the pact of the wolves - visionvox.com.br · que estavam envolvidos em um famoso julgamento de...

184
1

Upload: phamthu

Post on 13-Feb-2019

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

2

The Pact

Of

The Wolves

Nina Blazon

3

Sinopse

Blanka, uma garota de 16 anos de idade, ganhou uma bolsa de estudos

numa escola centenária, fundada num local de um Convento e orfanato

que estavam envolvidos em um famoso julgamento de bruxas do século

XVII. Na noite de orientação ela é perseguida pelos Lobos, um grupo de

estudantes de origem misteriosa. Blanka tenta escapar dos ameaçadores

estudantes, ela se depara com o corpo de uma mulher morta, assim

começa uma investigação que a leva de volta ao passado negro da

escola. Com a ajuda do namorado de sua colega de quarto, um ex-

assistente na escola com uma extraordinária capacidade de assaltar

lugares, e um estudante universitário que também é perseguido pelos

Lobos, Blanka viaja através de indícios e documentos históricos, com

uma capacidade quase psíquica.

4

Prólogo

Desde o começo dos tempos havia deslizado pelos corredores. O lugar era

escuro como a noite, mas seus olhos estavam cientes de todas as tonalidades em

cada canto, cada fresta entre as lajes de pedra. Poderia distinguir cada cheiro - o

odor que se alternava entre o pó de velhos e novos, um odor estranho. Uma e outra

vez ele tentou se levantar, finalmente fazendo o seu caminho como de costume, em

quatro pés.

A partir do som que fez a auto-execução pela frente em ambas as pernas,

parecia ter percebido que embora ele estivesse engatinhando, era mais rápido,

muito rápido, o que o Ser aparentemente não conseguia ver bem no escuro.

Laboriosamente Ser andou ao longo das paredes, ocasionalmente tropeçando,

gritando com fúria toda vez que o fazia.

Para a batida de sua falta de ar, suas garras clicaram na pedra, que de

repente já não era áspera e fria, mas muito suave. Em torno de seu corpo, o espaço

estava sendo expandido para um infinito que refrigerava até o osso. De vez em

quando parecia estar flutuando no vazio, ou em um daqueles sonhos que muitas

vezes você lançou um feitiço. Quando ele dormia, seu mundo era fragmentado em

cores, imagens e rostos grotescos, até que começou com o terror, arranhões, pois

neste mundo de sonho que tinha arranhado o ferro. Eu podia sentir o cheiro do

sangue e do despertar do cheiro de mofo na cova de sua família, onde ele dormia.

Havia marcas de unhas nas paredes e em torno dele.

E, no entanto este lugar sem limites não parecia ser uma ilusão. Eu não

conseguia entender os sons agradáveis que Ser fazia, mas alguns eram familiares e

me fez sentir bem. Ser ainda foi em frente, inclinou-se correndo tão rápido que, no

final, parecia voar sobre o chão liso, animado com o comprimento da sala. O mundo

cheirava diferente aqui extremamente agudo- e todos os sons eram brilhantes.

Quando ela se abaixou e passou o nariz no chão liso, sendo chamado de volta.

— Vem! — Ser conhecia essa palavra muito bem, mas da boca do estranho

para Ser não soa como uma ordem, mas sim como uma carícia. — Venha, venha

comigo! — Defendeu a voz, e de repente se virou e se inclinou sobre ele,

envolvendo-o em um abraço. Senti o medo de Ser agarrado a si mesmo até que

seus músculos começaram a tremer e ele fechou os olhos com medo. Estranhas

imagens extravagantes bombardeavam-no. Ainda assim, foi puxado na vertical. Ele

resmungou, porque foi atingido por uma estranha sensação - talvez até mesmo

5

perigosa. Balançando-se e se dobrando, ficou lá curvado sobre Ser sentindo sua

pulsação.

— Venha comigo! — Ele repetiu. Sentiu o cheiro da pele, agradável e

estranhamente familiar. Ele caiu de novo. Sussurrando, soava incompreensível que

penetrou sua consciência. Mas Ser pareceu não ouvir, arrastando e arrastando

pelos pés, foi se tornando mais e mais forte. A luz cintilou no chão e paredes. Ser

gritou e se arrastou para trás tão rápido que ele bateu numa coisa clara, dura, e

deu um grito de dor. Uma voz cresceu, houve gritos, passos. Algo esbarrou em seu

ombro. Pela primeira vez em sua vida, morderia uma mão, mas seus dentes só

moderam o ar, por causa da luz ofuscante. Houve um baque, algo se apreendeu de

Ser e jogou-o no chão. Sons da dor e duras palavras vinham e iam, e alguém gritou

para Ser, que, como ele, estava agachado no chão. Ser gritou algo e depois houve

outro golpe.

— Venha! — Esta palavra, desta vez era uma ordem. Assobiou,

arreganhando os dentes. Seus olhos piscando pela luz refletida no chão e passou

por cima de um objeto liso e transparente, então, de repente pousou sobre eles.

Eles viraram a cabeça e fugiram. No momento seguinte o seu mundo foi

despedaçado pela dor. Os dentes foram enterrados no pescoço e ombro. Ser gritou

uma última vez. O cheiro de sangue em torno dele. Então tudo ficou em silêncio.

6

Capítulo 1

Blanka

Blanka estava congelando. Apesar de ser meados de abril, ela não havia

levado uma jaqueta. Havia esperado estar em constante movimento, não

esperando ao redor da esquina mais afastada do campo a beira do bosque.

A escola era uma silhueta irregular contra o céu noturno. Um semicírculo de

tochas, presas por suportes de ferro, iluminavam as árvores atrás dela.

Duas figuras camufladas com capas escuras, carregando tochas, haviam

simplesmente, aparecido e levado longe um segundo grupo de estudantes.

Agora havia somente quatro deles à esquerda – duas outras garotas, que já

haviam emparelhado, permaneciam um pouco afastadas deles; Blanka e um garoto

pálido com cabelo loiro, alguém que ela não havia notado esta manhã na cerimônia

de boas vindas.

— Se vê como eles estivessem sendo levados a uma execução, não é assim?

— disse o garoto pálido, abrindo o fecho de sua jaqueta.

Blanka envolveu seus braços ao redor de si e observou a pequena procissão

até que tudo que pôde ver foram dançantes pontos de luz. A última coisa que ela

queria era uma conversação. Já devia ter passado da meia noite e estava exausta.

Memórias dos passados dias corriam por sua cabeça: a longa viagem de trem, a

cerimônia de boas vindas, passando sua primeira noite sozinha em seu novo

quarto na ala de dormitórios das garotas da Escola Internacional Europa.

— Se as coisas continuam assim, todavia estaremos aqui amanhã pela

manhã. — comentou o garoto, tratando de seguir a conversa. — Se houvesse

sabido que estaríamos congelando nossos traseiros deste modo, teria chegado um

dia mais tarde.

As luzes das tochas descoloriram na distância. — O tipo que nos mostrou

nossos quartos hoje disse que o passeio turístico vai ao cemitério dos órfãos. —

7

continuou o garoto. — O velho cemitério do bosque costumava pertencer ao

Convento. — Nervosamente, passou as mãos por sua jaqueta outra vez. — Aposto

que alguns idiotas vão saltar de detrás das lápides e gritarão “Boo!” com trajes

estúpidos. Tudo é tão patético.

Blanka olhou o prédio da escola outra vez, tratando de imaginar ao

Convento que havia estado ali há séculos, ao invés da existência do moderno

prédio, de teto plano e com muitas janelas. O folheto havia mostrado um velho

desenho do prédio original.

Agora os únicos que recordavam a história desse lugar, era o velho

cemitério de órfãos com a capela Belverina, e os objetos expostos no museu do

Convento. E, desde logo, toda essa conversação da medieval Sociedade de Lobos, a

qual só pode pertencer os estudantes mais velhos. Coisa de meninos pensou

Blanka.

— Em que matéria você está se especializando? — perguntou o garoto.

— Matemática - probabilidades e estatísticas.

— Oh, então pode falar. — ele deu um sorriso inclinado. — Registraram-me

para o curso especial de artes. A propósito, meu nome é Jan.

— Oh!

— Estou te incomodando?

-— O que te faz pensar isso? — ela soltou. Inclusive quando falou, lamentou

ser rude. Depois de seu aniversário, esse maldito aniversário de dezesseis quando

tudo havia ido mal, que tudo poderia provavelmente ir mal a sua vida, ela parecia

ter se esquecido de como falar com outras pessoas. Jan imediatamente se calou, e

fingiu estudar as árvores. As duas garotas se moveram um pouco mais longe, então

poderiam mandar mensagens de texto sem interrupções.

Passou outra meia hora em silêncio antes que os pontos de luz começassem

a dançar outra vez. Cinco figuras estavam vindo sobre a campina até eles. Dois

estavam usando máscaras de lobo, e as outras usavam trajes medievais. Uma delas

reluzia de um brilhante amarelo e vermelho a luz da tocha.

— Por que há tantos agora? — sussurrou Jan.

— Quatro para nos dominar e um para agitar a faixa. — respondeu Blanka.

8

Jan soltou um riso nervoso. — Deve parecer gracioso agora, mas no

caminho para cá, conheci um estudante universitário, ele costumava vir a essa

escola.

— Bom, claramente sobreviveu ao passeio turístico noturno.

— Ele não mencionou esses mascarados. Ele só disse que os Lobos estavam

todos loucos e que deveria ter cuidado. Eles arrastaram um garoto que havia

enrolado com eles fora de seus quartos uma noite, colocaram-no em um saco, e o

jogaram no rio.

— Quê?

— Tenho certeza de que ele não estava exagerando. — Jan baixou sua voz a

um sussurro, como se as figuras se aproximando pudessem ouvi-los. — Resultou

que o saco era fácil para abrir e o rio tinha só um metro ou dois de profundidade,

mas ainda assim...

Blanka tremeu. A noite parecia ainda mais fria. — Que aconteceu depois?

— Ele não pôde provar que os Lobos haviam feito isso. Todos eles tinham

desculpas, e o diretor naquele tempo acreditou neles.

— Relaxe. — disse Blanka. — É só um passeio turístico, no folheto o faziam

soar como uma atração turística. Uma vez ao redor do campus, na velha casa

sensorial, e ao cemitério, isso é tudo.

— Silêncio! Sem falar!

Blanka e Jan giraram ao redor. Pontiagudos caninos brilharam na luz das

tochas, e órbitas vazias os olharam.

Um garoto alto, com uma máscara de Lobo deu um passo até eles. Levava

uma lança na mão e sua capa de pele estava surrada e fedida, como se houvesse

estado em um sótão úmido por um longo tempo. Algo sobre ele deixou claro que

ele era o que o resto seguia. Outra figura mascarada, usando um traje de sacerdote

verde escuro e uma máscara de ferro, também havia saído do bosque e, agora,

estava ao seu lado. Blanka por pouco retirou um comentário depreciativo, sua

entrada misteriosa havia tido efeito e ela não se sentia tão valente. Quanto tempo

poderiam ter estado esses dois se escondendo e observando o bosque atrás deles?

Há esta hora os demais haviam cruzado o prado e formaram um círculo perto dos

quatro recém chegados.

9

— A quem levaremos? — grunhiu o da túnica colorida. De seu cinto

pendurava o que parecia ser um longo osso, de cor clara do qual os buracos haviam

sido perfurados a intervalos regulares. Isso poderia ter sido uma flauta. Houve um

som de tilintado quando ele saltou para frente e deu a Blanka um rude empurrão.

— Hey! — ela gritou em protesto, dando um passo para trás. Ela sentiu o

fôlego de outra das figuras mascaradas na parte de trás de seu pescoço e saltou. Ela

examinou os olhos azuis claro.

— Hmm, nós pegaremos esses dois do fundo, e este pequeno. — declarou

um deles. — Assustar-se-á de outro modo, sozinho na escuridão! — era uma vez

feminina, e seu traje confeccionado sobre o hábito de um monge, exceto pela larga

vara que ela repetidamente golpeava contra sua mão. Blanka lembrou algo.

Poderia ser ela a garota de cabelo curto que lhe havia designado seu quarto? Ao

redor da máscara branco gesso, dava-lhe a seu rosto uma expressão severa,

tranças obscuras sobressaiam.

— Então, você volte ai – e vocês! — rugiu o garoto que havia empurrado a

Blanka, apontando sua flauta de osso às garotas e a Jan.

Como se pela ordem, os demais inclinaram suas cabeças para trás, e

começaram a uivar, apertando o círculo e levantando suas tochas de modo

ameaçador.

— Calma. — se queixou Jan. Ele ajustou sua jaqueta outra vez, e se uniu as

duas garotas. O círculo desapareceu quando dois dos Lobos tomaram seus lugares

a direita e a esquerda deles. Eles assentiram aos demais e partiram com os três

novatos através do prado até a escola. Jan olhou para trás e vacilou por um

momento, mas quando viu a Blanka estendendo a mão a sua mochila como se fosse

se unir ao grupo, então deu a volta e alcançou aos outros.

— Onde pensa que vai? — a monja perguntou de maneira ameaçadora,

dando um passo a frente de Blanka. Batendo, batendo a vara. — Não podemos

levar mais de três pelo passeio turístico. Antes que Blanka pudesse responder, os

outros haviam formado uma barreira diante dela. Involuntariamente, ela pegou

sua mochila. O garoto alto, o com a lança, deu um passo fora da linha e andou em

um círculo ao seu redor.

— Não é tanta a diversão por estar aqui sozinha, verdade? — murmurou. Os

outros riram, como se o ordenasse.

— O que você pensa que está fazendo? — Blanka perguntou com

indignação, sua voz um pouco mais estridente do que teria gostado.

10

O líder estendeu sua mão para acariciar seu cabelo preto.

— Uma verdadeira Branca de Neve. — zombou. Seus olhos escuros

brilhavam detrás de sua máscara de Lobo. Sua voz parecia familiar a Blanka...

— Sei de você. — disse ela. — Esta tarde nos levou através da escola. É

Joaquim.

— Aqui só sou uma coisa... Teu pesadelo. — fez uma pausa para dar efeito -

Blanka.

— Estou impressionada. — respondeu zombeteira. — Levou muito tempo

para você aprender os dez novos nomes de memória?

— Sabemos muito mais sobre você. — lhe sussurrou Joaquim. — Você vem

de um pequeno povoado do lado de nada, lê muitas histórias de detetives, e quer

cursar psicologia na universidade. É boa em matemática – mas não o

suficientemente boa para esta escola. E quando tenhamos terminado contigo,

entenderá por que.

Desde a batida em seus dedos, Blanka se deu conta do quão forte que estava

segurando as alças de sua bolsa. Os Lobos estavam em silêncio agora, só uma

parede de boca, as manchas de sombra e as línguas de fogo. Aproximou-se um

pouco mais. A monja se apoderou de seu bastão com firmeza. Blanka se obrigou a

responder com calma.

— Incrível. — disse a Joaquim, olhando-o no rosto. — Inclusive pode ler as

listas de designação dos quartos. Quanto tenha terminado com essa farsa, pode

finalmente partir?

Ninguém respondeu. O silêncio era asfixiante. Então a monja maneou seu

bastão e, com um grito de guerra, deu um salto para frente. Pegou o pau tão rápido,

que Blanka teve apenas tempo de raciocinar. A arma se deteve justo diante de seu

nariz.

