thomas e. woods jr._como a igreja católica construiu a civilização ocidental

225
5/10/2018 ThomasE.WoodsJr._ComoAIgrejaCatlicaConstruiuaCivilizaoOcidenta... http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide Se perguntarmos .1 um estudante universitário o que sabe <)o contributo da Igreja Católica para a sociedade, a sua res| x>sta tal vez se resuma a uma palavra: "opressão", por exemplo, ou "oi>s- curantismo". No entanto, essa palavra deveria ser "civilizarão" O autor destas páginas. Thomas Woods. doutorado pela Uni- versidade de Columbia, mostra como tcxla a Civilização Ociden- tal nasceu e se desenvolveu apoiada nos valores e ensinamentos da Igreja Católica. Em concreto explica, entre muitas outras coi- sas: •Por que o milagre da ciência moderna e de uma lilosofla que levou a razão ã sua plenitude só puderam nascer sobre o solo da mentalidade católica; •Como a Igreja criou uma instituirão que mudou o mundo Universidade; •Como ela nos deu uma arquitetura e umas artes plásticas de beleza incomparável; •Como os filósofos escol.ísticos desenvolveram os conceitua básicos da economia moderna, que trouxe para o Ocidente uma riqueza sem precedentes; •Como o nosso Direito, garantia da liberdade e da justiça, nasceu em ampla medida do Direito canónico; •Como a Igreja criou praticamente Iodas as institui<,' M ' v assistência que conhecemos, dos hospitais à previdência; •Como humanizou a vida, ao insistir durante séculos nos direitos universais do ser humano - tanto dos cristãos como dos pa- gãos - e na sacralidade de cada pessoa. Num momento em que se propaga uma imagem da lgre|a como inimiga dos progressos da ciência e da técnica, e da lilx-r- dade do pensamento, este é um livro que desfaz preconceitos, corrige clic hês e ensina inúmeras verdades teimosamente omitidas no ensino colegial e universitário.

Upload: protasiocn

Post on 10-Jul-2015

405 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Se perguntarmos .1 um estudante universitário o que sabe

<)o contributo da Igreja Católica para a sociedade, a sua res|

x>sta talvez se resuma a uma palavra: "opressão", porexemplo, ou "oi>s- curantismo". No entanto, essa palavradeveria ser "civilizarão"

O autor destas páginas. Thomas Woods. doutorado pela Uni-

versidade de Columbia, mostra como tcxla a Civilização Ociden-

tal nasceu e se desenvolveu apoiada nos valores e ensinamentos

da Igreja Católica. Em concreto explica, entre muitas outras coi-

sas:•Por que o milagre da ciência moderna e de uma lilosoflaque levou a razão ã sua plenitude só puderam nascersobre o solo da mentalidade católica;•Como a Igreja criou uma instituirão que mudou o mundoUniversidade;•Como ela nos deu uma arquitetura e umas artesplásticas de beleza incomparável;•Como os filósofos escol.ísticos desenvolveram osconceitua básicos da economia moderna, que trouxe para oOcidente uma riqueza sem precedentes;•Como o nosso Direito, garantia da liberdade e da justiça,nasceu em ampla medida do Direito canónico;

•Como a Igreja criou praticamente Iodas asinstitui<,'M'v assistência que conhecemos, dos hospitaisà previdência;•Como humanizou a vida, ao insistir durante séculos nosdireitos universais do ser humano - tanto dos cristãoscomo dos pa- gãos - e na sacralidade de cada pessoa.Num momento em que se propaga uma imagem da lgre|a

como inimiga dos progressos da ciência e da técnica, e dalilx-r- dade do pensamento, este é um livro que desfazpreconceitos, corrige clic hês e ensina inúmeras verdadesteimosamente omitidas no ensino colegial e universitário.

Page 2: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Page 3: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

IQUADRANTF.

Page 4: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

OUTROS TÍTULOSRELACIONADOSAMOR E CASAMENTO, de CormacBurkeDL US EM QUESTÕES,de André FrossardÉ RAZOÁVEL CRER?,de Alíonso AguilóA TRAUOE t)A VlNCl, de MiirkShea e Edward SriHA UM OUTRO MUNEJO, de AndréFrossardI(,RE1A E P< II ÍTICA,

do losé Miguel Ibaflez

Langlois I I SIORIA OA l(.RHA

110 VOEI MIS),

de Daniel-Rops PENSAR W 

CONTA PRÓPRIA, do Enrique

MonasterioPSROIOCIA ABERTA,de lohannes Batista Torelló

 _______________________  ____ 

COMO A IGREJACATÓLICA CONSTRUIU ACIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

Page 5: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

 THOMAS E. WOODS JR.

COMO A IGREJACATÓLICA

CONSTRUIU ACIVILIZAÇÃOOCIDENTAL

 Tradução dc Élcio Carillo

Revisão de Emérico da Gama

Page 6: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

□ QUADRANTE

São Paulo 2008 Título original How lhe CalholicChurch Built Western Civilization

Copyright O 2008 Thomas E. Woods,

 Jr., c Rcgncrv Publishing Inc.

Ilustração da capa fornecida porRegnery Publishing Inc.

Dados Internacionais dc Catalogaçãona Publicação (CIP) (CâmaraBrasileira do l.ivro, SP, Brasil)

Woods Jr., Thomas E.Como a Igreja Católica construiu acivilização Ocidental / Thomas E.Woods Jr.; tradução dc Élcio Carillo;revisão dc Emérico da Gama. - São

Paulo : Quadranlc, 2008  Título original: How lhe CalholicChurch Built Weslem Civiliza- tionISBN: 978-85-7465-125-5.I. Civi lização Ocidental 2.

Page 7: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Cristianismo c cultura 3. Igrejacatólica - Histórica 4. IgrejaCatólica - Influência I. Título08-10818

 ____________________________________ CDD-282.09

índice para catálogo sistemático: I. IgrejaCatólica : Influência na Civilização

Ocidental : História 282.09

 Todos os direitos reservados aQUADRANTE, Sociedade de

Publicações Culturais Rua Ipcroig.604 - Tel.: 3873-2270 - Fax: 3673-

0750 CEP 05016-000 - São Paulo - SPwww.quadrante.com.br [email protected]

Page 8: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocid

A IGREJA INDISPENSÁVEL

Philip Jcnkins, rcnomado professor dc história e estudosreligiosos da Pennsylvania State Univcrsity, chamou ao anti-•catolicismo "o último preconceito aceitável nos Estados Uni-dos". É difícil contestar esse juízo: nos nossos meios de comu-nicação c na nossa cultura popular, pouca coisa é inadmissívelquando se trata de ridicularizar 011 de satirizar a Igreja. Osmeus alunos, quando têm alguma noção a respeito dela, só sa-bem mencionar a sua pretensa "corrupção", sobre a qual ouvi-ram intermináveis histórias dc duvidosa credibilidade dos seusprofessores do ensino médio.

A questão é que. no ambiente cultural da atualidade, é fácilesquecer - ou não tomar conhecimento sequer - tudo aquilo quea nossa civilização deve à Igreja Católica. Muitos reconhecemque ela influenciou, sem dúvida, a música, a arte e a ar-quitetura, mas não vão além disso. Para o nosso estudante doensino médio, a história do catolicismo pode ser resumida emtrês palavras: ignorância, repressão c estagnação; ninguém fez

o menor esforço por mostrar-lhe que a civilização ocidentaldeve à Igreja o sistema universitário, as ciências, os hospitais ea previdência, o direito internacional, inúmeros princípios bá-sicos do sistema jurídico, etc. etc. O propósito deste livro éprecisamente mostrar essas influências decisivas, mostrar quedevemos muito mais ã Igreja Católica do que a maior parte daspessoas - incluídos os católicos - costuma imaginar. Porque.para sermos exatos, foi ela que construiu a civilização oci-dental.

Como nem é preciso dizer, o Ocidente não deriva apenas docatolicismo; ninguém pode negar a importância da antigaGrécia e de Roma. ou das diversas tribos germânicas que suce-deram ao Império Romano do Ocidente, como elementos for-madores da nossa civilização. E a Igreja não só não repudiounenhuma dessas tradições, como na realidade aprendeu c ab-sorveu delas o melhor que t inham para oferecer.

Nenhum católico sério pretende sustentar que os eclesiásti-cos tenham acertado em todas as decisões que tomaram. Cre-mos que a Igreja manterá a integridade da fé até o fim dos tem-pos. não que cada uma das ações de todos os papas c bisposque já houve esteja acima de qualquer censura. Pelo contrário,distinguimos claramente entre a santidade da Igreja, enquantoinstituição guiada pelo Espírito Santo, c a natureza inevitavel-

I.

Page 9: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

mente pccadora dos homens que a integram, incluídos os queatuam em nome dela.

Mas estudos recentes tôm submetido a revisão uma série deepisódios históricos tradicionalmente citados como evidências

da iniqüidade dos eclesiásticos, c a conclusão a que chegamdepõe em favor da Igreja. Hoje sabemos, por exemplo, que a

Inquisição não foi nem de longe tão dura como se costumavaretratá-la c que o número dc pessoas levadas aos seus tribunaisfoi muito menor - cm várias ordens de magnitude!' - do que seafirmava anteriormente. E isto não é nenhuma alegação nossa,mas conclusão claramente expressa nos melhores e maisrecentes estudos2.

De qualquer modo. com exceção dos estudiosos da Europamedieval, a maioria das pessoas acredita que os mil anos ante-riores â Renascença foram um período de ignorância c de re-pressão intelectual, em que não havia um debate vigoroso deidéias nem um intercâmbio intelectual criativo, c cm que seexigia implacavelmente uma estrita submissão aos dogmas.Ainda hoje continua a haver autores que repetem essas afirma-ções. Numa das minhas pesquisas, deparei com um livro deChristophcr Knight c Robert Lomas intitulado Second Messiah

(D Isto é. no numero dc zeros depois dos algarismos significa li vos.Con- cretamcnic. nâo foram milhões, como 5s vezes sc diz. mascentenas (N. do E.)

(2) Veja-se, por exemplo. Henry Kamen. The SpauisJi Inqiiisitiou: Allisio- rical Revistou, Yalc Univcrsit.v Press. New Havcn. 1999; Edward M.Pctcrs. luqtiisition. Univcrsit.v of Califórnia Press. Bcrkcley, 1989.("O segundo Messias"], cm que se traça um quadro da IdadeMédia que não poderia estar mais longe da realidade, mas queo público em geral "engole" sem hesitar, por força do precon-ceito e da ignorância reinantes. Podemos ler ali. por exemplo:"O estabelecimento da era cristã romani/.ada marcou o começoda Idade das Trevas, esse período da história ocidental cm quese apagaram todas as luzes do conhecimento c a superstiçãosubstituiu o saber. Esse período durou até que o poder da IgrejaCatólica foi minado pela Reforma" \ E também: "Des- prezou-setudo o que era bom c verdadeiro e ignoraram-se todos osramos do conhecimento humano cm nome de Jesus Cristo"1.

Hoje em dia. é difícil encontrar um único historiador capazde ler semelhantes comentários sem rir. Essas afirmações con-tradizem frontalmentc muitos anos dc pesquisa séria, e no en-tanto os seus autores - que não são historiadores dc profissão -repetem com inteira despreocupação esses velhos e gastoschavões. Deve ser frustrante lecionar história medieval! Pormais que se trabalhe e se publiquem evidências cm contrário,

1 Christophcr Knight c Robcrl Lomas. Second Messiah. pág. 71.

I.

Page 10: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

quase ti<lo o mundo continua a acreditar firmemente que aIdade Média foi um período intelectual e culturalmente vazio eque a Igreja não legou ao Ocidente senão métodos de tortura erepressão.

O que Knight e Lomas não mencionam é que. durante essa"Idade das Trevas", a Igreja desenvolveu o sistema universitário

europeu, autêntico dom da civilização ocidental ao mundo.Muitos historiadores se maravilham diante da ampla liberdadee autonomia com que se debatiam as questões naquelas uni-versidades. E foi a exaltação da razão humana e das suas ca-pacidades, o compromisso com um debate rigoroso e racional,a promoção da pesquisa intelectual e do intercâmbio entre osestudantes dessas universidades patrocinadas pela Igreja - foiisso que forneceu as bases para a Revolução Científica.

Nos últimos cinqüenta anos, praticamente todos os historia-dores da ciência - entre eles Alistair C. Crombie. David Lind-bcrg, Edward Grani. Stanley Jaki. Thomas Goldstcin c John L.Heilbron - chegaram à conclusão de que a própria RevoluçãoCientífica se deveu à Igreja. E a contribuição católica para aciência não se limitou às idéias - incluídas as teológicas quetomaram possível o método cientifico; muitos dos principaisinovadores científicos foram sacerdotes, como Nicolau Stcno,um luterano converso que se tornou sacerdote católico e é con-siderado o pai da geologia, ou Athanasius Kircher. pai da egip-

tologia, ou ainda Rogério Boscovich. considerado freqüente-mente o pai da teoria atômica moderna. A primeira pessoa amedir a taxa dc aceleração dc um corpo cm queda livre foi ain-da outro sacerdote, o pe. Giambattista Riccioli. E os jesuítasdominaram a tal ponto o estudo dos terremotos que a sismolo-gia ficou conhecida como "a ciência jcsuítica".

E isso não é tudo. Poucos conhecem as contribuições daIgreja no campo da astronomia, apesar de cerca dc trinta ecinco crateras da Lua terem sido descobertas por cientistas cmatemáticos jesuítas, dos quais receberam o nome. John L.Heilbron. da Universidade da Califórnia em Bcrkelev. comentouque "durante mais dc seis séculos - desde a recuperação dosantigos conhecimentos astronômicos durante a Idade Mé dia atéo Iluminismo -. a Igreja Católica Romana deu mais ajudafinanceira e suporte social ao estudo da astronomia do quequalquer outra instituição c. provavelmente, mais do que todasas outras juntas"2. Mesmo assim, o verdadeiro papel da Igrejano desenvolvimento da ciência continua a ser até hoje um dos

temas mais completamente silenciados pela historiografiamoderna.

2 John L. Heilbron. The Suu iu lhe Church: Cathedrals as Solar Observa- lories. Harvard Univcrsily Press. Cambridgc. 1999. p.ig. 3.

I.

Page 11: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Embora a importância da tradição monástica seja reconhe-cida cm maior ou menor grau nos livros dc História - lodo omundo sabe que. no rescaldo da queda de Roma. os mongespreservaram a herança literária do mundo antigo, para não di-

zer a própria capacidade de ler e escrever o leitor descobriránesta obra que a sua contribuição foi. na realidade, muito

maior. Praticamente não há ao longo da Idade Média nenhumempreendimento significativo para o progresso da civilizaçãocm que a intervenção dos monges não fosse decisiva. Os mon-ges proporcionaram "a toda a Europa [...] uma rede de indús-trias-modelo. centros de criação de gado. centros de pesquisa,fervor espiritual, a arte de viver [...], a predisposição para aação social, ou seja. [...] uma civilização avançada, que emer-giu das vagas caóticas da barbárie circundantc. São Bento, omais importante arquiteto do monacato ocidental, foi. sem dú-vida alguma, o pai da Europa. E os beneditinos, seus filhos,foram os pais da civilização européia"3.

O desenvolvimento do conceito dc Direito Internacional énormalmente atribuído aos pensadores e teóricos do direitodos séculos XVII c XVIII. Na realidade, porém, encontramos pelaprimeira vez esse conceito jurídico nas universidades es-panholas do século XVI. e foi Francisco dc Vitória, um sacerdotee teólogo católico e professor universitário, quem mereceu otítulo de pai do direito internacional. Em face dos maus- -traios

infligidos pelos espanhóis aos indígenas do Novo Mundo. Vitóriae outros filósofos c teólogos começaram a especulai acerca dosdireitos humanos fundamentais c dc como deveriam ser asrelações entre as nações. E foram esses pensadores que deramorigem à idéia do direito internacional tal como hoje oconcebemos.

Aliás, todo o direito ocidental é uma grande dádiva da Igre-  ja. O direito canônico foi o primeiro sistema legal moderno aexistir na Europa, demonstrando que era possível compilar umcorpo de leis coerente a partir da barafunda de estatutos, tra-dições. costumes locais etc. que caracterizava tanto a Igrejacomo o Estado medievais. De acordo com Harold Berman, "aIgreja foi a primeira a ensinar ao homem ocidental o que é umsistema legal moderno. Foi a primeira a mostrar que costumes,estatutos, decisões judiciais c doutrinas conflitantes podem serconciliados por meio de análise e síntese"4.

A própria idéia de que o ser humano tem direitos bem defi-nidos não se deve a John Locke c Thomas Jcffcrson - como

muitos poderiam pensar -. mas ao direito canônico. E muitos3 Róginald Grtfgoirc. Léo Moulin c Ravmond Oursel. The Monasiic

Realm. Riy/oli. New York. 1985. pàg. 277.4 Harold  J. Berman. The hueraction of Law and Religion. Abingdon

Press. Nashvillc. Tenncssee. 1974. pSg. 59.

I.

Page 12: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

outros princípios legais importantes do nosso direito tambémse devem à influência da Igreja, graças ao empenho milenardos eclesiásticos em substituir as provas cm juízo baseadas emsuperstições - como o ordálio -. que caracterizavam o ordena-

mento legal germânico, por procedimentos baseados na razãoc em conceitos legais elaborados.

Dc acordo com a história econômica tradicional, a economiamoderna teria sido criada por Adam Smith c outros teóricos doséculo XVIII. Estudos mais recentes, no entanto, vêmenfatizando a importância do pensamento econômico dos últi-mos cscolásticos. particularmente dos teólogos espanhóis dosséculos XV e XVI. Tem-se chegado até a designar esses pensa-dores - assim o faz o grande economista do século XX JoscphSchumpetcr - como os fundadores da moderna economia cien-tífica.

A maior parte das pessoas tem uma vaga noção das obrasassistcnciais da Igreja Católica, mas muitas vezes não sabecomo foi única a sua ação nesse campo. O mundo antigo for-nece-nos alguns exemplos dc liberalidade para com os pobres,mas tratava-se de uma liberalidade que procurava fama c reco-nhecimento para o doador, tendendo a ser indiscriminada c nãodirigida especificamente àqueles que passavam necessidade.Os pobres eram com excessiva freqüência tratados comdesprezo, c a simples idéia dc ajudar os necessitados sem ne-

nhuma expectativa de reciprocidade ou dc ganho pessoal eraalheia à mentalidade da época. Mesmo William Leckv, um his-toriador do século XIX sempre hostil à Igreja, chegou a admitirque a dedicação aos pobres - tanto no seu espirito como nosseus objetivos - constituiu algo novo no mundo ocidental erepresentou um avanço surpreendente com relação aos pa-drões da antigüidade clássica.

Em todas essas áreas, a Igreja imprimiu uma marca indelé-vel no próprio coração da civilização européia. Um recente livrode história da Igreja Católica tem por título Triumph ["Triunfo"]:é um título extremamente apropriado para resumir o percursode uma instituição que tem no seu haver tantos homens emulheres heróicos e tantas realizações históricas. Até agora,encontramos relativamente poucas dessas informações noslivros dc texto que a maioria dos estudantes tem de estudar no

ensino médio e superior.A Igreja Católica configurou a civilização em que vivemos c o

nosso perfil humano de muitas maneiras além das que costu-mamos ter presentes. Por isso insistimos em que ela foi o cons-

I.

Page 13: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

trutor indispensável da civilização ocidental. Não só trabalhoupara reverter aspectos moralmente repugnantes do mundo an-ligo - como o inlanlicidio c os combates de gladiadores masrestaurou e promoveu a civilização depois da queda de Roma.

 Tudo começou pela educação dos bárbaros, c é neles que nosdetemos ao iniciarmos este livro.

UMA LUZ NAS TREVAS

"IDADE DAS TREVAS*

A expressão "Idade das trevas" chegou a ser aplicada a todoo milênio que transcorreu entre o fim da Antigüidade e o Re-nascimento. No entanto, tem crescido muito o reconhecimentodas realizações da alta Idade Média, entre os séculos VI e X. e,em conseqüência - como comenta David Knowlcs -. os histo-riadores têm empurrado cada vez mais para trás essa duvidosadistinção, excluindo dela os séculos VIII. IX e X.

Quanto aos séculos VI e VII. porém, restam poucas dúvidasdc que foram marcados por um retrocesso cultural e intelectual.como se pode observar na educação, na produção literária c emoutros âmbitos semelhantes. Terá sido culpa da Igreja? Já hádécadas, o historiador Will Durant. um agnóstico, defendeu aIgreja dessa acusação, atribuindo a causa do declínio, não a ela- que fez de tudo para impedi-lo -, mas âs invasões bárbaras dofim da Antigüidade. "A principal causa do retrocesso cultural -explica Durant - não foi o cristianismo, mas a invasão bárbara;não a religião, mas a guerra. Os aluviões humanos arruinaramou empobreceram cidades, mosteiros, bibliotecas. escolas, ctornaram impossível a vida dos estudantes c dos cientistas. Masa ruína talvez fosse muito maior se a Igreja não tivesse mantidouma cena ordem em uma civilização que se desintegrava"5.

5 Will Durant. Catsar and Chríst. MJF Book». New York. 1930. pàg.79.

I.

Page 14: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Por volta dos fins do século 11. a balbúrdia dc tribos germâ-nicas que se deslocavam da Europa central para o Ocidente, no

que se chamou a Võlkerwanderitng - a "migração dos povos" -,começou a pressionar as fronteiras romanas no Reno c noDanúbio. Nos séculos seguintes, como os generais romanos sededicavam a fazer e desfazer imperadores, ao invés dc pro-tegerem as fronteiras, os bárbaros começaram a infiltrar-seatravés dos vazios abertos nas defesas do Império. Essas inva-sões apressaram o colapso de Roma e puseram a Igreja diantede um desafio sem precedentes.

O impacto das incursões bárbaras sobre o Império Romanovariou de acordo com cada tribo germânica. Os godos. que ti-nham sido autorizados a estabelecer-se dentro das fronteiras doImpério cm 376. mas se revoltaram contra as autoridadesimperiais em 378, não eram hostis aos romanos, antes respei-tavam e admiravam Roma c a cultura clássica: Alarico. o generalgodo que viria a saquear Roma em 410. depois de tomar Atenas,dedicou-se a explorar a famosa cidade, a admirar os seusmonumentos, a assistir ao teatro e a ouvir a leitura do 77- meu,de Platão*. Já os vândalos nutriam uma inimizade implacável por

tudo o que não fosse germânico: saquearam a cidade de Romacm meados do século V c depois conquistaram o norte da África,instaurando ali uma autêntica política de genocídio.

Quando a divisão do Império Romano do Ocidente em umacolcha de retalhos de reinos bárbaros passou a ser um fatoconsumado e a ordem política quase desapareceu, bispos,sacerdotes c religiosos lançaram-se a restabelecer sobre as ruí-nas os alicerces da civilização. O homem que consideramos o"pai da Europa". Carlos Magno, embora não estivesse comple-lamcntc livre de resquícios bárbaros, estava ao menos tão per-suadido da beleza, verdade e superioridade da religião católicaque fez todo o possível para construir sobre ela a nova Europapós-impcrial.A CONVERSÃO DOS PRIMEIROS BÁRBAROS

Os "bárbaros" que tomaram o Império eram povos rurais ounômades, de língua germânica, sem literatura escrita e compouca organização política afora a lealdade a um chefe. Dcacordo com algumas teorias etimológicas, romanos e gregos, ao

ouvirem as línguas desses povos, só entendiam "bar bar bar", epor isso os apelidaram de barbari. Na sua maioria, eram

II IJMA LUZ NAS TREVAS 14

Page 15: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

também guerreiros, e a sua ferocidade chocava os romanos jácristianizados. No dizer de Christophcr Dawson, "a Igreja teveque incumbir-se da tarefa de introduzir a lei do Evangelho e a

ética do Sermão da Montanha entre povos que consideravam ohomicídio como a mais honrosa das ocupações c a vingançacomo sinônimo de justiça".

Quando os visigodos saquearam Roma, em 410, São Jerôni-mo, que se encontrava cm Belém, manifestou-se profundamentetriste e chocado: "Um terrível rumor chega do Ocidente. Romaestá cercada. Os cidadãos salvam a vida a troco dc ouro. mas.depois dc espoliados, voltam a ser sitiados c perdem a vidadepois de terem perdido as riquezas. Não consigo continuar. ossoluços interrompem o meu ditado [ao amanuense que escrevea carta]. Foi tomada a Cidade que tomou o mundo inteiro!" 1 ESanto Oricncio. bispo de Auch, escreveu na primeira década doséculo V sobre a invasão da Gâlia pelos francos: "Vede como amorte se abateu de repente sobre o mundo inteiro, quantaspessoas foram ceifadas pela violência da guerra. Nem as densase selvagens florestas, nem as altas montanhas, nem os rios quese lançam impetuosamente pelas corredeiras. nem as fortalezasnas remotas alturas, nem as cidades protegidas pelas suas

muralhas, nem os confins do mar. nem a triste solidão dodeserto, nem os buracos abertos no chão. nem as cavernas sobos íngremes rochedos conseguiram escapar aos ataquesbárbaros"6.

Os francos que se instalaram na Gália (a atual França) eramo mais numeroso desses povos. Ao contrário da maior parte dastribos vizinhas, não se tinham convertido ao arianis- mo - aheresia que negava a divindade de Cristo, reduzindo-o a um"espirito superior" ou "primeira criatura" de Deus e por issopareciam mais inclinados a receber a fé. Além disso, os galo-romanos cristãos ainda constituíam a imensa maioria dos seussúditos. Assim, quando Clóvis (cerca dc 466-511) se tornou reidos francos, em 481. os bispos gaulcscs vislumbraram a suaoportunidade. São Remígio, bispo de Rcims, escreveu uma cartade congratulações ao novo rei, lembrando-lhe como seriabenéfico se colaborasse c cooperasse com o epis- copado:"Manifesta defcrência para com os teus bispos» recorrendosempre a eles cm busca de conselho. E. se estiveres cm

6 Jocdvn N. Hillgarth. cd.. Christianiiy and Paganism 350 750. pág.70.

II. UMA I.UZ NAS TREVAS 15

Page 16: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

harmonia com eles. a tua terra prosperará". Efetivamente, sob oseu reinado, os gaulcscs foram equiparados aos seus con-

quistadores germânicos quanto a direitos e deveres. ao contrá-rio do que aconteceu nos demais reinos bárbaros.

Alguns historiadores conjecturaram que o casamento deClóvis com a bela. piedosa c católica Clotilde teria sido inspiradoe arranjado pelos bispos, visando converter à fé o seu ré- gioesposo. Embora as considerações políticas tivessem certamentedesempenhado o seu papel, Clóvis parece ter tido umaconversão genuína, motivado pelo que ouviu sobre a vida deCristo; conta-se que. quando lhe relataram a crucifi.xâo. teriaexclamado: "Ah. se eu tivesse estado ali com os meus francos!"

 Tardou uns três a quatro anos. mas finalmente recebeu o ba-tismo. provavelmente em 496. Segundo São Grcgório de Tours.o bispo São Remígio ter-lhe-ia dito antes dc balizá-lo: "Abaixa acabeça, ó sicâmbrio! Adora o que queimaslc e queima o queadorasle".

Ainda haviam de passar outros quatrocentos anos até quetodos os povos bárbaros da Europa Ocidental se convertessem,mas era um inicio auspicioso. Santo Avito. um destacado bispo

gaulês. reconheceu a importância da conversão de Clóvisquando lhe disse: "Graças a ti. este canto do mundo resplande-ce com grande fulgor c a luz de uma nova estrela cintila noOcidente. Ao cscolhercs para ti mesmo, cscolhcste para todos. Atua fé é a nossa vitória!"

Como os povos bárbaros se identificavam fortemente comos seus reis. em geral bastava que o monarca sc convertessepara que todo o povo o seguisse. Esse processo, no entanto.nem sempre se irnplaniava facilmente nem era homogêneo; nosséculos seguintes, os sacerdotes católicos francos celebravam amissa para os seus. mas continuavam a oferecer tambémsacrifícios aos antigos deuses da natureza... Não bastava, pois,converter nominalmente os bárbaros; a Igreja teve quecontinuar a guiá-los. tanto para garantir que a conversão seconsolidasse como para assegurar que a fé começasse a trans-formar-lhes o modo de vida e as instituições.

A linhagem dos reis merovíngios, à qual pertencia Clóvis.perdeu o seu vigor ao longo dos séculos VI e VII. Eram gover-

nantes incompetentes c, além disso, lutavam ferozmente entresi: não era incomum que queimassem vivos os membros de fa-

II IJMA LUZ NAS TREVAS 16

Page 17: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

mílias rivais. No transcorrer das suas lutas pelo poder, muitasvezes concediam aos aristocratas francos poder c territórios emtroca de apoio, e em conseqüência enfraqueciam-se cada vez

mais. O historiador Norman Cantor chegou a descrevê-los nasua última fase como um conjunto de mulheres, crianças edébeis mentais.

Infelizmente, a dcgenercscência dos merovíngios afetoutambém a Igreja. No século VII. os sacerdotes francos, infecta-dos pela depravação c imoralidade, foram caindo numa situaçãocada vez mais desesperadora. O estado do episcopado não eramuito melhor, pois os homens competiam entre si para assumiro controle dos bispados, que para eles representavamunicamente poder secular e riqueza. A Igreja franca só seriareformada por missionários irlandeses c anglo-saxões. que porsua vez tinham recebido a fé católica do continente.

Apesar dc tudo. no século VIII o Papado recorreu aos francoscm busca de proteção e de uma aliança que permitisse res-taurar a civilização cristã. A Igreja tinha desfrutado dc um re-lacionamento especial com os últimos imperadores romanos e.após o colapso do Império Romano do Ocidente, mantivera essebom relacionamento com a única reminiscência da autoridade

"romana", que passara a ser o imperador do Oriente, cmConstantinopla. Mas. no século VII. o Império do Oriente - quenunca chegou a ser conquistado pelos bárbaros germânicos -vinha lutando pela sua própria sobrevivência contra os árabes eos persas, e deixara dc poder oferecer à Igreja uma proteçãoeficaz; pior ainda, os basileus bizantinos julgavam-se no deverde intervir constantemente na vida da Igreja em áreas queestavam claramente lora da competência do Estado. Assim.alguns eclesiásticos acharam que tinha chegado o momento dcprocurar ajuda em outro lugar.

A RENASCENÇA CAROLÍNGIA

A Igreja tomou entào a importante decisão de afastar-se dosimperadores de Constantinopla c procurar a proteção ecooperação dos francos, que. ainda semi-bárbaros, se haviamconvertido ao catolicismo No século VIII, a Igreja abençoou atransferência oficial do poder da dinastia merovíngia para a

família carolíngia: a família de Carlos Martel - que. em 732.havia infligido a famosa derrota aos muçulmanos cm Tours - e

II. UMA I.UZ NAS TREVAS 17

Page 18: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

de Carlos o Grande, ou Carlos Magno, que viria a tornar-se o paida Europa.

Os carolíngios tinham sabido beneficiar-se do declínio dosmerovíngios. Avocando para si o posto hereditário dc prefeito dopalácio - um cargo semelhante ao de primeiro ministro -. edemonstrando-se muito mais hábeis e competentes que os pró-prios reis. vinham resolvendo cada vez mais os assuntos ordi-nários dc governo, a tal ponto que. cm meados do século VIII. jána posse do poder exercido pelos reis. procuraram alcançar otítulo correspondente. Pepino o Breve, o prefeito do palácio cm751. escreveu ao papa Zacarias I perguntando-lhe se era bomque um homem sem poder fosse chamado rei, e um homemcom poder estivesse privado desse título. Entendendo muitobem aonde Pepino queria chegar, o papa respondeu-lhe que asituação que descrevia não era boa e que os nomes das coisasdeveriam corresponder à realidade. Desse modo. fazendo usoda sua reconhecida autoridade espiritual, deu a sua bênção àmudança de dinastia no reino dos francos. O último reimerovíngio retirou-se silenciosamente para um mosteiro.

Foi assim que a Igreja facilitou a transferência pacifica do

poder dos decrépitos merovíngios para as mãos dos carolíngios.com os quais, nos anos seguintes, os eclesiásticos viriam atrabalhar tão intimamente para a restauração da vida civilizada.Sob a influência da Igreja, esse povo bárbaro converteu-se emconstrutor da civilização. Carlos Magno (rei 768- -814). talvez omaior de todos os francos, personificou esse ideal. (Com asanexações territoriais que fez, o reino franco es-j tendeu-se daassim chamada Marca Espanhola, a leste, através da França dostempos modernos, até ao norte da Itália, à Suí ça c a grandeparte da Alemanha). Embora não soubesse escrever - ainda queuma lenda popular, claramente apócrifa, o apresente corrigindotraduções bíblicas no último ano da sua vida fomentouvigorosamente a educação e as artes, solic* tando aos bisposque organizassem escolas ao redor das suas catedrais. Comoexplica o historiador Joscph Lynch, "a escritr as cópias dc livros,os trabalhos artísticos e arquitetônicos c o pensamento doshomens educados nas escolas das catedrais ou monásticasincentivaram uma mudança na qualidade e na intensidade da

II IJMA LUZ NAS TREVAS 18

Page 19: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

vida intelectual"7.O resultado desse estímulo ã educação c às artes é conheci

do como Renascença Carolingia, e estendeu-se do reinado de

Carlos Magno ao de seu filho, Luis, o Piedoso (rei 814-840). Talvez a figura intelectual central da Renascença Carolingia te-nha sido Alcuino (cerca de 735-804). um anglo-saxão educadoem York por um pupilo de Beda o Venerável. o grande santo ehistoriador eclesiástico, uma das maiores inteligências do seutempo. Alcuino era o diretor da escola da catedral de York, emais tarde tornou-se abade do mosteiro dc São Martinho de

 Tours. Além dc dominar uma grande variedade dc assuntos,também sc destacava como professor dc latim, tendo assimiladoas bem-sucedidas técnicas dos seus predcccssorcs irlandeses eanglo-saxões. Ensinar ao povo germânico um latim gra-maticalmente correto - habilidade difícil dc adquirir durante osinstáveis séculos VI e VII - foi um elemento essencial daRenascença Carolingia.

O conhecimento do latim tornou possível o estudo tanto dosPadres da Igreja latinos como do mundo da antigüidade clássica.Com efeito, as mais antigas cópias da literatura romana quechegaram até nós datam do século IX. período em que os

estudiosos carolingios resgataram essas obras do esquecimento."As pessoas nem sempre são conscientes - escreveu KennethClark - de que existem apenas três ou quatro manuscritos dosantigos autores latinos: todo o nosso conhecimento t)n literaturaantiga se deve ao trabalho de compilação e transcrição iniciadodurante o reinado de Carlos Magno, e é por MKo que quasetodos os textos clássicos que tinham sobrevivido ate o séculoVIII continuam vivos atualmente"6, t A educação carolingiainspirou-se nos modelos da antiga [Roma. nos quais sedescobriram as sete artes liberais: o qua- dnviuin daastronomia, música, aritmética e geometria, e o iri- vumi dalógica, gramática c retórica. Dada a especial urgência Mmfomentar a educação literária, o quadriviuni foi muitas vc-

abordado superficialmente nos primeiros anos desse rcflo-tvscimento da instrução. Mas foi esse o terreno sobre o qualViria a construir-se o futuro progresso intelectual. p Outroresultado substancial da Renascença Carolingia foi a Inovaçãona escrita, que ficou conhecida como a "minúscula curolingia".

7(5>• Joscph H Lynch. The Medieval Church: A Brief Historv.Longmun. Lon- don. 1992. pág. 89.

II. UMA I.UZ NAS TREVAS 19

Page 20: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Anteriormente, o isolamento geográfico havia contribuído para aproliferação de escritas por toda a Europa oci- ilisntal. o que

tornava difícil ler c compreender um texto7. Tanto mais que,além de não haver minúsculas, também não havia pontuaçãonem se deixavam espaços em branco entre as palavras*.

Freilegiso (?-834). o sucessor de Alcuino como abade de SãoMartinho. desempenhou um papel capital no desenvolvimento C

na difusão da minúscula carolingia, com o que a EuropaOcidental passou a dispor de textos que podiam ser lidos c es-critos com relativa facilidade. As letras minúsculas, mais os es-

' (6) Kcnncth Clark. CivlUwion: A Pitsohal Vicw. Harpcr Pcrennial. New York. 1969. pág. 18.! (7) Joscph II Lynch. 7/x- Medieval Church. pág. 95.

(8) David Knowlcs escreve que foi Alcuino quem "insistiu nanecessidade de hoas cópias dc iodos os melhores modelos no campodos livros-texto. montando ele próprio excelentes scriptoria cm muitoslugares". Conferiu "um novo impulso c uma nova técnica à cópia demanuscritos, que prosseguiu sem dc- t ti Intento em muitos mosteiros,dc modo mais metódico c com mais amplo al- iancc do que antes: c teveum instrumento dc grande poder na assim chamada minúsculacarolingia. que. na verdade, deve muito à escrita da Irlanda c do noile daÚmbria. Com Alcuino começou a grande era das cópias dos manuscritoslatinos. patrísticos e clássicos, c esse gradual acúmulo de livros escritoscom mais clareza (e correção) foi de um valor inestimável quando, doisséculos mais latdc. chegou o ivnascimento mais amplo" (David Knowles,The E\t>- luiion of Medieval Thoughi. t ed„ Longman. I.ondon. I988. pág.69).paços entre as palavras c outras medidas destinadas a aumentara legibilidade, aceleraram tanto a leitura como a escrita. Dizemdois estudiosos modernos que passou a haver "insuperávelgraça e clareza, certamente decisivos para a sobrevivência daliteratura clássica, que pôde assim plasmar-se numa forma quetodos podiam ler com facilidade e prazer"8. "Não haveria exagero- escreve Philippc Wolff - em relacionar essa inovação com ainvenção da própria imprensa, como dois passos dccisivos para oprogresso de uma civilização baseada na palavra escrita"9. Aminúscula carolingia - desenvolvida pelos monges - foi, pois.

8 Lcighion Durhum Reynolds c Nigcl G. Wilson. Scribes andSchofars: A Cuide Io lhe Transmission of Creek and IMIÍII Ulcralure. 3* cd..

Clarendon Press. Oxford. 1991. pág. 95.9 Phi lippc Wolff . The Awakening of Eumpe. IXlhXIllh Centuries.Pcn- guin Books. New York. 1968. pág. 57

II IJMA LUZ NAS TREVAS 20

Page 21: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

crucial para a difusão da cultura na civilização ocidental.Os historiadores da música falam com freqüência da desa-

fortunada "ânsia dc prestígio" que leva muitos compositores a

querer imitar os gênios e os prodígios. Fenômeno similar se deuno campo das letras durante a Renascença Carolingia. Einhard, obiógrafo de Carlos Magno, moldou claramente o seu trabalhopela Vida dos Césares, dc Suclònio. chegando mesmo a plagiarparágrafos inteiros da obra do antigo romano. Mas de que outromodo poderia ele, um bárbaro, alcançar a elegância c a mestriade uma civilização tão rica e completa?

Mas os católicos da época dc Carlos Magno, apesar das suasnotórias carências, aspiravam ao nascimento de uma civilizaçãomuito maior que as da Grécia e da Roma antigas, porque, comodizia Alcuino, eles possuíam um valor que os antigos nãopossuíam: a fé católica. Modclaram-se conforme a antiga Atenas,mas estavam convencidos de que seriam maiores que Atenas,pois possuíam uma pérola de grande preço que não estava aoalcance dos seus predcccssorcs gregos, apesar de todos os seusêxitos. O entusiasmo dc Alcuino era tão grande que o levou aescrever a Carlos Magno, em termos extravagantes. sobre oscumes da civilização que ele achava possível atingir:

"Sc muitos sc deixarem contagiar por essa aspiração,criar-sc-á na França uma nova Atenas, uma Atenas maisrefinada que a antiga, porque, enobrecida pelos ensinamen-tos dc Cristo, superará toda a sabedoria da Academia. Osantigos tiveram por mestres apenas as disciplinas de Platão,que, inspiradas nas sete artes liberais, ainda brilham comesplendor: mas os nossos estarão dotados também dos setedons do Espírito Santo e superarão em brilho toda adignidade da sabedoria secular"".

O espírito da Renascença Carolingia nunca arrefeceu, apesardos terríveis golpes infligidos pelos invasores vikings, ma- giaresc muçulmanos nos scculos IX e X. Mesmo nos dias maistenebrosos dessas invasões, o espírito de estudo permaneceusempre vivo nos mosteiros e assim tornou possível o seu plenorenascimento cm tempos mais calmos.

A LENTA RECONQUISTA DO CONHECIMENTO

II. UMA I.UZ NAS TREVAS 21

Page 22: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Depois da morte dc Carlos Magno, a iniciativa da difusão doconhecimento recaiu cada vez mais sobre a Igreja. Diversos

concílios locais clamaram pela abertura de escolas, como ocor-reu num sínodo na Bavária (798) ou nos concílios de Chãlons(813) e Aix (816)10. O amigo de Alcuino. Tcodulfo, bispo dcOrleans c abade de Fleurv, também incitou a expandir a edu-cação: "Nas aldeias e cidades, os sacerdotes devem abrir esco-las. Sc algum dos fiéis lhes confiar os seus filhos para queaprendam letras, não devem recusar-se a instruir esses pupiloscom absoluta clareza, usando de toda a caridade [...]. Desem-penharão essa tarefa sem pedir nenhum pagamento c, se rece-berem alguma coisa, que sejam apenas pequenos presentesoferecidos pelos pais"11.

Como educadora da Europa, a Igreja foi a única luz quesobreviveu às constantes invasões bárbaras dos séculos IV e V e.nos séculos IX e X. às mais devastadoras ondas dc ataques,desta vez dos vikings. magiares c muçulmanos, como dissemosacima. (Para se ter urna idéia do que loram estas invasões, te-nha-se em conta que um dos mais conhecidos guerreiros vikingsera chamado Thorfin Qucbra-cránios). A visão certeira e a

determinação dos bispos, monges, padres, estudiosos e admi-nistradores civis católicos salvaram a Europa de um segundocolapsoTudo isso se deveu às sementes da instrução plantadaspor Alcuino. Como escreveu um erudito, "havia apenas umatradição disponível: a que provinha das escolas fomentadas porAlcuino"'5.

Após o declínio do Império carolíngio, segundo o historiadorChristophcr Dawson. os monges iniciaram a recuperação dosaber:

"Os grandes mosteiros, especialmente os do sul da Ale-manha - Saint Gall» Rcichcnau e Tcgcrnsce -. foram asúnicas ilhas remanescentes da vida intelectual no meio dorefluxo do barbarismo que, mais uma vez, ameaçava sub-mergir a Cristandadc. Porque, embora a vida monásticapareça à primeira vista uma instituição pouco apta para re-sistir à destruição material de uma época dc guerras c semlei. demonstrou possuir um extraordinário poder de recu-

10 Philippc Wolff. lhe Awakmlng ol Europe. págs. 48-49.11 David Knowlcs. The Evoluiion of Medieval TJtoughi, pág. 66.

II IJMA LUZ NAS TREVAS 22

Page 23: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

peração"

Esse poder dc recuperação dos mosteiros manifestou-sc narapidez e intensidade com que trabalharam para reparar a de-vastação das invasões e o colapso político.

"Noventa c nove de cada cem mosteiros podiam serqueimados e os seus monges assassinados ou expulsos, masbastava que ficasse um único sobrevivente para que sereconstruísse toda a tradição; c os lugares arrasados nãotardavam a ser repovoados por novos monges, que retoma-vam a tradição interrompida, seguindo as mesmas regras,cantando a mesma liturgia, lendo os mesmos livros e tendoos mesmos pensamentos que os seus prcdecessores. Foi as-sim que a vida monástica c a cultura monacal retornaram naépoca de São Dunstan à Inglaterra e i\ Normandia, vindos deFleury c Ghent. depois de mais dc um século de completadestruição; dai resultou que. um século mais tarde. osmosteiros normandos c ingleses se contavam novamenteentre os líderes da cultura ocidental"12.

Esta preservação da herança clássica ocidental c das reali-zações da Renascença Carolingia não foi coisa simples. Hordasde invasores saquearam muitas vezes os mosteiros c incendia-ram bibliotecas, cujos volumes eram mais preciosos para a co-munidade intelectual daquele tempo do que podem imaginar osleitores modernos, tão acostumados a ofertas baratas eabundantes de livros. Dawson tem toda a razão cm dizer queforam os monges que preservaram da extinção a luz do conhe-cimento.

Uma das luminárias do primeiro estágio da reconquista foiGerbcrto dc Aurillac, que mais tarde se tornaria o papa Silves-tre // (999-1003). Era sem dúvida o homem mais culto da Europana sua época, tcndo-sc tornado famoso pela vastidão dos seusconhecimentos, que abrangiam astronomia, literatura latina.matemática, música, filosofia e teologia. A sua fome demanuscritos antigos evoca-nos o entusiasmo do século XV.quando a Igreja oferecia recompensas aos humanistas que re-cuperassem textos antigos.

A partir dos anos 970. Gerbcrto dirigiu a escola cpiscopal de

12 Christophcr Dawson. Religion and lhe Rise of Western Ctdtttrc:grifo

II. UMA I.UZ NAS TREVAS 23

Page 24: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Reims - onde estudara lógica avançada -. e pôde dedicar-seinteiramente ao estudo e ao ensino. "A fé faz. viver o justo - d izia

-. mas é bom adicionar-lhe a ciência""1. Pós muita ênfase nocultivo da capacidade de raciocínio, que não em vão foi dada aohomem por Deus: "A divindade concedeu um grande dom aoshomens, concedendo-lhes a fé c. ao mesmo tempo, não lhesnegando o conhecimento - escreveu -. Aqueles que não opossuem são chamados tolos"

Em 997. o imperador alemão Otto III escreveu-lhe implo-rando a sua ajuda. Desejando ardentemente a sabedoria, recor-reu ao futuro papa: "Sou um ignorante - confessou e a minhaeducação foi cnormcmcntc negligenciada. Vem e ajuda-me.Corrige o que esteja errado c dá-me conselhos para que governeo império com retidão. Despe-me da minha grosseria saxô- nicac fomenta as coisas que herdei dos meus antepassados gregos.Explica-me o livro dc aritmética que me enviaste". Gerbcrtoacedeu alegremente ao pedido do rei. "Sendo grego pornascimento c romano pelo Império - assegurou-lhe -. podes pe-dir por direito de herança os tesouros dos gregos c a sabedoriados romanos. Não é verdade que há neles algo de divino?"13

A dedicação dc Gerbcrto ao ensino e a influencia que exer-ceu nos professores e pensadores posteriores foram emblemá-ticas na recuperação dc um século dc invasões da Europa, umarecuperação que teria sido impossível sem a inspiração daIgreja.

O trabalho c as intenções da Igreja viriam a trazer os seusmaiores frutos no desenvolvimento do sistema universitário,como veremos daqui a pouco; mas antes analisemos as semen-tes da instrução plantadas pelos mosteiros.

13 Philippc Wolff. The Awakening of Eurot v. págs. 177-178.

II IJMA LUZ NAS TREVAS 24

Page 25: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

COMO OS MONGES SALVARAM A CIVILIZAÇÃO

Os monges desempenharam um papel crucial no desenvol-vimento da civilização ocidental. A julgar pelas práticas dc as-cesc a que se dedicavam, dificilmente se poderia imaginar oenorme impacto que viriam a provocar no mundo exterior. Masesse fato histórico surpreende menos quando nos lembramosdas palavras dc Cristo: Procurai primeiro o reino dos céus e tudoo mais vos será dado por acréscimo. Essa é. cm poucas

palavras, a história dos monges.

INÍCIOS DO MONAQUISMO

As formas mais antigas da vida monástica surgem já no sé-culo III14. Encontramo-las cm São Paulo dc Tcbas c no maispopularmcnte conhecido Santo Antão do Egito (também co-nhecido por Santo Antão do deserto), que viveu entre os mea-dos do século III c os do IV. c se fez eremita. retirando-se para osdesertos do Egito em busca da sua perfeição espiritual pessoal;o que não impediu que o seu grande exemplo tivesse levadomilhares a juntar-se a ele.

A vida dos cremitas tinha por característica que se retira-vam para um lugar remoto e solitário, a fim dc poderem re-nunciar às coisas mundanas c concentrar-se intensamente na jsua vida espiritual. Viviam sozinhos ou cm grupos de dois ou itrês, habitavam em cavernas ou cm cabanas simples, c susten-

14(2 )'lbid., pág. 140.

III.

Page 26: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

tavam-sc com o que pudessem produzir nos seus pequenos |campos ou com trabalhos como o fabrico manual de cestos. A

ausência de uma autoridade que dirigisse o seu regime espiri-1tua! levou alguns deles a observar práticas espirituais c peni- ;tenciais pouco comuns. De acordo com Philip Hughes, umcompetente historiador da Igreja, "havia cremitas que mal co-miam ou dormiam, c outros que permaneciam imóveis por se-manas a fio ou se fechavam cm tumbas c lá permaneciam du-rante anos. recebendo apenas um mínimo de comida atravésdc fendas na parede"1.

O monaquismo ccnobilico - monges que passaram a viver juntos num mosteiro -. com o qual estamos mais familiarizados.desenvolveu-se cm parte como uma reação contra a vida doscremitas c cm reconhecimento de que os homens devem viverem comunidade. Essa foi a posição de São Basílio o Grande,que desempenhou um papel importante no desenvolvimento domonaquismo oriental. Não obstante, a vida crcmítica nuncadesapareceu completamente; mil anos depois de São Paulo dc

 Tebas. um eremita foi eleito papa. com o nome dc Celestino V.O monaquismo oriental influenciou o Ocidente de muitas

maneiras: através das viagens de Santo Atanásio, por exemplo,e dos escritos de João Cassiano - um homem do Ocidente queconhecia bem as praticas orientais. Mas o monaquismo oci-dental deve muito mais a um dos seus próprios monges: SãoBento de Núrsia. São Bento estabeleceu doze pequenas co-munidades de monges em Subíaco, a trinta c oito milhas deRoma. c depois, cinqüenta milhas ao sul, foi fundar MonteCnssino. o grande mosteiro pelo qual é lembrado. Foi aqui, poivolta do ano 529, que compôs a famosa Regra de São I lento,cuja excelência se reflete no fato dc ter sido universalmenteadotada em toda a Europa Ocidental nos séculos posteriores.

A moderação dessa Regra, assim como a sua estrutura cIordem, facilitou a sua difusão pela Europa. Contrariamente nosmosteiros irlandeses, que eram conhecidos pelas suas severasprivações (mas que, apesar disso, atraíram um considerável  jnúmero de homens), os mosteiros beneditinos asseguravamnos seus monges alimentação e descanso adequados, aindaque durante os tempos penitenciais o regime pudesse tornar-se

mais austero. O monge beneditino típico vivia num nível matc- iial comparável ao dos camponeses italianos da época, j" Cada

III.

Page 27: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

mosteiro beneditino era independente de todos os outros ctinha um abade que cuidava dos assuntos da casa c da boa

ordem. Anteriormente, os monges tinham a liberdade depcrambular de um lugar para outro, mas São Bento concebeuum estilo de vida monástico em que cada um permanecia fixono seu próprio mosteiro15.

São Bento também eliminou da existência do monge qual-quer vestígio do seu passado no mundo, quer tivesse sido dcgrande riqueza ou de servidão c miséria, porque todos eramiguais cm Cristo. O abade beneditino "não deve fazer distinçãoentre as pessoas do mosteiro [...]. Um homem livre não deveser preferido a outro nascido em servidão, a menos que hajaalguma causa razoável. Porque, sejamos escravos ou livres, so-mos todos um em Cristo [...]. Deus não faz acepção de pes-soas".

Ao retirar-se para um mosteiro, o monge propunha-se culti-var uma vida espiritual mais disciplinada e dedicada a trabalharpela sua salvação num ambiente e sob um regime que fa-vorecesse esse propósito. A intenção dos monges não era levara cabo grandes façanhas cm benefício da civilização européia.

embora tivesse chegado um momento cm que viriam a abraçar otrabalho para o qual os tempos pareciam chamá-los.

Durante um período dc grande turbulência, a tradição be-neditina manteve-se intacta e as suas casas permaneceramcomo oásis dc ordem e de paz. Pode-se dizer de Monte Cassino.a casa-mác dos beneditinos, que a sua própria história refletiuessa permanência. Saqueada pelos bárbaros lombardos cm 589.destruída pelos sarraccnos cm 884. arrasada por um terremotocm 1349, pilhada pelas tropas francesas cm 1779 e arrasadapelas bombas da Segunda Guerra Mundial cm 1944. MonteCassino recusou-se a desaparecer, pois dc cada uma dessasvezes os seus monges tomaram a reconstruí-lo16.

As simples estatísticas dificilmente podem fazer justiça ásrealizações beneditinas, mas a verdade c que. nos começos do

15 No início do s&ulo X. com o estabelecimento do mosteiro deCiuny, intKxlu7.iu-sc um certo grau de centralização na tradiçãobeneditina. O abade de Cluny possuía autoridade sobre todos asmosteiros afiliados Aquela casa. designando priores para dirigir as

atividades cotidianas de cada um.16 Will Duiant. The Age of Failh. MJF Books. New York. 1950. pág.519.

III.

Page 28: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

século XIV, a Ordem já proporcionara à Igreja 24 papas. 200cardeais. 7.000 arcebispos. 1.000 bispos e 1.500 santos cano-

nizados: c. em começos do século XIV. teria contado 37.000mosteiros, número talvez exagerado. E a sua influência não sedeu somente dentro da Igreja; o seu ideal monástico foi tãoexaltado cm toda a sociedade que chegou a ser perfilhado porperto de vinte imperadores, dez imperatrizes, quarenta e setereis c cinqüenta rainhas3. Grande parte dos mais poderosos daEuropa acolheram-se. pois, à vida humilde c ao regime espiritualda Ordem beneditina, como tinha acontecido entre os bárbaroscom figuras como Carlomano dos francos c Rochis doslombardos17.

AS ARTES PRÁTICAS

Embora as pessoas instruídas pensem que toda a contribui-ção dos mosteiros medievais para a civilização ocidental se cir-cunscrevcu à busca da erudição c da cultura, não se deve passarpor alto o impulso que deram às chamadas artes prãticas. A

agricultura c um exemplo particularmente significativo. No iniciodo século XX, Henrv Goodell, presidente do que então era oMassachusctts Agricultural Collcge. exaltou "o trabalho daquelesgrandes velhos monges ao longo dc 1500 anos. Eles salvaram aagricultura quando ninguém mais poderia fazê-lo. Praticaram-nano contexto dc uma nora forma dc vida c dc novas condições,quando ninguém mais ousava empreendê-la"18.

É expressivo o testemunho dc outro especialista: "Devemosaos monges a recuperação agrícola dc grande parte da Europa".Outro acrescenta ainda: "Em qualquer lugar em que estiveram.converteram terra bravia cm campos cultivados: dedicaram-se àcriação de gado c à agricultura, trabalharam com as suaspróprias mãos. drenaram pântanos e desmaiaram florestas. Poreles a Alemanha tornou-se um pais fértil". Outro historiadoraponta que "todos os mosteiros beneditinos eram uma escola de

17*Alcxandcr Clarence Flick. The Rise of lhe Mediex-al Church. BurtFrank- lin. New York. 1909, pág. 216.

18 Hcnrv II. Goodell. The Inllucnce of lhe Monks in Agricullurc". dis-

curso pronunciado diante do Massachusctts Siaie Board oí Agricullurc,23.08.1901. cm The Goodell Papers. Univcrsit.v oí Massachusctts.Amhcrst.

III.

Page 29: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

agricultura para toda a região na qual estavam situados"'. Noséculo XIX, o político c historiador francês François Guizot, que

não tinha especial simpatia pela Igreja Católica, observou: "Osmonges beneditinos foram os agricultores da Europa:transformaram-na em terras de cultivo cm larga escala,associando agricultura e oração"19.

O trabalho manual, especialmente exigido pela Regra dc SãoBento, desempenhou um papel central na vida monástica. Aindaque a Regra fosse conhecida pela sua moderação c pela aversãoa penitências exageradas, os monges abraçavam com gosto astarefas mais difíceis c menos atraentes, porque as encaravamcomo canais da graça c oportunidades de mortificar a carnc: issoera bem evidente no trabalho dc mondar e preparar a terra. Arespeito dos pântanos, predominava a idéia de que não tinhamnenhum valor c eram focos dc pcstilência. Mas os mongesassumiram o desafio que representava represá-los e drená-los, ccm pouco tempo conseguiram transformar o que até então erauma fonte de doenças e imundícic cm fértil terra cultivada20.

Montalembert. o grande historiador dos monges do séculoXIX. rendeu-lhes homenagem pelo grande trabalho agrícola que

empreenderam. "É impossível esquecer - escreveu - comosouberam aproveitar tão vastas terras incultas c desabitadas(um quinto de todo o território da Inglaterra), cobertas de flo-restas c cercadas de pântanos". Essas eram. com efeito, as ca-racterísticas da maior parte das terras que os monges ocupa-vam. em parte por serem lugares mais retirados c inacessíveis -o que favorecia a vida em solidão -, c em parte por serem terrasque os doadores leigos lhes ofereciam mais facilmente". Aodesmaiarem as florestas para destiná-las ao cultivo e habitação,tinham o cuidado de plantar árvores e de conservar as matas,dentro do possível,2.

Um exemplo particularmente vivo da salutar influência dosmonges no seu entorno físico é o que nos dão os pântanos deSouthampton. na Inglaterra. Um especialista descreve como eraessa região no século VII. antes da fundação da abadia dc

19 Cfr. John Hcnry Ncwman. Essays and Skeiches. vol 3. CharlesFredc- rick Hairold. ed.. Longmans. Grecn and Co.. New York. 1948.

págs. 264-263.20 Hcnry H. Goodell, "The Inllucnce oí lhe Monks in Agricullurc". pág.

III.

Page 30: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

 Thorncy:

"Não passava dc um enorme pântano. Os charcos, noséculo VII, eram provavelmente parecidos com as florestasda desembocadura do Mississipi ou as marismas das Caro-linas: um labirinto dc errantes córregos negros; grandes la-goas, atolciros submersos a cada maré da primavera; enor-mes extensões de juncos. carriços e samambaias: grandesbosques de salgueiros, amieiros e álamos cinzentos: florestasdc abetos c carvalhos, frcixos e álamos. aveleiras c tei- xos,que em outro tempo haviam crescido naquele solo baixo cfétido, agora eram engolidas lentamente pela turfa flutuante,que vagarosamente devorava tudo, embora tudoconservasse. Árvores derrubadas pelas inundações c tor-mentas flutuavam c sc acumulavam, represando as águassobre o terreno. Córregos desnorteados nas florestas muda-vam de leito, misturando limo e areia com o solo negro daturfa. A natureza, abandonada ao seu próprio curso, corriacada vez mais para uma selvagem desordem e caos, atetransformar todo o charco cm um lúgubre pântano"

Cinco séculos depois, foi assim que William dc Malmes- bury(cerca de 1096-1143) descreveu essa região:

"É uma replica do paraíso, onde parecem refletir-se adelicadeza c a pureza do céu. No meio das lagoas, erguem-sebosques dc árvores que parecem tocar as estrelas com assuas altas c csbcltas frondes: o olhar fascinado vagueia sobreo mar dc ervas verdejantes, os pés pisam as amplaspradarias sem encontrar obstáculos no seu caminho. Atéonde a vista alcança, nenhum palmo de terra está porcultivar. Aqui o solo é escondido pelas árvores frutíferas;acolá, pelas vinhas estendidas sobre o chào ou puxadas parao alto sobre caramanchões. Natureza c arte rivalizam, umasuprindo tudo o que a outra esqueceu de produzir. Óprofunda c amável solidão! Foste dada por Deus aos monges,para que a sua vida mortal pudesse aproximá-los dia-riamente do céu" w.

Aonde quer que tenham ido. os monges introduziram plan-tações. indústrias ou métodos dc produção desconhecidos do

povo. Aqui introduziam a criação de gado c dc cavalos, ali aelaboração da cerveja, a criação de abelhas ou a produção dc

III.

Page 31: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

frutas. Na Suécia, o comércio de cereais deve a sua existêncianos monges; cm Parma. a produção do queijo: na Irlanda, a

pesca do salmão e, em muitos lugares, as vinhas dc alta quali-dade. Os monges represavam as águas das nascentes a fim dedistribuí-las cm tempos de seca. Foram os monges dos mostei-ros dc Saint Laurent e Saint Martin que. observando as águasdas fontes espalharem-se inutilmente pelos prados de SaintGcrvais e Beileville, as canalizaram para Paris. Na Lombardia. oscamponeses aprenderam dos monges a irrigação, o que con-tribuiu poderosamente para tornar a região tão famosa cm todaa Europa pela sua fertilidade e riqueza. Os monges foram osprimeiros a trabalhar na melhoria das raças do gado, em vez dcas deixar evoluir ao acaso21.

