-o em 1982 como propósito de se dedicar à sua tese dedoutoramento. Viajou novamente para Lovainaonde viveu durante agosto e setembro com estatutode bolseiro do INIC3, escrevendo o que faltava dasua tese junto do Dr. Jean Ladrière. Este professorera já conhecido de Tito Cunha aquando daconclusão da Licenciatura na Universidade Católicade Lovaina. Dentro da Faculdade de Letras daUniversidade de Coimbra o seu mérito éexplicitamente considerado pelos colegas, algomanifesto pelo Professor Doutor Miguel BaptistaPereira no seu parecer datado de 18 de fevereirode 1981.4 A tese de doutoramento de Tito coloca

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par a par o pensamento de Levi-Strauss e de Jean-Paul Sartre e intitula-se «Histoire et structure, ledébat entre deux pensées symétriques: J.-P. Sartreet C. Lévi-Strauss».

Entre 1982 e 2006 é Assistente, ProfessorAuxiliar e Professor Associado no Departamento deCiências da Comunicação na Faculdade de CiênciasSociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa(também Brigitte Detry construiu carreira na UNL apartir de 1982), e publica cinco obras. Lecionouentre 2006 e 2012 como Professor Catedrático noDepartamento de Comunicação e Artes naFaculdade de Comunicação e Artes da Universidadeda Beira Interior e em Julho de 2012 foi agraciadocom o título de Professor Catedrático Emérito destaúltima Universidade.

DOCÊNCIA DE FILOSOFIA NA FLUC

Em 1975, depois do fim da Guerra Coloniale de se Licenciar em Lovaina, Tito Cunha começaa lecionar em Coimbra a cadeira «Introdução àsgrandes revoluções filosóficas» onde as referênciasbibliográficas do primeiro semestre são KarlMannheim (1893-1947), Marx (1818-1883), Engels(1820-1895), e Descartes (1596-1650). Sabemos

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5 Cf. Livro de Sumários de «História das revoluções filosóficas I». FLUC

(1977/78).

também que durante o segundo semestre destaunidade curricular, para além do comentário aostrabalhos dos alunos em execução, as Meditations

metaphysiques (1641) de Descartes eram base paraa exploração do conceito de «corteepistemológico». No ano letivo seguinte manteve adocência da mesma cadeira, que nesse ano passoua ser lecionada anualmente, dando seguimento aotrabalho iniciado com os alunos durante o primeiroano e deslocando o tema para a revoluçãofilosófica de Espinosa (1632-1677). Aborda, emconcreto, o projeto filosófico, o método da filosofiae a teoria do conhecimento deste autor, e os textosreferenciais foram o Tratado sobre a reforma do

entendimento e a Ética. No ano letivo 1977/1978leciona a cadeira anual «História das revoluçõesfilosóficas» cujo tema é apresentado por TitoCunha na primeira aula como tratando da Filosofiada História da Filosofia, isto é, o entendimento dosproblemas que a historicidade da filosofia levanta.Esta historicidade serve de ponto de partida para ainterrogação da própria essência, ou, comosublinha, do estatuto teórico e prático-social dodiscurso filosófico.5 Lucien Braun (1923-), Eurico

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Castelli (1900-1977), Rodolfo Mondolfo (1877-1776), Vasco Magalhães Vilhena, Louis Althusser(1918-1990), Aristóteles (384-322 a.C.), JeanToussaint Desanti (1914-2002), Descartes, Hegel(1770-1831), Henri Lefebvre (1901-1991) e Marxeram os autores escolhidos para dar rumo a talintento.