— Nariz quebrado. — sussurrou a monja. Rápida como o raio, deu outro

giro e obrigou Blanka para um lado com um golpe fingido. — Costas! — os demais

Lobos riram. O coração de Blanka estava correndo como em uma maratona, e

sentia como se os joelhos fossem de borracha. Já não era uma brincadeira.

—Tem medo? — sussurrou o menino com a flauta de osso. — Você deveria!

- Blanka tragou saliva.

11

— Cinco contra um. — respondeu ela. — Ao que parece, são vocês os que

têm medo. — a monja ria.

Joaquim deu um passo à frente. — Bom, vamos ver quão valente você é de

verdade. — ao sinal dele, seus seguidores pegaram as tochas de seus participantes.

Deixando só uma em seu lugar.

— Voltaremos. — disse em voz baixa. — E então veremos quem tem a boca

grande aqui. Ou você vai correr direto para casa da mamãe? — riu, deu a volta e

partiu. Obedientes, os Lobos o seguiram.

— Dez minutos, Joaquim. — chamou Blanka depois deles. — Não vou

esperar mais que isso. — ninguém se virou.

Blanka se deixou cair sobre a grama fresca e tratou de respirar com calma.

Levou um bom tempo. Não até que os Lobos estiveram longe de vista começou a se

sentir irritada. Por que se deixou intimidar por ela?

Evidentemente, assustar aos novos estudantes era parte do programa. Bom,

sem dúvida esses disfarces tão estranhos não eram de seu agrado. Abraçou as

pernas e pôs sua cabeça sobre os joelhos. Tão logo como ela fechou os olhos, viu o

rosto de seus pais.

Precisamente ontem a haviam levado até a estação. Através da janelinha do

trem que havia visto seus infelizes rostos, se tornar cada vez menores. De certo

modo, parecia que havia sido há anos, porém a sensação de perda era, todavia,

intratável.

Quando Blanka abriu os olhos, só via escuridão. Devia ter dormido. A tocha

só havia desaparecido, fazia ainda mais frio e as pernas estavam adormecidas.

Atordoada, esfregou os olhos, buscou no bolso e pegou seu relógio do bolso. A lua

crescente estava parcialmente escurecida por uma nuvem de luz, e em sua luz fraca

só se podia adivinhar a posição dos ponteiros do relógio. Ela havia estado sozinha

durante quase uma hora. Blanka lutou contra o impulso de gritar de raiva. Os

Lobos simplesmente a haviam deixado para trás! Como poderia ter sido tão

estúpida como para esperar na beira do bosque como um cachorro bem adestrado?

Nem sequer havia se surpreendido por terem levado as tochas com eles. Claro:

desempenhavam esse truque com o último estudante, e hoje passou a ser ela.

Pouco a pouco ficou de pé e esfregou os joelhos esticados.

— Idiotas. — resmungou ela. Com passos inseguros cruzou o gramado, em

direção aos prédios que apenas se distinguiam. Os arbustos pareciam sombras que

espreitam ao lado da rota principal, mas o rangido dos sapatos no cascalho era

12

reconfortante. Por último, Blanka alcançou o estacionamento dos visitantes e

correu pelo caminho de pedra até a porta principal.

Diretamente na frente dela estava à antiga casa solar, que havia sido

construída nos início do século XX. Hoje em dia, servia como dormitório dos

meninos. Blanka recordou que o dormitório das meninas estava à direita deste

prédio, no mesmo edifício da biblioteca, e se dirigiu até a estrutura de vidro. A

porta estava fechada – claro. Olhando ao redor, Blanka descobriu uma entrada

lateral à esquerda, onde estava a campainha e o porteiro.

Teria que levantar alguém para conseguir entrar no interior do prédio. O

sensor de luz acendeu de forma automática, sobressaltando-a. Blanka vacilou, e

logo fez soar a campainha. Esperando uma voz cansada, e sem nenhuma expressão

no outro extremo, apoiou-se contra a porta e quase caiu de bruços sobre o umbral.

Olhou estupefata, ao corredor escuro que tinha aberto diante dela. A porta estava

aberta!

Nenhuma voz chegou através do comunicador. Bom, ao menos não se

afogaria na vergonha de ter que explicar o que estava fazendo aqui, às duas da

manhã.

O corredor passava pelos banheiros do vestíbulo da biblioteca. As portas de

vidro brilhavam pretas como a água do pântano. Aqui, em terreno seguro, Blanka

sentiu a volta do esgotamento. Ela só queria dormir. Sentiu um puxão no pescoço.

Por ali deveria ter uma porta ou janela aberta. Blanka se deteve e aguçou o ouvido

na escuridão. Por suposto que podia escutar algo – todo mundo escuta ruídos na

escuridão. Este lhe recordou a uma lamúria metálica distante. Blanka conteve a

respiração e esperou. O ruído cessou, e em seu lugar, imaginou, sentiu um

movimento nas sombras a sua direita.

— Olá? — gritou tentando. Silêncio. Sem dúvida, o interruptor de luz

deveria estar em algum lugar perto das portas. Ela bateu com a mão contra a

superfície dura, que estava mais perto do que esperava. Seus dedos tocaram pela

primeira vez o vidro frio, e logo metal, e, por último, papel tapete liso. Ao final

encontrou o interruptor. A luz fluorescente piscou. As mesas de leitura brilharam

entre as cadeiras desertas.

Blanka soltou um suspiro de alívio, seguiu seu caminho passando as mesas,

e foi até a escada que conduzia ao segundo andar. Lembrava-se bem, o cômodo

principal da biblioteca estava à direita, e à esquerda estavam as escadas que

conduziam a casa.

Enquanto corria, quase não se deu conta do objeto no chão – uma capa

enrugada de algum tipo. Parecia como se alguém acabasse de jogá-la sem cuidado.

13

Mas, havia algo envolto nela? Blanka se deteve para dar uma olhada mais de perto.

Deu-se conta dos dedos que sobressaiam de uma das mangas largas. E meio

escondido debaixo da volta do pescoço para baixo, rodeada de cabelo cinza escuro,

uma bochecha estava tocando o chão de pedra. Com uma expressão de assombro

suave, azul, os olhos abertos olhando o vazio.

14

Capítulo 2

Madame Lalonde

A diretora Marie-Claire Lalonde tinha a situação sobre controle. Havia

dito ao jovem detetive que se sentara na cadeira que estava mais próxima de seu

escritório, amavelmente, mas tão firme que não havia lugar para objeções. A luz

solar entrava, a lhes saudar na sala através da grande janela, e poderia cegar.

Cada vez que ele levantava a vista de seu caderno para perguntar a Blanka à

seguinte pergunta, ele entrecerrava os olhos. Blanka, por outro lado, estava

sentada na esquina sombreada, perto da porta. A cadeira era um tanto baixa como

para ser cômoda. A sala, em si, tinha um ar de sérias discussões e importantes

decisões. Normalmente, só os estudantes estariam sentados aqui, recebendo uma

reprimenda de Madame Lalonde. Logo de uma noite em vela, Blanka se sentia

desfocada e desequilibrada, mas, pelo menos, já não tinha frio, agora que Madame

havia colocado uma xícara de chá em suas mãos. O detetive não se via muito mais

desperto do que ela estava.

— Excelente. — disse finalmente, pondo seu lápis dentro do bolso de sua

camisa. —Acho que isso é suficiente por agora. — com algo de esforço, tirou um

cartão amassado de sua bem manuseada agenda. — Aqui está meu telefone para

contato. — a cadeira rangeu quando se inclinou para Blanka.

— Obrigada. — disse Madame Lalonde, interceptando e tomando o cartão

rapidamente. O detetive franziu o cenho, mas não fez objeções. Pela primeira vez,

Blanka acreditou ter visto um pingo de emoção em seu rosto. Parecia claro que não

lhe importava particularmente Madame Lalonde. A diretora não se sentou,

permaneceu parada com o cartão ainda em sua mão. Em verdade, Blanka estava

agradecida nesse momento pelas autoritárias maneiras desta alta e assombrosa

mulher. O detetive ficou de pé.

— Se pensar em algo mais, ligue para mim. — disse ele, olhando para

Blanka diretamente. — Carsten Seibold, tudo está no seu cartão. — na palavra

‘seu’, a qual enfatizou, dirigiu um olhar de soslaio a diretora.

15

— Farei isso. — Blanka conseguiu dizer. — Obrigada.

— Bom, então estou indo. Agora se cuide.

Quando ele ofereceu sua mão para um aperto – uma mão que saiu de uma

ampla que era um tanto larga demais – seu estômago se sacudiu. Ela teve que

forçar a si mesma a lhe dizer adeus. Madame Lalonde estava olhando atentamente

cada um dos movimentos do detetive – como se estivesse assustada de que ele

pudesse tirar uma arma e levar Blanka para fora. A porta se fechou, e tudo

terminou. Blanka soltou um suspiro de alívio e se enterrou mais em sua cadeira.

Seus dedos estavam batendo por culpa do calor da xícara.

— Pelo menos beba um pouco mais. — disse Madame Lalonde. Ela se

moveu até onde o oficial de polícia havia sentado. Diferentemente dele, ela não

entrecerrava os olhos, ainda que a luz do sol estivesse chegando direto ao seu

rosto, destacando cada pequena linha. Obediente, Blanka levou a xícara aos lábios e

sorveu.

— Sinto que você tenha tido que passar por isso. — disse Madame depois de

uma longa pausa. — E no seu primeiro dia em minha escola. — Blanka estava a

ponto de responder, mas a diretora continuou. — Bom, pelo menos pude te

oferecer o maior apoio que tenhamos disponível. Aqui, no Colégio Europa

Internacional, nós temos a sorte de ter relações próximas com a Universidade.

Você sabe que, por suposto, nossos cursos opcionais são dados, em parte, pela

associação de professores dali. Um deles é um grande psicólogo, Dr. Hasenberg, e

ele estão aqui, no colégio, pelo menos uma vez por semana. Assim que se você

quiser...

—Não, obrigada. — disse Blanka. — É amável de sua parte oferecer, mas

posso dar conta do que passou ontem à noite. Só estou esgotada. — Acaso ela

passando por um naufrágio emocional?

Madame Lalonde franziu o cenho. Blanka teve o pressentimento de que ela

estava analisando suas palavras, colocando-a na luz e retorcendo e adiantando,

como um médico olhando uma placa de raios-X. Ela fez um esforço para lhe

devolver o olhar à diretora com indiferença. Os olhos de Madame não eram azuis,

mas um não usual círculo preto contrastava fortemente com a íris. Era um olhar

hipnotizante e, espantosamente intenso.

— Entenderia se você quiser voltar para casa por um tempo logo depois

desse choque. — disse finalmente a diretora. Sua voz soava cálida e compreensiva.

— Se você quiser, pode voltar em algumas semanas. — A xícara se sentia como um

peso de chumbo nas mãos de Blanka. Sua casa passou diante de seus olhos: seu pai

inclinado sobre um rádio que havia desmontado, com sua testa profundamente

16

enrugada; sua mãe voltando para casa do trabalho, pálida, mas se movendo

energicamente, com os cômodos sapatos que usava tarde nos corredores e no

restaurante do Hotel Mountain View. Esta imagem parecia alheia a ela nesse

momento, e não se sentia como em casa. Ela lembrou as palavras de Joaquim. —

Você não é boa o suficiente para essa escola. — afirmações como essa não

deveriam incomodá-la, não a ela, a Blanka de quem ela tanto se orgulhava de que

não chorava. De todas as formas, as lágrimas repentinamente encheram seus olhos.

Ela revirou nos bolsos de seu jeans até que tirou um lencinho amassado. Pelo canto

do olho, viu que Madame Lalonde estava ficando de pé, e no momento seguinte

sentiu uma mão em seu ombro.

— Se você não se sente bem para continuar estudando depois deste

incidente, nós podemos atrasar sua solicitação por seis meses. Você nem sequer

teria que solicitar de novo, tua beca seria simplesmente adiada até que...

— Não! — a palavra escapou de maneira mais violenta do que ela queria.

Ela se aferraria a esta oportunidade que o colégio estava lhe dando. Para surpresa

de Blanka, a diretora riu.

— Não quebre a pobre xícara! Ninguém quer te mandar para longe daqui,

começando por mim. Estou contente de admitir uma estudante tão boa. Tenho que

ler tua solicitação cuidadosamente. Está interessada em fazer psicologia na

universidade?

Blanka assentiu.

— Bom, acredito que você tem o que precisa. Tua determinação de

permanecer aqui, por um lado, demonstra-me que você não se retrai facilmente. —

Madame Lalonde sorriu e, repentinamente, parecia muito agradável. Seu cabelo

cor de caramelo brilhou com a luz matutina do sol. — Sabe, estava segura de que

você ficaria. Quase nunca me equivoco em minha avaliação dos novos estudantes.

— com estas palavras, ela voltou a seu escritório. Blanka escutou o rangido de uma

gaveta sendo aberta. Madame Lalonde continuou falando enquanto pegava uma

grande quantidade de papéis. —Você é muito brilhante, isso esta claro. Mas, às

vezes, tem a língua muito mordaz. Estou certa? Acho que você no fundo é um tanto

diferente. — seus olhos eram suaves e amáveis. — Eu era muito parecida com você

quando era jovem. Tenho certeza de que se encaixará muito bem aqui.

— Bom, não é isso que acham os Lobos. — as palavras simplesmente

saíram. — É verdade que uma noite eles jogaram um estudante no rio?

Os olhos de Madame Lalonde se tornaram sérios novamente.

— Quem te disse isso?

17

— Um estudante novo, ele escutou isso a caminho daqui.

Madame Lalonde suspirou e empurrou uma mecha perdida de seu cabelo

para trás da orelha.

— Sim, essa história tem dado voltas durante bastante tempo, é uma lenda

urbana persistente. — disse. —Ainda que, em todo tempo que levo sendo diretora

aqui, nunca recebi uma queixa como essa. O que é mais difícil, eu posso imaginar

como alguém pode ter, supostamente, raptado um estudante de sua peça e

transportado até o rio sem ser visto.

— Além do mais, quase não posso imaginar como alguém, supostamente,

pode seqüestrar um estudante de seu quarto e carregá-lo até o rio sem ser visto. —

ela suspirou. — E com respeito aos Lobos... Bom, eu não posso dizer que aprovo

tudo o que fazem. Eles têm seus próprios rituais especiais, seu código de conduta, e

suas... Provas de valor, como qualquer outra associação de estudantes. Eles

pertencem à escola tanto como as exibições no museu e os castanheiros velhos no

parque. Eles têm sido uma tradição há mais de cinqüenta anos. — sorriu de novo.

— Até agora, cada estudante encontrou seu lugar aqui... Sempre que eles cheguem

com o poder necessário para permanecer. Mas não estou preocupada por isso

nesse caso. Se tiver algum problema com os Lobos, sempre pode vir até mim e

buscar ajuda.

Maravilhoso, pensou Blanka. Agora sou uma fofoqueira!

— Outra coisa que devo lhe dizer. — Madame Lalonde continuou. —É que

decidi te colocar com os estudantes na classe superior, ao invés de com os novos

estudantes. Caitlin O’Connell te ajudar| a se adaptar. Ela vem da Inglaterra e, logo,

vai ter seus exames finais. Ela estará no quarto contigo em seu dormitório.

— Eu não preciso de nenhuma ajuda. — Blanka protestou. — Não estou

doente... Topei com um corpo morto na noite anterior. Eu não me esquecerei.