Em inúmeros casos, o bom exemplo dos monges serviu deinspiração a muitos, especialmente incentivando-os a respeitare honrar o trabalho manual em geral c a agricultura cm parti-cular. "A agricultura tinha entrado cm decadência - diz umestudioso -. O que outrora tinham sido campos férteis, estavaagora coberto de charcos e os homens que deveriam ter cul-tivado a terra rejeitavam o arado como algo degradante". Mas

quando os monges emergiram das suas celas para cavar valas earar os campos, "esse empenho teve um efeito mágico. Oscamponeses retornaram a uma atividade nobre, mas despreza-da-'22.

O papa São Gregório Magno (590-604) conta-nos uma reve-ladora história sobre o abade Equitius, um missionário do séculoVI de notável eloqüência. Quando um enviado pontifício foi aomosteiro procurá-lo. dirigiu-se imediatamente ao scnpto- rium - asala destinada á cópia dos textos -. esperando encontrá-lo entreos copistas. Mas não eslava lá. Os caligrafos limitaram-se adizer: "Está lá cm baixo, no vale, cortando o feno" '23. I

Os monges também foram pioneiros na produção do vinho,que utilizavam tanto para a celebração da Santa Missa comopara o consumo ordinário, expressamente permitido pela Regra

21 Hcnry H. Goodell. "The Influcnec of lhe Monks in Agricullurc",págs.22ti 5) Ibid.. págs. 8-9.

23Ibid.. pág. 10.

17)Charles Montalcmbcrt. The .Uonks of (lie West. vof. 5. pág*. 198-9.18)John B. 0'Connor. Monasiicism and Civilizalion. PJ. Kcnncdv &Sons. New York. 1921. págs. 35-6.

III.

Page 32: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

de São Bento. Pode-se atribuir a descoberta do champanhe aDom Pcrignon, um monge da abadia dc São Pedro, em Haut-

villicrs-no-Marne. Encarregado cm 1688 de cuidar da adega daabadia, esse monge descobriu o champanhe misturando diver-sos tipos de vinho. O princípio fundamental que ele estabeleceucontinua a nortear até hoje a produção desse espumante1*. Tai-vez nào lâo glamourosas como algumas contribuições intelec-tuais dos monges, essas tarefas cruciais foram quase tão im-portantes como as que contribuíram para a construção c pre-servação da civilização do Ocidente, numa época de tumulto edesesperança generalizados.

Os monges também deram um contributo importante à tec-nologia medieval. Os cistercicnscs - uma Ordem beneditina re-formada. estabelecida em Citcaux em 1098 - eram muito co-nhecidos pela sua sofisticação tecnológica; qualquer avançoobtido difundia-se rapidamente graças à vasta rede dc comuni-cação que ligava os diversos mosteiros: é por isso que encon-tramos sistemas hidráulicos muito similares cm mosteiros si-tuados a grande distância uns dos outros, até mesmo a milha-res de milhas"Esses mosteiros - escreve um historiador eram

verdadeiramente as unidades fabris mais produtivas dc todasas que haviam existido até então na Europa c talvez nomundo"10.

A comunidade monástica cistcrciensc tinha geralmente assuas próprias fábricas para a produção de energia hidráulica,que lhes servia para moer o trigo, peneirar a farinha, lavar aroupa e tratar o couro". Se o mundo da antigüidade clássica nãoadotou a mecanização para fins industriais em grau signi-ficativo. já o mundo medieval o fez cm larga escala, como se vêpor um relatório do mosteiro cistcrciensc de Claraval. datado doséculo XII. que descreve o modo como nele se usava a energiahidráulica:

"Entrando por baixo do muro exterior da abadia, que.como um porteiro, lhe dá passagem, inicialmente o airoiolança-se de modo impetuoso no moinho, contorccndo-sc

119) Jean Gimpcl, Jlte Medieval Machines The Industrial Revolulionof the Middlt Ages. Holt, Rinchart. and Winslon. New York. 1976. pág. 5.

20)Randall Collins, Weberian Sociológica! Theory, CambridgcUnivtrsity Press, Cambridge. I9S6. págs. 53-4.21)Como aponta Jean Gimpcl no sen livro The Medieval Machine. um

III.

Page 33: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

relatório do século XII sobre a utilização da energia hidráulica nomosteiro de Claraval. na França, poderia ter sido escrito 742 vezes,

  já que. naquela época, era esse o numero de mosteiroscistercicnscs que existiam na Europa. O mesmo nível de conquistas

tecnológicas podia observar-se praticamente cm todos eles (RandallCollins, Weberian Sociitloglcal Theory. págs. 53-4).cm um movimento revolto, primeiro para moer o trigo sob opeso das pedras, depois para agitar a fina peneira que se-para a farinha do farelo. Depois dc alcançar a construçãoseguinte, enche os tanques c entrega-se às chamas, que oaquecem para preparar a cerveja ou o licor dos monges,quando as vinhas recompensam o duro trabalho dos vini-cultorcs com uma colheita pobre. Mas o arroio ainda nãoconcluiu a sua tarefa. Convocam-no os lavadores, postadosperto do moinho. No moinho, ocupara-se cm preparar ali-mento para a irmandade; agora cuida-lhes da roupa. Nuncase esquiva nem se recusa a fazer qualquer coisa que lhe sejapedida. Levanta c deixa cair um a um os pesados pilões, osgrandes martelos de madeira, poupando assim aos mongesgrandes fadigas... Quantos cavalos não cairiam esgotados,quantos homens não ficariam com os braços extenuados. seesse gracioso rio. ao qual devemos roupas e comida. nãotrabalhasse por nós!

"Depois dc fazer girar o eixo a uma velocidade muitosuperior à que qualquer roda é capaz de se mover, desapa-rece em um frenesi dc espuma; c como sc ele próprio sedeixasse triturar pelo moinho. Em seguida, entra no curtu-me. onde sc mostra ainda mais aplicado c diligente no pre-paro do couro para o calçado dos monges; depois, dividc-scem uma multidão de pequenos veios e prossegue o seu cur-so para cumprir os deveres que lhe são confiados, sempreatento a todos os trabalhos que requerem a sua participa-ção. sejam eles quais forem - cozinhar, peneirar, girar, moer.regar ou lavar sem se recusar nunca a colaborar emqualquer tarefa. Finalmente, carrega para fora os resíduos,deixando tudo imaculado"*'-'.

A perícia dos monges ia das inovações de grande valor prá-tico às curiosidades interessantes. No início do século XI. porexemplo, um monge chamado Eilmer voou mais dc 180 metroscom um planador. realizando uma façanha que seria re-

III.

Page 34: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

(2£) Citado cm David Luckhurst. "Monastic Walcrmills". Socicty forlhe Protcction oí Ancicnt Buildings. n. 8. t.ondon. s.d.. pág. 6: citado cmGimpcl. págs. 5-6.cordada durante os três séculos seguintes11. Houve tambémentre os monges consumados fabricantes de relógios. O pri-meiro relógio de que temos notícia foi construído pelo futuropapa Silvestre II para a cidade germânica de Magdcburgo. porvolta do ano 996. Posteriormente, outros monges foram aper-feiçoando essa técnica. Peter Lightfoot, um monge dc Glaston-bury. construiu no século XIV um dos mais antigos relógios quechegaram até nós e que agora se encontra, cm excelentescondições, no Museu de Ciência dc Londres.

Richard dc Wallingford. um abade do século XIV. da abadiabeneditina de Saint Albans (c um dos precursores da trigo-nometria no Ocidente), é famoso pelo relógio astronômico queprojetou para o seu mosteiro. Diz-se que. pelo menos nos doisséculos seguintes, não apareceu outro relógio que sc igualasse aesse em sofisticação tecnológica; era uma maravilha para a suaépoca. Não sobreviveu muito tempo: talvez tenha desaparecidoentre os objetos dos mosteiros confiscados por Henrique VIII.Mas as notas deixadas pelo abade permitiram fazer um modeloe uma réplica desse relógio em escala real. Além de marcar o

tempo, conseguia prever com precisão os eclipses lunares.

OS MONGES COMO CONSULTORES TÉCNICOS

Os cistercicnscs também eram conhecidos pela sua períciacm metalurgia. "Na sua rápida expansão pela Europa - escreve

 Jean Gimpcl -. os cistercicnscs vieram a desempenhar um papelsignificativo na difusão dc novas técnicas, porque o alto nível dasua tecnologia agrícola se cquiparava à sua tecnologiaindustrial. Todos os mosteiros possuíam a sua fábrica - fre-qüentemente tão espaçosa como a igreja e a pouca distânciadela -. com diversas máquinas no subsolo movidas a energiahidráulica"De vez em quando, os monges recebiam em doaçãominas de ferro, quase sempre juntamente com os fornosnecessários para extrair o metal: outras vezes, eles próprioscompravam as minas e os fornos. Embora precisassem do ferropara uso próprio, houve um momento cm que os mosteiroscistercicnscs estiveram em condições de oferecer os seus cxcc-dentes para venda: com efeito, da metade do século XII1 até o Iséculo XVII, os cistcrcicnses foram os lideres cm produção de

III.

Page 35: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

( ferro na região francesa da Champagne. Sempre empenhadosem melhorar a eficiência dos seus mosteiros, usavam a escória [

das suas fornalhas como fertilizante, pois pela sua alta con-ccntraçào de fosfato eram especialmente úteis para essa finali- jdadc-\

Esses avanços eram parte de um fenômeno mais amplo dc{ conquistas tecnológicas. Observa Gimpcl que "a Idade Médiaintroduziu a mecanização na Europa em uma escala que ne-nhuma civilização havia conhecido até então"*. E os monges,segundo outro estudo, foram "os hábeis consultores técnicosnão remunerados do terceiro mundo daqueles tempos - isto é, jda Europa após as invasões bárbaras"17. E prossegue:

"Com efeito, quer na mineração do sal. do chumbo, do jferro, do alumínio ou da cal. quer na metalurgia, na extra-ção do mármore, na cutclaria, na vidraria ou na forjaria, jnào havia nenhuma atividade cm que os monges não de-monstrassem a sua criatividade c um fértil espirito de pes-quisa. Desenvolveram c aprimoraram o seu trabalho até al-cançarcm a perfeição, e o seu know-how viria a espalhar-sepor toda a Europa"

Os arqueólogos ainda continuam a pesquisar o alcance daperícia e engenhosidade tecnológica dos monges. Em fins dadécada de 1990, o arqueólogo-mctalurgista Gcrry McDonnell. daUniversidade de Bradforf, encontrou nas proximidades daabadia de Ricvaulx. cm North Yorkshire, Inglaterra, evidenciasde um grau de sofisticação tecnológica que apontava para asgrandes máquinas da revolução industrial do século XVIII. (Aabadia dc Rievaulx foi um dos mosteiros que o rei Henrique VIIImandou fechar por volta de 1530). Explorando as ruínas deRievaulx e Laskill. McDonnell descobriu a cerca dc quatro milhasdo mosteiro um forno construído pelos monges para extrairferro do minério.

O tipo de forno que existia no século XVI progrediu relati-vamente pouco em comparação com os seus antecessores eera notavelmente ineficiente para os padrões modernos. Aescória ou subproduto desses fornos continha umaconcentração significativa de ferro, já que não se conseguiaatingir temperaturas suficientemente altas para extrair todo o

ferro do minério. Mas a escória que McDonnell descobriu emLaskill continha uma baixa quantidade dc ferro, semelhante à

III.

Page 36: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

escória hoje produzida por um moderno alto-forno.McDonnell acha que os monges estiveram perto dc construir

fornos paro uma produção dc ferro fundido em larga escala - talcomo aconteceria na era industrial -, c que o forno de Laskill foio protótipo desses fornos. "Um dos pontos-chave foi que oscistercicnscs tinham todos os anos encontros regula- res deabades, e isso permitia-lhes compartilhar os avanços tec-nológicos que sc alcançavam em qualquer parte da Europa -disse cie A dissolução dos mosteiros rompeu essa rede detransferencia de tecnologia". Os monges "tinham capacidadepara fabricar altos-fornos que não produzissem nada além dcferro fundido. Estavam cm condições de fazé-lo em larga escala,mas. ao suprimir os mosteiros da Inglaterra. Henrique VIIIquebrou esse potencial"2*. Não fosse pela cobiça do rei emapossar-se dos bens da Igreja, os monges teriam chegado aosumbrais da era industrial, com a sua explosão de riqueza, po-pulação c expectativa dc vida. Km vez disso, esse avanço teque esperar mais de dois séculos c meio.

OBRAS DE CARIDADE

Em outro capítulo, veremos com mais detalhe quais foram ,as obras assistcnciais da Igreja. Por agora, limitemo-nos amencionar que a Regra beneditina exortava os monges a seresmolcres e a cultivar a hospitalidade. Dc acordo com essa Re- jgra, como vimos, todos os que chegavam deviam ser recebidoscomo se fossem Cristo. Os mosteiros davatn hospedagem gra- |tuita, proporcionavam um lugar dc descanso calmo c seguro aviajantes estrangeiros, peregrinos e pobres. Um antigo historia-dor da abadia normanda de Bcc escreveu: "Perguntem comoespanhóis, burgúndios ou quaisquer outros viajantes têm sidorecebidos em Bec. Responderão que as portas do mosteiro estãosempre abertas a todos e que a todos se oferece pão gratui-tamente"w. Era cm obediência ao espírito de Cristo que davamabrigo e conforto a qualquer forasteiro.

Os monges eram igualmente conhecidos pelo empenho icom que saíam em busca dos infelizes que, perdidos ou isola-dos quando caía a noite, necessitavam de um abrigo. Em Au-brac. por exemplo, onde tinham fundado um albergue no meio

das montanhas do Rouerguc. em fins do século XVI, um sinoespecial locava todas as noites para chamar qualquer viandan-

III.

Page 37: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

te que se tivesse extraviado ou fosse surpreendido pela intimi-dante escuridão da floresta. Era um sino conhecido pelo povo

como "o sino dos caminhantcs",'. Também não era infreqüente que os monges que viviam

 junto do mar montassem dispositivos para avisar os marinhei-ros dos obstáculos perigosos, ou que os mosteiros próximos ti-vessem provisões resci"vadas para acolher os náufragos. Diz-se que a cidade de Copcnhague deveu a sua origem a ummosteiro estabelecido pelo seu fundador, o bispo Absalon. parasocorrer os náufragos. Em Arbroath. na Escócia, os mongesfixaram um sino fluiuanlc numa rocha traiçoeira, muitoconhecida na costa dc Forfarshire. Em determinadas fases damaré. a rocha quase não se via. escondida pelas águas, cmuitos marinheiros se apavoravam, temerosos de chocar-secontra ela. As ondas faziam soar o sino c os marinheiros scacautclavam para fugir do perigo. Até hoje. a rocha éconhecida como a "Rocha do Sino"". Estes exemplos são umapequena amostra da preocupação dos monges pelas pessoasque viviam nas redondezas. Acrescente-se a isso o contributoque deram para a construção ou reparação de pontes, estradas

c outros elementos da infraestrutura medieval.O trabalho monástico com que estamos mais familiarizados éa cópia dc manuscritos, tanto sagrados como profanos. Era umaocupação considerada especialmente honrosa para os que arealizavam. Um prior cartuxo escreveu: "O diligente trabalhoexigido por esta tarefa deve ser umas das principais ocupaçõesdos cartuxos na sua clausura [...]. Pode-se dizer que, em certosentido, é um trabalho imortal, que nunca passa c permanecepara sempre: um trabalho que, por assim dizer, não é trabalho:uma tarefa que se destaca por cima de todas as outras como amais apropriada para a educação religiosa dos homens" JJ.

A PAl-AVRA ESCRITA

A honrosa tarefa dos copistas era difícil e exigente. Em ummanuscrito monástico. lemos estas palavras: "Quem não sabeescrever pensa que não é um trabalho; mas a verdade é que.embora sc sustente a pena só com três dedos, ttxlo o corpo sccansa". Os monges tinham de trabalhar freqüentemente no

meio do frio mais cortante. Ao concluir uma cópia que fez docomentário de São Jerônimo ao Livro de Daniel, um copisla

III.

Page 38: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

monástico pedia a nossa simpatia: "Rogo aos leitores que fize-rem uso deste trabalho que tenham por bem não se esquece-

rem daquele que o copiou: era um pobre irmão chamado Luisque, enquanto transcrevia este volume trazido de um país es-trangciro, suportou o frio c foi obrigado a terminar de noite oque não conseguiu escrever à luz do dia. Mas Tu. Senhor, serása plena recompensa do seu esforço"

No século VI, um senador romano já retirado da vida pú-blica, que se chamava Cassiodoro, teve um primeiro vislumbredo papel cultural que os mosteiros viriam a desempenhar. Emmeados desse século, fundou o mosteiro dc Vivarium no sul daItália, dotando-o dc uma refinada biblioteca - a bem dizer, aúnica biblioteca desse período dc que hoje sc tem noticia - cinsistiu na importância de copiar manuscritos. Parece que al-guns importantes manuscritos cristãos desse mosteiro sc en-contram hoje na Biblioteca Laterancnse. à disposição dos pa-pas".

Surprecndcntemente, não é a Vivarium. mas a outras bi-bliotecas monásticas e scriploria, que devemos a maior parte daliteratura latina antiga que chegou até nós. Nos casos cm que

não foram conservadas c transcritas pelos monges, essas obrassobreviveram graças às bibliotecas c escolas associadas àsgrandes catedrais medievaisu>. A par das suas próprias contri-buições originais, a Igreja cmpcnhou-sc em preservar livros cdocumentos que foram de seminal importância para salvar acivilização antiga.

Descrevendo o acervo da sua biblioteca cm York, o grandeAlcuino referiu-se a obras dc Aristóteles, Cícero, Lucano. Plínio.Estácio. Pompeu Trogo e Virgílio. Na sua correspondência, citaainda outros autores clássicos, como Ovídio. Horácio c

 Tcrôncio24. E não eslava sozinho na sua familiaridade com osescritores antigos c no apreço por eles. Liipo (cerca de 805--862), o abade de Fcrriòres. cita Cícero. Horácio. Marciáo,Suctônio e Virgílio. Abbon dc Fleury (cerca dc 950-1004). que foiabade do mosteiro de Fleury, demonstra estar particularmentefamiliarizado com Horácio, Salustiano, Terêncio c Virgílio.Dcsidério - tido como o maior dos abades de Monte Cassino.depois do próprio Bento, c que. em 1086. veio a tornar-sc opapa Vítor III - supervisionou a transcrição dc Horácio e de

24 Charles Monialembert. The Monks of lhe West, vol. 5. pág. 145.

III.

Page 39: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Séncca, assim como a do De natura deorum, de Cícero, e dosFasios dc Ovídiow. O seu amigo, o arcebispo Alfano, que

também tinha sido monge em Monte Cassino, manejava comsimilar fluência as obras dos escritores antigos, e citavafreqüentemente Apolônio, Aristóteles, Cícero, Platão, Varrão eVirgílio, além de imitar Ovídio e Horácio nos seus versos. SantoAnselmo, enquanto foi abade dc Bcc, recomendou aos seusalunos a leitura dc Virgílio c outros escritores clássicos, emboraos aconselhasse a passar por alto trechos moralmente cen-suráveis25.

O grande Gerbcrto dc Aurillac não sc limitou a ensinar lógica;também analisava com os seus alunos passagens de Horácio,

 Juvenal, Lucano, Pérsio, Terêncio, Estácio e Virgílio; sabemos dcconferências sobre autores clássicos que pronunciou em lugarescomo Saint Albans e Paderborn. Conserva-se dc Santo Hildcbertoum exercício escolar que compôs juntando excertos de Cícero,Horácio, Juvenal, Pérsio. Sêneca, Terêncio e outros: o cardeal

  John Henry Newman - o grande converso do anglicanismo doséculo XIX e talentoso historiador - dá a entender que SantoHildcberto conhecia Horácio praticamente dc cor26. O certo é que

a Igreja apreciou, preservou, estudou c ensinou as obras dosantigos, que de outro modo se teriam perdido27.

25 Charles Monialembert. The Monks of lhe West. vol. 5. pág. 146.Sobre todo este tema. veja-se também John Henry Newman. Essavs andSkeiches. vol. 3. págs. 320-21.26Cíccro (John Henry Newman. Essays and Sketches, vol. 3. pág. 321).Sabemos que Sáo Maveul de Cluny apreciava lanto a leitura que sempretinha um livro entre as irtfios quando viajava a cavalo. Também Halinard.que era abade dc Silo Benigno dc Dijon antes de sc tomar arcebispo dcLyon. cultivava os mesmos gostos c fala-nos com oigulho do seuinteresse pelos filósofos da Antigüidade (Charles Monialembert. TheMonks of lhe West. vol. 5. pág. 143).

"Sem estudo c sem livros", dizia um monge dc Muri, "a vida dc ummonge náo é nada". Sáo Hugo dc Lincoln, quando era prior dc Witham. aprimeira casa cartuxa da Inglaterra, teve palavras parecidas: "Os nossoslivros sáo o nosso deleite c a nossa riqueza em tempos dc paz. as nossasarmas dc ataque e defesa em tempos dc guerra, o nosso alimentoquando passamos fome c o nosso remédio quando estamos doentes"(Ibid., pág. 142).

27 No século XI. Monte Cassino experimentou uma revivescénciacultural que foi qualificada como "o mais espetacular evento singular nahistória do conhecimento latino do século XI" (Leighton D. Reynolds cNigcl G. Wilson. Scribes and Scliolars. pág. 109). Além desse transbordar

dc empenho artístico c intelectual. Monte Cassino renovou o interessepelos textos da antigüidade clássica: "De um só golpe, recuperou umgrande número dc textos que. dc outra forma, se teriam perdido para

III.

Page 40: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Além da cuidadosa conservação dc obras do mundo clássicoc dos Padres da Igreja, umas e outras primordiais para a

civilização ocidental, os monges realizaram outro trabalho deincomensurável importância com a sua habilidade de copistas: apreservação da Bíblia41. Sem a sua dedicação a essa tarefa e asnumerosas cópias que produziram, não se sabe como o textosagrado teria podido sobreviver aos ataques dos bárbaros. Erafreqüente embelezarem os Evangelhos com primorosasiluminuras artísticas, como nos famosos Evangelhos dc Lindau eLindisfarnc - obras dc arte e de fé.

CENTROS DE EDUCAÇÀO

Mas os monges fizeram mais do que simplesmente preservaras capacidade de ler e escrever. Até mesmo um historiador semqualquer simpatia pela educação monástica reconheceu: "Osmonges estudavam os poemas dos poetas pagãos c os escritosdos historiadores c dos filósofos. Os mosteiros e as escolasmonásticas tornaram-se, não apenas centros florescentes dcvida religiosa, mas também dc ensino"43. Outro cronista não

simpatizante escreveu: "Os monges não apenas fundaram esco-las c foram professores, mas também lançaram as bases dasfuturas universidades. Eram os pensadores e filósofos da época,e moldaram o pensamento político e religioso. A eles sc deveu.tanto coletiva como individualmente, que o pensamento e acivilização do mundo antigo passassem para a Idade Média c

III.

Page 41: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

para o período moderno"28.Em maior ou menor escala, ao longo dos séculos, os monges

sempre foram professores. São João Crisóstomo conta-nos que, já na sua época (347-407), as famílias de Antioquia costumavamconfiar a educação dos seus filhos aos monges. São Bentoinstruiu os filhos dos nobres romanos41. São Bonifácio criou umaescola cm cada mosteiro que fundou na Alemanha, e. naInglaterra, Santo Agostinho dc Cantuária c os seus monges

III.

Page 42: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

abriam escolas onde quer que se fixassem29. Atribui-se a SãoPatrício o estímulo aos estudos na Irlanda e o fato dc os

mosteiros irlandeses se terem convertido cm importantes cen-tros dc ensino, proporcionando instrução tanto a monges como

III.

Page 43: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

a leigos30.Era normal os monges complementarem a sua educação

freqüentando uma ou mais das escolas monásticas estabeleci-das. Abbon dc Fleury, sendo já mestre das disciplinas ensinadascm sua própria casa, foi estudar Filosofia e Astronomia em Parisc Rhcims, c ouvimos histórias similares sobre o arcebispoRábano dc Mogúncia, São Wolfgang e Gerberto (papa SilvestreII)4».

É verdade que a maior parte da educação ministrada aos quenão iam professar votos monásticos sc deu em outros lugares.como as escolas das catedrais fundadas sob o império dc CarlosMagno. Mas. mesmo que a contribuição dos mosteiros tivessesido apenas a de ensinar os seus monges a ler c escrever, nãoteria sido um feito desprezível. Quando os gregos micénicossofreram uma catástrofe no século XII a.C. - uma invasão dosdórios, segundo alguns historiadores -. o resultado foram os trésséculos dc completo analfabetismo conhecidos como a Era Negrada Grécia: a escrita simplesmente desapareceu no meio do caose da desordem. Mas o empenho com que os mongesfomentaram a escrita c a educação evitou que a terrível

destruição que sc abateu sobre os gregos micénicos viesse arepetir-sc na Europa após a queda do Império Romano. Destavez, graças aos monges, o cultivo do espírito pela leitura c pelaescrita sobreviveu à catástrofe política e social.

Certos mosteiros ficaram também conhecidos pela sua pro-ficiência em determinados ramos particulares do conhecimento.Assim, por exemplo, os monges dc São Benigno (cm Dijon)davam conferências sobre medicina; o mosteiro de Saint Galltinha uma escola dc pintura c gravura; c certos mosteiros ale-mães davam palestras em grego, hebreu c árabe411.

Este apanhado da contribuição dos monges mal arranha asuperfície de um tema imenso. Quando Comtc de Monialembertescreveu, nas décadas de 1860 c 1870. uma história dos mongesocidentais em seis volumes, lamentou a sua incapacidade deoferecer algo mais que um esboço sumário dc grandes figuras egrandes obras, c remetia continuamente os seus leitores para asreferências nas notas de pé dc página.

Como acabamos de ver, a contribuição monástica para acivilização ocidental foi imensa. Os monges ensinaram as téc-

III.

Page 44: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

nicas da metalurgia, introduziram novos plantios, copiaramtextos antigos, preservaram a educação, foram pioneiros cm

tecnologia, inventaram o champanhe!, mudaram a paisagemeuropéia, acudiram aos viajantes, resgataram extraviados c

(49) Ibid.. pág. 319.náufragos. Quem mais na história da civilização ocidental podeostentar um tal elenco de realizações?Vejamos agora como a Igreja, que deu ao Ocidente os seusmonges, também criou a Universidade.

A IGREJA E A UNIVERSIDADE

UMA INSTITUIÇÃO ÚNICA NA HISTÓRIA

Embora muitos colegiais de hoje não sejam capazes dc situar

cronologicamente a Idade Média, estão convencidos dc que foium período dc ignorância, superstição c repressão intelectual.Nada mais longe da verdade, pois é à Idade Média que devemosa maior - c inigualável - contribuição intelectual da civilizaçãoocidental para o mundo: o sistema universitário.

A Universidade foi um fenômeno completamente novo nahistória da Europa. Nada de parecido existira na Grécia ou naRoma antigas'. A instituição que conhecemos atualmente, comas suas Faculdades, cursos, exames c títulos, assim como a dis-tinção entre estudos secundários c superiores, chegaram-nosdiretamente do mundo medieval. A Igreja desenvolveu o siste-ma universitário porque, com palavras do historiador LowrieDaly, era "a única instituição na Europa que manifestava uminteresse consistente pela preservação e cultivo do saber"-.

Não podemos estabelecer com precisão as datas em que asuniversidades surgiram, cm Paris e Bolonha, Oxford c Cam-bridgc. visto que tiveram os seus primórdios nas escolas dascatedrais c nas posteriores reuniões informais de professores ealunos. Mas podemos dizer com segurança que começaram aganhar forma na segunda metade do século XII.

III.

Page 45: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Paraidentificarmos determinada escola medieval como uni-versidade, devemos atentar para algumas características. Umauniversidade possuía um núcico dc textos obrigatório, com ba-

se nos quais os professores faziam as suas prcleções e, aomesmo tempo, expunham idéias próprias. Caracterizava-setambém por estabelecer currículos acadêmicos bem definidos,que duravam um número de anos mais ou menos fixo, assimcomo por conferir diplomas. A concessão do título de "mestre"permitia a quem o recebesse o acesso ao grêmio dosdocentes, tal como um artesão elevado a mestre era admitidono grêmio da sua profissão. Embora muitas vezes asuniversidades tivessem de batalhar junto das autoridadesexternas pela sua autonomia, geralmente conseguiam-na.assim como o seu reconhecimento legal como corporações31.

O Papado desempenhou um papel capital na fundação e in -centivo das universidades. Nos tempos da Reforma, havia oi-tenta e uma universidades. Trinta c três delas possuíamestatuto pontifício; quinze estatuto real ou imperial; vintegozavam dc ambos, e treze não tinham nenhuma credencial32. Havia consenso em que uma universidade não podia concederdiplomas sem a aprovação do papa. do rei ou do imperador. Opapa Inocêncio IV concedeu oficialmente esse privilégio à Uni-

versidade de Oxford em 1254. Como o Pontífice (de fato) c oImperador (cm teoria) possuíam autoridade sobre toda a Cris-iandade, era a eles que a universidade costumeiramente linhade recorrer para obter o direito de emitir diplomas. Uma vezobtido o reconhecimento de uma ou outra dessas autoridades,os diplomas universitários eram respeitados por toda a Cris-landadc. Já os diplomas conferidos apenas com a aprovação de

sempre. A esse único mosteiro devemos a preservação dos Anais e dasHistórias de Tácito, do Asno Dourado de Apuleio. dos Diálogos dcSéneca. do Dc língua latina dc Varrüo, do De aquis de Fronti- no, c d*trinta linhas raras da sexta Sátira de Juvenal, que nfto foram encon-tradas cm nenhum outro manuscrito" (ibid.. págs. 109-10).

28 Alcxandcr Clarcncc Flick. The Ris* of lhe Medieval Church.págs. 222-23.

29 G. Cyprian Alston. "The Bcncdictinc Ordcr". cm CalholicEncyclope-30 Thomas Cahill. How lhe Irish Sawd Clvilizption, Doublcday. New

 York. 1995, págs. ISO c 158.31 Richard C. Dalcs, The htlellectual Life of Western Etimpe in lhe

Middle Afco. University Press oí America. Washington. DC. 1980. pág.

208.32 "Universitics". em Calholic Encyclopedia. As universidades que

careciam de estatutos haviam.se constituído espontaneamente ex cortsuetttdine.

IV A IGKKJA E A UNIVERSIDADE45

Page 46: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

monarcas nacionais eram considerados válidos unicamcntc noreino no qual eram emitidos33.

Em certos casos, como o das Universidades dc Bolonha.Oxford c Paris, o título dc mestre dava a quem o possuía o di-

reito de lecionar em qualquer lugar do mundo: era o ius ubiquedoceridi. Vemo-lo pela primeira vez em um documento dopapq Gregório IX. datado de 1233. relativo à Universidade de

 Tou lousc. e que se tornou um modelo para o futuro. Em finsdo século XIII, o ius ubique docendi tomou-se "o selo jurídicodistintivo da Universidade"34. Teoricamente, esses professorespodiam dar aulas em qualquer centro universitário da EuropaOcidental, mas, na prática, cada instituição preferia examinaro candidato antes de admiti-lo35. De qualquer modo. esse privi-légio concedido pelos papas contribuiu significativamente paraa disseminação do conhecimento e para a formação do concei-to de uma comunidade acadêmica internacional.

CIDADE E TOGA

A participação dos papas no sistema universitário esten-deu-sc a muitos outros assuntos.

Um olhar de relance sobre a história da universidade me-

dieval revela que não eram incomuns os conflitos entre a uni-versidade c o povo ou o governo local. Os habitantes dacidade nutriam com freqüência sentimentos ambivalentes emrelação aos estudantes universitários: por um lado, auniversidade era um presente para os comerciantes locais epara a atividade econômica em geral, una vez que osestudantes traziam di nheiro para gastar; mas por outro lado.esses estudantes podiam ser irresponsáveis e indisciplinados.Como explicava um comentarista moderno, os habitantes dascidades cm que se si tuavam as universidades medievaisamaram o dinheiro, mas odiavam os estudantes. Comoresultado, ouvia-se muitas vezes os estudantes e os seusprofessores queixarem-se de que eram "tratados com abusopelos cidadãos locais, com dureza pela polícia, desatendidosnas suas demandas legais e ludibriados no preço dos aluguéis,alimentos e livros"5.

No meio dessa atmosfera tensa, a Igreja rodeou os esludan

33 Ibid.34 Gordon Lcff. Paris and Oxford Universities in lhe Thirteenth andFour- teenth Centuries: Ari hislitulional and Intclkctual Historv, JohnWilev and Sons New York. 1968. pág. 18.

35'Lowrie J. Daly, The Mediewl University. pág. 167.

46  TIIOMAS E. WOODS JR.

Page 47: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

tcsuniversitários dc uma proteção especial, concedcndo-lheso chamado beneficio do clero. Os clérigos gozavam na Europamedieval de um estatuto especial: maltratá-los era um crime

extraordinariamente grave; tinham o direito de que as suascausas fossem julgadas por um tribunal eclesiástico, e nãopelo civil. Os estudantes universitários, como atuais oupotenciais candidatos ao estado clerical. passaram lambém agozar desses privilégios. Os governantes civis também lhesestenderam muitas vezes uma proteção similar: em 1200,Filipe Augusto da França concedeu e confirmou essesprivilégios aos estudantes da Universidade de Paris,permitindo-lhes ler as suas causas julgadas por um tribunalespecial, que certamente lhes seria mais simpático do que ostribunais da cidade36.

Os papas intervieram em defesa da universidade cm nume-rosas ocasiões. Em 1220. o papa Honório 111 (1216-1227) pôs--se do lado dos professores de Bolonha, que protestavam con-tra as violações das suas liberdades. Quando o chanceler deParis insistiu em que se jurasse lealdade à sua pessoa, o papaIno- cêncio III (1198-1216) interveio. Em 1231. perante aintromissão das autoridades diocesanas locais na autonomiainstitucional da universidade, o papa Gregório IX lançou a bula

Parens scientiarwn. cm favor dos mestres de Paris. Nessedocumento, concedeu efetivamente à Universidade de Paris odireito à autonomia de governo, com a qual podia elaborar assuas próprias regras a respeito dos cursos e pesquisas; esubmeteu-a diretamente à jurisdição pontifícia, ernancipando-ada interferência diocesana. "Com esse documento - escreve umhistoriador -. a Universidade de Paris atingiu a maioridade eentrou na história do direito como uma corporação intelectualplenamente formada. destinada ao preparo c aperfeiçoamentoacadêmicos"37.

Foi ainda nesse mesmo documento que o papa procurouzelar pela justiça c concórdia no ambiente universitário, me-diante a concessão de um privilégio conhecido como cessatio -o direito dc os alunos entrarem cm greve, se fossem tratadosde modo abusivo. Consideravam-se justa causa para a greve ospreços extorsivos fixados para o alojamento, a injúria ou muti-

36 Lowrie J. Daly. The Medieval University. págs. 163-4.

37 Ibid.. pág. 22. O Papado, escreve Cobban, "deve serconsiderado a principal influência responsável pela liberdade de quegozava a guilda (isto é. o corpo acadêmico organizado) de Paris" (AlanB. Cobban. The Medieval Uni- wrsities: Thtir Development andOrganization, Methucn & Co.. Londres, 1975. págs. 82 3).

IV A IGKKJA E A UNIVERSIDADE47

Page 48: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

lação de um estudante sem que houvesse uma satisfação ade-quada dentro do prazo de quinze dias. bem como a prisão ile-gal de um estudante"".

  Tornou-se comum que as universidades remetessem as

suas queixas ao Papa11. Em várias ocasiões, os pontíficesintervieram para obrigar as autoridades universitárias a pagaraos professores os seus salários; assim o fizeram Bonifácio VIII,Clemente V. Clemente VI e Gregório IX". Não é de admirar,pois, que um historiador tenha declarado que "o mais sólido econfiável protetor [das universidades] foi o Papa de Roma. Foiele quem lhes concedeu, aumentou e protegeu um estatutoprivilegiado em um mundo dc freqüentes conflitos de

 jurisdições"'4.No seu estágio inicial, a universidade carecia dc edifícios ou

dc um carnptts próprio. Consistia em um corpo dc professorese alunos, não em um local específico. As aulas eram mi-nistradas em catedrais ou em salas privadas. Não havia biblio-tecas. e teria sido difícil adquirir significativas coleções de li-vros. mesmo que as universidades possuíssem instalações pró-prias. Os livros absolutamente necessários aos estudanteseram em geral alugados, em vez de comprados.

Ao que parece, muitos estudantes universitários medievaisprovinham de famílias dc poucas posses. A maior parte dos es-

tudantes dc artes (cm sentido amplo) tinha entre catorze e vin-te anos de idade. Muitos matriculavam-se na universidade como objetivo dc se prepararem para uma profissão, e por isso não6  de surpreender que o curso mais freqüentado fosse o dc Di-reito. Havia também frades entre os estudantes: eram homensque desejavam simplesmente ampliar os seus conhecimentosou contavam com o patrocínio de um superior eclesiástico15.

11)Lowrie J. Daly. The Medieval University. pág. 168.12)"Universilics". cm Catholic Ivicwlopedia; Alan B. Cobhan. TheMedieval Uithvnities. pág. 57.13)"Univcrsiiícs". cm Catholic Eitcychpedia.14)Lowrie J. Daly. The Medieval Uniwrsilv. 202.15)Gortlon l.cff. Paris and Oxford Universities in lhe Thirieenih andFour•

teeitíh Ctnturies. pág. 10.O que é que se estudava nessas instituições? Começava-se

pelas sete artes liberais, para os principiantes, c prosseguia-secom o direito civil c canônico, a filosofia natural, a medicina ea teologia. Quando as universidades ganharam forma no sécu-

lo XII, foram as felizes beneficiárias dos frutos daquilo que al-

48  TIIOMAS E. WOODS JR.

Page 49: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

gunshistoriadores denominaram "a Renascença do séculoXII"38. Os intensos esforços de tradução permitiram recuperarmuitas das obras do mundo antigo - sobre a geometria eucli-

diana. a lógica, a metafísica, a filosofia natural e a ética aristo-télicas bem como as obras de medicina de Galeno. Tambémos estudos jurídicos começaram a florescer, particularmentecm Bolonha, quando foi descoberto o Digesto, coleção das de-cisões dos jurisconsultos romanos mais célebres, transforma-das em lei e integradas no Corpus júris civilis pelo imperador

 Justiniano no século VI. e que está na base de todos os códigoscivis modernos.

VIDA ACADÊMICA

A distinção que hoje fazemos entre os estudos dc gradua-ção c os dc pós-graduação seguia mais ou menos os padrõesde hoje. E. também como hoje, algumas universidades eramespecialmente conhecidas pelo seu alto nível emdeterminadas áreas: assim, Bolonha tornou-se famosa peloseu curso de direito c Paris pelos de teologia c de artes.

O graduando ou artista (isto é, o estudante das artes libe-

rais). assistia a conferências, participava dos debates queeventualmente sc organizavam nas aulas e assistia aos queeram cntabulados por outros. As prelcções versavamgeralmente sobre textos importantes, muitas vezes dosclássicos da Antigüidade. Além dos comentários sobre essestextos, os professores passaram a incluir gradualmente umasérie dc questões que deviam ser resolvidas pelo recurso aopensamento lógico. Com o tempo, a análise dessas questõessubstituiu basicamente os comentários dc textos. Esta foi aorigem do método escolástico dc argumentação por meio dadiscussão de argumentos contrapostos. tal como aencontramos na Summa theologiac de São Tomás de Aqui no.

O mestre designava alunos para defenderem aspectos con-trários de uma questão. Quando acabava a interação entre aspartes, cabia ao professor "definir" ou resolver a questão. Paraobter o diploma dc bacharel em artes, o aluno devia resolversatisfatoriamente uma questão perante os examinadores. de-pois de provar, naturalmente, que possuía a preparação ade-quada e que estava apto para ser avaliado, Essa ênfase na

38 O estudo clássico c dc Charles Homcr Haskins. The Renaissanceof lhe Twelfih Cenlury: veja-se também ui, The Rise of Universilies,págs. 4-5.

IV A IGKKJA E A UNIVERSIDADE49

Page 50: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

argumentação meticulosa, na exploração dc um "caso" (umexemplo) pela discussão de cada um dos seus aspectos comargumentos racionais, soa como o oposto daquilo que sccostuma associar à vida inteleetua! do homem medieval. Mas

era assim que funcionava o processo para a obtenção de umdiploma.Uma vez que o examinando dirimia satisfatoriamente a

questão, era-lhe conferido o diploma de bacharel em artes. Oprocesso levava normalmente quatro ou cinco anos. Chegadoa este ponto, o estudante podia simplesmente dar porterminada a sua formação, como faz hoje cm dia a maior parledos bacharéis. e sair em busca de um trabalho remunerado(até mesmo como professor nalguma das escolas menores daEuropa), ou decidir continuar os seus estudos e obter umdiploma de pós-graduação, o que lhe conferiria o título demestre e o direito de lecionar cm uma universidade39.

É difícil determinar o intervalo dc tempo exato que costu-mava transcorrer entre a obtenção da licenciatura e a do mes-trado. mas uma estimativa razoável 6 que oscilava entre seismeses e três anos. Sabe-se dc um candidato que. certamentepor ter lido todos os livros requeridos, recebeu os dois diplo-mas cm um mesmo dia14.

Contrariando a impressão geral de que as pesquisas esta-

vam impregnadas de pressupostos teológicos, os estudiososmedievais tinham um grande respeito pela autonomia dc tudoquanto se referisse à filosofia natural, um ramo que se ocupa-va dc estudar o funcionamento do mundo físico e. particular-mente. as mudanças e o movimento nesse mundo. Procurando

39 Para fazer uma idéia da vastidão dos conhecimentos que seexigiam para obter o titulo de mestre, vejamos o que diz um historiadormoderno n respeito dos textos corri que o mcslrando devia estarfamiliarizado: "Depois do bacharelado c antes de requerer a licençapara lecionar, o estudante devia ter •aprendido cm Paris ou em outrauniversidade» as seguintes obras aristotéli- cas: Física. Da geração eda ct>rritpçâo, Do céu e o Pan.-a naluratia\ especialmente. os tratadosde Aristóteles Da sensação e do sensível. Do sono e da vig{- lia. Damemória e reminiscincia. Da longevidade e brevidade da vida. Tambémdevia ter estudado (ou ter planos de fazé-lo) Da metafísica, além de terassistido a conferências sobre os livros matemáticos. (O historiador)Rashdall. falando do currículo dc Oxford, dá a seguinte lista de obrasque deviam ser lidas pelo estudante no período entre a conclusão dobacharelado e a iniciação no mestrado: livros sobre as artes liberais:cm gramática, Priseiano; cm retórica, a Retórica de Aristóteles (três

períodos) ou Tópicos (livro IV). de Boécio. ou a Nova Retórica, deCícero, ou Metamorfose, de Ovfdio. ou Poetria VirgUir, em lógica. DeInterpretatione. de Aristóteles, (três trimestres), ou Tópicos (livros I111). de Boécio. ou Analíticos Anteriores, ou Tópicos, de Aristóteles; cmarit-

50  TIIOMAS E. WOODS JR.

Page 51: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

explicações naturaispara os fenômenos da natureza, esses pesquisadoresmantinham os seus estudos à margem da teologia. Comoescreve Edward Grani cm Deus e a razão na Idade Média.

"exigia-se dos filósofos naturais das faculdades de artes que seabstivessem dc introduzir teologia e temas de fé na filosofianatural"40.

Esse respeito pela autonomia da filosofia natural, em rela-ção à teologia, também se observava entre os teólogos que es-creviam sobre ciências físicas. Um irmão dominicano pediu aAlberto Magno, o mestre de São Tomás de Aquino. que escre-vesse um livro dc física que os pudesse ajudar a entender asobras dc física dc Aristóteles. Temendo que esperassem umtrabalho entremeado de idéias teológicas. Alberto Magnorejeitou antecipadamente a idéia, esclarecendo que as idéiasteológicas pertenciam aos tratados de teologia, e não aos defísica.

O estudo da lógica na Idade Média fomecc-nos mais umtestemunho do compromisso com o pensamento racionalnessa época. "Através dos sólidos cursos de lógica - escreveGrant os estudantes medievais eram instruídos acerca dassutilezas da linguagem e das armadilhas da argumentação. Daio grande peso que se dava ã importância c utilidade da razão

na educação universitária". Edith Sylla, uma especialista emfilosofia natural, lógica c teologia dos séculos XIII c XIV,escreve que deveríamos "maravilhar-nos com o nível desofisticação lógica que com certeza atingiram os universitáriosde Oxford do século XIV"».

Naturalmente, os mestres guiavam-se por Aristóteles, umgênio da lógica, mas também compunham os seus própriostextos de lógica. Quem escreveu o mais famoso deles? Um fu-turo papa, Pedro de Espanha (João XXI), na década de 1230.Por centenas de anos, a sua Summulae logicales serviu de tex-to-basc. c lá pelo século XVII já tinha atingido 166 edições.

A IDADE DA ESCOlASTICA

Sc a Idade Média tivesse sido realmente um período emque as questões eram resolvidas pelo mero recurso aos argu-mentos de autoridade, esse rigor no estudo da lógica formal

40Ibid. pág. 13619)Edward Grane. Cod and Reason in lhe Middle Ages. CamhridgcUni- versity Press. Cambridge. 2001. pág. 184.

IV A IGKKJA E A UNIVERSIDADE51

Page 52: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

não faria sentido. O empenho com que se ministrava essa dis-ciplina revela, pelo contrario, uma civilização que almejavacompreender e persuadir. Para esse fim, os professores procu-ravam alunos capazes de detectar as falácias lógicas c de for-

mular argumentos logicamente sólidos. Foi a idade da Escolás-tica.É difícil chegar a uma definição da Escolástica que se possa

aplicar a todos os pensadores a quem tem sido atribuída essadesignação. Por um lado, o termo foi atribuído âs obrascinditas produzidas nas escolas, isto é. nas universidades daEuropa. Por outro, presta-se menos a descrever o conteúdo dopensamento dos autores dessas obras do que a identificar ométodo que usavam. Geralmente, a Escolástica estava ligadaao uso da razão como ferramenta indispensável para os estu-dos teológicos c filosóficos c para a dialética - confronto dcproposições opostas, seguido da solução da questão emdebate pelo recurso à razão e à autoridade -. e como métodode tratar assuntos de interesse intelectual. Com oamadurecimento dessa tradição, tornou-se comum que ostratados escolásticos seguissem uma pauta fixa: enunciado deuma questão, exposição dos argumentos de ambos os lados,manifestação do ponto de vista do autor e resposta àsobjeções.

 Talvez o primeiro dos escolásticos tenha sido Santo Ansel-mo de Cantuária (1033-1109), o abade do mosteiro de Bec cdepois arcebispo de Cantcrbury que. ao contrário dos demais,não ocupou nenhum cargo de docência, mas compartilhou comeles do empenho em usar da razão para analisar questõesfilosóficas e teológicas. Por exemplo, o seu Cur Deus homoexamina de um ponto de vista racional por que era convenien-te e adequado que Deus se fizesse homem.

Nos círculos filosóficos, no entanto. Santo Anselmo é bemmais conhecido pela sua prova racional da existência dc Deus -o chamado argumento ontológico -, que intrigou e estimuloumesmo aqueles que dele discordavam. Para Anselmo, aexistência de Deus era uma conseqüência lógica da própriadefinição dc Deus. Tal como um bom conhecimento e profundacompreensão da idéia dc "nove" implica que a sua raizquadrada é "três", assim também a profunda compreensão daidéia dc Deus implica que esse ser deve existirnecessariamente41.

41 Esta formulação do argumento de Santo Anselmo é do Dr.William Marra (t 1998). um velho ami^o que ensinou filosofia durantedécada* na Ford ha m University e que pertenceu à tradiçáo

52  TIIOMAS E. WOODS JR.

Page 53: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Anselmo postuloucomo definição inicial de Deus "aquilo em relação ao qualnada maior se pode conceber" (para simpli ficar, modificaremosessa formulação para "o maior ser conce- bívcl"). O maior ser

concebívcl deve possuir todas as perfei- çôes; caso contrário,nâo seria o maior ser concebívcl. Ora. a existência é umaperfeição, afirmava Anselmo, porque é melhor existir do quenâo existir. Suponhamos que Deus existisse apenas na mentedas pessoas, mas não na realidade. Isso significaria admitir queo maior ser concebívcl existe unicamente como uma idéia nasnossas mentes e não tem existência no mundo exlra-mental (omundo fora das nossas mentes). Nesse caso, nào poderia ser omaior ser concebívcl, uma vez que poderíamos conceber outromaior: um que existisse nas nossas mentes e também narealidade. Assim, a própria noção de "o maior ser concebívcl"implica imediatamente a existência de tal ser. porque. semexistência no mundo real. não seria o maior ser concebívcl.

A prova de Anselmo nào convenceu muitos dos filósofosposteriores, incluindo São Tomás de Aquino - embora umaminoria tenha insistido em que Anselmo estava certo -. mas.ao longo dos cinco séculos seguintes c até mais além, agrande maioria dos filósofos viu-se compelida a levar emconta o raciocínio do santo. Muito mais significativo que as

seculares reverberações desse argumento é, no entanto, ocompromisso com o uso da razão que os cscolásticosposteriores assumiram de modo ainda mais efetivo.

Outro dos primeiros cscolásticos importantes foi Pedro  Abe' lardo (1079-1142). um mestre muito admirado quelecionou durante dez anos na escola da catedral de Paris. EmSic et non ("Sim c nâo", cerca dc 1120), Abelardo elaborouuma lista de aparentes contradições, citando passagens dosprimeiros Padres da Igreja c da própria Bíblia. Qualquer quefosse a solução para cada caso, cabia à razão humana - e maisconcrcta- mente aos discípulos dc Abelardo - resolver essasdificuldades intelectuais. O prólogo de Sic et uon contém umbelo testemunho da importância da atividade intelectual e dozelo com que devia ser realizada:

"Apresento aqui uma coleção de afirmações dos SantosPadres pela ordem em que delas me lembrei. As discrepân-cias que esses textos parecem conter levantam certas

questões que devem constituir um desafio para que os

minoritária dc filósofos ocidentais convencidos de que essa provaracional era capa/, de demonstrar a necessidade da existência de Deus

IV A IGKKJA E A UNIVERSIDADE53

Page 54: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

meus jovens leitores concentrem todo o seu zelo emestabelecer a verdade c, assim agindo, cresçam emperspicácia. Como já foi definido, a primeira fonte dcsabedoria é a inquirição constante c profunda. O mais

brilhante dos filósofos. Aristóteles. encorajou os seusalunos a assumir essa tarefa com todo o peso da suacuriosidade [...). Disse ele: «É tolice que alguém façaafirmações rotundas sobre estes assuntos, sc nâo lhesdedicou muito tempo. É prática muito útil questionar todosos detalhes». Ao levantarmos questões, começamos apesquisar e. pela pesquisa, atingimos a verdade, comodisse Aquele que é a própria Verdade: Buscai e acha- reis;balei e abrir-se-vos-á. Ele demonstrou-nos isso pelo seupróprio exemplo moral, quando foi encontrado, aos dozeanos de idade, sentado no meio dos doutores, ouvindo-ose fazetulo-lhes perguntas. Aquele que é a própria Luz. aplena c perfeita sabedoria de Deus. quis. pelas suasperguntas, dar exemplo aos seus discípulos antes dctornar-se modelo de mestres com as suas pregações.Portanto, quando cito passagens das Escrituras, é paraestimular e incitar os meus leitores a pesquisar, dentre daverdade e da maior autoridade dessas passagens, com amaior seriedade que essa pesquisa possa ter"".

Embora o seu trabalho sobre a Trindade lhe tenha acar-retado uma censura eclesiástica. Abelardo estava em grandesintonia com a vitalidade intelectual do seu tempo c partilhavacom ela da confiança na capacidade da razão que Deus conce-deu ao homem. Era ele um filho fiel da Igreja e o seu trabalhosempre sc orientou para a construção e fortalecimento dogrande edifício da verdade sustentada pela Igreja. Disse certavez que não "desejava ser um filósofo, sc isso significasserebelar-se contra o Apóstolo Paulo, nem um Aristóteles, sc issosignificasse separar-se dc Cristo"". Os hereges - disse também- usaram argumentos da razão para atacar a fé c. por issomesmo. era muito conveniente e apropriado que os fiéis daIgreja fizessem uso da razão paia defender a fé'4.

Embora tenha feito levantar algumas sobrancelhas na suaépoca, o uso que fez da razão para refletir sobre os assuntosteológicos viria a ser assumido por escolásticos posteriores,culminando, no século seguinte, em São Tomás dc Aquino.Nota-se claramente a sua influencia em Pedro Lombardo

(1100- -1160). que deve ter sido seu aluno.Arcebispo de Paris durante um breve período, Pedro Lom-

bardo escreveu as Sentenças, uma obra que se tornou um

54  TIIOMAS E. WOODS JR.

Page 55: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

texto básico para osalunos dc teologia dos cinco séculos seguintes. O livro éuma exposição sistemática da fé católica, cm que se abordamnumerosos assuntos, desde os atributos divinos até questões

como o pecado, a graça, a Encarnaçào. a Redenção, asvirtudes, os sacramentos c os novíssimos (morte, juízo céu einferno). De modo significativo, procura combinar a confiançana autoridade com a disposição de empregar a razão naexplanação dos temas teológicos42.

O maior dos escolásticos e. na realidade, uma das maioresinteligências dc todos os tempos foi São Tomás de Aqttino(1225-1274). A sua imensa obra, a Summa iheologiae,levantou c respondeu a milhares de questões cm teologia efilosofia, que vão da teologia dos sacramentos alé à guerra

 justa ou à questão de saber se todos os vícios deveriam serconsiderados crimes (São Tomás disse que não). Mostrou queAristóteles - t ido por ele c por muitos dos seuscontemporâneos como o ponto alto do pensamento profano -podia ser facilmente harmonizado com os ensinamentos daIgreja.

Os escolásticos discutiram muitos temas significativos,mas, nos casos de Anselmo e Tomás dc Aquino. prefiro

concentrar aqui o foco na existência de Deus, talvez por ser oexemplo clássico do uso da razão cm defesa da fé. (Aexistência dc Deus pertence àquela categoria dcconhecimentos que São Tomás considerava poderem seratingidos tanto por meio da razão como da revelação divina).

 Já vimos o argumento de Santo Anselmo; São Tomás, por suavez, desenvolveu na Stonrna theo- logiae cinco vias parademonstrar a existência de Deus, e des- creveu-as ainda maisamplamente na Sttmma contra gentiles. Para se ter algumaidéia do caráter c da profundidade da sua argumentação nesteponto, deve-se ver como aborda a questão pelo ângulo do queé conhecido tecnicamente como o argumento da causalidadeeficiente, c tomando por empréstimo um pedaço doargumento sobre a contingência e a necessidade43.

Entenderemos melhor a visão de São Tomás sc começar-mos com uma experiência imaginária da nossa vida corrente.Suponhamos que eu queira comprar meio quilo dc peito dc

42 Lowrie J. Daly. The Medieval Uitivtrsity. pág. 105.43 Vcja-sc o cxccicnte artigo dc James A. Sadowsky, "Can Thcrc Bean l-ndlcss Regivss of Causes?", cm Brian Davies. cd.. Philosophv of Religion: A Cuide and Anthobgy. Oxforxl University Press. New York.200Ó. pág. 239-42.

IV A IGKKJA E A UNIVERSIDADE55

Page 56: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

peru em uma mercearia. Ao chegar lá. sou informado de quetenho de pegar uma senha antes dc poder fazer o meu pedido.No entanto, justamente quando estou a ponto dc pegar essasenha, dizem-me que tenho de pegar outra senha para poder

pegar a senha anterior. E que. justamente quando estou parapegar esta última, devo pegar ainda outra. Deste modo, tenhode pegar uma senha, para pegar uma senha, para pegar umasenha, a fim de poder fazer o meu pedido no balcão da mer-cearia.

Suponhamos ainda que a série de senhas requeridas é infi-nita. isto é. que de cada vez que pego uma senha descubroque existe uma senha anterior c devo tê-la em meu poderantes de pegar a seguinte. Nessas condições, nunca chegareiao balcão. Por todo o sempre, daqui até o final dos tempos,estarei correndo atrás de senhas.

Mas se eu vir alguém que vem saindo da mercearia commeio quilo de rosbife comprado no balcão, saberei instanta-neamente que. na realidade, a série dc senhas não pode conti-nuar para sempre, porque nesse caso ninguém poderia jamaisser atendido ao balcão. Portanto, a série tem de ser finita.

Este exemplo pode parecer muito distante da questão daexistência de Deus, mas nào o é; a prova de São Tomás é decerto modo análoga a ambos. Começa pela idéia de que todo o

efeito requer uma causa c de que nada do que existe no mun-do físico é causa da sua própria existência: é o chamado prin-cípio da razão suficiente. Quando vemos uma mesa. por exem-plo. sabemos perfeitamente que ela não apareceu espontanea-mente. Deve a sua existência a algo mais: a um construtor e auma matéria-prima anteriormente existente.

Uma coisa A deve a sua existência a alguma causa B. MasB. por sua vez. não é um ser que exista por si mesmo, c temtambém necessidade de uma causa C. Mas agora C precisaigualmente dc uma causa D para existir. Tal como no exemploda mercearia, deparamos com as dificuldades levantadas poruma série infinita. E se tivermos uma série infinita, na qualcada causa requeira ela própria uma causa, então nada

 poderia jamais ter chegado à existência.São Tomás explica que tem de haver, em conseqüência,

uma Causa sem causa - uma causa que cm si mesma não ne-cessite dc causa, e que, por conseguinte, dê inicio à seqüênciade causas. Esta primeira causa - diz São Tomás - é Deus. Deus

é um ser que existe por si mesmo, cuja existência é parte dasua própria essência. Nenhum ser humano deve existir neces-sariamente; houve um tempo antes dc cada um de nós ter vin-

56  TIIOMAS E. WOODS JR.

Page 57: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

do à existência,e o mundo continuará a existir depois de cada um dc nóster morrido. A existência não é parte da essência de nenhumser humano. Mas com Deus é diferente: Ele não pode não

existir. E não depende de nada anterior a si mesmo paraexplicar a sua existência.

UM -RIO DE CIÊNCIA"

Este tipo dc rigor filosófico caracterizou a vida intelectualdas primeiras universidades. Não é dc estranhar que os papase outros homens da Igreja situassem as universidades entre asgrandes jóias da civilização cristã. Era comum ouvir descrevera Universidade de Paris como a "nova Atenas"44  - umadesignação que evoca as ambições dc Alcufno quando, váriosséculos antes, no período carolíngio, se propunha estabeleceruma nova Atenas no reino dos francos. O papa Inocêncio IV(1243- -1254) descreveu as universidades como "rios deciência cuja água fertiliza o solo da Igreja universal", c o papaAlexandre IV (1254-1261) chamou-as "lâmpadas que iluminama casa de Deus". E é ao apoio dado pelos papas que sc devemo crescimento e o êxito do sistema universitário. "Graças aessas intervenções pontifícias - escreve o historiador Henri

Daniel- -Rops o ensino superior foi capaz de expandir-se. AIgreja foi sem dúvida a matriz de onde saiu a Universidade, oninho dc onde ela levantou vôo"".

É um fato comprovado que uma das mais importantes con -tribuições medievais para a ciência moderna foi a liberdade dcpesquisa no mundo universitário, onde os acadêmicos podiamdebater c discutir as proposições apoiados na certeza da utili-dade da razão humana. Contrariamente ao retrato grosseira-mente inexato que sc tem feito da Idade Média, a vida intelec-tual medieval prestou contribuições indispensáveis à civiliza-ção ocidental. "Os mestres da Idade Média - concluiu DavidLindberg em The Beginnings of Western Science (1992) - cria-ram uma ampla tradição intelectual, sem a qual osubseqüente progresso na filosofia natural teria sidoinconcebível"

Christophcr Dawson. um dos grandes historiadores do sé-culo XX. observou que. desde os tempos das primeiras univer-sidades, "os mais altos estudos eram dominados pela técnica

44 Hcnri Danicl-Rops. A Igreja das catedrais e das cruzadas, trad.dc Emérico da Gama. cm História da Igreja de Cristo, vol. 3. Ouadranic.São Paulo. 1993, pág. 348.

