ti port. - 3º ano - 3º bimestre

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TEXTO I Com que é que se parece um professor? Ngunga tinha um princípio: se havia algum problema, ele preferia resolvê-lo logo. Deveria esperar que o Comandante o chamasse. Mas não esperou. Foi ele mesmo falar ao Comandante. Para quê ter medo? O Comandante Mavinga estava divertido com a conversa. Falou: — És um rapaz esperto e corajoso. Por isso deves estudar. Chegou agora um professor que vai montar uma escola aqui perto. Deves ir para lá, aprender a ler e a escrever. Não queres? Ngunga ficou silencioso. Escola? Nunca vira. Ouvira falar, isso sim. Era um sítio onde tinha de se estar sempre sentado, a olhar para uns papéis escritos. Não devia ser bom. — Prefiro ser guerrilheiro. Se não me querem aqui, então vou para outro sítio. — Ngunga, tu és pequeno demais para ser guerrilheiro. Aqui já te disse que não podes ficar. Andar só, como fazes, não é bom. Um dia vai acontecer-te uma coisa má. E não estás a aprender nada. — Como? Estou a ver novas terras, novos rios, novas pessoas. Oiço o que falam. Estou a aprender. — Não é a mesma coisa. Numa escola aprendes mais. E assim vais conhecer o professor. Já viste um professor? Diz-me com que é que se parece um professor? Vais conhecer a escola. Eu parto amanhã e tu vais comigo. Sem o saber, Mavinga encontrou o que podia convencer Ngunga. Com que é que se parecia um professor? Sim, precisava de conhecer o professor. Se não gostasse da escola, o seu saquito era fácil de arrumar. Vendo bem as coisas, não perdia nada em experimentar. A escola era só uma cubata¹ de capim² para o professor e, numa sombra, alguns bancos de pau e uma mesa. Ngunga imaginara-a de outra maneira. Também o professor o surpreendeu. Julgava que ia encontrar um velho com cara séria. Afinal era um jovem, ainda mais novo que o Comandante, sorridente e falador. Esse aí sabia mesmo para ensinar aos outros? Mavinga apresentou-o. Disse que ele não tinha família.

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TEXTO I

Com que é que se parece um professor?

Ngunga tinha um princípio: se havia algum problema, ele preferia resolvê-lo logo. Deveria esperar que o Comandante o chamasse. Mas não esperou. Foi ele mesmo falar ao Comandante. Para quê ter medo? O Comandante Mavinga estava divertido com a conversa. Falou:

— És um rapaz esperto e corajoso. Por isso deves estudar. Chegou agora um professor que vai montar uma escola aqui perto. Deves ir para lá, aprender a ler e a escrever. Não queres?

Ngunga ficou silencioso. Escola? Nunca vira. Ouvira falar, isso sim. Era um sítio onde tinha de se estar sempre sentado, a olhar para uns papéis escritos. Não devia ser bom.

— Prefiro ser guerrilheiro. Se não me querem aqui, então vou para outro sítio.

— Ngunga, tu és pequeno demais para ser guerrilheiro. Aqui já te disse que não podes ficar. Andar só, como fazes, não é bom. Um dia vai acontecer-te uma coisa má. E não estás a aprender nada.

— Como? Estou a ver novas terras, novos rios, novas pessoas. Oiço o que falam. Estou a aprender.

— Não é a mesma coisa. Numa escola aprendes mais. E assim vais conhecer o professor. Já viste um professor? Diz-me com que é que se parece um professor? Vais conhecer a escola. Eu parto amanhã e tu vais comigo.

Sem o saber, Mavinga encontrou o que podia convencer Ngunga. Com que é que se parecia um professor? Sim, precisava de conhecer o professor. Se não gostasse da escola, o seu saquito era fácil de arrumar. Vendo bem as coisas, não perdia nada em experimentar.

A escola era só uma cubata¹ de capim² para o professor e, numa sombra, alguns bancos de pau e uma mesa. Ngunga imaginara-a de outra maneira. Também o professor o surpreendeu. Julgava que ia encontrar um velho com cara séria. Afinal era um jovem, ainda mais novo que o Comandante, sorridente e falador. Esse aí sabia mesmo para ensinar aos outros?

Mavinga apresentou-o. Disse que ele não tinha família.— Tem de ficar a viver aqui comigo! — disse o professor — Também já

tenho o Chivuala, que veio comigo do Guando. Os outros alunos são externos, vivem nos quimbos³ e vêm só receber aulas. Para estes dois, vai haver o problema da alimentação.