— Claro. Mas tenho certeza de que gostará de Caitlin. Matemática é um de

seus temas mais forte.

Blanka olhou com interesse. Bom, isso era diferente. Bebeu o último gole de

seu chá, e assentiu.

— Está bem. — disse tratando de sorrir. — Por agora, ao menos. Mas há

algo mais... — tragou saliva e se fez a pergunta que o detetive Seibold não havia

respondido. — A mulher morta... — viu a diretora ficar rígida ligeiramente. — Ela

quebrou o pescoço quando caiu, não?

18

Madame Lalonde apoiou os cotovelos sobre a mesa.

— Pelo que sabemos agora, sim, parece que sim. — disse finalmente.

— O detetive Seibold é da brigada de homicídios?

— Sim. No caso de uma morte súbita como esta, o primeiro que fazem é

comprovar se pode ter sido um assassinato. Sobretudo porque não temos a menor

idéia de quem era a mulher, nem como se meteu no prédio.

— A porta estava aberta.

— Eu sei. Você disse ao detetive Seibold. Bom, ela não poderia tê-la

quebrado.

— O que poderia estar buscando?

— Tem alguma ideia de quanto vale uma página de nossa crônica do século

XVII do Convento? — ela parecia estar lutando para recuperar a compostura. — No

entanto, não é nosso problema. É trabalho da polícia, e ninguém além da polícia

deve averiguar o que aconteceu.

Com estas palavras, a diretora fechou a gaveta de sua mesa com força.

Houve uma batida na porta que fez Blanka pular.

— Entre. — disse Madame Lalonde, sua voz demorou a voltar. Um homem

alto entrou. Quando se deu conta de que a Sra. Lalonde não estava sozinha,

arqueou as sobrancelhas.

Blanka o havia visto antes. Ele era o tratador, lembrou um velho rabugento

que parecia que havia bebido demais durante os últimos trinta anos. As veias finas

em seu nariz vermelho brilhavam de uma cor púrpura escura. Ainda assim, tinha

uma jaqueta esportiva e a olhou fixamente.

Blanka nunca havia visto um tratador com uma jaqueta esportiva antes. Mas

então, nada em absoluto nessa escola parece normal?

— As cadeiras e as lâmpadas estão aqui. — grunhiu. — Você tem que

assinar a folha de entrega. E o eletricista quer saber onde colocar as luzes.

— Claro. — exclamou a Sra. Lalonde. — Blanka, por favor, desculpe-me

alguns minutos.

19

Com passo rápido, a diretora saiu do escritório. Blanka ouviu o molho de

chaves que o tratador levava atado à cintura, tilintando a cada passo. Sem olhos

sobre ela, por fim, a tensão começou a se desvanecer. Perguntando-se quanto

tempo poderia demorar à Sra., ela retrocedeu o braço, apontou e jogou o tecido

enrugado sobre a gaveta de papéis para o lado.

Blanka se levantou e se aproximou da mesa. Olhou pelo canto do olho para a

porta entreaberta, mas, para seu alívio, não escutou passos. Assim que se escondeu

atrás da mesa, pegou o pano e o levantou de novo. Assim que era assim que se via o

mundo desde a perspectiva da Sra. Lalonde. Desde aqui se podia ver não só todo o

escritório, mas também parte do corredor, e (através da janela) a entrada principal

e o parque. Se houvesse estado sentada em sua cadeira na noite anterior, haveria

visto os Lobos saírem em busca de novos estudantes. Era muito mais interessante

o ponto de vista de Blanka, no entanto, a pilha de papéis sobre a mesa da Sra.

Lalonde. Blanka notou um desenho que parecia um diagrama geométrico com

ramificação. Só quando se aproximou foi um pouco mais consciente de que era

uma espécie de árvore genealógica. Ela deixou a xícara vazia e, inclinou-se para ver

melhor. Ao invés de nomes, escreveram abreviaturas, assim como símbolos que se

viam muito científicos. Os princípios da associação eram fáceis de reconhecer: as

conexões se mostram por dois anéis entrelaçados. Para Blanka pareciam a

intersecção de conjuntos matemáticos. Cada intersecção formava um filho... E em

um só lugar, inclusive dois filhos.

— Dr. Florian Hasenberg. — observou em forma abreviada na borda da

página. Blanka escutou o som de chacoalhar das chaves se aproximando. Pulou, e

tropeçou com algo brando e sem forma.

Surpreendeu a si mesma antes de cair, agarrando a borda da mesa para se

apoiar. Sacudiu o objeto que havia agarrado com o pé.

Era um bolso de couro com cor. Agachou rapidamente e o empurrou de

novo para onde havia se apoiado na mesa. A pele era tão suave como uma jaqueta

de camurça e em boas condições, ainda que não fosse nova. Algo na lapela lhe

chamou a atenção... Entrelaçadas iniciais queimadas no couro: um ‘M’ e um ‘J’.

Um instante depois, Blanka estava sentada em sua cadeira de novo, seu

coração sobressaltado. A diretora e o zelador entraram no cômodo em um

segundo.

— O Sr.. Nemec te levará ao seu dormitório agora. Blanka será hóspede de

Caitlin O’ Connell, pelo momento.

20

O homem estudou a Blanka, e logo assentiu. Seu olhar viajou na mesa, como

atraído por um imã. Blanka se ruborizou. Sua taça estava justo ao lado dos

documentos da Sra. Lalonde.

Soou o telefone.

— Lalonde. — a diretora respondeu. Sua expressão foi prática, mas então

seu olhar caiu em Blanka, e sua voz se fez mais amigável. — Claro. Um momento,

por favor. — ela sorriu alentando a Blanka. — É o seu pai. Ele disse que não pode

se comunicar contigo em seu celular.

Blanka se levantou e sacudiu a cabeça.

— Diga a ele que estou bem, e que vou ligar para ele. Por favor! — por uns

longos segundos olhou suplicante nos olhos da estranha Sra. Lalonde. Havia um

sentimento desconhecido, mas não desagradável de proximidade. Madame

Lalonde duvidou um instante, logo assentiu com a cabeça e agarrou o bocal.

— Vem comigo. — grunhiu o Sr. Nemec. Deu a volta e saiu do lugar.

21

Capítulo 3

Caitlin

Caitlin vinha da costa irlandesa, perto da cidade de Dingle. Não encaixava

com o estereótipo de garota ruiva irlandesa em nada, mas tinha curtas mechas

castanhas e olhos verdes que brilhavam como minerais de cor clara. As

apresentações foram amistosas, sim um pouco frias, mas depois que o Sr. Nemec se

foi, Caitlin parecia aliviada e, deu-lhe a Blanka um genuíno sorriso.

— Bem vinda ao seu novo reino. — indicou Caitlin para a estreita cama, uma

mesinha e uma cômoda. Não exatamente elegante, mas tampouco desconfortável.

Através da estreita janela, Blanka podia ver o estacionamento dos visitantes, e ela

olhou para a colina atrás dele, onde o cemitério dos órfãos se encontrava. Um

arrepio recorreu sua coluna.

— Os quartos nesse prédio eram originalmente muito maiores, mas desde

que estamos recebendo mais e mais estudantes, eles têm tido que renovar a ala de

ensino. — disse Caitlin. — Os quarto estão divididos em dois e muitos deles têm

porta conectora. Alguns dos estudantes moviam suas cômodas para bloquear a

porta, mas Jenna, a garota que se mudou há três semanas, e eu normalmente a

deixávamos aberta durante o dia.

E mais, no meio da parede a esquerda havia uma simples porta de madeira.

Blanka deixou sua pesada mochila e sua mala e, seguiu Caitlin ao quarto seguinte.

Era como entrar em outro mundo. Uma colorida colcha de retalhos cobria a cama,

com um desgastado crocodilo de pelúcia jogado sobre ela. Ao redor da janela havia

luzes em forma de corações vermelhos, e toda a parede estava coberta de fotos,

cartões e lembranças, todas presas no papel de parede com tachinhas. Uma era de

Caitlin com dois garotos, os quais tinham os mesmos olhos verdes que ela.

Tinha seus braços ao redor de cada um e estavam rindo para a câmera. —

Meus irmãos, Aidan e Paul. — disse Caitlin com evidente orgulho. — E nessa foto

aqui, essa é minha irmã mais nova, Kathy. Essa é minha mãe e esse meu pai, e essa

é minha amiga Deirdre. Quando terminar aqui, vou para o Trinity College em

Dublin. Deirdre ia solicitá-lo. Talvez fossemos capazes de conseguir trabalho como

22

professora na mesma escola. — suas palavras se repetiam na cabeça de Blanka. O

quarto de Caitlin a intimidava, tão cálido, acolhedor e seguro. Havia presentes de

sua família em todas as partes.

Nunca saberia que sua porta dava a um corredor iluminado por luzes

fluorescentes e, não no salão da casa de seus pais em Dingle.

— Você não tem nenhuma foto da sua família? — perguntou Caitlin, quando,

um pouco mais tarde, Blanka pendurou um pôster do sistema solar em sua parede.

— Não. — disse Blanka, um pouco brusca demais.

— Ou do seu namorado? — os olhos de Caitlin brilharam. — Você deve ter

um!

Blanka pressionou os lábios e negou com a cabeça. Isso era tudo o que

precisava; que sua companheira de quarto lhe lembrasse sobre Alex.

— Sinto. Disse algo errado? — Caitlin não renunciava. — Vocês romperam?

— O que mais você quer saber? — soltou Blanka. — O número do meu

sapato?

Supunha-se que soava como uma brincadeira. Caitlin olhou-a pensativa,

mas não perguntou mais nada. Blanka conteve as lágrimas, sem desempacotar suas

coisas, e começou sua nova vida.

Não era tão fácil como ela imaginava que seria. Tão logo fechou os olhos, viu

a mulher com roupa amassada. Essa primeira noite em sua nova, muito branda

cama, Blanka várias vezes pegou a si mesma passando os dedos pelo pescoço,

perdida em seus pensamentos.

Quão grave tinha que ser uma queda para quebrar o pescoço? Inclusive

depois de todos os ruídos dos quartos vizinhos e do corredor terem se acalmado,

as fórmulas, números e cálculos que normalmente se mandava para dormir não

estavam funcionando. Contar não ajudava, tampouco, nem visualizar números

imaginários, os quais se acendiam brevemente nos cantos mais escuros de sua

imaginação e, logo desvaneciam de novo. Nem inclusive pensar nos problemas com

seus pais poderia lhe distrair da mulher de cabelo cinza. Seu rosto continuava

voltando, seus lábios se moviam quando tratava de dizer algo a Blanka.

Blanka repassou cada detalhe do rosto dessa estranha em sua cabeça,

alguém a quem só havia visto por um momento. Parecia importante mantê-la viva.

Tinha uma covinha na bochecha, devia se sentir agradável quando sorria. Mas sua

23

testa estava marcada por linhas de preocupação. O que a havia trazido a biblioteca

do colégio? Blanka não podia evitar a memória dessa mão aparecendo de sua

manta, a mão de uma mulher mais velha, com unhas mordidas até deixá-las

estragadas, como de um velho nervoso.

Apesar da investigação, o novo semestre no Colégio Internacional Europa

começou como estava planejado. Só a biblioteca estava fechada. Cada vez que

Blanka olhava fora da janela para o estacionamento, um carro da polícia estava ali.

E pelos primeiros dias, Blanka era novidade para seus companheiros. Mais de uma

vez ela notou os estudantes murmurando entre si e assentindo para ela. Porém ela

não tinha muito tempo para se sentir incomodada.

Sua carga acadêmica era muito forte. Às vezes Blanka invejava a Caitlin por

ter terminado já a maior parte de seus estudos, com apenas os exames finais por

fazer. As horas em aula pareciam voar rápidas, mas a montanha de livros que,

aparentemente, tinha que dominar antes dos primeiros exames preliminares em

algumas semanas, não se fazia menor.

Ainda que houvesse uma série de matérias obrigatórias que apenas

interessaram a Blanka, o curso de teoria de probabilidade foi uma revelação. O

professor, o doutor Kalaman, dava a impressão de ser estrito e brilhante, e cada

frase que pronunciava era absolutamente clara. Disse que veio da Áustria, mas

seus antepassados provinham de Mogadíscio. Blanka o seguiu rapidamente ao

longo dos caminhos de histogramas, polígonos de frequências e a distribuição da

função, ainda que tropeçasse com alguns dos novos conceitos, passou muitas horas

em sua mesa depois da aula tratando de por em dia.

Pela primeira vez em várias semanas, ela tinha o sentimento de que, ao

menos poderia agarrar um pouco da tela solta de sua vida e, agarrar-se a ela, ainda

que só por uma ponta...

Caitlin se surpreendeu ao saber o tanto que Blanka estava estudando, era

completamente alheia a chamada no telefone no corredor – um ruído agudo que os

residentes dos estudantes, muitos deles pregados pela nostalgia, podiam ouvir

através das paredes, inclusive em sonho. O pai de Blanka conseguiu chegar a ela

uma vez, mas a conversa foi forçada e cuidadosamente amigável coisa que

arruinou o estado de ânimo de Blanka por um dia inteiro.

Cada vez que estava fora, Blanka olhava furtivamente aos grupos de

estudantes mais velhos que gostavam de passar um tempo na entrada da cafeteria,

mas nos primeiros dias não viu Joaquim ou a qualquer outro dos Lobos.

24

Ao final da semana, no entanto, deu-se conta de que Simon Nemec entrava

na cafeteria com uma alta pilha de papéis. Uma menina da equipe de voleibol de

Caitlin caminhou até Blanka com o polegar apontando para trás sobre seu ombro.

— Ouviu? — lhe perguntou casualmente. — Descobriram como a mulher

morreu.

Blanka parou o que estava fazendo. Desde certa distância podia ver os

estudantes que rodeavam o quadro de anúncios na frente da cafeteria. Uma garota

protestou quando Blanka ficou ao seu lado. Ela sentia os cotovelos em suas costas,

mas, finalmente, foi à frente da multidão e pôde ler o artigo do jornal copiado. — A

mulher morta foi identificada como Annette Durlain, de 54 anos de idade, de Brest,

em Bretaña. — um estudante de pé perto de Blanka lia em voz alta. — Seu

passaporte e pertences foram encontrados em um armário na estação ferroviária.

Na tarde de sua morte, a mulher havia visitado o Museu do Convento do Colégio

Internacional de Europa com um grupo de turistas. — Em vários lugares foi citado

o detetive Seibold. — Por que a mulher estava na Escola Internacional de Europa

naquela noite não foi determinado. Sua morte. — continuava o artigo. — Foi

causada definitivamente por uma queda pela escada. A investigação chegou à

conclusão que não se tratava de mais nada.

— Assim que foi um acidente, depois de tudo. — disse um garoto que se

meteu com dificuldade perto de Blanka. Atordoada, Blanka caminhou para trás até

que esteve de novo de pé longe do grupo. Um acidente. A palavra soava tão mal,

como se alguém houvesse dito ‘cesta’, mas na realidade queria dizer ‘coma’.

Blanka empurrou as mãos em seus bolsos e começou a caminhar para fora.

Junto à entrada estava pendurado um letreiro anunciando o novo calendário de

voltas pelo museu do Convento. Nessa escola realmente não perdem muito tempo

pelos mortos desconhecidos.