Nos restantes dois anos letivos, Tito Cunhalecionou «Epistemologia geral», introduzindo umadefinição de epistemologia como discurso (logos) apartir da definição de F. E. Peters (1927-?) emTermos filosóficos gregos. Tal definição reclama umacompreensão de logos em O Ser e o Tempo de M.Heidegger (1889-1976). Finda esta faseintrodutória, uma viagem histórica do conceito dedoxa era traçada, dos pré-socráticos a Aristóteles,bem como o conceito platónico de epistémé eraesquadrinhado. Para melhor compreensão dasmudanças de paradigma inerentes ao pensamentoocidental, a revolução científica do tempo modernoe a consequente mudança do conceito de epistémé

era abordada nas aulas a partir da leitura dostextos O que é uma coisa? de Heidegger e La

philosophie naturelle de Galilée de Maurice Clavelin.Também as correspondências de Espinosa, Cartas

LXVII e LXXVI, foram lidas para compreensão do

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6 Cf. “Jean Ladrière: philosophical giant”, consultado a 13 de janeiro de

2019, https://uclouvain.be/en/research/news/jean-ladriere-un-geant-de-la-

pensee.html.

conceito de epistémé próprio do racionalismo. Nomesmo sentido, a teoria do movimento deAristóteles e de Galileu (1564-1642) sãoapresentadas e analisadas em aula juntamente coma essência do projeto matemático cartesiano.

Já numa fase mais avançada, quando asbases da relação entre os alunos, o professor e amatéria estão mais fortes e há uma maior ambiçãopara o desenvolvimento dos tópicos abordados porparte de todos os envolvidos, os temas«epistemologia histórica», «rotura epistemológica»,«prática teórica», «continuismo e descontinuismo»foram explorados apoiando-se nos textos de MichelPécheux (1938-1983) e Miguel Fichant (1941-?),Manuel Castells (1942-1967), e principalmenteLouis Althusser. Uma especial atenção, a título decuriosidade, recai para a escolha de Boaventura deSousa Santos como referência no momento deabordar as dimensões sociais e políticas da epistémé

contemporânea, bem como para a referência aJean Ladrière (1921-2007) no tocante à abordagemàs consequências epistemológicas da sociologia doconhecimento (como já foi referido, Jean foi oorientador de doutoramento em Lovaina e, maistarde, virá a ser professor particular de Filipe daBélgica - rei desde 2013).6

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BIBLIOGRAFIA

• Cunha, Tito Cardoso e. “Avaliação einterpretação na crítica de cinema”, in: Atas do II

Encontro Anual da AIM, org. Tiago Baptista eAdriana Martins. Lisboa: AIM, 2013.

• Cunha, Tito Cardoso e. “Paixão e melancoliano cinema de Alfred Hitchcock: Vertigo”, in: Arte e

melancolia, org. Maria Augusta Babo e MargaridaAccioli. Lisboa: IHA-CECL e FCSH-UNL, 2011.

• Cunha, Tito Cardoso e. “Argumentação ejuízo de valor na crítica de cinema”, in:Communication, Cognition and Media, org. AugustoSoares Silva. Braga: Universidade Católica, 2010.

• Cunha, Tito Cardoso e. “Interrogação eresposta na retórica de M. Meyer”, in: Conceitos de

comunicação política, org. João Carlos Correia etal.. Covilhã: LabCom Books, 2010.

• Cunha, Tito Cardoso e. “Claude Lévi-Strausse Jean-Paul Sartre”, Diacrítica 23/2 (2009), 89-97.

• Cunha, Tito Cardoso e. “Crise e crítica”,Trajectos 15 (2009).

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• Cunha, Tito Cardoso e. ”Argumentação emetáfora no discurso político”, Comunicação e

Sociedade 15 (2009).

• Cunha, Tito Cardoso e. “A noção de autorna argumentação da crítica de cinema”, in:Retórica e Mídia: Estudos ibero­brasileiros, org.Fernanda L. Lopes e Igor Sacramento.Florianópolis: Editora Insular, 2009.

• Cunha, Tito Cardoso e. “Retórica daimagem?”, in: Rhetoric and Argumentation in the

Beginning of the XXIst Century, coord. Henrique JalesRibeiro. Coimbra: Imprensa da Universidade deCoimbra, 2009.

• Cunha, Tito Cardoso e. “O paradoxopersuasivo da retórica”. Revista de Letras II (7)(2008).

• Cunha, Tito Cardoso e. Silêncio e Comunicação.

Ensaio sobre uma retórica do não­dito. Lisboa: LivrosHorizonte, 2005.

