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Tiragem: 34258
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
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Foi muito bonita a festa, páO PÚBLICO pediu a Alexandre Quintanilha, André Gonçalves Pereira, Henrique Granadeiro, Irene Flunser Pimentel, João Constâncio, João Taborda da Gama, João Luís Barreto Guimarães, Maria de Fátima Bonifácio, Maria de Lurdes Rodrigues, Maria Manuel Leitão Marques, Nick Racich, Pedro Magalhães e Rui Pena Pires que identifi cassem os momentos fracturantes de 40 anos de democracia. São interlocutores de diferentes gerações e disciplinas, homens e mulheres, de esquerda e de direita, fi guras públicas e anónimas. Quase sempre, as áreas de que falam não são aquelas em que se especializaram; procurou-se contrariar a previsibilidade do discurso. Identifi cámos com eles as decisões políticas que nos conduziram ao ponto em que estamos, fomos mais ao encontro dos factos do que dos protagonistas. Foi um modo de interrogar como se fez um país democrático
25 DE ABRIL40 ANOS DE DEMOCRACIA
Tiragem: 34258
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
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1.Salgueiro Maia exigiu ser
sepultado em campa rasa
e sem honras de Estado.
Maia comandou a colu-
na de tanques que saiu
de Santarém e que teve
a delicadeza, o civismo, o sonho
de parar num semáforo antes de
derrubar a mais longa ditadura da
Europa. Primeira imagem do 25 de
Abril: a cara de menino de Salgueiro
Maia. Primeiro gesto da dimensão
do irreal: respeitar o vermelho,
olhos postos no verde, numa noi-
te ainda escura.
Poderia Salgueiro Maia adivinhar
que passados 22 anos sobre a sua
morte, e rentes aos 40 anos desse
dia inaugural, falaríamos da trasla-
dação dos seus restos mortais para
o Panteão? Porque foi tão explícita
e veemente a decisão no seu testa-
mento? Campa rasa e sem honras de
Estado. Como quem quer deixar o
Estado de fora disto. Ele que coman-
dou no terreno uma operação genial
para mudar o Estado e torná-lo, de
novo, parte disto. E, sobretudo, a
campa rasa, sem os arrebiques e sa-
lamaleques que também acompa-
nham a morte, algumas mortes.
Uma campa de pessoa do povo.
Maia tinha orgulho em ser povo. Foi
por ele, povo, que disse as famosas
palavras: “Como todos sabem, há
diversas modalidades de Estado. Os
estados sociais, os corporativos e o
estado a que chegámos. Ora, nesta
noite solene, vamos acabar com o
estado a que chegámos.”
Correram os anos. Maia recusou
cargos e honrarias, o Estado recu-
sou pensão à sua família. Estudou
Ciências Políticas. Desiludiu-se com
o outro estado a que chegámos,
depois de tudo se ter levantado de
uma folha branca, e ainda tão longe
deste estado a que chegámos.
Mas os estados não podem senão
mudar, e levar-nos na enxurrada
da desilusão.
Não é crível que tenha lamentado
por um momento os passos daque-
le dia longo em que era capitão. Nas
fotografi as parece um rapaz de uma
sensatez de aço, elegante como um
cavaleiro.
Maia é o povo, o povo que está no
coração da História e que é herói.
Qual é o lugar dos heróis? E qual é a
sua, a nossa, defi nição de herói?
Agora o povo está zangado. Com
o péssimo que isto está, com o que
fi ca por punir, com o que apanha
no ar e não consta nas estatísticas.
Anabela Mota RibeiroZangado e com uma granada no lu-
gar do peito que se chama injustiça.
Qual foi o estado a que chegámos?
Foi mesmo bonita a festa, pá?*
* Da letra de Tanto Mar, tema com-
posto por Chico Buarque para a Re-
volução dos Cravos (primeira ver-
são em 1975, segunda em 78).
2.Vejamos as fotografi as. A eufo-
ria que faz levitar é a do 1.º de
Maio, dissipadas as dúvidas.
Numa semana, o mundo parecia
edifi cado em certezas.
Uma semana. O tempo que me-
diou o noivado e o casamento. To-
dos assistiram à festa. Uma gaivota
voava, voava. Um milhão de pessoas
na Alameda. Só não estavam os fas-
cistas. Também já tinha diminuído
drasticamente o número de fascistas.
Porque no dia seguinte todos tinham
sido opositores a Salazar, todos ti-
nham sido perseguidos ou presos. A
efabulação (de que Adelino Gomes
fala numa entrevista com Alfredo
Cunha ao PÚBLICO) tinha começado
e era transversal. A memória colec-
tiva, inevitavelmente reconstruída,
tinha incorporado distorções, ine-
xactidões. Mas eram boas memórias.
E aquilo foi uma festa.
Agora lemos o que dizem Os Ra-
pazes dos Tanques sobre o que está
pior, e lemos sobre o abismo entre
a classe política e o povo. A clas-
se política dos últimos vinte anos.
Lemos sobre “a cambada que nos
está a dirigir”, “o descrédito da
classe política”, “os governos que
deram cabo disto, e o caraças”, “a
classe política mais ordinária da
Europa”, “uma classe política sem
nível e sem sentido de Estado”.
Não só isto, mas constantemente
isto. Não só isto porque, apesar
disto, isto é melhor do que o que
havia. Globalmente de acordo em
relação a isto. Comprova-o uma
sondagem do Instituto de Ciências
Sociais (ICS). Cinquenta e oito por
cento dos inquiridos consideram
o 25 de Abril mais positivo do que
negativo. Da esquerda à direita.
Diz o então cabo apontador Vítor
Ribeiro Costa no livro de Adelino
Gomes e Alfredo Cunha: “O 25 de
Abril não trouxe nada de pior. Para
a maioria das pessoas, o pior que
temos hoje é melhor do que tive-
mos com Salazar e Marcelo.”
Quando é que começou a apare-
cer o ponto de interrogação e, repe-
tindo os versos de Chico Buarque,
se procurou o restinho de alecrim,
a semente esquecida nalgum canto
do jardim?
3.— Quando é que o senhor co-
meçou a trabalhar?
— Aos 12 anos.
— Os seus fi lhos, quando é que
começaram a trabalhar?
— Depois da faculdade, fez tudo
a faculdade.
— E diz que antigamente é que
era melhor?
Irene Flunser Pimentel (1950) tra-
vou esta conversa com um taxista,
recentemente, em Lisboa.
O discurso saudosista do antiga-
mente é uma praga com que a histo-
riadora (de esquerda) lida amiúde.
“É verdade que hoje podem ir para
a faculdade e fi car desempregados
ou ter de emigrar. Mas é outra si-
tuação.”
Quão outra situação? Números.
Em 1974, estavam inscritos no en-
sino superior 50 mil alunos, 7% da-
queles que estavam em idade de o
fazer. Tem-se noção da explosão
quando comparamos com os da-
dos de 1994. Número de inscritos:
270 mil, 30% dos que tinham entre
18 e 22 anos. (Fonte: A Situação So-
cial em Portugal, 1960-95, organiza-
ção de António Barreto.) Em 2000,
eram 350 mil inscritos, 53% dos que
tinham entre 18 e 22 anos.