— Não há problema! — respondeu o Comandante — Vou falar com o povo. Quando derem comida para o camarada professor, acrescentam um pouco para os dois pioneiros. O Ngunga precisa de estudar, para não ser como nós. Se se portar mal avise-me. Estás a ouvir, Ngunga? Se não trabalhares bem, eu vou saber. E, se fugires da escola, eu encontrar-te-ei.

— Eu nunca fujo! — respondeu Ngunga — Quando quiser, digo que vou embora e vou mesmo. Não preciso de fugir como um porco-de-mato.

O professor riu.— Espero então que não queiras ir embora. Vais ver como gostarás da

escola.Pepetela, As aventuras de Ngunga (trecho). LeYa, 2014.

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Notas: ¹cubata — habitação tradicional africana; ²capim — planta gramínea que cresce espontaneamente nos campos; ³quimbo — aldeia (termo angolano).

QUESTÃO 1

Assinale a alternativa que destaca em negrito as conjunções encontradas neste trecho do conto de Pepetela:

(A) Quando derem comida para o camarada professor, acrescentam um pouco para os dois pioneiros. O Ngunga precisa de estudar, para não ser como nós. Se se portar mal avise-me. Estás a ouvir, Ngunga?(B) Quando derem comida para o camarada professor, acrescentam um pouco para os dois pioneiros. O Ngunga precisa de estudar, para não ser como nós. Se se portar mal avise-me. Estás a ouvir, Ngunga?(C) Quando derem comida para o camarada professor, acrescentam um pouco para os dois pioneiros. O Ngunga precisa de estudar, para não ser como nós. Se se portar mal avise-me. Estás a ouvir, Ngunga?(D) Quando derem comida para o camarada professor, acrescentam um pouco para os dois pioneiros. O Ngunga precisa de estudar, para não ser como nós. Se se portar mal avise-me. Estás a ouvir, Ngunga?

QUESTÃO 2

Considere o seguinte trecho:

Também o professor o surpreendeu. Julgava que ia encontrar um velho com cara séria. Afinal era um jovem, ainda mais novo que o Comandante, sorridente e falador. Esse aí sabia mesmo para ensinar aos outros?

O último período do trecho destacado acima revela, em relação ao professor, um sentimento de

(A) surpresa.(B) medo.(C) dúvida.(D) frustração.

QUESTÃO 3

Assinale a alternativa em que a palavra “se” tem o mesmo sentido que em “se havia algum problema, ele preferia resolvê-lo logo”:

(A) Com que é que se parecia um professor?(B) Se não gostasse da escola, o seu saquito era fácil de arrumar(C) Diz-me com que é que se parece um professor?(D) Era um sítio onde tinha de se estar sempre sentado

QUESTÃO 4

Page 3: Ti   port. - 3º ano - 3º bimestre

No trecho “Ngunga tinha um princípio: se havia algum problema, ele preferia resolvê-lo logo. Deveria esperar que o Comandante o chamasse”, as palavras destacadas fazem referência aos seguintes termos, respectivamente:

(A) Comandante – Ngunga – Comandante(B) Ngunga – problema – Ngunga(C) Comandante – princípio – problema(D) Ngunga – problema – princípio

TEXTO II

Enquanto remava um demorado regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu velho avô: a água e o tempo são irmãos gémeos, nascidos do mesmo ventre. E eu acabava de descobrir em mim um rio que não haveria nunca de morrer. A esse rio volto agora a conduzir meu filho, lhe ensinando a vislumbrar os brancos panos da outra margem.

Mia Couto, Estórias abensonhadas (trecho). Companhia das Letras, 2012.

QUESTÃO 5

A característica da literatura de Mia Couto mais evidente no TEXTO II é

(A) a construção poética do discurso, através de neologismos e inventivas construções frasais, como “a esse rio volto agora a conduzir meu filho”.(B) o engajamento político, reforçado pela experiência pessoal do escritor como militante da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique).(C) a revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares, representada pelo conceito de “negritude”.(D) a relação íntima entre o velho e o novo, o passado e o presente, tendo o tempo como unidade fundamental para a integração desses elementos.

