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AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL PÓS-TRAUMÁTICO POR ACIDENTES DE VIAÇÃO E DE TRABALHO EM ANGOLA MESTRADO EM CIÊNCIAS FORENSES UNIVERSIDADE DO PORTO GUIDO SOZINHO TERESA JOÃO PORTO 2011 ORIENTADORA: PROF. DOUTORA TERESA MAGALHÃES

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    avaliao do dano corporal ps-traumticopor acidentes de viao e de trabalho em angola

    mestrado em cincias forenses

    universidade do porto

    guido sozinho teresa joo

    porto 2011

    orientadora: prof. doutora teresa magalhes

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo,

    A Deus Pai todo-poderoso.

    Professora Doutora Teresa Magalhes, pela sbia forma e disponibilidade que sempre teve na orientao deste trabalho.Ao Professor Doutor Agostinho Santos, pelos seus importantes conselhos. Dr. Paula Ferro, ao Dr. Lus Coelho e Tussamba Laurinda Teresa Joo, pelo apoio que me deram na concretizao do trabalho.

    Ao Professor Daniel Miezi Teresa Joo, pelo apoio moral e material, ao Dr. Manuel Gonalves (PCA) da ENSA, aos Drs. Freitas, Santos, Neto, Chikato e Fernandes, tambm da ENSA, pelo acolhimento dado durante o meu trabalho de campo para recolha de dados.Ao Professor Ado Manuel Sebastio, chefe do Departamento Nacional de Medicina Legal da Direo Nacional de Investigao Criminal de Angola, pela estratgia na organizao e orientao do futuro sistema mdico-legal e de cincias forenses em Angola.Aos Excelentssimos Comissrios do Ministrio do Interior e do Comando Geral Polcia Nacional de Angola, pelo empenho na formao de quadros no ramo da medicina legal e outras cincias forenses em Angola.

    minha esposa Beatriz Joo, Aos meus filhos, Joo, Natlia e Jnior,

    Aos meus pais Joo Mengaaco e Teresa Laurinda Pedro Camba, pela educao e ateno que sempre

    prestaram na minha vida.

    Em memria do tio Adriano Pedro Camba (Mbemo).

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    RESUMO

    Em Angola no existe uma norma oficial para a avaliao mdico-legal do dano corporal

    ps-traumtico, pensada para cada mbito do Direito em que a mesma tenha lugar. A entidade que superintende a avaliao deste dano, tendo em vista a sua indemnizao, a Comisso Nacional de Avaliao das Incapacidades Laborais, mas a maior parte dos exames periciais por acidentes de viao ou de trabalho so realizados pelas diversas empresas seguradoras. As percias tambm podem ser efetuadas nos servios do Departamento Nacional de Medicina Legal da Direo Nacional de Investigao Criminal de Angola, o qual se encontra, no entanto, direcionado para os exames periciais no mbito do Direito Penal. A figura do perito mdico privado no existe. Por outro lado, nem todas as vtimas

    so reparadas pelos danos sofridos na sequncia do acidente, visto que para ser reparado preciso haver um seguro, o qual obrigatrio apenas desde 2010, sendo que na maior parte dos casos este no existe.Assim, o presente estudo tem como principal objetivo analisar e interpretar, do ponto de vista mdico-legal e forense, as disposies orientadoras da avaliao do dano corporal em vtimas de acidentes de viao e de trabalho em Angola, bem como a situao atual dessas avaliaes periciais, tendo em vista contribuir para a promoo de uma metodologia de avaliao que, adequando-se ao sistema legal vigente, permita servir de instrumento para melhor harmonizar a avaliao e reparao do dano corporal naquele pas. Para o efeito, foi tido como modelo o regime de avaliao destes danos seguido em Portugal pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P. Foi efetuado um estudo observacional, com componente analtico, que consistiu numa anlise de 301 relatrios mdicos, elaborados no ano de 2010, no servio de sade da Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA), no mbito da avaliao do dano corporal ps-traumtico por acidentes de viao (n=104) e de trabalho (n=197), relativamente aos quais foram atribudas as respetivas indemnizaes. Foi utilizada uma ficha de colheita de dados, a qual rene dados relativos vtima, tipo de acidente,

    leses sofridos e suas sequelas, bem como aos parmetros de dano corporal avaliados. Do estudo resultou que os relatrios periciais alvo de anlise, e independentemente de serem elaborados por motivo de acidente de viao ou de trabalho: (1) no descrevem os antecedentes patolgicos e traumticos das vtimas; (2) descrevem o mecanismo do traumatismo/acidente, sem contudo o pormenorizar; (3) em 3% dos casos no fazem referncia s leses resultantes nem localizao dessas leses; (4) em 93% dos casos no descrevem as sequelas a nvel do corpo; (5) em quase 100% no descrevem as sequelas funcionais nem situacionais; (6) nunca feita referncia ao

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    nexo causalidade entre o traumatismo e o dano; (7) em 66% dos casos no fazem referncia data de consolidao mdico-legal das leses; (8) em 54% dos casos no fazem referncia aos parmetros de dano temporrio; (9) em 99% dos casos no fazem referncia aos parmetros de dano permanente. Neste sentido, necessria uma reflexo profunda sobre a problemtica da valorao do dano

    corporal ps-traumtico por acidentes de viao e de trabalho em Angola, necessitando de se definir

    e harmonizar uma metodologia, a qual ser fundamental para garantir a equidade da avaliao e, consequentemente, a justia da reparao.

    Palavras-chave Dano corporal; Acidente de viao; Acidente de Trabalho; Avaliao mdico-legal; Direito Civil; Direito do Trabalho; Indemnizao

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    ABSTRACT

    In Angola there isnt an official norm for forensic evaluation of post-traumatic bodily harm,

    indicated for each scope of the Law in which it takes place.The entity that supervises the evaluation of this harm, in order to enable its compensation sums, is

    the National Commission of Evaluation of Work Disabilities, but most examinations of traffic or work related accidents are made by the insurance companies. These examinations can also be made by

    the Department of Legal Medicine of the Angolan National Board of Criminal Investigation, which is mainly focused on examinations for Penal Law. The private forensic doctor professional doesnt exist. On the other hand, not all victims are compensated by the harm caused by the accident, considering that,

    to be compensated, they would need an insurance, which is only mandatory since 2010, thus, in most

    cases, it does not exist. Therefore, the aim of this study is to analyze and interpret, from the medico-legal and forensic point

    of view, the procedures of the evaluation of bodily harm on traffic or work victims in Angola, as

    well as the current situation of those evaluations, focusing on a contribution for the promotion of a methodology of evaluation that if suitable to the legal system, may serve as an instrument to improve

    the evaluation and restore of bodily harm in that country. For this, it was used as a model the

    evaluation regime of these damages followed in Portugal, by the National Institute of Legal Medicine.An observation study was carried out, with an analytical component, that consisted in an analysis

    of 301 medical reports, elaborated in the year 2010, on the health department of the National Insurance Company of Angola, concerning the evaluation of post-traumatic bodily harm in traffic accidents (n=104) and work (n=197), and the corresponding compensation sums. It was used a form for the collection data, with information concerning the victim, type of accident, injuries and sequels,

    as well as the evaluated bodily harm parameters.

    From this study we can determine that the evaluation reports analyzed, regardless of being the result

    of traffic or work: (1) do not describe the pathological and traumatic background of the victim; (2)

    describe the trauma/accident but with no details; (3) in 3% of the cases do no refer to injuries that resulted from the accident nor to the location of those injuries; (5) in almost 100% do not describe functional nor situational sequels; (6) the causality between trauma and damage is never mentioned;

    (7) in 66% of the cases do not mention the date of the medico-legal consolidation of the injuries;

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    (8) in 54% of the cases do not mention the temporary bodily harm parameters; (9) in 99% of the

    cases do not mention the permanent bodily harm parameters. Accordingly, a profound reflection is

    necessary about the problem concerning de value of post-traumatic bodily harm caused by traffic

    or work accidents in Angola, and it is necessary to outline and regulate a methodology, that will be

    fundamental to ensure the equity of the evaluation and, consequently, the justice of the compensation.

    Key-wordsBodily harm; Traffic accident; Forensic evaluation; Civil law; Labour Law; Compensation.

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    NDICE

    Palavras prvias

    IntroduoA sinistralidade rodoviria e laboralO regime jurdico dos acidentes de viao e de trabalho em AngolaA avaliao do dano corporal em Angola

    Objetivos

    Material e MtodosMaterialMtodos

    ResultadosCaraterizao demogrfica das vtimas

    Caraterizao do acidenteCaraterizao das leses e sequelasCaraterizao dos parmetros de dano atribudos

    DiscussoVtimas, acidentes, leses e sequelasParmetros de dano corporalModelo de relatrio pericialPerspetivas futuras

    Concluses

    Referncias bibliogrficas

    Anexos

    8

    9101216

    19

    212223

    2425272830

    3133364144

    46

    48

    51

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    PALAVRAS PRVIAS

    Em Angola no existe uma metodologia de avaliao e reparao do dano corporal ps-traumtico oficial, nem

    harmonizada, ao nvel das diferentes entidades que desenvolvem este tipo de atividade.Num primeiro momento, as vtimas de acidentes de trabalho e de viao podem ser avaliadas no Departamento de Medicina Legal da Direo Nacional de Investigao Criminal da Policia Nacional, por envolverem frequentemente um crime ou litgio entre as pessoas em causa. Mas, para efeitos de indemnizao, os danos so avaliados pela Comisso Nacional de Avaliao de Incapacidades Laborais. No entanto, nas empresas seguradoras (nomeadamente a Empresa Nacional de Seguros de Angola, a Angola Agora e Amanh, a Nossa Seguros, a Global Seguros, a Mundial Seguros, a Angola Seguros e a Garantia Seguros), que a maior parte dos casos so avaliados. Acresce que nem todas as vtimas so reparadas pelos danos sofridos no acidente, pois que para se ser reparado tem de haver um seguro obrigatrio, o qual na maior parte dos casos no existe.Verifica-se, assim, uma grande discrepncia de opinies e prticas entre os diversos peritos quanto aos critrios de

    avaliao e reparao do dano corporal ps-traumtico, levando a que sejam produzidas diversas interpretaes sobre

    a forma de avaliar as vtimas de acidente de viao e de trabalho, urgindo, por isso, definir e harmonizar critrios de

    avaliao, para que a justia prevalea e, deste modo, todas as vtimas sejam avaliadas e reparadas da mesma forma.Neste sentido, este trabalho pretende constituir-se como uma reflexo sobre a problemtica da valorao do Dano

    Corporal Ps-traumtico por Acidentes de Viao e de Trabalho em Angola, na vertente mdico-legal, reflexo esta

    que poder servir de pano de fundo para alicerar novas prticas neste domnio e para incentivar uma investigao cientfica mais profunda nesta matria, desejando-se, ainda, que possa servir como fonte de ensino/aprendizagem da

    medicina legal em Angola, no mbito da avaliao do dano corporal ps-traumtico.