Há uma cifra que diz respeito à
totalidade da população e que es-
maga. Em 1981, quase metade da
população com mais de 30 anos
não tinha a quarta classe, e 28%
não sabiam ler nem escrever. Já a
revolução tinha sido e o caminho
começado. E no bilhete de identi-
dade carimbava-se “não sabe as-
sinar”. E atestava-se que aquela
pessoa era aquela pessoa pela im-
pressão digital. Quase sempre um
dedo grosso, pesado. Mão de quem
trabalha. Do povo.
Não é novidade para ninguém
quem é que ia à escola, quem é
que prosseguia a escola, quem é
que chegava à universidade. E por
isso o 25 de Abril representa a rup-
tura com o “fatal como o destino”,
permite “sair da cepa torta”.
Maria de Lurdes Rodrigues
(1956), ex-ministra da Educação
(2005/2009) e autora e coordena-
dora, entre outros títulos, de Políti-
cas Públicas em Portugal (2012, com
Pedro Adão e Silva): “O insucesso
escolar, como conceito, não existia.
A confi rmação do acesso à escola
como um direito de todos propicia
a ascensão social. Numa sociedade
estratifi cada como a portuguesa, on-
de as pessoas terminavam no ponto
onde tinham começado, o conheci-
mento começou a contar como fac-
tor de mobilidade social.”
O taxista que transportava Irene
Flunser Pimentel falava com orgu-
lho e zanga. Orgulho no esforço que
fez para que os seus fi lhos conse-
guissem. Orgulho no que os fi lhos
conseguiram. Talvez tenha esque-
cido o que o Estado fez para que os
fi lhos tenham conseguido.
A educação, o acesso universal à
educação, faz parte daquilo a que
o historiador Tony Judt chamou a
“banalidade do bem”, explica Irene
Flunser Pimentel. A expressão de
Judt é uma forma não poética, mas
concreta, de falar do Estado social,
conquista da Europa que se ergueu
sobre as ruínas da Segunda Guerra
e que em Portugal se cimentou no
pós-revolução.
O Estado social é a jóia que nin-
guém quer empenhar, quanto mais
perder. É o anel que resta quando, a
alguns, não resta a certeza de haver
dedo. E é o anel que os mais jovens
se habituaram a ter como uma es-
pécie de sexto dedo.
Houve mesmo um tempo em que
os nossos pais, os nossos avós, não
iam à escola ou começavam a tra-
balhar depois da quarta classe, a
alombar madeira, pedra, por meia
dúzia de escudos? Isto com dez, 14
anos. Parece um tempo tão lon-
gínquo como o tempo dos reis de
Portugal.
O cientista político Pedro Maga-
lhães (1970) contou aos fi lhos que
o seu pai fazia cinco quilómetros a
pé, todos os dias, para ir à escola.
No profundo Trás-os-Montes. Cin-
co quilómetros, sob o sol, a chuva,
o frio que se entranha nos ossos.
“A sério? Mesmo com neve?” Mi-
údos incrédulos. Zero de atitude
prosélita, zero do sermão, “e têm
muita sorte por não terem as mes-
mas difi culdades”. Foi só uma his-
tória espantosa para um coração
esperançado (como deve ser o das
crianças de dez anos). Em duas ge-
rações, andou-se isto.
O Estado social é o que podemos
apontar quando nos perguntamos
pelo que correu bem. Ramalho Ea-
nes, Mário Soares e Jorge Sampaio
defenderam-no numa conferência
na Gulbenkian sobre os 40 anos do
25 de Abril. No mesmo dia, na cele-
bração organizada pelo Expresso,
SIC e ICS, uma sondagem indicava
que o povo — o povo-Salgueiro Maia
que percebe muito bem o estado a
que vamos chegando — considera
que estamos melhor na assistência
médica, na educação (70%) e na Se-
gurança Social (46%). Melhor agora
do que no antigo regime.
“A educação e a saúde foram as
O insucesso escolar, como conceito, não existia. A confirmação do acesso à escola como um direito de todos propicia a ascensão social. Numa sociedade estratificada como a portuguesa, onde as pessoas terminavam no ponto onde tinham começado, o conhecimento começou a contar como factor de mobilidade socialMaria de Lurdes Rodrigues ex-ministra da Educação (2005/2009)
Tiragem: 34258
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
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grandes conquistas da democracia.
Não tem grande importância que o
Estado social esteja falido. Está em
toda a parte”, afi rma André Gonçal-
ves Pereira (1936), advogado e ex-
ministro dos Negócios Estrangeiros
(1981/83). “É melhor ter um Estado
social falido do que não ter Estado
social nenhum, obviamente.”
O programa estava no essencial
escrito numa canção de Sérgio Go-
dinho de 1972. “A paz, o pão, edu-
cação, saúde, habitação.” Arran-
que a seco, grito no refrão: “Só há
liberdade a sério quando houver...”
O programa estava no texto (1942)
de William Beveridge que serviu de
matriz à criação do Estado social na
Europa. O economista apontou os
núcleos: ensino, protecção na do-
ença, protecção na velhice, protec-
ção no desemprego e habitação.
Com isto fazia-se O Portugal Futu-
ro do poema de Ruy Belo, “aonde
o puro pássaro é possível/ e sobre
o leito negro do asfalto da estrada/
as profundas crianças desenharão
a giz. (...) Mas desenhem elas o que
desenharem/ é essa a forma do meu
país/ e chamem elas o que lhe cha-
marem/ Portugal será lá e lá serei
feliz”.
O poema de 1972 de Ruy Belo
desenha uma ideia de felicidade,
adivinha a cara que as pessoas vão
ter em Abril de 74, a confi ança ilimi-
tada no futuro, o sorriso. Está tudo
nas fotografi as daquele tempo. Era
uma vez um país.
4.Toca a fazer. A partir daquele
“dia inicial inteiro e limpo/
onde emergimos da noite e do
silêncio”, versos-síntese de Sophia
de Mello Breyner, toca a fazer. Até
porque “Quem não faz, não vive,
apenas dura”, disse outro portu-
guês (Padre António Vieira).
E outro disse “Quanto faças, su-
premamente faz” (Fernando Pes-
soa). Toca a fazer. Supremamente.
Mas como se faz um país livre? Co-
mo se concretizam projectos dís-
pares, contraditórios, o meu 25 de
Abril e o teu 25 de Abril? Os cami-
nhos do fazer dividem-nos.
Entretanto, os soldados regressa-
ram a casa. Não foi “nem mais um
só soldado para as colónias” (frase
do MRPP). Foi (acima de tudo) para
acabar com esse estado de coisas
— a guerra — que se fez esta revo-
lução. O meu pai regressou a casa,
o que não interessa senão para a
minha história e a da minha família.
Muitos pais regressaram a casa, o
que interessa para as histórias de
muitas famílias. O meu pai, que
não tinha estado quando comecei
a andar ou a falar, regressava. Os
nossos pais, os da geração a que
pertenço, nascida na década de
1970, regressaram dos cus de Ju-
das marcados pela guerra. Muitos
mais não chegaram a ir. No dia 25
de Abril acabou-se com a ditadura,
acabou-se com a guerra. No dia 1 de
Maio não se combatia. O meu pai
contou-me que a 10 de Junho fi ze-
ram uma festa na messe em Angola,
cantaram canções de Zeca Afonso.
Regressou daí a cinco dias.
Entretanto os políticos e o povo
gizaram no asfalto as grandes linhas
do puro pássaro, respondendo ao
momento.
5.— Quais foram os momentos
fracturantes destes 40 anos
de democracia?