TEXTO III

— Mas, António... Tu não achas que cada um deve mandar no seu país? Os portugueses tavam aqui a fazer o quê?— Ê!, menino, mas naquele tempo a cidade estava mesmo limpa... tinha tudo, não faltava nada... — Ó António, não vês que não tinha tudo? As pessoas não ganhavam um salário justo, quem fosse negro não podia ser diretor, por exemplo...— Mas tinha sempre pão na loja, menino, os machimbombos funcionavam... — ele só sorrindo.— Mas ninguém era livre, António... não vês isso?— Ninguém era livre como assim? Era livre sim, podia andar na rua e tudo...— Não é isso, António — eu levantava-me do banco. — Não eram angolanos que mandavam no país, eram portugueses... E isso não pode ser...

Ondjaki, Bom dia, camaradas (trecho). Companhia das Letras, 2014.

QUESTÃO 6

Pode-se afirmar que o diálogo travado entre o protagonista do romance e o personagem António tem por assunto o seguinte fato da história de Angola:

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(A) a colonização portuguesa, vivida pelo país até o ano de 1975(B) o tráfico de escravos para o Brasil, no século XIX(C) o golpe de Estado conhecido como Fraccionismo, dado pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) em 1976(D) a Confederação Brasílica, movimento popular cujo objetivo era unir Angola ao Brasil, então recém-independente

TEXTO IV

MIR - Música de Intervenção RápidaAzagaia

Eu falo em nome da Declaração Universal dos Direitos HumanosFalo em nome da Constituição que rege os moçambicanosEu nem sequer sou formado em DireitoMas sei que me manifestar neste país é meu direitoContra policia violenta disparo o artigo quarentaSe a lei não representa eu preparo o oitentaDepois o trinta e cinco, quarenta e oito, quarenta e trêsAprendam de uma vez, Estado não são só vocêsIlustres funcionários com interesses partidáriosPerto de exonerá-los por esse tipo de comentáriosCapaz de provocar uma febre nacionalImaginem se se convocar uma greve geralHaverá tanta polícia para tanta justiça?Gás lacrimogéneo para tanto oxigénio?Haverá tanta água para tanta mágoa?Até quando a ditadura numa nação democrática?

QUESTÃO 7

A que termo fazem referência os termos destacados em “se a lei não representa eu preparo o oitenta/depois o trinta e cinco, quarenta e oito, quarenta e três”?

(A) direito(B) Constituição(C) artigo(D) polícia

QUESTÃO 8

Em “Se a lei não representa eu disparo o oitenta” (6º verso), a conjunção tem o valor semântico de

(A) condição(B) concessão(C) alternância(D) tempo

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QUESTÃO 9

No oitavo verso da canção “Aprendam de uma vez, o estado não são só vocês”, a palavra destacada permite a seguinte inferência:

(A) para o eu-lírico, o Estado não deveria existir(B) o Estado é formado apenas pela Força de Intervenção Rápida(C) os políticos têm uma visão progressista sobre o Estado(D) o povo também representa o Estado

TEXTO V

LENDA DO DILÚVIO (lenda indígena)Há muito tempo atrás existiu um venerando homem chamado Tamandaré que ouvira dizer pela própria boca de Tupã (Deus) que o mundo ia ser inundado. Começou então a chover torrencialmente e as águas já alcançavam os mais altos montes. No cume de um deles ostentava uma alterosa palmeira. No olho dela, procuraram refúgio. Tamandaré e a sua família alimentaram-se durante o domínio das águas com os seus saborosos frutos. Quando as águas baixaram, desceram e repovoaram a terra.

Disponível em: http://www.velhobruxo.tns.ufsc.br/Lenda010.html

QUESTÃO 10

Há muito tempo atrás (...)

Esta oração expressa a noção de tempo. Em relação ao momento é possível dizermos que é:

(A) anterior e determinado(B) anterior e indeterminado(C) posterior e indeterminado(D) simultâneo e indeterminado

QUESTÃO 11

As lendas tentam explicar determinados mistérios que são, na verdade, do próprio ser humano. Desse modo, podemos observar que os textos se relacionam. Assim, a lenda acima se relaciona com um mito:

(A) grego(B) egípcio(C) africano(D) bíblico

QUESTÃO 12

Page 6: Ti   port. - 3º ano - 3º bimestre

No trecho “No cume de um deles ostentava uma alterosa palmeira”, o pronome demonstrativo “deles” substitui que palavra mencionada anteriormente?

(A) mundo(B) montes(C) frutos(D) águas

GABARITO

01 – C02 – C03 – B04 – B05 – D 06 – A07 – C08 – A09 – D10 – A11 – D12 – B