— Hey Blanka. — apesar de que havia corrido de uma maneira justa para

alcançar a Blanka, Caitlin não estava sem fôlego. Suas mechas ainda estavam

molhadas do banho. — Acabo de ouvir. — ela sorriu e afastou o cabelo do rosto.

Parecia que sua companheira de quarto, todavia, levava o aroma de magnésio em

pó e as bolas de couro gastas do ginásio. — Isso significa que a biblioteca será

aberta de novo amanhã. — Caitlin continuou. — Graças a Deus. Estava começando

a pensar que ia ter que estudar trancada em meu quarto até o exame.

Blanka se deteve bruscamente. — Isso é tudo que importa? — ela rompeu.

— O que acontece?

25

— É um milagre que ninguém tenha se dado conta de que é uma pessoa, não

só ‘o corpo morto’, ou a razão para que você não possa ir { biblioteca. — Caitlin

olhou para Blanka com assombro, e logo levantou as mãos.

— Sinto muito, não me dei conta de que você estava levando tão a sério. Que

diabos você quer que façamos? Fazer um funeral para ela?

— Isso seria melhor que nada.

Caitlin fez uma careta e sacudiu a cabeça. Pela primeira vez, Blanka viu um

flash de ira em seus olhos verdes. — Blanka, você sabe, eu não sou um monstro,

mas... Assim, a mulher teve um acidente. É trágico, e terrivelmente triste, mas... A

vida continua para nós. A escola é difícil, as demandas que fazem sobre nós são

ainda mais difíceis, e quando você tiver feito seu primeiro exame verá que não

podemos nos permitir o luxo de desperdiçar nem um único dia. Essa é a forma que

é. Gostaria que fosse um pouco menos estressante, mas não é.

Blanka olhava o chão. Ela realmente quis tentar morder Caitlin, dizer-lhe

que poupava a conferência, mas ela tomou fôlego e se segurou.

— Não sou estúpida. — disse ela silenciosamente. — Acredite ou não, já

notei que as aulas, todavia, estão sendo seguradas. Mas simplesmente não posso

ver... Ela estava no museu pela tarde, porém ela morreu depois da meia noite. O

que ela fez no meio?

— Pelo visto perseguição a fantasmas. — foi à resposta seca.

— Quê?

Caitlin estendeu os braços. — Maddalina de Trenta. — disse de modo

dramático. — Seu vestido de bruxa está pendurado no museu.

— E?

— E ela frequenta esse lugar. Não quero te causar pesadelos, mas houve

estudantes e professores que juraram que alguém os seguia. Alguns inclusive

dizem ter escutado os pobres meninos órfãos chorando. Logo está o gemido, o

arrastar, e o uivo, o conjunto de acordo. — Caitlin abriu os olhos e continuou: — Se

soubesse a freqüência com que um ou outro diz que a bruxaria está diante dessa

caixa de vidro, como se tratasse de um santuário. Uma vez uma mulher da

sociedade se chamou ‘Novas Bruxas’ e tratou de se esconder no museu para que

pudesse passar uma noite junto à túnica de Maddalina. Louco, não? — ela riu. — O

homem, que deveria ir à Irlanda e passar a noite em algum castelo.

26

A mulher que ia se esconder na biblioteca até o anoitecer e, logo descer para

estar perto do vestido da bruxa no sótão?

— Ela teve a má sorte de aprender de maneira difícil que as escadas não

estão iluminadas pela noite.

— Eu vou dizer. Não fecham o museu pela noite?

— Sim, claro. No entanto, outras pessoas quebraram o fecho

Blanka ficou em silêncio. A mulher morta não havia tido nenhum tipo de

ferramenta com ela ou escondida por baixo de sua roupa. Blanka deixou passear o

olhar de novo na notificação com o horário de abertura do museu. Deixa ir

sussurrou-lhe uma voz muito singela em sua cabeça.

Simplesmente faça sua tarefa, o resto não é da sua incumbência. Blanka

escutou essa voz por duas ou três batidas do coração, depois chegou a uma

decisão. Portanto, está encantado este lugar, pensou. E Annette Durlain

simplesmente caiu pela escada?

27

Capítulo 4

Dança do cajado

Depois desses dias memoráveis, o fim de semana para Blanka parecia

como estar em uma ilha de tranqüilidade com um mar tormentoso cheio de sonhos

estranhos, sonhos nos quais Annette Durlain vinha e tratava desesperadamente lhe

dizer algo. Sábado de manhã no prédio da escola estava tudo deserto, mas fora

havia pessoas em todas as partes. Um fluxo constante de carros estacionava na

sessão de –visitantes -; pais, irmãos e irmãs chegavam para as visitas de fim de

semana. Blanka sentiu uma pontada de tristeza quando viu uma garota correr até

seu pai e abraçá-lo.

Olhou seu relógio. Quatro horas mais até o tour ao museu do Convento. Em

frente à casa senhorial, onde os garotos tinham seus quartos, os primeiros turistas

estavam sendo levados até os prédios. Um grupo foi admirar as colunas de cada

lado da porta, que dava ao prédio a aparência de um templo. As pessoas

apontavam até a estátua de pedra, uma imponente mulher que olhava as pessoas

com o rosto solene.

Blanka carregou sua mochila cheia de livros e, dirigiu-se ao banco do

parque pelo bosque de castanheiras. Caitlin havia tido razão em uma coisa:

ninguém aqui pode se permitir o luxo de desperdiçar nem uma única hora. Blanka

teria seu primeiro exame preliminar, de história, em duas semanas. Os livros

pesavam sobre seu ombro enquanto passava pelo espaço aberto para esportes. O

sol de maio há tempo havia esfumado a névoa da manhã. A pista laranja brilhava e

a área que servia de campo de futebol e atletismo estava deserta. Blanka acelerou o

passo, caminhando rapidamente pela linha que contornava a cancha de esportes.

Um barulho, agudo como o chiado de um chicote, interrompeu seus pensamentos.

O som provinha da direita – de trás do arbusto ouviu outro barulho. Um rouco

grito atravessou o ar. Blanka apertou sua mochila. Duvidou antes de se aproximar

do arbusto. Estendeu a mão e, pouco a pouco, empurrava os galhos para os lados.

Parte da mata apareceu, e um pedaço de tela enroscada. Ela se inclinou mais para

frente e, olhou através da brecha quase perdendo o equilíbrio. Aterrorizada,

retrocedeu. Um galho machucou seu pé. De repente, tudo teve sentido: à noite no

28

parque, assobiando o pau diante de seu rosto, o medo – e a mulher morta. Blanka

respirou fundo e secou o suor de sua testa.

— Covarde! — repreendeu a si mesma. A curiosidade ganhou sobre seu

medo. Seu coração batia com força. Ela se aproximou da brecha de novo.

Sem as máscaras e peles, os Lobos quase não se viam tão ameaçantes.

Joaquim estava praticando tenazmente. Aterrissou cada golpe com perfeição. A

contra gosto, Blanka teve que admitir que ela admirasse sua coordenação e

movimentos rápidos. Sua companheira, uma garota loira, esquivou habilmente do

movimento de Joaquim, saltando para um lado. Outros dois Lobos se uniram

formando um círculo e rodeando a Joaquim, como se fossem capturá-lo. Parecia ser

a promulgação de um antigo ritual. Com os olhos virados, Blanka observou aos dois

novos lutadores, um garoto loiro magro e um menino pálido com o cabelo preso

em um rabo de cavalo. Era ele o que havia usado a máscara de ferro? Um quinto

lutador, um que Blanka não havia se fixado no princípio, era uma garota com pecas.

Seus movimentos pareciam mais brincalhões, como a dança.

Evitou o empurrão do cajado de Joaquim, torcendo a distância. Seu cabelo

de cobre fluiu atrás dela, dando voltas, e roçou no ombro de Joaquim. Um ruído

surdo. Blanka estremeceu involuntariamente. O golpe havia aterrissado. Joaquim

se dobrava de dor evidente. Aturdido, olhou a dançarina do cajado. Em um instante

sua cara ruborizou de ira. Ela lhe devolveu o olhar e se deteve. Os outros Lobos

pareciam ter se convertido em pedra. Blanka conteve a respiração. O jogo havia

terminado. O vento levou as palavras de Joaquim, Blanka poderia seguir o que

estava acontecendo, vê-lo endereçar-se pouco a pouco.

A jovem ruiva pegou seu bastão firmemente. Deu um passo para trás e

golpeou o chão com sua arma. Ela gritou a modo de resposta, mas Blanka só

escutou as últimas palavras:

—... Junto com ele nunca mais.

Blanka se fundia mais e mais pela abertura do arbusto. Até seus ombros

roçavam com a verde parede de arbustos. As pontas das folhas faziam cócegas em

suas bochechas. A garota de cabelo escuro se aproximou e sussurrou algo a ruiva.

Os outros dois Lobos permaneceram ali, sem saber o que fazer. A ruiva sacudiu a

cabeça com violência. A garota loira tratou de tocar seu braço em um gesto

conciliador, mas ela o afastou com a mão. Curiosamente todos os ruídos ao redor

haviam desaparecido. Blanka já não ouvia nenhum riso, nem o canto dos pássaros,

nem sequer o sussurro das castanheiras.

29

A ruiva se retirou. Joaquim, com os ombros caídos, viu-a partir. Através do

arbusto, seu rosto se marcava com folhas verdes. Tinha uma expressão que Blanka

nunca haveria esperado: parecia assustado.

Os olhos dos Lobos silenciaram conjuntamente. Blanka tragou saliva.

Teria gostado de afastar o arbusto e advertir a garota, mas já era tarde

demais.

Foi ao mesmo tempo, quatro contra um. A ruiva habilmente se esquivou de

uns tantos golpes, mas então ela gritou e caiu, ofegando. Seu rosto sardento se

distorcia pela dor. Blanka podia ver uma marca de cor vermelha brilhante em seu

braço direito.

Os Lobos se colocaram ante ela em formação de batalha. Blanka tinha medo

de que a atacassem de novo, mas, de repente, deixaram seus cajados caírem.

Joaquim lambeu os lábios, para se concentrar.

A ruiva contemplou seus rostos escuros, perdida sem saber o que fazer. Fez

uma careta, e logo gritou com raiva. Por último, levantou, pegou seu bastão e se

afastou.

Correr com a pesada mochila não foi fácil. Blanka ofegava no momento em

que o estacionamento apareceu de novo em sua vista. Seu desejo de estudar havia

esfumaçado completamente. Para evitar as quadras de esporte, havia tomado o

caminho mais longo de volta, rodeando a casa senhorial. O último que queria era

ser descoberta pelos Lobos. Ao ver um casal de turistas, sentiu-se um pouco

melhor.

Sentir-se-ia melhor na segurança de seu quarto. Olhou sua janela. O dia

parecia mais frio de repente. O repentino rugido de cascalho a surpreendeu, mas

suprimiu seu forte impulso de correr. O certo é que Joaquim estava atrás dela, com

seu cajado de briga na mão, ela deu a volta.

A ruiva estava claramente tão surpreendida quanto Blanka. Sua bolsa de

esportes pendurada em seu ombro esquerdo – e ela também levava três cajados de

prática, cada um de diferente tamanho, debaixo de seu braço esquerdo. Blanka

notou os hematomas em seu braço direito, que já começavam a azular. Agora, a

menina levantou seu braço lesionado e limpou a boca e o nariz com o dorso da

mão. Seus olhos estavam inchados, como se estivesse chorando todo o caminho.

— O que você faz aqui?— perguntou a garota calmamente.

30

— Estudando. — respondeu Blanka. — E você? O que fez para que te

deixassem ir?

Indicou os machucados e a garota resmungou como se acabasse de receber

outro golpe no mesmo lugar.

— Eu vi o que aconteceu. — disse Blanka em voz baixa. —Estão te

pressionando. Por que não quer seguir fazendo o que eles querem, não?

A menina lhe lançou um olhar venenoso.

— Assim que agora você se intromete em nossos assuntos?

— É interessante que depois da surra você continue falando ‘nossos

assuntos’. Que foi o que você não queria continuar fazendo?

— Não é da sua conta.

— Tem algo a ver... Comigo?

Sem prévio aviso, o braço da garota lampejou. Antes que pudesse entender

o que estava sucedendo, o cajado voava até ela. Instintivamente, ela o agarrou. As

palmas de suas mãos se machucaram pelo impacto, mas o cajado se mantinha

firmemente em suas mãos. Sua boca secou pelo choque.

— Boa reação. — comentou a garota deixando sua bolsa.

Blanka podia ver uma etiqueta de linha área e seu nome nela: Sylvie Kay.

— O que foi isso? — perguntou.

— O cajado é mais pesado do que parece, não?— isso não era certo, e

Blanka se deu conta de quão fortes e delicadas deviam ser as mãos de Sylvie para

fazer girar o cajado tão grande com tanta rapidez.

Com um movimento suave, a garota pousou os outros dois cajados no chão,

pegou o mais curto com a mão esquerda e, fez-lo girar em um círculo com graça ao

redor de sua cabeça.

— Não vai ajudar correr e se esconder. — ela disse seriamente. — Se quiser

permanecer nessa escola, não terá outra opção além de lutar.

— Novamente com você? Por quê? Não tenho nada a ver com você. — Sylvie

riu amargamente.

31

— Nada em absoluto. — disse e jogou o braço para trás, pronto para tomar

impulso.

Blanka reconheceu que isso era uma lenta execução que devia praticar. Isto

lhe deu tempo suficiente para lhe arrebatar o bastão e deter o ataque. O cajado de

Sylvie ressoou contra a madeira, e Blanka podia sentir as sacudidas em cada

articulação de seus dedos. Ela deu um passo para trás e deixou cair o cajado.

— Eu não quero. — disse com firmeza. — Estou aqui para estudar...

Sylvie franziu os lábios com desdém e se apoiou em sua arma. Blanka

decidiu entrar em algo mais.

— Deve informar isso para a Madame Lalonde. — disse. —Não sei o que não

quer fazer, mas tem direito a encher o saco, se quiser, posso lhe dizer o que vi...

— Madame? UF. Agora me sinto muito melhor. — respondeu Sylvie, sua voz

jorrando em sarcasmo. — Não cometamos um erro com isso. Ela não pode

suportar perdedores. É muito agradável, certeza, mas trata de ir a ela e demonstre

que é um caso problema ou uma covarde. Não há espaço para eles em uma escola

de elite. Alguma vez você se perguntou por que dois terços dos estudantes não

passam no exame preliminar?

Blanka segurou seu bastão com força. Dois terços?

Sylvie soltou uma gargalhada quando viu seu rosto. Quando continuou, sua

voz soava dura: — Só nós estamos aqui claramente: ninguém ‘me detém’. Quando

pratica obtém contusões. Entendeu?

Quase se deu conta antes, mas Sylvie já havia se movido e Blanka notou uma

forte dor em seu braço.

— Está louca? — chorou Blanka. Não havia sido um golpe muito forte, mas

sua pele estava pulsando de todos os modos. Antes sabia o que fazia, agora

inclusive havia lhe tirado o bastão e a atacou. Sylvie se deteve como uma esperta,

em um movimento que quase não prestou atenção. Blanka teve problemas para

raciocinar, o cajado voava pelo ar tão rapidamente. Soou um chiado. Os dois

bastões cruzados flutuaram no ar.