— As nacionalizações de 11 de
Março de 75, as eleições para a
Constituinte no dia 25 de Abril de
75, a chegada de meio milhão de
retornados entre Abril e Novembro
de 75, o 25 de Novembro de 75, a
Constituição de 2 de Abril de 76,
a revisão do Código Civil em 77, a
extinção do Conselho da Revolu-
ção em 1982, a abertura do merca-
do bancário à iniciativa privada em
84, a entrada na CEE em 86, as pri-
vatizações a partir de 90, o euro em
circulação a 1 de Janeiro de 2002, a
crise mundial de 2008.
As grandes fracturas que não têm
data de ratifi cação: a criação do Es-
tado social, o desenvolvimento do
país, o estatuto da mulher, a eclo-
são da classe média que solidifi ca
a democracia.
A primeira de todas: o 25 de
Abril, que permitiu liberdade de
expressão, liberdade de associa-
ção, eleições livres, direitos e ga-
rantias consagrados. Falar sem ter
medo. Falar sem procurar escutas
debaixo da mesa. Andar na rua sem
procurar a sombra que vigia e de-
lata. Poder espichar numa parede
“O Povo Unido Jamais Será Venci-
do”. Ter voto na matéria, qualquer
matéria.
Acreditar.
6.As nacionalizações, pela his-
toriadora (de direita, então
feroz esquerdista) Maria de
Fátima Bonifácio (1948). “Foi uma
devastação da nossa economia.
Custaram anos de atraso ao país.
Não foi só a banca, e a banca foi um
disparate. Nacionalizaram-se vãos
de escada. Era jornalista. Cheguei
a fazer a cobertura de uma tintu-
raria que tinha sido nacionaliza-
da. A ideia de que no Alentejo se
nacionalizaram grandes herdades
abandonadas é falsa. Estabeleceu-
se um método de calcular o valor
das herdades através de uma pon-
tuação que valorizava tudo o que
era regadio, maquinaria, gado; e
foram essas explorações, que es-
tavam a ser bem exploradas, que
foram nacionalizadas. O que não
se nacionalizou foi o que estava ao
abandono.”
Do outro lado: a terra a quem a
trabalha, as fábricas a quem lá pro-
duz. Vamos corrigir o sofrimento e
a injustiça. Socialismo aqui e já.
7.As eleições, um ano depois da
revolução. O cumprimento do
D de Democracia. Filas intermi-
náveis para votar. Afl uência às urnas
de 90%. Irene Flunser Pimentel:
“É admirável que pessoas que es-
tiveram tantos anos afastadas da
política, debaixo de um regime di-
tatorial, votem em massa de forma
entusiástica e organizada. Traduz
uma aprendizagem da política mui-
to repentina.”
Homens e mulheres. Agora tam-
bém mulheres, quaisquer mulhe-
res, e não apenas chefes de família
e licenciadas. A emancipação co-
meçava. Mas do movimento tectó-
nico que o 25 de Abril representou
na vida da mulher fala-se mais à
frente.
8.“Então a metrópole afi nal é
isto”, escreveu Dulce Maria
Cardoso no livro O Retorno.
Entre Abril e Novembro de 1975
chegaram 400 mil “retornados”, “a
falar das coisas de lá, a minha casa
isto, a minha casa aquilo, deixei lá
isto e aquilo, os tiros isto, os mor-
teiros aquilo”.
A grande equação desse tempo
e do tempo futuro: e agora? Como
se refaz a vida, como se lida com a
perda? Uma mão à frente e outra
atrás.
Descolonizar, o outro D, por
André Gonçalves Pereira: “Muitas
pessoas consideram que a descolo-
nização foi o que correu pior. Não
concordo inteiramente. A descolo-
nização correu mal como não podia
deixar de correr. Foi a descoloniza-
ção possível, que começou com 15
anos de atraso.”
Quinze anos antes, a guerra.
Para muitos, não era um retorno,
uma vez que nunca aqui, na metró-
pole, haviam estado. Era em todo
o caso um exercício hercúleo para
milhares de “desterrados”. É as-
sim que Dulce Maria Cardoso lhes
chama, é a eles que dedica o livro.
“Três malas e vinte contos é tudo o
que temos até resolvermos a vida.
Resolver a vida é o que mais se ouve
entre os retornados.”
Rui Pena Pires (1955), especialista
em movimentos migratórios, che-
gou de Angola em Setembro de 1975.
Olha para o fenómeno com olhos de
sociólogo. “Os retornados voltam ao
seu ponto de origem, espalham-se
pelo país. É o contrário do que acon-
tece em França, com os pied noir
a concentrarem-se em Marselha. A
dispersão transforma o fenómeno
num fenómeno nacional. Os retor-
nados são em média mais qualifi ca-
dos, empreendedores. Houve um
período em que um terço dos pa-
trões (de indústria, comércio e ser-
viços) em Trás-os-Montes era retor-
nado. Trazem diversidade religiosa
(aparecem os primeiros grupos de
muçulmanos). Quebram o grau de
homogeneidade que havia (chegam
mestiços). Constituem uma popu-
lação maioritariamente de direita,
furiosa com a descolonização. Mário
Soares centraliza ódios.”
Ah, e os retornados aprenderam
o que são frieiras e cieiro, lê-se em
O Retorno.
Trouxeram minissaias, roupa
descapotável, a liberalização dos
costumes, a ideia de uma vida li-
vre, com espaço a perder de vista,
que tinham nas colónias. Uma certa
forma de calor.
Integraram-se sem rupturas e
convulsões sociais. Um êxito, tam-
bém do novo poder local.
9.O golpe militar contra-revolu-
cionário de 25 de Novembro
por Henrique Granadeiro
(1943). “Foi o realinhar das coisas
em conformidade com o projecto
inicial. Havia um desvio que defrau-
dava a generalidade das pessoas,
que não queriam substituir uma
ditadura por outra. A tentativa
de implementação de uma socie-
dade socialista já tinha aspectos
evidentes. Cartilhas, saneamento,
violência.”
O que houve entre 25 de Abril de
74 e 25 de Novembro de 75? Num
ano e meio fez-se a revolução, co-
meçou um novo calendário, e com
ele a corrupção do sonho. As difi -
culdades típicas do momento em
que a minha liberdade começa a
ocupar o espaço da tua. As difi cul-
dades típicas do momento em que a
revolução é minha e faço com ela o
que eu acho que deve ser feito. Eu e
o meu grupo político. E toda a gente
tinha um grupo político.
25 DE ABRIL40 ANOS DE DEMOCRACIA
Foi uma devastação da nossa economia. Custaram anos de atraso ao país. Não foi só a banca, e a banca foi um disparate. Nacionalizaram-se vãos de escada. (...)A ideia de que no Alentejo se nacionalizaram grandes herdades abandonadas é falsaMaria de Fátima Bonifácio historiadora
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Âmbito: Informação Geral
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Ramalho Eanes foi o responsá-
vel pelo plano de operações do
golpe, não deu espaço às pressões
dos radicais. Rematou-se um Verão
Quente. O PC saiu derrotado. Ideo-
logicamente foi um marco.
Henrique Granadeiro foi chefe da
Casa Civil de Eanes entre 1976/79.
O seu discurso é o dos vencedores
do 25 de Novembro.