IV A IGKKJA E A UNIVERSIDADE57

Page 58: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

da discussão lógica: a questio c o debate público, que tão am-plamente determinaram a forma da filosofia medieval,sobretudo nos seus principais expoentes. «Nada pode serperfeitamente conhecido - disse Roberto dc Sorbonnc - se nâo

tiver sido mastigado pelos dentes do debate, e a tendência asubmeter todas as questões, da mais óbvia à mais abstrusa. aesse processo de mastigação não só estimulava a perspicáciac a exatidão do pensamento como. acima dc tudo. desenvolviao espírito crítico c a dúvida metódica a que a cultura c aciência ocidentais tanto devem»"45.

O historiador da ciência Edward Grani concorda com esse juízo:

"O que foi que tornou possível ã civilização ocidentaldesenvolver a ciência c as ciências sociais de um modoque nenhuma outra civilização havia conseguido atéentão? Estou convencido de que a resposta está nopenetrante e profundamente arraigado espírito de pesquisaque teve início na Idade Média como conseqüência naturalda énlase posta na razão. Com exceção das verdadesreveladas, a razão era entronizada nas universidadesmedievais como árbitro decisivo para a maior parte dosdebates e controvérsias intelectuais. Os estudantes,

imersos em um ambiente universitário, consideravammuito natural empregar a razão para pesquisar as áreas doconhecimento que não haviam sido exploradasanteriormente, assim como discutir possibilidades queantes não haviam sido consideradas seriamente"31.

A criação da Universidade, o compromisso com a razão ccom a argumentação racional e o abrangente espirito de pes-quisa que caracterizou a vida intelectual medieval representa-ram "um dom da Idade Média latina ao mundo moderno [...),ainda que nunca se venha a reconhecê-lo. Talvez esse domconserve para sempre a condição de segredo mais bemguardado que a civilização ocidental teve durante os quatroséculos passados"31. Foi um dom da civilização cujo centro eraa Igreja Católica.

45 Christopher Dawson. Religion and lhe Rise of Western Cnhure.págs 190-1.

58  TIIOMAS E. WOODS JR.

Page 59: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

A IGREJA E A CIÊNCIA

I Terá sido apenas coincidência que a ciência moderna se de-senvolvesse em um ambiente em ampla medida católico, ouhouve alguma coisa no próprio catolicismo que possibilitou oseu progresso? O simples fato de levantarmos esta questão jásignifica transgredir as fronteiras da opinião cm voga. No en-tanto, são cada vez em maior número os estudiosos que a le-vantam, c as suas respostas podem surpreender-nos. I Não éum assunto secundário. Na mentalidade popular, a alegadahostilidade da Igreja Católica para com a ciência talvezconstitua o seu principal ponto fraco. O caso Galilcu, na |tycrsáo deturpada com a qual a maior parte das pessoas estáfamiliarizada, é largamente responsável pela crença tãodifundida de que a Igreja obstruiu o avanço da pesquisacientífica. Porém, ainda que esse caso tenha sido bem menos

ruim do que as pessoas pensam, o cardeal John HenryNewman, famoso converso do anglicanismo do século XIX,achou revelador <|iie seja esse praticamente o únicoexemplo que sempre açode •I mente das pessoas quando sepensa na relação entre a Igreja fc a ciência.

k0ALIL.HU

A controvérsia de Galileu centrou-se cm torno do trabalhodo astrônomo polonês Nicolau Copémico (1473-1543). Algunsestudiosos modernos de Copérnico afirmam que era padre,mas não existe nenhuma evidência direta de que tivesse che-gado a receber as ordens maiores, embora tivesse sidonomeado cóncgo do cabido de Fraucnburg no final da décadadc 1490. Fosse qual fosse o seu estado clerical. porém, ocerto que nasceu e sc criou cm uma família profundamentereligiçj sa. na qual todos pertenciam ã Ordem Terceira de SãoDomin gos, a associação de fiéis vinculada à Ordem queestendera aos leigos a oportunidade dc participar da

espiritualidade c da tradição dominicanas1.Como cientista. Copérnico era uma figura de renome nos

meios eclesiásticos, tendo sido consultado pelo V Concilio dc

VI.

Page 60: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Latrão (1512-1517) sobre a reforma do calendário. A pedidojdos amigos, dc colegas acadêmicos c de vários prelados, que

instavam a publicar o seu trabalho. Copérnico acabou por ce-der c publicou Seis Uvros sobre as Revoluções das ÓrbitasCelestes. que dedicou ao papa Paulo III. em 1543. Antes ainda,em 1531. tinha redigido para os amigos um sumário do seusistema heiiocêntricô que viria a atrair as atenções até dopapa Clemente VII; este convidaria o humanista c advogado

  Johann Albe VVidmanstadt a dar uma conferência pública noVaticano sobré o lema. ficando muito bem impressionado como que ouviu2

No seu trabalho. Copérnico conservou muito da astronomiaconvencional da sua época, a qual se devia quase por complcta Aristóteles e, acima dc tudo. a Ptolomeu (87-150 d.C.). umbrilhante astrônomo grego para quem o universo era gcocên-trico. A astronomia copcrnicana partilhou com a dos seus pre-cursores gregos alguns aspectos, tais como a perfeita esferieidade dos corpos celestes, as órbitas circulares c a velocidadeconstante dos planetas. Mas introduziu uma diferença significativa ao situar o Sol. ao invés da Terra, no centro do sistemano seu modelo, a Terra c os outros planetas moviam-se emtomo do Sol.

Apesar do feroz ataque dos protestantes, que viam no sistema copemicano uma frontal oposição ã Sagrada Escritura essesistema não foi objeto dc uma censura católica formal até quesurgiu o caso Galileu.

Galileu Galilei (1564-1642). além dos seus trabalhos nocampo da física, fez com o seu telescópio algumasobservações

(!) Cfr. por exemplo J.C. Hagcn. "Nicolaus Copcrnicus". cm CailiolieF.ncyolopedia.

(2) Jcrome J. Langford OP. Calileo. Science and lhe Church. Dcscléc.New York. 1966. pág. 35.astronômicas importantes que contribuíram para abalar o sis-tema ptolomaico. Observou montanhas na lua. com o que der-rubava a velha certeza de que os corpos celestes eramperfeitamente esféricos. Descobriu as quatro luas que orbitamcm torno dc Júpiter, demonstrando não só a presença dcfenômenos celestes que Ptolomcu c os antecessores nãohaviam percebido, mas também que um planeta, movendo-sena sua órbita, não deixa para trás os seus satélites. (Um dosargumentos contrários ao movimento da Terra era o dc que a

VI.

Page 61: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Lua seria deixada para trás). A descoberta das fases de Vénusfoi outra peça de evidência cm favor do sistema copcrnicano.

Inicialmente. Galilcu c a sua obra foram bem acolhidos cfestejados por eminentes eclesiásticos. Em fins de 1610, o pc.Cristóvão Clavius' comunicava por carta a Galileu que os seusamigos astrônomos jesuítas haviam confirmado as suas desco-bertas. Quando foi a Roma no ano seguinte, o astrônomo foisaudado com entusiasmo tanto pelos religiosos como por per-sonalidades leigas. Escreveu a um amigo: "Tenho sidorecebido e favorecido por muitos cardeais ilustres, prelados cpríncipes desta cidade". O papa Paulo V conccdeu-lhc umalonga audiência c os jesuítas do Colégio Romano organizaramum dia de atividades em homenagem às suas descobertas.

Galileu estava encantado: perante uma audiência dc car-deais. matemáticos e líderes civis, alguns alunos dos pes.Gricn- borger46 c Clavius discorreram sobre as descobertas doastrônomo. Tudo parecia favorecê-lo. Quando, em 1612.publicou o seu História e demonstrações em tonto dasmanchas solares e dos seus acidentes, cm que pela primeiravez aderia publicamente ao sistema copernicano, uma dasmuitas e entusiásticas cartas de congratulação que recebeuveio de ninguém menos que o cardeal Maffco Barbcrini. luturopapa Urbano VIII47. J

A Igreja nào fazia objeção ao uso do sistema copernicanocomo um modelo teórico, como uma hipótese cuja verdade li-teral nào linha sido comprovada48, pois efetivamenteexplicava os fenômenos celestes de maneira mais elegante eprecisa que o sistema ptolcmaico. Pensava-se que nào havianenhum mal cm apresentá-lo e usá-lo como um sistemahipotético.

Galileu. porém, acreditava que o sistema copernicano eraliteralmente verdadeiro, c nào uma simples hipótese que for-

46 O pe. Cristoph GnenUrger  (1531-1636). que comprovoupessoalmente a descoberta das luas de Júpiter por Galileu. era umcompetente astrônomo, inventor da montagem equatorial, que faziagirar um telescópio sobre um eixo paralelo ao da Terra. Tambémcontribuiu para o desenvolvimento do telescópio dc refração que seutiliza hoje em dia Ubid.).

47 Cfr. Jcrome J. Langford. Calileo. Science and lhe Church. págs.

-45 a 52.48 É precisamente o que era na época. A rotação da (erra c «■lielioccn-j trtsmo só vieram a ser compiovados experimentalmente cm1851, com o pêndulo que Lcon Foucault pendurou do ápice do domodo Pantcáo de Paris (N. do E.).

VI.

Page 62: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

necesse previsões precisas, mas não dispunha dc evidênciasadequadas que respaldassem a sua crença. Assim, por exem-

plo, argumentava que o movimento das marés constituíauma prova do movimento da Terra, argumento que hoje.curiosamente, os cientistas consideram ridículo. Não eracapaz de responder à objeção dos gcoccntristas - que vinhade Aristóteles - de que. se a Terra sc movia, então deveria serpossível observar uma mudança de paralaxe quandoobservássemos as estrelas, coisa que não acontecia49. Noentanto, apesar da falta dc provas estritamente cientificas.Galileu insistiu na verdade literal do sistema copernicano crecusou-se a aceitar um compromisso pelo qual ocopemicanismo deveria ser ensinado como hipótese até quepudesse apoiar-se em evidências conclusivas. Quando foimais longe ainda c sugeriu que. pelo contrário, eram osversículos da Sagrada Escritura que deviam serrcinterprclados, passou a ser visto como alguém queusurpara a autoridade dos teólogos.

  Jcromc Langford, um dos mais judiciosos estudiosos mo-dernos deste assunto, fomccc-nos um sumário muito útil da

posição de Galileu:"Galileu estava convencido dc possuir a verdade, mas

não tinha provas objetivas suficientes para convencer oshomens de mente aberta. É uma completa injustiça afir-mar. como fazem alguns historiadores, que ninguém ouviaos seus argumentos e que nunca teve uma oportunidade.Os astrônomos jesuítas tinham confirmado as suas desco-bertas c esperavam ansiosamente por provas ulteriorespara poderem abandonar o sistema dc Tycho* e passarema apoiar com segurança o copcrnicanismo. Muitoseclesiásticos influentes acreditavam que Galileu deviaestar ccrto, mas tinham de esperar por mais provas".

"Como é evidente, não é inteiramente correto pintarGalileu como uma vítima inocente do preconceito e daignorância do inundo", acrescenta Langford. "Parte da culpados acontecimentos subseqüentes deve ser atribuída aopróprio Galileu, que recusou qualquer ressalva e, sem provas

49 Paralaxe é o deslocamento aparente que se deveria observarna posição de umas estrelas cm relação às outras por causa damudança dc posição do observador. O argumento diz que. se a Terrase move cm tomo do Sol. as es

VI.

Page 63: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

suficientes, fez derivar o debate para o terreno próprio dosteólogos"50. I Foi, portanto, a insistência de Galileu sobre a

verdade literal do copcrnicanismo que causou a dificuldade,uma vez que, aparentemente, o modelo hcliocêntricô pareciacontradizer certas passagens da Escritura. A Igreja, sensívelàs acusações protestantes de que os católicos não faziammuito caso da Bíblia. hesitou em acolher a sugestão de que scpusesse de lado O sentido literal da Escritura - que. às vezes,parecia implicar na ausência de movimento da Terra - paraacomodar uma teo-

8)Tycho Brahe (1546-1601) propôs um sistema astronômico quesc situava mais ou menos entre o gcoccnlrismo ptolomaico c olielioccntrismo copcr- nicano. Nesse sistema, iodos os planetas,com exceção da Terra, giravam cm torno do Sol. mas o Sol giravacm tomo da Terra, que permanecia estacioná- ria científica semprovas51. Mesmo assim, aqui a Igreja não foi inflexível.Como comentou na época o célebre cardeal RobertdflBelarmino,

"Sc houvesse uma verdadeira prova de que o Sol é ocentro do universo, de que a Terra está no terceiro céu e !

dc que o Sol nào gira em torno da Terra, mas a Terra emtorno do Sol. cntào deveríamos agir com grande circunspe-

 J çào ao explicar passagens da Escritura que parecem ensi-nar o contrário, c admitir que não as havíamos entendido, Icm vez dc declarar como falsa uma opinião que sc provaiverdadeira. Mas eu mesmo não devo acreditar que existamtais provas enquanto nào me sejam mostradas"".

A abertura dc princípio do cardeal Belarmino a novas inter-pretações da Escritura à luz dos acréscimos feitos ao universodo conhecimento humano não era nada dc novo. SantoAlberto Magno era do mesmo parecer: "Acontece comfreqüência", es- i crcvcu certa vez, "que surge alguma questãosobre a terra, o céu ou outros elementos deste mundo, arespeito da qual um ' não-cristào possui conhecimentosderivados dos mais acurados I raciocínios ou observações.

50 Cfr. Jcromc J. Langford. Galilco. Science and lhe Church, págs.68-69.

51 Cfr. Jacqucs Bar/.un. Frtnn Dawn to Decadence. HarpcrCollins. New York. 2001. pág. 40; um bom resumo deste assuntoaparece cm H.W. Crockcr III. Triumph. Prima. Roscvillc. Califórnia.2001. pág. 309-11

VI.

Page 64: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Neste caso, deve-se evitar cuidado- I samente. porque seriamuito desonroso e prejudicial para a fé, que um cristão, ao

falar dessas matérias dc acordo com o que pensa que di/.emas Sagradas Escrituras, seja ouvido por um não-crcntc a dizertais tolices que esse não-crcnte - percebendo | que o outroestá tão afastado da realidade como o leste o está do oeste -quase nào conseguisse conter o riso"52. Também São | Tomásde Aquino advertiu sobre as conseqüências de sc querersustentar uma determinada interpretação da SagradaEscritura a respeito da qual tivessem surgido sérios motivospara pensar ] que não era correta:

"Primeiro, é preciso crer que a verdade da Escritura é Iinviolável. Segundo, quando há diferentes maneiras dc cx-[ plicar um texto da Escritura, nenhuma das interpretações Iparticulares deve ser sustentada com tanta rigidez que, sc Iargumentos convincentes mostrarem que é falsa, alguém Pouse insistir cm que, mesmo assim, esse ainda é o sentido Pcorreto do texto. Caso contrário, os náo-crentcs despreza- Práo a Sagrada Escritura c o caminho da fé se fechará para Pclcs''

,,

.

[ Em 1616, depois dc ter ensinado pública c insistentemente oteoria copcrnicana, Galileu foi avisado pelas autoridades daIneja dc que devia parar dc sustentá-la como verdade, emborafosse livre para apresentá-la como hipótese. Galileu concordouc prosseguiu com os seus trabalhos.| Em 1624, fez outra viagem a Roma, onde foi novamente re-cebido com grande entusiasmo e procurado por influentes car-deais desejosos de discutir com ele questões científicas. Opapa Urbano VIII deu-lhe muitos presentes valiosos c emitiuum bieve dc recomendação ao gráo-duque da Toscana cm queo reconhecia como um homem "cuja fama brilha no céu c scespalha por todo o mundo". Comentou com ele, cm particular,que a Igreja não tinha declarado herético o copcrnicanismo eque nunca o faria.[' No entanto, o Diálogo sobre os dois grandes sistemas domundo, que Galileu publicou cm 1632 c fora escrito a pedidodo papa, ignorou a instrução de que o copcrnicanismo deviaser tratado como hipótese c não como verdade estabelecida53. 

52(1*2) James J. Walsh. The Popes and Science. Fordham UnivcrsitvPress, New York. 1911. págs. 296-97.

53 Anos mais tarde, o pe. Gricmbcrger comentou que. se Galileutivesse tratado as suas conclusões como hipóteses, poderia ter escrito

VI.

Page 65: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Para sua infelicidade, cm 1633 o astrônomo foi declarado sus-peito de heresia c proibido de publicar escritos sobre o tema.

Continuou a produzir outras obras, aliás ainda melhores emais Importantes, particularmente os seus Discursos edemonstrações matemáticas em torno de duas novas ciências(1635). Mas essa censura insensata manchou por muito tempoa reputa" da Igreja.

É importante, porém, não exagerar o que aconteceu. Coexplica J.L. Heilbron:

"Os contemporâneos bem informados foram da opiniãode que a alusão à heresia no caso dc Galileu ou Copérni"nâo linha nenhum alcance geral ou teológico. Em 1642,,Gassendi observou que a decisão dos cardeais, embora im-portante para os fiéis, não teve a categoria de um artigo defé; em 1651, Riccioli afirmou que o helioccntrismo não erauma heresia; em 1675. Mengoli declarou que as interpretações da Escritura só podem obrigar os católicos se foremaprovadas em um concilio geral; c em 1678. Baldigiai»,acrescentou que não havia ninguém que nào soubesse dis-

O certo é que os cientistas católicos, muitos deles jesuí oumembros de outras Ordens religiosas, continuaram a fazer assuas pesquisas sem nenhum tipo de entraves, cuidando ape-nas dc tratar como hipótese o movimento da terra, como aliás

 já o tinha recomendado o decreto da Santa Sé dc 1616. Umdecreto dc 1633, pouco posterior ao processo, excluiu dasdiscussões acadêmicas qualquer menção ao movimento daterra; no entanto, cientistas como o pe. Rogério Boscovichcontinuaram a usar nas suas obras a idéia de uma terra emmovimento, c por isso os historiadores especulam que setratava apenas dc um reforço da censura original c era"dirigido a Galileu Galilci pessoalmente", nào aos cientistascatólicos como um todo54.

Dc qualquer modo. a condenação dc Galileu, mesmo queenquadrada no seu contexto, tão distante da colocação exage-rada e sensacionalista da mídia, criou embaraços à Igreja c

qualquer coisa que quisesse (cfr. Joseph MacDonnell. Jesuil Ceomelers.Apêndice I. 6-7).

54 Zdcnek Kopal. "The Conlribution of Boscovich lo Astronomyand Geodcsv". cm Lancclot Law Whytc. cd.. Roger Joseph Boscovich.S. )., F. R S.. I7I/-I787. Fordham University Press, New York. 1961. pág.175.

VI.

Page 66: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

deu origem ao mito de que ela seria hostil à ciência'7.DEUS "DISPÔS TODAS AS COISAS COM

MEDIDA. QUANTIDADE E PESO"

A partir da obra dc Pierre Duhcm. nos comcços do séculoXX, os historiadores da ciência tendem cada vez mais a desta-car o papel crucial da Igreja no desenvolvimento da ciência.Infelizmente, muito pouco desse trabalho acadêmico tempenetrado na consciência popular. Aliás, essas falsas imagenspopulares não são incomuns; a maior parte das pessoas, porexemplo. ainda acredita que a Revolução Industrial reduziudrasticamente o padrão de vida dos trabalhadores, quando, narealidade. o padrão médio de vida se elevou14. Do mesmomodo. o verdadeiro papel da Igreja no desenvolvimento daciência moderna continua a ser uma espécie de segredo para opúblico em geral.

O pe. Stanley Jaki é um historiador da ciência - com dou-torados cm teologia c em física e prêmios internacionais -, cu-

 jos profundos conhecimentos ajudaram a dar ao catolicismo cá Escolástica o seu devido valor em relação ao desenvolvimen-to da ciência ocidental. Muitos dos seus livros anteciparam aprovocativa afirmação dc que, longe dc obstruírem o progressoda ciência, as idéias cristãs contribuíram para torná-lo possível.

 Jaki dá grande importância ao falo de que a tradição cristã -desde a sua pré-história no Antigo Testamento e através detoda a Idade Média, como também depois - concebe Deus - c.por extensão, a criação - como uma realidade racional e orde-nada. Ao longo de toda a Bíblia, a regularidade dos fenômenosnaturais é descrita como reflexo da bondade, beleza e ordemde Deus. Por isso. se Deus "impôs uma ordem às magníficasobras da sua sabedoria", é unicamente porque Ele existe deeternidade em eternidade (Sir 42. 21). "O mundo. - escreve

 Jaki, condensando o testemunho do Antigo Testamento - comoobra artesanal que é dc uma Pessoa sumamente racional, estádotado dc ordem e propósito".

Essa ordem é evidente em tudo o que nos cerca. "A regula-ridade das estações, a trajetória infalível das estrelas, a harmo-nia dos planetas, o movimento das forças da natureza segundoordenamentos fixos -. tudo isso sào resultados do Único cmquem sc pode confiar incondicionalmente". É isso mesmo quediz Jeremias quando cila a recorrente fidelidade das colheitas

como prova da bondade de Deus. e quando traça o paralelo"entre o amor sem falhas dc Yavé c a ordem eterna pela qualestabelece o curso das estrelas c das marés"".

VI.

Page 67: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

  Jaki chama a nossa atenção para o livro da Sabedoria (II,20). onde sc diz que Deus dispôs todas as coisas com medida,

quantidade e peso55. Esse versículo, de acordo com Jaki. nãoapenas deu suporte aos cristãos que defenderam aracionalidade do universo nos fins da Antigüidade, comotambém incentivou os cristãos que viveram um milênio maistarde, nos começos da ciência moderna, a investir empesquisas quantitativas como caminho para entender ouniverso.

Isto pode parecer tão óbvio que desperte pouco interesse.Mas a idéia de um universo racional c ordenado - enorme-mente fecunda c na realidade indispensável para o progresso 1

da ciência - escapou a civilizações inteiras. Uma das tesescentrais dc Jaki é a de que nào foi uma coincidência que onascimento da ciência, como um campo dc esforço intelectualpermanente, tivesse ocorrido cm um meio católico. Certasidéias cristàs fundamentais - sugere ele - foram indispensáveisao surgimento do pensamento cientifico. As culturas não-cristâsj nào possuíam as mesmas ferramentas filosóficas e.pelo con-' trário. tinham estruturas conceituais quedificultavam o desenvolvimento da ciência.

Em Science and Creation. Jaki examina à luz dessa tesesete grandes culturas - a árabe, a babilônica. a chinesa, aegípcia, a grega, a hindu e a maia - e conclui que em iodaselas a ciência sofreu um "aborto espontâneo". A razão disso éque, por carecerem da crença em um Criador transcendenteque dotou a sua criação de leis físicas consistcnics. essasculturas conceberam o universo de modo panlcista, como umgigantesco organismo dominado por um panteão dedivindades e destinado a um ciclo sem fim dc nascimento,morte c renascimento. Isso tornou impossível odesenvolvimento da ciência56.

Por sua vez, o animismo, que caracterizou as culturas mais

55 David Lindberg cita diversas ocasiões cm que Santo Agostinhosc refere a esse versículo: ver David C. Lindberg. "On lhe Applicabilityoi Mathcma* ties to Nature: Roger Bacon and his Prcdcccssors". British

 Journal for lhe His- tory of Science 15 (1982). 7.56 A única exccçâo, dentre as sele mencionadas, e a maometana

(árabe), que concebe um Deus único, mas táo soberanamente livre

que nâo se submetei ia nem mesmo às leis da racionalidade que Elemesmo criou. Uma vez que l.le poderia mudar a todo o momento as"regras do jogo" da Criaçáo - determinar que o que era verdade atéentáo deixasse de sé-lo. que o mal passasse a ver bem. etc. -. náofaria sentido tentar averiguá-las (N. do E.).

VI.

Page 68: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

primitivas, impediu o crescimento da ciência por imaginar queas coisas criadas possuíam mente e vontade próprias - uma

idéia que impedia dc pensar que cias pudessem ter um com-portamento ditado por leis, segundo padrões fixos que erapossível averiguar.

A doutrina cristã da Encamação opõe-se firmemente tantoa um como ao outro desses modos de pensar. Cristo é omono- genes - o "unigênilo" - Filho de Deus. Sc. dentro davisão gre- co-romana do mundo, "o universo era o monogenesou o «uni- gênito», emanação de um princípio divino que nãoseria realmente distinto desse mesmo universo"", para ocristianismo o divino repousa estritamente cm Cristo c naSantíssima Trindade, que transcende o mundo; cxclui-sc assimqualquer tipo de imanentismo ou panteísmo, c não se impedeos cristãos, muito pelo contrário, de enxergarem o universocomo um reino de ordem c previsibilidade -. ou seja. cm ultimaanálise como o domínio próprio da ciência.

  Jaki não nega que essas culturas tenham alcançado notá-veis feitos tecnológicos, mas mostra que não vemos surgir dainenhum tipo de pesquisa cientifica formal e sustentável. É porisso que, cm outra obra recente sobre este assunto, sc pôdeafirmar que "as primeiras inovações tecnológicas grcco-roma-nas. do Islã. da China Imperial, sem mencionar as realizaçõesdos tempos pré-históricos, não constituem ciência c podemser descritas mais adequadamente como artesanato, savoir-faire, habilidade, tradição, treinamento, técnica, tecnologia,engenharia ou. simplesmente, conhecimento"".

A antiga Babilônia é um exemplo ilustrativo. A cosmogoniababilônica era sumamente inadequada ao desenvolvimento daciência e. mais ainda, chegava a desencorajá-la positivamente.Os babilônios pensavam que a ordem natural era tão funda-mentalmente incerta que somente uma cerimônia anual dc cx-piação seria capaz, dc prevenir o caos cósmico. Aqui temosuma civilização que sc destacou pela observação do céu. coli-gindo dados astronômicos c desenvolvendo os rudimentos daálgebra, mas da qual, pelo seu ambiente espiritual c filosófico,dificilmente sc poderia esperar que dirigisse esses dons práti-cos para o desenvolvimento dc alguma coisa que merecesse asério o nome dc ciência57. Por contraste, é significativo que, na

57.Paul llafíner. Creation and Scieniiftc Creativitv. ChrislcndomPress. Froni Roval. Virgínia. 1991. pág. 35.

VI.

Page 69: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

criação cristã, tal como é descrita no Gênesis, o caos estejacompletamente sujeito à soberania dc Deus58.

Fatores culturais similares tenderam a inibir a ciência naChina. Curiosamente, foi um historiador marxista, Joscph Nce-dham, quem chegou realmente ao fundo desse malogro. Se-gundo ele, a culpa foi da estrutura religiosa c filosófica cm queos pensadores chineses sc moviam. Os intelectuais chineses,afirma, eram incapazes dc aceitar a idéia de umas leis da na-tureza. E acrescenta - para nossa surpresa, pois a observaçãoprocede de um ideólogo que teria preferido encontrar explica-ções econômicas ou materialistas - que essa incapacidade re-sultou de "nunca se ter desenvolvido a concepção de um divinolegislador celestial que tivesse imposto ordem à natureza fi-

"Não é que, para os chineses, não houvesse ordem nanatureza - prossegue -. mas, mais exatamente, que não ha-via uma ordem estabelecida por um ser racional e pessoal;por isso. não existia a convicção dc que uns seres racionaispessoais lossem capazes dc transpor para as suas lingua-gens terrenas inferiores o divino código de leis decretado

antes de todos os tempos. Os taoistas, com efeito, teriamdesprezado essa idéia como ingênua demais para a sutilezae complexidade do universo, tal como o intuíam"59.

Particularmente desafiador é o caso da antiga Grécia, quedeu passos enormes na aplicação da razão humana ao estudode diversas disciplinas. De todas as culturas antigasanalisadas |x>r Jaki. os gregos foram os que chegaram maisperto dc desenvolver uma ciência de tipo moderno, emboratenham acabado por ficar muito aquém. Os gregos atribuíamum propósito aos agentes imateriais do cosmos material(assim, por exemplo, Aristóteles explicava o movimentocircular dos corpos celestes pela "afeição" que os "primeirosmotores" dc cada esfera celeste - esfera da lua, esfera do sol.etc. - teriam por esse tipo dc movimento). Jaki sustenta que.no que diz respeito ao progresso da ciência, coube aosescolásticos da idade Média levar a cabo uma autênticadespersonalizaçâo da natureza.

58 Ibid.. pág. 50.59 Joscph Nccdham. Science and Cvilization in China, vol I.

Cambridgc Univcrsilv Pre», Cambridgc. 1954. pág. 581: cil. cm RodncvStark. for lhe Glory of God. pág. 151.

VI.

Page 70: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Grande parte da atenção acadêmica mais rcccntc tem-seconcentrado sobre as contribuições dos estudiosos muçulma-

nos à ciência, particularmente no campo da medicina c no daótica. É sem dúvida inegável que uma parte importante da his-tória intelectual do Ocidente se deve à difusão por todo omundo ocidental, no século XII. de traduções dos clássicos daantiga Grécia (Hipócratcs e Aristóteles, sobretudo) feitas porestudiosos árabes. No entanto, a verdade é que essascontribuições dos cientistas muçulmanos se deram apesar  doIslã. mais do que por causa dele. Os estudiosos muçulmanosortodoxos rejeitaram totalmente qualquer concepção douniverso que envolvesse leis físicas estáveis, porque aabsoluta autonomia dc Alá não podia ser cerceada pelas leisnaturais60. As leis naturais aparentes não passariam de meros"hábitos", por assim dizer, dc Alá. c poderiam ser modificadasa qualquer momento2*. i

O catolicismo admite a possibilidade dc milagres e reco-nhece o papel do sobrenatural, mas a própria idéia de milagre

 já sugere que sc trata dc algo incomum; aliás, só faz sentidofalar em milagre cm contraste com o pano dc fundo dc ummundo naturalmente ordenado. Mais ainda, a linha principaldo pensamento cristão nunca retratou Deus como fundamen-talmente arbitrário; pelo contrário, sempre aceitou que anatureza opera de acordo com padrões fixos c inteligíveis.

Isto é o que Santo Anselmo quis dizer quando falou da dis -tinção entre o poder ordenado de Deus {potentia ordinala) c oseu poder absoluto ( potentia absoluta). Dc acordo com cie,uma vez que Deus nos quis revelar algo sobre a sua natureza,sobre a ordem moral c sobre os seus planos dc redenção, porisso mesmo obrigou-se a seguir determinado comportamento,c podemos confiar em que sc manterá coerentePor volta dosséculos XIII e XIV, essa distinção tinha criado raízes pro-fundasw; é verdade que um Guilherme de Ockham enfatizou a

 potentia absoluta dc Deus cm um grau tão elevado que nãoajudava em nada ao desenvolvimento da ciência, mas, via deregra, o pensamento cristão dava por ccrta a ordem funda-mental do universo.

Foi na realidade São Tomás de Aquino quem encontrou oponto dc equilíbrio entre a liberdade que Deus tem de criar

60 Stanlcv L. Jaki. The Savior of Science. Eerdmans. GrandRapids. Mi chigan. 2000. págv 77-78

VI.

Page 71: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

qualquer tipo de universo que deseje e a sua coerência no go-verno do universo que efetivamente criou. Como explica Jaki,

a visão católica tomista considerava importante saber queuniverso Deus criou a fim de evitar clucubraçõcs abstratassobre que universo deveria ter criado. A completa liberdadecriadora dc Deus significa que o universo não tinha de ser deum certo jeito; ora, é por meio da experiência - ingrcdicnte-chavc do método científico - que chegamos a conhecer anatureza do universo que Deus decidiu criar. E podemoschegar a conhe- cd-lo porque é racional, previsível cinteligívelu.

Esta abordagem evita dois possíveis erros.Em primeiro lugar, previne contra as especulações sobre o

universo físico divorciadas da experiência em que os antigoscaíam freqüentemente. Com isso, desfere um golpe extrema-mente importante contra os argumentos a priori acerca decomo o universo "tinha dc" ser assim ou assado ou de como"era conveniente" que fosse deste ou daquele jeito. Aristótelessustentava, por exemplo, que um objeto duas vezes maispesado que outro cairia duas vezes mais depressa, sc ambosfossem lançados da mesma altura. Chegou a essa conclusãopor uma simples indução, mas ela não é verdadeira, comoqualquer um de nós pode comprovar facilmente. Ainda que oesta- girita coligissc muitos dados empíricos ao longo das suaspesquisas. persistiu na crença dc que a filosofia natural podiaba- sear-se unicamente no trabalho da razão, desligada dapesquisa estritamente empírica. Para ele, o universo eternoera um universo necessário, e os seus princípios físicospoderiam ser alcançados por meio dc um processo intelectualdesvinculado da experiência

Em segundo lugar, implica que o universo criado por Deusé inteligível e ordenado, pois. embora Ele tenha cm tese o po-der dc instaurar o caos cm um mundo físico sem leis, isso seriaincoerente com a ordem e a racionalidade do seu compor-tamento. Foi precisamente este sentido de racionalidade c pre-visibilidade do mundo físico o que, cm primeiro lugar, deu aosmodernos cientistas a confiança filosófica necessária para sededicarem aos estudos científicos. Como afirmou um estudio-so, "foi somente dentro dessa matriz conceituai que a ciência

pôde nascer efetivamente c depois crescer dc maneira susten-tada"Esta posição, surpreendentemente, encontrou um apoio cm

VI.

Page 72: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Fricdcrich Nietzschc, um dos maiores críticos do cristianismodo século XIX. "Estritamente lalando - afirma ele -. não existe

uma ciência «sem nenhum tipo de pressupostos» [...]. Sempretem de vir em primeiro lugar uma filosofia, uma «fé», para quea partir dela a ciência possa adquirir uma direção, um sig-nificado. um limite, um método, um direito de existir [...].Continua hoje a ser uma fé metafísica o que sustenta a nossafé na ciência"61.

O PROBLEMA DO MOMENTO INERCIAL

A tese de Jaki. de que foi a teologia cristã que sustentou aaventura científica no Ocidente, também pode ser aplicada aomodo como os estudiosos ocidentais resolveram importantesquestões relativas ao movimento, aos projéteis e ao impulso.Para os antigos gregos, o estado natural de todos os corpos erao repouso. Por isso. o movimento pedia uma explicação, e foi oque Aristóteles tentou fazer. Segundo ele, a terra, a água c o ar- três dos quatro elementos que, conforme sc dizia,compunham o mundo terrestre - tendiam naturalmente para o

centro da terra. Quando um objeto que era largado de uma ár-vore se precipitava no chão. esse movimento devia-se à suanatureza, que o fazia buscar o centro da terra (no que seria im-pedido. é claro, pelo chão). Quanto ao fogo. tendia por nature-za a mover-se para algum ponto acima de nós. ainda que den-tro dos limites da região sublunar (isto é. da região "abaixo dalua")62.

Aristóteles falava de dois movimentos: o natural e o violen-to. O exemplo de movimento natural era o das chamas que scelevam c o das pedras que cacm. casos cm que o objeto emmovimento procurava o seu lugar natural de repouso. O exem-plo clássico de movimento violento era o dos projéteis, poiscontraria a sua tendência natural para o ccntro da terra. Eraparticularmente difícil para Aristóteles encontrar uma explica-ção para o movimento dos projeteis. A sua teoria parecia suge-

61 Cit. cm Ernest L Fortin. "The Bible Made Mc Do It: Christianitv.Science and lhe Environmcni". em J. Brian Bcncstad. cd.. Emest Fortin:Colected Essays. vol. 3: Hwnan Rights. Virtue and lhe Common Good:Untimelv Medita- tions ou Religion and Politcs. Rowman & Littlcficld.

Unham. Marvland. 1996. pág. 122. O itálico é do original dc Nictzschc.Genealogta da Moral. III. 23-24.62 Sobre todo este tema. ver Hcrbcrt Butterfield. The Origins of 

Modem Science. ISOO-1800. ed. rcv.. Frcc Press. Nc\v York. 1957. cap.I: "The Histori- cal Importancc of a Theory of Impctus".

VI.

Page 73: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

rir que o projétil deveria cair ao chão no instante cm que dei-xasse a mão da pessoa - pois esta é a sua natureza e só con-

tinuaria a subir se estivesse sendo empurrado por alguma forçaexterna. Incapaz de resolver o impasse, Aristóteles sugeriuque, quando o projétil voava pelo ar. era porque havia no seupercurso uma espécie de vibrações que o empurravam.

Um elemento essencial da transição da física antiga para amoderna foi a introdução do conceito de inércia: a resistênciade um objeto a alterar o seu estado dc movimento. No séculoXVII1, Isaac Newton descreveria esse conceito na sua primeiralei do movimento, segundo a qual os corpos em repouso ten-dem a permanecer em repouso e os corpos em movimentotendem a permanecer em movimento. Mas os estudiososmodernos observaram que essa idéia do movimento inercial játeve precedentes muito antes de Newton, na época medieval.

Particularmente importante neste sentido foi o trabalho de  Jean Buridan (ca. 1295-1358). sacerdote e professor daSorbon- nc no século XIV. Como qualquer católico, Buridanrejeitava a idéia aristotélica de que o universo é eterno por simesmo: cm vez disso, sustentava que o universo fora criadopor Deus a partir do nada, cm um momento determinado. E sco universo nào era eterno, então o movimento celeste, cujaeternidade Aristóteles também havia sustentado, tinha queser concebido dc outra maneira. Em outras palavras, se os

 planetas tinham começado a existir em um dado momento dotempo, então o movimento planetário também tinha dc tercomeçado em um dado momento do tempo.

O que Buridan procurou descobrir foi de que modo os cor-pos celestes, uma vez criados, puderam começar a mover-se cpermanecer cm movimento na ausência de uma força que oscontinuasse a propelir. A sua resposta foi que Deus, após tercriado os corpos celestes, lhes havia conferido o movimento, eque esse movimento nunca se havia dissipado porque os cor-pos celestes, movendo-se no espaço exterior, nãoencontravam atrito e. portanto, não sofriam nenhuma forçacontrária que pudesse diminuir a sua velocidade ouinterromper o seu movimento. Aqui estão contidas em germeas idéias dc momento físico c dc inércia '*. Embora não tenhachegado a livrar-se inteiramente dos limites da física

aristotéiica c a sua concepção dc momento permanecesseembaraçada cm alguns equívocos da Antigüidade, foi umprofundo avanço teórico".

VI.

Page 74: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

É importante ter em mente o contexto teológico c religiosocm que Buridan chegou a essa conclusão, já que foi pela ine-

xistência desse contexto que as grandes culturas antigas nãochegaram à idéia do momento incrcial. Como explicou Jaki,todas essas culturas, por serem pagãs. agarravam-se à crençadc que o universo c os seus movimentos eram eternos, semcomeço nem fim. ao passo que a crença na criação ex mhilo,em tomo da qual havia "um consenso bastante generalizadona Idade Média cristã, tornou quase natural que surgisse noseu seio a idéia do movimento incrcial"1*. E acrescenta: "Umavez que esse consenso amplo se apóia no credo ou nateologia, po- de-se dizer que a ciência nào é propriamente«ocidental», mas «cristã»"*.

Os sucessores dc Buridan nào sc destacaramespecialmente pelo seu empenho cm reconhecer as suasdividas intelectuais. Isaac Newton, por exemplo, quando jámais velho dedicou um tempo considerável a apagar o nomedc Descartes dos seus cadernos dc notas. Do mesmo modo.Descartes não revelou a dívida para com a teoria medieval domomento física, essencial para as suas teorias63. Copérnicomenciona a teoria do momento na sua obra. mas também nàocita as fontes: é bastante provável que a tenha aprendido naUniversidade de Cracóvia. onde facilmente podia obter cópiasmanuscritas dos comentários de Buridan e do seu continuadorNicolau dc Oresme64. J

Seja como for, essa percepção decisiva, resultado direto dafé católica dc Buridan. leve um profundo efeito sobre a ciênciaocidental c culminou na primeira lei de Newton. "Na medidacm que a ciência é um estudo quantitativo dos objetos cm mo-vimento, e a primeira lei de Newton foi a base dc inúmerasoutras leis - conclui Jaki -. podemos sem dúvida falar dc umaorigem fundamentalmente medieval da ciência moderna"41.

Outro aspecto importante é que o conceito de momentoinercial de Buridan era uma tentativa dc descrever omovimento. tanto na terra como nos céus. por meio de umsistema mecânico único4'. Desde a Antigüidade, tinha-se porcerto que as leis que governam o movimento cclcstc eramfundamentalmente diferentes daquelas que governam omovimento terrestre. As culturas não-ocidcntais, que tendiam

63 Stanley L. Jaki. "Medieval Crialivily in Science and Technology", cm Paliems or Principiei and Olher Essays. pág. 76.

64 Ibid.. págs. 76-77.

VI.

Page 75: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

para o panteísmo ou encaravam os corpos celestes como algodc ccrto modo divino. também pressupunham que os

movimentos desses corpos celestes deviam ser explicados dcmaneira diferente do movimento terrestre. Foi somente comNewton que sc demonstrou finalmente que um conjuntosimples de leis podia explicar todo o movimento do universo,tanto terrestre como cclcstc. Mas Buridan já haviapavimentado a estrada.

A ESCOLA CATEDRAL DE CHARTRES

A escola da catedral de Chames, uma instituição de ensinoque alcançou a sua plena maturidade no século XII, representaoutro capítulo importante na história intelectual do Ocidente cna história da ciência ocidental.

Desde o século VIII. a Igreja empenhava-se cm que toda acatedral tivesse anexa uma escola dc ensino médio. Criadadentro dessa preocupação, a escola dc Chartrcs deu passosimportantes para a excelência no século XI. sob a direção deFulberto (7-1028). que havia sido aluno dc Gerberto de Auril-lac, o futuro papa Silvestre II, brilhante luminária dc fins doséculo X. Quase todos os que contribuíram substancialmentepara o desenvolvimento da ciência nesse período estiveram,cm um momento ou em outro, associados ou influenciados porChartres*4.

Pelo seu próprio exemplo. Fulberto transmitia um espíritodc curiosidade intelectual c versatilidade. Estava familiarizadocom os mais recentes progressos em lógica, matemática c as-tronomia. c mantinha contacto com o ensino dos muçulmanosda Espanha. Além de ser um médico competente, tambémcompôs vários hinos. Era um fino exemplo de erudito católico:qualquer pensamento de menosprezo pelas ciências secularesou pelas obras dos antigos pagáos estava muito longe da suamentalidade.

Podcm-sc captar na fachada oeste da catedral dc Chartrcsalguns traços da orientação da sua Escola: ali sc vêem personi-ficadas cm esculturas as sete tradicionais artes liberais, cadauma delas representada por um antigo mestre: Aristóteles,

Boécio, Cícero. Donato (ou talvez Prisciano). Euclidcs, Ptolomcu

VI.

Page 76: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

c Pitágoras65. A construção dessa fachada foi supervisionada,na década dc 1140, por Thicrry de Chartres (tl050?). que era o

chanceler da escola naquela época. Homem profundamentededicado ao estudo das artes liberais, Thicrry converteuChartres na mais procurada escola dessas vcncrávcisdisciplinas.

As suas convicções religiosas enchiam-no de zelo pelas ar-tes liberais. Para ele, assim como para a grande maioria dosintelectuais da Idade Média, as disciplinas do quadrivium -aritmética, geometria, música c astronomia - convidavam osestudantes a contemplar os padrões segundo os quais Deus or-denou o mundo c a apreciar a bela arte da obra divina. E o iri-vium - gramática, retórica c lógica - permitia que as pessoasexprimissem dc modo convincente c inteligível essa ação dasabedoria divina. Por último, no dizer de um estudiosomoderno, as artes liberais "revelaram ao homem o seu lugar nouniverso c ensinaram-no a apreciar a beleza do mundocriado"66.

Uma das características centrais da filosofia natural do sé-culo XII é, como vimos, que encarava a natureza como algoautônomo. que opera de acordo com leis fixas e disccmívcispela razão; e talvez tenha sido nisto que Chartres deu a suacontribuição mais significativa: os que participavam dessaescola estavam ansiosos por desenvolver explicaçõesbaseadas em causas naturais67. Segundo Adelardo de Bath(cerca de 1080-1142). um estudante de Chartres. "é pelarazão que somos homens. Assim, sc virássemos as costas paraa surpreendente beleza racional do universo cm que vivemos,mereceríamos sem dúvida ser expulsos dele. como umhóspede que se comporta mal na casa em que foi recebido"45,li conclui: "Não pretendo tirar nada de Deus. porque tudo oque existe provém dElc [...]. Mas devemos dar ouvidos aosverdadeiros horizontes do conhecimento humano, para sóexplicar as coisas por meio dc Deus depois que o

65 Thomas Goldstcin. Dawn of Modem Science: From lhe AnciemGreeks lo lhe Renaissance. New York. Da Capo Press. 1995 [1980].págs. 71 c 74.

66 Raytnond Klibansky. "The School oí Chartres*. in MarshallClagelt. Gaines Post, and Rolxrrt Reynolds, eds.. Twelfih Ceniury 

Etirope and lhe Foun■ dulions of Modem Society. Univcrsitv of Wisconsm Press. Madison. 1961. págv 9-10.67 Cfr. Dnvid C. l.indbcrg. 77i«? Beginnings of Western Science,pág. 200.

VI.

Page 77: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

conhecimento racional tiver fracassado"68.Guilherme de Conques (cerca dc 1090-após 1154)

concordava com ele: "Não considero que haja nada à margemdc Deus - escreve Ele é o autor de todas as coisas, excetuadoo mal. Mas a natureza da qual dotou as suas criaturas leva acabo todo um plano dc operações, c essas também sc dirigemà sua glória, já que foi Ele quem criou essa mesmanatureza"69. O que significa dizer que a estrutura da naturezaque Deus criou basta normalmente para justificar osfenômenos que observamos. sem necessidade dc recorrer aexplicações sobrenaturais. Guilherme olhava com escárnio cdesdém todos aqueles que menosprezassem a pesquisacientífica:

"Como eles próprios ignoram as forças naturais e dese- jam ter todos os homens por companheiros da sua igno-rância, não querem que ninguém as investigue, mas prefe-rem que acreditemos como sc fôssemos camponeses, enão perguntemos pelas causas [naturaisj das coisas. Nós,pelo contrário, afirmamos que sc deve procurar a causa detodas as coisas [...]. Essas pessoas, porém, [...] sc têm

noticia dc alguém que pesquise, proclamam-no herege"70.Naturalmente, posições como essas levantavam suspeitas:

poderiam esses filósofos católicos manter o seu compromissode pesquisar a natureza em termos de causas secundárias ecomo realidade racional por essência, sem eliminar completa-mente o sobrenatural e o miraculoso? No entanto, o que essespensadores fizeram foi precisamente manter a harmonia entreos dois aspectos.

Rejeitaram a idéia dc que a investigação racional das cau-sas poderia supor uma afronta a Deus ou que eqüivaleria asubordinar a ação divina aos limites das leis naturais que fos-sem descobertas. Esses pensadores reconheciam que. de acor-do com a perspectiva acima descrita. Deus podia certamenteter criado qualquer espécie dc universo que desejasse; mas aomesmo tempo afirmavam que. tendo criado este cm concreto,permitiu que operasse de acordo com a sua natureza e. nor-

68 Cil. em Edward Grani. God and Reason in the Middle Ages.69 Thomas Goldstcin. Dawn of Modem Science, pág. 82.70 David C. Lindberg, The Beginnings of Western Science, pág.200.

VI.

Page 78: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

malmente. nào interferiria na sua estrutura básica".Na sua discussão sobre a descrição bíblica da criação,

 Thicrry dc Chartres nào admitia nenhuma proposição que im-plicasse que os corpos celestes tivessem algo de divino ou fos-sem compostos dc uma matéria imperecível, não sujeita às leisterrestres, ou ainda que o universo fosse cm si mesmo umgrande organismo. Pelo contrário, explicou que todas as coisas"têm a Deus como criador, porque todas estão sujeitas a mu-danças e podem perecer". Descreveu as estrelas c o firmamen-to como compostos de água e ar, mais do que dc uma substân-cia semi-divina cujo comportamento devesse ser explicado se-gundo princípios fundamentalmente diferentes dos que gover-nam as coisas da terra". Essa conccpçào foi crucial para o de-senvolvimento da ciência.

  Thomas Goldstcin, um historiador moderno da ciência,descreve a importância fundamental da Escola dc Chartres:

"Formularam as premissas filosóficas; definiram o con-ceito básico do cosmos a partir do qual viriam a desenvol-ver-se todas as ciências particulares posteriores;reconstruíram sistematicamente o conhecimento cicntíficodo passado c lançaram assim uma sólida base tradicionalpara a futura evolução da ciência ocidental. Cada umdesses passos parece tão crucial que. tomados emconjunto, só podem significar uma coisa: que, cm umperíodo de quinze ou vinte anos, por volta de meados doséculo XII, um punhado de homens empenhou-seconscicnciosamcntc cm lançar as bases do progresso daciência ocidental c deu todos os principais passosnecessários para atingi-lo"71.

Goldstcin prognostica que, no futuro "Thicrry será prova-velmente reconhecido como um dos verdadeiros fundadoresda ciência ocidental"72.

O século em que a escola dc Chartres mais sc d istinguiu foiuma época dc grande animação intelectual. À medida que osconquistadores muçulmanos começaram a recuar na Espanhac foram derrotados na Sicília, importantes centros de ensinoárabes caíram nas mãos dos cristãos. Muitos textos gregosinacessíveis durante séculos aos europeus, e que tinham sidovertidos para o árabe na esteira das conquistas muçulmanas

71 Thomas Goldstcin. Dawn of Modem Science, pág. 77.72 Ibid.. pág. 82.

VI.

Page 79: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

da Síria c dc Alexandria no Egito, foram agora recuperados ctraduzidos para o latim. Na Itália, graças às relações com

Bizâncio estabelecidas pelas Cruzadas, já sc podiam fazertraduções latinas diretamente do original grego. Pois bem,entre essas obras recuperadas estavam os livros-chavc dafísica de Aristóteles, incluindo a Física, o Do céu e do mundo co Da geração e da corrupção.

Esses textos vieram a mostrar que havia sériascontradições entre as verdades da fé c o melhor da filosofiaantiga. Aristóteles tinha proposto um universo eterno, ao passoque a Igreja ensinava que Deus havia criado o mundo cm ummomento determinado do tempo. Além disso, a Criação dera-sc a partir do nada. ao passo que Aristóteles negava apossibilidade do vácuo; e isso eqüivalia a negar - como aquelescatólicos do sécu-Io XIII perceberam claramente - o poder criador de Deus. por-que nada pode ser impossível a um Deus onipotente. E haviaainda outras afirmações problemáticas no corpus aristotélicoque precisariam ser enfrentadas.

Um grupo de estudiosos conhecidos como "averroístas lati-nos" - Avcrroes fora um dos mais famosos c respeitados co-mentadores muçulmanos de Aristóteles - abordou a questãosegundo uma ótica que tem sido freqüentemente descrita, demodo impreciso, como a doutrina da dupla verdade: uma afir-mação falsa em teologia podia ser verdadeira cm filosofia, e vi-cc-vcrsa. Assim, as afirmações contraditórias que menciona-mos (eternidade do mundo x Criação, vácuo x Criação do nada)poderiam ser ambas verdadeiras, conforme fossem consi-deradas do ponto de vista da religião ou da filosofia.

Na verdade, porem, o que eles ensinavam era mais sutil.Acreditavam que as afirmações de Aristóteles, como a da eter-nidade do mundo, eram o resultado indiscutível de um raciocí-nio correto, e que nâo se podia encontrar nenhuma falha noprocesso lógico que conduzia a elas. Argumentavam que. comofilósofos, tinham de seguir os ditames da razão aonde quer queestes os conduzissem; mas. sc as conclusões a que chegassemcontradissessem a revelação, então não podiam dc modoalgum ser tomadas como verdadeiras em sentido absoluto. Afi-nal. o que era a débil razão humana em contraposição à oni-potência de Deus, que a transcendia?73

73 Sobre- os averroístas latinos, ver Étiennc Gilson. Reason andRevela- lion in lhe Middle Ages. Charles Scribners Sons. New York.1938. págs. 54-66.

VI.

Page 80: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Essa solução pareceu tão instável c cheia dc dificuldadesaos "conservadores" daquela época como nos parece a nós, c

isso afastou completamente alguns pensadores católicos da fi-losofia. São Tomás de Aquino, que linha um profundo respeitopor Aristóteles, temia que a reação conservadora aos erros dosaverroístas pudesse levar a um completo abandono do "Filóso-fo" (como cie se referia a Aristóteles). Na sua famosa síntese,demonstrou que a fé e a razão são complementares e não scpodem contradizer; qualquer contradição aparente que sc ob-servasse era sinal dc que havia erros na compreensão ou da re-ligião ou da filosofia.

No entanto, nem a genialidade de São Tomás dissipoucompletamente as apreensões que os novos textos e asrespostas dadas por alguns estudiosos suscitavam. E foi nessecon- lexto que, pouco depois da morte de São Tomás, o bispode Paris editou uma série dc 219 proposições condenadas - co-nhecidas historicamente como as Condenações de 1277 - queos professores da Universidade de Paris foram proibidos de en-sinar: eram afirmações de Aristóteles ou. em alguns casos,conclusõcs que se podiam tirar dos seus ensinamentos, incon-ciliáveis com a visão católica de Deus e do mundo. Embora es-

sas condenações sc aplicassem somente a Paris, a sua influên-cia chegou a ser sentida na longínqua Oxford. O papa não de-sempenhou qualquer papel nessas condenações; limitou-sesimplesmente a pedir que se investigassem as causas de todaa agitação intelectual que vinha envolvendo os mestres deParis (um estudioso afirma que "a aprovação pontifícia àsações do bispo de Paris foi menos que entusiástica"74).

Mas esse documento de 1277 também teve um efeitopositivo no desenvolvimento da ciência: Pierre Duhem. um dosgrandes historiadores da ciência do século XX, foi ao ponto desustentar que representou o começo da ciência moderna. Oque ele c outros estudiosos mais recentes como A.C. Cronibie cEdward Grant dão a entender é que as Condenações forçaramos pensadores a sair do confinarnento intelectual que os pres-supostos aristotélicos lhes tinham imposto c a pensar o mundofísico em moldes novos. Embora os estudiosos discordem so-bre a influência do documento, todos concordam cm que for-çou os pensadores a emancipar-se das restrições da ciênciaaristolélica e a considerar possibilidades que o grande filósofo

74 Richard C. Dalcs, The Intellectual Ufe of Htofcrw F.urope in lheMiddle Ages. pág. 254.

VI.

Page 81: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

nunca imaginara75.Vejamos um exemplo. Se Aristóteles negava, como vimos, a

possibilidade do vácuo, c os pensadores da Idade Média o se-guiam habitualmente nesse ponto, depois das Condenaçõespassou-se a exigir que os estudiosos admitissem que Deus to-do-poderoso podia realmente criar o vácuo. Isso abriu novas eentusiasmantes possibilidades científicas. Por certo, alguns es-tudiosos que até cntào pareciam admitir a possibilidade do vá-cuo dc um modo meramente formal - isto é. ainda que certa-mente admitissem que Deus fosse todo-poderoso c. portanto,podia criar um vácuo, geralmente estavam persuadidos de quena realidade não o fizera - agora mostravam-se intrigados cenvolveram-se em um importante debate científico. Deste mo-do. as Condenações, segundo o historiador da ciência RichardDalcs, "parecem ter promovido definitivamente um modo maislivre e imaginativo de fazer ciência"76.

Isso ficou muito claro no caso dc outra condenação, con-crctamcnte da proposição aristotélica dc que "os movimentosdo céu resultam dc uma alma inteleetiva"77. A condenação des-sa afirmação foi dc grande importância, uma vez que negouque os corpos celestes possuíssem alma c fossem de alguma

maneira seres vivos - uma crença cosmológica que prevaleciadesde a Antigüidade. Embora possamos encontrar Padres daIgreja que condenavam essa idéia como incompatível com afé, a grande maioria dos pensadores cristãos tinha-a adotado econcebia as esferas planetárias como propelidas por substân-cias intelectuais de algum tipo.

Essa condcnação catalisou novas abordagens sobre a ques-tão central do comportamento dos corpos celestes. Jean Buri-dan, seguindo as pegadas de Roberto Grossetestc,argumentou que era notável a ausência dc cvidénciasescriturísticas a respeito dc tais inteligências c Nicolau dcOrcsmc avançou ainda mais no combate a essa idéia

 Já na época patrística, o pensamento cristão - ainda que.

75 Concordam com essa argumentação A.C. Crombic. Medievaland Earl\ Modem Science, vol. I. pág. 64. c vol. 2, págs. 35-36; EdwardGrant. God and Iteason in lhe Middle Ages. págs. 213 e scgs.. e 220-1:idem. The Foundations of Moílem Science in lhe Middle Ages: Their RCIÍRÍOKS. Instiltilional. and Intellec- mal Contexts. Cambridgc UnivcrsitvPress. Cambridgc. 1996. págs. 78-83 e 147- 48. David C. Lindberg. The

Beginnings of Western Science, págs. 238 c 365. é mais cético, masadmite o ponto essencial.76 Richard C. Dalcs. "The Dc-Animation of lhe Hcavcns in lhe

MiddJe Ages", pág. 550.77 Ibid.. pág. 546.

VI.

Page 82: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

normalmente, apenas pelas suas implicações - deu início àdes-animação da natureza, isto é. à remoção da idéia de que

os corpos celestes pudessem, por si mesmos, estar vivos edotados dc inteligência, ou que nào pudessem Funcionar semalgum tipo dc agente espiritual. Existem afirmações dispersasnesse sentido cm escritos dc santos como Agostinho. Basílio,Gregó- rio dc Nisa, Jcrônimo e Joào Damasceno. Mas foi maistarde, quando os estudiosos começaram a aplicar-se de modomais deliberado e consistente ao estudo da natureza, quesurgiram pensadores que concebiam conscicnciosamente ouniverso como uma entidade mecânica c, por extensão,inteligível às indagações da mente humana"2. Escreve Dalcs:"Durante o século XII. na Europa latina, os aspectos dopensamento judeu- -cristão que enfatizavam a idéia da criaçãoa partir do nada c a distância entre Deus e o mundo tiveram oefeito de eliminar [...] todos os entes semi-divinos do reino danatureza"6*. E. segundo Stanley Jaki, "a natureza teve que serdes-animizada" para que a ciência pudesse nascer78.

Muito depois de as próprias Condenações já terem sido es-quecidas. durante todo o século XVII c o princípio da Revolu-ção Científica, a discussão provocada por essas afirmações an-ti-aristotélicas continuou a influenciar a história intelectual eu-ropéia79.

O SACERDOTE CIENTISTA

É relativamente simples mostrar que a grande maioria doscientistas, como Louis Pastcur, foi católica. No entanto, muitomais revelador é o número surpreendente de figuras da Igreja,especialmente de sacerdotes, cuja obra científica foi muito ex -tensa e significativa. A insaciável curiosidade desses homensacerca do universo criado por Deus e a sua dedicação à pes-quisa científica revelam - mais do que poderia fazê-lo umasimples discussão teórica - que o relacionamento entre a Igre-

 ja e a ciência foi de amizade mais do que de antagonismo edesconfiança.

78 Paul Haffncr, Creation and Scienii/ic Creativity. pág. 4179 Edward Grant. "Thc Condcmnation of 1277. God> Absoluto

Power, and Physical Thought in thc Late Middle Ages". Viator  10(1979). págs. 242-44.

VI.

Page 83: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Merecem ser mencionadas diversas figuras importantes doséculo XIII. Roger Bacon, um franciscano que lecionava em

Oxford, foi admirado pelo seu trabalho no campo damatemá- ; tica c da ótica, e é considerado um precursor domoderno método cientifico. Bacon escreveu sobre filosofia daciência e enfatizou a importância da observação c dosensaios. No seu Opus maius. observou: "Sem experimentos,nada pode ser adequadamente conhecido. Um argumentoprova teoricamente, mas não dá a certeza necessária pararemover toda a dúvida;, nem a mente repousará na visãoclara da verdade se não a encontrar pela ria do experimento".Do mesmo modo. no seu Opus tertium, adverte que "oargumento mais forte nào prova nada enquanto as conclusõesnào forem verificadas pela expe-

Santo Alberto Magno (1200-1280) foi educado em Pádua cdepois ingressou na ordem dominicana. Lecionou em váriosmosteiros antes de assumir uma cátedra na Universidade dcParis, em 1241. onde viria a ter entre os seus alunos ilustresninguém menos do que São Tomás de Aquino. "Perito em to-dos os ramos da ciência", diz o Dictionary of Scientific Bio- 1

graphy, "foi um dos mais famosos precursores da ciência mo-l derna na Idade Média". Canonizado pelo papa Pio XI cm1931, Pio XII nomeou-o. dez anos depois, patrono de todos osque cultivam as ciências naturais80.