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    INTRODUO

    a sinistralidade rodoviria e laboral

    o regime jurdico dos acidentes de viao e de trabalho em angola

    a avaliao do dano corporal em angola

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    A SINISTRALIDADE RODOVIRIA E LABORAL

    De acordo com a Organizao Mundial de Sade (OMS), em 2008 a sinistralidade rodoviria foi considerada como uma das principais causas de morte nos jovens entre os 10 e os 24 anos de idade na populao mundial (BAIO F, 2010). Diariamente, morrem cerca de 3200 pessoas por acidentes rodovirios, o que perfaz um total de 1.2 milhes de vtimas por ano (BAIO F, 2010). Estes nmeros

    so especialmente graves nos pases subdesenvolvidos, os quais apresentam grandes carncias, no s ao nvel das redes de transporte, como tambm ao nvel de apoio hospitalar e socorro s vtimas.Estima-se que um pas perde anualmente cerca de 1 a 3% do seu produto interno bruto (PIB) com os acidentes rodovirios e suas consequncias, quer ao nvel da perda de capacidade produtiva, quer ao nvel dos danos materiais. Este custo tem especial expresso nos pases subdesenvolvidos, uma vez que nesses pases esse valor equivale quase ao dobro dos fundos que lhes so atribudos para o desenvolvimento da sua economia (BAIO F, 2010). Perante estes factos, e apesar do elevado investimento dedicado preveno dos acidentes de viao em todo mundo, verifica-se que h ainda

    um longo caminho a percorrer para a reduo do nmero de vtimas destes acidentes (BAIO F, 2010).

    Em Angola, os nveis de sinistralidade rodoviria no perodo compreendido entre 1 de janeiro a 24 de dezembro de 2009, registaram 12.478 acidentes, de que resultaram em 2.539 mortos e 11.396 feridos (ANGOP, 2011). Excesso de velocidade, conduo sob o efeito de lcool, desconhecimentodo Cdigo da Estrada e conduo ilegal, figuram como as principais causas da sinistralidade

    rodoviria em todo o pas (ANGOP, 2011).Este nmero de acidentes de viao, que se tem revelado crescente, constitui uma das principais

    causas de politraumatismos, o que justifica a existncia de centros de traumatologia com equipas

    especializadas, conseguindo-se desta forma, em alguns pases, diminuir a sua mortalidade. A avaliao inicial e ressuscitao representam um desafio mesmo para profissionais experientes, e o

    risco de haver leses no diagnosticadas permanece alto, sobretudo em doentes que frequentemente esto etilizados ou apresentam alteraes do estado de conscincia por leses crnio-enceflicas (MAGALHES T e col, 1996).

    Relativamente sinistralidade no trabalho, segundo a Organizao Internacional do Trabalho (OIT), todos os anos morrem no mundo mais de 1.1 milho de pessoas, vtimas de acidentes ou de doenas relacionadas com o trabalho (OIT, 2010).

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    Em Angola, dados da Inspeo Geral do Trabalho, do Ministrio da Administrao Pblica Emprego e Segurana Social, em 2008, referem 285 casos de acidente de trabalho, dos quais 95 com leses leves e 177 graves, sendo 13 fatais; traduziram-se em 84.642 dias perdidos e em indemnizaes na ordem dos 364.406 kuanzas (2.250 euros) (ANGOP, 2011). Em 2009, registaram-se 892 casos, sendo que 309 ocorreram no setor de construo civil, 246 no setor da indstria, 145 nos transportes, 70 nas minas

    e um nmero mnimo nas restantes profisses; a indemnizao foi da ordem de 140.209 kuanzas (850 euros) (ANGOP, 2011). Estes nmeros esto muito subvalorizados pois, num pas com mais

    de 14 milhes de habitantes e com um to grande risco de sinistros, compreende-se que estes sero, necessariamente, muito superiores. O que acontece, que a maior parte deles no so participados, por se assumir que a responsabilidade da vtima, a qual no tem, geralmente, seguro para o efeito. Certo que a tendncia dos acidentes de trabalho em Angola para aumentar, pelo que necessrio tomar as medidas teis que sejam adaptadas s condies da organizao das empresas ou

    centros de trabalho, para que este seja realizado em ambiente e condies que permitam o normal desenvolvimento fsico, mental e social dos trabalhadores, e que os protejam contra os acidentes de trabalho. A realizao sistemtica de aes de vigilncia, nos ambientes e processos de trabalho, compreende o levantamento e anlise de informao, a inspeo sanitria nos locais de trabalho, a identificao e avaliao das situaes de risco, a elaborao de relatrios, a aplicao de

    procedimentos administrativos e a investigao epidemiolgica. Compreende, ainda, a instituio e a manuteno de cadastro atualizado das empresas classificadas nas atividades econmicas, com a

    indicao dos fatores de risco para o contingente populacional, direta ou indiretamente a eles expostos (MINISTRIO DA SADE, 2010).

    Todas estas formas de sinistralidade constituem tambm matria mdico-legal, dado que implicam, deste ponto de vista, um prejuzo fsico e/ou psquico, bem como uma responsabilidade que pode ser civil, laboral e/ou penal. Assim, estes acidentes so motivo cada vez mais frequente de percias mdicas do foro penal, civil e/ou laboral. Importa, por isso, estudar esta problemtica na perspetiva da avaliao mdico-legal do dano corporal ps-traumtico, no sentido de melhor compreender e acompanhar a sua evoluo, para que os exames possam ser feitos de forma consentnea com a realidade, podendo, de alguma maneira, contribuir tambm para a preveno deste tipo de sinistralidade (MAGALHES T, e col, 1998).

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    O REGIME JURDICO DOS ACIDENTES DE VIAO E DE TRABALHO EM ANGOLA

    Aborda-se, seguidamente, e de forma muito sumria, a questo do regime jurdico dos acidentes de viao e de trabalho em Angola, de modo a servir de pano de fundo para a compreenso sobre a metodologia de avaliao mdico-legal dos danos corporais resultantes destes acidentes, a qual se investiga neste trabalho.

    O regime jurdico dos acidentes de viao regulado pelo Decreto-Lei 5/2008, de 15 de agosto, do Conselho de Ministros, no qual tambm se enquadra o Cdigo da Estrada. A aprovao do referido Cdigo,ferramenta essencial de uma poltica de segurana rodoviria, visa fundamentalmente a atualizaodas regras jurdicas aplicveis ao trnsito nas vias pblicas, bem como a respetiva adequao e

    harmonizao com as melhores normas internacionais, em particular o protocolo da Comunidade de Desenvolvimento da frica Austral (SADC).As alteraes introduzidas situam-se num contexto de preocupao quanto necessria reduo da sinistralidade e, simultaneamente, de maior proteo jurdica dos utentes das vias pblicas, tendo por

    objetivo a adaptao global do sistema vigente s necessidades atuais, numa procura de equilbrioentre as crescentes exigncias colocadas pelo aumento contnuo do trnsito e a necessidade de salvaguarda da segurana de pessoas e bens.Umas das causas de aumento de sinistralidade rodoviria em Angola a conduo de veculos sob a influncia de lcool ou de substncias legalmente consideradas como estupefacientes. Neste sentido,

    o regime jurdico, atravs do Cdigo da Estrada, estipula artigo 80 da seco XII, o seguinte:

    a) proibido conduzir sob influncia de lcool ou de substncias legalmente consideradas como entorpecentes.

    b) Considera-se sob influncia de lcool o condutor que apresenta uma taxa de lcool no sangue (TAS), superior a

    0,6 g/L ou que, aps exame realizado nos termos previstos no presente Cdigo e legislao complementar, seja como

    tal considerado em relatrio mdico.

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    Tambm apontado como umas das causas da sinistralidade rodoviria, a conduo de veculos de duas ou quatro rodas sem habilitao para tal. No artigo 119 daquele Cdigo, diz-se o seguinte:

    a) S pode conduzir um veculo a motor na via pblica quem estiver legalmente habilitado para o efeito.b) A conduo de veculos a motor tambm permitida a instruendos e examinandos que obrigatoriamente devem estar inscritos numa escola de conduo, nos termos da legislao aplicvel.

    Outra causa de sinistralidade, para alm da condio das estradas, a condio do veculo. Nesse sentido, o Estado proibiu a entrada no pais de veculos com mais de 5 anos aps a sua fabricao.Por outro lado, o comportamento dos automobilistas justifica muitas vezes o aumento da mortalidade

    dos sinistrados, dado que aps o acidente abandonam as vtimas no local, seja por medo de serem vtimasde agresso, como habitual em Luanda, seja por falta de conhecimento do Cdigo da Estrada ou, ainda, por falta de valores como humanidade e solidariedade. Assim, no Decreto-Lei 5/2008, considera-seque o condutor que seja interveniente num acidente deve fornecer aos restantes intervenientes a sua identificao, a do proprietrio do veculo e da seguradora, bem como o nmero da aplice, exibindo,

    quando solicitado, os documentos comprovativos. Se do acidente resultarem mortos ou feridos, e de acordo com o mesmo diploma, o condutor deve aguardar no local a chegada de agente de autoridade, devendo ainda providenciar do modo mais diligente possvel o socorro das vtimas.Existe um seguro automvel, obrigatrio desde 2010, tendo como objetivo a transferncia dos riscos ligados ao automvel, para a seguradora. Este seguro dever cobrir danos prprios (danos sofridos pelo veculo), danos nos ocupantes e condutor (risco de morte, invalidez permanente, invalidez parcial e despesas de tratamento das pessoas seguradas, quando resultantes do acidente). No entanto, dado o valor do seguro, e provavelmente o facto da sua obrigatoriedade ser ainda recente, a maior parte das pessoas ainda no o tem; nestes casos, os processos tm em geral resoluo judicial e o responsvel, na falta de seguro, condenado indemnizao do lesado atravs dos seus prprios meios ou, nessa impossibilidade, pode ter de cumprir uma pena, que pode ser de priso o Estado, nestas situaes, apenas assegura o tratamento dos lesados, no conferindo qualquer indemnizao.Existem vrias empresas seguradoras, nomeadamente a Empresa Nacional de Seguros de Angola, a Angola Agora e Amanh, a Nossa Seguros, a Global Seguros, a Mundial Seguros, a Angola Seguros e a Garantia Seguros, onde tambm se procede avaliao de muitos dos casos em que resulta dano corporal.No caso da Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA), por exemplo, a primeira e maior seguradora de Angola, esta garante as seguintes indemnizaes e coberturas:

    a) Indemnizao em caso de invalidez permanente parcial/absoluta;b) Indemnizao em caso de incapacidade temporria parcial/absoluta;c) Cobertura dos custos de tratamento e hospitalizao;

    Tambm apontado como umas das causas da sinistralidade rodoviria, a conduo de veculos de duas ou quatro rodas sem habilitao para tal. No artigo 119 daquele Cdigo, diz-se o seguinte:

    a) S pode conduzir um veculo a motor na via pblica quem estiver legalmente habilitado para o efeito.b) A conduo de veculos a motor tambm permitida a instruendos e examinandos que obrigatoriamente devem estar inscritos numa escola de conduo, nos termos da legislao aplicvel.