O historiador José Pacheco Perei-
ra, que organizou na Assembleia
da República uma exposição que
comemora os 40 anos da democra-
cia, considera que foi nesse período
que nasceu a democracia. “Quem
pena com os excessos do PREC é
quem não gostou do 25 de Abril. O
PREC teve excessos e houve mortos
e gente que mandou matar, mas a
verdade é que foi naqueles anos tur-
bulentos que nasceu a democracia
portuguesa”, disse numa entrevista
recente ao jornal i.
10.Constituição de 76. “É o
primeiro instrumento or-
ganizador do que vamos
ser”, sintetiza Maria Manuel Leitão
Marques (1952), professora univer-
sitária e ex-secretária de Estado
da Modernização Administrativa
(2007/11). “Tudo o resto é afi nado a
partir daí. Há coisas que são muito
alteradas nas revisões constitucio-
nais, mais na organização do poder
político (sobretudo em 82) e da eco-
nomia (em 89), menos nos direitos
e deveres fundamentais.”
No princípio, nessa magna carta,
estava escrito que devíamos cami-
nhar para o socialismo. Que socialis-
mo? Que caminhos? A questão não
é despicienda, porque mexe com
um entendimento do que a demo-
cracia deve ser. E porque, sustenta
Pedro Magalhães, “a maioria das
pessoas tende a associar — e inten-
samente — liberdade de expressão,
liberdade de associação e eleições
livres a justiça social, segurança e
prosperidade económica”.
As democracias nórdicas, que queremos ser há 40 anos, têm menos corrupção, melhor Governo, são menos desiguais, têm um nível de vida médio mais elevado. Têm o pacote completoPedro Magalhãescientista político
Esta era a promessa, refl ectida
na Constituição de 1976.
Um equívoco, considera Maria
de Fátima Bonifácio. “As pessoas
habituaram-se a usar democracia e
bem-estar económico como sinóni-
mos. No meu ponto de vista, demo-
cracia [corresponde] a liberdades,
direitos, a um Estado de direito, ao
Serviço Nacional de Saúde (que é
uma aquisição civilizacional, mes-
mo que não faça sentido eu pagar o
mesmo que a minha empregada por
uma radiografi a). Mas a democracia
não são os ténis da Nike. A demo-
cracia pode ser mais redistributiva
ou menos, conforme o Governo for
mais social-democrata, menos so-
cial-democrata. Em si mesma, não
promove o crescimento e o desen-
volvimento económico. A prova é
que a Europa está em recessão há
anos e promete continuar a arras-
tar os pés.”
Esta associação entre prosperi-
dade, bem-estar e liberdades cí-
vicas não é exclusiva de Portugal.
“É característica de democracias
mais pobres e de democracias mais
recentes”, especifi ca Pedro Maga-
lhães. “Os EUA, a Suécia, a Noruega
dizem que democracia corresponde
a liberdade de expressão, liberdade
de associação, eleições livres.”
Esta é uma das pistas para com-
preender a nossa zanga com a de-
mocracia. “As pessoas sentem que
ainda não receberam dela o que
estava prometido”, diz o cientista
político. “As democracias nórdicas,
que queremos ser há 40 anos, têm
menos corrupção, melhor Gover-
no, são menos desiguais, têm um
nível de vida médio mais elevado.
Têm o pacote completo.”
O pacote completo que o povo
também quer. Não foi (também) pa-
ra isso que se fez uma revolução,
pá? Portanto, porque é que não o
temos?, grita o povo. “Porque 40
anos é pouco tempo”, conclui Pe-
dro Magalhães.
11.A Revisão do Código Civil
em 1977 consagra a igual-
dade constitucional entre
homem e mulher em toda a vida
familiar.
Era o momento das mulheres.
“Os homens ganharam liberdade
política. As mulheres ganharam
tudo. Ainda me lembro de que a
minha mãe tinha de pedir autori-
zação ao meu pai quando queria
passar férias comigo, em Berkeley.
Ou quando quis comprar um carro.
A minha mãe era uma alemã que
cresceu nos anos 1920, em Berlim.
Imagine.” Alexandre Quintanilha
(1945), cientista. Os pais viviam
em Moçambique. Lá como cá, o
homem tinha o direito de ver a
correspondência da mulher. Um
contraste absoluto com o ambien-
te da baía de São Francisco, onde
Quintanilha trabalhava e vivia.
Veio a Portugal em 1979 com o
então namorado hoje marido, Ri-
chard Zimler.
Entretanto, a célula da família
mudou tanto que é possível escre-
ver banalmente “o então namorado
hoje marido”. Como se o casamen-
to homossexual não fosse um tema
fracturante (expressão que não se
usava e agora se usa).
Entretanto, também o sexo dei-
xou de ser um tema fracturante. “Já
não passa pela cabeça de ninguém
criticar uma mulher por ter tido re-
lações sexuais antes do casamento.
Há uns anos, se a mulher não fos-
se virgem, tinha um nome”, nota
Quintanilha.
O casal mudou-se para Portugal
em 1990. Casaram-se em 2010, pou-
cos meses depois da aprovação do
casamento entre pessoas do mes-
mo sexo. Mas quando vieram juntos
pela primeira vez encontraram um
país “medieval”.
Não havia jornais estrangeiros,
levava-se um dia para chegar a um
lugar mais recôndito, esperava-se
meses — ou anos — que instalassem
o telefone em casa. E fi cava-se à
mercê das pessoas que se conhe-
cia e que podiam aligeirar o proces-
so. “Eu telefono ao senhor não sei
quantos e ele trata disso — diziam-
me. Ou éramos ignorados porque
ninguém nos conhecia ou éramos
tratados como príncipes porque
trazíamos recomendação.”
Diagnóstico: arbitrariedade e
inefi ciência do sistema. Palavra de
todos os dias: meter uma cunha.
Cunha em modo soft.
Mais à frente, quando o dinheiro
começou a ser a sério, meteram-se
cunhas a sério. Algumas eram tão
a sério que passaram a chamar-se
corrupção. Mas isso é mais à fren-
te.
As mulheres, para já. Uma das
primeiras manifestações, logo de-
pois do 25 de Abril, teve que ver
com a proibição do divórcio dos
que eram casados pela Igreja — a
esmagadora maioria.
Irene Flunser Pimentel: “Fez-se
um comício. Pela primeira vez, uma
mulher foi oradora principal. A
questão do divórcio tocou homens
e mulheres. Muitos deles tinham
amantes, fi lhos ilegítimos.”
Porque é que isso constituía um
drama? Porque homens e mulhe-
res separavam-se e continuavam
casados com os antigos maridos e
mulheres; porque viviam com ou-
tros e continuavam casados com
os anteriores; porque tinham fi -
lhos das novas relações e não os
podiam perfi lhar. Numa linha: não
era possível dissolver uma família
e constituir outra.
Em 1975, o ministro da Justiça
Salgado Zenha reviu a Concordata
com a Santa Sé. Passou a ser pos-
sível o divórcio entre casados pela
Igreja.
Número de divórcios em 1965:
600. Em 1975, há 1500. Em 1977,
há 7700.
A completa igualdade entre fi lhos
e entre homem e mulher, que resul-
Tiragem: 34258
País: Portugal
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25 DE ABRIL40 ANOS DE DEMOCRACIA
ta da Constituição de 1976, é incor-
porada no Código Civil de 77.
12.A extinção do Conselho da
Revolução em 1982 e a criação
do Tribunal Constitucional.