• Cunha, Tito Cardoso e. Argumentação e

Crítica. Coimbra: Minerva, 2004.

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• Cunha, Tito Cardoso e. Razão Provisória:

Ensaio sobre a mediação retórica dos saberes. Covilhã:UBI, 2004.

• Cunha, Tito Cardoso e. Antropologia e filosofia:

ensaios em torno de Lévi­Strauss. Coimbra: Almedina,2002.

• Cunha, Tito Cardoso e. Universal singular:

filosofia e biografia na obra de J.­P. Sartre. Lisboa: Fimde Século Edições, 1997.

• Cunha, Tito Cardoso e. “A Antropologia,Filosofia ou Ciência. Um Debate Entre Sartre eLévi-Strauss”, Revista Crítica de Ciências Sociais 9(1982).

• Cunha, Tito Cardoso e. “Análise estruturaldos contos populares portugueses: hipóteses eprimeiros resultados II”, Revista Crítica de Ciências

Sociais 4/5, (1980), 95-116.

• Cunha, Tito Cardoso e. “O racionalismo e oproblema histórico da filosofia”, Biblos 55, (1979).

• Cunha, Tito Cardoso e. “Marxismo e históriada filosofia: enunciação de um problema”, Biblos

53 (1977).

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APRECIAÇÃO CRÍTICA

As obras de Tito Cardoso e Cunha gravitamem torno de Sartre (1905-1980) e Levi-Strauss(1908-2009), o que demonstra a elevadaimportância do trabalho feito aquando da escritada tese de doutoramento que começara, comovimos a partir do parecer do Professor DoutorMiguel Baptista Pereira (1929-2007), quando aindalecionava em Coimbra. Nas obras Universal

Singular: filosofia e biografia em Sartre (1998) eAntropologia e Filosofia: ensaios em torno de Levi­

Strauss (2002), está presente o debate entrefilosofia e ciência, onde se procura o estatuto decientificidade das ciências humanas.

É possível retirar do caminho traçadoenquanto professor assistente da Universidade deCoimbra de 1975 a 1982, que é a historicidade dasquestões humanas o objeto questionado, obrigandoao conhecimento de textos de Marx, promovidopor Tito, como pode ver-se em “Marxismo ehistória da filosofia - enunciação de umproblema”, um artigo escrito por ele para a revistaBiblos, em 1977, ano em que lecionava«Introdução às grandes revoluções Filosóficas». Aimportância da obra de Marx no contexto dopensamento de Tito exigiu uma sólida compreensãode outros textos, como os de Hegel, por muitas

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7 Sobre este assunto pode ver-se Tito Cunha, “Marxismo e história da

filosofia: enunciação de um problema”, Biblos 53, 1977.

vezes considerado o primeiro que pôs em termos

filosóficos o problema da história da filosofia7, RodolfoMondolfo, Vasco Magalhães-Vilhena, bem comoconhecimento de obras, na altura, recentementeeditadas de Althusser, Lucien Braun, GeorgeCanguilhem, entre outros.

É clara a capacidade de enunciação dasproblemáticas nos textos de Tito Cunha, comotambém é possível reparar noutro texto lançado em1979 - no número LV da revista referidaanteriormente - cujo título é “O racionalismo e oproblema histórico da filosofia”. Tais competênciaseram essenciais para a tarefa docente, no momentocontroverso que é o de mudança drástica deregime político no qual vivia Tito Cunha. Dentrodas suas obras é evidente o savoir faire dademonstração rica em relações entre as visõesantropológicas da filosofia, as noções de históriano decorrer da história da filosofia e os váriosmomentos de rutura fundamental das váriasproblemáticas filosóficas. O profundo conhecimentoda rede conceptual relacionada com as maisrecentes filosofias, o conhecimento da história doocidente e das disciplinas filosóficas ou da

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filosofia, bem como uma consciência viajada dadimensão portuguesa no âmbito da filosofia pelofacto de ter sido emigrante, permitiram Tito Cunhaconstituir um pensamento dotado dum espíritoindependente e crítico, dentro duma personalidaderespeitada como denota a distinção de ProfessorCatedrático que lhe foi atribuída.

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