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    A ENSA garante, ainda, a reparao de danos em consequncias do acidente sofrido como:

    a) Danos ou prejuzos causados a terceiros, no caso da responsabilidade civil;b) Danos prprios sofridos pelo veculo segurado;c) Danos dos ocupantes.

    O regime jurdico dos acidentes de trabalho e doenas profissionais regulado pelo Decreto-Lei

    53/2005, de 15 de agosto. Nele garantido o direito reparao de danos resultantes de acidentes de trabalho e de doenas profissionais aos trabalhadores por conta de outrem e seus profissionais,

    protegidos pelo sistema de proteo social obrigatrio. Tm ainda direito quela reparao: (a) os trabalhadores angolanos que se encontram temporariamente no estrangeiro ao servio do Estado, de empresas angolanas ou instituies, salvo se a legislao do pas em que se encontram, lhes garantir o mesmo ou melhor direito, nos termos de convenes estabelecidas; (b) os trabalhadores estrangeiros que exeram atividades na Repblica de Angola, sem prejuzo de regimes especiais previstos na lei e

    em convenes internacionais aplicveis; (c) os trabalhadores por conta prpria, que so protegidos nos termos definidos em regulamento prprio.

    Assim sendo, no artigo 3 do seu captulo II, sobre os acidentes de trabalho, refere-se o seguinte naquele Decreto-Lei:

    1. Entende-se por acidente de trabalho o acontecimento sbito que ocorre no exerccio da actividade laboral ao servio da empresa ou instituio que provoque ao trabalhador leso ou danos corporais, de que resulte incapacidade parcial ou total, temporria ou permanente para o trabalho, ou ainda a morte.2. So ainda considerados acidentes de trabalho os que ocorrem nas circunstncias seguintes:

    a) Durante o trajecto normal ou habitual de ida ou regresso do local de trabalho, qualquer que seja o meio de transporte utilizado no percurso;b) Durante os intervalos para descanso, ocorridos no local de trabalho;c) Em actos de defesa da vida humana e da propriedade social nas instalaes da empresa ou instituio;

    d) Durante a realizao de actividades sociais, culturais e desportivas organizadas pela empresa.3. Considera-se trajecto normal o percurso que o trabalhador tenha de utilizar necessariamente entre a sua residncia e o local de trabalho e vice-versa, dentro dos horrios declarados.

    Sobre a segurana dos trabalhadores o referido regime jurdico refere a obrigatoriedade dos seguros e dos encargos (artigo 7 do Captulo IV):

    a) So obrigatoriamente segurados contra os riscos resultantes de acidentes de trabalho e de doenas profissionais,

    caracterizados no presente diploma, todos os trabalhadores, aprendizes e estagirios, aps a efectivao do respectivo contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e uma empresa seguradora angolana;b) Os trabalhadores sero submetidos a exames mdicos em funo do local onde exercida a sua actividade, cujo resultado deve ser comunicado seguradora, no prazo de 15 dias, sob pena de ser considerado causa de excluso para efeitos de regularizao de eventuais sinistros, sem que tal facto imponha prejuzo proteco do trabalhador no tocante ao que trata o presente diploma.

    d) Indemnizao em caso de morte;e) Cobertura dos custos de transporte e alojamento.

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    Sobre as prestaes em espcie, no artigo 24 do Decreto-Lei 53/5, de 15 de agosto, refere-se que os sinistrados tm direito ao seguinte:

    a) A assistncia mdica e cirrgica, geral ou especializada, incluindo todos os elementos de diagnstico e de

    tratamento que foram necessrios, bem como as visitas ao domicilio;b) A assistncia medicamentosa e farmacutica;

    c) Os cuidados de enfermagem, quer no hospital ou noutra instituio mdica;d) A hospitalizao e os tratamentos termais;e) O fornecimento de prteses e orttese, bem como a sua renovao e reparao;f) Os servios de reparao e reabilitao profissional e funcional.

    Existe um Instituto Nacional de Segurana Social, pertencente ao Ministrio da Administrao Pblica,

    Emprego e Segurana Social, Este Instituto tem como misso a proteo social obrigatria de todos os trabalhadores, apoiando-os no caso de desemprego ou invalidez. No caso de Estado, os trabalhadores ficam a automaticamente inscritos a partir do momento em que assinam o contrato de trabalho. No

    caso dos trabalhadores privados, esta inscrio obrigatria, acontecendo, contudo, que os trabalhadores muitas vezes no so escritos pela entidade patronal.

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    A AVALIAO DO DANO CORPORAL EM ANGOLA

    Num primeiro momento, as vtimas de acidentes de trabalho e de viao podem ser avaliadas pelo Departamento de Medicina Legal da Direo Nacional de Investigao Criminal da Policia Nacional, no que se refere aos danos suscetveis de serem considerados no mbito do Direito Penal, pois estes casos envolvem, frequentemente, um crime ou um litgio entre as pessoas implicadas. Na sequncia de um sinistro que ocorra com a pessoa segurada, esta encaminhada para clnica da rede a fim de receber assistncia mdica. Aps a concluso do tratamento, e em funo da gravidade

    da leso e das sequelas do acidente, enviado o relatrio mdico e o ttulo da alta para a seguradoraresponsvel. Face ao relatrio mdico, a seguradora reencaminha o sinistrado para a Comisso Nacional de Avaliao das Incapacidades Laborais, tutelado pelo Ministrio da Sade e Ministrio do Trabalho, Emprego e Segurana Social, onde o mesmo avaliado, fixando-se o grau de incapacidade

    ou invalidez. Esta a entidade oficial que recebe os relatrios de vrios sinistrados vindos das

    seguradoras, hospitais ou tribunais, entre outros, a fim de se atribuir um grau de incapacidade

    permanente. Os sinistrados avaliados por esta Comisso so enviados novamente s respetivas entidades solicitadoras, acompanhados do relatrio de incapacidades. A partir daqui, calculadaa penso a que a pessoa possa ter direito, baseando-se em frmulas matemticas associadas a determinados fatores, como o salrio declarado, o grau de invalidez ou outros procedimentos.

    A avaliao do dano corporal apoia-se no regime jurdico dos acidentes de trabalho e doenas profissionais regulado pelo Decreto-Lei 53/2005, de 15 de agosto, do Conselho de Ministros.

    De acordo com artigo 21 daquele diploma (Comisso Nacional de Avaliao das Incapacidades Laborais), considera-se o seguinte.

    1. A determinao das incapacidades efectuada por uma comisso, cujo composio, competncia e o modo de

    funcionamento so fixados em diploma prprio, denominada Comisso de Avaliao das Incapacidades Laborais.

    2. A comisso referida no nmero anterior, salvo disposio contrria, tem a seguinte constituio:

    a) Um representante do Ministrio da Sade, que presidir;b) Um representante do Ministrio de tutela da proteco social obrigatria;c) Um representante da empresa seguradora, nos casos de avaliao dos respectivos sinistrados;d) Um representante das associaes sindicais;

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    e) Um representante das associaes patronais;

    f) Um representante da Ordem dos Mdicos, quando convidado.

    No ponto 3 do artigo 20 do captulo VII, refere-se que a Comisso Nacional de Avaliao das Incapacidades Laborais obrigada ao preenchimento de um boletim, onde conste a natureza e o grau de incapacidade, em quatro vias, sendo o original para seguradora, uma via para o sinistrado, uma terceira via para os rgos competentes do Ministrio da tutela Instituto Nacional de Segurana Social. No entanto, verifica-se que a articulao com esta Comisso, preconizada pela lei, no funciona

    num grande nmero de casos, sendo frequentemente, para efeitos de indemnizao, os danos

    avaliados pelas empresas seguradoras, sobretudo no caso das pequenas incapacidades. Estas so mais de sete, atualmente em Angola, nomeadamente a Empresa Nacional de Seguros de Angola, a Angola Agora e Amanh, a Nossa Seguros, a Global Seguros, a Mundial Seguros, a Angola Seguros e a Garantia Seguros. As seguradoras recorrem a peritos mdicos privados, das diversas especialidades, no sendo frequente as vtimas recorrem a peritos privados por elas contratados.Nos casos em que no existe acordo entre a vtima e a seguradora, a vtima pode recorrer ao Provedor da Justia ou ao Tribunal (muitas vezes, passando primeiro pela Direo Nacional de Investigao Criminal). Nesta sequncia, geralmente solicitada nova avaliao do dano corporal, a qual poder ser feita pelos peritos mdico-legais daquela Direo Nacional, pela Comisso Nacional de Avaliao das Incapacidades Laborais ou por mdicos de diferentes especialidades, nomeados pelo Juiz.Nesta sequncia, acabam por existir mltiplas entidades que realizam este tipo de prticas, no

    havendo normas procedimentais quanto avaliao do dano corporal ps-traumtico, muito menos harmonizadas entre elas.Ainda assim, e tendo em conta a determinao de um valor indemnizatrio, o Estado angolano aprovou a Tabela de ndices Mdicos de Incapacidade, atravs do Decreto 86/1981, de 16 de outubro, do Conselho de Ministros. Esta Tabela foi elaborada, por imperativo constitucional, para avaliar os sinistrados de guerra que viram diminuda a sua capacidade por motivo da sua participao na luta de libertao nacional e defesa da ptria. Est, assim, em vigor h mais de 30 anos, servindo de apoio s empresas seguradoras e a outras entidades que realizam avaliao do dano corporal ps-traumtico.No seu artigo 3, a Tabela refere o seguinte: as incapacidades previstas so expressas por um ndice, nico ou graduado, entre o mnimo e um mximo conforme o tipo de leso. No ponto 1 do seu artigo

    4 diz-se que em caso de leses mltiplas, a Tabela apenas ser aplicada s que tenham sido contrados

    nas circunstncias no n 1 do artigo 1 do referido diploma. No ponto 2 do artigo 4, refere-se que no caso do nmero anterior o ndice global de incapacidade ser determinado pela soma dos ndices que

    correspondem a cada uma das leses. Para este efeito, fixar-se- primeiro o ndice correspondente

    leso principal, ao qual sero adicionados os ndices correspondentes s restantes leses por ordem decrescente, at ao valor mximo de 100%.A avaliao das incapacidades resultantes expressa em coeficientes determinados em funo da

    natureza e da gravidade da leso, do estado geral da vtima, da idade, da profisso, da maior ou

    menor readaptao efetiva para a mesma profisso, bem como das demais circunstncias que possam

    concorrer para a capacidade de trabalho e de ganho.