Rcnomado naturalista. Alberto Magno registrou uma enor-me quantidade de coisas sobre o mundo que o cercava. Assuas obras, de uma prodigiosa vastidão, abrangiam física,lógica. metafísica, biologia, psicologia c várias outras ciênciasprofanas. Tal como Roger Bacon, sublinhava a importância daobservação direta para a aquisição do conhecimento sobre omundo físico. Em De Mineralibus, explicou que o objetivo daciência natural era "não simplesmente aceitar as afirmaçõesdc outros, ou seja. o que é narrado pelas pessoas, masinvestigar as causas que agem por si mesmas na natureza"6".A sua insistência na observação direta c a sua recusa emaceitar a autoridade científica da fé foram contributosessenciais para a estruturação científica da mente.

Roberto Grosseteste (1168-1253), que foi chanceler de Ox-ford c bispo de Lincoln, a maior diocese da Inglaterra, partilhou

80 William A. Wallacc. OP. "Albcrtus Magnus. Saim". cm DSH. pág.99.

VI.

Page 84: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

dessa enorme gama de interesses dc estudo c dc conquistasque caracterizou Roger Bacon e Santo Alberto Magno. Tinha

sido influenciado pela escola dc Chartres. particularmente por Thierryw. Considerado um dos homens mais cultos da IdadeMédia, é conhecido como o primeiro homem a deixar porescrito o conjunto completo dos passos que se devem dar pararealizar uma experiência científica. Em Robert Grosseteste andlhe Origins of Experimental Science, A.C. Crombic sugeriu queo século XIII já possuía os rudimentos do método científicograças, cm grande parte, a figuras como Grosseteste. Por isso,embora as inovações da Revolução Científica do século XVIImereçam as maiores honras, já na Idade Média era evidente aênfase teórica na observação e na experimentação.

Mas há outros nomes no campo da ciência que. apesar denunca terem sido tirados da obscuridadc. mcrcccm ser men-cionados. O pc. Nicolau Steno (1638-1686). por exemplo, umluterano que sc converteu ao catolicismo c veio a tornar-se sa-cerdote, foi quem "estabeleceu a maior parte dos princípios dageologia moderna" e chegou a ser chamado o "pai da estrati-grafia" (a ciência dos estratos ou camadas da terra)81. Nascido

na Dinamarca, viveu c viajou por toda a Europa c exerceu amedicina por algum tempo na corte do grão-duque da Tosca-na. Gozava dc excelente reputação e realizou um trabalho cria-tivo em medicina, mas foi no estudo dos fósseis c da estrati-grafia que alcançou renome cientifico.

O seu trabalho iniciou-se em um contexto inusitado: a dis-secção da cabeça de um enorme tubarão que pesava cerca de1270 quilos e foi encontrado por um barco de pesca franccscm 1666. Steno, que era conhecido pela sua grande períciacomo dissccador, foi chamado para realizar a dissccção.

Para os nossos propósitos, é suficiente concentrarmo-nos nofascínio que despertaram cm Stcno os dentes do tubarão.Apresentavam uma estranha semelhança com as assim chama-das línguas de pedra, ou glossopetrae, cujas origens estavamenvolvidas cm mistério desde os tempos antigos: dizia-se queessas pedras, que os mal teses extraíam da terra, possuíampode- res curativos. Tinham-se proposto incontáveis teoriaspara explicá-las, c no século XVI Guillaumc Rondelet sugeriu

81 William B. Ashworth Jr.. "CalholicUm and Early ModemScience", em David C. Lindberg e Ronald L Numbcrs. cdv. Cod andNatnre: Histórical Essays on lhe F.ncaunter Between Christianiiy andScience, pág. 146

VI.

Page 85: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

que podia tratar-se de dentes de tubarão, mas poucos seimpressionaram com a idéia: agora. Stcno tinha a oportunidade

de comparar os dois objetos e estabelecer claramente asemelhança.

Foi um momento significativo na história da ciência, porqueapontava para um tema muito maior e mais importante que osdentes de tubarão c as pedras misteriosas: a presença deconchas c fósseis marinhos, engastados cm rochas muitodistantes do mar. A questão das glossopetrae - agora quasecom certeza dentes de tubarão - suscitou o problema mais am-plo da origem dos fósseis cm geral c de como tinham chegadoao estado em que sc encontravam. Por que essas coisas eramencontradas dentro dc rochas? Tcr-sc-iam formado por geraçãoespontânea? Essa era uma das numerosas explicações que setinham proposto no passado.

Stcno considerou cientificamente duvidosas essa c outrasexplicações, além dc ofensivas à sua idéia de Deus, que nãoagiria de um modo tão aleatório c despropositado. Lançou-seentão a estudar a questão, dedicando os dois anos seguintes aescrever c compilar aquilo que viria a ser a sua influente obraDe solido intra solidam naturaliter contento dissertationis pro-

drotntis ("Discurso preliminar a uma dissertação sobre um cor-po sólido naturalmente contido dentro de outro sólido").Não era uma tarefa fácil, pois exigia desbravar um território

desconhecido. Não existia uma ciência da geologia à qualSteno pudesse recorrer em busca de uma metodologia ou dcprincípios fundamentais. No entanto, foi adiante com ousadia clançou uma idéia nova c revolucionária: tinha a certeza dc queas rochas, os fósseis c os estratos geológicos contavam umahistória sobre a história da terra e os estudos geológicospodiam iluminar essa história82. "Steno - escreveu o seu bió-

82 Das muitas idéias encontradas nos seus escritos, ti cscostumam ser chamadas "os princípios dc Stcno" Ê dele o primeirolivro dc que temos notícia acerca da sobreposição, uma das chavesprincipais da cstraiigrafia (David R. Oldrovd, Thinking Abou! lhe Eartli:

 A Hislory of Ideas in Geology. Haivard Univcrsity Press. Cambridgc.1996. págs. 63-67; ver também A. Wolf. A Hislory of Science.Technology, and Philosophy in lhe I6ih and I7ih Ceniuries. Georgc Allen& Unwin. Londres. 1938. págs. 359-60). A lei da sobreposição é oprimeiro dos princípios de Stcno. Estabelece que as camadassedimentares sâo formadas em scqütncia. dc tal modo que a camada

mais baixa é a mais antiga, c as camadas vão dccresccndo cm idadeaté .'» mais recente, situada no topo.Mas. como a maioria dos estratos que encontramos foi de algum

modo alterada. distorcida ou inclinada, nem sempre é fácil reconstruira sua história geológica, a seqüência da estratificaçáo. Por esse

VI.

Page 86: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

grafo mais recente - foi o primeiro a afirmar que a história domundo podia ser reconstituída a partir das rochas, e assumiu

pessoalmente a tarefa de deslindá-la"83."Em última análise, o feito dc Stcno no De solido não

consistiu apenas cm propor uma nova c correta teoria so-bre os fósseis. Como ele próprio disse, houve escritoresque, mais de mil anos antes, tinham dito essencialmente amesma coisa. Tampouco ocorria que ele estivesse simples-mente apresentando uma nova c correta interpretação dosestratos de rocha. O que fez foi traçar um plano para umaabordagem científica totalmente nova da natureza, am-pliando as fronteiras do tempo. Como ele próprio escreveu,,«da conclusão definida que tiramos do que é observávelpodemos extrair conclusões sobre o que é imperceptível».Do mundo atual podemos deduzir mundos que jádesaparece-'

Com o passar dos anos. o pe. Steno viria a ser tomado co-mo modelo de santidade c de sabedoria. Em 1722, o seusobri-, nho-neto Jacob Winslow escreveu a sua biografia, que

apareceu cm um livro chamado Vidas de santos para cada diado ano. na sccçâo dedicada a prováveis futuros santos.Winslow, um convertido do luteranismo ao catolicismo,

motivo. Steno introdu/.iu o princípio da horizonialidade original. A água- disse ele -ia fonte dos sedimentas, seja na forma dc um rio, dc umatempestade ou dc fenômenos similares: carrega-os c deposita-os cmvárias camadas sedimentares. Uma vez que os sedimentos scdepositam numa bacia, a gravidade e as correntes dc águas rasas témsobre eles um efeito nivelador, de tal modo que as camadas sedimen-tares, como a própria água. acompanham a forma da superfície dofundo, mas sc tomam horizontais na pane superior. Como descobrir aseqüência sedimentar cm rochas que náo permaneceram na posiçãooriginal? Tendo cm conta que os grSos maiores c mais pesadosnaturalmente se depositam em primeiro lugar, seguidos pelos que váotendo tamanhos cada vez menores, só precisamos examinar ascamadas c observar onde as partículas maiores foram depositadas. Aí está a cantada inferior da seqüência (Alan Cullcr. The Seashell on lheMountaintop. Dutton. New York. 2003. págs. 109-12).

Finalmente, temos o princípio da continuidade lateral: esseprincípio indica que, quando ambos os lados dc um rale exibem rochassedimentares. é porque os dois lados estavam originalmente unidos -formavam camadas contínuas e que o vale é que sc deveu a um

evento geológico posterior, por exemplo um processo dc erosão. Stcnotambém apontou que. sc cm um estrato é encontrado sal marinho ouqualquer outra coisa que pertença ao mar - dentes dc tubarão, porexemplo -. isso revela que em algum momento o mar deve ter

83 Alan Cullcr. The Seashell on lhe Mountaintop. pág. IO.

VI.

Page 87: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

atribuiu a sua conversão à intcrcessáo do pe. Steno. Em 1938,um grupo dc admiradores dinamarqueses procurou o papa Pio

XI para pedir-lhe que o declarasse santo. Cinqüenta anos maistarde, o papa João Paulo II beatificou-o, louvando a suasantidade e a

CONQUISTAS CIENTÍFICASDOS JESUÍTAS

Era na Companhia dc Jesus, a sociedade sacerdotal funda-da no século XVI por Inácio dc Lovola, que se encontrava omaior número dc sacerdotes católicos interessados nas ciên-cias. Um historiador recente descreve o que os jesuítasrealizaram por volta do século XVIII:

"Contribuíram para o desenvolvimento dos relógios dcpêndulo, dos pantógrafos, dos barômetros, dostelescópios] refletores c dos microscópios, e trabalharam

cm campos científicos tão variados como o magnetismo, aótica c a eletricidade. Observaram, em muitos casos antesdc qualquer outro cientista, as faixas coloridas nasuperfície de Júpiter, a nebulosa de Andrômcda e os anéisde Saturno. Tcoriza- ram acerca da circulação do sangue(independentemente de Harvcy). sobre a possibilidadeteórica dc voar. sobre a maneira como a lua influi nasmarés c sobre a natureza ondu- latória da luz. Mapasestelares do hemisfério sul. lógica simbólica, medidas decontrole de enchentes nos rios Fó c Adigc. introdução dossinais mais c menos na matemática italiana - tudo issoforam realizações jcsuíticas. e cientistas influentes comoFcrmat, Huygcns, Lcibnitz c Newton não eram os únicos aler jesuítas entre os seus correspondentes maisapreciados"84.

Da mesma forma, um estudioso da primitiva ciência da ele-tricidade considerou a Companhia de Jesus como a fonte "maisimportante de contribuições para a física experimental do

84 Jonathan Wright. The Jesuiis: Missions. Myths and Histories.Harpcr- Collins. Londres. 2004. pág. 189.

VI.

Page 88: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

século XVII"85. "Tal elogio - escreve outro - só se reforçaquando se estuda detalhadamente a história de outras

ciências, tais como a ótica, cm que praticamente todos ostratados importantes da época foram escritos por jesuítas"86. Vários dos grandes cientistas jesuítas também realizaram atarefa enorme- mente valiosa dc recolher os seus dados cmenormes enciclopédias, que desempenharam um papel crucialna difusão da pesquisa através da comunidade acadêmica. "Sca colaboração entre cientistas foi um dos frutos da RevoluçãoCientifica - diz o historiador William Ashworth -, os jesuítasmerecem grande parte do crédito"87.

Os jesuítas tiveram também muitos matemáticos extraordi-nários, que deram numerosas contribuições importantes paraessa disciplina. Quando Charles Bossut, um dos primeiros his-toriadores da matemática, compilou uma lista dos matemáticosmais eminentes dc 900 a.C. até 1800 d.C.. 16 das 303 pessoaslistadas eram jesuítas7'. Essa cifra - equivalente a 5% do totaldos maiores matemáticos cm um arco dc 2700 anos - tor- ; na-sc ainda mais expressiva quando recordamos que os jesuí-{ tas existiram apenas durante dois desses vinte c seteséculos!7* Acrescente-se a isso que cerca dc trinta c cincocrateras da lua receberam o nome dc cientistas e matemáticos

 jesuítas.

Foram eles também os primeiros a introduzir a ciência oci-dental em lugares tào distantes como a China e a índia. Noséculo XVII, introduziram particularmente na China umenorme conjunto dc conhecimentos científicos c um vastoarsenal de instrumentos mentais para compreender ouniverso físico, in- I cluída a geometria euclidiana, que tornoucompreensível o movimento dos planetas. Dc acordo com umespecialista, os jesuí-1 tas na China:

"Chegaram cm uma época cm que a ciência em geral,e a matemática e a astronomia cm particular, tinham alium nível muito baixo, se comparadas com o nascimento

85 J.L. Heilbron. Ekctrieity in lhe I7ih and ISih Ceniuries: A Siudy of Early Modem Physics. University of Califórnia Press. Bcrkelcy.1979. pág. 2

86 William B. Ashworth Jr.. "C.uholicism and Early ModernScience", cm David C Lindbcig c Ronald L. Numbers. eds . God andNalure: HistóricaI l \says on lhe Enconntcr Between Christianity andScience, pág. 145.

87 Ibid.. pág. 155.

VI.

Page 89: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

da moderna ciência na Europa. Fizeram esforços enormcSjpara traduzir as obras ocidentais de matemática e de

astronomia para o chinês e despertaram o interesse dosestudim sos chineses por essas ciências. Fizeram extensasobservada çòes astronômicas e levaram a cabo o primeirotrabalho] cartográfico moderno na China. Tambémaprenderam a apreciar as conquistas científicas dessaantiqüíssima cultura c difundiram-nas na Europa. E foigraças à sua correspondência que os cientistas europeustiveram notícia, pela primeira vez, da ciência c da culturachinesas""0.

As contribuições dos jesuítas para o conhecimento científi- J co c a infra-estrutura de outras nações menos desenvolvidasnão sc limitou à Ásia. mas cstcndcu-sc à África c às AméricasCentral e do Sul. A partir do século XIX, os jesuítas montaram

 j nesses continentes observatórios destinados a estudos deastronomia. geomagnetismo. meteorologia, sismografia efísica solar. Esses observatórios introduziram nesses lugares amedição acurada do tempo, permitiram fazer previsõesclimáticas (particularmente importantes no caso de furacões etufões) e avaliar o risco dc terremotos, e forneceram osprimeiros dados cartográficos88. Nas Américas Central e doSul. os religiosos trabalharam principalmente cmmeteorologia e sismologia, lançando os fundamentos dessasdisciplinas nesses lugares". A eles se deve o desenvolvimentocientifico de muitos desses países, do Equador até o Líbanoou as Filipinas.

Muitos jesuítas distinguiram-se individualmente nas ciênciasao longo dos anos. O pe. Giambattista Ricciolli (1598- -1671).por exemplo, dcstacou-sc por um número enorme dcrealizações, entre as quais o fato pouco conhecido de ter sidoa primeira pessoa a determinar a taxa dc aceleração dc umcorpo em queda livre. Foi também um astrônomo ilustre: poriniciativa sua, claborou-sc por volta de 1640 uma enorme enci-clopédia dessa ciência, que veio a ser editada, graças ao apoiodo pe. Athanasius Kircher, cm 1651: intitulou-se Almagestumnovum. c foi "o resultado e o depósito de um aprendizadovigoroso e devotado". Tratou-se. verdadeiramente, dc umarealização impressionante: por muitos anos. "nenhumastrônomo sério pôde dar-se ao luxo de ignorar o Almagestumnovum", escreve um estudioso moderno". Quarenta anos mais

88 Ibid.. pág. 147.

VI.

Page 90: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

tarde, por exemplo, John Flamstccd, Astrônomo Real daInglaterra, bascou-sc nele nas suas famosas conferências

sobre astronomia*4.Além do enorme volume de informações que contém, o

 Almagestum também é testemunha do empenho com que os  jesuítas sc afastaram das idéias astronômicas dc Aristóteles.Sustentavam abertamente que a Lua era feita do mesmomaterial que a Terra, c prestaram homenagem aos astrônomos- alguns deles proiestantes - cujas concepções divergiam domode gcocêntrico tradicional".

Os estudiosos têm ressaltado a agudeza com que os jesuítas perceberam a importância que tem a precisão naspesquisas experimentais, e Ricciolli personifica esseempenho. Com a finalidade dc desenvolver um pêndulo quetivesse precisão de um segundo, conseguiu repetidamenteconvencer nove conlra-1 dos a contar cerca de 87.000oscilações ao longo de um dia inteiro; c foi graças a essepêndulo que conseguiu calcular a constante da gravidade89.

O pe. Francesco Maria Grimaldi (1618-1663). seuassistente nessas pesquisas, também inscreveu o nome nahistória da ciência. Riccioli, continuamente surpreendido coma habilidade do seu confrade para confeccionar e depois

89 WUliam B. Ashworth Jr.. "Catholkism and Eartv ModemScienec*. ] cm David C. Lindbcrg c Ronald L Numbcrs. ed.v. God andSature: Historical Eisays on lhe Encounier Between Chrislianiiy andScience, pág. 155.

Um estudo recente descreve o processo: "Ricciolli c [o pc.Francesco Maria) Grimaldi puseram a oscilar um pêndulo romano demedida de 3'4~. impulsionando o quando começava a parar econtando durante seis horas, aferi- das por medidas astronômicas,como ele oscilava 21.706 vezes. Isso chegava peno do númerodesejado. 24 x 60 x 60/4 * 21.600, mas não satisfez Ricciolli. Tentounovamente, desta vez durante 24 horas c convocando nove dos seusconfrades, incluído Grimaldi; o resultado. 87.998 oscilações, contra as86.400 desejadas. Aumentou então o pêndulo para 3'4.2" c repetiu acontagem com a mesma equipe: desta vez, obtiveram 86.999. Para osconfrades, os número» eram suficientemente próximos, mas não paraRicciolli. Indo na direção errada. diminuiu para 3'2.67~ e. apenas comGrimaldi c um outro contador dedicado que aceitaram ficar em vigíliacom cie, obteve, em três noites distintas. 3.212 oscilações no intervaloentre o cruzamento do meridiano pelas estrelas Spica e Arcturus.quando deveria ter encontrado 3.192. Estimou então que ocomprimento requerido era de 3'3.27". que [...] aceitou sem

experimentar. Foi uma boa escolha, e deu um resultado um poucosuperior ao inicial: um valor dc 955 cm/s2 para a aceleração dagravidade" (J.I.. Heilbron. Eleciricily in ilie I7ih and I8lh Cenlnries. pág.180). (Sabe-se atualmente que a aceleração gravi- tacion.il dependeda latitude e varia entre 978 e 982 cm/s J (N. do E.)|.

VI.

Page 91: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

utilizar uma grande variedade de instrumentos deobservação, insistiu com os superiores em que era

absolutamente essencial poder contar com ele para remataro Alntagesliim novum. "Assim, apesar da minha indignidade -recordaria ele mais tarde -. a Divina Providência deu-me umcolaborador sem o qual nunca teria podido concluir os meustrabalhos [experimentais!"*7. Foi Grimaldi quem mediu aaltitude de diversas montanhas lunares bem como a alturadas nuvens terrenas; além disso, ele e Riccioli produziram umdiagrama selcnogrãfico (diagrama detalhado que representaa superfície lunar) notavelmente preciso, que hoje adorna aentrada do National Air and Spacc Museum. cm WashingtonDCSH.

Mas o lugar do pe. Grimaldi na ciência já havia sido as-segurado anteriormente pela sua descoberta da difração daluz: mais ainda, por ter dado a esse fenômeno o nome de"difração". (Newton, que veio a interessar-se pela ótica emconseqüência do trabalho do jesuíta, denominou-o "inflexão",mas foi o termo de Grimaldi que prevaleceu)*9. Em uma sériede experiências, demonstrou que a trajetória observada da luznão se concilia com a idéia dc que ela sc move cm linha reta 90; 

ou seja. cm determinadas condições a luz "faz uma curva", so-fre uma difração. Essa descoberta foi fundamental para que osfuturos cientistas, ansiosos por chegarem à explicação dessefenômeno, formulassem a teoria de que a luz é uma onda91.

90 Em uma dessas experiências, por exemplo. Grimaldi fez comque um raio dc luz solar entrasse através dc um pequeno orifício (dc4,1 mm) em uma sala completamente escura. A luz que atravessou oorifício tomou a forma de um cone. Dentro desse cone de luz. a umadistância de uns tn>s metros c meio do orifício, o cientista fLxou umahaste para que projetasse uma sombra na parede. e descobriu que asombra projetada era muito mais longa do que aquela que ummovimento puramente rctilfnco poderia permitir, portanto, a luz náoviajava por um caminho exclusivamente linear (para uma brevediscussão, ilustrada com diagramas, das experiências de Grimaldi. verA. Wolf. A llisiory of Science. Technology, and Philosophy in lhe I6ih andI7ih Centuries. Gcorgc Allcn & Unvvin, Londres. 1938. pág. '254-56.).Descobriu também o que é conhecido como bandas de difraçáo. faixascoloridas que aparecem paralelas à borda da sombra.

91 A teoria da natureza ondulatória da luz. permitiu explicar o

fenômeno da difraçáo: sc o orifício é maior que o comprimento deonda da luz. esta passa em linha reta através dele; se é menor,produz-se a difraçáo. As bandas dc difraçáo também eram explicadasem funçáo da natureza ondulatória da luz: a interferência das ondas dcluz difratada produzia as diversas cores observadas

VI.

Page 92: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Um dos maiores cientistas jesuítasfoi o pe. Rogério (Riuljer) Boscovich(1711-1787), a quem Sir Harold Hartlcy. membro da prestigiosaRoval Society no século passado, chamou "uma das maiores

figuras intelectuais de todos os tempos"92

. Homem ge-nuinamente polifacético, era versado cm teoria atômica, ótica,matemática e astronomia, e foi convidado a lecionar em diver-sas sociedadcs c academias científicas de toda a Europa. De-monstrou ser também um exímio poeta, compondo versos cmlatim sob os auspícios da prestigiosa Accadcmia degli Arcadi,de Roma. Não é de admirar que tenha sido chamado "o maiorgênio que a Iugoslávia jamais produziu"93.

A enorme genialidade do pe. Boscovich evidenciou-se ime-diatamente durante o tempo cm que estudou no Colégio Ro-mano, o mais conhecido e prestigioso colégio dos jesuítas. De-pois de concluir os estudos ordinários, foi nomeado professorde matemática no mesmo Colégio. Já nesse período inicial dacarreira, prévio à sua ordenação como sacerdote (1744). foinotavelmente prolífico, tendo publicado oito dissertações cien-tíficas antes de ser indicado como professor, e mais catorzedepois. Incluem-se entre elas As manchas solares (1736). Otrânsito dc Mercúrio (1737), A Aurora Boreal (1738). Aaplicação do telescópio aos estudos astronômicos (1739), Os

movimentos dos corpos celestes em um meio sem resistência(1740). Os diversos efeitos da gravidade em vários pontos daterra (1741) - que preparou o trabalho sobre geodésia que viriaa fazer - e /\ aberração das estrelas fixas (1742)94.

Não podia demorar que um homem do seu talento se tor-nasse conhecido cm Roma. O papa Bento XIV, que ascendeu aotrono pontifício cm 1740 c era uma das figuras mais cultas daépoca, um estudioso reconhecido e um inccntivador da ciênciac das letras, interessou-se especialmente por ele c pela suaobra, mas o seu principal patrocinador foi o Secretário dcEstado, o cardeal Valcnti Gonzaga, cujos ancestrais provinhamda mesma cidade de Dubrovnik. na Croácia, que os do pe.Boscovich. O Cardeal, que não media esforços para ccrcar-sedc estudiosos dc renome, convidou o sacerdote para as suas

92 Sir Harold Hartlcv. "Foncword". cm While. ed.. Rog/er JosephBoscovich. 8.

93 Joseph E. MacDonncll, Jesitil Geometers. pág. 76.94 Elisa beth Hill, "Rogcr Boscovich: A Biographical Essav". cmLancctoi Law Wjiyic. ed.. Rogcr Joseph Boscovich. SJ. FRS. I7III787.Fordham Univcr- siiv Press. New York. 1961. págs. 34-35: Adolf Mullcr."Ruggiero Giuscpc Boscovich". cm Caiholic Encyclopedia.

92

 THOMAS F.. WOODS JR.

Page 93: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

reuniões dominicais95.Em 1742, preocupado com o aparecimento dc rachaduras

na cúpula da Basílica de São Pedro que prognosticavam umpossível colapso, Bento XIV recorreu à perícia técnica do pc.

Boscovich. Este recomcndou-lhe que sc circundasse a cúpulacom cinco anéis dc aço. O relatório cm que estudava teorica-mente o problema c chegava a essa recomendação prática ga-nhou "a reputação dc um pequeno clássico cm estabilidade es-trutural na arquitetura"96.

Foi também Boscovich quem desenvolveu o primeiro méto-do geométrico para calcular a órbita dos planetas com base cmapenas três observações das suas posições. Além disso, a suaTeoria da Filosofia Natural, publicada originalmente em 1758.atraiu admiradores desde a sua época até os dias de hoje, pelasua ambiciosa tentativa de entender a estrutura do universocom base cm uma idéia única97. Segundo um admiradormoderno, foi ele quem "deu uma expressão clássica a uma dasidéias científicas mais poderosas que já foram concebidas, eque nunca foi superada, quer pela originalidade dos funda-mentos, quer pela clareza de expressão e precisão na sua con-cepção dc estrutura; daí a sua imensa influência"98.

Essa influência foi realmente imensa: os maiores cientistaseuropeus, particularmente na Inglaterra, elogiaram repetida-

mente a Teoria c dedicaram-lhe grande atenção ao longo doséculo XIX, e o interesse por cia reacendeu-se na segundameta- dc do século XX". Um estudioso moderno afirma que foiBoscovich quem fez "a primeira descrição coerente de umateoria atômica", bem mais dc um século antes de ter surgido ateoria atômica moderna'00. E um historiador da ciência recentechama-o "o verdadeiro criador da física atômica fundamental,tal como a entendemos"99. Acrescenta ainda que a suacontribui- \ çào original "antecipou a linha de trabalho c muitasdas carac-1 tcrísticas da física atômica do século XX. E nào éapenas este o mérito da Teoria. Porque, também

95 Elisabcth Hill, "Roger Boscovich: A Biographical Essav". cmLancclot Whytc, cd., Roger Joseph Boscovich. pág. 34.

96 Zelijko Markovic. "Boscovic. Rudjcr J ". em DSB. pág. 326.97 Lancclot Law Whytc. "Boscovich Atomism". em Lancclot Whytc,

cd.. Roger Joseph Boscovich. pág. 102. [Essa "idéia" única correspondeao que atualmente se vem chamando "teoria do campo unificado" ou"teoria do Tudo". que permitiriam explicar todas as realidades do

universo por uma única entidade física (N. do E.)J.98 Lancclot Law Whvtc. "Boscovich Atomism". cm Lancclot Whvle.cd.. Roger Joseph Boscovich. pág. 102.

99 Lancclot Law Whytc. "Boscovich Atomism". cm LanccbiWhytc. cd.. Roger Joseph Boscovich. pág. 105.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA 93

Page 94: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

qualitativamente, previudiversos fenômenos físicos que foramsendo observados, tais como a penetrabilidade da matéria porpartículas em alta velocidade c a possibilidade de estados da

matéria de densidade ; excepcionalmente alta"100

.Nào é dc estranhar, pois, que essa obra tenha sido objetode muita admiração c elogios por parte dc alguns dos grandescientistas da era moderna. Faraday escreveu em 1844:"Parece] que o método mais seguro é pressupor o mínimopossível, e é por isso que acho que os ãtomos de Boscovichlevam grande vantagem sobre as noções mais usuais".Mcndeleev disse dc Boscovich que "é considerado o fundadorda atomística mo- , dema". Clerk Maxwell acrescentou, em1877: "A melhor coisa que podemos fazer é livrarmo-nos donúcleo rígido e substituí-lo por um átomo de Boscovich". Em1899, Kelvin comentou que "a representação de Hookc dasformas de cristais por pilhas de esferas, a teoria daelasticidade dos sólidos de Navicr c Poisson, o trabalho deMaxwell e Clausius em teoria cinética dos gases [...], tudo issosào puros c simples desenvolvimentos da teoria dcBoscovich". Embora esse cientista sabidamente! mudasse comfreqüência de pontos de vista, a sua observação final, cm1905, foi esta: "A minha teoria atual é pura e simplesmente o

boscovichianismo",w. Em 1958, realizou-se em Belgrado umSimpósio Internacional para comemorar os du- zcntos anos dapublicação da Teoria; os trabalhos apresentados incluíram

 papers de Niels Bohr e Wemer Heisembcrg101.A vida do pc. Boscovich revela-nos um homem que, perma-

necendo sempre fiel à Igreja que amava c à Ordem religiosa aque pcrtcncia, tinha uma enorme fome dc conhecer c deaprender. Assim o mostra um simples episódio: cm 1745, essecientista passou o verão cm Frascati. onde os jesuítas tinhaminiciado a construção dc uma residência dc verão. Durante ostrabalhos dc escavação, os construtores acharam os restos deuma vila do século II a.C. Isso bastou para que o pe. Boscovichsc tornasse um entusiástico arqueólogo, escavando c copiandopessoalmente os pavimentos de mosaico. Estava convencidode que o relógio de sol que encontrou era um dosmencionados pelo antigo arquiteto romano Vitrúvio. E aindaachou tempo para escrever dois ensaios sobre o tema: Sobreuma antiga vila descoberta na crista do Tusculum e Sobre um

antigo relógio de sol e alguns outros tesouros encontrados

100(1Ò2) Ibid.. pág. 119.101 Joseph E. MacDonnell. Jcsuit Ceonieiers. pág. II.

94

 THOMAS F.. WOODS JR.

Page 95: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

entre as ruínas. As suas descobertas foram relatadas noGioniale dei Litterati no ano seguinte104.

O pe. Athanasius Kircher  (1602-1680) assemelhou-se aope. Boscovich pelo seu interesse por uma enorme gama deassuntos: foi comparado a Leonardo da Vinci c honrado com otítulo dc "mestre das cem artes". Os seus trabalhos cmquímica ajudaram a desmascarar a alquimia, com que schaviam entre- tido perigosamente até cientistas como IsaacNewton e Robert Boylc. o pai da química moderna102. Em2003, um estudioso descreveu Kircher como "um giganteentre os mestres do século XVII" e "um dos últimospensadores que puderam reivindicar, por direito próprio, odomínio dc todos os saberes"103.

Como se trata de uma figura muito conhecida, mencione-mos apenas uma das áreas cm que sc destacou. Kircher dei-xou-sc fascinar, por exemplo, pelo antigo Egito, tema cm quese destacou pelos seus estudos; cm um deles, demonstrouque a língua copta era. na verdade, um vestígio do primitivoegípcio. Foi denominado o verdadeiro fundador da egiptologia.sem dúvida porque realizou os seus trabalhos nessa áreaantes da descoberta da pedra Roscta, cm 1799, quepossibilitou aos estudiosos a compreensão dos hieróglifos

egípcios. Com efeito, foi "por causa do trabalho dc Kirchcr queos cientistas souberam o que deviam procurar ao interpretar apedra Roscta",M. Essa é a razão pela qual um egiptologistamoderno concluiu que "é incontestável o mérito dc Kirchcr: ciefoi o primeiro a descobrir I que os hieróglifos tinham valorfonético. Tanto do ponto dc vista humanístico comointelectual, a egiptologia pode. verdadeiramente. orgulhar-sedc lê-lo por fundador"104.

As contribuições jcsuíticas para a sismologia (o estudo dosterremotos) foram tão substanciais que a própriaespecialidade tem sido designada, às vezes, como "a ciência

 jcsuítica". Os jesuítas notabilizaram-se nesse campo não sópela sua consistente presença nas universidades em geral cna comunidade científica cm particular, como pelo desejo dcreduzir ao mínimo, a serviço dos seus semelhantes, os efeitos

102 J.R. Paningion. A History of Chemistry, vol. 2. Macmillan.Londres. 1961. págs. 328-33; Joseph E. MacDonnell. Jesuil Geometers.pág. 13.

103 Alan Cullcr. The Seashell on lhe Mounlainiop. pág. 68.104 Erik Ivcrson. The Myth of Egypt and its Hieroglyphs. Princcton

University Press. Princcton. 1993 (Copcnhagucn. 1961). págs. 97-98:cit. cm Jo- seph E. MacDonncll. Jesuit Geometers. págs. 12.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA 95

Page 96: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

devastadores dos terremotos.Em 1908, o pe. Frederick Louis

Odettbach (1857-1933) reparou que o extenso sistema dccolégios e universidades jcsuíticas espalhados por toda a

América ofcrccia a possibilidade de criar uma rede dc estaçõessismológicas. Depois dc receber a aprovação dos dirclores dasinstituições jesuítas dc altos estudos, bem como dosprovinciais da América, comprou no ano seguinte quinzesismógrafos c distribuiu-os pelos centros dc ensino. Cada umadessas estações sismográficas coletaria dados c os enviaria àestação central cm Clcveland, que por sua vez os repassariaao International Seismological Center  em Estrasburgo. Assimnasccu o Jesuit Seismological Service (hoje conhecido como

  Jesuit Seismological Association). descrito como "a primeirarede sismográfica com instrumentação uniforme estabelecidaem escala continental""0.

Mas o sismologista jesuíta mais conhecido, c efetivamenteum dos cientistas mais elogiados dc todos os tempos, foi o pc.

 James B. Macelwane (1833-1956), que, em 1925, reorganizou crevigorou o Jesuil Seismological Service, instalando a sua esta-ção central na Universidade dc Saint Louis. Brilhante pesqui-sador, Macelwanc publicou cm 1936 a Introdução à SismologiaTeórica, primeiro livro-texto da área na América. Foi presidente

da Sociedade dc Sismologia da América c da União Americanadc Geofísica. Em 1962, esta última organização criou umamedalha em sua honra, que é concedida até os dias de hojecm reconhecimento ao trabalho dc jovens geofísicos dcdestaque1".

AS CATEDRAIS COMO OBSERVATÓRIOSASTRONÔMICOS

No campo da astronomia, o público tem às vezes a impres-são dc que os eclcsiásticos só cultivaram tão intensamenteessa ciência para confirmar as suas idéias preconcebidas, maisdo que para seguir as evidências aonde quer que cias oslevassem. Já vimos quão falsa é essa afirmação, mas não custaacrescentar mais alguns fatos para encerrar a questão.

 Johannes Kepler (1571-1630), o grande astrônomo cujas leisdo movimento dos planetas constituíram um progresso científi-co tão importante, manteve ao longo de toda a carreira uma

intensa correspondência com os astrônomos jesuítas. Quando,em um determinado momento da sua vida, sc encontrou emdificuldades econômicas c também cicntíficas, privado até

96

 THOMAS F.. WOODS JR.

Page 97: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

mesmo dc um telescópio, o pc. Paulo Guldin (1577-1643) per-suadiu um amigo seu. o pe. Nicolau Ziicchi (1566-1670), inven-tor do telescópio refletor, a enviar um desses aparelhos a Ke-pler. Este, por sua vez, além dc escrever uma carta dc agrade-

cimento ao pe. Guldin, incluiu posteriormente uma nota espe-cial de gratidão no final do seu livro O Sonho, publicado pos-tumamente. Nela podemos ler:

"Ao reverendissimo pe. Paulo Guldin. sacerdote daCompanhia dc Jesus, homem culto e vcncrável. amado pa-trono. É difícil encontrar qualquer outra pessoa com quemeu preferisse discutir temas de astronomia [...). Um prazerainda maior para mim foi receber a saudação de Vossa Re-verência. trazida pelos membros da sua Ordem que aqui seencontram [...]. Penso que é Vossa Reverência quem devereceber dc mim o primeiro fruto literário da alegria quesenti ao experimentar este presente [o telescópio)"105.

A teoria dc Kepler acerca da órbita clíptica dos planetas ti-nha a vantagem da simplicidade sobre as teoriasconcorrentes. Os modelos de Ptolomcu (gcocéntrico) e deCopérnico (helio- cêntrico). que davam por certa a órbitacircular dos planetas, haviam introduzido uma complicadasérie dc "equanies", "epi- ciclos" e "deformes" para explicar oaparente retrocesso no movimento dos planetas. O sistema de

  Tycho Brahc. que propunha também órbitas circularcs,apresentava as mesmas complicações. Mas Kepler, ao proporórbitas clipticas. fez com que esses modelos parecessemclaramente grosseiros em comparação com a elegantesimplicidade do seu sistema.

Mas esse sistema estaria correto? O astrônomo italianoGio- vanni Cassini (1625-1712), aluno dos jesuítas Ricciolli eGrimaldi. usou o observatório da esplêndida Basílica de SãoPc- trônio. cm Bolonha, para dar suporte ao modelo dc Kepler"Eis um ponto em que sc vê como é desconhecido hoje oimportante contributo que a Igreja proporcionou à astronomia.Nos séculos XVII e XVIII, as catedrais de Bolonha. Florcnça.Paris e Roma eram os melhores observatórios solares domundo. Em nenhum outro lugar do mundo havia instrumentosmais precisos para o estudo do Sol. Cada catedral dispunha deorifícios destinados a deixar passar a luz solar c dc linhas detempo (ou linhas meridianas) no piso. Pela observação do

caminho traçado pelos raios dc luz sobre essas linhas, aquelespesquisadores puderam obter medidas precisas do tempo e

105 Joseph 11. MacDonncll. Jesuit Geometers. págs. 20 e 54.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA 97

Page 98: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

prever os equinó- cios (e tambémpuderam fazer cálculos

precisos acerca da verdadeira data da Páscoa, que era afinalidade inicial desses ob- seivatórios)

Cassini necessitava dc equipamentos suficientemente preci-sos para medir a imagem projetada do Sol com uma margemdc erro não superior a 7,5 mm (a imagem do Sol varia de 125 aS40 milímetros ao longo dc um ano). Naquele tempo, a tec-nologia usada nos telescópios não estava suficientemente de-senvolvida para fornecer essa precisão. Foi o observatório deSão Petrônio que tornou possível a pesquisa de Cassini. Se aórbita da Terra fosse realmente clíptica. sugeria Cassini. deve-ríamos esperar que a imagem do Sol projetada no piso da cate-dral crescesse à medida que os dois corpos sc aproximassem -ao passar por um dos focos da elipse - c que diminuísse quandose afastassem, ao passar pelo outro focom.

Cassini conseguiu levar adiante a sua experiência em mea-dos da década dc 1650-1660. juntamente com os seus colegas

 jesuítas, c pôde finalmente confirmar a teoria das órbitas clíp-ticas proposta por Kcplerm. Como cxplicou um estudioso, "destemodo. pelas observações feitas na igreja dc São Petrônio. nocoração dos Estados pontifícios, os jesuítas confirmaram [...) apedra angular da versão de Kcpler acerca da teoria copcmicana

c destruíram definitivamente a física cclcstc aris- totélica""106.

106J.L. Ilcilbron. Animal Invilaiion Ixcture to lhe Scientific Inslmmcnt Society. Roval Institution. Londres. 06.12.1995.115)William J. Broad. "How thc Church Aided Ucretical" Altronomy".cm Nnr York Tintes. 19.10.1999.116)J.L. Ilcilbron. Thc Sun in thc Church. pág. 112. Para rcfcrir-sc àdescoberta dc Cassini. Hcilbron utiliza o termo técnico maisadequado neste contexto: "bissecçáo da excentricidade". A fraserefere-se simplesmente ás órbitas planetárias clípticas. que àsvezes sáo chamadas "excêntricas".117)Ibid.

98

 THOMAS F.. WOODS JR.

Page 99: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

Não foi um progresso pequeno.Com palavras de um astrônomo francês do século XVIII, JeromeLa lande, o uso dos meridiano da catedral de São Petrônio"marcou época na história da renovação das ciências". Uma

fonte dos começos do século XVIII asseverou que essarealização "deveria ser celebrada nas eras futuras emhomenagem à glória imortal do espírito humano, que foi capaz,de copiar na Terra, com tanta precisão, as regras do eternomovimento do Sol c das estrclas""^ Quem haveria dc imaginarque as catedrais católicas ofereceriam contribuições tãoimportantes ao progresso da ciência?

Os observatórios das catedrais continuaram a dar substan-cial apoio ao progresso do trabalho científico. Entre 1655 e1736, os astrônomos fizeram 4.500 observações cm São Petrô-nio. Com o transcorrer do século XVIII, as melhorias introdu-zidas nos instrumentos de observação foram tornando as cate-drais cada vez mais obsoletas, mas elas continuaram a ser usa-das para medir o tempo... c também para estabelecer os horá-rios das ferrovias.

O dado que perdura, como afirma J.L. Heilbron da Univer-sidade dc Berkclcy, na Califórnia, é que "durante mais de seisséculos - desde a recuperação dos antigos conhecimentos as-tronômicos durante a Idade Média até o Iluminismo -, a IgrejaCatólica Romana deu mais ajuda financeira c suporte social aoestudo da astronomia do que qualquer outra instituição e. pro-vavelmente. mais do que todas as outras juntas"11*.

Em resumo, as contribuições da Igreja para a ciência esten-deram-se muito além da astronomia. Foram as idéias teológi-cas católicas que forneceram as primeiras bases para o pro-gresso científico. Foram os pensadores medievais que assenta-ram alguns dos primeiros princípios da ciência moderna. E fo-ram os sacerdotes católicos, filhos leais da Igreja, que demons-traram dc modo consistente tão grande interesse pelasciências e tantas realizações cm campos tão variados como amatemática e a geometria, a ótica, a biologia, a astronomia, ageologia, a sismologia, c por ai fora.

118)'ibid.. pág. 5.119)Ibid.. pág. 3.

 THOMAS E. WOODS JR.

Page 100: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Quanto disso é do conhecimentogeral, e quantos textos sobre acivilização ocidental o mencionam? Fazer

estas perguntas já é responder a elas. Contudo, graças ao

excelente trabalho dos historiadores recentes da ciência, quecada vez mais vêm reconhecendo à Igreja aquilo que lhe édevido, nenhum estudioso serio poderá jamais repetir odesgastado mito do antagonismo entre a religião c a ciência.Não foi mera coincidência que a ciência moderna tivessesurgido no ambiente católico da Europa ocidental.

A ARTE, A ARQUITETURA E A IGREJA

A herança artística do Ocidente identifica-se tão estreita-mente com o imaginário católico que ninguém pode pretendernegar a influência da Igreja. No entanto, também aqui. a sua

contribuição foi muito maior que a de simples fonte de temaspara a arte ocidental.

O ÓDIO ÀS IMAGENS: ICONOCLASMO

O próprio fato dc conservarmos até hoje muitas das nossasobras-primas é. em si mesmo, um reflexo da mentalidade cató-lica. Os séculos VIII c IX foram testemunhas do surgimento dcuma heresia destruidora chamada iconoclasmo. Essa heresiarejeitava a veneração dc imagens, ícones ou símbolos religio-sos. c chegou a rejeitar a representação de Cristo c dos santosem qualquer tipo dc arte. Se houvesse medrado, as belas pin-turas. esculturas, mosaicos, vitrais. manuscritos com iluminu-ras e fachadas de catedrais, que têm deleitado e inspirado tan-to os ocidentais como os não-ocidentais, nunca teriam chegadoa existir. Mas não prosperou, já que ia na contramão do modocatólico dc compreender c apreciar o mundo criado.

A iconoclastia espalhou-se mais no Império bizantino do queno Ocidente, embora pretendesse proclamar uma doutrina quetodos os que cressem em Cristo deviam aceitar. Foi introduzida

pelo imperador bizantino Leão III o Isáurico (basileu dc 717 a741) por motivos que permanecem obscuros; é provável quetenha influído nela o encontro entre Bizãncio c o Islã. Des- dc o

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

100

Page 101: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

primeiro século dc existência do Islã.depois que os muçulmanos conquistaramas regiões orientais do Império bizantino,

o imperador de Constantinopla teve dc sustentar uma guerra

intermitente contra esse inimigo persistente c poderoso. Notranscorrer dessa luta. não podia deixar dc tomar conheci-mento dc muitas idéias islâmicas, entre elas a de que a artenão devia ser de maneira nenhuma figurativa; assim, porexemplo. não havia nenhuma representação de Maomé. E oimperador l.eâo III. em face das sucessivas vitórias dosmuçulmanos c das deiTotas dos bizantinos nos campos debatalha, começou a pensar que a razão disso devia estar cmque Deus vinha punindo os bizantinos por fazerem ícones,imagens de Deus. proibidas também pelo Antigo Testamento.

Na época cm que sc acendeu a controvérsia iconoclasta,havia séculos que a arte cristã vinha fazendo representaçõesdc Cristo c dos santos. A representação artística dc Cristo erareflexo da doutrina católica da Encarnaçâo: com a Encarnaçãodc Deus cm Jesus Cristo, o mundo material havia sido elevadoa um novo nível, apesar da sua corrupção pelo pecado ori-ginal. Não devia ser desprezado, não só porque Deus o haviacriado, mas também porque nele havia habitado.

Essa foi uma das razões pelas quais São João Damasccno

condenou a iconoclastia. Tendo passado a maior parte da suavida como monge, perto dc Jerusalém, escreveu entre os anos720 e 740 as três partes da sua Apologia contra os queatacam as imagens divinas. Como é natural, argumentava -com base em citações bíblicas e patrísticas. assim como notestemunho do conjunto da Tradição - que Deus não sc opõe àveneração das imagens; cm conseqüência, defendiateologicamente toda a arte religiosa. Nos iconoclastas,detectava uma tendência ao maniqueísmo107, e repreendia-ospor isso: "Injuriais a matéria e dizeis que não tem valor. Omesmo fazem os maniqueus, mas a Escritura divina proclamaque ela é boa, porque diz: £ Deus olhou para tudo o que haviafeito e viu que era muito bom"108.

107 O maniqueísmo dividia o mundo cm um reino dc maldade, o damatéria. c um reino dc bondade, o do espirito. Para os maniqueus. aidéia de que as coisas materiais pudessem comunicar bens espirituaisera um completo absurdo. Nos séculos XII e XIII. o catarismo. umavariante do maniqueísmo. se guiria a mesma linha de pensamento,sustentando que o sistema sacramentai católico tinha que ser

fraudulento, pois como poderia a matéria m.i - cm forma de água.óleos, pão e vinho consagrado» - comunicar graça puramente es-piritual aos que a recebessem?

108 Sáo Joio Damasccno. Apologia contra os que atacamas imagens divinas. 2. 71: a tradução utilizada pelo autor foi a de

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

101

Page 102: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Mas João Damasccno tomou o cuidadode precisar que nào "reverenciava [amatéria] como Deus - longe disso; como

poderia ser Deus aquilo que veio à existência a partir do

nada?"109

Mas a matéria, que os cristãos nào podiam condenarcomo má cm si mesma, podia conter algo do divino:

"Não venero a matéria; venero Quem fez a matéria eQuem, por mim. sc tornou matéria [pela Encamaçào] caceitou habitar na matéria para através dela realizar a mi-nha salvação; e não cessarei de reverenciar a matéria atra-vés da qual se faz a minha salvação [...]. Portanto, reveren-cio c respeito a matéria, porque está impregnada da graçae da energia divinas. Nào é matéria extremamente preciosac abençoada a madeira da cruz? Nào é matéria a montanhaaugusta c santa, o lugar do Calvário? Não são matéria arocha que deu vida c sustento, o santo sepulcro, a fonte daressurreição? Não são matéria a tinta c todo o livro santo doEvangelho? Não é matéria a mesa que nos sustenta, quenos oferece o pão da vida? Não são matéria o ouro c a pratadc que estão feitas as cruzes, os cálices e as patenas? E.acima dc todas essas coisas, não são matéria o corpo e osangue do meu Senhor? Por isso. ou deixamos dc tratartudo isto com reverência c veneração, ou nos submetemos

à tradição da Igreja e permitimos a veneração das imagensdc Deus c dos amigos dc Deus, santificados pelo nome doEspirito divino c, por conseguinte, acolhidos sob a sombrada sua graça"110.

Portanto, toda a arte religiosa, que contribuiu tão podero-samente para configurar a vida artística do Ocidente, apóia-sccm princípios teológicos católicos. Depois de uma série de idase vindas, os próprios bizantinos acabaram por abandonar oiconoclasmo cm 843 c voltaram a criar c venerar os ícones deCristo c dos santos. Os fiéis alegraram-se com essa vitória epassaram a comemorar com uma celebração anual do Triunfoda Ortodoxiai o retorno à prática tradicional.

É difícil exagerar a importância da oposição da Igreja aoiconoclasmo, condenado oficialmente pelo terceiro Concilio deNicéia. em 787. Foram as idéias de São João Damasceno e dosseus seguidores que nos permitiram usufruir da beleza dasMadonnas de Rafael, da Pietà de Michclangclo e de inúmerasoutras obras de gênio, sem mencionar as grandiosas fachadas

Andrew Loutli. publicada com o título Three Treatises on lhe Divinetmages. St. Vladimirs Semi na ry Press. Crestwood. New York. 2003.

109 Ibid'. I. 16.110 Ibid.. I. 15-17.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

102

Page 103: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

das catedrais da Idade Média. Comefeito, não deveríamos tomar comonatural c evidente a aceitação da arte

representativa religiosa; o islamismo nunca abandonou a sua

insistência na arte não-figurativa, e sabemos igualmente que,no século XVI, os protestantes retomaram a heresiaiconoclasta, pondo-sc a destruir estátuas, altares, vitrais einúmeros outros tesouros da arte ocidental. Calvino,certamente o mais importante de todos os pensadoresprotestantes, preferia espaços despojados para os seusserviços dc culto c chegou a proibir até o uso dc instrumentosmusicais. Nada mais alheio ao apreço católico pelo mundomaterial, inspirado na Encamação c na certeza de que osseres humanos, compostos de matéria e espírito, podem va-ler-se das coisas materiais na sua ascensão para Deus.

A CATEDRAL

Não há dúvida de que a maior contribuição católica para aarte. aquela que modificou indiscutível c permanentemente apaisagem européia, é a catedral. Um historiador da arte escre-veu recentemente: "As catedrais medievais da Europa [...] sãoa maior realização da humanidade em todo o panorama da

arte"111

. Particularmente fascinantes são as catedrais góticas,cuja arquitetura sucedeu ao estilo românico no século XII e.partindo da França e da Inglaterra, se espalhou em maior oumenor grau pela Europa. Esses edifícios, monumentais emtamanho c espaço, caracterizaram-se pelos seus arcobotantcs.arcos ogivais, abóbadas nervuradas e uma profusão de vitraisdeslumbrantes, e o efeito combinado desses elementosproduziu um dos mais extraordinários testemunhos da fésobrenatural dc uma civilização.

Não é por acaso que um estudo mais apurado dessas cate-drais revela uma impressionante coerência geométrica. Essacoerência procede diretamente de uma corrente importante dopensamento católico: Santo Agostinho menciona repetidamen-te Sabedoria II. 21 - aquele versículo do Antigo Testamentosegundo o qual, como já vimos. Deus dispôs todas as coisascom medida, quantidade e peso -. e essa idéia tornou-semoeda corrente entre a grande maioria dos pensadorescatólicos do século XII. Novamente encontramos aqui a escolada catedral de Chartres, que veio a desempenhar um papel

111 Paul Johnson. Art: A New Hislon\ HarpcrCoIlins.New York. 2003, pág.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

103

Page 104: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

central na construção das catedraisgóticas112.

Quando a arquitetura gótica evoluiu apartir da sua prede- ccssora romãnica, mais e mais pensadores

católicos se foram persuadindo da ligação entre a matemática- em particular, a geometria - e Deus. Já desde Pilágoras ePlatão, uma importante corrente dc pensamento na civilizaçãoocidental identificava a matemática com o divino. Em Chartres,explica Robert Scott, os mestres "acreditavam que a geometriaera um modo de ligar os seres humanos a Deus, que amatemática era um veículo para revelar à humanidade os maisíntimos segredos do céu. Pensavam que as harmoniasmusicais estavam baseadas nas mesmas proporções da ordemcósmica, que o cosmos era uma obra de arquitetura e queDeus era o seu arquiteto". Essas idéias levaram osconstrutores "a conceber a arquitetura como geometriaaplicada, a geometria como teologia aplicada c o projetista dcuma catedral gótica como um imitador do divino Mestre""."Assim como o grande Geômetra criou o mundo cm Ordem charmonia - explica o professor John Baldwin -, também oarquiteto gótico, com os seus humildes meios, tentava compora morada terrena de Deus de acordo com os supremosprincípios da proporção c da bclcza"v.

Com efeito, a proporcionalidade geométrica que encontra-mos nessas catedrais é absolutamente impressionante. Consi-deremos a catedral inglesa dc Salisburv. Medindo o cruzeirocentral da catedral (onde o seu principal transepto coita o eixoleste-oeste). verificamos que tem trinta e nove por trinta enove pés. Essa dimensão básica é, por sua vez, a base dcpraticamente todas as outras medidas da catedral. Por exem-plo, tanto o comprimento como a largura dc cada um dos dezátrios da nave são dc dezenove pés e seis polegadas - exata-mente a metade do comprimento do cruzeiro central. A próprianave está constituída por vinte espaços idênticos, que medemdezenove pés e seis polegadas quadradas, e por outros dezespaços que medem dezenove pés c seis polegadas por trintae nove pés. Outros aspectos da estrutura oferecem ainda maisamostras da absoluta coerência geométrica que permeia todaa catedral113.

Outro exemplo impressionante da preocupação pelas pro-porções geométricas é a catedral de Saint Rémi, em Rheims.

112 John W. Baldwin. The Scholaslic Culture of lhe Middle  Ages. 1000-1300. D.C. Heatfi. Lcxington. Massachusscts. 1971. pág.107: Robcn A. Scott. The Cothic Enterprise. University of CalifórniaPress. Bcritclcy. 2003. págs. 124-25.

113 Robcrt A. Scoit. The Gothic Enterprise, págs. 103-104.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

104

Page 105: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Embora ainda contenha elementos doestilo românico anterior e não seja oexemplo mais puro de estrutura gótica,

Saint Rémi já manifesta o cuidado com a geometria e a

matemática que constituiu uma qualidade fascinante dessatradição. A influência dc Santo Agostinho e da sua crença nosimbolismo dos números - diferente e complementar dessaoutra que vimos, que considera a estruturação matemática domundo como reflexo da mente divina - ressalta dc modoevidente. O coro de Saint Rémi está "entre os mais perfeitossímbolos tri- nitários da arquitetura gótica - explica ChristophcrWilson -; observa-se como o arquiteto brinca com o númerotrês nas três janelas que iluminam os três níveis da ábsideprincipal; e a multiplicação do número de assentos cm cadadegrau do coro - onze - pelo número de degraus dá trinta etrês"". Trinta e três. como é evidente, alude ã idade de Cristo.

O desejo dc atingir ao mesmo tempo a precisão geométricac um simbolismo numérico, que contribui significativamentepara o prazer que o visitante colhe desses enormes edifícios,não foi. portanto, mera coincidência. Procedia de idéias que jáse encontravam nos Padres da Igreja. Santo Agostinho, cujo DeMusica viria a tornar-se o tratado de estética mais influente daIdade Média, considerava a arquitetura c a música como as ar-

tes mais nobres, uma vez que as suas proporções matemáticasseriam as do próprio universo e. por essa razão, elevariam asnossas mentes ã contemplação da ordem divina,2.

O mesmo se pode dizer das janelas c da ênfase na luz queinunda esses enormes e majestosos edifícios, talvez as caracte-rísticas mais notáveis da catedral gótica. É razoável pensar queo arquiteto levou cm conta o simbolismo teológico da luz. San-to Agostinho concebia a aquisição do conhecimento por partedos seres humanos como fruto da iluminação divina: Deus ilu-mina a mente com o conhecimento. E por isso não é descabidopensar que os arquitetos desse tempo se tivessem inspirado napoderosa metáfora da luz física como meio de evocar a fontedivina da qual procede todo o pensamento humano

Assim o vemos na igreja abacial dc Saint-Denis, sete milhasao norte dc Paris. Aqui não sc pode ignorar o significado reli-gioso da luz. que sc derrama através das janelas pelo coro cpela nave. Uma inscrição no pórtico explica que a luz eleva amente por cima do mundo material e a dirige para a verdadeiraluz. que é Cristo114. Escreve um estudioso moderno: "Quando os

olhos dos adoradores sc elevavam para o céu, podiam imaginar

114 Ibid.. pág. 108.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

105

Page 106: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

a graça dc Deus. à semelhança da luz dosol, a derramar as suas bênçãos c amover os espíritos à ascensão. Os

pecadores podiam ser movidos ao arrependimento e à busca

da perfeição ao vislumbrarem o mundo dc perfeição espiritualem que Deus habitava: um mundo sugerido pela regularidadegeométrica das catedrais"115.

Com efeito, tudo o que sc refere ã catedral gótica revela asua inspiração sobrenatural. "Enquanto as linhas predominan-temente horizontais dos templos grcco-romanos simbolizavamuma experiência religiosa dentro de limites naturais - escreve

 Jaki -, as agulhas góticas simbolizavam a orientação para o altodc uma visão nitidamente sobrenatural"116. Um períodohistórico capaz dc produzir tão magníficas obras dc arquiteturanão pode ter sido de completa estagnação c trevas, como scretrata com tanta freqüência a Idade Média. A luz que jorra nascatcdrais góticas simboliza a luz do século XIII, época ca-racterizada não só pelo fervor religioso c pelo heroísmo de umSão Francisco de Assis, como também pelas universidades,pelo estudo c pela erudição.

Poucos são os que não se deixam conquistar por essasobras dc arquitetura. Um dos estudos mais recentes sobre acatedral gótica deve-se a um sociólogo da Universidade dc

Stanford, que simplesmente se apaixonou pela catedral de Sa-lisbury, na Inglaterra, e decidiu estudar c escrever sobre essetema para difundir o conhecimento desse tesouro que tanto ocativou'7. E mesmo um erudito hostil do século XX fala comadmiração da devoção e do trabalho paciente revelados naconstrução das grandes catcdrais:

"Em Chartres. encontramos uma esplêndida imagem dabela devoção dos habitantes dc uma região que erigiramuma catedral magnífica. Esse maravilhoso edifício começoua ser construído cm 1194 c foi terminado cm 1240. Paraconstruir um edifício que embelezasse a sua cidade csatisfizesse as suas aspirações religiosas, os habitantes de-ram o contributo do seu esforço c das suas posses, anoapós ano. ao longo dc quase meio século. Estimulados pe-los seus sacerdotes, homens, mulheres c crianças iam a pc-dreiras distantes para extrair os blocos dc cantaria c scatrelavam eles mesmos a toscas carroças carregadas dosmateriais de construção. Dia após dia. perseveravam nesse

115 Robcn A. Scott. The Cothic Enterprise, pág. 132.116 Stanley L. Jaki. "Medieval Criativity in Science and Technology",

cm Püttems or Principies and Olher Essays, pág. 75.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

106

Page 107: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

fatigante esforço. Quando paravam ãnoite, extenuados pelo trabalho dodia. o tempo que sobrava era

dedicado a confissões e orações. Outros trabalhavam na

própria catedral, em tarefas que requeriam maior destreza,mas fa- ziam-no com igual devoção [...]. A sua dedicação cdevoção marcaram época naquela parte da França"".