— Assim é melhor. — disse Sylvie. —Você tem bons reflexos. Só podia usar

minha mão esquerda, como agora, você pôde inclusive...

Blanka abaixou seu bastão e o deixou cair nos pés de Sylvie.

— Não é o meu. — respondeu. — Você está realmente louca.

32

— É sua decisão, mas, nesse caso, mantenha sua porta fechada. — Sylvie riu.

— De fato, será melhor que feche todas as portas que encontrar.

— Oh, tenho certeza que Joaquim romperá todas as portas se precisar. —

Blanka ainda não encontrava o tom depreciativo que estava buscando.

— Quem está falando de Joaquim?— perguntou Sylvie em voz baixa. Deu a

Blanka um último sorriso e pegou os bastões. — Desfrute do tour. — disse,

deixando Blanka estupefata de pé no estacionamento, enquanto observava como

Sylvie se afastava.

Ao redor de vinte turistas se acumularam na porta do sótão do museu. A

maioria deles folheava um folheto, não muito diferente do cartão de informações

dos estudantes. Havia também um diagrama da fundação do antigo Convento, e

uma foto aérea do cemitério dos órfãos. Ao se dar conta que a mulher que havia

morrido também esperava na porta, Blanka se sentiu como um escorregadio

ladrão em um quarto proibido. Cautelosa. Passo os dedos sobre as marcas

vermelhas na parte inferior do braço, logo se converteria em uma mancha roxa. Os

Lobos estavam planejando algo, disso tinha certeza. A sociedade não era tão

inocente como dizia Madame. Como sabia Sylvie que queria fazer o tour? Caitlin

havia sido a única pessoa com quem havia falado disso. Pode que Caitlin...? Blanka

estremeceu e puxou a manga de sua jaqueta até cobrir a marca vermelha. Ao seu

lado, dois turistas estavam falando em voz baixa, em francês e muito rápido. Uma

grande lente de câmera pendurava do pescoço de um homem apontando

diretamente para Blanka. Rara vez em que ela havia se sentido tão exposta.

Quando um rítmico tilintar, todas as conversões morreram. Blanka se transladou

diretamente atrás do casal francês.

O Sr. Nemec deu a volta na esquina e olhou para o grupo de turistas.

Reconheceu Blanka imediatamente e, ergueu as sobrancelhas. Na luz fluorescente

do corredor, o velho parecia um fantasma: suas bochechas pareciam fundidas e

havia uma barba desigual, onde a navalha de depilar havia se perdido. Em silêncio,

passou por entre o grupo e abriu a porta.

O lugar em que entrou tinha um teto baixo e as paredes cobertas por painéis

de luz com cheiro de madeira. O assoalho do piso era tão velho que, em alguns

lugares, havia se inclinado pelo peso de incontáveis passos. As cores da madeira

utilizada no assoalho eram de distintos tipos e seguiam um padrão de figuras

geométricas. Blanka não podia deixar de ver as intersecções e eclipses. As colunas

dividiam o lugar em uma pequena zona principal e um corredor a rodeando, a

arquitetura, provavelmente, supõe-se que se lembre de um Convento claustro.

Os turistas ficaram em silêncio e olharam ao seu redor, surpreendidos. Ao

longo das paredes havia filas de caixas de vidros. Na parede, frente à entrada,

33

pendurava o fragmento de uma velha e impressionante porta, a entrada original do

Convento, decorada com m alivio de talhado intricado. Dos doze turistas que

haviam olhado, seis ficaram e o lado esquerdo da porta estava perdido.

O Sr. Nemec era um guia de turista muito dotado. Com uma voz monótona

soltou a informação.

— Em 1641, deu-se a Maddalina de Trenta a liderança do Convento de

Belverina. A maioria dos documentos dessa época foi destruída depois do juízo das

bruxas e a dissolução da Ordem e, o orfanato seguiu o fato. O único que resta é uma

parte da transcrição original da prova da abadessa. Ademais, a fundação de

Maddalina de Trenta conseguiu comprar com proprietários privados alguns dos

tesouros de arte que, alguma vez, foram usados nesse Convento. Igual este, por

exemplo... — indicou uma vitrine, nela havia uma mala com um desenho estriado

em ouro.

O casal francês buscava nas folhas de um dicionário pequeno. Um jovem

casal murmurava entre si, sorrindo sobre a pronunciação confusa de Nemec.

Blanka olhou ao porteiro e chegou à conclusão de que, provavelmente, havia

estado bebendo.

— E aqui se vê o vestido da bruxa. — continuou. — Maddalina de Trenta o

usava durante os interrogatórios. — com essas palavras, deu a volta até a parede. O

efeito havia sido bem calculado, e um murmúrio recorreu o grupo. Blanka

estremeceu. Na calça, havia um usado tecido grosso que estava iluminado. Fios de

nylon quase invisíveis estavam pendurados. Nos lugares onde, no vestido, deveria

estar o pescoço e o peito, havia um encaixe de metal que brilhava através da tela

surrada que faziam parecer que havia um corpo. Parecia que uma mulher invisível

levava essa longa túnica. Onde se encontrava a área dos pés, havia um papel com

uma estreita escritura. — A transcrição do interrogatório. — enquanto o Sr. Nemec

explicava, outra luz se acendeu, iluminou uma máscara de ferro, com chifres e

aberturas de ferro no lugar dos olhos. Tinha uma remota semelhança à máscara

que um dos Lobos havia usado aquela noite.

— Olhem a agulha ao lado da máscara da vergonha. — disse o porteiro. —

Foi usado para provar as bruxas. Marcas. Se um preso acusado tinha uma marca de

nascimento ou um lunar, seus acusadores cravam uma agulha nisso. Se o acusado

não sentia dor e não sangrava, em seguida o declaravam como uma bruxa. —.

Nemec sorriu com frieza, ele estava olhando com a boca aberta. — Esta agulha é

original daqui, por certo, é uma mecânica obra mestre e teve clara sua intenção de

enganar. Quando se pressiona nela, retrai-se em seu eixo, sem dor, nem sangue.

Blanka tentou de novo imaginar a mulher que havia morrido nesse mesmo

lugar. Havia lido essas palavras? E, se é assim, que queriam dizer com elas? Blanka

34

se perguntou se ela como Blanka, havia olhado a transcrição do interrogatório e

havia tentado decifrar as palavras entrelaçadas.

—... Ele perguntou a Maddalina de Trenta (sim ela) Sua pessoa havia sido

rainha das bruxas de (nos bailes de bruxas) entre as bruxas e os Feeds1

Tratando de que o Sr. Nemec não a visse, Blanka pegou seu bloco de notas e

copiou as palavras, exatamente iguais a como foram escritas. Ela olhou duas vezes

para estar segura de que Feeds realmente tinha dos – E - s. Justo quando estava

terminando, uma sensação de formigamento recorreu à parte posterior de seu

pescoço, isso a fez levantar os olhos de seu caderno e olhar ao redor. A princípio

estava assustada, porque acreditou ver o garoto com o cabelo cobre esbranquiçado

dos Lobos, mas logo suspirou de alívio. Era só um turista, um que não tinha notado

antes. Era alto e magro, o turista havia colocado suas mãos nos bolsos de sua

jaqueta de couro. Seu cabelo loiro brilhava com a luz da vitrine. Estava buscando o

olhou lado, mas tinha um fingido interesse.

Blanka rapidamente voltou ao traje da bruxa, mas desta vez ela não olhou a

exibição, mas sim se fixou no reflexo do vidro. Podia ver o casal francês atrás dele,

estava olhando sobre seu ombro – e a esquerda estava o garoto com a jaqueta de

couro. Blanka supôs que devia ter uns dezoito anos.

Não se via como alguém que passasse seu tempo livre olhando uma amostra

história. E ela no caminho certo: como se ele houvesse estava esperando por ela

para se mover, voltou a olhá-la de novo. No reflexo, ela pôde ver seu rosto sério e

estreito, os lábios curvados. Com uma estranha intensidade examinou Blanka dos

pés a cabeça, como se a estivesse memorizando. Ela foi para um lado, evitando seu

olhar. Quem está falando de Joaquim? As palavras de Sylvie ressoaram em sua

cabeça. Inquieta, cravou seus olhos nos vidros da caixa, que havia sido selado com

silicone.

Havia estado Annette Durlain aqui também, observada por um estranho?

Blanka se deu conta que em algumas partes o silicone parecia novo – transparente

e intocado como sorvete fresco. Um turista se aproximou, empurrando Blanka um

pouco. Agradecida, ela se abaixou, escondendo-se atrás do vidro, e examinou a

borda do manto da bruxa.

Deu-se conta de algo bem no fundo. Franziu o cenho e se inclinou mais para

frente. Perto da dobra desfiada podia ver uma mancha escura. Poderia ser uma

1 Feeds: a palavra está mal escrita, Feeds com dois E não tem significado (ao menos não segundo o

contexto do livro). É por isso que mais abaixo aparece que Blanka se questionou se tivesse dois E. No

entanto, a palavra feds em espanhol significa federais.

35

mancha pelo tempo e o óxido, mas, com um pouco de imaginação, alguém poderia

dizer que é sangue.

36

Capítulo 5

Sonhos

O som da chaleira despertou Blanka com um sobressalto. Sua camiseta

estava grudada ao seu corpo, e ela estava tremendo. A lâmpada de leitura, que ela

havia acendido de noite, todavia estava ligada. O sonho que havia tido havia sido

inclusive pior que as outras noites. A mulher na roupa enrugada parecia querer lhe

dizer algo desesperadamente, mas não pôde graças a Joaquim. Ele estava rugindo,

brigando com seu bastão de luta. Por um momento Blanka pensou que, todavia,

podia ver a máscara de ferro da vergonha que lhe sussurrava segredos no ouvido,

logo essa imagem desapareceu também, deixando-a sozinha em suas úmidas e

retorcidas folhas.

Seus livros de matemática descansavam no chão como um pássaro com suas

asas estendidas. Ela escutou os pássaros no cemitério dos órfãos e, lentamente,

deu-se conta que já era de manhã. Pareceu-lhe estranho que não pudesse detectar

nenhum movimento no quarto de Caitlin. Só a água fervia, como se a chaleira

houvesse sido ligada por uma mão fantasma. Normalmente Blanka podia escutar o

bater dos pés de Caitlin na escuridão, e logo o gorjeio da água quando ela

depositava a água mineral de sua garrafa na chaleira – ela nunca usava a água da

torneira para o chá.

Blanka olhou para a porta que conectava os quartos, a qual estava um pouco

aberta. Não havia movimento. Com um clique, o interruptor da chaleira passou a

posição off. O borbulhar se deteve. Um momento depois ela escutou o som do

alarme de Caitlin, que ela ligava também nos finais de semana, assim não perderia

o café da manhã. A luz se mostrou através da abertura por baixo da porta. Aliviada,

Blanka seguiu os passos de sua companheira enquanto foi até a chaleira. Um

segundo depois, ela podia ouvir Caitlin colocando água nos copos. Ela girou para

fora da cama.

— Oh, bom dia. — Caitlin sempre parecia especialmente bem pela manhã.

Suas bochechas eram rosadas e seu cabelo alvoroçado pelo gel. Ela abriu os olhos

com assombro. — Você está horrível! Está doente? Seus olhos estão inchados...

37

Blanka forçou um sorriso torcido.

— Dor de cabeça. — ela disse. — Então agora tem controle remoto para a

cafeteira?

Caitlin alcançou o encaixe da parede e alcançou a Blanka uma pequena

caixinha de aspecto estranho, todavia ainda unida ao encaixe. Blanka se sentou na

cama de Caitlin e a girou uma e outra vez em suas mãos.

— Rádio operador com temporizador. — disse Caitlin. — Jan o instalou

ontem, enquanto você estava no museu.

— Jan quem?

— Você sabe quem é ele!

— O garoto que está na minha sala?

Caitlin assentiu. — Ele é agradável. — ela disse com um sorriso de

cumplicidade.

— Desde quando você perde tempo com meninos?

— Meninos? Jan tem dezenove.

Blanka olhou desde o temporizador, assombrada.

— De verdade? Ele parece que tem quatorze. Quantas vezes ele teve que

repetir um ano?

Caitlin parou de rir. — Pergunte você a ele! E, por certo, ele me disse que

acha você bem agradável. Eu acredito que ele se decepcionou por você não estar

aqui ontem.

— Sério? Bom, eu penso que ele é como um estranho. Por que um fenômeno

da arte construiria interruptores como esses?

— Como eu disse, pergunte você. Está tudo BEM falar com as pessoas,

Blanka!

— Sim, você é um bom exemplo disso! — escapou com um tom forte

demais, e Blanka lamentou seu tom imediatamente.

— Que se supõe que isso significa?

38

— Disse a Sylvie que ia ao tour do museu?

Agora Caitlin estava realmente perplexa.

— Era um segredo? Não, não disse a Sylvie. Mas umas tantas garotas no

meu time de vôlei sabiam que eu ia estar sozinha no meu quarto porque você ia ao

tour. Por que está me interrogando?

— Estou tendo sonhos ruins.

— Não mude de tema. O que está acontecendo?

Agora a voz de Caitlin soava cortante. Blanka se deu conta que havia

chegado muito longe. Resistindo a urgência de começar a gritar com sua

companheira, ela se recompôs.

— Nada. — murmurou.

— Não tente me enganar! Desde que foi a esse tour apenas disse uma

palavra. — Caitlin se sentou na borda da cama, e passou uma xícara de chá quente

a Blanka. — É muito sério, Blanka. — ela disse gentilmente. — Não estou tratando

de dizer como você deve viver sua vida, mas não te vejo feliz. Há algo que eu possa

fazer?

Blanka olhou sua companheira de quarto pensativamente. Ela na verdade

parecia preocupada. Envergonhada, ela pôs um pouco de seu cabelo para trás da

orelha, e começou a lhe dizer o que ela havia estado esperando.

— Se eu te digo, promete que não vai tratar de me persuadir para ir à

Madame Lalonde?

— É sobre os Lobos, não é? Está tendo problemas com eles?

— Eles parecem ter problemas comigo.

Ela disse a Caitlin tudo sobre o que havia visto no campo de esportes e,

algumas de suas conversas com Sylvie. Ela não disse nada, mas, sobre as

advertências de Sylvie, o machucado em seu braço, ou o estranho garoto de jaqueta

de couro.

— Então é isso. — disse Caitlin aliviada. — Por que não me dissesse ontem?

Certeza que teria dormido melhor. Eu já sei sobre o argumento. Era sobre o festival

medieval. Cada agosto, a cidade se converte em um mercado medieval e os Lobos

normalmente dão uma demonstração de briga de bastões. Sylvie não quer fazer

parte disso desta vez, ela deu para trás. Muito estresse com a escola.

39

— E então eles bateram nela?

— Escute; os Lobos têm suas próprias regras, e eles dão um jeito em seus

mal entendidos do jeito deles.

— Sim, essa parece ser à maneira da escola. Todo mundo tem que olhar por

si próprio.

— E só alguém tão espinhoso como você diria isso. — respondeu Caitlin

com um sorriso. — Você acha que todo mundo está ai fora para te pegar. E você

não se dá conta que há pessoas aqui que você agrada de verdade, e não as deixa se

aproximar.

— E o resto de vocês não parece notar nada – uma mulher cai das escadas e

morre, e daí? Um estudante é ferido, só porque quer dar para trás em uma coisa

medieval, então? Eles têm suas próprias regras. Há alguém aqui que se preocupe

pelo que acontece com as outras pessoas?