  • | 18

    As incapacidades para o trabalho, segundo o resultado do acidente ou doena profissional,

    classificam-se, de acordo com artigo 17 do Captulo VI do Decreto-Lei 53/2005, de 15 de agosto, em:

    a) Incapacidade permanente total para toda e qualquer actividade; b) Incapacidade permanente total para o trabalho habitual; c) Incapacidade permanente parcial; d) Incapacidade temporria.

    O grau de incapacidade define-se da seguinte forma (artigo 18 do Captulo VI):

    a) Incapacidade permanente total para toda e qualquer actividade: aquela em que o trabalhador perde completa e definitivamente a capacidade para exercer qualquer actividade laboral.

    b) Incapacidade permanente total para o trabalho habitual: aquela em que o trabalhador perde completa e definitivamente a capacidade para o exerccio da sua profisso, podendo vir a

    desenvolver outra actividade aps um processo de recuperao, reabilitao e readaptao profissional.

    c) Incapacidade permanente parcial: aquela em que o trabalhador sofre uma reduo permanente na capacidade para o exerccio da sua profisso, embora continue a poder exerc-la, noutro posto

    de trabalho.d) Incapacidade temporria: aquela em que o trabalhador fica impossibilitado de exercer a sua

    actividade profissional, ou qualquer outra por um perodo de tempo determinado. A incapacidade

    temporria pode ser convertida em incapacidade permanente, de acordo com o artigo 19, o qual refere que verificando-se a incapacidade temporria, por um perodo superior a dois anos

    equivalente a 730 dias, considera-se incapacidade permanente.

  • | 19

    OBJETIVOS

  • | 20

    Tal como se referiu nas palavras prvias, este trabalho pretende constituir-se como uma reflexo

    sobre a avaliao do dano corporal ps-traumtico por acidentes de viao e de trabalho em Angola, reflexo esta que poder servir para apoiar o desenvolvimento desta matria naquele pas.

    O assunto complexo e o caminho longo, atendendo falta de normas regulamentares quanto a estes procedimentos nos diversos mbitos do Direito, s grandes discrepncias metodolgicas existente em Angola no que avaliao de vtimas deste tipo de traumatismos diz respeito, bem como falta de informao, por parte dessas mesmas vtimas, quanto aos seus direitos em termos de avaliao e indemnizao dos danos sofridos. De facto, sentimos que a complexidade do assunto de tal dimenso que esta anlise, por si s, no ser de todo bastante para resolver os diversos nveis de dificuldade que nesta matria se colocam.

    Assim mesmo, o objetivo geral do presente estudo analisar e interpretar, do ponto de vista mdico-legal e forense, e face s disposies orientadoras da avaliao do dano corporal em vtimas de acidentes de viao e de trabalho em Angola, a situao atual dessas avaliaes periciais, tendo em vista promover o estabelecimento de uma metodologia de avaliao que, adequando-se ao sistema legal vigente, permita servir de instrumento para melhor harmonizar a avaliao e reparao do dano corporal naquele pas. Para o efeito ter-se- como modelo o regime de avaliao destes danos seguido em Portugal pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P. (INML).Os objetivos especficos visam a caraterizao dos seguintes aspetos:

    a) Vtimas de acidentes de viao e de trabalho;b) Acidentes;c) Leses e sequelas resultantes;d) Parmetros de dano corporal avaliados e valorados tendo em vista a sua reparao.

  • | 21

    MATERIAL E MTODOS

  • | 22

    MATERIAL

    A amostra do presente estudo foi constituda pelos relatrios mdicos elaborados na Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA), para fins de indemnizao por dano corporal ps-traumtico, para o que foi solicitada a devida autorizao (ANEXO 1).Os critrios de incluso foram os seguintes:

    a) Relatrios mdicos;b) Elaborados nos Servios de Sade da ENSA;

    c) Entre janeiro e dezembro de 2010;d) Relativos a vtimas de acidente de trabalho ou de acidente de viao;e) Independentemente do sexo ou da idade;f) Nos quais teve lugar a valorao do dano corporal devido ao acidente;g) Estando a situao consolidada do ponto de vista mdico-legal e/ou o relatrio concludo.

    A partir da totalidade dos relatrios mdicos efetuados naquele perodo (n=600), foram selecionados os que verificavam a totalidade dos critrios de incluso, designadamente incluindo a valorao do

    dano corporal (n=301).

  • | 23

    Foi realizado um estudo observacional, com componente analtico, que consistiu numa anlise dos relatrios mdicos acima referidos, elaborados no mbito da avaliao do dano corporal ps-traumtico por acidentes de viao e de trabalho, relativamente aos quais seriam atribudasas respetivas indemnizaes.Para tal foi utilizada uma ficha de colheita de dados (ANEXO 2),

    expressamente construda para o efeito, a qual rene dados relativos s vtimas, ao tipo de acidente,

    s leses e sequelas sofridas, aos parmetros de dano corporal avaliados e aos critrios que presidiram valorao desses danos:

    MTODOS

    a) Caraterizao demogrfica das vtimas;

    b) Caraterizao dos acidentes;c) Caraterizao das leses e sequelas;d) Caraterizao dos parmetros de dano atribudos.

    Para efeito da descrio das leses considerou-se apenas a mais grave em cada caso.Os parmetros de dano considerados na ficha foram os preconizados pelo INML de Portugal,

    realidade com a qual se pretende comparar os resultados deste estudo (MAGALHES T, ANTUNES I, VIEIRA DN, 2010; MAGALHES T, VIEIRA DN, 2010).Todos esses dados foram colhidos pelo autor, tendo em vista garantir o cumprimento dos critrios de avaliao e, portanto, a fiabilidade da sua colheita.

    Os dados foram tratados no programa Microsoft Excel 2007 e no programa estatstico IBM.SPSS Statistics verso 19.Foi efectuada uma estatstica descritiva, com recurso a tabelas e grficos.

  • | 24

    RESULTADOS

    caracterizao demogrfica das vtimas

    caracterizao do acidente

    caracterizao das leses e sequelas

    caracterizao dos parmetros de dano atribudos

  • | 25

    A populao estudada foi constituda, na sua maioria, por indivduos do sexo masculino (n=239; 79%).A distribuio das idades por faixas etrias foi a constante na tabela 1, correspondendo o pico mais elevado s idades compreendidas entre os 21 e os 40 anos (67%). A mdia da idade foi de 30 anos (mn.=7; max.=70; SD=0.80). A populao de indivduos solteiros foi largamente a mais representativa (n=281; 93.4%).

    CARACTERIZAO DEMOGRFICA DAS VTIMAS

    Idade n %

    10

    11 a 20

    21 a 30

    31 a 40

    41 a 50

    51 a 60

    61 a 70

    >70

    8

    26

    112

    90

    41

    18

    6

    0

    2.7

    8.7

    37.0

    30.0

    13.3

    6.0

    2.0

    0.0

    Tabela 1 | Distribuio das vtimas por idade (n=301)

    Os municpios da Mainga e do Sambizanga foram os mais representados, cada um deles com 15.6% dos casos (Grfico 1).

    Grfico 1 | Distribuio das vtimas de acordo com a sua provenincia (n=301)

  • | 26

    Apenas em 49 casos consta no relatrio pericial o nvel de escolaridade das vtimas, pelo que esta avaliao fica muito prejudicada. De qualquer forma, nestes, o nvel mdio foi o mais representativo

    (n=18; 36.7%).A populao negride correspondeu quase totalidade da amostra, havendo apenas 5 caucasianos. Relativamente aos antecedentes patolgicos, apenas num caso constava do relatrio pericial os antecedentes psiquitricos, no havendo qualquer outra referncia a este aspeto nos restantes relatrios.Os trabalhadores dos servios de proteo, segurana pessoal, domstico e similares, foram os que mais acidentes tiveram (n=98; 32.6%), seguidos pelos trabalhadores da indstria (n=60; 20%), mas o

    tipo de atividade desenvolvida no consta em 15% dos relatrios (Tabela 2).

    Atividade desenvolvida n %

    Profisses cientficas, tcnicas, artsticas e similares

    Diretores e quadros superiores

    Pessoal administrativo e similares

    Trabalhadores das indstrias

    Servios de proteo, segurana pessoal, domstico e similares

    Agricultores

    Pessoal do comrcio e vendedores

    Pessoal de empresas de transportes e similares

    Estudante

    Outra condio

    No consta do relatrio

    1

    9

    17

    60

    98

    3

    24

    21

    22

    2

    44

    0.3

    3.0

    5.7

    20.0

    32.6

    1.0

    7.6

    7.0

    7.1

    0.7

    15.0

    Tabela 2 | Distribuio das vtimas de acordo com a atividade desenvolvida (n=301)

  • | 27

    A maior parte dos casos foram relativos a acidentes de trabalho (n=197; 65.4%), sendo os restantes devido a acidentes de viao (n=104; 34.6%).Quanto ao mecanismo do traumatismo, nos acidentes de trabalho predominou o atingimento por um objeto (n=107), seguido de queda no local de trabalho (n=61), o que corresponde a 54.3% e 31% dos acidentes de trabalho, respetivamente (Tabela 3). J nos acidentes de viao o mecanismo mais frequente foi a coliso entre veculos em andamento (n=47), correspondendo a 45.2% do total daqueles acidentes (Tabela 3).