Henrique Granadeiro: “Do ponto de
vista simbólico, é um grande momen-
to. Do ponto de vista prático, nem
tanto. O general Eanes era Presidente
da República e chefe do Estado-Maior
das Forças Armadas, era o vértice
do encontro do poder militar com
o poder civil. Foi enviando a tropa
para os quartéis e valorizando a po-
lítica nas instituições. A extinção do
Conselho da Revolução foi a morte
natural de um processo que veio a
ser conduzido por ele desde o pri-
meiro momento, de forma discreta
e sistemática.”
13.Um não-momento: o bloco
central liderado por Mário
Soares e Mota Pinto pede
ajuda ao FMI em 1983. Os portugue-
ses habituam-se a ver Teresa Ter-
Minassian na televisão. José Mário
Branco compõe o disco FMI.
Um não-momento porque somos
essencialmente os mesmos depois
dessa passagem ou da passagem de
1977. Ao contrário do que aconte-
ce com a presença da troika desde
Abril de 2011.
Então tínhamos moeda própria,
infl ação e desvalorização. E a Euro-
pa era um oásis próximo. José Me-
deiros Ferreira, sonhador da per-
tença à Europa e ao mundo, havia
feito o pedido de adesão quando era
ministro dos Negócios Estrangeiros
(1976/78). Esse sim, um momento.
14.Outros gráfi cos. Taxa de
mortalidade infantil: 55
por mil nados-vivos em
1970. Oito por mil em 1994. Três
por mil em 2008. A média da UE é
superior a quatro por mil.
Número de pensionistas: em
1960 são 56 mil, em 1976 é um mi-
lhão. Pensão de sobrevivência: em
1960 são sete mil benefi ciários, em
1976 são 125 mil. (Fonte: Eurostat e
Pordata.)
Em 1980, Cavaco Silva, na pasta
das Finanças do Governo Sá Car-
neiro, faz um alargamento do re-
gime não contributivo. Mulheres
que foram domésticas toda a vida,
agricultores e outros que nunca
tinham contribuído passam a ter
protecção social.
15.Nick Racich (1949) che-
gou a Portugal há 30 anos,
quando foram concedidas
as primeiras licenças à banca priva-
da. Banqueiro, vice-presidente do
banco BIG, estudou na prestigiada
Wharton School depois de aban-
donar um doutoramento em Dom
Quixote de la Mancha, de Cervantes.
Um percurso banal num país como
os Estados Unidos, improvável, pa-
ra não dizer impossível, num país
como Portugal.
Este americano de Filadélfi a tra-
balhava em Nova Iorque e tudo o
que sabia de Portugal era que Lis-
boa era uma jóia.
Claro que sabia onde fi cava Por-
tugal, mas no banco onde trabalha-
va, em 1980, “em termos de organi-
zação, Portugal e Espanha faziam
parte da América Latina. Em todos
os bancos americanos era assim.
Por causa da língua. Só em 1986,
quando integraram a Comunidade
Económica Europeia, começaram
a estar arrumados de outra manei-
ra”.
Nick Racich falava espanhol por
causa do cavaleiro da triste fi gura.
Hoje fala um português sem má-
cula. Tem dupla nacionalidade e
diz pá.
“O primeiro sector a ser aberto
à iniciativa privada foi o bancário.
Foi uma medida inteligente, porque
a banca é um motor da economia.
Não havia mercado monetário,
mercado cambial, bolsa, não havia
produtos fi nanceiros. Em poucos
anos chegámos a ter 17 bancos es-
trangeiros. Começou a pensar-se
na privatização de sectores-chave
da economia.”
A cerveja não é um sector-chave,
mas foi com a Unicer em 1989 que
começaram as privatizações. Ver-
dadeiramente só em Abril de 1990,
com a lei das mesmas, começaram
a ser levadas a cabo.
Outra palavra começava a ser
usada: empreendedorismo. Com
um signifi cado que não coincide
com o de um americano: “Empre-
endedorismo é pegar em capital —
nosso, privado — e começar com
esse capital, e não esperar patrocí-
nios, dinheiro do Estado ou dívida
bancária.”
Mas isto é um americano a falar,
com uma aprendizagem diferente
da nossa, que vive num país-conti-
nente onde é possível recomeçar no
dia seguinte, várias vezes. A escala
permite-o.
Em Portugal, a democracia tinha
pouco mais de dez anos. E o dinhei-
ro da CEE estava a chegar. O país
parecia de mangas arregaçadas,
com condições para cumprir o D
de desenvolvimento.
16.Bem, não exactamente de
mangas arregaçadas.
O que fi cou no imagi-
nário colectivo: betão, rotundas,
infra-estruturas ruinosas. Recur-
sos malbaratados, fraude com os
dinheiros do Fundo Social Europeu
e do PEDIP. Uma certa trafulhice e
o início do folguedo.
É uma visão injusta, porque par-
celar, dos anos que começavam
com a adesão de Portugal à CEE.
Essa foi a década da emergência
da classe média, do alargamento
do Sistema Nacional de Saúde, da
estabilidade democrática. Mais do
que tudo: essa foi a década em que
deixámos de ser a choldra e passá-
mos a fazer parte de um clube se-
lecto. Ruy Belo, que parecia saber
tudo, e antes do tempo, escreveu
no poema Sexta-feira sol dourado:
“Agora é que vamos ser felizes. (...)
Portugal fi ca em frente.”
O Portugal triste fotografado por
Victor Palla, a preto e branco, e o
português pobre encarnado por
Belarmino no fi lme de Fernando
Lopes (1964) pareciam de outro
século. Tinham passado apenas
30 anos.
Nenhuma das pessoas ouvidas
pelo PÚBLICO para a elaboração
deste texto deixou de referir a en-
trada na CEE como momento-chave
de 40 anos de democracia.
O fi scalista e professor universi-
tário João Taborda da Gama (1977)
chamou-lhe “o mecenas do nosso
25 de Abril. Quer dizer, a Europa
permitiu-nos ter o dinheiro para
efectivar o 25 de Abril”.
17.Quando é que começámos a
ter um Estado gordo? Maria
Manuel Leitão Marques: “Eu
não sei se temos um Estado gordo.
A questão é a de saber que Estado
podemos sustentar e onde deve-
mos concentrar a despesa. Mas no
fi nal dos anos 1980, algumas das re-
formas nas carreiras da função pú-
blica efectuadas por Cavaco Silva,
designadamente com a criação de
promoções automáticas por tempo
de serviço, aumentaram signifi cati-
vamente a despesa com funcioná-
rios. Mesmo que a intenção fosse
boa, o resultado foi desastroso em
termos de progressões não assentes
em critérios de mérito e tornou o
peso dos salários na administração
pública muito elevado.”
Miguel Cadilhe, então ministro
das Finanças, discordou e saiu do
executivo.
A imagem não era a da grande
porca de Bordalo Pinheiro, que ser-
ve para a expressão “mamar na teta
do Estado”. Essa veio (voltou) mais
tarde. A imagem era a de um Esta-
do tentacular que dominava toda a
economia (ainda que de 1990 a 95 o
sector público tenha sido fortemen-
te diminuído com as privatizações).
A imagem era a de um Estado on-
de cabiam as clientelas políticas, a
inefi ciência, o manga de alpaca. O
Estado dos tachos.
Contudo, as prestações sociais
ainda estavam aquém da média eu-
ropeia. O Estado social era recente
e insufi ciente. Continuou necessa-
riamente a crescer, na educação, na
saúde, nas pensões. António Guter-
res fez da educação a sua paixão.
Em 2002, Durão Barroso disse que
o país estava de tanga.