A construção da catedral gótica tem sido. às vezes, credita-da à mentalidade cscolástica. Os cscolásticos - de quem Sào

 Tomás de Aquino foi o exemplo mais ilustre - construíram todoum sistema intelectual; nào sc preocupavam apenas dcresponder a esta ou àquela questão, mas de erguer edifícios in-teiros do pensamento. As suas Summae - nas quais exploravamtodas as questões mais importantes relativas a um tema -eram tratados sistemáticos c coerentes cm que cada conclusãoparticular se relacionava harmonicamentc com todas as outras,tal como os vários elementos que compunham a catedralgótica trabalhavam juntos para criar uma estrutura dc extraor-dinária coerência interna.

lirvvin Panofsky acrescenta, sugestivamente, que não sctratava dc uma coincidência c que ambos os fenômenos - acscolástica c a arquitetura gótica - emergiam dc um ambiente

intelectual c cultural comum. Forneceu exemplos c mais exem-plos de intrigantes paralclismos entre as Sumas cscolásticas ea catedral. Assim como um tratado cscolástico, ao examinar asquestões disputadas, conciliava posições conflitantesprovenientes de fontes dotadas de igual autoridade - porexemplo, de dois Padres da Igreja aparentemente cmdesacordo -, a catedral gótica sintetizava as características dastradições arquitetônicas precedentes, em lugar de.simplesmente, adotar uma c suprimir a outra117.

117 Erxvin Panofskv. Cothic Architeclure and Scholasticism.Meridian Books, New York. 1985 (1951). págs. 69-70.

V. A IGREJA E A CIÊNCIA

107

Page 108: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

O

RENASCIMENTO

A maior explosão dc criatividade c inovações no mundo da

arte desde a Antigüidade teve lugar durante o Renascimentodos séculos XV c XVI.Não é fácil encaixar esse período em categorias nítidas.

Por um lado, parece cm certa medida anunciar a chegada domundo moderno: há um sccularismo crescente, assim comouma ênfase cada vez maior na vida mundana, mais do que nomundo vindouro; abundam, por exemplo, os contos imorais.Não é dc estranhar, pois, que houvesse católicos inclinados arejei- tá-lo dc cabo a rabo. Por outro lado. há elementossuficientes para descrevê-lo como o auge da Idade Média,mais do que como uma ruptura com o passado: os medievais,tal como algumas figuras cxponcnciais do Renascimento,tinham um profundo respeito pela herança da antigüidadeclássica, ainda que não a aceitassem dc modo tão acriticocomo o fizeram alguns humanistas; c é na Idade Média queencontramos as origens das técnicas artísticas que viriam aser aperfeiçoadas no período seguinte. Além disso, o grossoda produção artística renascentista foi dc obras de naturezareligiosa, e, se hoje as podemos apreciar, é graças ao

patrocínio dos papas da época.Um século antes do que se considera normalmente o início

do Renascimento, o medieval Giotto di Bondone (1266-1337).conhecido simplesmente como Giotto, já havia antecipadomuitas das inovações técnicas e artísticas que fariam a glóriada Renascença. Giotto nasceu em 1267, perto de Florença.Conta-se dele que aos dez anos, enquanto cuidava dcovelhas, usava um pedaço de giz para desenhar as ovelhasnas rochas. E que Cimabue ficou tão impressionado comesses desenhos que pediu ao pai do menino permissão paraeducá-lo na arte da pintura. ~

O próprio Giovamii Cimabue (1240-1302) foi um artistainovador: ultrapassando o formalismo da arte bizantina, pinta-va as figuras humanas com uma tendência realista. Giotto se-guiu essa linha, elevando-a a novos cumes, que viriam a exer-cer uma influência substancial nas subseqüentes gerações depintores. As técnicas que Cimabue empregou para dar profun-didade aos seus quadros, em três dimensões, foram da maiorimportância, como também o modo como individualizou as fi-guras humanas, cm oposição à abordagem mais estilizada

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA I 15

Page 109: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

que oprecedeu, na qual os rostos dificilmente sc distinguiam unsdos outros.

Pode-se dizer, assim, que o Renascimento se desenvolveua partir da Idade Média. Mas em áreas nào relacionadas com aarte, foi um período dc retrocesso. O estudo da literatura in-

glesa c continental nào sentiria praticamente nenhuma falta -com algumas honrosas exceções - se sc removessem osséculos XV c XVI. Também a vida cientifica de toda a Europapermaneceu cm gestação: se excetuarmos a teoria douniverso dc Copérnico. a história da ciência ocidental entre1350 c 1600 é dc relativa estagnação. E a filosofia ocidental,que havia florescido nos séculos XII e XIII. tevecomparativamente muito pouco a mostrar nesse período118.

Podcr-sc-ia até dizer que o Renascimento foi. sob muitosaspectos, um tempo de irracionalismo. Por exemplo, foi nessaépoca que a alquimia alcançou o seu auge, c a astrologia ga-nhou ainda maior influência. As perseguições às bruxas, er -roneamente associadas à Idade Média, só sc espalharam apartir do final do século XV c durante o XVI.

Do que não há dúvida é de que. durante o Renascimento,imperou o espírito sccularista. Embora raramente se negassede um modo explícito a doutrina do pecado original, começoua dominar uma visão muito mais inclinada a celebrar a natu-reza humana c as suas capacidades potenciais. Com o

advento do Renascimento, assistimos à exaltação do homemnatural, da sua dignidade e das suas capacidades, divorciadasdos eleitos regeneradores da graça sobrenatural. As virtudescontemplativas, tão admiradas na Idade Média, comomanifestava a tradição monástica, começaram a perder o seulugar para as virtudes ativas como objeto de admiração. Emoutras palavras, um entendimento secular dos conceitos dcutilidade c pratici- dade - que triunfaria mais tarde, durante olluminismo - começou a menosprezar a vida dos monges e.cm seu lugar, a glorificar a vida ativa mundana, a do homemcomum da cidade.

O sccularismo estcndcu-sc também à filosofia política: cmO Príncipe (1513). Maquiavcl concebeu a política cm moldespuramente seculares, c descreveu o Estado como umainstituição moralmente autônoma, isenta dos padrões decerto e errado pelos quais se costuma medir ocomportamento dos indivíduos.

Esse sccularismo começou a invadir igualmente o mundoda arte. Passou a haver patrocinadores fora dos quadros da

118 James Franklin. "The Rcnaissancc Mvth". em QuaJrant  (26).nov 1982. págs. 53-54.

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA I 15

Page 110: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Igreja, c com issoos temas artísticos começaram a mudar. Prosperavam agoraos retratos, os auto-retratos c as paisagens, todos secularespor natureza. O propósito dc retratar tão exatamente quantopossível o mundo natural - tão evidente na arte renascentista- deixa entrever que esse mundo, longe de ser um mero

estágio entre a existência temporal e a felicidade eterna, eraconsiderado algo bom em si mesmo e merecia sercuidadosamente estudado c reproduzido.

Apesar disso, houve nesse período um enorme volume dcobras artísticas que tinham por objeto temas religiosos, emuitas delas procediam dc homens cuja arte sc inspiravaprofundamente em uma fé religiosa sincera c arraigada.Segundo Kcnncth Clark, autor da aplaudidíssima série da BBCCivilização:

"Guercino passava muitas das suas manhas cmoraçáo: Bernini assistia freqüentemente a retiros cpraticava os Exercícios Espirituais dc Santo Inácio: Rubensia à missa todos os dias, antes dc começar a trabalhar.Esse teor dc vida não obedecia ao medo à Inquisição, masà singela crença de que a vida do homem devia pautar-sepela fé que havia inspirado os grandes santos dasgerações precedentes. A segunda metade do século XVIfoi um período dc santidade na Igreja Católica [...1. comfiguras como Santo Inácio dc Lóvola, o visionário soldado

que sc tornou psicólogo. Não é preciso ser católicopraticante para sentir respeito pelo meio século que foicapaz dc produzir esses grandes espíritos"119.Os papas, cm particular Júlio II c Leão X. foram grandes

mecenas dc muitos desses artistas. Foi durante o pontificadode Júlio II. e sob o seu patrocínio, que figuras como Braman-te. Michclangelo c Rafael produziram algumas das mais me-moráveis obras dc arte. A Catholic Enciclopédia aponta a im-portância desse papa ao afirmar que:

"Quando se discutiu sc a Igreja devia absorver ou rejei-tar e condenar o progresso, sc devia ou nào associar-seao espírito humanista, Júlio II teve o mérito dc sc pôr dolado da Renascença e preparar a plataforma para otriunfo moral da Igreja. As grandes criações dc Júlio II - aCatedral de São Pedro de Bramantc c o Vaticano deRafael c Michclangelo - são inseparáveis das grandesidéias dc humanismo c cultura representadas pela Igreja

119 Kcnncth Clark. CMlisalbtt. pig. IS6; cit. cm Joseph E.MacDonnell. Companions of Jesuits: A Tradilioit of Cotloboraiion.Humanilics Institutc. Fair- ficld. Connccticut. 1995.

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA I 15

Page 111: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Católica. Aquia arte ultrapassa-se a si própria, tornando-se linguagemde algo mais alto. o símbolo da mais nobre das harmonias

  jamais realizadas pela natureza humana. Por decisãodesse homem extraordinário. Roma tornou-se. cm fins doséculo XVI. o lugar dc encontro c o epicentro dc tudo o

que era grande no campo da arte e do pensamento"".O mesmo sc pode dizer dc Leão X. embora lhe tenham

faltado o gosto impecável c a capacidade de discernimentode Júlio II. "De todos os lugares - escreveu um cardeal cm1515 -,.] homens dc letras apressam-se a acorrer à CidadeEterna, sua pátria comum, protetora c mecenas". As obras dcRafael cresceram ainda mais cm excelência sob o pontificadodc Leão X, que deu continuidade ao patrocínio do seupredccessor a esse pintor dc excepcional categoria. "Em tudoo que se referia à arte. o papa voltava-se para Rafael",observou um embaixador, cm 1518". Novamente, podemosconfiar no juízo de Will Durant. quando observa que a cortede Leão X era

"o centro do intelecto c da sabedoria de Roma. o lugaronde estudiosos, educadores, poetas, artistas e músicoseram bem-vindos e hospedados, o cenário de solenescerimônias eclesiásticas, de recepções diplomáticas, debanquetes requintados, de espetáculos teatrais ou

musicais, decla- mações poéticas e exposições de arte.Era. sem dúvida alguma. a mais refinada cortc do mundonaquele tempo. O trabalho desenvolvido pelos papas, deNicolau V ao próprio Leão X. para melhorar e embelezar oVaticano, para reunir os gênios artísticos e literários c osembaixadores mais competentes de toda a Europa, fez dacorte de Leão o zéni- te. não da arte - porque este foraalcançado sob Júlio II -. mas sim da literatura c do brilhodo Renascimento. Mesmo cm termos meramentequantitativos, a história nunca viu nada igual no campoda cultura, nem sequer na Atenas dc Périclcs ou na Romade Augusto"120.

A criação renascentista preferida por nós. a Pietà dcMiche- langclo, é uma obra impressionantemente tocante,impregnada dc uma profunda sensibilidade católica. Nostempos de Miche- langelo. a pietà, que representava a VirgemMaria com o seu divino Filho nos braços depois de crucificado,

  já vinha constituindo um gênero artístico havia centenas de

120Will Duram. The Renaissance. MJF Book.s. New York. 1953.pág. 484.

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA I 15

Page 112: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

anos. Essas pri-meiras pietàs eram. com freqüência, desagradáveis dc se ver,como é o caso da a Pietà Ròtigen (cerca dc 1300-1325), naqual uma figura dc Cristo contorcida e ensangüentada estádeitada no colo dc uma mãe esmagada pela aflição.Correspondiam a um período dc terríveis desastres e

tragédias humanas, que sc traduziu em uma grandequantidade dc representações do sofrimento na artereligiosa", particularmente por causa da ênfase que se punhana crucifixão mais do que na ressurreição (ao contrário do quefizeram os ortodoxos c os protestantes), como evento centraldo drama da Redenção.

Mas a intensidade desse sofrimento é significativamenteatenuada na primeira e mais famosa das duas Pietàs deMiche- langclo. Considerada como a mais grandiosa dasesculturas em mármore de todos os tempos, essa Pietàpreserva a tragédia daquele terrível momento, masrepresenta o rosto da mãe dc Cristo com traços dc inegávelserenidade.

Desde o século II. Maria é chamada a "segunda Eva", por-que. sc a desobediência dc Eva levou a humanidade à perdi-ção, a conformidade dc Maria com a vontade dc Deus. ao con-sentir em trazer no seu seio o Homem-Deus, tornou possível aredenção da humanidade. Essa é a mulher que vemos na es-cultura dc Michclangelo: tão confiante nas promessas de Deuse tão perfeitamente conformada com a vontade dc Deus que écapaz dc aceitar serenamente, com espirito dc fé c igualdadedc ânimo, o terrível destino do seu divino Filho.

ARTE E CIÊNCIA

Ao avaliarmos as contribuições da Igreja para o desenvolvi-mento da ciência moderna, vimos brevemente como certasidéias teológicas e filosóficas fundamentais, derivadas docatolicismo, sc demonstraram conaturais ao surgimento dapesquisa científica. Surpreendentemente, as nossasobservações sobre a arte podem acrescentar ainda outraexplicação para o singular êxito da ciência no Ocidente. Trata-se da descoberta dc perspectiva linear, talvez o traço maiscaracterístico da pintura renascentista.

Foi no Ocidente que se desenvolveu a arte da perspectiva -a representação dc imagens cm três dimensões cm um planobi-dimcnsional -, assim como o chiaroscuro. o uso de luz esombra. Essas duas características já existiam na arte da anti-güidade clássica, mas foram os artistas ocidentais que lhes

deram nova vida. mais ou menos a partir dc 1300. Foi sóatravés da influência ocidental que os artistas posteriores

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA I 15

Page 113: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

aplicaram cm todoo mundo esses princípios à sua arte tradicional121.

Em The He ri t age of Giotlo's Gcotnelry, Samuel Edgcrtoncompara a arte da perspectiva desenvolvida na pré-Renascença e na Renascença européias com a arte de outrascivilizações. Começa por comparar duas representações de

uma mosca.uma ocidental e outra chinesa, c mostra que a ocidental estámuito mais alenta à estrutura geométrica da mosca. "No Oci-dente - escreve -. estamos convencidos dc que. sc quisermosentender a estrutura dc um objeto orgânico ou inorgânico, de-vemos encará-lo primeiro como uma nature morte (como umanatureza morta dc Jean-Baptiste Chardin. por exemplo), comtodas as partes que o compõem representadas em conexõesgeométricas estáticas c objetivas. Nessas pinturas, como sar-casticamcntc observou Artur Walcy, «Pòncio Pilatos c um buledc café sâo ambos massas cilíndricas verticais». Para um chi-nês tradicional, essa abordagem é. estética c cientificamente,absurda". O objetivo da comparação dc Edgcrton é sublinharque "a perspectiva geométrica e o chiaroscuro. convençõesda arte da Renascença européia, sejam ou não esteticamenteelegantes. dcmonstraram-sc extremamente úteis para aciência moderna"". É por isso que esse autor sugere que nãofoi uma coincidência que Giotto. o precursor e na verdade ofundador da arte renascentista, c Galileu. às vezesconsiderado o fundador da ciência moderna, tivessem nascidoambos na Toscana c que a cidade toscana dc Fiorença tenhasido o berço tanto dc obras-primas artísticas como dosprogressos científicos.

 Também a inclusão da perspectiva geométrica na arte foiproduto do ambiente intelectual específico da Europacatólica. Como vimos, a idéia de Deus como geômctra c dageometria como a base sobre a qual Deus ordenou a suacriação era uma constante no mundo católico. No tempo daRenascença, explica Edgcrton:

"Crescia no Ocidente uma singular tradição arraigadana doutrina católica medieval: estava-se tornando social-mente de rigor que a «gente bem» conhecesse ageometria euclidiana. Mesmo antes do século XII. osprimeiros Padres da Igreja intuíram que podiam descobrirna geometria euclidiana o próprio modo dc pensar dcDeus.

"A perspectiva geométrica linear foi rapidamente

121 Samuel Y. Edgcrton Jr.. The Herilage of Gtotto s Geomeiry: Anand Science on lhe E\r of lhe Scienlific Revohuion. Comcll UnivcrsilvPress. Ilhaca. 1991. pág. 10.

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA I 15

Page 114: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

aceita naEuropa ocidental após o século XV, porque os cristãosacreditavam que. ao contemplarem uma imagem artísticaassim criada, captavam «ma réplica da própria estruturaessencial da realidade subjacente que Deus haviaconcebido no momento da criação. Por volta do século

XVII, quando os «filósofos naturais» (como Kepler, Galileu.Descartes e Newton) foram compreendendo cada vezmais que a perspectiva linear coincide efetivamente como próprio processo ótico e fisiológico da visão humana,não só sc manteve o imprimatur  cristão da perspectiva,como ela passou a servir para reforçar na ciênciaocidental a crescente convicção otimista e generalizadadc que se linha finalmente penetrado no processo damente de Deus c de que o conhecimento (c o controle) danatureza estava potencialmente ao alcance dc qualquerser humano"122.

Foi assim que o empenho que a Igreja Católica pôs no es-tudo da geometria euclidiana, como chave para desvendar a

mente de Deus c a base sobre a qual Ele ordenou o universo,trouxe frutos imensamente importantes tanto no campo daarte como no da ciência. A atração católica pela geometria le-vou a um modo de retratar o mundo natural que ajudou a tor-nar possível a Revolução Científica c que seria copiado peloresto do mundo nos anos posteriores.

122 Ibid. pág. 289.

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA I 15

Page 115: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

VII.

AS ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL

Em 1892. por ocasião dos quatrocentos anos dadescoberta da América por Cristóvão Colombo, o clima era dccelebração. Colombo foi um corajoso e hábil navegador queaproximou dois mundos c mudou a história para sempre. OsCavaleiros dc Colombo chegaram a propor a suacanonização. Um século depois, o ânimo reinante era muitomais sombrio.

Hoje, Colombo é acusado dc todo o gcncro de crimes ter-ríveis. que vão da devastação ambiental às atrocidades queculminaram no gcnocídio. Kirkpatrick Salc descreveu osacontecimentos de 1492 como "a conquista do paraíso", doqual povos pacíficos c amigos da natureza foramviolentamente expulsos pela avareza dos conquistadoreseuropeus. Pôs a ênfase nos maus-tratos infligidos peloseuropeus à população indígena, particularmente na suautilização como mão dc obra escrava.

O debate sobre as conseqüências desse encontro dcculturas passou a ser polêmico. Os defensores dos europeusem geral, c dc Colombo cm particular, contestaramafirmações como as dc Kirkpatrik com o argumento de que oscrimes dos europeus foram exagerados, de que a maiormortandade entre os nativos foi conseqüência das doençasintroduzidas pelos conquistadores (um fato involuntário c.portanto, neutro do ponto dc vista moral), mais do que daExploração ou da força militar, c de que as populaçõesnativas não eram pacificas nem se preocupavam com a

preservação da natureza, como sugerem os seusadmiradores dc hoje cm dia. c assim por diante.

Page 116: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Consideremos aqui esta questão de um ponto dc vista que éfreqüentemente esquecido. Os relatos dos maus-tratos espa-nhóis aos nativos do Novo Mundo provocaram uma crise dc

consciência cm importantes setores da população espanholano século XVI. nào apenas entre filósofos c teólogos. Este fatoindica por si só que estamos perante uma questão pouco

usual em termos históricos. Com efeito, nenhum dadohistórico permite supor que Átila, o rei dos hunos, tenha tidoqualquer escrúpulo moral nas suas conquistas, nem que ossacrifícios humanos coletivos que os astccas promoviam e

que considera- \ vam tão fundamentais para a sobrevivênciada sua civilização, | tenham provocado entre eles sentimentos

de auto-crítica ou reflexões filosóficas que sc pudessemcomparar àquelas que os erros dc comportamento dos

europeus provocaram entre os teólogos da Espanha do séculoXVI.

Foi por essa reflexão filosófica que os teólogos espanhóisatingiram algo muito substancial: o nascimento do direito in-ternacional moderno. As controvérsias em torno dos nativosda América forneceram-lhes uma oportunidade para elucidaros princípios gerais que os Estados estão moralmenteobrigados a observar nas suas relações mútuas.

Até então, as leis que regiam essas relações eram vagase nunca tinham sido articuladas de um modo claro. E foi adescoberta do Novo Mundo que levou a estudã-las c perfilá-las123. Os estudiosos do direito internacional debruçam-sccom freqüência sobre o século XVI para encontrar as fontesdessa disciplina. Aqui. novamente, a Igreja Católica deuorigem a um conceito claramente ocidental.

UMA VOZ NO DESERTO

A primeira grande reprovação dc um eclesiástico que sefez ouvir contra a política colonial espanhola dcu-sc cmdezembro dc 1511. na ilha de Hispanhola (atual Haiti eRepública Dominicana). Em um sermão dramático sobre otexto Eu sou a voz que clama no deserto, um fradedominicano chamado Antônio de Montesinos <?-l 545).

123 Bcmicc Hamilton. Púlitieal Thooght in Sixieenth-Century S/mm. Oxford University Press. Londres. 1963. p.íg. 98: José A.

Fernándcz-Santamaría. The State. Warand Peace: Spanish PolíticaIThonght in the Renaissance. 151 A-1559. Cambridgc University Press.Cambridge. 1977. pág. 60-61.

116  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 117: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

 Talando cm nome da pequena comunidade dominicana dailha. fez uma série de críticas c condenações ã políticaespanhola para as índias. De acordo com o historiador LcwisHankc. o sermão, pronunciado na presença dc importantesautoridades espanholas, "teve por fim chocar e causar terrorentre os ouvintes". E assim deve ter ocorrido:

"Subi a este púlpito para desvendar os vossos pecadoscontra as índias; sou uma voz dc Cristo clamando no de-serto desta ilha e, por isso. convém que me escuteis, nãocom pouca atenção, mas com todo o vosso coração c sen-tidos; porque será a voz mais estranha que jamais tereisouvido, a mais áspera, a mais terrível e a mais audaz que

 jamais esperásseis ouvir [...]. Esta voz diz que estais cmpecado mortal, que viveis e morreis nele. pela crueldadee tirania com que tratais este povo inocente. Dizci-mccom que direito ou justiça mantendes estes índios em tãocruel e horrível servidão? Com que autoridadeempreendestes uma detestável guerra contra este povoque habitava quieta e pacificamente na sua própria terra?Por que os opri- mis c fazeis trabalhar até à exaustão, cnão lhes dais o suficiente para comer nem cuidais delesnas suas enfermidades? Pelo excesso dc trabalho quelhes impondes, adoecem c morrem, ou melhor, vós osmatais pelo vosso desejo de extrair c adquirir ouro todosos dias. E que cuidado pondes cm fazer com que sejam

instruídos na religião? [...) Por acaso não são homens?Não possuem almas racionais? Não estais obrigados aamá-los como vos amais a vós mesmos? [...] Estai certosdc que, em uma situação como esta. não podeis sersalvos mais do que os mouros ou os turcos"124.

Aturdidos com essa forte admoestaçào. os chefes da ilha.entre os quais o almirante Diego Colombo, ergueram umvigoroso e ruidoso protesto, exigindo que o pc. Montesinos scretratasse das suas assustadoras afirmações. E osdominicanos ordenaram ao pc. Montesinos que voltasse apregar no domingo seguinte e fizesse o possível para explicaro que havia dito c tranqüilizar os ouvintes desgostosos.

Quando chegou o momento da esperada retratação.Montesinos utilizou como base do seu sermão um versículode Jó (13. 17-18): Estou pronto para defender a minha causa,sei que sou eu quem tem razào. E começou a repassar todasas acusações que fizera na semana anterior c a demonstrar

124 Lcwis Hankc. The Spanish Sirug&le for Justice m theConquest of America. Litlle. Brown and Co.. Boston. 1965 11949).pág. 17

Page 118: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

que nenhuma tinha sido sem fundamento. Concluiu dizendoàs autoridades presentes que nenhum dos frades os ouviriacm confissão (uma vez que os oficiais espanhóis da colônia

não tinham nem contrição nem qualquer propósito dcemenda) e que podiam escrever a Castela c contar o que lhesapetecesse a quem quer que fosse4.

Quando esses dois sermões foram levados aoconhccimcntoj do rei Fernando, na Espanha, as censuras dofrade tinham sido tão distorcidas que causaram surpresatanto ao rei como ao próprio provincial dominicano.Destemidamente, Montesinos c o seu superior embarcarampara a Espanha a fim dc apresentarem ao rei o seu lado dahistória. Uma tentativa de impedi-los dc serem recebidosfalhou quando um franciscanoJ que fora enviado à Corte parafalar contra os dominicanos na ilha de Hispanhola. foiconvencido por Montesinos a abraçar a posição dos doisdominicanos.

Em face do dramático testemunho a respeito da conduta]dos espanhóis no Novo Mundo, o rei reuniu um grupo dc teó-logos e juristas com a missão dc elaborar leis queregulassem! as relações dos oficiais espanhóis com osindígenas. Assim nasceram as Leis de Burgos (1512) c dcValladolid (1513). Mais tarde, cm 1542, com base cmargumentos semelhantes, acrescentaram-se as chamadasNovas Leis. Grande parte dessa legislação cm beneficio dosnativos rcvclou-sc desapontadora na sua aplicação cexecução, particularmente pela grande distância queseparava a Coroa espanhola do cenário dos acontecimentosno Novo Mundo. Mas esse primeiro esforço crítico ajudou apreparar o terreno para o trabalho mais sistemático eduradouro de alguns dos grandes teólogos c juristas do sécu-lo XVI.

FRANCISCO DE VITÓRIA

Entre os mais ilustres desses pensadores estava o pe.Francisco de Vitória (cerca dc 1492-1546). Com as suascríticas à política espanhola. Vitória lançou as bases da teoriamoderna do direito internacional c. por isso. chegou a serchamado "o pai do direito internacional"125, e cm todo o caso

125 Michael Novak. The Universal Htinger for Uberty.Basic Books. New York. 2004. pág. 24. O titulo coincide com o do livrodo protestante holandês Hugo Grotius.

118  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 119: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

é considerado o homem que "propôs pela primeira vez odireito internacional cm termos modernos"126. Apoiado poroutros teólogos c juristas, "defendeu a doutrina de que todosos homens são igualmente livres; c. com base na liberdadenatural, proclamou o direito à vida. à cultura c àpropriedade"127. Para respaldar as suas afirmações. recorreu

tanto às Escrituras quanto à razão; c ao fazê- -lo,"proporcionou ao mundo da sua época a primeira obra--prima do direito das nações, tanto cm tempo dc paz comode guerra"128. Foi um sacerdote católico, portanto, quemtrouxe uma grande contribuição para o primeiro tratadosobre o direito das nações.

Nascido por volta de 1483. Vitória ingressara na Ordemdominicana cm 1504. Tinha freqüentado a Universidade dcParis, onde completara os seus estudos cm artes liberais cprosseguira os dc teologia. Tinha lecionado em Paris atémudar-se. em 1523. para Valladolid, onde continuou a dar assuas aulas dc teologia, no Colégio de Sào Gregório. Três anosdepois, ocupou a cátedra de teologia na Universidade deSalamanca. institui- ção no seio da qual nasceriam tantaslinhas dc pensamcntoF profundas cm tantas áreas ao longodo século XVI. Em 1532, [ proferiu uma famosa série dcconferências que. mais tarde, fo-! ram publicadas comoSobre os índios e a lei de guerra, que assentou importantesprincípios dc direito internacional no con-; texto da defesados direitos dos índios. Quando foi convidado a participar doConcilio de Trento, declarou que gostaria mais de viajar parao Novo Mundo, e assim o fez cm 1546.

Mas esse grande pensador foi mais conhecido pelos seuscomentários sobre o colonialismo espanhol no Novo Mundo eo valor moral dos atos dos conquistadores. Tinham os espa-nhóis direito a possuir terras americanas cm nome da Coroa?Quais eram as suas obrigações em relaçáo aos nativos? Taisassuntos levantavam, inevitavelmente, questões mais geraise universais. Que conduta deviam os Estados obrigar-sc a

126 Marcelo Sánchez-Sorondo. "Vitoria. The OriginalPhilosophcr of Ri- ghts". cm Kcvin Whitc, cd.. Hispanic Philosophy inthe Age of Discovery. Calholic University of America Press.Washington. DC. 1977. pág. 66.

127 Carl Watncr. "Al i Mankind Is Onc". pág. 294; Walncrcl citado por Lc- wis I lankc cm Ali Mankind is One. A study of theDisputation Between Rartolo >né de Ias Casas and Jnan Ginés deSeptilveda in 1550 on the Intellectnal and Religious Capacitv of the

 American Indians. Northern Illinois University Press. IX- Kalb. Illinois.1974. pág. 142.

128 James Brown Scott. The Spanislt Origin of International IMXV . School of Forcign Scrvicc. Gcorgctown University.Washington. DC. 1928. pág. 65.

Page 120: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

observar nas suas relações mútuas? Quais as circunstânciasem que sc podia considerar justa a guerra declarada por umEstado? Tratava-se obviamente dc questões fundamentais

para a teoria do moderno direito internacional.Era c continua a ser um lugar comum entre os pensadorescristãos a idéia de que o homem goza de uma posição únicadentro da Criação. Criado por Deus â sua imagem esemelhança c dotado dc uma natureza racional, o homempossui uma dignidade da qual carecem todas as demaiscriaturas11. Foi com base nisso que Vitória continuou adesenvolver a idéia de que, pela sua posição, o homem tem odireito de receber dos seres humanos, seus semelhantes, umtratamento que nenhuma outra criatura pode reivindicar.

IGUALDADE SEGUNDO A LEI NATURAL

Vitória procurou cm São Tomás de Aquino dois princípiosimportantes: 1) a lei divina, que procede da graça, não anulaa lei humana natural, que procede da natureza racional: 2)nada do que pertence ao homem por natureza pode scr-lhetirado ou concedido em função dos seus pecados''. Nenhumcatólico sustentaria que é um crime menos grave matar umapessoa não batizada do que uma batizada. Foi isso o queVitória quis dizer: o tratamento a que todo e qualquer serhumano tem direito - por exemplo, de não ser assassinado,expropriado dos seus bens, ctc. - deriva da sua condição dchomem, não dc que seja um fiel em eslado de graça. O pe.Domingos de Soto, colega de Vitória na Universidade deSalamanca, explicou a questão cm termos muito claros: "Noque concerne aos direitos naturais, aqueles que estão cmgraça dc Deus não são nem um pouquinho melhores que opecador ou o pagão"129.

A partir desses princípios tomados de São Tomás, Vitóriaafirmou que o homem não podia ser privado da sua capacida-de civil por estar cm pecado mortal e que o direito de possuircoisas para uso próprio (isto é. o direito à propr iedadeprivada) pertencia a todos os homens, mesmo que fossempagãos ou tivessem costumes considerados bárbaros. Osíndios do Novo Mundo eram, portanto, iguais aos espanhóiscm matéria dc direitos naturais. Possuíam as suas terras deacordo com os mesmos princípios pelos quais os espanhóis

129 Ibid.. pág. 253.

120  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 121: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

possuíam as deles". Escreveu: "A conclusão de tudo o queprecede é, pois. que os aborígenes tém indubitavelmenteverdadeiros direitos soberanos em matérias públicas cprivadas, tal como os cristãos, c nem os seus príncipes nemas pessoas privadas podem espoliá-los das suaspropriedades, sob a alegação de não serem verdadeiros

proprietários"Sustentou também, tal como os seus colegas escolásticosDomingos dc Soto e Luis de Molina, que os príncipes pagãosgovernavam legitimamente. Fez notar que as conhecidasadvertências da Escritura sobre a obediência devida àsautoridadescivis tinham sido feitas no contexto de um governo pagão. Scum rei pagão não cometeu nenhum crime - disse Vitória -Mnão pode ser deposto simplesmente por ser pagão11. Era à luzdesse princípio que a Europa cristã devia moldar as suas polí-ticas relativas ao Novo Mundo.

"Na concepção desse bem informado e equilibrado profes-sor dc Salamanca - escreve um admirador do século XX osEstados, independentemente do seu tamanho e forma de go-verno. da sua religião ou da dos seus súditos, cidadãos ehabitantes. da sua civilização avançada ou incipiente, eramiguais à face do sistema de leis que ele professava"w. CadaEstado tinha os mesmos direitos que qualquer outro, c eraobrigado a respeitar os direitos dos outros. De acordo com

esse pensamento. "os longínquos principados da Americaeram Estados e os seus súditos gozavam dos mesmos direitose privilégios e estavam sujeitos aos mesmos deveres dosreinos cristãos da Espanha. França c Europa em geral"15.

Vitória pensava que os povos do Novo Mundo deviam per-mitir aos missionários católicos que pregassem o Evangelhoem suas terras. Mas insistia taxativamente cm que a rejeição■ do Evangelho não era motivo para uma guerra justa. Comobom tomista. invocava São Tomás de Aquino, em cujo enten-der não sc devia usar de coação para converter os pagãos àfé, uma vez que (são palavras dc São Tomás) "crer dependedo querer" c. portanto, tem dc ser um ato livre16. Fora poressa razão que. cm um caso análogo, o IV Concilio de Toledo(633) condenara a prática de obrigar os judeus a receber obatis-

Vitória e os seus aliados defendiam, pois, que o direilo na-tural nào existe apenas para os cristãos, mas para qualquerser humano. Isto é. defendiam a existência de "um sistema

ético

Page 122: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

13)Bcmicc Hamilton. Political Thotighl in Sixteenth-Centitrv Spain.pág.

I.14)James Brcnvn Scott, Tltc Spanish Origin of International Law.pág. 41.

15)Ibid.. pág. 61.16)Sttmma theologiae. IMI. q.10. a. 8.17)'Marcelo Sánchez-Sorondo. "Vitoria: The Original Philosophcr of Ri- ghts". pág. 67.

natural que não depende da revelação cristã nem acontradiz., mas sc sustenta por si mesmo"". Afirmavam, comSão Paulo, que a lei natural está inscrita no coração humano eque. por essa razão, existia uma base sobre a qualestabelecer regras internacionais de conduta que obrigassemmoralmente mesmo os que nunca tivessem ouvido falar doEvangelho (ou que o tivessem rejeitado). Consideravamtambém que todos os homens possuem o senso básico doccrto e do errado, resumido nos Dez Mandamentos e na regraáurea130  - alguns teólogos praticamente chegavam aidentificar ambos esses sistemas com a própria lei natural -.de onde sc podiam deduzir as obrigações internacionais.

Alguns teólogos apontaram que a lei natural manifesta "oabismo existente entre o homem e o resto dos animais e domundo criado"131, o que, por sua vez, levava à "firmeconvicção de que os índios do Novo Mundo, assim como

quaisquer outros povos pagãos. participavam dos direitoshumanos, não se justificando o seu desrespeito por parte dequalquer civilização ou religião superior"132'.

Aos que afirmavam que os nativos do Novo Mundo care-ciam dc razão ou que, pelo menos, não estavam ern seuperfeito juízo (eqüivalendo a menores de idade) e, por isso.não podiam possuir bens. Vitória respondeu que umadeficiência de razão em uma parcela da população nào

  justificava que se subjugasse ou espoliasse essa parcela,porque a diminuição das suas qualidades intelectuais nàoanulava o seu direito à propriedade privada. "Em conclusão,possuem o direito à propriedade dos bens, mas - c nesteponto Vitória hesita - se podem ou não dispor desses bens éuma questão que deixo aos juristas"133.

130 Chama-se comumcnic "regra áurea" da moral ao princípio dc"nflo fazer aos outros o que nâo queremos que nos façam" (N. do E.)

131 Bcrnicc Hamilton. Political Tltoiighl in Sixteenth-Centurv Spain. pág.

21.132 Ibid., 24.133José A. Fcmándc/.-Santamaría. The State, War and Peace, pág.

122  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 123: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Em qualquer caso, sugeria Vitória, devíamos ter cm contaque os índios americanos não eram irracionais. Estavam semdúvida alguma dotados de razão, o que é uma faculdadecaracterística da pessoa humana. Desenvolvendo o princípiode Aristóteles de que a natureza nada faz cm vão, cscrcveu:

"Na verdade, não são irracionais, mas possuem o usoda razão a seu modo. Isto é evidente, porque organizam assuas ocupações, tem cidades ordenadas, celebram casa-mentos. têm magistrados, governantes, leis [...]. Tambémnão se enganam em coisas que são evidentes para os ou-tros. o que revela que usam da razão. Nem Deus nem anatureza falham em dotar as espécies daquilo que lhes énecessário. Ora. a razão é uma qualidade específica do ho -mem. c uma potência que não sc atualizasse seria vã".

Nessas suas duas últimas frases. Vitória quis dizer que nãoera possível admitir que houvesse uma parte da raça humanaprivada do uso da razão, pois Deus não falharia cm dotá-la dodom que confere ao homem a sua especial dignidade entre ascriaturas".

BARTOLOMÉ DE LAS CASAS

Ainda que Vitória tenha sido, possivelmente, o mais siste-mático de todos os pensadores que estudaram essas questõesno século XVI. talvez o crítico mais conhecido da política es-panhola tenha sido o sacerdote e bispo Bartolomé de LasCasas (ccrca dc 1474-1566). que nos proporcionou toda ainformação que possuímos sobre Antonio Montesinos, o fradecujo famoso sermão provocou toda a controvérsia. Las Casas,cuja doutrina parece ter sido muito influenciada pelos mestresde Salaman- ca. compartilhou a posição de Vitória a respeitoda capacidade de raciocínio dos indígenas.

Contra os que pretendiam que os nativos constituíam umexemplo daqueles que Aristóteles descrevera como "escravospor natureza", Las Casas sustentou que os nativos estavammuito longe do nível dc cnvilccimenio implícito na concepçãodo filósofo c armou-sc para combatê-la. Sugeriu que osnativos fossem "tratados com toda a suavidade, de acordocom a doutrina de Cristo", bascando-sc cm que "temos anosso favor o mandamento dc Cristo: ama o próximo como a

78.

Page 124: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

li mesmo [...]. Embora [Arisiótclesl fosse um grande filósofo,os seus conhecimentos nào lhe valeram para encontrar aDeus"134.

Em 1550. teve lugar um célebre debate entre Las Casas e Juan Ginés dc Sepúlvcda. o filósofo c teólogo que defendia pu-blicamente o uso da força na conquista dos nativos. Um estu-dioso denominou esse debate "exemplo único de um poderimperial que questiona abertamente a legitimidade dos seusdireitos c os fundamentos éticos de sua atuação política"".Ambos os contendores defendiam a atividade missionáriaentre os nativos c desejavam ganhá-los para a Igreja, mas LasCasas insistia cm que esse processo devia ocorrerpacificamente. Sepúlvcda, por sua vez. não afirmava que osespanhóis tivessem o direito dc conquistar os povos nativossimplesmente por serem pagãos, mas argumentava que obaixo nível dc civilização e os costumes bárbaros dessespovos eram um obstáculo para a sua conversão e que,portanto, era necessário algum tipo de tutela para que scpudesse levar a cabo com sucesso o processo deevangelização. Tinha plena consciência dc que podia ser acon-selhável nào aplicar uma política fundamentalmente correta,por causa das dificuldades que encontraria à hora dc ser posta

em prática. Por isso, o que o preocupava não era saber se eraoportuna a guerra contra os índios, mas a questão mais básicade saber sc cia sc justificava moralmente.

Las Casas, pelo contrário, estava absolutamenteconvencido de que. na prática, tais guerras seriamdesastrosas para todos os povos envolvidos e prejudiciais àdifusão do Evangelho. Qualquer especulação acadêmica c friasobre o tema parecia- -lhe "irresponsável, frívola cchocante"135. Dada a fragilidade da natureza humana,considerava que legitimar o uso da força contra os nativosseria abrir a porta a uma sucessão de conseqüênciasnegativas, c sustentava, portanto, que o uso de qualquerforma de coerção era moralmente inaceitável. Excluía acoerção tanto para compelir à fé como para tentar criar umambiente pacífico cm torno do trabalho dos missionários, coi-

134 Eduardo Andújar. "Bartolomé dc Las Casas and Juan Ginós dcScpúl- veda: Moral Thcology versus Political Philosophy". cm KcvinWhitc, ed.. His- panic Philosophy in lhe Age of Discovery. págv 76-8.

135 Rafael Alvira and Alfredo Cru/, "The Conlrovcrsy Bctwecn LasCasas and Sepúlvcda at Valladolid". em Kcvin Whitc. cd.. HispanicPhilosophy in die Age of Discovery. pág. 93.

124  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 125: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

sa que Sepúlvcda teria admitido.Vitória, por sua vez, achava legítimo o uso da foiça contra

os nativos em alguns casos, como por exemplo para livrá-losdc algumas práticas bárbaras da sua própria cultura136. ParaLas Casas, essa concessão não levava cm conta as paixões ca cobiça dos homens, que por essa brecha certamente se

sentiriam autorizados a empreender uma guerrapotencialmente sem limites, c nesse sentido acusouSepúlvcda de "causar escândalo e encorajar homens dctendências violentas"137*. Pensava que a infinidade de efeitosnegativos das guerras, previstos ou não, pesava muito maisdo que o efeito positivo dc ajudar as tribos oprimidas pelosseus vizinhos; aliás, esse é um ponto que os modernoscríticos das intervenções militares a título humanitáriocontinuam a subscrever nos nossos dias138.

"Para pôr um fim a toda a violência contra os índios - es-creve um historiador atual -, Las Casas linha dc mostrar que,por uma razão ou por outra, toda a guerra contra cies era in-

  justa". Por isso. desenvolveu um imenso esforço paradesfazer todo e qualquer argumento que, embora limitasse aguerra, pudesse no entanto deixá-la cm aberto como umaopção lícita Além disso, eslava convencido de que taismedidas "pacificado- ras" prejudicariam certamente o esforçomissionário, uma vez que a presença de homens armados,por mais limitada que fos- sc. predisporia o ânimo c a mente

dos nativos contra qualquer membro do contingente invasor,incluídos os missionários,,. Os missionários realizariam umbom trabalho só "com palavras amáveis c divinas, c comexemplos e obras de vidas santas"12. Estava convencido deque os nativos poderiam fazer parte da civilização cristãatravés de um esforço persistente e sincero, c dc que aescravatura ou outras coerções eram não só injustas, mascontraproducentes. Só uma interação pacifica poderiaassegurar a sinceridade dc coração daqueles que optassempor converter-se.

Entre escrever, pregar c promover agitações políticas, LasCasas dedicou meio século a trabalhar cm benefício dos nati -vos, procurando reformar o tratamento que recebiam c lutan-do contra o abusivo sistema da encomienda. Foi aqui queidentificou uma importante fonte dc injustiça na conduta dosespanhóis no Novo Mundo. Juridicamente, encomendem era

136 Concrctamenic os sacrifícios humanos que alguns dos povosamericanos praticavam numa escala assustadora, c que horrorizaramprofundamente os espanhóis (N. do E.).

137Rafael Alvira and Alfredo Cruz. "The Conlrovcrsy Bctwecn LasCisa» and Sepúlvcda at Valladolid". pág. 93.138 ibid.. pág. 95.

Page 126: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

um homem a quem sc "confiava" (encomendaba) um grupode índios para que os protegesse c provesse à sua educaçãoreligiosa. Em contrapartida, os nativos confiados a ele

deviam pagar-lhe um tributo. A encomienda não supunhaoriginalmente uma outorga dc soberania política sobre osnativos, mas. na prática, era o que aconteciafreqüentemente, c o tributo era cobrado muitas vezes cmforma dc trabalhos forçados. Tendo-lhe sido atribuída, ccrtafeita, uma encomienda. o próprio Las Casas conheceu emprimeira mão os abusos c injustiças do sistema, c trabalhoupara pôr-lhe um ponto final, se bem que com pouco sucesso.Em 1564, refletindo sobre as suas décadas dc trabalho comodefensor dos indígenas, escreveu no seu testamento:

"Na sua bondade e clemência. Deus dignou-scescolhcr- -mc como seu ministro, embora indigno, paradefender todos aqueles povos indígenas, possuidores dereinos c terras, contra as injustiças c injúrias nunca antesvistas oti ouvidas, cometidas pelos nossos espanhóis [...],c para lhes rcstituir a primitiva liberdade, da qual foraminjustamente privados [...]. Trabalhei na Corte dos reis dcCaslcla desde 1514. indo e vindo muitas vezes das índiaspara Castcla e de Castela para as índias, por cerca de

cinqüenta anos, só por Deus c pela compaixão de verperecer tais multidões de homens racionais, serviçais,humildes, seres humanos dc grande docilidade esimplicidade, bem dotados para receber a nossa fécatólica [...] e para ser prendados com os bonscostumes"".

Hoje em dia. Las Casas é considerado quase um santo cmgrande parte da América Latina e continua a ser admiradotanto pela sua coragem como pelo seu árduo trabalho. A suafé, que lhe ensinou haver um único código moral para todosos homens, permitiu-lhe julgar a conduta da sua própria socie-dade, o que nào é pouca coisa. Os seus argumentos, escreveo professor Lewis Hankc. "deram forças a todos aqueles que,no seu tempo e nos séculos seguintes, trabalharampersuadidos dc que todas as pessoas do mundo são sereshumanos, com as capacidades e as responsabilidades própriasdos homens"

DIREITO INTERNACIONAL VERSUS

126  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 127: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

ESTADO MODERNO

Até agora falamos dos primórdios do direito internacional,dc normas destinadas a disciplinar as relações entre os Esta-dos. Mas ficava por resolver o problema da sua aplicação. Asolução desse problema foi deixada mais ou menos cm aberto

pelos teólogos espanhóis". A resposta de Vitória parecia vincu-lada à idéia de guerra justa; isto é: sc um Estado violasse asnormas do direito internacional no seu relacionamento comoutro Estado, este último teria motivos para empreender umaguerra justa contra aquele139.

Não podemos asseverar sem mais que os teólogos espa-nhóis teriam apoiado uma instituição análoga ã Organizaçãodas Nações Unidas. Recordemos qual era o problema originalque um sistema de leis internacionais visava solucionar.Segundo Thomas Hobbcs, o filósofo britânico do século XVII,sem um governo capaz de funcionar como um árbitro compoder sobre todos os homens, a sociedade humana estariacondenada a uma situação de caos e dc guerra civil. No seuentender, a criação dc um governo cuja função primária fossemanter a ordem e impor a obediência às leis seria o únicomecanismo capaz de evitar a insegurança e a desordemcrônicas do assim chamado estado dc natureza. Como se temapontado, o que ele disse dos indivíduos c dos governosnacionais, poder-se-ia aplicar igualmente às nações entre si; amenos que se estabelecesse um ente soberano que asgovernasse, inevitavelmente teria de dar-se entre elas omesmo tipo dc conflitos c desordens que existiria entre oscidadãos na ausência dc um governo civil.

Mas o estabelecimento de um governo, na realidade, nàoresolve o problema descrito por Hobbcs; simplesmente otransfere para outro nível. Um governo pode impor a paz cprevenir a injustiça entre as pessoas que lhe estãosubmetidas, mas isso nào impede que exerça violência contraos governados. Seria necessária, portanto, a existência dc umárbitro que estivesse acima tanto dos governados como dopróprio governo.

No entanto, sc o governo possui a autoridade soberanaque Hobbcs recomenda, isso quer dizer que é ele que tem aúltima palavra sobre o alcance dos seus próprios poderes,sobre o justo e o injusto» e até sobre a solução das disputasentre os cidadãos individuais e ele próprio. Mesmo queHobbcs acreditasse na democracia, teria de reconhecer queuma simples votação é incapaz de conter os abusos dc

139 José A. Fcrnándcz-Santamaría. The State. War and Peace.pág. 62.

Page 128: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

autoridade. Por outro lado. sc sc estabelecesse um podersuperior ao do governo para conter os abusos de autoridadedesse mesmo governo, estaríamos apenas transferindo o

problema para um nível superior: quem controlaria essaautoridade?Esse é o problema que envolve a idéia de uma instituição

internacional com poderes coercitivos no âmbito do direito in-ternacional. Os defensores dessa idéia afirmam quesemelhante autoridade tiraria as nações do estado denatureza hobbc- siano cm que sc encontram. No entanto,mesmo com a criação dessa autoridade, subsistiria oproblema da insegurança: que poder seria capaz dc controlaressa autoridade supra-na- cional?

A coercitividadc do direito internacional não é. pois. um as-sunto simples, c o estabelecimento dc uma instituição globalcom essa finalidade só transfere o problema hobbesiano, cmvez dc resolvê-lo. Não deixa de haver outras opções: afinal, asnações européias conseguiram observar as regras da assimchamada guerra civilizada durante os dois séculos que se se-guiram à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). por medo deserem lançadas num ostracismo internacional.

Sejam quais forem as dificuldades práticas da capacidadede cocrção, a idéia do direito internacional, nascida da discus-são filosófica levantada pela descoberta da América, foi extre-mamente importante. Mostrava que cada nação não é um uni -verso moral fechado em si mesmo, mas tem o seu comporta-mento submetido a princípios básicos. Por outras palavras, oEstado não é moralmente autônomo.

No princípio do século XVI, Nicolau Maquiavel prognosticou,no seu pequeno livro O Príncipe (1513), o advento do Estadomoderno. Para ele, o Estado era uma instituição moralmenteautônoma, cujo comportamento, em benefício da sua própriapreservação, não deveria ser julgado por parâmetrosexternos, fossem eles os decretos de um Papa ou qualquer ou-tro código de princípios morais. Não é de estranhar que a Igre -

  ja tivesse condenado severamente a filosofia política de Ma-quiavel: foi precisamente essa a visão que os grandesteólogos católicos espanhóis rejeitaram tão enfaticamente. Noentendimento deles, o Estado devia, na realidade, ser julgadoconforme princípios externos a si próprio e não podia agir combase na sua conveniência ou benefício.

Em suma, os teólogos espanhóis do século XVI submete-

ram a um escrupuloso exame a conduta da sua própria civili-zação e julgaram-na deficiente. Propugnaram que, cm matéria

128  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 129: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

dc direito natural, os outros povos do mundo eram iguais aoseu e que as comunidades dc povos pagãos tinham direito aomesmo tratamento que as nações da Europa cristã.

É necessário sublinhar como algo muito notável o falo deesses teólogos terem proporcionado à civilização ocidental asferramentas filosóficas necessárias para se aproximar dos po-

vos nâo-ocidcntais com um espírito de igualdade. Essa impar-cialidade nào brotou do contado com as culturas indígenasamericanas. Como explica o historiador de Harvard SamuelEliot Morison. "os índios, mesmo os de uma mesma região ougrupo lingüístico, nem sequer tinham um nome comum paraeles próprios. Cada tribo designava-se a si própria com algoparecido como «nós, o povo», c sc referia aos vizinhos comuma palavra que significava «bárbaros», «filhos dc umacadela» ou outra expressão igualmente insultuosa"".

No meio de um chauvinismo tão estreito, não poderia en-contrar terreno fértil a idéia dc um ordenamentointernacional que estabelecesse um principio de igualdadeentre Estados grandes c pequenos, com diversos níveis dccivilização c refinamento. Coube aos teólogos espanhóis doséculo XVI o mérito de terem insistido - com base naconcepção católica da unidade fundamental da raça humana- nos princípios universais que devem governar as relaçõesentre os Estados. Se criticamos os excessos espanhóis noNovo Mundo, é porque foram os teólogos espanhóis que nosproporcionaram os instrumentos morais para condenar essesexcessos.

O romancista peruano Mario Vargas Llosa colocou cmuma perspectiva semelhante a relação dos europeus com osnativos do Novo Mundo:

"O padre Las Casas foi o mais ativo, ainda que não oúnico, dos não-conformistas que se rebelaram contra osabusos infligidos aos índios. Esses homens lutaram contraos seus compatriotas c contra as políticas dos seus pró-prios países em nome de princípios morais que. para eles.estavam acima dos princípios dc nação ou Estado. Essaautodeterminação não teria sido possível entre os incasou cm qualquer outra cultura pré-hispãnica. Nessasculturas, assim como cm outras grandes civilizações daHistória nascidas fora do Ocidente, o indivfduo não podiaquestionar moralmente o organismo social dc que faziaparte, porque existia unicamente como um átomo dentrodesse organismo e porque, para cie, os ditames do Estadonáo se dissociavam da moralidade. A primeira cultura a

interrogar-se c questionar-se a si mesma, a primeira aseparar as massas cm seres individuais que foram

Page 130: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

ganhando gradualmente o direito dc pensar c agir por sipróprios, veio a converter-se, graças a essa desconhecidaprática chamada liberdade, na civilização mais poderosa

do nosso mundo"M

.Nenhuma pessoa séria negará as injustiças cometidas na

conquista do Novo Mundo, c já naquela época os sacerdotesas relataram c condenaram. Mas é lógico que gostaríamos dedourar a pílula, dc encontrar alguma atenuante para atragédia demográfica que sc abateu sobre os povos do NovoMundo durante a era dos Descobrimentos. E essa atenuantefoi o fato de que o encontro entre esses povos proporcionouuma ocasião especialmente oportuna para que os moralistasdiscutissem c desenvolvessem os princípios fundamentaisque devem governar o relacionamento entre os povos140. Como Hankc conclui accrtadamcntc. "os ideais que algunsespanhóis puseram cm prática quando descortinaram o NovoMundo não perderão o seu grande brilho enquanto os homensacreditarem que os outros povos tém o direito dc viver, que épossível encontrar métodos justos para conduzir as relaçõesentre os povos c, essencialmente. que todas as pessoas domundo são homens"141. Estas são as idéias com as quais o

Ocidente sc identificou por séculos c que nos chegaramdiretamente através do autêntico pensamento católico. Aquitemos outro pilar da civilização ocidental construído pelaIgreja.

140 Cfr. C. Brown. "Old World v. New: Cullure Shock in 1492".

Península [HarvardJ, sei. 1992. II.141Lcwis Hankc, The Spanish Strugale for Justice in lhe Conquest of America. págs. 178-9.

130  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 131: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

VIII. AIGREJA E

AECONOM

IA

Habitualmente, começa-se a contar a história do pensa-mento econômico a partir dc Adam Smith c de outros pensa-dores do século XVIII. Os próprios católicos, particularmenteos hostis à economia dc mercado, também tendem a identifi-car os princípios c a visão da economia moderna com os pen-sadores do Iluminismo. No entanto, os medievais e os últimoscomentaristas cscolásticos entenderam c teorizaram sobre alivre economia seguindo roteiros que sc revelaram profunda-mente fecundos para o desenvolvimento dc um sadio pensa-mento econômico no Ocidente. A economia modernaconstitui, portanto, outra área na qual, até há pouco, ainfluência católica vinha sendo freqüentemente obscurecidaou negligenciada. A verdade é que hoje comcça-sc areconhecer os católicos como os seus fundadores.

OS FUNDADORES DA CIÊNCIA ECONÔMICA

  Joseph Schumpctcr. um dos grandes economistas doséculo XX. na sua História da análise econômica (1954),prestou homenagem às menosprezadas contribuições doscscolásticos. "Foram eles - escreveu mais do que qualqueroutro grupo.os que chegaram mais peno de ser os fundadores da ciênceconômica"142. Ao nome de Schumpetcr, poderíamosacrescen" o de outros estudiosos dc prestigio, como

142 Joseph A. Schumpetcr. Historv of Economic Analysis.Oxford University Press, New York. 1954. pág. 97

Page 132: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Raymond de R<x>vcrl Marjoric Grice-Hutchinson c AlcjandroChafucn143.

Murray N. Rothbard, outro grande economista do século

XX. dedicou um longo capítulo da sua aclamada história dopensamento econômico às reflexões dos cscolásticos, que al-cançaram o cume na Escola austríaca de economia, umacsco| ; Ia do pensamento econômico que sc desenvolveu emfins do século XIX e que continua viva nos dias atuais. (EstaEscor" pode gloriar-se de uma série dc brilhanteseconomistas, desde Carl Menger até Eugen von Bõhm-Bawcrk c Ludwig von Mi- scs. Um dos seus membros maisdestacados, F.A. Hayek. ga-l nhou o Prêmio Nobcl dceconomia cm 1974).

Mas antes de examinarmos o trabalho dos últimoscscolás* ticos, devemos considerar as contribuições,freqüentemente ignoradas, de estudiosos católicos aindamais antigos. Jean Buridan (1300-1358), por exemplo, que foireitor da Universidad;. de Paris, trouxe importantesnovidades à moderna teoria monetária. Em vez de encarar odinheiro como um produto artiflgl ciai, fruto da intervençãodo Estado, Buridan demonstrou que o dinheiro surgiu livre cespontaneamente no mercado, primeiro como uma

mercadoria útil e depois como meio de troca. Por outraspalavras, o dinheiro nào surgiu por um decreto go«ivemamcntal. mas como meio dc simplificar as trocas: trata-va-se de encontrar uma "mercadoria" que pudesse serdesejada c adotada utilmcntc por todos1.

Essa "mercadoria" amplamente desejada devia, por conse-guinte, ser adotada antes dc mais nada em função da sua ca-pacidade dc satisfazer necessidades não monetárias. Deviatambém possuir certas características importantes: devia ser

143 Veja-se Raymond dc Roo ver. "The Conccpt of the Jusi Price: Tlicory and Economic Policy", Journal of Economic Historv 18 (1958), págs. 418-34. ld.. "Business. Banking, and Economic

 Thoughl in Late Medieval and Modcrn Europc", cm Julius Kirshncr.cd.. Selecied Studies of Raymond de Roover. Uni* versity oí ChicagoPress. Chicago. 1974. págv 306-45: Alcjandro A. Chafucn. Faith andliberty: The Economic Thoughl of the Late Scholasttcs. LcxingtoMLanham, Marvland. 2003: Maijoric Grice-Hutchinson. The Schno! of Salaniam ca: Readings in Spanish Monelary Theory. 1544-/605.Clarcndon Pix-ss. OxfordÜ 1952: id.. Early Economic Thoughl inSpain. 1177 1 740. Gcorgc Allcn & Unxvin. Londres. 1978; Joseph A.Schumpetcr. Ilistory of Economic Analysis: Murrav N. Rothbard. An

  Austrian Perspecliw on lhe Historv of Economic Thoughl. vol. I:Economic Thoughl Before Adam Smith. Edward Elgar. Hants.England. 1995. págs. 99-133.

132  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 133: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

facilmente manuseável c divisívcl, além de durável, c possuirum alto valor por unidade de peso, dc tal modo que uma pe-quena quantidade dela tivesse valor suficiente para facilitarpraticamente todas as transações. "Nesse sentido - escreveum especialista Buridan deu início à classificação das qualida-des monetárias dos produtos, que viria a ser tema do primeiro

capitulo dos manuais sobre o dinheiro c os bancos até o fimda era do padrão-ouro, na década de 1930"'144.

Nicolau Oresnte (1325-1382), bispo dc Lisicux, discípulo dcBuridan, deu uma importante contribuição à teoria monetária.Polifacético expert em matemática, astronomia c física, escre-veu Um tratado sobre a origem, natureza e transformaçõesdo dinheiro. que foi considerado "um marco da ciênciamonetária". pois "fixou padrões que nào seriam superados cmmuitos séculos e mesmo hoje, sob certos aspectos". Tambémfoi chamado "o pai c fundador da ciência monetária"145.

Foi ele o primeiro a afirmar o principio que mais tarde viriaa tornar-se conhecido como "a lei de Grcsham". IX- acordocom ela. se duas moedas coexistem na mesma economia, e ogoverno fixa para uma e outra um valor que diverge do quepoderiam alcançar no mercado livre, a moeda que o governosupcrvalorizou artificialmente levará esse mesmo governo atirar de circulação a desvalorizada. Por isso, Orcsmcsustentou que "se o valor das moedas fixado legalmentedifere do valor dc mercado dos metais, a moeda

subvalorizada desaparecerá totalmente da circulação epermanecerá como única moeda a que estásupervalorizada"146.

Com efeito. é o que aconteceria hoje sc o governo

144 Ibid . pág. 74; veja-se também Thomas E. Woods.The Church and lhe Market: A Catholic Defense of lhe Free Econotny.págs. 87-89. 93.

145 Jorg Guido Hulsmann. "Nicholas Ores me and thcFirst Monctary Trea- tise". 09.05.2004.http:/AvAV\v.miscs.org/ruHsiory.aspx?controU 1516.