    CARACTERIZAO DO ACIDENTE

    Tipo de acidente n %

    Coliso de veculos com objecto fixo

    Coliso entre veculos em andamento

    Capotamento

    Atropelamento por viatura

    Queda no local de trabalho

    Queimadura

    Atingimento por objeto

    Outro

    32

    47

    7

    38

    61

    8

    107

    1

    10.7

    15.7

    2.3

    12.7

    20.3

    2.7

    35.7

    0.3

    Tabela 3 | Distribuio das vtimas de acordo com o tipo de acidente no global dos casos (n=301)

    Nada consta nos relatrios sobre mais pormenores relativos ao traumatismo, designadamente sobre o uso de medidas de segurana ou, no caso dos acidentes de viao, sobre a localizao da pessoa no veculo.

  • | 28

    As leses mais frequentes foram as contuses e escoriaes (n=224; 74.7%), seguidas das fracturas (n=36; 12%). Note-se, contudo, que em 3% dos casos no foi feita referncia no relatrio ao tipo de leses resultantes (Tabela 4).

    CARACTERIZAO DAS LESES E SEQUELAS

    Tipo de leso n %

    Fraturas

    Contuses/escoriaes de tecidos moles

    Contuses orgos internos

    Laceraes tecidos moles

    Laceraes orgos internos

    Amputaes

    Queimaduras

    Outra

    Nada consta

    36

    224

    7

    2

    1

    12

    8

    2

    9

    12.0

    74.7

    2.3

    0.7

    0.3

    4.0

    2.7

    0.7

    3.0

    Tabela 4 | Distribuio das vtimas de acordo com o tipo de leso mais grave (n=301)

    Atendendo localizao das leses, os membros inferiores foram os mais atingidos (n=129; 42.9%), seguidos pelos membros superiores (n=86; 28.6%) (Grfico 2). Considerou-se, apenas, a regio

    apresentando a leso mais grave mas, em 10 casos, havia atingimento de mltiplas regies (3.3%).

    Note-se que em 3% dos casos no foi feita meno no relatrio regio corporal atingida.

    Grfico 2 | Distribuio das vtimas de acordo com o segmento de corpo atingido (n=301)

  • | 29

    Em 280 relatrios (93%) no constava qualquer referncia s sequelas corporais resultantes (Grfico 3). Nos restantes casos (n=21), verificou-se, maioritariamente, sequelas dos membros

    inferiores (n=11) e superiores (n=4).

    Grfico 3 | Distribuio das vtimas de acordo com as sequelas no corpo (n=301)

    Relativamente s sequelas funcionais, apenas em 2 relatrios foi feita referncia a dificuldades no

    deslocamento, nada constando nos restantes. Tambm no que s sequelas situacionais diz respeito, a estas s foi feita referncia num relatrio, sendo descrita afetao da vida profissional.

  • | 30

    Em relao ao nexo de causalidade, no o mesmo discutido em nenhum dos relatrios.Quanto data de consolidao das leses, verificou-se que esta no constava em 66% dos relatrios

    (n=198).Relativamente aos danos temporrios, e independentemente de se tratar de acidente de viao ou de trabalho, em 53.5% dos casos (n=161) nada constava dos relatrios. Nos restantes 45.5% (n=139) constava a atribuio da Incapacidade Temporria Geral, sendo a mdia de dias atribuda de 25.8 dias. Apenas num caso foi atribuda Incapacidade Temporria Profissional Parcial (0.3%).No mbito dos danos permanentes, nada constava do relatrio em 99% dos casos (n=300). Apenas num caso foi atribuda Incapacidade Permanente Parcial; nenhum outro tipo de dano era referido nos relatrios, com exceo da referncia a dependncias de ajudas medicamentosas por parte da vtima em 9 casos (3%).

    CARACTERIZAO DOS PARMETROS DE DANO ATRIBUDOS

  • | 31

    DISCUSSO

    vtimas, acidentes, leses e sequelas

    parmetros de dano corporal

    modelo de relatrio pericial

    perspetivas futuras

  • | 32

    As percias para avaliao do dano corporal tm como objetivo final orientar a reparao integral

    dos danos na pessoa, quer eles sejam de natureza econmica ou no econmica, de forma justa e adequada s reais necessidades das vtimas (VIEIRA DN, 2000). Por outro lado, o objetivo principal da reparao ser ajudar a vtima, de uma forma no estandardizada mas adaptada s particularidadesdo seu estado, de modo a repor a sua situao de vida tal como era antes do evento. Desta forma,o dano indemnizvel dever residir muito menos nas sequelas antomo-fisiolgicas do que nas

    mltiplas consequncias no plano da vida quotidiana, da vida afetiva, familiar e da vida profissional

    ou de formao (MAGALHES T, PINTO DA COSTA D, 2007). Estes dois objetivos especficos devem ser orientadores do caminho a percorrer no que se refere

    avaliao e reparao do dano corporal em Angola. O estudo levado a cabo permite-nos perceberque ainda se est longe de conseguir concretizar plenamente esses objetivos, mas se os peritos compreenderem que atravs da sua interveno podem ajudar as vtimas a recuperar a sua situao de vida tal como ela era antes ou, pelo menos, o mais prximo disso possvel, isso poder constituirmotivao bastante para se comear a operar a mudana. Para tal ser logicamente necessria disciplina profissional que passar pela formao especializada nesta matria, designadamente atravs

    da lecionao do curso de Avaliao do Dano Corporal Ps-traumtico, atualmente disponibilizado em Portugal pelo INML em conjunto com as Faculdades de Medicina das Universidades do Porto e de Coimbra. Com esse curso os peritos mdicos obtm uma ferramenta fundamental na avaliao dos sinistrados garantindo-se, desta forma, uma harmonizao na utilizao dos conceitos, critrios e prticas de avaliao do dano.

    De seguida analisaremos os resultados obtidos neste estudo e apresentaremos, em contraponto, as metodologias que consideramos serem as mais adequadas a ultrapassar as limitaes que neste mbitoda prtica pericial foram detetadas. Essas metodologias esto amplamente experimentadas em Portugal e esto de acordo com as normas europeias nesta matria.

  • | 33

    Os resultados, no que se refere caracterizao dos casos em anlise, esto, nas suas linhas gerais, de acordo com a literatura internacional quanto s caractersticas das vtimas (indivduos maioritariamente do sexo masculino, jovens e profissionalmente pouco diferenciados), dos

    mecanismos dos traumatismos para os acidentes de viao e de trabalho (colises e atingimento por objetos ou quedas, respetivamente), bem como ao tipo de leses e sequelas resultantes e sua localizao (contuso tecidos moles e fraturas, preferencialmente nos membros) (MAGALHES T e col, 1998; KHAN ZU e col, 2010; MACEDO A, SILVA IL, 2005; CARNERO MC, PEDREGAL DJ, 2010; JACINTO C, ASPINWALL E, 2004). No nos detivemos numa anlise mais detalhada destes aspetos, designadamente estabelecendo correlaes entre os dois tipos de acidentes em causa (de viao e de trabalho), dado no ser este o objetivo major do nosso estudo, tratando-se alis, de uma matria j amplamente descrita na literatura. Importa contudo assinalar que, estando em causa a elaborao de relatrios para avaliao do dano corporal ps-traumtico, visando a posterior atribuio de uma indemnizao, a questo da descrio detalhada das leses e sequelas resultantes constitui um aspeto fundamental para perceber a globalidade do dano e, a partir da, se determinarem os diversos parmetros de dano suscetveis de serem objeto de indemnizao. No caso presente, apenas numa situao estavam descritos os antecedentes patolgicos (aspeto de particular interesse para a definio do nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano

    observado) e em 3% dos casos no estavam descritas nem as leses resultantes, nem a regio corporalatingida; quanto s sequelas, estas apenas eram referidas em 7% dos relatrios no que respeitava s consequncias orgnicas, s se referindo a sua repercusso funcional em 2 casos e a repercusso situacional num caso. De uma forma genrica, s em 6% dos casos era feita referncia s consequncias do dano para a vida da vtima. Ora, sabido que a deficiente realizao de um exame mdico-legal e/ou a elaborao pouco cuidada

    e rigorosa do respetivo relatrio pericial pode colocar em causa o valor mdico-legal da percia (MAGALHES T e col, 2010). Por isso, e de acordo com as Recomendaes Gerais para a Realizao de Relatrios Periciais de Clnica Forense Relativos ao Dano Ps-Traumtico do Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., de Portugal (MAGALHES T e col, 2010), devem os peritos, na elaborao de um relatrio pericial neste mbito, atender a que a descrio do evento traumtico e de todos os

    VTIMAS, ACIDENTES, LESES E SEQUELAS

  • | 34

    eventos subsequentes com ele relacionados, com base na informao da vtima ou de quem a acompanhe, bem como a partir dos registos clnicos relativos ao acidente em causa, fundamental e deve incluir sistematicamente:

    a) Data, local, mecanismo, tipo e circunstncias do evento traumtico; b) Leses resultantes (descrio genrica, de acordo com a informao prestada pela vtima e descrio detalhada de acordo com a informao dos registos clnicos); c) Estabelecimentos mdicos onde foi assistida, complicaes surgidas e tratamentos efetuados; d) Internamento(s) e data(s) de alta(s) hospitalar(es); e) Consulta(s) em ambulatrio e respetiva(s) data(s) de alta(s); f) Data(s) de retoma(s) da atividade profissional ou outras circunstncias, como a mudana de

    atividade, desemprego ou aposentao.

    Ainda de acordo com as mesmas Recomendaes (MAGALHES T e col, 2010), fundamental descrever-se os antecedentes pessoais patolgicos e/ou traumticos que possam ser relevantes ou influenciar o resultado final do estado sequelar relativo ao caso em anlise (com base na informao

    da vtima ou seu acompanhante e/ou em registos clnicos, indicando-se a respetiva fonte). Tal ser essencial, como j acima se referenciou, para a ponderao do nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, nomeadamente pela circunstncia de poder dar indicaes quanto a eventual estado anterior da pessoa relativamente ao traumatismo (VIEIRA DN, CORTE-REAL F, 2008). Consta ainda das referidas Recomendaes que a descrio dos danos deve ser rigorosa, clara, objetiva, pormenorizada, sistematizada e compreensvel, nomeadamente para no mdicos. Assim, para se garantir uma descrio global e personalizada do dano, pode seguir-se o modelo da avaliao tridimensional que inclui: corpo, funes e situaes (MAGALHES T, 1998). As sequelas no corpo/orgnicas, ou seja, os aspetos biolgicos com as suas particularidades morfolgicas, anatmicas, histolgicas, fisiolgicas e genticas, devem ser descritas de forma

    orientada e rigorosa, com indicao de todas as caractersticas das leses ou sequelas, incluindo (MAGALHES T e col, 2010):

    a) Tipo (e.g., equimose, escoriao, ferida cortante, no caso das leses; cicatriz, dismorfia,

    amiotrofia, dismetria, alterao da amplitude ou da estabilidade articular, desvio do eixo ou

    rotao do membro, perda de segmento ou rgo, alterao na fora, sensibilidade, equilbrio, no caso das sequelas); a) Localizao precisa; b) Cor (quando for caso disso); c) Dimenses exatas (descrevendo dimenses e graus e, no caso do exame ortopdico e neurolgico, comparando com o lado contra-lateral sempre que possvel).