A resolução do problema não se
fez com uma diminuição da despe-
sa nem com reformas estruturais
dirigidas ao crescimento, mas com
uma reforma da máquina fi scal. Co-
braram-se impostos, muitas vezes
devidos há anos e anos.
João Taborda da Gama: “É ver-
dade que havia um sentimento de
grande impunidade e de corrupção
na administração fi scal. O momento
marcante foi quando Paulo Macedo
assumiu o lugar de director-geral
dos Impostos [2004/2007]. Hoje
esse sentimento de impunidade
não existe.”
A confusão entre despesa com o
Estado social (pensões, educação,
saúde) e peso da máquina adminis-
trativa é um preconceito antigo. No
ano em que Portugal pediu ajuda
fi nanceira e a palavra de ordem era
cortar nas gorduras do Estado, o ní-
vel de despesa pública no PIB era
de 48,9%. A média da União a 27 era
49,1% e da zona euro 49,4%. (Fonte:
Eurostat). Grande parte da despesa
pública estava concentrada em paga-
mentos de pensões e funcionalismo
público - a fatia era de 65,70%.
Segundo o livro de Emanuel dos
Santos, Sem Crescimento não Há
Consolidação Orçamental, em 2011,
47% da despesa pública consistia
em redistribuição de recursos que
o Estado operava de uns cidadãos
para outros, incluindo pensões e
outras prestações sociais. As despe-
sas de funcionamento da adminis-
tração pública (salários mais con-
sumos intermédios) representavam
39% dos gastos totais. Mas como
abrangiam a produção de serviços
como a educação, a saúde ou a se-
gurança, o custo da máquina buro-
crática do Estado central fi cava-se
pelos 15,5% da despesa pública ou
7,2% do PIB.
A confiança na justiça está abalada. Nos EUA, os Madoff vão para a prisão por 150 anos. Em Portugal, o povo tem a noção de que ao tubarão não acontece nada. Que o tubarão se safa. Os políticos estão a subestimar a importância da confiança na vida das pessoasNick Racichbanqueiro, vice-presidente do banco BIG
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18.Uma confusão: despesa pú-
blica com o Estado social
e custo da máquina admi-
nistrativa. Outra confusão: dívida
interna e dívida externa. Outra con-
fusão ainda: dívida e crescimen-
to. Para Nick Racich, o problema
não é o que devemos, o problema
é o que não crescemos. “O endi-
vidamento externo português em
83/84 era qualquer coisa como 16
mil milhões de dólares. Em 2011 era
20 vezes superior. E o PIB apenas
duplicou. Ou seja, o país produziu
o dobro mas pediu emprestado 20
vezes mais.”
O que é que o país fez com o di-
nheiro que foi buscar? Entre 1998
e 2010, o investimento produtivo
feito pelo sector fi nanceiro baixou
20%, o fi nanciamento ao consumo
privado aumentou 19%. (Fonte: arti-
go de opinião de João Pinto e Castro
no Jornal de Negócios a partir do
livro de Emanuel dos Santos Sem
Crescimento não Há Consolidação
Orçamental).
“É um país extremamente endivi-
dado. Não mais do que os outros. A
diferença está em que alguns con-
seguem dar a volta rapidamente.
Portugal, não”, diz Nick Racich.
De novo gritamos, zangados com
o nosso malfadado destino: porque
é que não conseguimos dar a volta?
Porque é que voltamos a ouvir Jú-
lio César dizer que este é um povo
que nem se governa nem se deixa
governar? (É a elite ou o povo que
não se governa nem se deixa gover-
nar?) Porque é que lemos Causas da
Decadência dos Povos Peninsulares
(1871) de Antero de Quental e o tex-
to nos faz sentido?
“É uma democracia muito nova”,
continua o banqueiro. “Quarenta
anos é muito pouco. São duas gera-
ções. Ainda temos muitas pessoas
vivas que viveram o antes. E antes
de décadas de ditadura estão sé-
culos de monarquia, de paterna-
lismo.”
João Constâncio (1971), profes-
sor universitário, autor, entre ou-
tros, do livro Nietzsche e o Enigma
do Mundo, chama igualmente a
atenção para este ponto. “Em 40
anos não se substitui a população
de um país. A cabeça das pessoas
não mudou o sufi ciente, apesar
das transformações económicas e
sociais. Em 40 anos não se trans-
forma uma população em grande
medida analfabeta numa popula-
ção instruída.”
Pensemos nisto: quantos dos que
estavam vivos em 1974, com uma
identidade, um passado, uma raiz
fizeram a transição para o Por-
tugal democrático? Quantos dos
que eram impreparados, iletrados
aprenderam a viver num país no-
vo? E pensemos nos que nasceram
depois de 74 e nos fi lhos desses.
Dir-se-ia fi lhos de um outro país.
Contudo, os nossos pais ainda são
aqueles.
19.Problema central: porque
não crescemos? A resposta
de Henrique Granadeiro:
“Existe uma correlação directa en-
tre instabilidade política e desen-
volvimento económico. Tivemos
25 governos em 40 anos [seis go-
vernos provisórios e 19 governos
constitucionais]. Com este vaivém
de governos é impossível gerar po-
líticas de longo prazo. A primeira
preocupação do governo seguinte
é rectifi car o [que considera] dis-
parates do governo anterior. Isso
introduz uma precariedade cujo
resultado está à vista.”
Segundo dados do Eurostat, os
ciclos políticos mais longos e com
maior taxa de crescimento corres-
pondem aos X, XI e XII governos
(1985/95, governos de Cavaco Silva)
com uma taxa de crescimento do
PIB de 4,2%. Os XIII e XIV governos
(1995/2002, governos de António
Guterres) tiveram uma taxa de cres-
cimento de 3%.
Na opinião do presidente da PT,
“o sistema constitucional permi-
te, e em certa medida encoraja, a
existência de governos minoritá-
rios. Um exemplo: o Presidente da
República empossou um governo
minoritário em plena crise mundial
(2009). Foi um erro político de Ca-
vaco, que o nomeou, e um erro po-
lítico de Sócrates, que aceitou”.
O povo volta a perguntar: porque
é que não crescemos? Porque é que
não damos a volta?
Ouçamos de novo as vozes d’Os
Rapazes dos Tanques, das manifes-
É melhor ter um Estado social falido do que não ter Estado social nenhum, obviamenteAndré Gonçalves Pereiraadvogado e ex-MNE
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25 DE ABRIL40 ANOS DE DEMOCRACIA
tações, dos que agora emigram.
Ouçamos a zanga com a classe po-
lítica, com essa elite. Com a elite
que não dá a volta, que não nos faz
dar a volta, que não nos deixa dar
a volta. Uma elite pequena, pou-
co capitalizada e dependente do
Estado.
O advogado Vasco Vieira de Al-
meida disse numa entrevista ao
Jornal de Negócios (2012): “Em Por-
tugal pertencer a uma elite nunca
representou, como devia, uma fon-
te extra de obrigações, antes uma
atribuição anormal de privilégios.
O povo foi sempre melhor do que
as elites.”
20.Antes do leite derramado,
há a Expo 98 e o orgulho
numa obra com aquela
dimensão, aquela beleza. Não é
pouco porque um povo precisa de
pão e circo.
Antes ainda privatiza-se a pro-
dução de informação. Aparecem
as rádios e as televisões privadas.