Para sua surpresa, Caitlin pôs seu braço ao redor do ombro de Blanka.

— Eu me preocupo pelo que acontece contigo. — ela disse. — Esta não é

como as outras escolas. Aqui todos nós temos que aprender a solucionar nossos

próprios problemas. É duro ao princípio, eu sei. Mas só para te reassegurar, sim, os

Lobos estão loucos. Alguns, se por acaso, são agradáveis. Tobias, o garoto que usa a

máscara de músico, saiu por um tempo com Jenna, a garota que vive no seu quarto.

Caitlin riu. — O que você quer que eu te diga? Que ele a forçava para que

uivasse baixo à lua com ele? Isso é idiota, os Lobos são apenas uma sociedade, nada

mais. Jenna e Tobias têm algo, e ele rompeu com ela. Mas isso não foi precisamente

a falta dos Lobos, mais de Tobias, porque ele saía muito seguido com uma garota

de sua turma de química.

— E Joaquim?

— Bom atleta. Algumas vezes um pouco arrogante e tem um fusível curto,

como ontem. Mas não é o trabalho dele proteger a Sylvie. Todos nós temos que

fazer nossas decisões.

— Quantos Lobos estão aqui juntos? — perguntou Blanka depois de poder

falar tudo isso.

— Joaquim, claro. Tanya, Tobias, Martin e Sylvie. Esse é o grupo inteiro.

— Tem algum... Garoto loiro no grupo, um que veste uma jaqueta de couro?

40

Caitlin franziu o cenho. — Hmmm... Não que eu tenha me dado conta. Talvez

algum dos novinhos, mas em alguns casos eles estão aqui apenas pela competição

de bastões. — seu rosto se suavizou. — Escuta; eu não acho que os Lobos querem

algo com você. Mesmo com o que eles fizeram no primeiro dia, não foi nada

pessoal. Eles escolhem a alguém para incomodar no primeiro dia. Se eu fosse você

não me preocuparia em nada por isso. Só fique ali por algumas semanas mais. E, se,

todavia, você continua sendo incomodada, logo vem e me conta ok? Prometo. Não

irei correr para a madame. — ela olhou diretamente a Blanka. — E um dia, você

terá que me dizer o que a sua mãe fez de tão terrível para que você precise

inventar desculpas cada vez que ela liga.

Blanka piscou. —Você pensa que eu dei uma volta, ou não?

Caitlin riu e lhe deu um empurrão amistoso. — A princípio tinha medo do

que você fazia. — admitiu. — Madame é genial, mas porque sou a presidente

estudantil ela faz que eu me encarregue dos casos problemas. Mas qualquer um

que tenha passado o que você passou teria sonhos ruins. — Caitlin bocejou e olhou

o relógio do rádio. — Vamos! Se não nos apressarmos, não vamos tomar café. —

ela se levantou com um pulo e abriu uma caixa, a qual rugiu em sinal de protesto.

Blanka tomou um gole de chá e olhou o líquido âmbar. Cheirava a laranja e

baunilha.

A biblioteca se supunha que voltaria a abrir na manhã de terça. Blanka

estava tão impaciente que apenas podia se concentrar em sua aula. Tão logo como

o sino soou, ela pegou suas coisas e foi a primeira a sair da sala. Hoje os corredores

lhe pareciam particularmente largos. Os outros estudantes foram diretamente para

a cafeteria, mas Blanka se virou no corredor que se dirigia dos laboratórios de

biologia à entrada principal do colégio, e desde ali, rapidamente cruzou o terreno

até a biblioteca. Por cima da alta porta dupla estava pendurava uma placa de aço

polido, gravado com o tema do colégio: Porta Post Portam – um convite para tratar

de abrir mais portas de conhecimento. Blanka passou pela porta ao ar livre. De

repente, sentiu uma mão em seu ombro. Ela deu a volta aterrorizada.

— Sinto muito. — ofegou Jan. — Eu não queria te assustar. Não me ouvisse

chamando?

Blanka suspirou fundo. — Não. O que foi?

Ele pôs a mão em seu bolso e tirou um pedaço de papel amassado.

— Do Mrs. Catalon. Saiu com tanta pressa que não a ouviu nos chamar de

volta. Folha de trabalho – previsto para depois de amanhã.

— Ok, obrigada.

41

Jan olhou como Blanka dobrava o papel e, distraidamente, o colocou em sua

mochila.

— E que? — ele perguntou. — Como você está?

— Bem. Por quê?— ia ser isso uma conversa amistosa, de companheiro de

aula a companheira de aula?

— Caitlin disse que você... Esteve perguntando por mim.

De repente tudo de Blanka caiu, e quase gemeu em voz alta. Duas almas

solitárias que estavam destinadas a se encontrar. Que inteligente plano de Caitlin.

Em algum lugar longe no corredor, uma porta se fechou.

— Na verdade, eu só estava perguntando sobre esse temporizador que você

fez para a chaleira.

Ele não estava nem surpreendido nem decepcionado. — Não é nada

especial. Improvisei algo na aula.

— Está fazendo curso de oficina também?

Jan sorriu. Ele, todavia aparentava quatorze, ainda que tivesse um novo

corte de cabelo.

— Não, só o curso de projeto-arte. Chama-se ‘Volte a Metrópole’. Estamos

construindo um modelo desta cidade de cinema mudo.

De repente ficou sério, e olhou ao seu redor ansiosamente. Ele se aproximou

um pouco mais perto dela. Blanka se deu conta de que ele não era mais alto que

ela. — Na verdade... Eu queria-te dizer que sinto, eu te abandonei durante o tour de

meia noite. Eu realmente achei que você estava atrás de mim. Se houvesse sabido

que eles iam te deixar ali, teria voltado.

— Está bem. — respondeu Blanka. — Não se preocupe, precisa de muito

mais que isso para me intimidar.

Jan a olhou duvidoso. — Isso eu espero. — disse. —Eles não parecem

particularmente gostar de você.

— Bem observado. Você realmente tem dezenove anos?

— Sim, isso é correto.

— Por que você está só no décimo ano?

42

— Isso é um interrogatório? — perguntou incomodado. — Estive um tempo

fora do colégio.

— Esteve... Doente?

— Sim, algo assim.

— E agora está interessado em arte.

— Na verdade só em argila. — ele sorriu, inclinou-se mais próximo, e

sussurrou: — Eu não tinha um forno grande em casa.

Ele lhe deu uma piscadela, deu meia volta e se dirigiu pelo corredor vazio. O

celular de Blanka começou a vibrar no bolso de sua jaqueta. Ela o pegou e viu que

era sua mãe.

Ela estava segura de que não se renderia facilmente! Blanka olhou a calça

até que o telefone vibrou pela décima quinta vez. Logo desligou o aparelho,

colocou-o com força no bolso e secou os olhos com a manga. O hematoma em seu

braço doía. Uma vez mais ela sentia esse embotado sentimento de vazio.

As paredes da biblioteca estavam escuras do pó que a polícia havia utilizado

para comprovar marcas digitais. Uma nota na porta de vidro avisava que as

renovações estavam em progresso. Enquanto Blanka entrava no lugar com as

mesas de leitura, seu estômago se revolveu e ela sentiu como se estivesse em uma

montanha russa. Cada rastro da mulher morta havia sido erradicado. As escadas e

a grade de aço já haviam sido esfregadas e limpas, e o chão de pedra brilhava.

Blanka olhou a mancha onde a mulher havia jazido, e procurou em sua mochila por

um longo tempo desnecessário. Finalmente se armou de valor e passou olhos

baixos, mantendo-se tão longe como podia da atual mancha.

O primeiro piso da biblioteca estava como o colégio, banhado em luz, e suas

paredes de vidro e aço polido davam ao lugar a aparência de um moderno edifício

de escritórios. As cadeiras estavam desenhas ergonomicamente e, as luzes de

leitura pareciam braços estendidos de robôs.

Sentindo-se como uma intrusa, Blanka preencheu sua solicitação para o

laboratório de idiomas e, obteve seu cartão de usuário para as estações de trabalho

do computador. Ela podia sentir sua caderneta com as notas que havia feito sobre

Annette pressionando contra ela. Deu um passo perto da fachada de vidro que

dava para a larga escada e as mesas de leitura abaixo. A direita da máquina de

bebidas, uns quantos estudantes estavam usando algumas mesas como uma

cafeteria. Um garoto loiro levando uma jaqueta de couro não estava entre eles. Ela

contemplou a mancha ao pé das escadas. Por um momento, imaginou que podia

43

ver a linha de uma figura, e estremeceu. Como pôde Annette Durlain ter caído tão

lentamente pelos degraus? Ela havia aterrissado no chão a direita do lado da grade

– não teria se agarrado automaticamente nelas ao pegar a si mesma? Blanka olhou

ao redor, e quando esteve certa de que ninguém a estava olhando, pegou sua

caderneta e desenhou a escada. Ela desenhou uma linha do corpo de Annette

Durlain, indicando sua posição no que ela podia lembrar.

Detrás dela apareceram corredores de estantes de aço, aparentemente

intermináveis. Lentamente Blanka voltou. “Idiomas”, leu em um letreiro, atr|s

“Francês III”. Uma biblioteca cheia de livros de colégio. Annette Durlain havia

estado escondida ali durante sete horas. Blanka pôs seu lápis na mochila e

começou a caminhar pelos corredores, imaginando a Annette Durlain buscando um

lugar para se esconder. Não haveria sido fácil. As estantes estavam em ângulos

retos com a parede, e você podia ver através delas. Inclusive na área de salas de

estar, apenas havia um lugar onde você seria invisível. Uma estreita porta conduzia

a uma escada, mas estava bloqueada. Não era provável que Annette Durlain tivesse

uma chave. Uma e outra vez Blanka pegou seu caderno e anotou as esquinas que

ofereciam alguma proteção da vista. No outro extremo, uma ampla porta estava

entreaberta. Blanka ignorou o sinal de “Privado” e entrou na sala contigua.

Cheirava a barris de madeira velha.

Era outra sala cheia de livros. Blanka passeou acima e abaixo, corredor por

corredor. As obras de Freud estavam aqui, e outros clássico psicológicos, como as

teorias C. G. Jung. Blanka se deu conta do tapete desgastado e se deteve. Algumas

das estantes estavam em rodinhas – e um deles estava um pouco fora do lugar.

Havia um buraco evidente onde uma rodinha havia pressionado uma vez o tapete.

Silenciosamente Blanka caiu de joelhos, e se aproximou sobre o lombo dos

livros. Detrás deles havia só uma parede – mas era possível empurrar a estante

para o lado e se esconder atrás? Ela lutou para puxar a estante para frente. Podia

movê-la apenas um centímetro por vez. O resultado foi decepcionante. A parede de

trás estava recém pintada. Ela podia ver um remanente de fita adesiva no

interruptor de luz. Obviamente a estante havia sido movida só pelas renovações.

Blanka se sentou no chão e contemplou as filas inferiores de livros na estante

adjacente. “O Mecanismo dos Psicotrópicos Selecionados” era o título em um dos

mais grossos. Cuidadosamente pegou o livro e começou a folheá-lo. Centenas de

termos técnicos. Se você ler crendo, pode imaginar ao homem como um kit de

construção química. Só havia que equilibrar as substâncias, os hormônios, ao fluxo

de adrenalina; tudo seguido de um plano que poderia ser calculado. O luto era

quantificado. Ou não?

Ela fechou o livro com um golpe e ergueu o olhar. Podia ouvir algo! Sentou-

se e escutou imóvel, até que pôde distinguir o som, um choramingar. E vinha direto

44

do corredor ao lado. Blanka se arrastou mais próximo da estante. Através do

buraco deixado por seu livro podia ver jeans escuros. Algo soou, apareceu um

joelho, logo o buraco ficou as escuras e, de repente, ela estava olhando a cara de

Simon Nemec.

— Pensei que era você. — lhe disse com voz rouca. O forte cheiro a menta

de seu fôlego não acabava de cobrir o cheiro do álcool. Ele desapareceu e surgiu de

novo ao redor da quina. A jaqueta esportiva que sempre usava estava esfregada

nos cotovelos e parecia lamentável a dura luz do meio dia. Pega no ato, Blanka

ficou de pé.

— O que você está fazendo? — grunhiu.

Blanka se apoderou de seu caderno com firmeza e mostrou um sorriso

inocente.

— Procurando? — disse em voz baixa. — Não estamos autorizados a

permanecer na biblioteca?

Em silêncio se olharam. Os olhos de Nemec estavam ligeiramente

vermelhos, como se tivesse um resfriado.

— Não há nenhuma razão para que você esteja aqui. Isso é parte da

biblioteca de referência, unicamente para os da faculdade.

— Onde diz isso?

— Nas normas da biblioteca que, obviamente, você não leu. E o cartaz que

diz ‘Privado’? Lesse isso? — Blanka sentiu que seu sorriso de confiança se derretia.

— Eu chamo isso de espionagem. — disse Nemec. — E não ache que não me

dei conta de que você estava no escritório da Sra. Lalonde. — Nos entendemos?

O coração de Blanka deu uma volta. O olhar que lhe deu Nemec devia ter um

aspecto patético, para que lhe provocasse um sorriso triste. Vacilante, Blanka

assentiu.

— Bem. — inclinou-se para frente e apontou o caderno que Blanka segurava

fortemente. — E agradeça que eu não confisque suas anotações. — disse. — Aposto

que iria encontrar algumas coisas que não tem nada a ver com sua tarefa, certo?

Só então Blanka se deu conta da bandagem sobre a mão direita.

— O que você fez na mão? — perguntou em voz baixa.

45

Nemec cruzou os braços e olhou a Blanka. — Resvalei. Trabalhando nas

renovações.

— Você é surdo?

— Por que quer saber?

— Geralmente as pessoas destras têm mais probabilidades de machucar a

mão esquerda.

— Suponho que pensa que é muito inteligente. — disse. — Se realmente

quer parecer inteligente, então voltará rapidamente à área dos estudantes.

***

Os sonhos chegaram como ladrões na noite, subindo por sua cama e

entrando em seu cérebro. Em lugar da túnica da bruxa, às vezes era a mãe de

Blanka a que estava na vitrine, uma boneca de cera triste. Ela levava o uniforme

vermelho e branco do restaurante de Mountain View, que sempre a fazia parecer

um pouco pálida demais.

Annette Durlain, envolvida em seu casaco, estava de pé junto à vitrine. Um

rosto se refletia no vidro, Blanka havia esperado ver os traços de Nemec, mas, para

seu horror, deu-se conta de que era o garoto da jaqueta de couro. Não se atrevia a

olhar para a esquerda, direto em seus olhos. Em troca, viu no reflexo como buscava

no interior de sua jaqueta e tirava a agulha brilhante de uma bruxa. Via-se como

uma adaga. Blanka gritou e correu a vitrine, mas um muro de calor a deteve em

seco. Os traços de sua mão começaram a se derreter e gotejavam como pele de cera

de cores em seu uniforme. Blanka gritou, mas sua voz soou chiada, como uma

porta. De repente, um vermelho e quente sol brilhou junto a Blanka.