    Deve ser tambm feita referncia independente a eventuais alteraes encontradas que sejam resultantes de um estado anterior (MAGALHES T e col, 2010).O exame fsico pode ser descrito de acordo com as seguintes regies anatmicas (MAGALHES T e col, 2010): crnio; face; pescoo; coluna (medula includa); trax; abdmen (contedo plvico e

    perneo includos); membro superior direito; membro superior esquerdo; membro inferior direito (pelve ssea includa); membro inferior esquerdo (pelve ssea includa).

  • | 35

    Sempre que possvel, todas as leses e sequelas devem ser fotografadas, de acordo com as normas da fotografia forense, e com o prvio consentimento da vtima, fazendo-se referncia s fotografias no

    relatrio pericial. As sequelas funcionais correspondem s capacidades fsicas e mentais (atuais ou potenciais) prpriasdo ser humano, tendo em conta a sua idade e sexo, independentemente do meio onde este se encontre; surgem na sequncia das sequelas a nvel do corpo e so influenciadas, positiva ou

    negativamente, por fatores pessoais (como a idade, o estado fsico e psquico anterior, a motivao e o esforo pessoal de adaptao) e do meio (como as barreiras arquitetnicas, ajudas tcnicas ou ajudas humanas) (MAGALHES T e col, 2010). Podem descrever-se relativamente aos seguintes aspetos: (a) postura, deslocaes e transferncias; (b) manipulao e preenso; (c) comunicao; (d) cognio e afetividade; (e) controlo de esfncteres; (f) sexualidade e procriao. As sequelas situacionais correspondem confrontao (concreta ou no) entre uma pessoa e a realidade de um meio fsico, social e cultural; podem ser relativas s atividades da vida diria, familiar, social, de lazer, de educao, de trabalho ou a outras, num quadro de participao social. Surgem em consequncia das sequelas a nvel do corpo e das funes, variando com os fatores pessoais e do meio. As situaes de vida devem ser descritas quanto aos prejuzos mais relevantes, de acordo com os seguintes aspetos: (a) atos da vida corrente; (b) vida afetiva, social e familiar; (c) vida profissional

    ou de formao. (MAGALHES T e col, 2010)As instrues para avaliao de cada um dos nveis referidos podem ser consultadas nas Instrues para utilizao do Inventrio de Avaliao do Dano Corporal (MAGALHES T, 1998).

  • | 36

    No que se refere ao nexo de causalidade, verificou-se que o mesmo no referido nem discutido

    nos relatrios. Ora, esta avaliao constitui a pedra de toque da avaliao mdico-legal, sendo que apenas nos casos em que se admite a existncia de tal nexo se pode evoluir para a definio da data

    de consolidao e, nessa sequncia, dos parmetros de dano temporrios e permanentes. Trata-se de uma avaliao que deve ser feita sistematicamente mas que obedece a uma metodologia especfica e

    completa, pelo que se remete a questo para a bibliografia especializada na matria (VIEIRA DN,

    CORTE-REAL F, 2008).Quanto data de consolidao das leses, verificou-se que no caso em apreo este no foi

    considerado nos relatrios periciais em 66% dos casos, tendo contudo os mesmos sido, ainda assim, concludos. A data de consolidao a data a que se recorre quando as leses estabilizaram, tendo contudo resultado sequelas que, do ponto de vista mdico-legal, no so suscetveis de significativa

    evoluo. Este conceito difere do de cura por no caso da cura no resultarem sequelas. Assim, a data de consolidao fundamental, como j referido, para separar os perodos de dano temporrio de dano permanente e, desta forma, quantificar os tempos de danos temporrios (que terminam na data

    de consolidao). Mas tambm a determinao desta data, que, em geral, corresponde data de alta da ltima consulta (MAGALHES T e col, 2010), se reveste de particularidades e complexidades,

    pelo que remetemos o assunto para a literatura especializada (PREZ MG-B, 2006; RAMIREZ LB, 1996). Relativamente avaliao dos parmetros de dano corporal, temporrios e permanentes, quer no mbito do Direito Civil, quer do Trabalho, verificou-se, no presente estudo, que na maioria dos casos

    esta avaliao foi omissa, ou seja, de uma forma genrica, em 54% dos casos no foram descritos no relatrio pericial os danos temporrios e em 99% os danos permanentes. Este facto leva-nos a questionar sobre que elementos objetivos, de ndole cientfica, foi ento

    determinada a indemnizao devida a estes casos?Porque se trata de uma matria delicada e sensvel, de grande complexidade, no s cientfica como

    legal, os diversos pases tm-se empenhado em definir normas para este tipo de avaliaes, sendo que,

    uma vez mais, o modelo portugus se nos afigura como a referncia ideal, ainda mais que ele prprio

    se encontra alinhado com o modelo europeu e amplamente validado.

    PARMETROS DE DANO CORPORAL

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    Assim, apresentaremos de seguida, ainda que de forma resumida, aquilo que, de acordo com aquele modelo, considerarmos serem os parmetros de dano que mais se adequam a ser implementados na metodologia pericial nestes domnios em Angola. Importa que a valorao do dano seja sempre isenta, imparcial e o mais objetiva e fundamentada possvel, definindo-se os conceitos usados e identificando-se os mtodos e tcnicas a que se recorre.

    A valorao dos diversos parmetros de dano feita a nvel do captulo Discusso do relatrio pericial; deste captulo devem constar os diversos parmetros de dano temporrios e permanentes (MAGALHES T, VIEIRA DN, 2010).

    Direito Civil

    no mbito do Direito Civil que se analisam, em termos mdico-legais, a maior parte dos danos relativos a acidentes de viao. Nesta avaliao contemplam-se danos temporrios e permanentes, patrimoniais (econmicos) e no patrimoniais (no econmicos), dentro do princpio geral da reparao integral dos danos.No perodo de danos temporrios incluem-se os seguintes parmetros que aqui se caraterizam (MAGALHES T, VIEIRA DN, 2010):

    a) Dfice funcional temporrio: corresponde ao perodo durante o qual a vtima, na sequncia do

    processo evolutivo das leses, no sentido da cura ou consolidao, viu condicionada a sua autonomia na realizao das atividades da vida diria, familiar e social (excluindo-se a repercussona atividade profissional). Poder ser total ou parcial, coincidindo a primeira situao com

    os perodos de internamento e/ou de repouso absoluto, e iniciando-se a segundo logo que a evoluo das leses passe a permitir algum grau de autonomia na realizao desses atos, ainda que com limitaes. Quantifica-se em nmero de dias de dfice funcional temporrio total e de

    dfice funcional temporrio parcial, avaliados tendo em considerao a anlise dos registos clnicos

    relativos situao (e.g, hospitalares, mdico assistente, da seguradora), o quadro clnico concreto, a informao obtida (e.g., a partir do sinistrado, familiares ou acompanhante), e as limitaes naturalmente decorrentes da situao. No caso de no existirem elementos suficientes

    esclarecedores (muito particularmente registos clnicos), deve avaliar-se este dano com base nos perodos de tempo de dfice funcional temporrio total e de dfice funcional temporrio

    parcial habitualmente expetveis para um quadro clnico semelhante ao verificado, tendo em

    considerao a situao clnica concreta e respetiva evoluo (PREZ MG-B, 2006; RAMIREZ LB, 1996);

    b) Repercusso temporria nas atividades profissionais: corresponde ao perodo durante o

    qual a vtima viu condicionada sua autonomia na realizao dos atos inerentes sua atividade profissional habitual: pode ser total ou parcial. O tempo de repercusso temporria absoluta

    (total) nas atividades profissionais refere-se aos perodos de internamentos e / ou de repouso

    absoluto, entre outros, passando a repercusso temporria parcial nas atividades profissionais

    logo que a evoluo das leses permita algum grau de autonomia na realizao dessas atividades, ainda que com limitaes. Quantifica-se em nmero de dias de interrupo temporria absoluta

    das atividades profissionais e nmero de dias em que as mesmas foram concretizadas com

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    limitaes, determinando-se estes dias com base na anlise dos registos clnicos relativos situao (e.g, hospitalares, do mdico assistente ou da seguradora), do quadro clnico concreto, da informao obtida (e.g., a partir do sinistrado, familiares, acompanhantes ou entidade patronal)e das limitaes naturalmente decorrentes da situao clnica. No caso de no existirem elementos suficientemente esclarecedores (designadamente registos clnicos), deve avaliar-se este

    dano com base nos perodos de tempo habitualmente expetveis para cada um deles no mbito de um quadro clnico semelhante ao verificado, tendo em conta a situao clnica concreta e respetiva

    evoluo (PREZ MG-B, 2006; RAMIREZ LB, 1996);

    c) Quantum doloris: constitui um parmetro de dano que corresponde valorizao do sofrimento fsico e psquico vivenciado pela vtima durante o perodo de danos temporrios (entre a data do evento e a cura ou consolidao das leses). Descreve-se atravs de uma escala quantitativade sete graus de gravidade crescente (1/7 a7/7). Como critrios de valorao devero ser considerados, entre outros, os seguintes: (1) natureza e contexto do evento traumtico, suas circunstncias e eventos imediatos; (2) tipo e nmero de leses e de tratamentos institudos; (3)

    durao do(s) internamentos(s) e nmero de intervenes cirrgicas; (4) complicaes mdicas e

    cirrgicas; (5) durao e complexidade do perodo de reabilitao funcional.