146 Murray N. Rothbard; An Aitítrian Perspective on lheHislory of EcoitOr 1 mie Thought. vol. I. pág. 76.

O raciocínio dc Orcsmc era assim: suponhamos que as duasmoedas sejam o ouro e a prata c que. no meixado. dezesseis onçasde prata t£m o mesmo valor que uma onça de ouro. Suponhamosainda que o governo estabeleça uma equivalência legal de lã para 1.dc tal modo que as pessoas sejam forçadas a tratar quinze onças deprata c uma onça dc ouro como sc tivessem igual valor. Essa razáo.logicamente, supervaloriza a prata, já que. de acordo com o valor dcmercado dos dois metais, dezesseis moedas de prata eqüivalem auma dc ouro. Mas o governo, com a sua razão dc 15 para 1. estádizendo no público que eles podem pagar dívidas contraídas cmmoedas de ouro a uma razáo de apenas quinze moedas de prata por

uma moeda dc ouro cm vez das dezesseis que a avaliação domercado requereria. Como resultado, as pessoas começarão a fugirdo ouro c a fazer os seus pagamentos cm prata.

Page 134: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

declarasse que três quartos de dólar devem ser tidos comoequivalentes a uma nota dc um dólar. As pessoas deixariamimediatamente de usar as notas de um dólar c quereriam

fazer os seus pagamentos com os quartos de dólarartificialmente valorizados. As notas desapareceriam decirculação.

Oresme compreendeu também os perniciosos efeitos dainflação. Explicou que a perda de valor da unidade monetáriadecretada pelo governo não contribui para a solidez daeconomia. pois interfere no comércio e provoca uma altageral de preços, além de enriquecer o governo à custa dopovo. Sugeriu que o ideal seria que o governo nuncainterferisse no sistema monetário147.

Os últimos escolásticos partilharam desse ponto dc vistasobre a economia monetária. Observaram que houve naEspanha do século XVI uma clara relação de causa e efeitoentre a afluência dos metais preciosos do Novo Mundo c aforte inflação de preços. E chegaram à conclusão mais geral- por assim dizer, a uma lei econômica - de que a excessivaabundância de qualquer mercadoria tenderia a trazerconsigo um decréscimo no seu preço. Naquilo que foidescrito por alguns estudiosos como a primeira formulaçãoda teoria quantitativa do dinheiro, o teólogo escolásticoMartin de Azpilcueta (1493-1586) escreveu:

"Em países onde há uma grande escassez de dinheiro,todas as mercadorias disponíveis para venda, mesmo quesejam equivalentes, e até a própria mão de obra humana,sào oferecidas por menos dinheiro do que cm lugares ondeele é abundante. Assim, vemos por experiência que. naFrança, onde o dinheiro é mais escasso do que na Espa-nha. o pão. o vinho, as roupas c o trabalho têm um valormuito menor. E. mesmo na própria Espanha, em épocascm que o dinheiro era mais escasso, as mercadorias dispo-níveis para venda c o trabalho custavam muito menos doque depois da descoberta das índias, que inundou o paísde ouro e prata. A razão disso é que o dinheiro vale maisonde c quando é escasso do que onde e quando éabundante. A observação dc que, como dizem alguns, aescassez de dinheiro reduz o preço dos outros produtos,tem a sua origem na circunstância de que a excessivavalorização do dinheiro faz com que as outras coisas

147 JOrg Cuido Hulsmann, "Nicholas Oresme and thcFirst Monctary Tiea-

134  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 135: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

pareçam baratas; é como acontece quando um homembaixo se coloca ao lado de outro mtiito alto: parece menordo que quundo sc coloca ao lado dc um homem da suamesma estatura"*.

Outro trabalho importante no campo da teoria econômicafoi o do cardeal Thomas de Vio. chamado Caietano (1468--1534). um eclesiástico extraordinariamente influente que.entre outras coisas, tinha entrado em discussão com MartinhoLutcro acerca da autoridade pontifícia, fazendo-o cair em con-tradição148. No seu tratado De cambiis, dc 1499, em queprocurou defender o comércio exterior do ponto de vistamoral, Caietano também fez notar que o valor do dinheiro no

 presente podia ser afetado pelas expectativas da situação domercado no futuro: tanto pela expectativa de acontecimentosprejudiciais e danosos - que podiam ir desde as fracascolheitas até a guerra - como pela expectativa de mudançasno volume dc dinheiro em circulação. Desse modo, escreveMurray Tothbard, "o cardeal Caictano, um príncipe da Igrejado scculo XVI, pode ser considerado o fundador da teoria dasexpectativas na economia"149.

A TEORIA DO VALOR SUBJETIVO

Entre os mais decisivos c importantes princípios econômi-

cos desenvolvidos c amadurecidos com a ajuda dos últimosescolásticos c dos seus imediatos prcdeccssorcs, encontra-sea teoria do valor subjetivo. Baseados cm parte nas suaspróprias análises c em parte inspirados nos comentários dcSanto Agostinho na sua obra A cidade de Deus. essespensadores católicos sustentaram que o valor não deriva dcfatores objetivos, como o custo da produção ou o volume dctrabalho nela empregada, mas da avaliação subjetiva dosindivíduos.

O frade franciscano Pierre de Jean Olivi (1248-1298) foi oprimeiro a propor essa teoria. Sustentava que "o preço justo"

148 Lutcro rejeitou a doutrina de que - a o dar aoApóstolo Pedro as chaves do reino dos céus (cfr. Mt 16. 18) - Cristotivesse investido os sucessores dc Pedro na autoridade de ensinar cgovernar o mundo cristão. Mas Caiciano demonstrou que. cm umversículo paralelo do Velho Testamento (Is 22. 22). t;»mbém sc usou osimbolismo da chave c que a chave era efetivamente um símbolo daautoridade que seria transmitida aos sucessores.

Para uma boa visüo geral dessa imagem da chave na Bíblia, cparticularmente da passagem de Mt 16. 18. freqüentementecontestada, veja-se Stanlev I. Jaki. The Kevs of lhe Kmgdotn: A Totds

Witness lo Tnnh. Franciscan Herald Press. Chicago. Illinois. 1986.149 Murray N. Rothbard. An Austrian Perspective on thc Hislory of licono- lie Thottg/ii. vol. I. págs. 100-1.

Page 136: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

de um bem resultava da avaliação subjetiva que os indivíduosfizessem desse bem. da medida em que o considerassem útiledesejável para eles. Mais propriamente, surgia da interação

entre compradores c vendedores no mercado, manifestadapelo próprio ato de comprar ou abster-se dc comprardeterminada mercadoria por determinado preço". Um século cmeio mais tarde. São Bcrnardino dc Sena. um dos maiorespensadores cm matéria econômica da Idade Média, adotou ateoria do valor subjetivo de Olivi. praticamente palavra porpalavra150. Quem imaginaria que essa teoria proveio de umfrade franciscano do século XIII?

Os últimos cscolásticos adotaram também essa posição.Como escreveu Luis Saravía de Ia Callc, no século XVI:

"Aqueles que medem o justo preço pelo trabalho,custos c riscos que corre a pessoa que comercia ouproduz, uma mercadoria, ou pelo custo do transporte cdespesas dc viagem [...], ou pelo que o fabricante tem dcpagar pela produção. riscos c mão dc obra, cometem umgrande erro. c erro ainda maior cometem aqueles queadmitem um lucro dc vinte ou dez por ccnto. Porque o

 justo preço tem origem na abundância ou escassez dasmercadorias, conicrciantcs c dinheiro [...], c não nos

custos, trabalho e risco. Sc tivéssemos de tomar cmconsideração o trabalho c o risco para avaliar o justopreço, nenhum comerciante jamais sofreria perdas, nemsc levaria cm conta a abundância ou escassez dcmercadorias. Os preços nào são normalmente fixados combase nos custos. Por que um fardo de linho, trazido por viaterrestre da Inglaterra com grande dispéndio, há de valermais que um transportado por mar, com um gasto bemmenor? Por que um livro escrito a mão há dc valer maisque um impresso, quando este último tem os seus custosdc produção mais bem planejados? O justo preço nãodepende dos custos, mas de como sc avalia geralmenteum bcm",J.

E o cardeal jesuíta Juan dc Lugo (1583-1660) corroborouessa teoria com argumentos próprios:

"Os preços não variam dc acordo com a perfeição in-trínseca e substancial dos artigos - uma vez que os ratossão mais perfeitos que o milho e. mesmo assim, valem

150 Ibid.. pág. 62.

136  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 137: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

menos -, mas cm função da sua utilidade para asnecessidades humanas c, por conseguinte, cm função doapreço que sc tem por eles: em uma casa, as jóias sãomuito menos úteis que o milho c, mesmo assim, o seupreço é muito mais alto. E devemos levar cm conta nãoapenas a apreciação dos homens prudentes, mas também

a dos imprudentes, caso eles sejam suficientementenumerosos cm um lugar. É por isso que, na Etiópia, asnossas bijutcrias sào trocadas eqüitativamente por ouro,porque são comumcntc mais estimadas ali. E, entre os

 japoneses, objetos antigos feitos dc ferro e cerâmica, quenão valem nada para nós. alcançam um alto preço porcausa da sua antigüidade. A estima que se tem por umbem, mesmo quando insensata, eleva-lhe o preço natural,uma vez que o preço deriva da estima que suscita. Opreço natural sobe pela abundância dc compradores e dedinheiro, c dcscc pelos fatores contrários"151.

Liiis de Molina (1535-1600). outro jesuíta, declarou igual-mente:

"O justo preço das mercadorias não é fixado de acordocom a utilidade que o homem vê nelas, como sc, caeterís

 paribits, a natureza e a necessidade dc usá-lasdeterminassem a quantia do preço [...]. Depende de comocada homem aprecia uma mercadoria. Isso explica por que

o justo preço de uma pérola, que só pode ser usada comoadorno, é mais alto que o justo preço dc uma grandequantidade dc grãos, vinho, carne, pão ou cavalos, emboraa utilidade destas coisas (que também são dc naturezamais nobre) seja mais prática c superior que a utilidade dcuma pérola. É por isso que podemos concluir que o justopreço de uma pérola depende do valor que os homens lheconfiram como enfeite"152.

Carl Menger. cuja obra Princípios da economia (1871) teveuma influência tão profunda no desenvolvimento da economiamoderna (e que tem sido identificado com a tradiçãoaristotéli- co-tomista •'O. explicou de um modo muito práticoas implicações do valor subjetivo. Suponhamos que o tabacodeixasse repentinamente dc ter qualquer utilidade para osseres humanos; a partir desse momento, já ninguém mais odesejaria ou necessitaria dele para coisa alguma. Imaginemos,além disso, uma máquina que tivesse sido projetadaunicamente para o processamento do tabaco c nâo servisse

151Cil. por Alcjandro A. Chaíucn, Failh and Liberty, págs. S4-S.152 Ibid.. pág. 84

Page 138: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

para nenhuma outra finalidade. Como resultado dessamudança do gosto das pessoas - com a perda do valor-de-usodo tabaco, como diria Mcngcr -. o valor dessa máquina cairia

igualmente para zero. Daqui se conclui que o valor do tabaconâo deriva dos custos da sua produção. Os fatores deprodução empregados no processamento do tabaco têm o seu

 próprio valor derivado do valor subjetivo que os consumidoresdão ao tabaco, que é o produto final paia o qual se empregamesses fatores153.

A teoria do valor subjetivo, essencial para a economia, nãotem nada a ver com o antropocentrismo ou o relativismo mo-ral. A economia lida com a realidade e com as implicaçõesdas escolhas humanas. Para entender e explicar as escolhashumanas. devem-se levar em conta os valores que nelas sevêem (o que não significa, naturalmente, aprovar essesvalores). No caso descrito por Mcngcr. isso conduz-nos muitosimplesmente à lógica conclusão dc que. quando as pessoasnão dão valor a determinado objeto, também nào dão valoraos fatores especificamente destinados a produzi-lo.

Esta teoria implica também uma refutação direta da teoriado valor-trabalho, hoje associada a Karl Marx, o pai do comu-nismo. Marx não acreditava na moral objetiva, mas acreditavaque se podia atribuir valores objetivos aos bens econômicos.Esse valor objetivo baseava-se no número dc horas detrabalho empregadas na produção de determinado bem. Nãoé que Marx afirmasse que o valor dc um produto resulta domero trabalho despendido: não disse que, se eu passassetodo o dia colando latas vazias dc ccrvcja umas às outras, ofruto desse meu trabalho seria ipso fado valioso; as coisas sóseriam consideradas valiosas - admitia Marx -, se osindivíduos lhes atribuíssem valor de uso. Mas, uma vez que osindivíduos atribuíssem valor de uso a um bem. o valor dessebem seria determinado pelo número de horas de trabalhoempregadas na sua produçãols.

Marx deduziu da sua teoria do valor-trabalho a idéia dcque. cm uma economia livre, os trabalhadores eram"explorados" porque, sendo o seu esforço a fonte dc todo ovalor, os salários que recebiam nào refletiam plenamenteesse esforço. ' Para ele. os lucros retidos pelo empregadoreram totalmente imerecidos c levavam a uma injustaapropriação daquilo que. por direito, pertencia aos

153 Cari Mcngcr. Principies of Ecotiomics. Libcnarian Press. GrovcCitv. Pcnn 1994. págs 64-66.

138  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 139: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

trabalhadores.Está fora do nosso propósito fazer aqui uma refutação

sistemática dc Marx. Mas. com o auxílio das reflexões dosúltimos escolásticos, podemos ao menos entender o erroprimária em que incorreu a teoria do valor-trabalho1". Marxnão estava errado ao perceber a relação que há entre o valor

de um bem c o valor-trabalho empregado na produção dessebem; esses dois elementos estão freqüentementerelacionados. O seu erro foi ter invertido os termos darelação causai. Um bem não tem o seu valor derivado dotrabalho nele empregado. É o trabalho empregado nele quetem o seu valor derivado da maior ou menor estima que osconsumidores têm pelo produto final.

Vemos assim que. quando São Bernardino de Sena e osescolásticos do século XVI argumentaram a favor da teoriado valor subjetivo, apontavam para um conceito econômicocrucial. que. implicitamente, antecipou e refutou um dosmaiores erros econômicos da época moderna. O próprioAdam Smith, conhecido pela história como o maior defensordo livre mercado e da liberdade econômica, foi bastanteambíguo na sua exposição da teoria do valor, a ponto dc terdeixado a impressão dc que os bens têm o seu valorderivado do trabalho empregado na sua produção. Rothbardfoi mais longe e chegou a sugerir que a teoria do valor-trabalho formulada por Smith no século XVIII alimentou ateoria de Marx no século seguinte, c que a economia - paranão dizer o mundo como um todo - teria corrido muitomelhor sorte se o pensamento econômico tivessepermanecido fiel à teoria do valor exposta pelos pensadorescatólicos aqui referidos. Os economistas franceses c italia-nos, influenciados pelos cscolásticos, mantiveram de modogeral a posição correta; foram os economistas ingleses quesc desviaram tão tragicamente para as linhas depensamento que culminaram cm Marx.

CATÓLICOS E PROTESTANTES

Uma pesquisa sobre a influencia do pensamento católicono desenvolvimento da ciência econômica não pode deixar delado as contribuições de Ettiil Kauder. Kauder elaborou umavasta obra dc conjunto, na qual procurou descobrir, entre ou-tras coisas, por que a (correta) teoria do valor subjetivo sc de -senvolveu c floresceu entre os pensadores católicos, franceses

ou italianos, enquanto a (incorreta) teoria do valor-trabalhocxcrccu tanta influência nos pensadores protestantes,

Page 140: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

sobretudo anglo-saxôes.Na sua obra Uma história da teoria da utilidade marginal

(1965), sugeriu que a solução para esse quebra-cabeça podia

ser encontrada na importância que um protestante de inteli-gência tão excepcional como Calvino atribuiu ao trabalho.Para Calvino. o trabalho - fosse de que natureza fosse - goza-va de uma aprovação divina e era um campo decisivo paraque o homem pudesse dar glória a Deus. Essa idéia levou ospensadores dos países protestantes a enfatizar o trabalhocomo elemento determinante do valor. "Qualquer filósofo so-cial ou economista exposto ao calvinismo - explicou Kauder -será tentado a dar ao trabalho um papel de destaque na suateoria social ou econômica; e nâo se pode encontrar melhormodo de exaltar o trabalho do que pela combinação do traba-lho com a teoria do valor, tradicionalmente a verdadeira basede um sistema econômico. Deste modo. o valor torna-se o va-lor-trabalho" 154.

De acordo com Kauder. observava-se essa tendência cmpensadores como John Lockc c Adam Smith, que, nos seus es-critos. puseram grande ênfase no trabalho, embora as suasconcepções fossem mais propriamente dcístas cm sentidoamplo do que protestantes11. Esses pensadores absorveramas idéias cal- vinistas que dominaram o seu meio cultural.Smith. por exemplo. sempre simpatizou com opresbiterianismo (que era um calvinismo organizado), c essasimpatia bem pode explicar a ênfase que pôs no trabalhocomo fator determinante do valor".

Os países católicos, porém, profundamente influenciadospela linha dc pensamento aristotélica c tomista, nâo sentirama mesma atração pela teoria do valor-trabalho. Aristóteles cSão Tomás encararam a atividade econômica como meio deproporcionar prazer e felicidade. Dai resuitava que osobjetivos da economia eram profundamente subjetivos, umavez que o prazer c a felicidade não sào estados quantificáveisdo ser e a sua intensidade não pode ser medida comprecisão. A teoria do valor subjetivo seguia-se a essapremissa como a noite sucede ao dia. "Se a finalidade daeconomia é. cm certa medida, o prazer - escreveu Kauder -.então, de acordo com o conceito aristotélico da causa final,todos os princípios da economia, in- chi ido o do valor, devemderivar desse objetivo. Segundo esse modelo, o valor tem a

154 Emil Kauder. A History of Marginal Uliliiv Tlteory. PrincctonUniversity Press. Princcton. 1965, pág. 5.

140  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 141: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

função de mosirar quanto dc prazer pode derivar dos benseconômicos"

Logicamente. é impossível provar o acerto da explicaçãodc Kaudcr, embora o autor reúna sugestivas evidências deque os pensadores protestantes c os católicos daquele tempotiveram uma sensibilidade incipiente a respeito da raiz

teológica dos respectivos desentendimentos sobre o valoreconômico. De qualquer modo, permanece o falo dc que ospensadores católicos, mcrcê da sua específica tradiçãointelectual, chegaram à conclusão correta sobre a natureza dovalor, ao passo que os protestantes se enganaramamplamente.

Mesmo que os pensadores católicos tivessem chegado porsimples acaso a esses importantes princípios econômicos edepois os tivessem visto enlangucscer sem influir nos seussucessores, já teria sido um feito. Mas a verdade é que essasidéias dos últimos escolásticos exerceram uma profundainfluência, e temos provas que nos permitem seguir o seurasto ao longo dos séculos.

O protestante holandês Hugo Grotius, conhecido pelas suascontribuições para a teoria do direito internacional, citou ex-pressamente esses pensadores no século XVII e adotou muitosdos seus pontos dc vista econômicos. A sua influência nesseséculo também persistiu na obra dc influentes jesuítas, taiscomo Leonardo Lcssius c Juan de Lugo". Na Itália do séculoXVIII. há fortes evidências dessa influência no padreFcrdinando Ga- liani. que é citado por vezes como o introdutordas idéias dc utilidade e escassez como fatores determinantesdo preço".(Igualmente, Antonio Genovesi. um contemporâneo deGaliani, deveu muito ao pensamento cscolástico). "O papelcentral dos conceitos de utilidade, escassez, c valor dcmercado - escreve Rothbard - espalhou-se pela França a paitirde Galiani. até chegar ao abbé francês Étienne Bonnot deCondillac (1714-80), cm fins do século XVIII, assim como a umoutro pensador,   Anne-Robert-Jacques Turgot  (1727-81). f...JFrançois Quesnay  (1694-1774) c os fisiocratas franceses doséculo XVIII - considerados, muitas vezes, como os fundadoresda ciência econômica - foram também muito influenciadospelos cscolásticos"155.

No seu livro Fé e liberdade: o pensamento econômico dosúltimos escolásticos (2003). Alcjandro Chafucn mostra que.questão após questão, esses pensadores dos séculos XVI cXVII nào apenas compreenderam c desenvolveram princípios

155 Vcja-sc Murray N. Rothbard. "New Light on the Prchistorv of the Aufctrian School", pág. 66.

Page 142: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

econômicos decisivos, mas também defenderam os princípiosda liberdade econômica c da economia dc livre mercado. Dospreços c salários ao dinheiro e à teoria do valor, os últimos

cscolásticos anteciparam o melhor do pensamento econômicodos últimos séculos. Especialistas cm história do pensamentoeconômico têm tido uma consciência cada vez mais clara dacontribuição proporcionada pelos últimos cscolásticos àeconomia156. Por isso, é uma rematada tolice alegar - comofazem alguns polemistas - que a idéia do livre mercado foidesenvolvida no século XVIII por anti-católicos fanáticos. Naépoca em que foi publicada a Encyclopédie francesa,violentamente anti-católica, essas idéias já vinham sendoveiculadas havia centenas dc anos. c o que essa obra fez foirepetir as análises escolásticas acerca da formação dospreços2*.

156 Cfr. Thomas E. Woods. 77rc Church and the Market: A CalholicDefen- se of lhe Free Econonty, cm que desenvolvo as contribuiçõesdos últimos esco-

142  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 143: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

COMO A CARIDADE CATÓLICA MUDOU O MUNDO

UMA ATITUDE ASSOMBROSA

No início do século IV, a fome e a doença assolavam oexército do imperador Conslantino. Pacómio, um soldado pa-gão, observava com assombro como muitos dos seus compa-nheiros romanos ofereciam comida c assistência aos queprecisavam dc ajuda, socorrcndo-os sem qualquerdiscriminação. Cheio dc curiosidade, quis saber quem eramessas pessoas c descobriu que eram cristãos. Que tipo dcreligião era aquela, admirou-se, que podia inspirar tais atos dcgenerosidade c humanidade? Começou a instruir-se na fé c,antes dc o perceber, já estava no caminho da conversão157.

Esse mesmo sentimento de assombro, continuaram asusci- tá-Io as obras de caridade católicas através dos tempos.O próprio Voltaire, talvez o mais prolífico propagandisla anti-católi- co do século XVIII, sc mostrou respeitosamenteadmirado com o heróico espírito dc sacrifício que animoutantos dos filhos c filhas da Igreja. "Talvez náo haja nadamaior na terra - disse ele - que o sacrifício da juventude e dabeleza com que belas jovens, muitas vezes nascidas cm berçode ouro, se dedicam a trabalhar em hospitais pelo alívio damiséria humana, cuja vista causa tanta aversão à nossasensibilidade. Tão generosa caridade tem sido imitada, masde modo imperfeito, por gente afastada da religião dcRoma"158.

Exigiria volumes sem conta elaborar uma lista completadas obras dc caridade católicas promovidas ao longo da histó-ria por pessoas, paróquias, dioceses, mosteiros, missionários,frades, freiras e organizações leigas. Basta dizer que acaridade católica não tem paralelo com nenhuma outra, cmquantidade e variedade de boas obras, nem no alívio

157 Alvin J. Schmidi. Under lhe infhtence: How Chriuiaiiity Transfonned Civdizulion. Zondcrvan. Grand Rapids. Michigan. 2001.

pág. 130.158 Michacl Davics. For Aliar and Throne: The Rising in lheVendée. Rcm- nant Press. St. Paul. Minnesota. 1997. pág. 13.

IX.

Page 144: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

prestado ao sofrimento e miséria humanos. Podemos ir maislonge c dizer que foi a Igreja Católica que inventou a caridadetal como a conhecemos no Ocidente.

 Tão importante como o puro volume das obras dc beneme-rència é a diferença qualitativa que distinguiu a caridade daIgreja daquela que a havia precedido. Seria tolice negar que

os grandes filósofos antigos proclamaram nobres sentimentostraduzidos em filantropia; ou que homens dc valor fizeram im-portantes e substanciais contribuições cm prol das suascomunidades. Esperava-se dos ricos que financiassemtermas, edifícios públicos c todo o tipo dc entretenimentospopulares. Plínio o Jovem, por exemplo, nem de longe foi oúnico a dotar a sua cidade natal de uma escola c umabiblioteca.

Não obstante, o espírito de caridade no mundo antigo era,cm certo sentido, deficiente, se o compararmos com aqueleque foi praticado pela Igreja. A maior parte dos gestos dc ge-nerosidade nos tempos antigos envolvia um interesse próprio:nào eram puramente gratuitos. Os edifícios financiados pelosricos exibiam ostensivamente os seus nomes. As doaçõeseram feitas dc modo a deixar os beneficiários cm dívida paracom os doadores, ou então atraíam as atenções para as suaspessoas e a sua grande liberalidade. Servir dc coração alegreos necessitados e ampará-los sem nenhuma expectativa dcrecompensa ou reciprocidade, nào era certamente o principioque prevalecia.

Cita-se por vezes o cstoicismo - uma antiga escola dc pen-samento que remonta mais ou menos ao ano 300 a.C. c quepermanecia viva nos primeiros séculos da era cristã - comouma linha pré-cristã de pensamento que recomendava fazer obem ao semelhante sem esperar nada cm troca. Os estóicosensinavam que homem bom era aquele que, como cidadão domundo, cultivava o espírito de fraternidade para com os seussemelhantes c. por essa razão, parecia ser um mensageiro dacaridade. Mas também ensinavam que era preciso suprimir ossentimentos c as emoções como coisas impróprias de um ho-mem. O homem devia manter-se totalmente imperturbávelperante quaisquer acontccimcntos exteriores, mesmo os maistrágicos: devia possuir um autodomínio tão forte que fossecapaz dc encarar a pior catástrofe com absoluta indiferença.Esse era também o espírito com que o homem sábio deviaassistir os menos afortunados: não impelido pelo desejo dc

compartilhar a aflição c a tristeza daqueles a quem socorria,nem estabelecendo qualquer vínculo emocional com eles.

IX.

Page 145: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

mas com o espírito de desinteresse e a ausência dc emoçãopróprios de quem simplesmente cumpre o seu dever. RodncyStark diz que a filosofia clássica "considerava a piedade c acompaixão como emoções patológicas, defeitos do caráterque os homens racionais deviam evitar. Dado que a piedadeimplicava prestar uma ajuda ou alívio imerecidos, era

contrária à justiça"159. Assim sc explica que o filósofo romanoSêncca tenha podido escrever:

"O sábio poderá consolar aqueles que choram, massem chorar com cies: socorrerá o náufrago, daráhospitalidade ao proscrito e esmolas ao pobre [...],restituirá o filho à mãe em prantos, salvará o cativo daarena e até mesmo enterrará o criminoso - mas cm toda asua mente c no seu semblante estará igualmenteimperturbável. Não sentirá compaixão. Socorrerá c fará obem porque nasceu para assistir os seus semelhantes,para trabalhar pelo bem-estar da humanidade c para dara cada um a sua parte [...]. O seu rosto e a sua alma nãodenunciarão nenhuma emoção quando olhar para oaleijado, o esfarrapado, o cncurvado c o mendigoesquelético c macilento. Mas ajudará aqueles quemerecem e, como os deuses, será propício ao infeliz [...].

Só os olhos doentes se umedccem ao verem lágrimas cmoutros olhos160.

É verdade que, paralelamente ao desenvolvimento do cris -tianismo. algumas das asperezas do primitivo estoicismocomeçaram a dissolvcr-sc. Dificilmente se poderão ler asMeditações de Marco Aurélio, o imperador romano do século IIc filósofo cstóico, sem impressionar-se com o grau dcsemelhança que há entre o pensamento desse nobre pagão eo cristianismo; foi por isso que São Justino Mártir veio aelogiar os cstóicos seus contemporâneos. Mas a implacávelsupressão da emoção e do sentimento. que tanto caracterizouessa escola, já havia cobrado o seu tributo, desconhecendo agrandiosa dimensão do ser humano. Entre os muitosexemplos de estoicismo. ressalta o de Ana- xágoras. umhomem que. ao ser informado da morte do seu filho. sclimitou a observar "Eu nunca pensei que tivesse gerado um

159 Vincenj Carroll c David Shiílctt. Chrisiianity on Trial. EncountcrBooks. San Francisco, 2001. pág. 142.

160 William Edward Hartpolc Lcckv. Histon• of Eurupean Morais front Augustos to Charlemagite. vol. I. D Applclonand Co.. New York. 1870. págs. 199-200.

IX.

Page 146: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

imortal". E espanta-nos o vazio moral dc Stilpo. que. ante aconquista da sua cidade natal e a perda das suas filhaslevadas para a escravidão ou o concubinato, proclamou que.ao fim c ao cabo. não linha realmente perdido nada. já que ohomem sábio transcende todas as suas circunstâncias161. Erasimplesmente lógico que aqueles homens, tão impermeáveis

à realidade do mal. fossem indolcntcs à hora dc aliviar osseus efeitos sobre os seus semelhantes: "Homens que serecusavam a reconhecer a dor c a doença como males - anotaum observador - também estavam pouco propensos a aliviá-las aos outros"162.

O espírito de caridade na Igreja não surgiu no vácuo, masbebeu a sua inspiração nos ensinamentos de Cristo. Dou-vosum mandamento novo: que vos ameis uns aos otttros; assimcomo eu vos amei. amai-vos também uns aos outros. Nistoconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros (Jo 13, 34-35; cfr. Ti 4. II). São Paulo afirmouque os cuidados c a caridade dos cristãos deviam serofcrccidos mesmo aos que nào pcrtcnccssem à comunidadedos fiéis, ainda que fossem inimigos da fé (cfr. Rom. 12. 14-20; Gál. 6, 10). Aí estava um novo ensinamento para o mundoantigo.

Dc acordo com William Lccky, um crítico freqüentementesevero da Igreja, "não sc pode sustentar nem na prática, nemna teoria, nem nas instituições fundadas, nem no lugar que aela foi atribuído na escala dos deveres, que a caridadeocupasse na Antigüidade um lugar comparável àquele queatingiu no cristianismo. Quase todo o socorro era prestadopelo Estado, muito mais por razões políticas do que porsentimentos de benevolência; c o costume de vendercrianças, os inumeráveis cn- jeitados, a presteza com que ospobres se candidatavam a gladiadores c as freqüentes vagasdc fome mostram como era grande a cxtensào dosmiseráveis que ficavam esquecidos"163.

OS POBRES E OS DOENTES

161 Ibid.. pág. 201.162 thid., pág. 202. Para uma boa discussão sobre a

ausência da idéia de caridade cristá no mundo antigo, ver GcrhardUhlhorn. Cluistian Charity in the Ancient Churcli. Charles Scribncrs

Sons. New York. 1883. págs. 2-44.163 William E H. Lccky, Hislory of l-umpean Morais (rom Augustosto Charlemagne. vol. I. pág. 83.

IX.

Page 147: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

A prática dc oferecer dádivas destinadas aos pobres desen-volveu-se ccdo na história da Igreja. Os fiéis colocavam assuas oferendas sobre o altar durante a missa c, em certosdias de penitência, doavam uma parcela dos frutos da terranas coletas que tinham lugar antes da leitura da epístola.

 Também sc faziam contribuições cm dinheiro para os cofres

da Igreja, assim como coletas extraordinárias entre os fiéisricos. Os primeiros cristãos, que jejuavam com freqüência,doavam aos pobres o dinheiro que teriam gasto com acomida. Sào Justino Mártir relata que muitas pessoas quetinham amado as riquezas c as coisas materiais antes de seconverterem, agora sc sacrificavam de ânimo alegre pelospobres*.

Poderíamos continuar a citar longamente as boas obras daIgreja primitiva, praticadas tanto por humildes como porricos.Os próprios Padres da Igreja, que legaram um enorme corpoliterário c erudito à civilização ocidental, encontraram tempopara sc dedicarem pessoalmente ao serviço dos seussemelhantes. Santo Agostinho fundou um albergue paraperegrinos e escravos cm fuga c distribuiu roupas entre ospobres. (Avisava às pessoas que não lhe oferecessem peçasdc roupa caras, porque as venderia c daria o produto aospobres164). São João Crisóstomo fundou uma série dc hospitaiscm Constantinopla165. São Cipriano e Santo Efrémempenharam-se cm promover obras de assistência cmtempos de fome c dc epidemias.

A Igreja primitiva também institucionalizou a atenção àsviúvas c aos órfãos, bem como aos enfermos, especialmentedurante as epidemias. Por ocasião das pestes que assolaramCartago c Alexandria no século III, os cristãos suscitaram res-peito c admiração pela coragem com que consolavam os mori-bundos c enterravam os mortos, enquanto os pagãos abando-navam ao seu terrível destino até os próprios amigos".

No século III, São Cipriano, bispo dc Cartago, repreendeu apopulação pagã porque, cm vez de ajudar as vítimas dapraga, as saqueava. "Não demonstrais nenhuma compaixãopelos doentes, mas tão somente avidez c pilhagem depois quemorrem. Aqueles que sc encolhem dc medo à hora dc

164 Gerhard Uhlhorn, Chrisiian Chariiy in lhe AncieniChurch. pág. 264.

165 Cajctan Baluffi, The Charity of lhe Church. trad. Dcnis Gargan,M.H. Gill and Son, Dublin. 1885. pág. 39: Alvin J. Schmidt. Under lheInfluente, pág. 157.

IX.

Page 148: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

trabalhar por piedade mostram-se audaciosos à hora deextrair lucros ilícitos. Aqueles que fogem de enterrar osmortos mostram-se ávidos do que eles tenham deixado". EssePadre da Igreja conclamou os cristãos a mobilizar-se paraassistir os doentes c enterrar os mortos. Lembremo-nos deque se estava ainda em uma época dc intermitente

perseguição aos cristãos e, portanto, o que o grande bispopedia aos seus seguidores era que ajudassem as mesmaspessoas que às vezes os perseguiam. Dizia ele: "Sc sófizermos o bem aos que nos fazem o bem. que faremos maisdo que fazem os pagãos c publicanos? Sc somos filhos dcDeus, que faz brilhar o seu sol sobre bons c maus, e manda asua chuva sobre justos e injustos, provemo-lo pelos nossosatos. bendizendo aqueles que nos amaldiçoam c fazendo obem aos que nos perseguem"IZ.

No caso dc Alexandria, o bispo Dionísio relatou que os pa-gãos "repeliam os que começassem a ficar doentes, afasta-vam-se deles, mesmo que sc tratasse dos amigos mais queri-dos, largavam os moribundos à beira das estradas, deixando-os insepultos quando morriam, tralando-os com o maiscompleto desprezo". Em contraste, relatou que muitoscristãos "não fugiam dc amparar-sc uns aos outros, visitavamos doentes sem pensar no perigo que corriam e serviam-nosassiduamente [...], atraindo para si mesmos as doenças dosseus vizinhos c assumindo dc livre vontade as cargas dossofrimentos daqueles que tinham à sua volta"166.

Santo Efrém é lembrado pelo seu heroísmo quando a fomee a peste sc abateram sobre Edcssa, a cidade em cujosarredores vivia como eremita. Não apenas coordenou a coictac distribuição de esmolas, mas também fundou hospitais,cuidou dos doentes e dos mortos167. Quando a fome atingiu aArmênia sob o reinado dc Maximiano, os cristãos prestaramassistência aos pobres sem considerar a filiação religiosa.Eusébio, o historiador da Igreja do século IV, conta-nos que.como resultado do bom exemplo dos cristãos, muitos pagãos"sc interessaram por uma religião cujos discípulos eramcapazes de uma dedicação tão desinteressada"168. Juliano, oApóstata, que odiava o cristianismo, lamentou a bondade dos

166Alvin J. Schmidt. Under thc Influeitce. pág. 152.167 Cajcian Baluííi. The Charily o\ thc Church. págs. 42-43; Charles

G.A. Schmidt. The Social Results of Eatly Christianity. págs. 255-6.168Charles G.A. Schmidt. The Social Results of Farlv Christianitv.pág.

IX.

Page 149: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

cristãos para com os pagãos: "Esses ímpios galileus náoalimentam apenas os seus próprios pobres, mas também osnossos; dando-lhes as boas- -vindas nos seus ógapes, atraem-nos como se atraem as crianças com um doce"169.OS PRIMEIROS HOSPITAIS E OSCAVALEIROS DE SÀO JOÃO

Discuic-sc sc existiram na Grécia e em Roma instituiçõessemelhantes aos nossos hospitais. Muitos historiadores põem--no em dúvida, enquanto outros apontam alguma raraexceção aqui e acolá, mas mais para cuidar dos soldadosdoentes ou feridos do que da população em geral. Parecedever-se ã Igreja a fundação das primeiras instituiçõesatendidas por médicos, onde se faziam diagnósticos, seprescreviam remédios c se contava com um corpo deenfermagem170.

No século IV, a Igreja começou a patrocinar a fundação dehospitais em larga escala, de tal modo que quase todas asprincipais cidades acabaram por ter o seu. Na sua origem, es-ses hospitais tinham por fim hospedar estrangeiros, mas de-pois passaram a cuidar dos doentes, viúvas, órfãos c pobresem geral14. Como explica Guenter Risse, os cristãos ultrapas-saram "a recíproca hospitalidade que prevalecia na antigaGrécia c as obrigações familiares dos romanos" para cuidaremde atender "grupos sociais marginalizados pela pobreza,doença c idade"171. No mesmo sentido, o historiador damedicina Fiel- ding Garrison observa que, antes donascimento dc Cristo, "o espírito com que sc tratava a doençae o infortúnio não era o de compaixão, c cabe ao cristianismoo crédito pela solicitude cm atender o sofrimento humano emlarga escala"172.

Em um ato dc penitência cristã, uma mulher chamada Fa-bíola fundou o primeiro grande hospital público em Roma;percorria as ruas em busca de homens c mulheres pobres cenfermos necessitados de cuidados173. São Basflio Magno, co-nhecido pelos seus contemporâneos como o Apóstolo das Es-molas, fundou um hospital cm Ccsaréia, no século IV. Era co-

169 Ibid.170 Alvin J. Schmidt. Under lhe Influencc. págs. 153-5.171 Gucntcr B. Risse. Mending Bodies. Saving Souls. pág. 73.172 Flelding H. Garrison. An Inlroduclion of lhe Historx of 

Medicine. W.B. Saundcrs. Philadclphia, 1914. pág. 118: citado cm

Alvin J. Schmidt. Under lhe Influencc.t  pág. 131.173William E.H. Lccky. Hislory of Eumpean Morais from Augustasto Charlemagne. vol. I. pág. 85.

IX.

Page 150: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

nhecido por abraçar os leprosos miseráveis que ali buscavamalívio, manifestando uma terna piedade para com esses pros-critos, sentimento que, mais tarde, tornaria famoso São Fran-cisco dc Assis. Nào é de surpreender que os mosteirostambém desempenhassem um papel importante no cuidadodos doentes174. Dc acordo com o mais completo estudo da

história dos hospitais:

"Após a queda do Império Romano, os mosteiros torna-ram-se gradualmente provedores dc serviços médicosorganizados. dos quais não se dispôs por vários séculosem nenhum lugar da Europa. Dada a sua organização elocalização, essas instituições eram virtuais oásis deordem, piedade e estabilidade, que favoreciam a cura.Para prestar esses cuidados práticos, os mosteirostornaram-se também lugares de ensino médico entre osséculos V c X, o período clássico da assim chamadamedicina monástica. Durante o renascimento carolíngiodos anos 800, os mosteiros também despontaram comoprincipais centros dc estudo e transmissão dos antigostextos médicos"175.

A Regra dc Sào Bento enfatizava a importância de cuidardos monges doentes, mas não há provas dc que o pai do mo-naquismo moderno também tivesse atribuído ao mosteiro atarefa dc prestar cuidados médicos à população cm geral.Contudo, como cm muitas outras coisas, a força dascircunstâncias contribuiu significativamente para a ampliaçãodas funções e perspectivas de um mosteiro.

As ordens militares, fundadas durante as Cruzadas, admi-nistravam hospitais por toda a Europa. Uma dessas ordens, ados Cavaleiros dc São João (também conhecidos como hospi-talários), germe do que. mais tarde, veio a tornar-se a Ordemdc Malta, deixou uma marca particularmente significativa nahistória dos hospitais europeus, sobretudo pelas inusitadas di-mensõcs do seu edifício em Jerusalém. Fundado cm torno dc1080, esse hospital procurou atender os pobres eproporcionar um alojamento seguro aos peregrinos, muitofreqüentes cm Jerusalém. particularmente após a vitóriacristã na Primeira Cruzada, cm fins do século. A extensão dassuas operações ci*csccu significativamente depois dc

174 Roberto Margolla. Tlte History of Medicine. Paul Lcwis, cd..Smith- mark. New York. 1996, pág. 52.175Guenter B. Risse, Mending Bodies. Saving Sotds. pág. 95.

IX.

Page 151: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Godofredo de Bulhões, que doou ã instituição uma série dcpropriedades.

O sacerdote alemão João de Würzburg ficou muito impres-sionado com o que viu na sua visita a esse hospital, nào sópelos cuidados que se dispensavam aos doentes como pelasobras de caridade que sc levavam a cabo: "A casa - diz cie -

alimentava tantas pessoas, de fora e de dentro, e dava tãogrande quantidade de esmolas aos pobres, quer aos quevinham bater à sua porta, quer aos que não saíam dos seuslugúrios, que nem mesmo os administradores ou osencarregados da despen- sa daquela casa eram capazes decalcular o total dos gastos". Tcodorico de Würzburg, outroperegrino alemão, maravilhou- -se dc que "andando pelasdependências do hospital, não conseguíamos de modo algumavaliar o número de pessoas que lá jaziam, pois erammilhares as camas que víamos. Nenhum rei ou tirano teriapoder suficiente para manter o grande número de pessoasalimentadas diariamente naquela casa"176.

Em 1120, os hospitalários elegeram Raimundo du Puycomo administrador do hospital, substituindo o falecido irmãoGerardo. O novo administrador concentrou os seus esforçosna atenção aos doentes internados, contando, em benefíciodeles. com os heróicos sacrifícios dos que trabalhavamnaquela casa. Lemos cm "Como os nossos senhores osdoentes devem ser recebidos e atendidos" - art. 16 do códigoestabelecido por Du Puy para a administração do hospital -que "na mesma obediência com que o diretor e acongregação do hospital velam pela existência desta casa,assim seja recebido o enfermo que aqui vier: fazei com queparticipe do Santo Sacramento, tendo antes confessado osseus pecados ao sacerdote, e depois seja carregado para acama c nela tratado como se fosse o nosso Senhor". Umahistória moderna dos hospitais refere que "o decreto de DuPuy. modelo tanto para os serviços dc cari- dadc como para aincondicional devoção ao doente, tornou-se um marco nahistória dos hospitais"177. Diz Gucntcr Risse:

"Não surpreende que, com a nova torrente de peregri-nos que chegou ao reino latino dc Jerusalém, os seustestemunhos sobre a caridade dos hospitalãrios de São

  João sc tivessem espalhado rapidamente por toda a

176 Ibid.. pág. 138.177 Ibid.. pág. Ml.

IX.

Page 152: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Europa, incluída a Inglaterra. A existência dc uma ordemreligiosa que manifestava com tanto ardor a sua lealdadeaos doentes inspirou a criação dc uma rede dc instituiçõessimilares, especialmente nos portos da Itália e do sul daFrança onde os peregrinos sc concentravam paraembarcar. Ao mesmo tempo, cx-internados agradecidos,

nobres caridosos e monarcas de um canto ao outro daEuropa faziam substanciais doações de terras. Em 1131, orei Afonso dc Aragão legou um terço do seu reino aoshospitalários"178.

No transcorrer do século XII. o hospital começou a parc-ccr-se cada vez mais com um hospital moderno e menos comuma hospedaria para peregrinos: a sua missão ficouespecificamente definida como a dc cuidar dos doentes, maisdo que de proporcionar abrigo aos viajantes necessitados.Nesse sentido, o Hospital dc São João, inicialmente umestabelecimento só para cristãos, começou a admitir tambémdoentes muçulmanos c judeus.

O hospital impressionava também pelo seu profissionalis-mo. organização e regime rigoroso. Faziam-se pequenascirurgias. Os doentes recebiam duas vezes ao dia a visita demédicos, além dc um banho c duas refeições principais. Os

funcionários só podiam comer depois dos pacientes. Umgrupo de mulheres estava a postos para realizar outrastarefas c assegurar que os doentes tivessem roupa c lençóislimpos179.

Essa sofisticada organização, coroada pelo esmero noatendimento aos enfermos, serviu de modelo para a Europa,onde começaram a surgir cm todos os lugares, tanto cmcidades principais como cm aldeias modestas, instituiçõesinspiradas no hospital dc Jerusalém. Os próprios hospitalárioschegaram a administrar no século XIII cerca de vintehospitais c casas de leprosos".

ASSISTÊNCIA EFICAZ

As obras dc caridade católicas foram tio impressionantesque até os próprios inimigos da Igreja, muito a contragosto,tiveram de reconhecê-lo. O escritor pagào Luciano (130-200)

178 Ibid.. págs. 141-2.179 Ibid.. pág. 147.

IX.

Page 153: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

observou com espanto: "É inacreditável a determinação comque as pessoas dessa religião sc ajudam umas às outras nassuas necessidades. Nào sc poupam em nada. O seu primeirolegislador meteu-lhes na cabeça que cies eram todosirmãos!" N Julia- no. o Apóstata, o imperador romano que, nosanos 360, fez a violenta, mas frustrada, tentativa de fazer o

Império retornar ao seu primitivo paganismo, admitiu que oscristãos se avanta- javam aos pagãos no seu devotamento àsobras de caridade. "Enquanto os sacerdotes pagãosnegligenciam os pobres - escreveu os odiados galileus [isto é.os cristãos] dcvotam-sc às obras dc caridade e, cm um alardedc falsa compaixão, intro- duzem com eficácia os seusperniciosos erros. Vede os seus banquetes de amor c as suasmesas preparadas para os indigentes. Tal prática é habitualentre eles c provoca desprezo pelos nossos deuses"50.Martinho Lutcro. o mais inveterado inimigo da Igreja Católicaaté o fim da vida. viu-se obrigado a admitir: "Sob o Papado, opovo era ao menos caridoso c nào havia necessidade derecorrer à força para obter esmolas. Hoje, sob o reinado doEvangelho (com isso, rcfcria-sc ao protestan- tismo), em vezde dar, as pessoas roubam-se umas às outras, c parece queninguém julga possuir alguma coisa enquanto não seapropria dos bens do vizinho"180.

O economista do século XX Simon Pattcn observou a pro-pósito da açào da Igreja: "Na Idade Media, era muito comumdar comida c abrigo aos trabalhadores, tratar com caridade osdesafortunados c aliviá-los das doenças, das pragas c dafome. Quando vemos o número dc hospitais c enfermarias, amagnanimidade dos monges c o sacrifício pessoal das freiras,nào podemos duvidar dc que os marginalizados daquelestempos eram pelo menos tào bem assistidos como os deagora"". Fre- dcrick Hurter, um biógrafo do papa Inoccncio IIIno século XIX. chegou a declarar: "Todas as instituições debeneficência que a raça humana possui hoje em dia paraminorar a sorte dos desafortunados, tudo o que tem sido feitopara socorrer os indigentes c os aflitos nas vicissitudcs dassuas vidas c cm qualquer tipo dc sofrimento, procede diretaou indiretamente da Igreja dc Roma. Ela deu o exemplo,perseverou na sua tarefa c, com freqüência, proporcionou osmeios necessários para levá-la a cabo"".

A extensão das atividades caritativas da Igreja aprecia-scàs vezes com mais clareza quando deixam dc existir. Na

180 Ibid.. pág. 185.

IX.

Page 154: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Inglaterra do século XVI, por exemplo, o rei Henrique VIIIsuprimiu os mosteiros e confiscou-lhes as propriedades,distribuindo-as a preço de banana entre os homens influentesdo seu reino. O pretexto para essa medida foi que osmosteiros sc haviam tornado fonte de cscàndalo cimoralidade, embora restem poucas dúvidas dc que tais

acusações fantasiosas náo faziam mais do que dissimular acobiça real. As conseqüências sociais da dissolução dosmosteiros devem ter sido muito significativas. Os Levantes doNorte dc 1536. uma rebelião popular também conhecida comoa Peregrinação da Graça, tiveram muito a ver com a irapopular causada pelo desaparecimento da caridademonástica. Em uma petição dirigida ao rei dois anos mais tar-de, observava-se:

"A experiência que tivemos com a supressão dessascasas mostra-nos claramente que sc provocou econtinuará a provocar-se neste reino dc Vossa Majestadeum grande mal c uma grande deterioração, assim comoum grande empo- brccimento dc muitos dos vossoshumildes súditos, pois faltarão a hospitalidade e o sustentocom que essas casas proporcionavam grande alívio aospobres de todas as regiões próximas dos referidos

mosteiros" ".Os mosteiros eram conhecidos por serem proprietários ge-

nerosos c bondosos, pois cobravam pouco pelo arrendamentodas suas terras c estabeleciam os contratos a longo prazo. "Omosteiro era um proprietário que nunca morria; os arrendatá-rios tratavam com um senhorio imortal: as suas terras e casasnunca mudavam dc proprietário: os que as arrendavam nàoestavam sujeitos a nenhuma das muitas incertezas queafetavam os outros arrendatários"15. Foi por isso que adissolução dos mosteiros e a distribuição das suas terras sópôde significar "a ruína para dezenas dc milhares dccamponeses pobres, o colapso das pequenas comunidadesque constituíam o seu mundo e um futuro dc verdadeiramendicância"56.

Com a dissolução dos mosteiros, desapareceram tambémquase por completo as condições favoráveis cm que oscamponeses vinham trabalhando essas terras. Segundo umhistoriador, "os novos proprietários (lojistas, banqueiros ounobres cm dccadência) nào tinham nenhuma afinidade com o

meio rural c exploraram os seus domínios com um espíritomeramente mercantil: as rendas a pagar aumentaram, as

IX.

Page 155: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

terras dc lavradio convcrtcram-sc cm pastagens c aspequenas propriedades agrícolas foram fechadas. Milhares dcdesempregados foram atirados para as estradas. Asdiferenças sociais acentuaram-se c a miséria cresceuassustadoramente"57.

Os efeitos negativos da dissolução dos mosteiros fizeram-

se scniir também nas obras dc assistência aos ncccssitados.Até há relativamente pouco tempo, havia um consensohistórico acerca da atividade caritativa dos católicos naInglaterra: dava-se como ccrta uma freqüente críticaprotestante segundo a qual o socorro prestado aos pobrespelos mosteiros nào teria sido quantitativamente substancialnem qualitativamente benéfico. como sustentavam os seusdefensores católicos. Ao contrário. insistia-sc em que acaridade monástica tinha sido escassa c que as exíguasquantias a ela destinadas eram distribuídas sem critério, semo cuidado dc distinguir bem os verdadeiramente ncccssitadosdos imprevidentes crônicos c dos meramente vadios. Comisso, estes últimos eram injustamente premiados e o seunúmero tendia a multiplicar-se, cm prejuízo dos realmentenecessitados.

Nos nossos dias. os historiadores começaram a desfazeressa grosseira distorção, cuja origem remonta aos fins do sé-culo XVII c comcços do século XVIII, e é conseqüência do viésprotestante de Gilbert Bumct na sua História da Reforma daIgreja da InglaterraDc acordo com Paul Slack, um pes-quisador moderno, "a dissolução dos mosteiros, capelas,sociedades religiosas e fraternidades nas décadas de 1530 c1540 levou a uma drástica redução das fontes dc caridade. Éverdade que a real ajuda que cias prestavam aos pobresestava localizada geograficamente, mas era mais substancialdo que com freqüência sc supõe, c a sua supressão deixouum verdadeiro

Neil Rushton também fornece importantes evidências dcque os mosteiros tinham todo o cuidado cm dirigir a sua aju-da aos verdadeiramente necessitados. E quando nào ofaziam - explica Barbara Harvcy no seu estudo Vivendo emorrendo na Inglaterra, 1100-1540 -, o culpado nào era oconservadorismo ou a brandura de coraçào dos monges, massim as restrições impostas pelos doadores quanto ao mododc os mosteiros fazerem uso das suas doações. Alguns

doadores estabeleciam nos seus testamentos cm que casossc deviam dar esmolas. Por outro lado. sc o propósito dc tais

IX.

Page 156: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

doações era. cm parte, aliviar o sofrimento dos pobres,também tinha cm vista chegar ao maior número possível dcpessoas, a fim de o benfeitor ganhar o maior número possíveldc orações pelo repouso eterno da sua alma. Em qualquercaso. com o passar do tempo, os mosteiros foram-sctornando mais cautelosos em selecionar os beneficiários das

suas esmolas181.No decorrer dos séculos que sc seguiram à morte de Carlos

Magno (em 814). muito da atenção aos pobres, até cntào acargo das igrejas paroquiais, começou a deslocar-sc para osmosteiros. Em palavras do rei francês Luis IX. os mosteiroseram o patrimonium pauperum, o patrimônio dos pobres, ex-pressão com que já desde o século IV sc costumava designartodos os bens da Igreja, mas que era verdade particularmenteno caso dos mosteiros. Afirma um historiador que "cm todosos distritos, tanto nas altas montanhas como nos vales profun-dos, se ergueram mosteiros cm torno dos quais se articulava avida religiosa das redondezas: os mosteiros mantinham esco-las, ofereciam modelos para a agricultura, indústria, piscicul-tura c reflorestamento, albergavam o viajante, socorriam opobre, davam amparo aos órfãos, cuidavam dos doentes ceram o lugar dc refúgio para todos os que carregavam o fardoda miséria espiritual e corporal. Durante séculos, foram oscentros de toda a religião, caridade e atividade cultural"182.

E William Lccky escreveu a este propósito: "Com o passardo tempo, a caridade assumiu muitas formas, c todos os mos-teiros se tornaram focos dos quais irradiava. Pela ação dosmonges, os nobres sentiam-se tocados, os pobres eramprotegidos. os doentes atendidos, os viajantes abrigados, oscativos resgatados, as mais remotas esferas do sofrimentopenetradas. Durante o mais negro período da Idade Média, osmonges fundaram um refúgio para peregrinos, cm meio aoshorrores das neves alpinas"41. Os beneditinos, os cistcrcicnsesc os premons- tratcnscs, assim como. mais tarde, as ordensmendicantes - franciscanos c dominicanos - distinguiram-sepelo zelo com que se dedicavam às obras dc caridade.

Sc os viajantes pobres podiam confiar na hospitalidademo- nástica, também os viajantes ricos eram bem-vindos,uns c outros como sc fossem o próprio Cristo. Mas os monges

181Barbara Harvcv. Living and Dving in lingland, 1100• 1540: Thc

Mo- nastic Expcricnce. Clarendon Press. Oxford. 1993, págs. 22 c 33.182 G«org Ral/.ingcr. citado cm John A Kyan, "Charity andCharitics". Catholic Encyclopcdia.

IX.

Page 157: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

não se limitavam a esperar que os pobres os procurassem.Saíam à procura dos que viviam nas regiões circundantes.Lanfranc. arcebispo dc Cantuária. por exemplo, confiava aoseu esmoler (o distribuidor de esmolas) a responsabilidadede descobrir c socorrer os doentes c os pobres que viviamnas imediações do mosteiro. Sabe-se dc casos cm que os

pobres recebiam alojamento por tempo indefinido41.Além dc ajudas institucionalizadas, os monges também

davam aos pobres o que lhes sobrava da sua própria comida.Gilberto de Sempringham, que fazia com que as suas sobrasfossem bastante substanciais, colocava-as cm um prato -chama- va-lhc "o prato do Senhor Jesus" - c punha-oclaramente à vista dos seus irmãos monges, com o óbviointuito dc incitá-los a cmular a sua generosidade. Tambémera costume, em memória dos monges falecidos, servir a suacomida c bebida c. ao final da refeição, distribuí-la aospobres. Observava-se essa prática ao longo dc pelo menostrinta dias c até por um ano inteiro após o falecimento domonge. e. no caso dc um abade, até mesmoperpetuamente183.

Assim como o ataque da Coroa inglesa aos mosteiros, noséculo XVI. debilitou a rede dc caridade que essasinstituições tinham criado, também o ataque da RevoluçãoFrancesa à Igreja, no século XVIII, abalou a fonte de tantasboas obras. Quando o governo revolucionário francêsnacionalizou as propriedades da Igreja, em novembro de1789. o arcebispo de Aix- -cm-Provence advertiu quesemelhante roubo ameaçava o bem- -estar e a educação dopovo francês. Tinha toda a razão: em 1847. a França contavacom 47% menos hospitais do que no ano do confisco, c, cm1799, os 50.000 estudantes que estavam matriculados cmuniversidades dez anos antes tinham-se reduzido a 12.000184.

Embora os livros-texto dc história ainda não o mencionem,o certo é que a Igreja Católica revolucionou a prática dasobras dc caridade, tanto no seu espirito como na sua aplica-ção. Os resultados falam por si mesmos: até então, nunca sctinha gasto tanto em esmolas, nunca tinha havido tantas doa-ções com fins caritativos, nunca se tinha chegado a criar insti-tuições destinadas a cuidar das viúvas, dos órfãos, dos pobresc dos doentes.

183 Ibid.. pág. 13.184 Michacl Davicv For Aliar and Tltrone. pág. 11.

IX.

Page 158: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

X.

A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL

Na maioria dos países ocidentais, quando uma pessoa écondenada por assassinato c sentenciada ã morte, mas perdea razão no intervalo entre a sentença c a execução, 6 mantida

viva até que rccupcrc a saúde mental c só então é executada.O motivo para essa medida dc cxccção é totalmenteteológica: só sc um homem estiver no seu perfeito juí/.opoderá fazer uma boa confissão, receber o perdão dos seuspecados c ter a esperança dc salvar a sua alma. Casos comoesse levaram o professor de direito Harold Berman a observarque o moderno sistema legal ocidcntal "é um resíduo seculardc atitudes c pressupostos religiosos que, historicamente,tiveram a sua primeira expressão na liturgia, rituais c doutrinada Igreja c, mais tarde, nas instituições, conceitos c valores doDireito. Sc não sc compreendem essas raízes históricas,muitos aspectos do Direito podem parecer desprovidos defundamento"185.

Os trabalhos do professor Berman, particularmente o seuLaw and Revolution: The Formation of the Western LegalTradi- tion, documentaram a influência da Igreja nodesenvolvimento do direito no Ocidente. "Os conceitos

185(!) Harold J. Berman. Law and Revolulion: The Fonnaiion of lheWeslem Legal Tradilion, Harvard University Press, Cambridgc. 1983.pág. 166.

Page 159: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

ocidentais do direito - argumenta ele - estão nas suas origens,c, conseqüentemente.

na sua natureza em íntima relação com conceitos caracteristi-

camcntc teológicos c litúrgicos, como são a e.xpiaçáo c os sa-cramentos" 186.

A nossa história começa nos primeiros séculos da Igreja. Omilênio que se seguiu ao Edito de Milão, promulgado pelo im-perador Constantino em 313 (que estendia a tolerância aocristianismo). assistiu a freqüentes conflitos dc competênciaentre a Igreja e o Estado, muitas vezes em detrimento daprimeira. É verdade que Santo Ambrósio, o grande bispo deMilão do século IV, chegou a proclamar que "os paláciospertencem ao imperador, as igrejas aos sacerdotes", e que opapa Gclásio fixou a doutrina que mais tarde seria designadapela fórmula das "duas espadas", dc acordo com a qual omundo estava submetido a dois poderes, um espiritual c outrotemporal. Na pratica, porém, essa linha era freqüentementeignorada e o poder civil exercia uma autoridade cada vezmaior sobre questões sagradas.

 Já cm 325. Constantino convocava uma assembléia que vi-ria a ser o Concilio de Nicéia. o primeiro concilio ecumênico dahistória da Igreja, a fim de tratar do controvertido tema do

arianismo. uma heresia que negava a divindade de Cristo. Osséculos seguintes presenciaram interferências ainda maioresdos governantes em assuntos da Igreja. Os reis (e, mais tarde,imperadores) dos francos designavam as pessoas que deviamocupar cargos na Igreja c até as instruíam em matérias dcdoutrina sagrada. O mesmo sc daria mais tarde com os mo-narcas da França e da Inglaterra, assim como com outros go-vernantes do Norte c do Leste europeu. Em 794. o próprioCarlos Magno convocou c presidiu a um concilio da Igreja, emFrankfurt. Durante o século XI. os reis-imperadores das terrasgermânicas designavam não apenas os bispos, mas tambémos papas.

Nos séculos IX c X. o problema do controle das instituiçõesda Igreja pelo Estado tornou-se particularmente agudo. O co-lapso da autoridade central na Europa Ocidental duranteesses séculos - uma vez que os monarcas sc viram incapazesdc conter as ondas invasoras vikings, magiares e muçulmanas- ofereceu aos poderosos proprietários de terras aoportunidade de estenderem a sua autoridade sobre igrejas,mosteiros e até mesmo dioceses. Desse modo, os abades dos

186 Ibid.. pág. 195.

X. A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL 159

Page 160: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

mosteiros, os párocos e os próprios bispos eram indicados porleigos, cm vez dc o serem pela Igreja.