Não muda só a forma de comuni-
car. Muda, o que é fundamental,
a forma de comunicar política e
consequentemente a forma de fa-
zer política.
Mudam os protagonistas. O povo
aparece na televisão, a sua biogra-
fi a importa. O povo vê e comenta o
povo na televisão, a elite vê o povo
na televisão e comenta o Big Bro-
ther de Orwell. Nos anos 1990, o
mundo era tão estável que a gera-
ção nascida na década de 1970, ou
pouco antes, não sabia o que era o
contrário de liberdade.
João Constâncio era um miúdo
quando o pai, Vítor Constâncio, foi
secretário-geral do Partido Socialis-
ta (1986/89). Acompanhava-os nos
comícios, no fervilhar da política.
Depois fechou-se a estudar. Grego
antigo, alemão, Platão. “A minha
geração foi a primeira que pôde vi-
ver acomodada no tipo de demo-
cracia ocidental que resultou do 25
de Abril. A política era uma questão
que estava resolvida. Alguém já ti-
nha feito o que era preciso fazer.
Mais do que isso: a política tinha-se
tornado uma questão burocrática.
Não havia nada de heróico nem de
decisivo nela.
Como costumo dizer, não vivi
os anos 90. Como se o mundo não
existisse para mim. Eu podia estar
alienado, para usar uma linguagem
marxista, nas minhas preocupações
existenciais.”
O poeta e cirurgião plástico João
Luís Barreto Guimarães, nascido
em 1967, diz o mesmo num dos po-
emas do livro Você Está Aqui: “Nin-
guém da nossa geração esteve na
revolução; outros, antes de nós, fi -
zeram as nossas guerras. Quando
chegámos aos dias já a guerra ha-
via sido. (...) Para nós sobejou outra
sorte de batalhas: levantar cada ma-
nhã o peso imenso das pálpebras,
correr por um lugar na trincheira
do balcão.”
O poema traduz um lamento, o
individualismo, uma vida por ve-
zes autómata. “Agora luta-se por
o ter a casa, o ter o carro, o ter o
telemóvel. Coisas concretas desti-
tuídas de idealismo”, diz Barreto
Guimarães.
Algumas palavras caíram em de-
suso. Idealismo, por exemplo.
21.Adeus escudo, willkommen
euro. As novas notas apa-
receram há 12 anos.
A vida subiu de preço. No super-
mercado e na bomba de gasolina,
nos restaurantes e nos centros co-
merciais. Só uma coisa embarate-
ceu, e muito: o preço do dinheiro.
As taxas de juro eram tão baixas
que só não tinha casa própria quem
não quisesse (dizia-se). E já agora
férias na República Dominicana (a
crédito). E um segundo carro para
a família (ainda a crédito). A banca,
de motor da economia, passou a
motor do consumo.
Foi o momento em que palavras
como spread se começaram a usar
todos os dias. E os bancos se sobre-
endividaram (além do estabelecido
nas regras de Basileia) a curto para
emprestar a longo prazo.
O endividamento dos bancos por-
tugueses no estrangeiro passou de
49% do PIB em 1999 para 96% em
2007.
Até que o Lehman Brothers tom-
bou e a torneira estancou.
22.Fomos nós que vivemos
acima das nossas possibi-
lidades? João Constâncio
rejeita o que considera ser um dis-
curso punitivo que se impôs depois
da queda do gigante americano e
em especial depois do pedido de
resgate do Estado português. “Um
discurso que faz as pessoas sentirem
que desde a entrada na CEE até 2011
andaram a viver de uma herança de
uma tia rica. E que têm de voltar a
ser pobres porque Portugal é um
país pobre.”
Do outro lado: os povos do Sul
são preguiçosos, desorganizados,
perdulários. Há quem pense que,
além destes atributos, são ignaros.
As crianças introduziram no seu lé-
xico uma palavra nova: austerida-
de. E aprenderam, à força de ouvir
os pais, os avós, a televisão, que o
futuro podia não ser radioso. Que
o mais provável é que não seja ra-
dioso.
Centenas de milhares de pesso-
as manifestaram-se e empunharam
cartazes onde se lia: queremos o
nosso futuro de volta. Homens,
mulheres, crianças, jovens, velhos.
Reformados que se transformaram
no esteio de milhares de famílias
(apesar das pensões cortadas para
metade). A classe média que vive no
fi o (por causa dos cortes para me-
tade). Desempregados. Gerações
à rasca. Não estavam as centenas
de milhares que nos últimos anos
tiveram que emigrar.
João Luís Barreto Guimarães
especializou-se em reconstrução
mamária de mulheres que tiveram
cancro da mama. No hospital, no
consultório, assiste a uma degrada-
ção rápida da jóia indiscutível que é
o SNS, ao empobrecimento do po-
vo. “É preciso saber ler os sinais.
As pessoas andam tristes, estão a
engordar, a envelhecer, têm sapatos
cambados, roupa puída, semblan-
tes zangados. Os doentes dizem:
‘Tenho diabetes, hipertensão ar-
terial e insufi ciência cardíaca. Deste
três, qual é o menos grave? Porque
só tenho dinheiro para comprar
medicamentos para dois.’ A vida
inteira trabalharam, confi ando que
o Estado era pessoa de bem e que
um dia, quando precisassem da re-
forma, iam tê-la. O Estado pura e
simplesmente está-lhes a falhar. Es-
tica a corda sem introduzir o factor
sentimental na regra económica.”
23.— Onde é que falhámos? O
que é que correu mal?
— André Gonçalves Pe-
reira: “Nada correu especialmente
mal. A sociedade é o que é. Temos
um regime aristocrático medío-
cre, em que o papel das famílias
dominantes é desempenhado pe-
los partidos políticos. A nova aris-
tocracia são os partidos políticos. É
uma aristocracia de posição, não de
ideias nem de nascimento.”
— Rui Pena Pires: “O que é que
falhou no 25 de Abril? Nada. Nos
últimos 40 anos, o que falhou mais
foi o facto de continuarmos a ser o
país mais desigual da Europa (agora
menos do que a Bulgária e a Romé-
nia - não é grande consolo).”
— João Luís Barreto Guimarães:
“Abril realizou-se? A resposta é não.
Não se cumpriram os objectivos da
revolução. A sociedade não cresceu
como um todo. Aumenta o fosso
entre os mais pobres e aqueles que
enriquecem na proximidade do po-
der. Tenho a maior desconfi ança
da classe política. O pote vai vol-
tar a encher? Temo que o regabofe
volte.”
— Maria Manuel Leitão Marques:
“Foi-se avançando com as maiorias
políticas existentes. Seria bom que
tivéssemos tido governos de maio-
ria? Não os tivemos. Porque as pes-
soas não votaram assim nem obri-
garam a que houvesse um pacto
entre os principais partidos. Mas
devíamos ter tido mais coragem e
mais visão para em 1986 fazer re-
formas dolorosas. Por exemplo, de
reestruturação empresarial (e não
alimentar com fundos europeus
empresas cuja competitividade era
duvidosa, e que caíram agora como
tordos). Isso tem custos. Há cliente-
las políticas que se perdem.”
— Irene Flunser Pimentel: “Cor-
reu-nos mal a Europa, como correu
mal a outros países. Não foi a nossa
inserção no projecto europeu. Foi o
projecto europeu. Não fi zemos uma
união política europeia. Fomos pela
via do dinheiro, e aconteceu o que
aconteceu.”