    No perodo de danos permanentes incluem-se os seguintes parmetros que aqui se caraterizam (MAGALHES T, VIEIRA DN, 2010):

    a) Afetao permanente da integridade fsico-psiquico: trata-se de um parmetro de dano que corresponde afetao definitiva da integridade fsica e/ou psquica da pessoa, constitutiva de um

    dfice funcional permanente com eventual repercusso nas atividades da vida diria, incluindo as

    familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais. Constitui um dano que,

    sendo personalizado, deve ser valorado de uma forma metodologicamente igual em todos os casos, independentemente da atividade profissional, tendo em conta a globalidade das sequelas

    do caso concreto (corpo, funes e situaes de vida) e tendo como elemento indicativo de refer-ncia a Tabela de Avaliao de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Decreto Lei n 352/2007, de 23 de outubro). A tabela angolana no especfica para o Direito Civil e do Trabalho, sendo

    nica; os coeficientes de incapacidade so expressos atravs de percentagens e em termos da sua

    organizao ela muito semelhante tabela portuguesa publicada no Decreto 86/81, de 16 de outubro, pelo que se impe a sua atualizao;

    b) Repercusso na atividade profissional: corresponde ao rebate das sequelas no exerccio da

    atividade profissional habitual da vtima (atividade data do evento), isto , na sua vida laboral,

    devendo ser descrito e no quantificado;

    c) Dano esttico permanente: corresponde repercusso das sequelas, numa perspetiva esttica e dinmica, envolvendo uma avaliao personalizada da afetao da imagem da vtima quer em relao a si prpria, quer perante os outros. A sua avaliao feita atravs de uma escala quantitativa de sete graus de gravidade crescente (1/7/ a 7/7);

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    d) Repercusso na atividade sexual: corresponde limitao total ou parcial do nvel de desempenho/gratificao de natureza sexual, resultante das sequelas fsicas e/ou psquicas, no

    se incluindo aqui os aspetos relacionados com a capacidade de procriao. A sua avaliao feita numa escala com sete graus de gravidade crescente (1/7 a 7/7);

    e) Repercusso nas atividades desportivas e de lazer: corresponde impossibilidade estrita e especifica para a vtima de se dedicar a certas atividades ldicas, de lazer e de convvio social, que

    exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espao de realizao e gratificao pessoal. A sua avaliao feita numa escala com sete graus de gravidade crescente

    (1/7 a 7/7);

    f) Dependncias: as dependncias (e.g., medicamentosas, de ajudas tcnicas ou de terceira pessoa), podem ser temporrias ou permanentes, sendo valorizadas, mais frequentemente, e enquanto tal, as permanentes. Estas devem ser pormenorizadamente caraterizadas, sendo nos casos de handicap grave importante a colaborao de uma equipa multidisciplinar para a definio destas

    necessidades, tendo em vista a melhor reintegrao possvel da vtima a nvel familiar, social e profissional (MAGALHES T, VIEIRA D, 2008).

    Direito do Trabalho

    no mbito do Direito do Trabalho que se analisam, em termos mdico-legais, os danos relativos a acidentes de trabalho.Em sede de Direito do Trabalho avaliam-se danos temporrios e permanentes, mas apenas patrimoniais, tendo em conta a sua repercusso a nvel das capacidades de trabalho e de ganho. No perodo de dano temporrio incluem-se os seguintes parmetros que se aqui caraterizam (MAGALHES T, ANTUNES I, VIEIRA DN, 2010):

    a) Incapacidade Temporria Profissional Absoluta: corresponde o perodo durante o qual a

    vtima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional habitual. Incluem-se

    neste perodo os tempos relativos a internamento em servio de sade e os de necessidade

    de repouso absoluto, sem prejuzo dos resultantes das especificidades da profisso em causa.

    Quantifica-se em nmero de dias de incapacidade, determinados com base na anlise dos

    registos clnicos relativos situao (e.g., hospitalares, do mdico assistente ou da seguradora),do quadro clnico concreto, da informao obtida (e.g., a partir do sinistrado, familiares ou acompanhante) e das exigncias da sua profisso habitual. No caso de no existirem elementos suficientes

    esclarecedoras (geralmente registos clnicos), deve avaliar-se este dano com base no perodo de tempo habitualmente expetvel para um quadro clnico semelhante ao verificado, tendo em conta

    o tipo e exigncias da profisso em causa (PREZ MG-B, 2006; RAMIREZ LB, 1996);

    b) Incapacidade Temporria Profissional Parcial: corresponde ao perodo em que a vtima passou

    a ter pelo menos metade da capacidade necessria para desenvolver a sua atividade profissional

    habitual, ainda que com limitaes. Quantifica-se em nmero de dias e taxas de incapacidade

    determinados com base na anlise dos registos clnicos relativos situao (e.g., hospitalares, do

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    mdico assistente ou da seguradora), do quadro clnico concreto, da informao obtida (e.g., a partir do sinistrado, familiares ou acompanhante) e das exigncias da sua profisso habitual.

    Tambm aqui, e se no existirem elementos suficientes esclarecedoras (como registos clnicos),

    deve avaliar-se este dano com base no perodo de tempo habitualmente expetvel para um quadro clnico semelhante ao verificado, tendo em considerao a situao clnica concreta e respetiva

    evoluo, bem como o tipo e exigncias da profisso em causa.

    No perodo de dano permanente incluem-se os seguintes parmetros que aqui se caraterizam (MAGALHES T, ANTUNES I, VIEIRA DN, 2010):

    a) Incapacidade Permanente: corresponde perda da capacidade de trabalho em resultado de uma ou mais disfunes, como sequelas(s) final(ais) da(s) leso(es) inicial(ais), sendo a disfuno total

    designada por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho. Podem existir diversos nveis de incapacidade permanente: incapacidade permanente parcial (IPP), incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA). A IPP calculada tendo em conta a globalidade das sequelas do caso concreto (corpo, funes e situaes de vida, com particular valorizao da atividade profissional), sendo a quantificao (em percentagem) dessas sequelas concretizada atravs da

    Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenas Profissionais (TNI - Anexo 1 do Decreto-Lei n 352/2007, de 23 de Outubro).Como acima referido, em Angola a tabela nica e

    com mais de 30 anos, sendo semelhante primeira tabela de incapacidades portuguesa;

    b) Dependncias: as dependncias (e.g., medicamentosas, de ajudas tcnicas ou de terceira pessoa), podem ser temporrias ou permanentes, sendo valorizadas, mais frequentemente, e enquanto tal, as permanentes. Tal como referido para o Direito Civil, estas devem ser pormenorizadamente caraterizadas, sendo nos casos de handicap grave importante a colaborao de uma equipa multidisciplinar para a definio destas necessidades, tendo em vista a melhor

    reintegrao possvel da vtima a nvel familiar, social e profissional.

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    Referiu-se, tambm, ao longo deste trabalho, que em Angola no existe um modelo de relatrio pericial de avaliao do dano corporal, o que impede a harmonizao das prticas. Este modelo, est, obviamente ligado necessria definio dos diversos parmetros de dano que ho-de ser avaliados,

    pelo que os dois aspetos tm de ser ponderados em conjunto. No caso concreto, e atendendo realidade angolada em termos legais, relativamente matria em questo, parece-nos que os modelos de relatrio atualmente em vigor no INML para a avaliao do dano corporal ps-traumtico, cujas normas procedimentais se encontram publicadas (MAGALHES T e col, 2010), perfeitamente adaptvel s necessidades deste pas. O modelo inclui os seguintes captulos, correspondentes s diferentes fases de realizao da percia: Prembulo, Informao, Estado atual, Discusso e Concluses.O Prembulo refere-se identificao do processo e da vtima. Nele deve constar: tipo e data

    do exame; identificao do processo judicirio ou particular; identificao da vtima (nome, filiao,

    sexo, data de nascimento, estado civil, profisso, naturalidade, nacionalidade, residncia e nmero do

    bilhete de identidade).O captulo da Informao divide-se em trs sub-captulos: Histria do Evento, Dados Documentais e Antecedentes:

    MODELO DE RELATRIO PERICIAL

    a) Na Histria do Evento, descreve-se o traumatismo e suas consequncias com base na informao da vtima e/ou de quem a represente. fundamental para perceber a vivncia do trauma e fundamentar os danos a atribuir, muito particularmente os mais subjectivos. Inclui: (1) data, local, mecanismo, tipo e circunstncias do evento traumtico; (2) leses resultantes (descrio genrica, de acordo com a informao prestada pela pessoa); (3) estabelecimentos mdicos a que houve recurso, complicaes surgidas e tratamentos efectuados; (4) data de alta hospitalar; consultas em ambulatrio; (5) data de reincio da actividade profissional ou outras

    circunstncias, como a mudana de actividade profissional, o desemprego ou a aposentao;

    b) Os Dados Documentais so elementos fundamentais para a descrio concreta das leses sofridas e dos tratamentos efectuados, sobretudo tratando-se de uma situao com algum tempo de evoluo, na qual o perito j no observa as leses iniciais, sendo nesse caso obrigatria a

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    consulta desses registos documentais, geralmente clnicos. Deve ser feita uma descrio cronolgica dos dados relevantes, evitando-se transcries, mas havendo sempre que indicar a fonte da informao. Neste sub-captulo refere-se: (1) a data do evento traumtico; (2) as leses resultantes (descrevendo as leses de forma ordenada, de cima para baixo, da direita para a esquerda e de fora para dentro, contemplando todos os registos clnicos - se houver discrepncia entre alguns deles deve referir-se esse aspecto); (3) a indicao dos estabelecimentos mdicos a que houve recurso, as complicaes surgidas e os tratamentos efectuados; (4) a(s) data(s) de alta hospitalar; (5) as consultas em ambulatrio (especialidades, instituies, tratamentos, exames de diagnstico complementar efectuados e perodo de consultas com referncia s datas de alta); (6) os parmetros de dano valorados por outros peritos, se for caso disso.

    c) Os Antecedentes, referem-se aos pessoais patolgicos e/ou traumticos que podem ser relevantes ou influenciar o resultado final do estado sequelar relativo ao caso em anlise (com base

    na informao da vtima e/ou em registos clnicos), podendo descrever-se, tambm, os aspectos relevantes dos antecedentes patolgicos familiares, caso existam. Este aspeto fundamental para a determinao do nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, na medida em que nele feita a anlise do estado anterior da pessoa relativamente ao traumatismo.

    O captulo do Estado atual inclui as Queixas, o Exame objetivo e os Exames complementares:

    a) Nas Queixas, descrevem-se os danos relativamente s funes e situaes de vida, nveis estes j atrs referidos. Dado que na maior parte dos casos so evidenciados aspectos descritos pela vtima, importa fazer uma entrevista orientada e sistematizada, mas com recurso frequente a perguntas abertas, que no sugiram as respostas.

    b) No Exame objetivo descreve-se o dano no Corpo. Deve comear-se pelo estado geral da pessoa, fazendo-se depois uma descrio orientada e rigorosa, com indicao de todas as caractersticas das leses ou sequelas, tambm j atrs descritas. Deve ser tambm feita referncia a eventuais alteraes encontradas que sejam resultantes de um estado anterior.

    c) A nvel dos Exames Complementares de Diagnstico, descrevem-se as concluses dos exames solicitados pelo perito, indicando-se a data e local de provenincia dos mesmos (e.g., parecer de ortopedia ou de oftalmologia, relatrio de exame imagiolgico ou eletrofisiolgico).