Tinha rosto e parecia um antigo gravado de cobre cobrando vida. Os raios

piscaram e, só então, Blanka viu o leão. O animal era gigantesco, tão grande como o

sol. Blanka tropeçou para trás e chocou contra uma parede quente. O leão se

agachou e saltou. Suas garras entraram no sol, e enterrou seus caninos na esfera

brilhante, mordendo-o como se fosse uma presa. O cheiro acre da besta e a fuligem

estavam por todas as partes. O garoto da jaqueta de couro ergueu a afiada adaga.

Annette Durlain se dobrou sobre si mesma com terror. O Sol gritou.

46

Blanka acordou sobressaltada e pressionou o interruptor de luz com os

dedos escorregadios pelo suor. Não passou nada. A sala continuou sendo um

buraco preto. Só o som do interruptor da lâmpada de leitura, que Blanka manteve

pressionado, perturbou o silêncio. Obviamente, o foco havia se apagado. Blanka

limpou as mãos no lençol e ficou na escuridão. Passou um momento tratando de

respirar com calma.

O silêncio no dormitório era opressivo. Blanka deixou para trás a roupa de

cama, e sentiu que, em seu caminho até a porta, seus joelhos tremiam. Por sorte, só

havia baixado as persianas até a metade na noite anterior. Pouco a pouco podia

distinguir o contorno da cadeira, a porta, e junto a ela a mais ligeira revisão do

interruptor da luz do teto. Quando fez um clique nele, fechou os olhos com força,

esperando uma luz brilhante. Não aconteceu nada. Um corte de energia – e tinha

que ser agora! A incerteza chegou de novo, ao fazer seu caminho de volta a sua

mesinha, esperando que suas chaves estivessem ali. Sim. As chaves fizeram um

ruído enquanto as pegava e buscou a pequena lanterna LED adjunta ao cadeado.

Através da ampla brecha entre a persiana e o parapeito da janela, podia ver uma

parte do estacionamento. Ela deu um suspirou e ficou imóvel, sem respirar, com

suas chaves nas mãos. Alguém estava ali, meio se afastando dela.

Blanka se inclinou para frente sobre a mesa. As bordas irregulares das

chaves se cravaram em sua palma. Estava sonhando. Todavia devia estar

sonhando! Debaixo da janela se encontrava Annette Durlain. A figura ficou ali –

preta e sombria apenas distinguível na noite cinzenta do cascalho do

estacionamento. Blanka olhou em seu esforço por distinguir o perfil. A borrada

sobra parecia estar mudando de forma. Poderia ser uma mulher com um casaco,

sim – mas, de repente, o fantasma parecia um homem em uma capa escura. —

Nemec?— se perguntou. Os Lobos? Como se houvesse sentido o olhar de Blanka, o

fantasma virou a cabeça preta para as costas e olhou para cima, à direita, a janela

de Blanka. No mesmo momento em que Blanka sentia como se ela tivesse a visão

de um gato. Parecia lógico que agora ela poderia ver o que estava usando – um

hábito de monge? Ela sentiu mais que ouviu uma voz ressoando dentro dela, como

um eco. Não houve palavras, só um sentimento, uma certeza de que algo estava se

aproximando – uma batalha, um... Perigo? A sombra de um braço negro se elevou

no ar, como se o fantasma a agitasse para ela.

Blanka se jogou para o lado tão rapidamente que bateu a canela com a cama.

A coisa não pode tê-la visto nesse quarto escuro. No entanto, seu coração batia

como louco. Esperou vários minutos, durante o que lhe pareceu um dia inteiro, e só

então se atreveu a dar uma olhada cuidadosa na janela – desde a mesma borda,

para que pudesse se retirar de vista rapidamente. A figura havia desaparecido. Só

um raio lhe chamou a atenção. E havia algo que poderia ter sido um cigarro aceso.

Blanka se fundiu em sua cama e se cobriu com o lençol. Agora estava segura de que

47

alguém estava fora de sua porta. Joaquim e os demais – o garoto da jaqueta de

couro, a estavam esperando para arrastá-la até o rio. Talvez fosse um dos Lobos.

Levantou e se arrastou até a porta. Uma vez ali, pôs a orelha contra a madeira e

escutou.

Supostamente, pareceu-lhe ouviu um ruído de raspado. A maçaneta da

porta se sentia fria ao tato. Logo se moveu debaixo de sua mão. Alguém estava

pressionando para baixo a maçaneta da porta! Blanka retirou a mão como se

houvesse se queimado com ela. Sem fôlego enquanto observava a maçaneta em

movimento. Alguém estava comprovando se a porta estava fechada com chave. A

chave caiu de sua mão e caiu sobre o tapete com um suave tilintar. Nesse momento

as luzes se acenderam de novo. Surpreendida, Blanka retrocedeu e bateu no sofá,

perto da porta.

Foi muitos milhares de batidas de seu coração mais tarde, ou isso pareceu,

que ela se atreveu a pegar seu guarda chuva, para usá-lo como arma se necessário.

Mas a maçaneta da porta não se moveu mais. Silenciosamente, Blanka pegou o

chaveiro e abriu a porta com a chave. Guarda - chuvas em mãos, ela se aproximou

pela porta. No corredor vazio, a tela digital do relógio da parede brilhou e, então

saltou de novo a hora. 03h48min AM.

48

Capítulo 6

Santa Apolônia

Blanka tinha construído uma montanha de livros em seu lugar na mesa

de leitura da biblioteca. Post-its2 amarelos colados fora das páginas. Em dois dias

ela teve que lidar com o seu projeto de Biologia, e amanhã ela iria escrever o

primeiro exame preliminar, de história. História não a preocupava, mas agora que

a professora de Biologia dela, Sra. Catalon, havia deixado potenciais de ação e os

nervos para trás, e se mudou para genética, Blanka sentiu como se dois anos de

matéria tivessem sido espremidos em quatro semanas.

Ela se inclinou para trás e olhou através dos corredores nas cabines de

computadores. Em vinte minutos, o computador da biblioteca que tinha reservado

estaria livre. Uma garota loira dentuça estava lá agora, clicando através de um

banco de dados. Suspirando, Blanka dobrou-se sobre suas notas de novo e as leu

pela centésima vez. Ela tinha que fazer isso! Não havia dois caminhos sobre isso –

se ela queria ficar na escola, ela tinha que passar nos exames preliminares. Mas as

palavras se recusavam a encontrar o caminho para sua cabeça; elas escorregavam

dela e se desvaneciam. Era impossível se concentrar. De novo e de novo ela sentia

como se ela estivesse segurando a porta dela com a mão e quando ela fechava os

olhos, o fantasma ondulava para ela.

Novamente ela percorreu todas as possibilidades que ela havia pensado até

agora: era Jaqueta do couro, e seus olhos pregaram uma peça nela no escuro. Ele

tinha Annette Durlain na consciência dele e no museu do Convento ele tinha

selecionado Blanka para ser a sua próxima vitima. Ou era Tanya, atuando como

vigia enquanto os outros Lobos tentavam tirar Blanka fora de seu quarto e arrastá-

la para o rio. Ou Maddalina de Trenta?

— Ridículo! — sussurrou Blanka, abaixando seu lápis. Ela esfregou os olhos

fortes e estrelas vermelhas explodiram por trás de suas pálpebras. Os

pensamentos dela correndo em círculos: Annette Durlain e Jaqueta de couro,

2 Post-its – Papel pequeno para anotar recados.

49

Jaqueta de couro e os Lobos, os Lobos e Joaquim, Joaquim e Blanka... Nada fazia

nenhum sentido. E, no entanto, ela tinha o pressentimento que havia uma conexão.

Exausta, ela pressionou as palmas nos olhos dela. Ela viu a mulher de cabelo cinza

descendo as escadas, passo a passo. Annette Durlain se virou e olhou para Blanka.

Nas sombras o seu rosto parecia uma máscara.

Ela sorriu, abriu os braços amplamente e caiu para trás. Blanka deu um pulo

e abriu os olhos dela. Na biblioteca tudo estava silencioso. Exausta, ela levantou-se

e foi até um das janelas quase abertas. O ar fresco era bom. Da parte de baixo ela

podia ouvir o grito de júbilo de uma equipe de voleibol, depois de uma explosão de

curta distancia do apito do arbitro. Blanka encostou a testa quente contra a janela e

olhou para o caminho, e da cobertura ao lado dela.

Ela tinha que falar com Sylvie o mais rápido possível.

Uma figura andando pelo caminho diminuiu, depois parou. Rapidamente

Blanka recuou e então atentamente olhou pra fora da janela de novo. Ela não

precisava ter se importado; a pessoa possivelmente não poderia reconhecê-la de lá

– a fachada de vidro matizado agiu como um espelho.

O olhar concentrado e furtivo com o qual Jaqueta de Couro examinava o

prédio perturbou Blanka ainda mais. Ele virou pra cima seu colarinho desgastado

como se estivesse frio, e um cigarro pendia no canto da boca dele. Depois de um

minuto que pareceu durar para sempre, ele seguiu seu caminho e desapareceu de

vista.

Ela só se sentiu segura de novo quando ela esteve de volta em sua carteira

de leitura atrás das pilhas de livro, que a separava do seu redor como uma

fortaleza. Ela estava prestes a puxar o grosso texto de biologia para ela quando ela

parou. Já não estava mais aberto no mesmo lugar. Alguém de passagem deve ter

causado um esboço que tinha virado as paginas. Então ela olhou para os outros

livros dela. As anotações coladas tinham desaparecido, ou tinham sido postas em

lugares diferentes nos livros. Uma importante obra de referencia sobre a genética

tinha desaparecido. Com um súbito sentimento de naufrágio na barriga, Blanka

rapidamente levantou a parte superior da página de suas anotações.

Páginas vazias sorriram ironicamente para ela. Ela levantou-se e olhou ao

redor. Alguns estudantes haviam saído. Atrás dela, no computador, a menina com

os dentes sobressalentes estava arrumando suas coisas. Blanka se afundou na

cadeira e olhou sobre os livros dela de novo. Um deles ela definitivamente não

havia trazido para a mesa. Era grosso e ligeiramente amarelado, o seu título

indicava que continha as lendas dos santos.

50

Um papel se sobressaia de dentro das paginas, obviamente marcando uma

passagem. Ela o abriu. A passagem descrevia o martírio de Santa Apolônia. - Todos

os dentes de Apolônia foram quebrados fora por seus cruéis torturadores. - Blanka

engoliu em seco e olhou para a figura da mártir, que estava segurando uma pinça e

um dente na mão. Alguém tinha usado uma caneta para sublinhar as palavras -

quebradas fora. Mas o que a assustou mais ainda foi o fato de que alguém havia

colorido os cabelos da santa de preto, o que fez parecer estranhamente com

Blanka.

Caitlin quase deixou a garrafa de refrigerante cair com choque quando

Blanka correu para o quarto.

Blanka nem sequer mostrou qualquer surpresa ao ver Jan sentado na cama.

— O que está errado? — chorou Caitlin, pulando.

— Meus projetos se foram! — arfou Blanka. — Roubados! — ela soltou fora

toda a história. Jan ouviu por um tempo em silêncio, depois levantou e saiu sem

uma palavra.

— Alguém está apenas pregando uma peça em você! — Caitlin disse

suavemente.

—Besteira! Alguém está muito sério sobre isso. E este lugar marcado no

livro, isso é uma provocação-ameaça!

— Blanka se acalme!

— Eu não sei se isso foi Joaquim ou não, mas alguém esta tentando me

assustar. Talvez o cara na jaqueta de couro faça parte disto, também.

—Que cara?

—Ele tem estado me observando. Ele pode mesmo ter estado debaixo da

minha janela uma noite recentemente.

—Quando?

— O dia antes de ontem. Houve um corte de energia. — disse Blanka. — E

havia alguém no estacionamento. No meio da noite. Ele estava olhando para a

nossa janela.

Caitlin fez uma cara, obviamente cética.

51

—É verdade! — insistiu Blanka. — Eu não contei a você, mas ele estava lá

como se estivesse procurando algo.

A pausa que se seguiu cresceu desconfortável, e Blanka realmente

arrependeu-se de ter contado a Caitlin sobre isso. Caitlin olhou para ela de perto.

Blanka quase podia ler os pensamentos dela.

— Eu não sonhei isso. — ela disse com ênfase. — Alguém estava lá. Então o

quê? Talvez ele estivesse na balada e estava voltando tarde da cidade. Talvez ele

seja o namorado de uma das garotas do nosso prédio e ele estava jogando

pedrinhas na janela dela.

— Às quatro da manhã?

Caitlin pressionou os lábios dela juntos.

— Pense sobre isso. — ela disse finalmente. — Quem estava na biblioteca?

Joaquim?

Blanka sacudiu a cabeça dela.

— Outro dos Lobos?

—Não.

Caitlin estava em silêncio.

— Você não acredita em mim, acredita? Você acha que eu sou louca.

Caitlin hesitou.

— Sim, é claro que acredito em você. — ela disse vagarosamente. No

momento que Jan veio voando de volta para o quarto e jogou um punhado de

artigos e livros sobre a cama. Papéis se espalharam em todas as direções.

—Isso estava no seu lugar.

Desnorteada, Blanka encarou os papéis. Eles eram suas anotações.

—Eles tinham sumido. — ela gaguejou. Caitlin e Jan perguntaram,

—E onde está o livro sobre santos? — ela perguntou, conseguindo

funcionar.

52

— Eu posso provar para você, alguém desenhou uma gravura de mim. Isso

foi uma ameaça!

— Não havia livro sobre santos lá. — disse Jan calmamente. — Eu mesmo

olhei debaixo da mesa.

— E os outros livros? Veja; as notas coladas foram todas removidas.

—Hmm. — disse Jan. — Você vem de uma vizinhança respeitável, não é? De

onde eu venho pessoas muitas vezes se dão uma vantagem, para fazer a vida da

concorrência mais difícil. Você tem sorte de suas anotações ainda estarem aqui.

— Isso não faz nenhum sentido! — Blanka disse.

— Se você me pergunta isso faz. — respondeu Jan. — Não deixe suas coisas

estendidas por ai como isso. Obviamente você não está lidando muito bem com o

stress aqui. — Caitlin cutucou-o nas costelas. Jan sorriu se desculpando e agarrou

sua jaqueta.

—Ok, eu peguei isso. — ele disse. — Vejo vocês!

Houve uma pausa desconfortável enquanto os passos de Jan recuavam

baixo no corredor. Blanka pegou suas anotações e as folheou página por página.

— Aqui! — ela chorou. — Duas paginas estão faltando e é claro que isso tem

que ser as com minhas classificações, e toda a bibliografia. Quem poderia sumir

com a pilha inteira e depois colocar tudo de volta, exceto por duas páginas?

Caitlin levantou-se e sorriu para ela tranquilizadoramente. Nesse momento

Blanka odiou seu sorriso “estudante-presidente.” — Dê outra olhada. — disse

Caitlin. — Talvez você tenha se esquecido de pegar estas páginas, ou você as

colocou no lugar errado.

— Eu pareço como se fosse caduca? Eu as tinha comigo!

— Você sabe como você tem se parecido para mim pelos últimos dois dias?

Como alguém que veio de outro planeta. Você não só insiste para que ambos

bloqueiem nossas portas...

— Há uma razão para isso!

— Qual razão? Aff, Blanka! Volte pra terra!

Caitlin cruzou os braços. Seu sorriso tinha desaparecido. Blanka se afundou

na cadeira, pegou seu chaveiro e olhou para a chave da gaveta. Ela abriu a gaveta

53

tão grosseiramente que todas as suas notas deslizaram para frente, pousando

contra a borda da frente da gaveta. Furiosamente, ela pegou os papeis e pastas e os

jogou em cima da cama. Caitlin assistiu em silêncio enquanto ela procurava através

da pilha.