Hildebrando. nome com que o papa São Gregório VII eraconhecido antes de ascender ao sumo pontificado, pertenciaao setor de reformadores radicais que procuravam nãoapenas persuadir os governantes a designar homens bons,

mas. fundamentalmente, a excluir por completo os leigos daprovisão dos cargos na Igreja. A reforma gregoriana, quecomeçou várias décadas antes desse pontificado (ao qualdeve o seu nome), teve por origem o propósito de elevar onível moral do clero pela observância do celibato clerical cpela abolição da prática da simonia (compra e venda dccargos eclesiásticos). As dificuldades que surgiram naconsecução desse objetivo levaram o partido grcgoriano a terde enfrentar o verdadeiro problema: a intromissão do podercivil na vida da Igreja. O papa Gregório teria pouco sucessono esforço por reverter a decadência interna da Igreja sc lhefaltasse o poder de nomear os bispos, um poder que vinhasendo exercido no século XI por diversos monarcas europeus.Por outro lado, enquanto os poderes leigos continuassem adesignar os párocos c os abades, só poderiam multiplicar-seos candidatos espiritualmente incapacitados para essesofícios.

A SEPARAÇÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO

O papa Gregório deu um passo decisivo quando definiu orei como um simples fiel, sem nenhuma função religiosa alémdas que tinha qualquer outro cristão. No passado, até mesmoos reformadores da Igreja haviam admitido que, embora fosseum erro reconhecer aos governantes civis o direito de preen-cher os cargos da Igreja, o rei era uma exceção. Considerava-se que o rei era uma figura sagrada, com direitos cresponsabilidades religiosas; c havia quem fosse mais longe esustentasse que a sagração de um rei era um sacramento(um ritual que, como o Batismo e a Sagrada Comunhão,conferia a graça san- tificante à alma dc quem o recebia).Porém, ao declarar o rei um simples fiel. que não tinharecebido as ordens sagradas, o papa negava-lhe o direito dcintervir nos assuntos da Igreja. E, por extensão, negava essemesmo direito ao Estado que o rei governava.

Com a reforma gregoriana. clarificaram-se. pois. os limitesque deviam separar a Igreja e o Estado, dc modo que a Igrejagozasse da liberdade necessária para desempenhar a sua mis-

são. Pouco tempo depois, começaram a elaborar-se códigos,tanto no âmbito da Igreja como no do Estado, nos quais sc es-

Page 161: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

tabeleciam e se explicitavam os poderes e asresponsabilidades dc cada um na Europa posterior a

Hildebrando. E o primeiro corpo dc leis sistemático da Europa

medieval, o direito canôni- co (isto é, o direito da Igreja),tornou-se o modelo dos diversos sistemas jurídicos civis queforam aparecendo nos séculos sucessivos.

Antes dc sc ter compilado o direito canônico, entre os sé-culos XII c XIII, nào havia cm nenhum lugar da Europa Oci-dental qualquer sistema dc leis parecido com os atuais. Desdea fragmentação do Império Romano do Ocidente com o ad-vento dos reinos bárbaros, o direito tinha estado intimamenteligado aos costumes e aos laços dc sangue, c não era conside-rado nem estudado independentemente dessas realidades ou

  julgado apto para estabelecer regras gerais que obrigassemas pessoas. O direito da Igreja também havia estado nessasituação até fins do século XI. Nunca fora codificadosistematicamente c estava disperso por entre as observaçõesdos concílios ecumênicos, dos livros penitenciais (quedeterminavam penitências para os pecados), dos papas, dcalguns bispos, da Bíblia c dos Padres da Igreja. Muito dessedireito era de natureza regional e, por conseguinte, não seaplicava ao conjunto da Cristandadc.

O século XII começou a mudar tudo isso. O tratado-chavcdo direito canônico foi obra do monge Graciano e intitulou-seUma concordância de cânones discordantes (tambémconhecido como Decretum Gratiani ou, simplesmente,Decretum), redigido por volta de 1140. É uma obragigantesca, tanto cm volume como cm alcance, c constituiutambém um marco histórico. Dc acordo com Bcrman, foi "oprimeiro tratado legal abrangente c sistemático na história doOcidente c. talvez, na história da humanidade - sc por«abrangente» se entende a tentativa dc abarcar virtualmentetodo o direito dc um sistema de governo, c por «sistemático»o esforço por apresentar esse direito como um corpo único,cujas partes sc relacionam entre si de modo a formarem umtodo"187.

Em um mundo regido pelo costume, c não por um conjuntodc normas obrigatórias, Graciano e outros canonistas desen-volveram critérios, baseados na razão c na consciência, desti-nados a determinar a validade dos costumes estabelecidos ca introduzir a idéia de uma lei natural anterior à política, com

187 Ibid.. pág. 143.

X. A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL 161

Page 162: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

a qual todo o costume legítimo devia conformar-sc. Osestudiosos do direito canônico ensinaram ao Ocidentebarbarizado dc que modo tomar uma colcha de retalhos dccostumes, estatutos legais c outras inúmeras fontes, cproduzir a partir dela uma ordem jurídica coerente, com umaestrutura internamente consistente, em que se resolvessem

as eventuais contradições anteriores. Esses estudiosos dodireito "dcbruçaram-sc sobre uma variedade dc textos - oAntigo Testamento, o Evangelho, «o filósofo» Aristóteles, «o

 jurista» Justiniano, os Padres da Igreja. Santo Agostinho, osConcílios da Igreja - c, valendo-se do método escolástico c dateoria da lei natural, conseguiram criar a partir dessas fontestão díspares, assim como dos costumes existentes nassociedades eclesiástica e civil da época, uma ciência jurídicacoerente e racional"188. Esse trabalho daria importantes frutosnào só no campo do direito da Igreja, mas no dos sistemaslegais civis, que viriam a ser codificados no rasto da obra deGraciano.

 Tão importante como o processo de unificação foi o con-teúdo do direito canônico. cuja abrangência foi tão vasta quecontribuiu para o desenvolvimento do direito ocidental emmatérias como o matrimônio, a propriedade, a herança, asprovas racionais em juízo189.

Quanto ás provas em juízo, os canonistas c os juristascatólicos das universidades medievais viram-se diante deuma situação desastrosa: até fins do século XI. os povos daEuropa continuavam a viver em um regime bárbaro, cm que"a lei que prevalecia era a lei da vendeta do sangue, dos

 julgamentos decididos por meio dc combates, pelos ordáliosdo fogo e da água. pelo depoimento de testemunhasarroladas pelo acusado cm sua defesa"190.

Sabemos o que representava na prática o julgamento pormeio do ordálio: era submeter a pessoa acusada dc um crimea provas dc fogo c água destituídas da menor evidência racio-nal. Os procedimentos racionais estabelecidos pela lei canôni-ca apressaram o fim desse e dc outros métodos igualmenteprimitivos, em que a inocência e a culpa eram determinadascom demasiada freqüência por meios supersticiosos.

A lei canônica sobre o matrimônio considerou que, para avalidade dc um casamento, era necessário o livre

188 Berman. Harold J .. "The Inllucnce o í ChristianiivUpon lhe Dcvclop- mcni oí Law". cm Oklahoma Law Review 12 (fcv.1959). pág. 93.

189 Harold J. Berman. Faith and Order: The Reconciliai

ion of Law and Reli- gion. Scholars Press. Atlanta. 1993. pág. 44.190 Harold J. Bcrman. "Thc Influcncc of Christianitv uponlhe Devclop- ment of Law". pág. 93.

Page 163: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

consentimento tanto do homem como da mulher, c que o atopoderia ser anulado sc tivesse sido celebrado sob coação ou

sc uma das partes estivesse cm erro a respeito da identidade

ou dc alguma condição importante da outra pessoa. "Aquiestão - escreve Bcrman - os fundamentos não apenas domoderno direito matrimonial, mas também dc certoselementos básicos do moderno direito contratual,principalmente o conceito de livre manifestação da vontade edc ausência de erro. coação c fraude"191. Foi pelaimplementação desses importantes princípios legais que scpôde finalmente pôr termo à prática comum do casamento decrianças, que tinha as suas origens cm costumes bárbaros*.

E assim as práticas bárbaras foram cedendo o lugar aosprincípios católicos, que, pela codificação e promulgação deum corpo legal sistemático, puderam introduzir-se naspráticas quotidianas dos povos europeus que haviam adotadoo catolicismo. São esses princípios que permanecem comonúcleo dos modernos ordenamentos legais que regem a vidados ocidentais c. cada vez mais. dos não ocidentais.

Ouando examinamos as regras pelas quais o direitocanônico procurou determinar a criminalidade dc um ato.descobrimos princípios legais que sc tornaram norma cm

todos os modernos sistemas legais do Ocidente. Oscanonistas estavam preocupados com a intcncionalidadc doato. com os vários tipos dc intenções c com as implicaçõesmorais das diferentes conexões causais. Com relação a esteúltimo ponto, consideravam exemplos como o que sc segue.Alguém atira uma pedra para assustar determinada pessoa.Para esquivar-se a ela, essa pessoa choca-sc contra umarocha e fcrc-sc gravemente. Procura um médico, mas este,por negligência, causa-lhe a morte. Até que ponto quematirou a pedra foi o causador dessa morte? Este era osofisticado tipo de questões legais para as quais oscanonistas procuravam respostas192.

Esses mesmos canonistas introduziram também oprincípio moderno de que pode haver circunstâncias queatenuem ou mesmo isentem uma pessoa de responsabilidadepor um crime. Sc essa pessoa estava fora dc si. adormecida,confusa ou intoxicada. nào podia ser responsabilizada cm

191 Harold J. Bcrman. Law and Rex-oliUion. pág.

228.192 Harold J. Berman. Law and Revolution. pág.188.

X. A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL 163

Page 164: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

  juízo pelo seu ato à primeira vista criminoso. Tratava-se dcfatores que. no entanto, só podiam escusar alguém dcresponsabilidade perante a lei sc. como resultado deles, oacusado não tinha consciência de que fazia uma coisaerrada, c se além disso nâo tivesse provocado uma ou maisdessas condições, como seria o caso dc alguém que sc

embriagasse propositadamente193

.A bem dizer, o antigo direito romano já tinha feito a dis-tinção entre atos deliberados c atos acidentais, contribuindoassim para introduzir na lei a idéia da intcncionalidadc. E oscanonistas dos séculos XI e XII - bem como os seus coctâncosque cdificaram os emergentes sistemas legais dos Estados daEuropa Ocidental - utilizaram elementos desse direito, quelhes chegaram ao conhecimento através do rccém-descoberto código redigido sob o reinado do imperador

  Justiniano, no século VI. Porém, deram o seu própriocontributo, introduzindo distinções importantes que associedades européias, dominadas por muitos séculos dcinfluência dos bárbaros, desconhe-

A DOUTRINA DA EX PI AÇÃO

Chegados a este ponto, devemos examinar a obra dc

Santo Anselmo de Canuiária (1033-1109), porque imprimiu aclara marca dc teologia católica nas legislações civis, uma vezque a sua obra Cur Deus homo teve profunda influencia sobrea tradição jurídica ocidental. Nesse livro, Anselmo propós-sedemonstrar, com base na razão humana, por que eraconveniente que Deus se fizesse homem na pessoa de JesusCristo c por que a crucifixão de Cristo - cm vez de qualqueroutro meio - foi indispensável ã redenção da humanidade,após a queda e a expulsão dc Adão c Eva do paraíso.Especificamente, o autor quis dar resposta a uma objeçãobastante natural: Por que Deus muito simplesmente nãoperdoou a raça humana pelo pecado original? Por que nàoreabriu as portas do céu aos descendentes de Adão por meiode uma simples declaração de perdão, por um ato gratuito dagraça? Por que, cm outras palavras, a crucifixão foinecessária?"

A resposta de Anselmo foi a que expomos sucintamente aseguir194. Deus criou originalmente o homem para quepudesse gozar da felicidade eterna. O homem, de certo modo,

193 Ibid.. pág. 189.194Cft ibid., pág. 179.

Page 165: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

frustrou essa intenção dc Deus ao rebelar-se contra Ele.introduzindo o pecado no mundo. Para que sc satisfizessem as

exigências da justiça, o homem devia ser punido pelo seu

pecado. Mas a sua ofensa a Deus, suma bondade, era tãogrande que nenhuma punição que o homem pudesse sofrerseria capaz de oferecer a Deus uma compensação adequada.Qualquer punição que sofresse teria dc ser tão severa queacabaria por anular a sua própria felicidade eterna; e como oplano dc Deus para o homem era acima de tudo conccdcr-lhea felicidade eterna, essa punição frustraria novamente aintenção de Deus.

Eis por que - cm face da necessidade de reparação devidaa Deus c a incapacidade do ser humano de poder oferccé-la -o único caminho para expiar o pecado original era por meioda mediação dc um Dcus-Homcm: só o próprio Deus,assumindo a condição dc homem, podia oferecer umareparação condigna cm nome e no lugar do homem. Foiassim que Santo Anselmo justificou racionalmente anecessidade da morte expiatória dc Jesus Cristo.

Pois bem. o direito penal surgiu na civilização ocidental noseio de um ambiente profundamente influenciado por essaexplicação de Santo Anselmo sobre a doutrina da expiação.

Essa explicação apoiava-se fundamentalmente na idéia dcque a violação da lei era uma ofensa contra a justiça c contraa ordem moral do universo; que essa violação requeria umapunição que reparasse a ordem moral, c que a puniçãodeveria adequar-se à natureza c à extensão da violação.

Efetivamente, com a passagem do tempo, tornou-secomum pensar que a explicação de Santo Anselmo sobre areparação do pecado original sc aplicava nào somente a Adãoc Eva. mas igualmente a todo aquele cometesse um crime noreino temporal: tendo violado a justiça em si [em abstrato], apessoa devia submeter-se a alguma punição, a fim dc que a

 justiça fosse restabelecida. Em grande pane. o crime tornou-se "desperso- nalizado", na medida em que as açõescriminosas começaram a ser encaradas menos como ofensasa pessoas concretas c mais como violações ao princípioabstrato da justiça'3.

Os delitos, portanto, devem ser remediados por penasproporcionadas aos males causados. E o direito dcpropriedade, quando violado, deve ser restabelecido porquem o violou. Esses princípios c similares ficaram tãoprofundamente impregnados na consciência - e,

X. A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL 165

Page 166: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

naturalmente nos valores sagrados - da sociedade ocidental,que nos é difícil imaginar um ordenamento legal fundado emoutros princípios c valores195.

AS ORIGENS DOS DIREITOS NATURAIS

A influência da Igreja nos sistemas legais c no pensamento  jurídico do Ocidente estendeu-se também ã concepção dodireito natural.

Por muito tempo, os estudiosos pensaram que a idéia dosdireitos naturais - como direitos morais universais possuídospor todos os indivíduos - surgiu mais ou menos espontanea-mente no século XVII. Graças ao trabalho dc Brian Ticrney,uma das maiores autoridades mundiais sobre o pensamentomedieval, essa tese não poderá continuar a sustentar-se.Quando os filósofos do século XVII formularam as suas teoriassobre os direitos naturais, o que fizeram foi construir sobreuma tradição que já vinha dos mestres católicos do séculoXII196. Antes do trabalho de Ticrncy. eram muito poucos,mesmo entre os professores, os que sabiam que a idéia dosdireitos naturais sc achava nos comentários ao Decretum. ofamoso compêndio da lei canônica da Igreja Católicaelaborado por Gra- ciano, como vimos atrás. Foi com essesestudiosos, conhecidos como dccrctistas, que a tradiçãorealmente começou.

O século XII manifestou um grande interesse e preocupa-ção pelos direitos de certas instituições e de certas classes dcpessoas. A partir da controvérsia das investidoras, no séculoXI, em que reis c papas se envolveram em acesos debates so-bre os seus respectivos direitos, travou-se uma discussãoque, dois séculos depois, ainda estava bastante viva, como scvê pela guerra de panfletos que irrompeu entre os partidáriosdo papa Bonifácio VIII c os do rei Filipe o Belo, da França, naseminal batalha entre a Igreja e o Estado. Por outro lado, asrelações entre os senhores c os vassalos da Europa feudaltraduziam-se em um feixe dc direitos c obrigações recíprocos.E os municípios e as cidades - que, com a renovação da vidaurbana no século XI, começaram a pontilhar a paisagemeuropéia - insistiam nos seus direitos cm face das demais

195 Harold J. Bcrman. Law and Revolution. págs. 194-5.196 Brian Ticrncy. The Idea of Natural RÍRIIIS: Stndies on Natural

Righls. Natural Law. and Church lxiw\ veja-se também Annabcl SBreu. IJberty. Righl and Nature: Individual Righls in Ixxter ScholaslicThtmght. Cambridgc Univcr- sily Press. Cambridgc. 1997; Charles J.Reid. Jr.. "Thc Canonistic Contribulion to thc Wbstcrn Righls Tiadition:

An Historical Inquiry", cm Boston College Law Review 33 (1991).págs. 37-92; Kcnncth Pcnnington. "Thc Historv nf Righls in Western Thought". cm Emont Law Journal 47 (1998). págs. 237-52.

Page 167: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

autoridades políticas197.A bem dizer, todos esses embates não giravam cm torno

do que poderíamos chamar propriamente direitos naturais,

visto que envolviam direitos de grupos particulares, mais doque direitos inerentes, por natureza, a todos os seres huma-nos. Mas foi nesse contexto que os canonistas e outros pensa -dores jurídicos do século XII começaram a afirmar o conceitode direitos, do qual vieram a extrair o vocabulário c o corpodc doutrina que hoje associamos às modernas teorias dodireito natural. Isso aconteceu do modo que relatamos aseguir.

As diversas fontes que eram citadas nos primeiros capítu-los do Decretam dc Graciano faziam freqüentes referênciasao termo ius naturale ou lei natural. Essas fontes, no entanto,definiam esse termo dc formas muito diferentes, que às vezespareciam contradizcr-se umas às outras. Os comentaristas ti-veram, pois. dc procurar elucidar os diversos significados quea expressão podia ter. De acordo com Ticrncy:

"O ponto importante para nós é que. ao explicarem osvários sentidos possíveis do termo ius naturale, os juristasdescobriram um novo significado, que não estavarealmente presente nos textos antigos. Lendo-os com amente formada na sua nova cultura, mais personalista ebaseada em direitos, esses juristas chegaram a uma novadefinição. Aqui e acolá, esses textos definiam por vezes odireito natural em um sentido subjetivo, como poder,força, capacidade ou faculdade inerentes à pessoahumana [...]. Assim que se captou esse sentido, foi fácilchegar às normas de conduta prescritas pela lei natural ouàs licitas reivindica- çôes e poderes inerentes aosindivíduos que hoje chamamos direitos naturais"11.

Os canonistas. argumenta Ticrncy. "começaram a ver queum adequado conccito dc justiça natural devia incluir o con-ceito dc direitos individuais"198.

Nào tardaram a identificar exemplos específicos dc direitosnaturais. Um deles foi o dc a pessoa comparecer perante umtribunal para sc defender das acusações que pesassem sobreele. Os juristas medievais negaram que esse direito fosse

197 Brian Ticrncv, The Idca of Natural Rights: Origins and

Persistencc". cm Northwestern University Journal of Internationallluman Rights 2 (abr 2004). pág. 5.198 Ibid.

X. A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL 167

Page 168: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

uma mera concessão do governo aos cidadãos, c insistiramcm que se tratava dc um direito natural dc todos osindivíduos, derivado da lei moral universal. Pouco a pouco, foiassim ganhando peso a idéia de que os indivíduos possuíamcertos poderes subjetivos ou direitos naturais, pelo simplesfato de serem humanos. Nenhum governante os podia limitar.

No período compreendido entre 1150 c 1300 - diz o histo-riador Kenncth Pennington -, "foram definidos os direitos depropriedade, de legítima defesa, do matrimônio e de processocivil com base na lei natural c não na lei positiva, assim comoos direitos dos nào cristãos. E ao situarem esses e outrosdireitos justamente dentro da estrutura da lei natural, os

 juristas puderam sustentar - e assim o fizeram efetivamente -que nenhum príncipe humano podia suprimi-los ou restringi-los. O príncipe nào tinha jurisdição sobre os direitos baseadosna lei natural; conseqüentemente, esses direitos eraminalienáveis"199. Todos esses princípios parecem-nosconquistas dos tempos modernos, mas a verdade é quechegaram até nós graças aos pensadores católicos medievais,que, também neste caso, estabeleceram os fundamentos dacivilização ocidental tal como a conhecemos.

O papa Inocente IV debruçou-se sobre a questão dc saberse os direitos fundamentais - concrctamcntc em relação àpropriedade c à legitimidade dos governos - pertenciamúnica- mente aos cristãos ou cabiam cm justiça a todos oshomens. Naquele tempo, determinados círculosmanifestavam uma opinião exageradamente pró-papista, jãque o Papa. como representante dc Deus na terra, era senhordo mundo inteiro e, por essa razão, o direito dc propriedade eo da autoridade legítima só podiam ser reivindicados pelosque reconhecessem a autoridade pontifícia. Inocêncio IVrejeitou essa posição c afirmou que "a posse, a propriedade ea jurisdição podem pertencer licitamente aos infiéis [...].porque essas coisas não foram feitas apenas para os fiéis,mas para todas as criaturas racionais"20. Esse texto seriacitado com grande repercussão pelos posteriores teóricos dodireito.

A linguagem e a filosofia dos direitos continuaram a desen-volver-se com o passar do tempo. Particularmentesignificativo foi o debate ocorrido no início do século XIV emtorno dos franciscanos. uma ordem dc frades mcndicantcs.fundada no início do século XIII. que sc afastava dos bensterrenos c abraçava uma vida dc pobreza. Com a morte dcSão Francisco, em 1226, c a contínua expansão da sua ordem,

199 Kcnncth Pennington. "The History oí Rights in Western Thoughl".

Page 169: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

alguns eram favoráveis a moderar a tradicional insistência napobreza absoluta, muitas vezes considerada pouco razoável

para uma ordem tão grande e espalhada. A ala extremista

desses frades, conhecidos como "espirituais", rejeitouqualquer tipo dc concessão, insistindo Cm que as suas vidasdc absoluta pobreza eram réplicas fiéis da vida dc Cristo c dosApóstolos, c. por conseguinte, a mais alta e perfeita forma devida cristã. Porém, aquilo que começou como umacontrovérsia sobre a pobreza dc Cristo c dos Apóstolos - sc elachegara ou náo a repudiar qualquer gênero dc propriedade -evoluiu para um importante c fecundo debate sobre anatureza da propriedade, c suscitou cm tomo dela uma dasquestões centrais que dominariam os tratados dos teóricos dodireito no século XVII21.

Mas o que realmente consolidou a tradição dos direitos na-turais no Ocidente foi a descoberta européia da América c asquestões que os teólogos escolásticos espanhóis levantaram

20)Brian Ticrncv. "Thc Idca of Natural Rights: Origins andPcrsislcncc". pág. 7.21)Ibid.. pág. 8.

acerca dos direitos dos habitantes dessas novas terras, umahistória que já expusemos atrás. (Esses teólogos citaramfreqüentemente a declaração de Inocéncio IV acimatranscrita). Ao desenvolverem a idéia de que os nativos daAmérica possuíam direitos naturais que os europeus tinham aobrigação dc respeitar. esses teólogos do século XVI lançaramos fundamentos doutrinários de uma tradição que vinha dasobras dos canonistas do século XII.

Resumamos. Foi no direito canônico da Igreja que o Oci-dente viu o primeiro exemplo dc um sistema legal moderno, àluz do qual ganhou forma a moderna tradição legal do Ociden-te. Dc igual modo. a lei penal ocidental foi profundamente in-fluenciada. não só pelos princípios legais da lei canônica. mastambém pelas idéias teológicas, particularmente pela doutrinada reparação desenvolvida por Santo Anselmo. E, por último,a própria idéia dos direitos naturais, que durante muito tempose considerou ter surgido c alcançado a sua plena formulaçãopor obra dos pensadores liberais dos séculos XVII c XVIII, tevea sua origem no trabalho dos canonistas, papas, professores

universitários c filósofos católicos. Quanto mais os estudiosospesquisam o direito ocidental, mais nítida se apresenta a

X. A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL 169

Page 170: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

marca que a Igreja Católica imprimiu ã nossa civilização cmais nos convencemos dc que foi ela a sua arquiteta.

Page 171: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

A IGREJA E A MORAL NO OCIDENTE

MORAL CATÓLICA E MORAIS NÀO CATÓLICAS

Não é dc suiprccndcr que os padrões morais do Ocidentetenham sido decisivamente configurados pela Igreja Católica.Muitos dos mais importantes princípios da tradição moral oci-dental derivam da idéia nitidamente católica da sacralidadcda vida humana, do valor único dc cada pessoa, cm virtudeda sua alma imortal. Essa idéia nào sc encontrava cm lugarnenhum do mundo antigo, nem na Grécia nem em Roma.Com efeito, o pobre, o fraco ou o doente eram normalmentetratados com desprezo c, às vezes, até mesmocompletamente abandonados, como já vimos a propósito dasobras dc caridade empreendidas no seio da Igreja.

Platão, por exemplo, disse que um pobre homem cujadoença o tornasse incapaz dc continuar a trabalhar devia ser

abandonado à morte. Sêncca escreveu: "Nós afogamos ascrianças que nascem débeis e anormais"200. Muitas meninassadias (incômodas cm sociedades patriarcais) eramsimplesmente abandonadas. o que fez com que a populaçãomasculina do antigo mundo romano ultrapassasse a femininacm cerca dc trinta por cento'. A Igreja nunca aceitousemelhante comportamento.

Vemos o compromisso da Igreja com a natureza sagradada vida humana na condenação do suicídio, prática que tinhadefensores no mundo antigo. Aristóteles criticou o suicídio,mas. entre os antigos, outros - particularmente os cstóicos -eram-lhe favoráveis, como meio aceitável dc escapar ao sofri-mento físico ou psíquico. Um bom número dc cstóicos famososcometeu suicídio. Que melhor prova de desapego do mundopoderia haver do que ser a própria pessoa a determinar omomento da partida?

Em A Cidade de Deus, Santo Agostinho condenou os ele-mentos da Antigüidade pagã que encaravam o suicídio comoum ato nobre:

200 Alvin J. Schmidt. Under lhe Influente, págs.128 c 153.

IX.

Page 172: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

"Grandeza de espírito não é o termo correto para desig-nar alguém que sc mata por lhe ter faltado coragem paraenfrentar o sofrimento ou as injustiças dos outros. Na ver-dade, revela-se fraqueza cm uma mente que não pode su-portar a opressão física ou a opinião estúpida da plebe.Nós atribuímos muito justamente grandeza de espírito a

quem tem a fortaleza dc enfrentar uma vida de miséria emvez de fugir dela, c de desprezar os juízos dos homens [...]antepondo-lhes a pura luz dc uma boa consciência"

O próprio exemplo de Cristo - continuava Agostinho - proí-be tal comportamento. Cristo podia ter induzido os seus segui-dores ao suicídio, para escaparem dos castigos dos seusperseguidores, mas não o fez. "Sc Ele nào lhes aconselhouesse caminho para abandonar esta vida - raciocinavaAgostinho embora lhes tivesse prometido uma morada eternadepois que partissem, é claro que esse meio nâo é permitidoàqueles que adoram o único Deus verdadeiro"201.

Sào Tomás de Aqui no também abordou a questão dosuicídio no tratado sobre a justiça da sua Summa theologiae.Dois dos seus três principais argumentos contra o suicídiobaseiam- -sc na razão, independentemente da revelaçãodivina, mas concluem com um raciocínio estritamente

católico:"A vida é um presente oferecido por Deus ao homem esó Ele tem o poder de dá-la ou tirá-la. Portanto, quem tiraa sua própria vida peca contra Deus, assim como aqueleque mata o servo de outra pessoa peca contra o senhor aquem esse servo pertencia, ou assim como peca aqueleque usurpa o poder de julgar cm uma matéria que não éda sua jurisdição. A Deus pertence julgar da morte e davida. como diz o Dculcronômio 32, 39: Eu faço ntorrer efaço vi-

Embora talvez não seja fácil medi-lo, pode-se afirmar que aaversão ao suicídio infundida pela Igreja teve extraordinárioeco entre os seus fiéis. No início do século XX. um estudiososublinhava a diferença gritante que existia na Suíça entre ataxa de suicídios ocorridos nos cantócs católicos c a que sc ve-rificava nos cantões protestantes, assim como o baixíssimo ín-dice dc suicídios observado na profundamente católica

201 Ibid.

IX.

Page 173: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Irlanda, terra de tantas tragédias e infortúnios202.Foram também os ensinamentos dc Cristo proclamados

pela Igreja que ajudaram a abolir os combates de gladiadores,cm que os homens lutavam entre si até à morte como formade entretenimento. Essa banalização da vida humana não po-deria ter sido mais oposta à doutrina católica sobre a dignida-

de c valor da vida humana. No seu Vida quotidiana na Roma Antiga, Jcromc Carcopino diz claramente que "as carnificinasna arena foram banidas por ordem dos imperadores cristãos".Assim aconteceu efetivamente em fins do século IV na metadeocidental do Império Romano, c no início do V na metadeoriental. Lccky situou esse progresso na sua perspectiva histó-rica: "Houve poucas reformas tão importantes na história mo-ral da humanidade como a supressão dos espetáculos de gla-diadores. um feito que deve ser atribuído quaseexclusivamente à Igreja Católica"203.

202 James J. Walsh. The WoHd's Dcbl lo lhe Caiolic

Church. Thc Slralford C.. Boston. 1924, pág. 227.203 Para ambas as citações, ver Alvin J. Schmidt.Under lhe Inftitence. pág.

IX.

Page 174: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

O DUELO

A Igreja foi igualmente inimiga da prática do duelo, tão es-

palhada. Aqueles que apoiavam essa prática alegavam que.com a sua institucionalização, mediante códigos dc honra quefixassem o modo de rcalizar-sc c a presença dc testemunhas,se desencorajava a violência. Isso era melhor, diziam, do queas incessantes rixas sangrentas que duravam atê ãmadrugada, com absoluto desprezo pela vida humana. Comosó os utopis- tas acreditavam que a violência podia sertotalmente erradicada, era melhor canalizá-la por viassocialmente menos perturbadoras. Esses eram os argumentoscom que se justificavam os duelos.

Mas nem com essas medidas deixava dc haver algo dc re-pugnante cm que os homens sc servissem dc espadas cpistolas para vingar a sua honra, e daí que a Igreja aplicassesanções contra os que sc envolviam nessa prática. O Conciliode Trcnto (1545-1563). que tratou principalmente da reformaeclesiástica c dos pontos dc doutrina que a reformaprotestante contestava, expulsou da Igreja os que sc batiamem duelo, excluindo-os dos sacramentos c proibindo quetivessem funerais católicos. O papa Bento XIV reafirmou essas

penas cm meados do século XVIII e o papa Pio IX deixou claroque elas se estendiam igualmente ás testemunhas c aoscúmplices.

O papa Leão XIII tornou a insistir nessa oposição da Igreja.em uma época cm que as leis civis se mostravam indiferentesa essa prática. Resumindo os princípios religiosos em que sebaseara durante séculos a condenação católica ao duelo,afirmou:

"A lei divina, que é conhecida tanto pela luz da razãocomo pelo que a Sagrada Escritura nos revela, proíbe ex-pressa e terminantemente que - fora dos casos dcproteção da ordem pública - alguém mate ou fira outrohomem, a menos que seja compelido a fazê-lo em legítimadefesa. Além disso, tenha-se presente que aqueles queprovocam um combate privado ou o aceitam quandodesafiados, procuram deliberada c desnecessariamentetirar a vida a um adversário ou pelo menos feri-lo. Poroutro lado. a lei divina proíbe quem quer que seja dearriscar a vida imprudentemente, expondo-se a um grave

c evidente perigo, quando a tanto não o obrigam o deverou a caridade. Existem na própria natureza do duelo umatemeridade completamente cega e um desprezo pela vida.

174  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 175: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Portanto, não pode restar nenhuma dúvida na mentedaqueles que se envolvem em um duelo, dc que ambos

assumem individualmente uma dupla culpa: a de destruir

o outro e a de pôr delibcrada- mente em risco a suaprópria vida".

As razões alegadas pelos que se batem em duelo paradirimir as suas contendas são - escreveu o papa -ridieulamente inadequadas. No fundo, baseiam-se no simplesdesejo de vingança: "Na verdade, é o desejo de desforra queimpele os homens passionais c arrogantes a exigirsatisfações". E acrescentou: "Deus manda a todos os homensque se amem uns aos outros com amor fraternal e proíbe-osdc jamais usar de violência seja com quem for, condena avingança como um pecado mortal e reserva para Si o direitoà expiaçáo. Sc as pessoas fossem capazes de dominar a suapaixão e de submeter-se a Deus, seria mais fácil abandonar omonstruoso costume do duelo"*.

O TEMA DA GUERRA JUSTA

Outro campo cm que a Igreja Católica forjou asconcepções morais do Ocidente foi o da guerra justa. O

mundo da antigüidade clássica tinha debatido esse tema,mas fizera-o a propósito de determinadas guerras, semchegar a elaborar uma teoria completa sobre o tema. "Nemem Platão nem em Aristóteles - assegura Ernest Fortin -encontramos nada que sc compare à famosa quaestio[questão] «Sobre a guerra» na Suninia theolo- giae dc São

 Tomás dc Aquino".É verdade que Cícero antecipou algo parecido com uma

teoria sobre a guerra justa ao analisar os conflitos bélicos nahistória de Roma. Mas os Padres da Igreja, que herdaram asua idéia, deram-lhe uma extensão muito mais ambiciosa, as-sumindo-a como ferramenta de avaliação moral. Fortin acres-ccnta que "devemos reconhecer que os teólogos cristãosderam ao problema da guerra uma urgência muito maior doque tinha tido para alguns filósofos da antigüidade clássica",principalmente à vista "da força dos ensinamentos bíblicos arespeito da sacralidadc da vida"'.

A primeira abordagem do tema da guerra c dos critériosmorais necessários para que possa ser considerada justa, é a

que encontramos nos escritos dc Santo Agostinho. Para ele,uma guerra "só sc justifica pela injustiça dc um agressor, cque essa injustiça constitua fonte de sofrimento para algum

XI. A IGREJA E A MORAI. NO OCIDENTE 175

Page 176: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

homem bom. sendo por isso uma injustiça humana". Emboranâo o dissesse expressamente, parece também que dava porcerto que um exército beligerante devia poupar da violência a

população civil. Com isso. mais a advertência que fazia dcque uma guerra não podia ter por motivo o espírito dcdesforra, que não podia ser empreendida com base em meraspaixões humanas, insistia nas disposições internas doscombatentes, que deviam refrear o uso indiscriminado daforça204.

São Tomás de Aquino também tratou do tema dc formamemorável, mencionando três condições que deviamconcorrer cumulativamente para que uma guerra pudessevestir o manto da justiça:

"Para que uma guerra seja justa, são necessárias três

"Em primeiro lugar, deve ser o soberano quem. pelasua autoridade, ordene uma guerra, pois declará-la não écompetência dc um indivíduo privado.

"Em segundo lugar, requcr-sc uma causa justa, ou seja,que aqueles que são atacados o mereçam por teremcometido alguma falta. Por isso, diz Agostinho: «Costuma-

se chamar guerra justa àquela cm que uma nação ou umEstado devam ser punidos por rccusar-sc a castigar oserros cometidos pelos seus súditos ou a restituir o que foiinjustamente roubado».

"Em terceiro lugar, é necessário que os beligerantes te-nham uma intenção reta. isto é. que tenham em vista pro-mover o bem ou evitar o mal [...]. Porque pode acontecerque. sendo legítima a autoridade de quem declara aguerra c justa também a causa, nào obstante, seja ilícitapela má intcnçào. Por isso. Agostinho diz que «sào. em

 justiça, condenáveis na guerra a paixão por infligir danos,a cruel sede dc vingança, um ânimo implacável cinexorável, a febre dc revolta, a ambição de dominar coutras coisas semelhantes»"".

Essa tradição continuou a evoluir nos fins da Idade Médiac durante o período moderno, especialmente com o trabalhodos cscolásticos espanhóis do século XVI. Francisco dc Vitória,que. como vimos, desempenhou um papel primordial na for-mulação dos rudimentos do direito internacional, também sc

204 John Langan. Thc E lcmcnts o f St. Augustinc\ JustVVar Thcorv". Joumal of Religious F.lhics 12 (prim. 1984). pág. 32

176  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 177: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

dedicou à questão da guerra justa. Em De iure belli,identificou três regras principais da guerra, tal como explicam

os historiadores católicos Thomas A. Massaro e Thomas A.

Shannon:"Primeira regra: Partindo da base dc que um príncipe

tem autoridade para empreender uma guerra, deve antesde tudo não ficar à procura dc ocasiões c causas para de-clará-la, mas. sc possível, viver em paz com todos os ho-mens, como nos recomenda São Paulo.

"Segunda regra: Quando rebenta uma guerra por umacausa justa, não deve ser empreendida para destruir opovo contra o qual é dirigida, mas somente para obter osdireitos e a defesa do próprio país c para que. com otempo, dessa guerra possam advir a paz c a segurança.

"Terceira regra: Quando sc vence uma guerra, a vitóriadeve ser utilizada com moderação c humildade cristã, c o[soberano] vencedor deve compreender que está sentadocomo juiz entre dois Estados, o que foi injustiçado e o quecometeu a injustiça. Por isso. deve agir como juiz e nãocomo acusador, a fim dc que, pelo juízo que emita, o injus-tiçado possa obter satisfação e, evitando tanto quanto

possível a calamidade c o infortúnio para o Estadoofensor. os indivíduos ofensores sejam castigados dentrodos limites da lei"205.

Em termos parecidos, o pc. Francisco Suárcz resumiu as-sim as condições dc uma guerra justa:

"Para que se possa considerar justa uma gueixa,devem obscivar-sc certas condições, que podem serenunciadas cm três itens. Primeiro, deve ser declarada porum governo legítimo. Segundo, a sua causa deve justa ccorreta. Terceiro, devem ser usados métodos justos, isto é.que demonstrem eqüidade, tanto no começo da guerra,como no seu decurso e na vitória [...]. A conclusão geral éque, embora a guerra em si mesma nào seja um mal, deveser incluída, pelas muitas calamidades que acarreta, entreos empreendimentos que, com freqüência, se levam acabo incorretamente. Por conseguinte, é preciso queconcorram muitas circunstâncias para considcrá-lahonesta"11.

205 Siwtma thaAoRiat. 11-11. q. 40. a. I. Referências internasomitidas.

XI. A IGREJA E A MORAI. NO OCIDENTE 177

Page 178: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

O Príncipe, de Maquiavel. era uma análise política mera-mente laicau. A visão que oferece sobre a relação entre a mo-ral c o Estado - c que ainda hoje influi no pensamento político

ocidental - ajuda-nos a perceber o significado c a importânciada teoria da guerra justa. Por esse esquema, o Estado nào po -dia ser julgado por nada nem por ninguém, e nào tinha queprestar contas a nenhuma autoridade mais alta: nem o Papanem qualquer código moral podiam julgar o comportamentodo Estado. Uma das razões pelas quais Maquiavel ofendia tan-to o catolicismo era a noçào dc que o próprio Estado - e nàoapenas os indivíduos - está sujeito às normas morais. Comoexpressou um escritor, a política tornou-se para Maquiavel"um jogo, como o xadrez, e a eliminação dc um peão político,mesmo que esse peão consistisse em cinqüenta mil homens,nào devia preocupar mais que comer uma peça dc marfim dotabuleiro"'5.

Foi precisamente para combater esse tipo de pensamentoque começou por desenvolver-se a tradição da guerra justa e.particularmente, as contribuições dos escolásticos do séculoXVI. Dc acordo com a Igreja Católica, ninguém - nem mesmoo Estado - está isento das exigências da moral. Nos séculossubseqüentes, a teoria da guerra justa demonstrou-se uma

ferramenta indispensável de reflexão moral; c os filósofosque. nos dias dc hoje, trabalham nessa linha, partem dessesprincípios tradicionais para fazer face aos desafios específicosdo século XXI.

CASTIDADE E DIGNIDADE DA MULHER

As fontes mais antigas rcvclam-nos que a moral sexual sctinha degradado em extremo na época cm que a Igreja surgiuna História. Como escreveu o satírico Juvenal, a promiscuida-de generalizada levara os romanos a perder a deusaCastidadc. Ovídio observou que, no seu tempo, as práticassexuais se tinham rebaixado a um nível especialmenteperverso, e até mesmo sádico. Podem-se encontrartestemunhos similares cm Ca- tulo, Marcião c Suetônio acercado estado da fidelidade conjugai c da imoralidade sexual nostempos dc Cristo. César Augusto tentou pôr cobro a essasituação com medidas legais, mas a lei raramente conseguereformar um povo que já tenha sucumbido ao fascínio dosprazeres imediatos. No começo do século II, Tácito afirmavaque uma mulher casta era um fenômeno raro'6.

A Igreja ensinou que as relações íntimas só são lícitas

178  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 179: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

entre marido c mulher. O próprio Edward Gibbon. que culpavao cristianismo pela queda do Império Romano, foi obrigado a

admitir: "Os cristãos restauraram a dignidade do matrimônio".

Galeno, o médico grego do século II, impressionou-se tantocom a retidão do comportamento sexual dos cristãos, que osdescreveu como "tão adiantados cm autodisciplina c no inten-so desejo dc atingir a excelência moral, que em nada são infe-riores aos verdadeiros filósofos"206.

Para a Igreja, o adultério nào sc limitava à infidelidade daesposa, como sc costumava considerar no mundo antigo, masestendia-se também à infidelidade do marido. A influencia queela cxcrccu neste domínio foi de grande importância histórica,c não admira que Edward Wcstcrmarck, um cxcclcnte historia-dor da instituição do matrimônio, tenha creditado à influênciacristã a cqualização do pecado dc adultério"1.

Esses princípios cxplicam cm parte por que as mulheresconstituíam tão grande parcela da população cristã dosprimeiros séculos da Igreja. As mulheres cristãs eram tãonumerosas que os romanos chegaram a desprezar ocristianismo por con- sidcrã-lo uma religião para mulheres.

A atração que a fé exercia sobre as mulheres provinha emboa medida dc que a Igreja santificava o matrimônio - elevado

por ela à categoria dc sacramento - c proibia o divórcio (o que,na realidade, significava que nenhum homem podia aban-donar sem mais nem menos a esposa para casar-sc com outramulher).

Foi também graças ao catolicismo que as mulheres alcan-çaram autonomia:

"As mulheres encontraram proteção nos ensinamentosda Igreja - escreve o filósofo Robert Phillips -. c foi-lhespermitido formar comunidades religiosas dotadas degoverno próprio, algo inusitado cm qualquer cultura domundo antigo (...] Basta repassar o catálogo dos santos,repleto dc mulheres. Em que lugar do mundo, a não ser nocatolicismo. as mulheres podiam dirigir as suas própriasescolas, conventos colégios, hospitais c orfanatos?""

A VIDA VIRTUOSA

Um aspecto da antiga filosofia grega que constituiu umaponte para o pensamento católico foi a afirmação dc que exis-

206Ibid.. pág. 84.18)Ibid.19)Robert Phillips, l/ist Thiitgs Fim. Roman Catholic Books. FortCol- lins. Colorado. 2004. pág. 104.

XI. A IGREJA E A MORAI. NO OCIDENTE 179

Page 180: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

te um gênero dc vida que convém ao chimpanzé. c outro queconvém ao ser humano. Dotado dc razão, o ser humano nãoestá condenado a agir por mero instinto. É capaz dc reflexão

moral, uma faculdade que nem os mais evoluídos espécimesdo reino animal possuem. Sc falha no exercício dessa faculda -de, jamais poderá viver à altura da sua natureza. Sc não dáprioridade às operações da inteligência, sc não submete a suaconduta a um juízo moral sério, como sc poderá dizer que éum ser humano? Se o princípio que rege a vida dc um homemé fazer tudo o que lhe traga um prazer imediato, essehomem, cm ccrto sentido, nào difere dc um animal.

A Igreja ensina que uma vida verdadeiramente digna doser humano requer a ajuda da graça divina. Mesmo os pagãosromanos se apercebiam dc certo modo da condiçãodegradada do homem: "Que coisa desprezível é o homem, scnão consegue elevar-se acima da condição humana!",escreveu Sêneca. A graça dc Deus podia ajudá-lo a conseguiressa superação. Essa é a finalidade com que a Igreja nospropõe o exemplo dos santos: demonstram ser possível a umhomem alcançar uma vida dc virtudes heróicas quando sedeixa diminuir para que Cristo possa crescer nele.

A Igreja ensina que uma vida boa não é simplesmente

aquela cm que as ações externas estão acima dc qualquercensura. Cristo insiste cm que não basta não matar ou nãocometer adultério; não sc deve apenas preservar o corpodesses crimes; a própria alma deve protcgcr-sc da inclinaçãoa praticá- -los. Não devemos apenas não roubar nada donosso vizinho, mas também não admitir pensamentos deinveja sobre o que ele possui. E embora nos seja permitido,evidentemente, odiar o que é mau - o pecado ou Satanástemos dc afastar qualquer tipo de ira c ódio, que só corroem aalma. Devemos evitar não apenas cometer adultério, mastambém entreter-nos com pensamentos impuros, para assimnão transformar um ser humano cm mero objeto. Uma pessoaque deseje viver uma vida boa nâo deve converter os seussemelhantes em uma coisa.

Costuma-sc dizer que é d ifícil fazer bem alguma coisa, queé difícil viver como um ser humano mais do que como umanimal. Requer-se seriedade moral e autodisciplina. É célebrea afirmação dc Sócrates quando diz que o conhecimento é vir-

tude, que conhecer o bem é fazer o bem. Aristóteles c SãoPaulo sabiam mais que isso. pois todos nos lembramos de mo-mentos da nossa vida cm que. conhecendo perfeitamente oque era bom, não o fizemos e. do mesmo modo. sabendo o

180  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 181: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

que era errado, o fizemos. É por isso que os diretores

espirituais recomendam aos seus orientados que comam uma

cenoura da próxima vez que desejarem comcr um doce; nãoporque os doces sejam maus. mas porque, sc conseguirmosdisciplinar a nossa vontade em situações cm que não está cm

 jogo nenhum princípio moral, estaremos mais bem preparadosno momento da tentação, quando estivermos realmenteperante a disjuntiva de escolher entre o bem e o mal. E assimcomo. quanto mais nos habituarmos ao pecado, maisfacilmente pecaremos, também é verdade que - comoobservou Aristóteles - a vida virtuosa se toma cada vez maisfácil quanto mais a praticamos e mais ela sc torna um hábito.

Estas são algumas das idéias distintivas que a Igreja intro-duziu na civilização ocidental. Hoje em dia, a maioria dos jo-vens só ouviu falar em termos caricatos dos ensinamentos daIgreja sobre a moral sexual, c, dada a cultura em que vivem,nem podem começar a entender por que a Igreja os propõe.Contudo, fiel à missão que tem cumprido ao longo de dois mi-lênios, a Igreja continua a anunciar uma outra proposta morala esses jovens imersos cm uma cultura que os ensina incansa-

velmente a buscar o prazer imediato. A Igreja recorda as gran-des figuras da Cristandade - como Carlos Magno, São Tomásde Aquino, São Francisco dc Assis, para citar uns poucos - eofcrecc-os como modelo de como devem viver os verdadeiroshomens.

A sua mensagem? Essencialmente esta: você pode aspirara ser um desses homens - um construtor da civilização, umservidor de Deus e dos homens, um missionário heróico -. ouentão alguém centrado em si mesmo, obcecado pela ânsia desatisfazer os seus apetites. A nossa sociedade faz tudo o queestá ao seu alcance para que você siga o segundo caminho.Seja você mesmo. Erga-sc por cima da manada, declare a suainde- pcndcncia cm facc de uma cultura que pensa que você étão pouca coisa, c proclame que quer viver não como umanimal, mas como um homem.

XI. A IGREJA E A MORAI. NO OCIDENTE 181

Page 182: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

CONCLUSÃO

A "CONDESCENDÊNCIA" DIVINA

A religião e um aspecto central dc qualquer civilização. Aolongo de dois mil anos. a maneira dc o homem ocidental pen-sar sobre Deus deve-se sem a menor dúvida ã Igreja Católica.

São quatro as características que distinguem a concepçãoque a Igreja tem dc Deus das concepções que as antigas civili-zações do Oriente Próximo tinham do divino207.

A primeira: Deus é um só. Os sistemas politeístas. segundoos quais certas divindades quase onipotentes zelam por de-terminados fenômenos naturais ou lugares físicos, são estra-

nhos à mentalidade ocidental, que vê Deus como um ser sin-gular. dotado de sumo poder sobre todos os aspectos da suacriação.

A segunda: Deus é absolutamente soberano, porque nãodeve a sua existência a nenhuma outra realidade anterior cnáo está submetido a nenhuma outra força. Nem a doença,nem a fome, nem a sede, nem a fatalidade - elementos quepodem afetar cm maior ou menor medida os deuses doOriente Médio - têm qualquer poder sobre Ele.

A terceira: Deus é transcendente, absolutamente distintodc toda a sua criação, c está acima dela. Não ocupa nenhumlugar físico nem dotou de alma as coisas que criou, comoacontece com os deuses naturais do animismo. Foi por esseatributo - por se ter compreendido que a natureza física estádesprovida de atributos divinos - que pôde surgir a ciência cdesen- volvcr-sc a idéia de leis naturais. Quando sereconheceu que os objetos do mundo criado nào possuemvontade própria, passou a ser possível concebê-los dc acordocom parâmetros regu- lares de comportamento.

Finalmente. Deus é bom. À diferença dos deuses sumérios,

207 Para a análise destas quatro características, veja-se MarvinPcrry c outros. Western Civili&lion: Ideai. Polilics Societv. 6' ed..Iloughton Mifflin. Boston. 2000. pág. 39-40.

182  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 183: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

que, na melhor das hipóteses, pareciam indiferentes ao bem--estar do homem, ou dos deuses da antiga Grécia, que eram

às vezes mesquinhos c vingativos nas suas relações com a

humanidade, o Deus do catolicismo ama a humanidade cquer o bem do homem. Além disso, embora lhe agradem ossacrifícios rituais - principalmente o Santo Sacrifício da Missa-, como aos deuses pagãos. também lhe agrada,contrariamente à maioria deles, o bom comportamento dosseres humanos.

 Todas estas características são também evidentes no Deusdo Antigo Testamento. Mas, como conseqüência da Encarna-ção dc Jesus Cristo, a concepção católica dc Deus é diferenteda judaica. Com o nascimento de Cristo c a sua passagem poreste mundo, sabemos que Deus não procura somente aadoração do homem, mas também a sua amizade. Por isso, oescritor católico do século XX Robcrt Hugh Bcnson pôdeescrever um livro intitulado A amizade com Cristo (1912)208. c,nos seus Fragmentos filosóficos, Soren Kicrkcgaard chegou acomparar Deus a um rei que desejasse conquistar o amor dcuma mulher do povo. Se se aproximasse dessa mulher com oseu poder real. cia sc assustaria c seria incapaz dc lheoferecer o tipo dc amor espontâneo que surge entre iguais.

Poderia também ser atraída pela riqueza c poder do rei. ousimplesmente temer recusá-lo por ele ser rei. Foi por isso queo rei sc aproximou da mulher plebéia com a aparência dc umplebeu: só assim seria capaz dc inspirar-lhe um amor sinceroc só então poderia saber sc esse amor por ele era realmentegenuíno.

Foi isso - diz Kicrkcgaard - o que Deus fez quando nasceuno mundo encarnado em Jesus Cristo, a Segunda Pessoa daSantíssima Trindade. Procurou o nosso amor sem nosesmagar com a majestade da visão beatífica (que não estáao nosso alcance neste mundo, mas apenas no mundo quehá de vir), mas pela condescendência cm relacionar-seconosco no nosso nível, assumindo a natureza humana ctomando carnc humana '. Eis uma idéia extraordinária nahistória da religião, ainda que esteja tão embutida na culturaocidcntal que poucos sc detêm a pensar nela.

Os conceitos que o catolicismo introduziu no mundo enrai-zaram-se tanto que até mesmo os movimentos contráriosestão freqüentemente impregnados deles. Murray Rothbardfez notar até que ponto o marxismo, uma implacável

208 Há uma tradução cm português: Robcrt Hugh Bcnson. Aamizade com Cristo, Ouadrantc. SAo Paulo. 1996.

XI. A IGREJA E A MORAI. NO OCIDENTE 183

Page 184: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

ideologia laica, foi buscar idéias religiosas às heresias cristãsdo século XVI209. E os intelectuais da progressista eraamericana dos inícios do século XX, que sc congratulavam

por terem abandonado a sua fé (largamente protestante),continuavam a discorrer servindo-sc fundamentalmente dcum vocabulário claramente cristão210.

Estes dados só reforçam o que já vimos: a Igreja Católicanáo apenas contribuiu para a civilização ocidcntal - a Igrejaconstruiu essa civilização. É verdade que bebeu elementosdo mundo antigo, mas fê-lo dc um modo que transformou atradição clássica, melhorando-a.

É difícil encontrar uma iniciativa humana já desde o inícioda Idade Média para a qual os mosteiros não tenham contri-buído. A Revolução Científica arraigou-se na Europa Ocidcntalgraças aos fundamentos teológicos e filosóficos que,lançados no seu núcleo por figuras da Igreja, provaram serum terreno fértil para o desenvolvimento das pesquisascientíficas. E a idéia amadurecida do direito internacionalsurgiu a partir dos últimos cscolásticos. assim como osconceitos centrais para o nascimento da economia como umadisciplina diferenciada.

Estas duas últimas contribuições surgiram das universida-des européias, uma criação da Idade Média que teve lugarsob os auspícios da Igreja. Diferentemente das academias daantiga Grécia, cada uma das quais tendeu a ser dominada poruma única escola dc pensamento, as universidades da Europamedieval foram lugares dc intenso debate c intercâmbio inte-lectual. Assim o diz David Lindberg:

"Deve-se afirmar enfaticamente que. dentro dessesistema educativo, o mestre medieval gozava dc umaampla liberdade. O estereótipo das imagens que nosapresentam da Idade Média é o do professor sem espinhadorsal c subserviente. seguidor escravo dc Aristóteles cdos Padres da Igreja (o estereótipo não explicaexatamente como alguém poderia ser escravo seguidor dcambos), receoso dc afastar-se uma vírgula dos ditames da

209 Murray N. Rothbard. "Karl Marx as RcligiousEschatologist". cm Yuri N. Maltscv, cd.. Requicin for Marx. Ludwig vonMiscs Inslitutc. Aubum. Alaba- ma. 1993.

210 Murray N. Rothbard. "World War I as Fulfillmcnt :

Power and thc In- tcllectuals". em John V. Denson. ed.. The Cosls of War. Transaclion. New Hrunswick.* New Jerscy. 1997; paia exemplosmais recentes deste fenômeno, veja-se Paul Gottfricd. 'Multicidluralisnt and lhe Polilics of Guilt, Univcrsitv of Missouri Press.Columbia. 2002.

184  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 185: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

autoridade. Na realidade, é claro que havia uns limitesteológicos, mas. dentro desses amplos limites, o mestre

medieval tinha uma notável liberdade dc pensamento e

de expressão; quase não havia doutrina alguma, filosóficaou teológica, que não tivesse sido submetida a umminucioso exame crítico por parte dos intelectuais dauniversidade medieval"*.

O empenho dos cscolásticos cm pesquisar a verdade, cmestudar e empregar uma grande diversidade dc fontes c emanalisar com precisão c cuidado as objeções às suas posições,dotou a tradição intelectual medieval - c, por extensão, asuniversidades nas quais essa tradição sc desenvolveu camadureceu - dc uma vitalidade da qual o Ocidente podelegitimamente orgulhar-se.

 Todas essas áreas - o pensamento econômico, o direito in-ternacional, a ciência, a vida universitária, as obras de carida-dc. as idéias religiosas, a arte c a moral - são os verdadeirosfundamentos dc uma civilização c. no Ocidente, todas c cada umadelas surgiram do cerne da Igreja Católica.

UM MUNDO SEM DEUS

Paradoxalmente, a importância da Igreja para a civilizaçãoocidental foi-se tornando cada vez mais clara à medida que a suainfluência diminuía. Durante o Iluminismo do século XVIII, a posiçãoprivilegiada da Igreja c o respeito de que tradicionalmente acercavam foram seriamente questionados, em um nível semprecedentes na história do catolicismo. O século XIX assistiu a maisataques ao catolicismo, particularmente com o Kulturkampf germânico e o anticlericalismo dos nacionalistas italianos. A Françasccularizou o seu sistema escolar em 1905. Embora a Igreja tivesseflorescido nos Estados Unidos durante o final do século XIX ccomcços do XX. no resto do mundo ocidental os ataques à liberdadeda Igreja provocaram danos indizíveis211.

O mundo da arte fornece-nos, talvez, a mais dramática e notóriaevidência das conseqüências do eclipse parcial da Igreja no mundomoderno. Judc Doughcrty, decano emérito da School of Philosophy daCatholic University, falou de uma conexão "entre a empobrecidafilosofia anti-mctafísica dos nossos dias c o efeito debilitante sobre asartes". De acordo com esse professor, há uma ligação entre a arte dcuma civilização e a sua crença c consciência sobre o transcendente.

211 Sobre o sucesso da Igreja na América, veja-se Thomas E.Woods Jr.. The Church Confronts Madcmity: Catholic Intellectuals andthe Progressii-e Ura. Columbia University Press. New York. 2004.

XI. A IGREJA E A MORAI. NO OCIDENTE 185

Page 186: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

"Sem um reconhecimento metafísico do transcendente, sem oreconhecimento dc um intelecto divino que é, ao mesmo tempo,fonte da ordem natural e cumprimento das aspirações humanas, a

realidade é construída cm meros termos materiais. O homemconvcrtc-sc cm medida de todas as coisas, sem o menor com-promisso com a ordem objetiva. A vida cm si mesma torna-se vazia csem propósito. Essa aridez encontra a sua expressão naperversidade e esterilidade da arte moderna, desde Bauhaus até ocubismo c o pós-modcrnismo". A asscrção dc Dougherty é mais doque plausível; é positivamente convincente. Quando uma pessoaacredita que a vida não tem qualquer significado c é fruto de umpuro acaso, que nào é guiada por uma força ou princípio superior,quem poderá surpreender-se de que essa ausência dc sentido screflita na sua arte?

A ausência dc sentido e a desordem aumentaram a partir doséculo XIX. Em A gaia ciência. Fricdrich Nictzschc escreveu: "Ohorizonte fica finalmente livre diante dc nós, embora haja quereconhecer que náo é brilhante; ao menos o mar. o nosso mar. scabre aberto diante de nós. Talvez nunca tenha havido um mar tãoaberto". O que significa dizer que nào existe ordem ou sentido nouniverso além daqueles que o próprio homem, no mais supremo clivre dc todos os atos da vontade, decida dar-lhe. FrcdcrickCopplcston, o grande historiador da filosofia, adere ao ponto de vista

de Nictzschc: "A rejeição da idéia de que o mundo foi criado por Deuscom uma finalidade, ou dc que o próprio homem é a manifestação daIdéia ou Espírito absoluto, deixa-o livre para dar à vida o significadoque queira. E cia nào tem outro significado"212.

Nesse ínterim, o modernismo literário ocupou-sc em abalar ospilares da ordem no âmbito da palavra escrita, anulando aspectostais como dar às histórias c romances um começo. meio c fim. Osescritores concebiam enredos bizarros cm que o protagonistaenfrentava um universo caótico c irracional. que era incapaz dccompreender. Eis como começa A Metamorfose dc Franz Kafka:"Quando Gregor Samsa despertou uma manhã dc um sonhoperturbador, descobriu que, enquanto dormia, se havia transformadocm um gigantesco inseto".

Na música, o espírito dos tempos fez-se sentir especialmente naatonalidade de Arnoid Schocnbcrg c nos ritmos caóticos dc IgorStravinsky. particularmente na sua célebre Sagração (Ia

Primavera, mas também em alguns dos seus trabalhos posteriores.como a sua Sinfonia em Três Movimentos, de 1945. E. no campoda arquitetura, será preciso denunciar a sua dcgenc- raçào, hoje tão

212(3) Frcdcrick Coplcston, A tlistory of Philosophy. vol. 7: ModemPhilosophy front lhe Posi-Kantian Idealists to Marx. Kierkegaard. andNieitsche. Doublcdav. New York. 1994 (I963J. pág. 419.