    O captulo da Discusso ser elaborado se for possvel concluir definitivamente o relatrio e ser

    diferente conforme o mbito do Direito em que a percia esteja a ser realizada. Neste captulo incluiu-se, em todos os casos, a discusso do nexo de causalidade e a definio da data da cura ou da

    data de consolidao mdico-legal das leses, aspetos tambm atrs j discutidos.Depois de referir estes dois aspetos, procede-se interpretao dos resultados do exame efetuado, o que se faz em dois momentos: perodo de danos temporrios e perodo de danos permanentes. Os parmetros do dano que se iro discutir dependero do mbito do Direito em que o exame tem lugar. O captulo das Concluses pode ser preliminar ou definitivo. Se no for possvel concluir o relatrio

    de forma definitiva (por ainda no ter sido atingida a cura ou consolidao mdico-legal das leses,

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    porque so necessrios exames complementares ou de outras especialidades, ou porque so necessrios registos clnicos, etc.), apresentam-se Concluses Preliminares, indicando-se o que se necessita para se poder concluir o exame, bem como se ou no necessria nova presena da vtima. As Concluses, quando definitivas, no devero ser longas, incluindo apenas a referncia

    existncia ou inexistncia de nexo de causalidade, data de cura ou de consolidao mdico-legal das leses, e aos diversos parmetros de dano mencionados e fundamentados na Discusso.

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    Do perito mdico esperado que d uma resposta adequada ao objetivo da percia, de forma sempre imparcial e objetiva, descrevendo a complexidade do dano corporal sob o ponto de vista tcnico com palavras simples, para que todos os profissionais implicados nas questes de avaliao e reparao

    deste dano a possam analisar sobre bases concretas, garantindo-se, assim, que a deciso sobre a indemnizao a aplicar se fundamenta na informao pericial (ANCIAUX P, ATTANIAN E, 1993; ROGIER A, 1993). Para isso, o perito mdico deve seguir e respeitar normas, modelos e metodologias periciais que para cada tipo de avaliao mdico-legal tenham sido superiormente definidas, sendo esta a nica via

    possvel para a harmonizao da atividade pericial, de forma a que se observe o princpio da equidade, ou seja, o tratamento igualitrio de situaes equivalentes. Essa harmonizao fundamentalcomo garante de uma boa administrao da Justia e no coarta, de forma alguma, a liberdade tcnico-cientfica dos peritos mdicos, nem limita a plena manifestao das capacidades daqueles que,

    por via da sua elevada experincia, enriquecem o exerccio desta atividade pericial (MAGALHES T, CORTE-REAL F, VIEIRA D, 2008). Efetivamente, o perito deve gozar sempre de autonomia no exerccio das suas funes, sendo o responsvel pela elaborao do relatrio pericial, o que no colide com o facto de dever estar obrigado a respeitar as normas, modelos e metodologias periciais, tal como consignado na lei portuguesa relativa s percias mdico-legais (Lei 45/2004, de 19 de agosto). Esta autonomia , alis, fundamental para que o perito no se sinta constrangido na redao das concluses que considere mais adequadas a cada caso. De facto, a pessoa que realizou o exame a que mais aprofundadamente observou a vtima e analisou o caso, pelo que ser a que se encontra em melhores condies para proceder correta valorao dos danos; isto confere, tambm, uma maior responsabilidade ao seu trabalho (MAGALHES T, CORTE-REAL F, VIEIRA D, 2008).As normas e metodologia de realizao do exame e de elaborao do relatrio devem ser adequadas a cada mbito do Direito e aos seus respetivos objetivos, pelo que, independentemente do modelo de relatrio pericial, de uma forma genrica, poder ser semelhante, independentemente do mbito do Direito em que este se esteja a elaborar, devero existir normas adaptadas a cada mbito do Direito em que a percia tem lugar, designadamente Penal, Civil e Trabalho, sobretudo no que aos captulos da Discusso e Concluses diz respeito. Por isso, fundamental existirem normas procedimentais adaptadas aos objetivos de cada ramo do Direito, as quais orientem cada tipo de percia, sendo certo que a percia pode ter relevantes implicaes na deciso judicial.

    PERSPETIVAS FUTURAS

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    Dos resultados deste estudo conclu-se que a avaliao do dano corporal ps-traumtico em Angola, no caso dos acidentes de viao e de trabalho, tendo em vista a indemnizao da vtima, apesar de ser concretizada, no obedece a qualquer tipo de norma (por esta no existir). Acresce que nos casos em que os procedimentos com vista avaliao e reparao dos danos esto legalmente regulamentados, estes no obtm, num grande nmero de casos, o seu cumprimento, seja porque se tratam de normas

    ainda recentes, seja porque os intervenientes as desconhecem ou no as interiorizaram ou, ainda, porque no terreno no existem condies adequadas para a sua implementao. Esta constitui, pois, matria a merecer reflexo.

    Por isso, alm da definio de normas para avaliao do dano corporal, existe tambm a necessidade

    de se definir em termos legais e de uma forma clara, um sistema organizacional e respetivas

    competncias da(s) instituio(es) envolvida(s), bem como dos peritos mdios. Existe, ainda, necessidade de repensar a formao/especializao desses peritos mdicos, designadamente, e neste caso, em matria de avaliao do dano corporal ps-traumtico.

    No que s normas para avaliao do dano corporal diz respeito, consideramos que as portuguesas,atrs descritas, se podem facilmente adaptar situao legal angolana, havendo at diversas similitudes no que s questes a nvel laboral se refere. J no que aos instrumentos de avaliao se refere, designadamente a tabela de incapacidades, julgamos que importar ponderar a sua atualizao, bem como o interesse de separar claramente a tabela para acidentes de viao da dos acidentes de trabalho. Assinale-se, ainda, que para alm da avaliao do dano corporal numa perspetiva mais fsica, importa que os mdicos que trabalham com vtimas deste tipo de acidentes conheam e percebam o mecanismo psicolgico do trauma e as suas consequncias, o que fundamental no apenas para garantir corretos diagnsticos mas, tambm, a adequada abordagem da vtima, tendo em vista evitar a sua vitimao secundria (agravamento do trauma sofrido). De facto, o trauma no corresponde apenas ao traumatismo fsico, sendo que os eventos traumticos podem ter etiologias diversas e consequncias orgnicas, psicolgicas e/ou scio econmicas (TEDESCHI RG, CALHOUN LG, 1995). Por outro lado, um dano psicolgico ou emocional pode existir independentemente do dano orgnico, o que pode ser valorado, para efeitos de dano corporal, num quarto nvel a acrescentar atrs referida avaliao tridimensional do dano, neste caso do nvel da subjectividade (HAMONET C, MAGALHES T, 2000).Por tudo isto, existe a necessidade de uma formao/especializao dos peritos mdicos. Essa formao, e como j atrs referido, existe em Portugal, sendo de ponderar a possibilidade de importar esse modelo o que, numa primeira fase, pode passar por levar at Angola a organizao do Curso de Avaliao do Dano Corporal Ps-Traumtico. Isso j comeou, alis, a ser feito com o Brasil.J quanto organizao dos procedimentos periciais, consideramos que o modelo de funcionamento das percias mdico-legais em Portugal, consignado na Lei 45/2004, de 19 de agosto, mereceria ser analisado e adaptado, nas suas virtualidades, realidade angolana. Isto poderia implicar, por exemplo, que o Departamento Nacional de Medicina Legal da Direo Nacional de Investigao Criminal de Angola visse as suas competncias alargadas para alm da interveno criminal, o que acarretaria pesadas mudanas em termos legais. Acreditamos, contudo, que a atividade pericial, pelas suas especificidades, resulta

    favorecida, sobretudo em termos de qualidade, se funcionar toda no mesmo organismo, garantidas que estejam as questes de imparcialidade e de iseno.

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    CONCLUSES

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    O presente estudo revelou que a avaliao do dano corporal em Angola est a dar os seus primeiros passos, no existindo ainda uma metodologia definida e harmonizada, fundamental para garantir a

    equidade da avaliao e, consequentemente, a justia da reparao. Deste estudo resulta que os relatrios periciais alvo de anlise (n=301), e independentemente de serem elaborados por motivo de acidente de viao ou de trabalho:

    a) No descrevem os antecedentes patolgicos e traumticos das vtimas,b) Descrevem o mecanismo do traumatismo/acidente, sem contudo o pormenorizar;c) Em 3% dos casos no fazem referncia s leses resultantes nem localizao dessas leses;d) Em 93% dos casos no descrevem as sequelas a nvel do corpo;e) Em quase 100% no descrevem as sequelas funcionais nem situacionais;f) Nunca fazem referncia ao nexo causalidade entre o traumatismo e o dano;g) Em 66% dos casos no fazem referncia data de consolidao mdico-legal das leses;h) Em 54% dos casos no fazem referncia aos parmetros de dano temporrio;i) Em 99% dos casos no fazem referncia aos parmetros de dano permanente.

    Note-se que estes relatrios correspondem, apenas, realidade de uma entidade, a qual os disponibilizou para estudo, sendo certo que, por conhecermos a realidade angolana podemos afirmar

    que este panorama semelhante pelo menos maioria dos outros casos.Revela-se, pois, necessrio definir normas procedimentais para a realizao dos exames e elaborao

    dos relatrios periciais, que permitam a harmonizao destas prticas a nvel do pas, as quais se podero inspirar no modelo portugus que aqui fomos apresentando nas suas linhas gerais. Necessrio ser, tambm, investir na formao de pessoal de todos os mdicos que exercem ou venham a exercer atividade pericial desta ndole. De facto, no que se refere avaliao do dano corporal, imprescindvel que o perito mdico, no desenvolvimento da sua misso pericial, conhea o regime jurdico que a rege e tenha a perceo do alcance e das consequncias dos seus pareceres, por forma a elaborar os relatrios percias de maneira adequada e em harmonia com a ordem jurdica (MAGALHES T, PINTO DA COSTA D, 2007), dado que tal ir condicionar significativamente

    a possibilidade de vtima ser proporcionada a sua adequada reabilitao e reintegrao, bem como atribuda a justa reparao do dano.Finalmente, importar repensar a organizao mdico-legal angolana, o que ser fundamental para apoiar a implementao dos procedimentos normativos a que aqui fizemos referncia.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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