— João Constâncio: “Até 2010, a
evolução do país foi muito positi-
va. O que correu mal foi a resposta
da Europa à crise das dívidas sobe-
ranas, que afectou em particular
certos países da zona euro, entre
eles Portugal. As coisas podiam ter
tomado outro caminho. Um cami-
nho que reconhecesse a assimetria
que há desde início entre a periferia
e o centro. As principais decisões
foram tomadas segundo o princípio
‘cada um por si’.”
— Alexandre Quintanilha: “Gran-
de falhanço: é capaz de ser a justi-
ça. Como se vê. Portugal continua
a ser muito individualista e tem di-
fi culdade na interdisciplinaridade.
Pomos pessoas da Filosofi a a falar
com um cientista e há sempre um
arrogante que faz troça, que acha
que o outro não sabe o que está a
dizer. Educação: é mentira que a
escola pública seja má. Há de tudo,
claro. Mas em todas as turmas que
passaram por mim havia pessoas
excepcionais.”
— Maria de Fátima Bonifácio:
“A democratização do ensino foi
calamitosa. Dizer que é a geração
mais bem preparada de sempre dá-
me vontade de rir. Fui professora
universitária de 1980 a 2008. As
pessoas podem ter diplomas que
atestam a sua escolaridade, mas o
nível de ignorância é assustador. Se
As pessoas andam tristes, estão a engordar, a envelhecer, têm sapatos cambados, roupa puída, semblantes zangados. Os doentes dizem: ‘Tenho diabetes, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca. Deste três, qual é o menos grave? Porque só tenho dinheiro para comprar medicamentos para dois.’João Luís Barreto Guimarães médico
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houver 15% de alunos excelentes, é
fantástico.”
— Nick Racich: “A confi ança na
justiça está abalada. Nos EUA, os
Madoff vão para a prisão por 150
anos. Em Portugal, o povo tem a
noção de que ao tubarão não acon-
tece nada. Que o tubarão se safa. Os
políticos estão a subestimar a im-
portância da confi ança na vida das
pessoas. O sentimento de injustiça
cria zanga, desapontamento.”
— Maria de Lurdes Rodrigues: “As
ambições e expectativas vão sen-
do actualizadas, reajustadas. Todos
os estudos apontam para ter sido
o sector da justiça aquele em que
a mudança falhou.”
— Pedro Magalhães: “É normal o
cepticismo em relação à política, é
saudável. Onde não vejo tanta saú-
de é na desconfi ança em relação à
justiça. Confi am na justiça 28% dos
inquiridos. Na Dinamarca, confi am
84%. (Dados de 2010.) Isto é mui-
to grave e preocupante. Tenho de
confi ar na justiça para resolver os
problemas que tenho na relação
com os outros, com o Estado. Se
não confi o na justiça, o que é que
sobra? Na sondagem que se apre-
sentou na Gulbenkian, 77% acham
que estamos pior agora do que no
antigo regime no que diz respeito
à corrupção; 81% acham que es-
tamos pior na criminalidade e na
segurança.”
— João Taborda da Gama: “O 25
de Abril chega tarde. Se tivéssemos
tido uma revolução dez, quinze
anos antes tínhamos tido um de-
senvolvimento mais sustentado.
Foi tudo feito muito à pressa por-
que teve de ser tudo feito muito à
pressa. Por causa da Europa (que
era o nosso quadro institucional
e geoestratégico). Isso vê-se, por
exemplo, no desastre urbanístico
de Portugal. A marquise é o símbolo
desse desenvolvimento. Outros pés
de barros: como povo, como comu-
nidade, não fomos exigentes com
o investimento público, as rendas
excessivas, as instituições.”
— Henrique Granadeiro: “A classe
média, conquista de Abril, está a
sair pela porta dos fundos. O ar do
tempo é claramente de fi m de regi-
me. As pessoas não têm confi ança
no Governo nem esperam grande
coisa da oposição, e não olham pa-
ra o Presidente da República como
defensor das instituições. Estamos
a viver num puro sistema tecnocrá-
tico. Um sistema em que as deci-
sões são tomadas mas onde não
há política. Faz-me lembrar a frase
que um anarquista mexicano pôs
num mural: ‘Basta de realizações,
dêem-nos promessas.’ As pessoas
precisam de um discurso político
portador de alguma esperança. E
mesmo de alguma ilusão.”
24.Ainda que continue-
mos a ser Fátima, Fado
e Futebol, não somos
da mesma maneira Fátima, Fado
e Futebol. O Fado é Património
Imaterial da Humanidade, Camané,
Carminho e Mariza enchem plateias
no mundo todo. José Mourinho foi
o melhor treinador do mundo,
Cristiano Ronaldo é o melhor jo-
gador do mundo. Fátima continua
cheia, com uma basílica nova, mas
o peso da religião é outro.
João Taborda da Gama foi discí-
pulo de Saldanha Sanches, consul-
tor de Cavaco Silva na presidência,
tem cinco fi lhos. Não recebeu dos
pais, Jaime Gama e Alda Taborda,
uma educação religiosa. Converteu-
se ao catolicismo na universidade.
“Hoje, a religião é um fenómeno
mais refl exivo e menos ritualístico.
Há uma queda dos níveis de par-
ticipação religiosa, há uma secu-
larização da sociedade, como em
toda a Europa. Mas aqueles que têm
uma vivência religiosa têm-na de
uma forma menos automática. É
uma religião mais vivida, mais es-
piritual.”
E agora também temos Manoel de
Oliveira, Paula Rego, Saramago, Siza
projectados no mundo todo, cientis-
tas entre os melhores do mundo. Em
muitas disciplinas estamos entre os
melhores do mundo.
João Constâncio: “Quando co-
mecei a dar aulas, em 96, fazia o
doutoramento quem era profes-
sor universitário. Tudo isso mu-
dou imenso. A universidade pro-
duz uma elite, que é pequena, mas
que apesar de tudo é muito maior
do que era, e que tem uma dimen-
são internacional, está inserida em
redes internacionais de investiga-
ção.”
25.O 25 de Abril foi a inven-
ção do dia claro, para
glosar o título de Almada
Negreiros. Há muito que se perdeu
a capacidade de sonhar, o impulso
vital da juventude. O povo voltou a
cantar Grândola Vila Morena. Lídia
Jorge escreve em Os Memoráveis,
livro-olhar sobre o 25 de Abril, que
precisamos de uma nova canção.
Escreve também: “Acha, então, que
a mente humana está defi nitivamen-
te formatada para se esquecer do
bem? Para se esquecer dos momen-
tos em que o anjo da alegria passa
pelo mundo?”
É isso. Passou por nós o anjo da
alegria. Apesar de tudo, foi muito
bonita a festa, pá. Resta saber co-
mo vamos cumprir o Portugal que
falta.
A classe média, conquista de Abril, está a sair pela porta dos fundos. As pessoas não têm confiança no Governo nem esperam grande coisa da oposição, e não olham para o Presidente da República como defensor das instituições. Estamos a viver num puro sistema tecnocrático. Um sistema onde as decisões são tomadas mas onde não há políticaHenrique GranadeiroCEO e chairman da PT
Tiragem: 34258
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
Pág: 1
Cores: Cor
Área: 27,50 x 26,50 cm²
Corte: 9 de 9ID: 53610198 25-04-2014
BalançoComo se fez um país democrático, as conquistas e os fracassos Págs. 2 a 9
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Valeu a penaa festa, pá
1972
2013