186  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 187: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

evidente até mesmo cm cdificios que pretendem ser igrejascatólicas?213

Nào se trata de questionar o mérito dessas obras, mas sim de

mostrar que refletem um ambiente intelectual c cultural contrário àcrença católica cm um universo ordenado c dotado de um significadoúltimo.

O dia a/.iago chegou em meados do século XX, quando Jean-PaulSartrc (1905-1980) c a sua escola de pensamento existencialistaproclamaram que o universo era totalmente absurdo c a vida. cm simesma, completamente sem sentido. E como é que. então, a pessoadevia viver? Encarando corajosamente o vazio, reconhecendo comfranqueza que nada tem sentido e que nào existem valores absolutos.E. logicamente, cada qual construindo os seus próprios valores evivendo dc acordo com cies (o que recorda Nictzschc. sem dúvida).

As artes visuais foram afetadas por esse meio filosófico. O artistamedieval, consciente de que o seu papel era comunicar alguma coisamaior do que ele mesmo, normalmente nào assinava as suas obras.Desejava chamar a atcnçào nào para si próprio, mas para o tema dassuas obras. Com a Renascença, começou a surgir um novo conceitodc artista, que atingiu a sua maturidade no romanticismo do séculoXIX. Por reação contra a frieza racionalista do Iluminismo, oromanticismo enfatizou o sentimento, a emoção c a espontaneidade.

E assim a arte concentrou-se cm exprimir os sentimentos, as lutas, asemoções c as idiossincrasias do próprio artista; a arte tornou-se umaforma de auto-cxpressào. O foco da obra do artista passou a serretratar as suas disposições interiores. A invenção da fotografia, nofinal do século XIX, veio reforçar essa tendência, já que. ao permitircom toda a facilidade a reprodução exata do mundo natural, deixou oartista livre para embrenhar-se no seu mundo interior.

Com o passar do tempo, essa romântica auto-preocupaçàodegenerou no simples narcisismo e niilismo da arte moderna. Em1917. o artista francês Mareei Duchamp chocava o mundo da arte aoapor a sua assinatura em um urinol c expô-lo como uma obra dc arte.Fala por si mesmo o fato dc que, em uma votação dc quinhentosperitos cm arte realizada em 2004, sc tenha atribuído à Fountain dcDuchamp o título dc "a obra dc arte mais influente da artemoderna"214.

Duchamp influiu no artista radicado cm Londres Traccy Emin. Oseu My Bed, que foi indicado para o prestigioso Prêmio Turncr,

213 Pará a arquitetura bela e a horrível, vejam-se,respectivamente. Michacl S. Rose. In Titrs of Gtory. Mesa Folio.

Cincinnati. Ohio. 2004. c Michacl S. Rose. Ugfy rtí Sin, Sophia InstitutcPress. Manchcstcr. New Hampshirc. 2001.214 "Duchamps Urinai Tops An Survcy". cr» BBC News World

Rdition 01.12.2004. Cfr. hlip-

7/ncws.bbc.co.uk/2/hi/cntcrtainmcnl/4059997.*im.

XI. A IGREJA E A MORAI. NO OCIDENTE 187

Page 188: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ocide

consistia cm uma cama completamente desarrumada. onde scespalhavam garrafas de vodea, preservativos usados c roupasintimas manchadas dc sangue. Em um dos dias cm que essa peça foi

exposta na Tatc Gallcry, cm 1999, dois homens nus puseram-sc apular sobre a cama c a beber a vodea. Todos os presentescomeçaram a aplaudir, persuadidos dc que esse ato dc vandalismofazia parte do quadro exposto. Emin é hoje professor na EuropcanGraduatc School.

Estes exemplos revelam simbolicamente até que ponto muitosocidentais sc afastaram da Igreja cm anos recentes. A Igreja. quepede aos seus filhos que sejam generosos na transmissão da vida. vêaté mesmo esta mensagem tão fundamental cair cm ouvidos surdosna Europa Ocidcntal, que náo chega sequer a ter filhos suficientespara garantir a continuidade das gerações. A Europa afastou-se a talponto da fé que a construiu, que a União Européia náo foi capaz dcreconhcccr-sc dc- vedora da herança cristã na sua Constituição.Muitas das grandes catedrais que uma vez testemunharam asconvicções religiosas dc um povo tornaram-sc, nos dias atuais, peçasdc museu, curiosidades interessantes para um mundo descrente.

Mas a auto-imposta amnésia histórica do Ocidente náo pode hojedesfazer o passado nem o papel central da Igreja na construção dacivilização ocidental. "Eu náo sou católica", escreveu a filósofafrancesa Simone Wcil, "mas considero os princípios cristãos - que

têm as suas raízes no pensamento grego c que, no transcorrer dosséculos, alimentaram todas as nossas civilizações européias - comoalgo a que uma pessoa nào pode renunciar sem sc aviltar". Eis umalição que a civilização ocidental, cada mais afastada dos seusfundamentos católicos. vem aprendendo com grande dificuldade.

188  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 189: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

AGRADECIMENTOS

Durante a redação deste livro, recebi valiosas sugestões do Dr.Michacl Folcy, da Dra. Dianc Moczar. do Dr.. John Rao c do ProfessorCarol Long. Também desejo agradecer ao Dr. Anthony Rizzi, diretordo ínstilule for Advanced Physics c autor do livro The Science

Before Science: A Cuide to Thinking in the 21 st Century,

pela revisão do capítulo V. Quaisquer erros sobre os fatos ou na suainterpretação são, como é lógico, unicamente meus.

Devo fazer especial menção a Dorcen Munna c a Marilyn

Vcnticrc, da biblioteca da minha Faculdade, pela gentileza com queatenderam a todos os meus pedidos dc livros antigos, difíceis deencontrar c há muito tempo esquecidos.

Mais uma vez, trabalhar com a Rcgnery foi um prazer. O livro foi.sem dúvida, enriquecido pelos comentários e sugestões do editorexecutivo Harry Crockcr c pela revisão atenta e minuciosa dadiretora editorial Paula Decker.

Comecei a redigir este livro antes dc rcccbcr a sugestão dcescrever The Politically Incorrect Cuide to American History.

meu terceiro livro. Para cumprir o prazo desse outro, pus este delado por algum tempo c. finalmente, retomei-o no ano passado.Concluí a redação dois dias antes do nascimento da nossa segundafilha. Verônica Lynn. E estou profundamente agradecido pelo apoioda minha querida esposa Hcather ao longo destes nove meses, quepara ela foram difíceis.

Dedico este livro a Verônica e Regina (nascida cm 2003). nossasduas filhas. Espero que ele venha a reforçar o que lhes tentamosensinar: que possuem na sua fé católica uma pérola dc grandevalor, que náo hâo dc querer trocar por nada no mundo. Como disse

ccrta vez Sào Thomas More. ninguém no seu leito dc morte searrependeu jamais dc ter sido católico.

 Thomas E. Woods, Jr.

AGRADECIMENTOS 189

Page 190: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Coram. New York Marçodc 2005

BIBLIOGRAFIA

Bainton. Roland H.. Chrislian Altitudes Toward War and Peace. Abing- don Press. New York, 1960.Baldwin. John W., The Scholastie Culture of the Middle Ages.1000- ■1300. D.C. Heath, Lexington, Massachusscts, 1971.Baluffi, Cajctan. The Charity of lhe Church. trad. Dcnis Gargan,M.H. Gill and Son. Dublin. 1885.Bangert. William V., SJ. A History of the Society of Jesus.Institutc of Jesuit Sourccs. St. Louis. 1972.Bar/un, Jacqucs, From Dawtt to Decadence. Harpcr Collins. New

 York. 2001.Bcncstad. J. Brian. cd. Emest Fortin: Collected Essays. Vol. 3:Hunian Rights, Virtue. and lhe Conimon Good: Untimely 

Medilalions on Re- ligion and Polities. Rownian & Littlcficld.Lanham. Maryland. 1996.Berman. llarold J.. Faith and Order: The Reconciliaiion of Lawand Religion. Scholars Press. Atlanta. 1993.Berman, Harold J.. "The Influcncc of Christianity Upon lhe Devclop-ment of Law". cm Oklahoma Law Review 12 (fev. 1959). págs.86-101.Berman, llarold J.. The Inieraction of Law and Religion.Abingdon Press, Nashville. Tcnncsscc, 1974.Berman. Harold J.. Law and Revolulion: The Forrnation of lheWestern Legal Tradition. Harvard University Press, Cambridgc,1983.Broad. William J.. "How the Church Aided 'Heretical' Asironomv".em New York Times. 19.10.1999.Brodrick. James. The Life and Work of Blessed Roltert Francis Cardinal Bellannine, SJ. 1542-1621, 2 vols.. Burns.Oates and Washbourne, Londres. 1928.Buttcrficld, Hcrbcrt, The Origins of Modem Science. 1300-1800, cd. rev., Frcc Press, New York, 1957.Cahill, Thomas. How the Irish Saved Civilization. Doublcdav.New York. 1995.Vinccnl Carmll c David Shillett. Christianity on Trial. F.ncountcr

Books, San Francisco, 2001.

Page 191: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Chafucn. Alcjandro A .. Faith and Liberty: The EcononticThought ofthe Ijate Scholastics. Lcxington. Lanham, Maryland.2003.Clark, Kcnncth, Civilisalion: A Personal View. Harpcr Pcrcnnial.

New York, 1969.Cobban, Alan B.. The Medieval Universities: Their Development and Organizfltion, Mcthucn & Co., Londres. 1975.

Cobbctt. William. A Hislory of the Protestam Refonnation inEngland and iretand. TAN. Rocklord. Illinois. 1988 [1896],Collins. Randall. Weberían Sociological Theory, CambridgcUnivcrsitv Press. Cambridgc. 1986.Coplcston. Frcdcrick. A Hislory of Philosophy, vol. 7: ModemPhilosophy from lhe Fost-Kantian Idealisis to Marx.Kierkegaard. and  Nietzsche, Doubleday. New York. 1994£1963].Crocker. H.W. III. Triuntph. Prima. Roseville. Califórnia. 2001.Crombie. A.C.. Medieval and Earlv Modem Science. 2 vols..Doubleday, New York. 1959.Cutler. Alan. The Seashell on the Mountaintop. Dutton, New

 York. 2003.Dalcs. Richard C.. Thc Dc-Animation of thc Heavens in lhe MiddleAges", cm Journal ofthe llistory of Idcas 41 (1980), pág. 531-50.Dalcs, Richard C.. The Intellectual Life of Western Europe inthe Middle Ages. University Press of America. Washington. DC.1980.Dalcs. Richard C.. "A Twclfth Ccnturv Conccpt of thc NaturalOrder". em Viator 9 (1978), págs. 179-92. 'Dalv. Lowrie J.. The Medieval University. 1200-1400. Shccdand Ward, New York. 1961.Daniel-Rops. Hcnri. A Igreja das catedrais e das cruzadas,trad. dc Eniérico da Gama. em História da Igreja de Cristo, vol.3. Quadran- tc. Sito Paulo. 1993.Danicl-Rops. Hcnri, A Igreja dos tempos bárbaros, trad. deEmérico da Gama. col. História da Igreja de Cristo, vol. 2.Quadrantc. Sâo Paulo. 1991.Danicl-Rops. Hcnri. A Igreja da Renascença e da Reforma: I. Areforma protestante, trad. Emérico da Gama. cm História daIgreja dc Cristo. vol. 4. Quadrantc. Sito Paulo, 1996.Davics. Michacl. For Aliar and Throne: The Rising in lheVendée. Rcm- nant Press. St. Paul. Minnesota. 1997.Dawson. Christophcr. Religion and lhe Rise of Westeni Culture. Imagc Books. New York. 1991 11950].Dc Roover. Raymond, Business. Banking, and EcononticThought in Late Medieval and Early Modem Europe:Selecied Siudies of Raymond de Roover, cd. Julius Kirshncr.University of Chicago Press. Chicago. 1974.Dc Roover. Raymond, Thc Conccpt of lhe Jusl Pricc: Theory andEconomic Policv". Journal of Econontic Historv 18 (1958), pág.418 -34.Derbvshirc. David, "Hcnry 'Stampcd Out Industrial Rcvolution'",Tele- graph, 21.06.2002. cd. "brit.Dijkstcrhuis, E. J.. The Mechanization of lhe World Piettire.Irad. C. Dikshoorn, Oxford University Press, Londres. 1961.Durant. Wíll. The Age of Faith. MJF Books. New York. 1950.Durant. Wíll, Caesar and Chríst. MJF Books. New York. 1950.Durant. Wíll, The Renaissance. MJF Books. New York. 1953.

BIBLIOGRAFIA 191

Page 192: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Edgerton, Samuel Y.. Jr., The Heritage of Giotio's Geontelty: An and Science on lhe Eve of the Sciemific Rewluiion. Corncll

University Press. Ithaca, 1991.Fcrnánde/.-Sanlamaría. José A., The State. War and Peace:Spanish Political Thoughl in lhe Renaissance. 1516-1559.Cambridge University Press, Cambridge, 1977.

Flick, Alexander Clarencc. The Rise of lhe Mediaeval Church.Burt Franklin, New York. 1909.Franklin. James. "The Renaissance Mvth". cm Quadram (26). nov1982. págs. 51-60.Friedc. Juan and Benjamin Kecn, eds., Bartolonié de Las Casasin History: Toward an Understanding of lhe Man and HisWork. Northern Illinois University Press, DcKalb. Illinois. 1971Gillispic. Charles C.. cd.. Dictionary of Scientific Biographv.Charles Scribncrs Sons. New York. 1970.Gilson, Étienne, Reason and Revelalion in lhe Middle Ages.Charles Scribne^s Sons, New York. 1938.Gimpcl. Jean, The Medie\'al Machine: The Industrial Rewlution of lhe Middle Ages. Holt, Rinchart. and Winston. New

 York, 1976.Goldstcin. Thomas. Dawn of Modem Science: From lhe Ancient Greeks to lhe Renaissance. New York. Da Capo Press,1995 [1980].Goodell. Hcnrv H.. "The Influcncc of the Monks in Agricullurc". dis-curso pronunciado diante do Massachusctts State Board of Agricul-tura. 23.08.1901. em The Goodell Papers. University of Massachu- setts, Amherst.Grant. Edward, "The Condcmnation of 1277, God's Absolutc Power,

and Phvsical Thought in the Late Middle Ages". Viator 10 (1979).págs. 211-44.Grant, Edward. The Foundalions of Modem Science in lheMiddle Ages: Their Religious. Instiliilional. and Inielleciual Conlexts. Cambridge University Press. Cambridge, 1996.Grant, Edward. God and Reason in lhe Middle Ages. CambridgeUniversity Press, Cambridge. 2001.Grégoirc, Rcginald. Lco Moulin, and Raymond Oursel, TheMonastic Reahn. Rizzoli, New York. 1985.Grice-Hutchinson. Marjorie, Early Economic Thought in Spain.1177- -1740. George Allcn & Unwin.'Londres. 1978.Grice-Hutchinson, Marjorie, The School of Salanianca:Readings in S/>anish Monetarv Theorx. 1544-1605.Clarendon Press, Oxford. 1952. •llaffncr. Paul. Creation and Scientific Creativity, ChristcndomPress. Front Royal. Virgínia. 1991.

192  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 193: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Hamilton, Bcrnicc, Polilical Thought in Sixieenih-Centuiy Spain. Oxford University Press, Londres. 1963.

Hankc, Lcwis. Bartolonié dc Las Casas: An Intcrprctation of His Life and Wrílings. Martinus Nijhoff. Thc Haguc. 1951.

Hankc. Lewis. The Spanish Siruggle for Justice in lheConquest of America. Littlc. Brown and Co.. Boston. 1965[1949].Harvcy. Barbai-a. Living and Dying in England. 1100- 1540:The Mo- nastic Experience. Clarcndon Press. Oxford. 1993.Haskins, Charles Homer, The Renaissance of the Twelftli Centurv. Mc- ridian. Cleveland. 1957 [1927],Haskins. Charles Homcr. Thc Rise of Universities. CornellUniversity Press. Ithaca. 1957 (1923).Hcilbron. J.L.. Electricity in lhe 17th and I8th Centuries: AStudy of Eariv Modem Physics. University of Califórnia Press.Berkclcv, 1979.Hcilbron, J.L., lhe Sun in lhe Church: Cathedrals as Solar Observato- ries. Harvard University Press. Cambridgc, 1999.Hillgarth. J. N.. cd.. Chríslianity and Paganism. 350-750: TheConver- sion o f Western Europe. Univcrsitv of PcnnsvlvaniaPress, Phila- delphia. 1986.Howell. Benjamin E.. Jr.. An Introduction to Seismological Research: Hislory and Devclopmeni. Cambridgc UniversitvPress, Cambridgc. 1990.Hughes, Philip, A Hislory of the Church. vol. I. rev. ed.. Shccdand Ward, Londres, 1948.

Hughes, Philip. A Popular Hislory of lhe Refonnation. HanovcrHousc. Garden City. New York. 1957.Hiilsmann, Jftrg Guido, "Nicholas Oresme and the First Monetary

 Treatise". 09.05.2004. http:ZAinvw.mises.org/fullstory.aspx7con- trola 1516.

  Jaki. Stanley L.. Patients or Principies and Other Essavs,Intcrcollegia- tc Sludics Institutc, Bryn Mawr. Pennsylvania, 1995.

 Jaki. Stanley L., The Savior of Science. Ecrdmans. Grand Rapids,Mi- chigan, 2000.

 Jaki, Stanley L.. Science and Creation: Front Etenial Cycles toan Oscil- laiing Universe. Scottish Acadcmic Press. Edinburgh.1986.

 Johnson. Paul, Ari: A New Hislory. HarpcrCoIlins, New York. 2003.Kaudcr, Emil. A Hislory of Marginal Ulilily Theory. PrincctonUniversity Press, Princcton, 1965.Klibanskv, Raymond. "Thc School of Chartres". in Marshall Clagctt.Gaincs Post, and Robert Reynolds, cds.. Twclfth Century Europeand lhe Foundations of Modem Socieiy. University of Wisconsin Press. Madison. 1961.Knowlcs. David. The Evolution of Medieval Thought. 2a cd..Longman. Londres, 1988.Langan, John. Thc Elements of St. Augustines Just War Theory". Journal of Religious Ethics 12 (prim. 1984). págs. 19-38.

BIBLIOGRAFIA 193

Page 194: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Langford. Jcrome J.. OP, Calileo, Science and lhe Church,Descléc. New York. 1966.

Lecky. William Edward Hartpolc, History of European Moraisfrom Augustas 10 Charlemagne. 2 vols.. D. Applcton and Co.,New York. 1870.Lcff, Gordon. Paris and Oxford Universities in lhe Thirteenth

and Four- teenlh Centuries: An Inslilulional and Intellectual History, John Wi- ley and Sons. New York. 1968.Lindberg. David C.. "On the Applicability of Malhcmatics to Nature:Roger Bacon and His Predecessons". British Journal for theHistorv of Science 15 (1982). págs. 3-25.Lindberg. David C.. The Beginnings of Western Science,University oí Chicago Press. Chicago. 1992.Lindberg. David C.. and Ronald L. Numbcrs, cds.. Cod and Naiure:Historical Essays on lhe Encounier Beiween Christianity and Science. University of Califórnia Press. Berkeley. 1986.Lvnch. Joseph H.. The Medieval Church: A Brief Hisioiy.Longman, Londres. 1992.MacDonncll. Joseph E.. Companions of Jesaits: A Tradilion of Collabo- raiion, Humanities Institutc. Fairficld. Connccticut. 1995.MacDonncll, Joseph E.. Jesuit Geometers. Institutc oí JesuitSourccs. Saint Louis. 1989.Massaro. Thomas A., e Shannon. Thomas A.. CalholicPerspectives on Peace and War, Rowan&Littlcfield, Lanham.Maryland, 2003.Mcngcr. Cari, Principies of Economics. Irad. James Dingwall eBert F. Hosclitz. Libcrtarian Press. Grovc City. Pcnnsylvania. 1994.Monialembert. Charles, The Monks of the West: From St.

Benedicl lo St. Bemard. 5 vols., Nimmo. Londres, 1896.Morison, Samuel Eliot. The Oxford Histor,• of lhe AmericanPeople. vol. 1: Prehistory to 1789, Meridian. New York. 1994[I965J.Newman, John Henry. Essays and Skeiches, vol. 3. CharlesFrcderick llarrold. cd.. Longmans. Grccn and Co.. New York. 1948.0'Connor. John B.. Monasticisni and Civilization. P.J. Kennedv &Sons. New York. 1921.Oldroyd. David R.. Thinking Ahoat lhe Earth: A History of Ideas in Geology, llarvard University Press, Cambridge, 1996.Panofskv. Erwin. Gothic Architecture and Scholasticism,Meridian Books. New York. 1985 (1951).1'artington. J.R.. A Historv of Chentistrv, vol. 2. Macmillan.Londres. 1961.Pennington. Kenncth. "The Historv of Rights in Western Thought".cm Emoiy Law Journal 47 (1998). págs. 237-52.Phillips. Robcrt. Last Things First. Roman Catholic Books. FortCollins. Colorado. 2004.Reid, Charles J., Jr.. "The Canonistic Contribution to lhe WesternRights Tradilion: An Historical Inquirv". em Boston College LawReview 33 (1991). págs. 37-92.

194  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 195: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Reynolds. Leighton Durham. e Wilson. Nigcl C.. Scribes and Scholars: A Cuide to lhe Transmission of Greek and LatmUleraiure. 3" ed.. Clarcndon Press. Oxford, 1991.

Risse. Gucntcr B.. Mending Bodies. Saving Souls: A Hislory of Hospitais. Oxford University Press. New York. 1999.Rothbard. Murray N.. An Austrian Perspective on the Hislory 

of Econontic Thought. vol. 1: Economic Thought Before Adam Smillt, Edward Elgar, Hants. England. 1995.Rothbard. Murray N.. "New Light on the Prchistorv of thc AustrianSchool", cm Edwin G. Dolan. ed.. The Foundations of Modem Austrian Econontics. Sheed & Ward. Kansas Citv, 1976.Royal. Robert C.. Coluntbus On Triai 1492 v. 1992. 2* cd..

 Young Américas Foundation. Hcrndon. Virginia, 1993.Rushton. Ncil S.. "Monastic Charitablc Provision in Tudor England:Quantifying and Oualifying Poor Rclicf in thc Eariv Sixtccnth Ccn-tury". Conlinuily and Change 16 (2001). págs. 9-44.Russcll, Frcdcrick H., The Just War in the Middle Ages.Cambridgc. Cambridgc University Press. 1975.Sadowsky. James A.. "Can There Be an Endless Rcgress of Causes?", em Brian Davies. cd.. Philosophy of Religion: ACuide and Anllto- logy. Oxford University Press. New York.2000.Sánche/.-Sorondo. Marcelo. "Vitoria: Thc Original Philosopher of Rights". em Kevin White, cd.. Hispanic Philosophy in thc Ageof Discoverv. Catholic Universitv of America Press. Washington.D.C.. 1977.Schmidt. Alvin J.. Under the Influcncc: How Christianity Transfortrted Civilizaiion, Zondervan. Grand Rapids. Michigan.20Ò1.Schmidt. Charles Guillaumc Adolphc. The Social Results of Early Christianity, Sir Isaac Pitman & Sons. Londres. 1907.Schniircr, Gustav. Church and Culture in thc Middle Ages.

 Traduzido por Gcorge J. Undreiner. Patcrson, NJ, St. Anthonv GuildPress. 1956.Schumpctcr. Joseph A.. Hislory of Economic Analysis, OxfordUniversity Press. New York. 1954.Scott, James Brown. The Spanish Origin of Inteniational Law.School of Forcign Service. Gcorgetown University, Washington.DC. 1928.Scott. Robert A., The Gothic Enterprise. Universitv of CalifórniaPress. Bcrkclcy. 2003.Stark. Rodncy. For thc Glory of God. Princcton Universitv Press.Princcton. 2003.Stucwer. Rogcr H.. "A Criticai Analvsis of Ncwtons Work on Diffrac-tion". Isis 61 (1970). págs. I88-2Ò5.

 Ticrncy. Brian, The Idea of Natural Righls: Sludies on Natural Righls. Naiural Law. and Church Law. II50-1625. William B.Eerdmans, Grand Rapids. Michigan. 2001 [1997],

  Ticrncy. Brian. "Thc Idea of Natural Rights: Origins andPersistente", cm Northwesteni University Journal of Inteniational Human Rights 2 (abr 2004). págs. 2-12.

BIBLIOGRAFIA 195

r

Page 196: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Udías. Agustín, Searcliing lhe Heavens and lhe Earilt: TheHisiory of Jesuit Observalories. Kluwcr Acadcmic Publishcrs.

Dordrecht, Ncthcr- lands. 2003.Udías. Agustín. and Slaudcr. William. "Jesuits in Scismolog>*". Jesuiis in Science Newsletter 13 (1997).Uhlhorn, Gerhard. Chrisiian Charity in lhe Ancieni Church,Charles Scribncrs Sons. New York. 1883.

Walsh, James J., The Popes and Science, Fordham UnivcrsitvPress, New York. 1911.Walsh. James J.. The World's Debi to lhe Caiolic Church, TheStnatford C.. Boston, 1924.Walner. Carl, "'Ali Mankind Is One": The Libcrtarian Tradilion in Six-teenth Centurv Spain". em Journal of Libertarian Sludies (8).verto 1987, págs. 293-309.West. Andrew Fleming. Alcuin and the Rise of lhe ChrisiianSchools. New York. Charles Seribners Sons. 1892.Whitc. Kevin. cd. Hispanic Philosophy in the Age of Discovery, Catholic University oí America Press. Washington. DC.1997.Whitc, Lynn. Jr. "Eilmcr of Malmesbury, an Elcvcnlh-CcnturyAviator. A Case Study of Tcchnological Innovation. Its Conlc.xl and

 Tradilion". Technology and Cullure 2 (1961). págs. 97-111.Whytc. Lancclot Law. cd.. Roger Joseph Boscovich. SJ. FRS,1711- -1787, Fordham University Press. New York. 1961.Wilson. Christophcr. The Cothic Calhedral: The Architeclure of the Great Church, II30-1530, Londres. Thames and Uudson,1990.Wolf. A.. A History of Science, Technology, and Philosophy in the !6th and I7ih Ceniuries. Gcorgc Allcn & Unwin. Londres.1938.

Wolff. Philippc. The Awakening of Europe. Penguin Books. New York. 1968.Woods. Thomas E.. Jr.. The Church and lhe Markel: A CatholicDefense of lhe Free Economy. Lcxington Books, Lanham,Maryland. 2005.Wright. Jonathan. The Jesuits: Missions. Myths and Histories.Harpcr- Collins. Londres. 2004.

ÍNDICE

I.A IGREJA INDISPENSÁVEL...................................................... 5

II.UMA LUZ NAS TREVAS......................................................... 12"Idade das trevas"............................................................ 12A conversão dos primeiros bárbaros................................. 14A Renascença Carolingia................................................... 17A lenta reconquista do conhecimento............................... 21

III COMO OS MONGES SALVARAM A CIVILIZAÇÃO 25Inicios do monaquismo..................................................... 25As artes práticas.................. ............................................ 28Os monges como consultores técnicos............................. 35

196  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 197: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Obras dc caridade............................................................. 38A palavra escrita............................................................... 39Centros dc cducaçáo.....................-.................................. 42

IV. A IGREJA E A UNIVERSIDADE............................................. 46Uma instituição única na história...................................... 46Cidade e toga................................................................... 48Vida acadêmica................................................................ 51A idade da Escolástica...................................................... 54Um "rio dc ciência"........................................................... 60

VA IGREJA EA CIÊNCIA............................................................ 63

Galileu............................................................................. 63Deus "dispôs todas as coisas com medida, quantidade

O problema do momento incrcial...................................... 78A Escola Catedral dc Chartres........................................... 81O sacerdote cientista........................................................ 89Conquistas cientificas dos jcsuüas.................................... 94As catcdrais como observatórios astronômicos................. 105

VI. A ARTE. A ARQUITETURA E A IGREJA.................................. 110O ódio às imagens: iconoclasmo............ ......................... 110A Catedral......................................................................... 113O Renascimento............................................................... 119Arte c ciência.................................................................... 124

VII. AS ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL........................ 127Uma voz no deserto.......................................................... 128Francisco de Vitória.......................................................... 131Igualdade segundo a lei natural........................................ 132Bartolomé dc las Casas..................................................... 136Direito internacional versus Estado moderno.................... 140

VIU. A IGREJA E A ECONOMIA.................................................. 145Os fundadores da ciência econômica............................... 145A teoria do valor subjetivo................................................ 150Católicos c protestantes.................................................... 155

IX.COMO A CARIDADE CATÓLICA MUDOU O MUNDO............... 159Uma atitude assombrosa.................................................. 159Os pobres c os doentes..................................................... 163Os primeiros hospitais c os cavaleiros dc Sâo Joio............. 166Assistência eficaz............................................................. 170

X.A IGREJA E O DIREITO OCIDENTAL....................................... 177A separação entre a Igreja c o Estado............................... 179A doutrina da cxpiaçâo..................................................... 184As origens dos direitos naturais........................................ 186

XI.A IGREJA E A MORAL NO OCIDENTE 191Moral católica c morais nâo-católicas................................ 191O duelo............................................................................. 194O tema da guerra justa..................................................... 195Castidadc e dignidade da mulher...................................... 199A vida virtuosa............................ ..................................... 201

CONCLUSÃO........................................................................... 204A "condescendência" divina.............................................. 204Um mundo sem Deus....................................................... 208

AGRADECIMENTOS................ ............................................... 212BIBLIOGRAFIA ...... .. 214ESTE LIVRO ACABOU DE SE IMPRIMIR A 8 DENOVEMBRO DE 2008. SOBRE PAPEI. OFFSF.T CHAMBRII. BOOK 7Sg.

NA PAU- LUS GRÁFICA. VIA RAPOSO TAVARES. KM 18.5. EM SAOPAULO. SP.

Page 198: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

198  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 199: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 200: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

200  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 201: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 202: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

202  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 203: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 204: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

204  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 205: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 206: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

206  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 207: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 208: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

208  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 209: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 210: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

210  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 211: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 212: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

212  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 213: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 214: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

214  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 215: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 216: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

216  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 217: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Page 218: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Thomas E. Woods, |r., recebeu o bacharelado pela Universidade de

Har- vard e o doutorado pela Universidade de Columbia, além de outros

títulos. lá publicou o besl-seller  The Polilicaly In- conecl Cuide Io

  American Hislory, bem como The Church Confronts Mo- dernity:

Catholic Inleltecluah and lhe Progressive Era e The Church and lhe

Market: A Catholic Deíense oi lhe Free Economy. É membro do Ludwig

von Mises Institute.(3) Christophcr Knight c Robcn Lomas. Sccond Messiah, Falr

Winds Press. Clouccstcr. Massachusctts. 2001. pág. 70.(2) Hcnri Danicl-Ropx. /\ Igreja dos lenif>t/s bárbaros, trad. dc

límírico da Gama, cm História da l^ieja de Cristo, vol. 2. Qiiadrnntc.Silo Paulo. 1991. pág 68

(3) Jiicctyn N. Hillgarth. «I.. Chrisltamtv and Paganism 350-750The Con- version of Western l-urope. Universiiv of PcnnsvlvaniaPress. Philaddphia. 1986. pág 69.

(11) Philippc Wolff. /Ite Awakttiing of Europt. pág. 77.(14)Philippc Wolff. The Aunkening of litimpe. págs. 153 c scgs.(15)Anürcw Fleming West. Alcuin and lhe Rise of lhe Chrisiian

Schotils. Charles Scribncrs Sons. New York. 1892, pág. 179.

16)«Christophcr Dawson. Religiou and lhe Rise of WesternCidlure. Imngc Books. New York. 1991 (19501. pág. 66.(18) Hcnri Danicl-Rops. A Igreja dos tempos bárbaros, pág. 548.(IV) Philippc Wolff. The Axvakening of Europe. pág. 183.(I) Philip Hughes. A flisiory of lhe Church. vol. I. ed. rcv . Shecd

and Ward. l-ondon. 1948. págs. 139-139. Foram prenunciadas,segundo alguns historiadores. pelas "virgens", mulheres que. desdeos primeiros tempos do cristianismo. renunciavam ao casamento eSC dedicavam ao cuidado dos pobres c doentes.

(8) Alcxandcr Clarcncc Flick. The Rise ol lhe Medieval Church.pág. 223.

(IJ) Ibid.. pág. 6(12) Charles Monialcmbcrt. The Monks of the West: Frvnt St.

Benedict to Sl. Beniurd. vol. 5. Nimmo. Londres. 1896. pág. 208.(14) Ibid.. pág. 8.(23) Stanley L. Jaki, "Medieval Creativity in Cience and

  Technology", cm Pailerns and Principies and Olltcr Essays. ByrnMawr. Pasadcna. Inlctvollcgiaic SuidicN Institutc, 1995. pág. 81: cfr.i.ynnWhite Jr.. "Eilmcr of Malmcshury. an Elcvcnth-Ccniurv Avialor: ACase Studv of Tcclmological Innovation. Ils Conle.xt and Tradition".Tcchnolw and Cidtune 2 (1961). págs. 97-111.

Séculos mais lardc, o pe. Francesco Lana-Tcrri - n5o um monge,mas um padre jesuíta - estudou dc um modo mais sistemático otema do vôo. ganhando a lu>nra de ser chamado o pai da aviaçáo.O seu livro Prodromo alia Am Maeslra. dc 1670, foi o primeiro adescrever a geometria e a física dc uma ac- tonàvc (JoscphMacDonncll. Jesttil Gtonuiers. St. Louis. Institutc of Jesuit Sourccs.1989. págs. 21-22).

218  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 219: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

(24)Jean Cimpel. The Medieval Machine. pág. 67.(25) Ibid.. pág. 68.(26) Ibid., pág I.(27)Réginald Gnígoiiv, Ldo Moulin c Ravmond Oursel. The

Mor Keahn, pág. 271.(28) ibid.. pág. 275.(29) David Derbvshirc, "Hcnry 'Stampcd Om Industrial

Rcvolulton". 7W«r- craph. 21.06.2002. cd. britânica; cír. também"Hcmv's Big Mistakc". Disctnvr. Icv 1999.

(3Q) Charles Montalcmbcrt. The Monks of lhe West, vol. 5. págs.89-90.(31) Ibid.. pág. 227.(32) Ibid.. págs. 227 28.(33)John B. OConnor. Monasticism and Civiliuulon. pág. 118.(34)Charles Monialembert. The Monks of lhe West. vol. 5. págs.151-2.(35)Lcighton D. Revnolds c Nigcl C. Wilson. Scribes andScholars. pág.

83.(36) Ibid.. págs. 81-82.(38)Ibid., pág. 146: Raymund Webster. "Pope Victor III". cm

Calholic Bi- cyclopedia.(40)John Henry Newman. Essays and Sketches, vol. 3. págs. 316-

17.Ao longo da história do monaquismo. encontramos abundantes

evidências da devoção dos monges pelos livros. Sáo BeneditoBiscop. por exemplo, que fundou o mosteiro dc Wearmouth. naInglaterra, chegou a viajar até os lugares mais remotos com opropósito dc encontrar volumes para a sua biblioteca monástica:embarcou cinco vezes com essa finalidade, c de cada vez trouxeuma carga considerável (Charles Monialembert. The Monks of lheWest. vol. 5. pág. 139). Lupo pediu a um amigo abade que lhepermitisse copiar A vida dos Czares. de Suclônio. c implorou a outroque lhe conseguisse /t conspiração de Catilina c a Guerra jugurtina,dc Salústio. além do Verrines. dc Cícero, c dc qualquer outro volume

que fosse de interesse. Pediu a outro amigo que lhe emprestasse aRetórica dc Cícero e solicitou ao papa uma cópia das Instilutio- nes,dc Ouintiliano. c de outros textos.

Gerbcrto linha igual entusiasmo pelos livros e oícrcccu-sc paraajudar outro abade a terminar algumas cópias incompletas dcCícero c do filósofo Dc- móstenes C a tentar localizar os manuscritosdo Verrines c do I)e Republica, dc

(42)John B. 0'Connor. Monasticism and Civilization. pág. 115.(43) Adolf von Hamack. c itado cm John B . 0'Connor.

Monasticism and Civilizai ion, pág. 90.(45) Ibid.. pág. 118.(48) Ibid.. págs. 317-9(1)Cír. Charlo Homer Haskins. The Rise of Urmvrsities. Comcll

Univcr- sity Press. Ilhaca. 1937 (1923). pág. I; id.. The Reitaissanct »llhe Twelflh Cen- tury. Mq-idian. Clcvcland, 1957 (1927). pág. 369;Lowrie J. Dalv. The Atediewl University. 1200-1400. Shecd and Ward.New York. 1961, págs. 213-4

(2) Lowrie J. Daly. The Medieval Universiiv. pág. 4.(8) Joscph H. Lynch, The Medie\-al Church. pág. 250

mítica c cm música. Boécio; cm geometria. Euclidcs, Alhaccn ou aPerspectiva dc Viiélio; cm astronomia. 17*ronca Planelartun (doistrimestres) ou o Alinapes- to dc Ptolomcu. Em filosofia natural:Física, ou Do Céu (trôs trimestres), ou Das Propriedades dosF.lementos. ou Meteoros, ou Dos Vegetais e Plantas, ou Da Mina. ouDos Animais ou algum do Dc Par\<a Natnralia; cm filosofia moral, aF.ltca ou a Política de Aristóteles (três trimestres), c em metafísica aMetafísica (dois trimestres, ou trts se o candidato ainda nâo tivesse"defendido" o caso" (Lowrie J. Dalv. The Medieval Uniwrsity. pág.132-3).

Page 220: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

A cerimônia pela qual se conferia o grau era muito variável; cadauniversidade tinha os seus usos. \a de Paris, revestia-se do caráter

dc uma cerimônia eclesiástica. O licenciando ajoelhava-se. na igrejade Sainte Gcncvicve. diante do vicc-chancclcr que lhe di/ia: "Eu.pela autoridade a mim conferida pelos Apóstolos Pedro c Paulo,confiro-te a licença para ensinar, ler (as lições magistrais], disputarc determinar [dar a soluçáo de questões discutidas], além deexercer outros atos cscolásticos c magisteriais. tanto na faculdadede artes de Paris como em todas as panes, cm nome do Pai e doFilho e do Espírito Santo. Amém" (ibid.. pág. 135).

(20) Ibid.. pág. 146.(22)Citado cm Edward Grant. God and Reason in lhe Middle

 Ages. págs. 60-61.(23)David C. Lindbcrg. The BeginninKS of Wesient Science.

Univcrxitv of Chicago Press. Chicago. 1992. pág. 196.(24)Sobre Abelardo como fiel filho da Igreja c nâo um

racionalista do século XVIII translocado para o XIII. veja se DavidKnowles. The ExtAntion of Medieval Thotight. págs l l l c segs.

(28) Ibid.. pág. 345.(29)David C. Lindberg. The Beginnings of Western Science, pág.363.31)'EdwardGrani. &*/ and Reason in lite Middle Ages. pág. 356.31)(32) Ibid.. pág. 364.(3) O pc. Cristóvão Clavius (1538-1612). um dos grandes

matemáticos do seu tempo, havia chefiado a comissão encarregadadc elaborar o calendário gregoriano. que entrou em vigor em 1582.eliminando as imprecisões que afetavam o antigo calendário juliano.Os seus cálculos cm relação .1 doraçáo do aii<> solar c ao númerodc dias necessários para manter o calendário ajustado «o ano solar -saliar noventa c sete dias a cada quatrocentos anos - foram dc lalprecisão que ate hoje «>s estudiosos náo sabem como conseguiurealizá-los (cfr. Joseph li. MacDonnell. Jesuit Geomelers. pág. 19).

trelas (nâo os planetas) deveriam aparecer cm posições diferentesao longo do ano. 1% medida que o nosso ponto de observaçãodelas mudasse com o deslocamento da Terra, c isso nâo acontece.Na realidade, até a época de Galileu nâo sc podia observarnenhuma mudança de paralaxe porque os instrumentos dc quese*dispunlia - ou o olho humano - nâo eram precisos o suficiente:além disso, a distância das estrelas fixas mais próximas é enorme,dc maneira que a paralaxe é extremamente pequena (N. do li.).

(11) James Brodrick. 77te Life and Work of tílessed Robert Francts Cardinal Bellannine. SJ. 1542 1621. vol. 2. Bums. Oatcsand Washboume. Londres. 1928. pág. 359.

(13)Cit. por Edvvard Grant. "Scicncc and Thcology in lhe MiddlcAges", cm David C. Lindbcrg c Ronald L. Numbcrs, cds.. Cod andSature: HistóricaI I -savs on lhe Encounter Belnren Chrisiianilv andScience. Univcrsilv oi Califórnia Press, Bcrkclcy. 1986. pág. 63.

(15)J.L. Heilbron. The Sun in lhe Church. pág. 203.(17)Para uma narrativa mais completa da vida de Galileu c uma

análise mais detalhada da condenação, pode-se ver Jorge PimcntelCintra, Galileu. 2". cd.. Ouadrantc. Sáo Paulo. 1995 (N. do E.).

(18) Ver Tbomas E. Woods Jr.. The Church and lhe Market: ACatholic De (eme of lhe Fret Econotnv. Lcxinglon Books. l-anham.Marvland. 2005. págs. 169-74.

(19) Stanley L. Jaki. Science and Creation: Front Eterna!Cyxtes to an Oscil- latina Univerte. Scottish Acadcmic Press.Edinburgh. 1986. pág. 150. O mesmo autor acrescenta: "O vínculoque há entre a racionalidade do Criador c a constância da naturezamerece ser notado porque 6 aí que sc encontram os começos daidéia dc que a natureza é autônoma c tem leis próprias" (ibid.). Cfr.também Sal 8. 4; 19. 3-7: 104. 9: 148. 3.6 c Jcr 5. 24; 31-35.

(22) Stanley I.. Jaki. "Medieval Creativitv in Science and

220  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 221: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

 Technology", em id. Pallems or Principies and Other llssass.Inteixollegiaie Studies Institule, Bryn Mawr. Pcnnsylvania. 1995. pág.80.

(23)Rodncv Suuk. For lhe Glorv of God. Princclon UnivcrsitvPress. Piin- ceion. 2003. pág. 125.

(28) Sianlcv L. Jaki. "Myopia about Islam. with an eveon Chesterbclloc". cm The Chesterton Revieiv 28. inverno dc 2002.pág. 500.

(29)Richard C. Dalcs. The lulellectual Ufe o/ Western Europe inlhe Mtddle Ages. pág. 264.

(30) Richard C. Dalcs. "The Dc-Animalion of lheHcavcns in lhe Mkldle Ages". Joamal of lhe Hisiory of Ideas 41(1980). pág. 535.

(31) Ciiado cm Paul Haffncr. Crealion and SciauificCrealivity. pág. 39; ver também pág. 42.

(32)A.C. Crombie. Medieval and Earfy Modem Science, vol. I.Doubledav. New York. 1959. pág. 58

(33)Paul Haffncr. Crealion and Scieniipc Creativiiv. pág. 40.(36)Sobre Buridan e o movimento inercial. ver Stanley L. Jaki.

"Science: Western or What?". cm id.. Paticnts or Principies and Ólher Essavs. págs. 16971.

(37)A C. Crombic. Mediex-al and Early Modem Science, vol 2.págs. 72-73. Sobre as diíeienças entre o "impulso" dc Buridan e asidéias modernas de inércia, ver Hcrbcrt Buttcrficld. The Origins of Modem Science, pág. 25.

(38) Stanley L Jaki. "Science: Wcstem or What?",Pattems or Principies and Olher Essays. págs. I70-7I.

(39) Ibid . pág. I7I.(42) Ibid.. pág. 79.(43)A.C. Crombic. Medieval and liariy Modem Science, vol. 2.pág. 73.(44)E. J. Dijksterhuis, The Mechanizaiion of lhe World Picture.

trad. C. Dikshoorn. Oxford University Press. Londres. 1961. pág.106.

(48)Cit. cm Thomas Goldstcin. Dawn of Modem Science, pílg. 8852)* Ibid., pág. 201.(53)Stanley L. Jaki. Science and Creation. págs. 220-21.(61)Ibid.(62) Richard C. Dalcs. "A Twelflh Ccnturv Concept of 

thc Natural Ordcr". cm Viator 9 (1978), pág. 79.(63) Ibid.. 191.(66)James J. Walsh. 7lie Popes and Science, págs. 292-293.(68)James J. Walsh. 77te Popes and Science, pág. 297.(69) Richard C. Dales. The De-Animatton of thc Hcavcns in lhe

Middlc Ages", pág. 540.(73) Ibid.. págs. 113-14.(78)Joscph E. MacDonndl. Jesuil Geometers. pág. 71.(79)Os jesuítas foram suprimidos cm 1773 c restabelecidos

mais tarde, cm 1814.(80)Aguslín Udias, Searching lhe Heavens and lhe hMHlt The

Hislory of Je~ suil Obsen-aiories. Kluwcr Acadcmic Publishcrs.Dordrecht. Nelherlands. 2003. pág- 53.

(82) Ibid.. pág. 125.(83)J.L. Heilbron. Electricily in dtc 17th and ISili Cem unes. pág.88.(84) Ibid.(85) Ibid.. págs. 88-89(87)J.L. Heilbron, Ekctriclry in lhe I7ih and ISth Cemunes. pág».

87-88(88)Bruce S. Eastwood. "Grimaldi. Franccsco Maria", cm DSB.pág 542.(89)Sobre a relação entre os trabalhos dc Grimaldi e Newton, ver

Roger H. Stucwcr. "A Criticai Analysis of Newtons Work on

Page 222: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

DilTraction". Isis 61 (1970). págs. 188-205.(99) Ibid.. págs. 103-104.

(100) Joseph E. MacDonncll, Jesuit Ceomcters. págs.10- II.(103) Para este c outros testemunhos, ver ibid.. pág. 121.(105)Elisa beth Hlll, "Rogcr Boscovich: A Biographical Essav". em

Lance- lot Whytc. ed.. Roger Joseph Boscovich. págs. 41-42.(108) Joseph K. MacDonncll. Jesuit Geometers. pág.12.(110) Agustín Udías e William Staudcr. "Jcsuit* in

Scismology". Jtsuits in Science Newsletler 13 (1997); Benjamin E.Howcll Jr.. An htlroduciion Io Seis- mological Research: Hislory andfJevelopment. Cambridgc Univcrsity Press, Cambridgc. 1990. pág.31-32. Para mais informações sobre os trabalhos dos jesuítas cmsismologia na América do Norte, ver Agustín Udías. Scarching lheHeavens and lhe Earth. págs. 103-24.

(111) Agustín Udías c William Staudcr. "Jcsuits inScismology". Jesuits in Science Newleller 13 (1997).

(113) Para uma expl icação detalhada e i lustrada dométodo de Cassini. ver J.L. Heilbron. The Sim in lhe Church, cap. 3.especialmente págs. 102-12.

(5)"Ortodoxia" nào designa aqui as Igrejas Ortodoxas, pois ogrande cisma que dividiu católicos e ortodoxos só se deu doisséculos mais tarde, em 1054. mas a "rela doutrina".

(8) Robcn A. Scott. The Cothic Enterprise, pág. 125.(9)John W. Baldwin. The Scholaslic Culllire of lhe Middle Ages.

1000-1300. pág. 107.(11)Chrisiophcr Wilson, Thc Gothic Cathedral: Thc Architccture

of thc Grcat Church. 1130 1530. Londrcs. Thamcs and Hudson.1990. págs. 65 66.

(12) Ibid.. págs. 275-76.13).John W. Baldwin. The Scholastic Culture of thc Middle Ages.1000- ■1300. 10708.(17)O livro cm questão é o de Robcrt A. Scott. The CothicEnterprise.(ISMIc.xandcr Clarcncc Flick. The Rise ofthe Mediae\al Church.pág. 600.(22)Louis GiUct. "Raphacl". cm Calholic Eneydopedia.(23)Klcmcns LOfllcr. "Pope Lco X". em Calholic EnciclopcJw.(25)Frcd S. Klcincr. Christin J. Mamyia c Richard G. Tanscy.

Gardners An Through lhe Ages. 11* cd.. vol. I. Wadsworth. New York.2001. págs. 526-7.

(27) Ibid. pág. 4.(3) Carl Watncr. "Ali Mankind ls Onc': Thc Libcrtarían Tradiüon

in Si* tccnlh Cenlurv Spain". cm Journal of Libertaria» Studics (8).verto 1987. págs. 295-96.

(8) Clr. Marcelo Sánchcz-Sorondo. "Vitoria: Thc OriginalPhilosophcr of Rights". pág. 60.

(9) Vcnancio Carro. "The Spanish Thcological-JuridicalRcnaissancc and lhe Thcology oí Bartolomé de Ias Casas", cm JuanFriedc c Benjamin Kecn. cds., Bartolonià dc Ias Casas in History:Toward an Understanding o/ llic Man and His Work. Northern IllinoisUnivcrsitv Press. DcKalb, Illinois. 1971, págs. 251-2.

(11)Ibid.(12)José A. Fcrnándc/ Santamaria. The Slale. War and Peace.pág. 79.(18)Bemicc Hamilton. Political Thotiglu in Sixieenth-Century 

Spain. pág.19.(23) «Brian Ticmev. Thc Ide» of Natural Miglits: Studies on

Natural RightS. Natural Imw. and Church l/iw. 1150-1625. William B.Ecrdmans. Grand Ra- pids. Michigan. 2001 119971. págs. 269-70.

222  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 223: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

(25) Ibid.. 87.(30) Ibid., págs. 92-93.(31)Eduardo Andújar, "Bartolomé dc Las Casas and Juan Ginés

dc Sepúlvcda", pág. 84.(32)Venancio Carro. "The Spanish Theological-Juridical

Rcnaissancc and lhe Thcology of Bartolomé dc las Casas", pág. 275.(33)Cit. cm Carl Warner, "Ali Mankind Is One", págs. 303-4.(34) Lcwis Hankc. Barlolomi dc IMS Casas: An

Inierprelaiion of His Ufc and Writings. Martinus Nijhoff, Thc Haguc.1951. pág. 87.

(35)Gfr. Carlos C. Norcfta. "Francisco Suárcz on Democracy and

International Law". cm Kcvin Whitc. ed.. Hispanic Philosophv in lhe Age of Discoverv, pág. 271.(37) Samuel Eliot Morison. The Oxford History of lhe American

People. vol. I: Prehistory 10 1789. Mcridian. New York. 1994 [1965).pág. 40.

(38)Citado cm Robcrt C. Roval. Coiumbus O» Trial: 1492 v.1992. 2* cd.. Young Américas Foundation. Hcrndon. Virgínia. 1993.págs. 23-4.

(3) M urras- N. Rothbard. /t» Ausirian Perspective on thc Hislory of Econo- mic Thought, vol. I. págs. 73-74. Ludwig von Miscs. ogrande economista do século XX. demonstrou que o dinheiro nasceudesse modo.

(8)Alcjandro A. Chafucn, Failh and Uberty. pág. 62.(11) lb'id.. págs. 60-1.(13) Cit. por Murray N. Rothbard. "New Lighl on the Prchistory of 

the Austrían School*. cm Edwin G. Dolan. cd.. The Foundatlons of Modem Áustria» Economics. Shccd & Waid. Kansas City. 1976. pág55.

(16)"Entende-se melhor Carl Menger no contexto do nco-escolasticismo aristotéliCo" (Samuel Bo&taph. "Thc Methodenstreit".cm Pcter J. Bocitkc. ed., The Elgar Companion to Austrian Fconoinics,Edward Elgar. Chcltcnhnm. UK. 1994, pág. 460.

(18)Deixemos de lado algumas das dificuldades imediatas dessateoria, por exemplo a sua incapacidade de explicar por que as obrasde um artista sobem dc preço após a sua morte; certamente, não

houve nenhum trabalho adicional que justificasse esse aumento depreço. A teoria do trabalho é inútil para explicar este fenômeno tàocomum.

(19)Par.» uma rcfutaç&o direta de Marx. veja-se o esquecidoclássico de Eugcn von BOhm-Bawcrk. Kart Marx and lhe Closc of His System. TF Unxvin, Londres. 1898). Pode-se encontrar emGeorge Reisman (Capitalism. Jamcson Books. Ottawa. Illinois.1996) uma réplica ainda mais fone e essencial acerca do erro deMarx cm nAo levar em conta a teoria do valor subjetivo. As restan-tes obras indicadas nestas Notas, podem-se ver argumentossuplementares que mostram por que as idéias dc Marx sobre acxploraç.V» do trabalho eram essencialmente infundadas

(21) Locke é freqüentemente mal interpretado neste ponto, poisnâo é verdade que acreditasse na teoria do valor-trabalho. Os seusensinamentos sobre o trabalho tinham a ver. nâo tanto com a teoriado valor-trabalho. mas com a justiça da aquisição inicial cm ummundo cm que os bens ainda nâo tivessem proprietários. I.ockcafirmava que. cm um estado natural, cm que pouquíssimos benssâo propriedade privada dos indivíduos, é licito que alguém reclamecomo próprio um bem ou um pedaço de tciTa ao qual tenhaaplicado o seu trabalho - por exemplo, desmaiando um campo ousimplesmente colhendo uma maçã de uma árvore. O trabalhoexercido sobre um bem proporciona ao indivíduo um direito moralsobre esse bem. Depois que um bem sc tornou propriedade privada,deixa de ser necessário que a pessoa continue a aplicar-lhe trabalhopaia reté-lo c designá-lo como próprio. Os bens dc propriedade

privada sâo legitimamente propriedade dos seus donos, quertenham sido adquiridos diretamente do "estado dc natureza",conforme vimos, quer tenham sido adquiridos por compra ou pordoação de quem possuía legitimamente o título dc .propriedade.

Page 224: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

Isto nada tem a ver com atribuir um valor aos bens com base notrabalho empregado.

(22)Emil Kauder. A History of Marginal Uttlity Tlteory. págs. 5-6.(23) Ibid.. 9. Os grifos sáo nossos.(24)A Escolástica veio a ser desprezada tanto pelos protestantes

como pelos racionalistas. c é por isso que as referências explicitas àsobras dos últimos escolásticos por parte de alguns dos seussucessores foram fugazes. Náo obstante. os historiadores do

pensamento podem reconstruir a influência desses l>cnsadorcs.sobretudo porque foram os próprios inimigos da Escolástica quecitaram expressamente as suas obras. Veja-se Murray N. Rothhard."New Light on thc Prchistorv of thc Austrian School". págs. 65-7.

(25)Estou cm grande divida com Murray N. Rothbard. "NewLight on lhe Prchistorv of thc Austrian School". a propósito dasminhas considerações sobre a influência posterior dos últimosescolásticos.

(28)Veja-se Murrav N. Rothbard. "New Light on the Prchistorv of the Austrian Sch«x>r. pág. 67.

<8) John A.Rvan. "Charity and Charitics". em CatholicEncyclopcdia: Charles Guillaumc Adolphc Schmidt. The SocialRcsuhs of Earlv Christianitv. Sir Isaac Pitman & Sons. Londres. 1907.pág. 251.

(11)William E.H. Lccky. History of European Morais frotn Augustus to Charlemagne. vol. I. pág. 87; Cajctan Baluffi. TheCharity of lhe Church. págs. 14-5; Charles C.A. Schmidt. The SocialResults of Early Christianity. pág. 328.

(12)Gcrhard Uhlhorn. Christian Charitv in lhe Ancicnt Church, págs. 187 8.

(18) John A. Ryan. "Charitv and Charitics". cm CatholicEncyclopcdia; Gucntcr B. Risse, Mending Bodies. Saving Souts.: AHislory of Hospitais. Oxford University Press. New York. 1999. págs.79 c scgs.

(28) Ibid.. pág. 149.29).VinccntCarroll c David Shiflctl. Christianity on Trial. pág. 143.(30)Cajcian Baluffi. The Charity of the Church. pág. 16.(32)Citado cm John A. Rvan. "Charity and Charitics". cm CaiholicEncy-(33)Cajclan Baluffi. Thc Charity of lhe Church. p4g. 257.(34)Cil. cm Ncil S. Rushton. "Monastic Charitablc Provision in

 Tudor England: Ouantiíying and Oualifving Poor Rclicf in lhe EarlySixtccnth Ccn- lury". Conlinuity and Change 16 (2001). pág. 34. Atradução deste trecho dc petição foi adaptada pelo autor ao inglêsmoderno.

(35) William Coblxrtl. A Historv of the ProtestamReformation m lingland and Ireland. TAN. Rockford. Illinois. 1988[18961. pág. 112

(36)Philip Hughes. A Popular Historv of lhe Refonnation. Hanovcrllousc. Gardcn City. New York. 1957. pág. 205.

(37)Hcnri Danicl-Rops. A Igreja da Renascença e da Reforma: l. A reforma protestante. trad. Emérico da Cama. em História da Igrejade Cristo, vol 4. Ouadrantc. Sâo Paulo. 1996. pág. 454.

(38)Ncil S. Rushton. "Monastic Charitablc Provision in TudorEngland". pág. 10.

(39) Ibid.. pág. II.(42) William E.H. Lccky. Hislory- of Europcan Morais

from Augustas to Charlcmagnc. vol. 1. pág 89.(43)Barbara Harvcy. Uving and Dying in F.nuland. pág. 18.

(8) Harold J. Berman. "Thc Influcncc of Christianiiv upon lheDcvclop- ment of Law". pág. 93.(12) Uma condensação pode ser encontrada cm Harold

 J. Bcrman. Law and Re\ohition, págs. 177 c scgs.(13) Essa linha dc pensamento, embora nos seja familiar,

224  THOMAS F.. WOODS JR.

Page 225: Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental

5/10/2018 Thomas E. Woods Jr._Como A Igreja Cat lica Construiu a Civiliza o Ocidenta...

http://slidepdf.com/reader/full/thomas-e-woods-jrcomo-a-igreja-catolica-construiu-a-civilizacao-ociden

contém o perigo potencial dc que o direito penal, na sua ânsia dereparar a justiça cm abstrato por meio dc uma punição retributiva,degenere atií o ponto dc olhar apenas para o castigo, abandonandoqualquer propósito dc restituição, de um tipo ou de outio. É por issoque. hoje cm dia, nos encontramos com a perversa situação dc queum criminoso violento, em vez dc ao menos tentar indenizar dc al-gum modo a sua vítima ou os seus herdeiros, á ele própriosustentado pelos impostos pagos pela vítima e seus familiares.Portanto, a insistência em que o criminoso ofendeu a justiça em simesma c. por isso. mcrccc punição, deve estar completamentesubordinada ao senso anterior dc que o criminoso ofendeu a suavitima, e que deve indenizar qualquer pessoa que tenhaprejudicado.

(17)Brian Ticrncy. Tia- Idca oí Natural Rights: Origins andPcrsistcncc". pág. 6. Crjfos nossos.

(2)Vinccnt Carroll c Davkl Shiílcu. Christianity on Trial. pág. 7.(3)Santo Agostinho. A Cidade de Deus. 1. 22.(5)Sunnna ihcologiae, 1I-II. q. 64. art.5.(8) Lcâo XIII. Pastoralis OfTtcii. 1891. págs. 2-4.(9) Erncst L. Fortin. "Christianitv and thc Just VVar Thcorv". cm J.

Brian Bcncsiad, cd.. Emesi Fortin: Cofíected Essays. vol. 3: HumanRighls. Vintie. and lhe Common Good: Untimely Mediialions onReligion and Folitics. Rowan&Lil- llcficld. Lahham. Maryland, 1996.págs 285-6

(12)Thomas A. Massam e Thomas A. Shannon. CalholicPerspectives on Peace and War . Rowan&LiuIcficId. Lanham.Maryland, 2003. pág. 17.

(13) Ibid.. pág. 18.(14)Veja-se Roland H. Bainton. Chrislian Altitudes Toward War 

and Peace. Abingdon Press. New Yoric. 1960. págs. 123-26.(15) Ibid.. pág. 126.(16)Alvin J. Schmidt, Under lhe Influence. págs. 80-2.(3) Kicrkcgaard cia protestante, mas descreve aqui,

evidentemente, um aspecto da cncarnaçâo dc Cristo que 6 

compartilhado pelos católicos. Além disso. mantinha cm geral umaatitude crítica cm relação a Lutcro c deplorava a supressão datradição monástica. Veja-se Alice von Hildcbrand. "Kicrkcgaard: A

Critic oí Luthcr". The Laiin Mass (prim. 2004), págs. 10-4(6) David C. Lindberg. The Beginnings of Wesient Science, pág.213.