— Sem anotações. — Blanka disse finalmente. — Eu não deixei as duas

páginas aqui.

— Eu vi suficiente. — disse Caitlin. — Se você realmente acha que os Lobos

querem empurrar você no rio ou assustar você embora, então nós devemos ir à

Madame Lalonde agora mesmo.

— Definitivamente não. — rebateu Blanka, levantando-se. — Nenhuma

palavra para Madame! Ou assim eu posso muito bem ir direto para casa! Promete

Cait?

Sua amiga olhou para ela duvidosa, mas finalmente ela assentiu.

— Prometo. Ei, onde você está indo?

— Procurar por Sylvie.

— Sylvie? Ela não vai estar de volta por dez dias.

—O quê? Por quê?

— A mãe dela está doente. Ela foi para casa. — disse Caitlin.

— Bem, que coincidência. — as palavras escorregaram fora antes que

Blanka pudesse pará-las.

Os olhos de Caitlin brilharam. Ela olhou como se quisesse sacudir Blanka

para fazê-la ver o sentido. — Ela teve permissão e mesmo assim registrou a

ausência dela no escritório. E esta manhã ela pegou um táxi para a estação. Isso

não tem muito a aparência de uma morte violenta, não é?

— Ok, ok. — Blanka virou-se para ela, saltando pra cima. — Não se

preocupe a lunática com complexo de perseguição esta agora indo pacificamente

para a biblioteca para pegar a jaqueta dela!

Nada havia mudado lá. Uma vez mais Blanka repassou cada etapa em sua

cabeça, tentando lembrar que tinha estado na sala. Dentuça estava agora sentada

lendo no canto, ocupada fazendo anotações. Umas poucas outras mesas estavam

vazias, e Blanka queria saber se os membros dos Lobos poderiam ter estado ali

sentados, e ela não tinha notado eles. Tudo estava o mesmo de sempre, exceto que

54

agora ela sentia uma ameaça espreita a cada canto. Com um calafrio ela deixou a

sala e foi para o banheiro.

Enquanto ela procurava por sua jaqueta, ela notou uma figura parada de

trás da grande parede de vidro no segundo piso. Simon Nemec estava parado bem

no topo do corredor, entre duas prateleiras onde ele não poderia ser visto da

cafeteria. Ele apenas estava parado lá, encarando as escadas. O rosto dele estava

vermelho, e os cantos de sua boca pendendo pra baixo como aqueles palhaços

tristes. Ele ergueu o braço e limpou os olhos dele com suas luvas. Blanka levou

alguns segundos para entender o que ela estava vendo. O velho zelador estava

chorando.

55

Capítulo 7

A Besta

O corredor em frente dos escritórios da escola estava deserto.

Nervosamente, Blanka parou em frente da porta de Madame Lalonde e esperou. A

mensagem que ela havia encontrado colada na porta dela depois da escola estava

agora flácida e amassada, ela tinha remexido demais nisto. A última vez que ela

esteve nesse corredor, ela tinha notado o grande mapa do mundo preenchendo

quase todo o espaço entre as duas portas. Era pontilhado com inúmeras bandeiras

pequenas.

Cada bandeira azul representava um estudante, e cada bandeira vermelha,

um professor. Os nomes foram impressos com marcadores pretos. Marie-Claire

Lalonde veio de Alsacia e muitos estudantes vieram da Áustria, Holanda e

Alemanha. A professora de química de Blanka veio de Londres; outros professores

vieram da França, Polônia e Eslováquia. Mas havia também bandeiras perto de

Odessa e em Kiev.

O olhar de Blanka vagueou em direção a Espanha, para uma pequena

bandeira em Madrid. — Joaquim Almán. — ela leu. — Ah, Blanka, venha aqui! —

disse Madame alegremente, enquanto ela abria a porta. A diretora estudou Blanka

atentamente. Ela fez seu caminho de volta para sua mesa de trabalho e cruzou suas

mãos na frente dela.

— Eu pedi a você que viesse aqui por uma razão especial, Blanka. — ela

começou indo direto ao ponto. — Bem, na realidade por mais de uma razão, mas eu

espero poder te explicar a primeira rapidamente. Sua colega de quarto Caitlin tem

trazido minha atenção que haja algum atrito entre você e alguns outros estudantes

mais velhos. — os olhos de Blanka arregalaram-se em descrença.

— Antes que você fique irritada com Caitlin, sim, ela me contou. Como você

sabe, eu pedi a ela para manter um olho em você, para ter certeza que você está

estabelecendo-se de forma correta.

— Contando-lhe coisas sobre mim pelas minhas costas?

56

— Na escola, é um costume para alunos mais velhos tomarem de conta dos

mais novos. — Madame insistiu. — Caitlin estava preocupada com você, isso é

tudo. Eu compreendo que você acredita que alguém roubou seus trabalhos na

biblioteca.

Blanka tentou se afundar mais baixo em sua cadeira. — Eu perdi duas

páginas de anotações. — ela admitiu hesitantemente.

— E o que faz você suspeitar que fossem os membros dos Lobos?

Blanka estava sem palavras. Caitlin tinha realmente derramado os feijões.

Finalmente ela clareou sua garganta.

— Não suspeito realmente. — ela disse — Eu só tenho o sentimento que os

Lobos não gostam de mim particularmente, isso é tudo. — ela tinha dito isso

cuidadosamente o suficiente?

Madame Lalonde se levantou e foi para a janela. Houve uma breve pausa.

Blanka se pegou nervosamente amassando os dedos dela de novo. Por um

momento ela esteve tentada a dizer tudo para a Madame- sobre o aviso de Sylvie,

os pesadelos, e a suspeita dela que a morte de Annette Durlain não havia sido um

acidente. Mas ela sabia como isso iria soar. — Você não pertence a esta escola. —

ecoou a voz de Joaquim. Mas talvez a diretora pudesse acreditar nela. Ela engoliu

em seco e procurou pelas palavras certas.

— Basicamente, eu acredito que todo mundo é responsável por escolher o

caminho dela própria. — Madame falou de novo, e Blanka teve que ouvir.

— Isso também significa que todo mundo procura depois pelos seus

próprios assuntos e cientes de que as aulas na escola podem ser muito mais

difíceis. Depois, na Universidade, ou trabalhando em uma grande firma ou em

algum lugar, você irá achar que a Escola Internacional Européia tinha preparado

você bem para a vida profissional e as... Armadilhas da carreira.

Blanka fechou a boca de novo. Sylvie estava certa. Madame era astuta e

menos compassiva do que parecia, mas também, mais bem sucedida e perspicaz.

Agora mesmo Blanka teria dado qualquer coisa para ela e para satisfazer as

demandas da escola. — Independentemente. — continuou Madame. — Nós iremos

olhar dentro da questão: perguntar aos estudantes, encontrar quem estava na

biblioteca neste horário, falar com os empregados...

— Não. — Blanka disse com uma voz firme. — Não, isso foi engano meu. Da

próxima vez eu vou prestar mais atenção nos meus pertences.

57

O sorriso apreciativo que Madame deu a ela a fez sentir, entretanto como se

ela tivesse acabado de ter sido aristocrata.

— Bom. Então é isso. — disse a diretora. — Vamos ao Segundo ponto. — ela

bruscamente abriu a gaveta e tirou um papel e maneou na mesa para que Blanka

pudesse lê-lo.

— Seu teste de história, marcado. — disse Madame. — Olhe para isso no seu

lazer.

Blanka levantou-se e pegou o papel. Através da capa transparente a marca

parecia como 30%. Isso deve ser um truque da luz! Incredulamente Blanka virou a

capa. Isso não era truque. Blanka leu o nome dela ao lado e correu o olhou sobre as

primeiras poucas linhas do teste. Era próxima a caligrafia dela, demasiado

pequena, mas as respostas não eram as que ela lembrava ter escrito. Erros

surgiram e ela obviamente perdeu completamente duas questões, embora ela

tivesse absoluta certeza de ter lido as perguntas cuidadosamente. Ela continuou a

folhear. Cada marca vermelha era como um golpe físico. Ela mesma encontrou o

lugar onde ela havia cometido um engano e tinha atravessado a primeira letra da

linha. Era claramente a sua escrita. Ela estava ficando louca?

— Bem? — perguntou Madame Lalonde.

— Eu... Eu não sei. Ontem eu pensei...

A garganta de Blanka estava como se uma mão estivesse fechando-se ao

redor. Apenas não chore! Não agora! Se ela admitisse agora que ela estava ficando

louca, ela seria posta no próximo trem e mandada pra casa, isso era certeza. E nada

poderia ser pior que ter que voltar para casa.

Madame Lalonde suspirou e de repente parecia cansada. Ela pressionou o

nariz como se estivesse tentando se livrar de uma dor de cabeça.

— Como você pode imaginar, não é apenas minha decisão você ficar na

escola. — ela disse quietamente. — E apenas os melhores ficam aqui. Você pode

ser um gênio em matemática, mas se você não fizer mais esforço em outras

matérias, isso não vai importar.

— Eu sei.

— Contudo, você ainda tem a chance de compensar por esse pobre

resultado nas próximas duas provas. Use isso para pegar o que você havia perdido.

Eu espero que você faça mais esforço no futuro. Se houver outra razão pela qual

58

você não esta se concentrando nos estudos para os exames, você deve me dizer.

Você sabe que eu realmente quero que você fique.

A intimidade entre elas estava novamente de volta. Blanka sentia como se

uma mão quente estivesse acariciando o cabelo dela. Era um estranho sentimento

que a confundia e ao mesmo tempo lhe dava força.

— Eu acredito que você tem bastante talento, Blanka. Você tem bolsa de

estudos de Maddalina da Fundação Trenta, faça alguma coisa disto!

Blanka sentiu-se um pouco de culpada quando a face cansada e desbotada

de sua mãe passou diante dela. Ela nunca a teria encorajado assim. Ela não teria

ficado feliz que Blanka estivesse.

Indo para um internato – mesmo em sua despedida, ela mal tinha dito uma

palavra. E durante a completa jornada para a escola, Blanka tinha tido a

expectativa do telefone dele tocar, mas ele tinha permanecido em silêncio, morto,

como palavras não pronunciadas entre eles.

— Mas eu na verdade, chamei você por causa de uma coisa completamente

diferente. — disse Madame. — Como você sabe aqui na Escola Internacional da

Europa nós fazemos uso de nossos contatos com universidades o mais cedo

possível. Nós oferecemos aos estudantes que estão realmente interessados em um

campo particular de estudo um programa muito especial. Eles podem trabalhar

com professores na área escolhida em um projeto de tutoria por um período de

oito semanas. Isso significa que eles são introduzidos cedo para os fundamentos do

seu futuro campo de estudos e podem ter uma noção real do que isto implica. No

final do projeto, eles recebem uma avaliação geral do seu mentor. — seu sorriso se

tornou mais amplo. — Eu era capaz de persuadir Dr. Hasenberg que você deveria

se aproximar dele em relação a tal projeto. Desde que, é claro, você melhore sua

média, mas eu não tenho nenhuma dúvida a esse respeito. O que você acha?

Blanka pegou uma respiração e assentiu tonta.

— Maravilhoso! — exclamou Madame. — Então escreve isso abaixo; Terça

feira, 5 da tarde. Você sabe onde é o escritório do Dr. Hasenberg? Ele estará

esperando você.

Blanka tinha acabado de chegar a seu quarto quando houve uma batida na

porta de ligação. Caitlin não podia esconder os sentimentos dela.

As bochechas dela queimaram enquanto ela tentava um sorriso de

desculpas.

59

— Bem, bem, Sherlock Holmes em pessoa. — disse Blanka friamente.

O sorriso de Caitlin mudou para uma triste careta. — Eu sinto muito, Blanka

eu não pensei que Madame iria fazer grande caso disto.

— Como você se atreve a contar a alguém sobre a minha vida particular?

O rosto de Caitlin ficou ainda mais vermelho. — Madame me pegou e me

questionou todo tipo de perguntas.

—Você tem alguma ideia do que fez para mim? Eu pareço uma idiota

histérica!

— Ela realmente me bombeou por informações. — insistiu Caitlin. — Mas

ela poderia ter perguntado para qualquer um. Dê uma boa olhada em si mesma,

Blanka. Obviamente, a coisa sobre a mulher morta tomou mais de você do que você

percebeu. Além disso, eu sempre estou tendo que criar desculpas por você para os

seus pais quando eles ligam. Sobre o que é tudo aquilo?

— Eu não quero falar sobre isso. — devolveu Blanka. — Essa foi a ultima

vez que eu irei confiar em você! — Eu nunca mais te direi nada de novo. — ela

pegou o casaco dela e invadiu passando a pasma Caitlin pelo corredor. De cabeça

baixa, ela se apressou escada abaixo. Enquanto ela andava, ela olhou para o relógio,

se ela corresse, ela poderia conseguir pegar o ônibus para cidade. Tudo que ela

queria era dar o fora daqui! Ela correu para a esquina e esbarrou bem em Jan. Com

um barulho alto a mochila dele caiu no chão. Chaves de fenda e pedaços de metal

derramando-se no chão de pedra. Jan ficou mortalmente pálido com a visão do

conteúdo de sua mochila.

Ele se virou para ela. — Por que você não olha pra onde está indo?

— Eu poderia te perguntar a mesma coisa. Eu estou tentando pegar o

ônibus.

Ele amaldiçoou e se curvou pra baixo rapidamente pegando seu

equipamento.

Relutantemente, Blanka o ajudou a colher as coisas dele. Ela ergueu um

pouco um par de alicates.

— Dê isso pra mim! — ele disse através dos dentes cerrados. — Você não

quer perder o seu ônibus. Eu cuido disso.

Blanka assentiu e pulou. Ela deixou o prédio da escola em uma corrida,

cascalho sendo pulverizado a cada passo. Ela foi para a parada de ônibus e não

60

parou para recuperar o fôlego ate que o terreno da escola estivesse bem longe

atrás dela. A corrida pareceu boa, mas enquanto ela estava próxima do ponto de

ônibus, ela viu o ônibus se dirigindo distante na curva. Péssimo. Sentindo-se

incerta, ela olhou para trás. Vidraça brilhando ao sol.

O edifico agachado ali como se estivesse à espreita, e as elegantes vigas

curvadas da fachada pareciam um sorriso malicioso. O celular dela tocou. O

número de Caitlin iluminando o display. Relutantemente ela o virou fechando. Por

um capricho, ela decidiu andar pela cidade.

Algum lugar entre três e cinco quilômetros, ela podia lidar com isso.

Mas logo depois que ela levantou-se começou uma garoa. Blanka levantou

os ombros e andou o mais rápido que ela pôde. Carros zuniam passando por ela, e

depois ela ouviu o som de uma motocicleta se aproximando. Pelo canto do olho

Blanka pode ver a moto diminuir e depois acelerar de novo. E desaparecer depois

da curva com um alto rugido.

Perto de uma hora depois ela estava lá. A estrada levava a um distrito

residencial no subúrbio, e enquanto ela procurava por um ponto de ônibus um

ônibus local veio, o qual ela pegou na cidade velha. A cidade era estranha, uma

praça no meio, um pilar medieval comemorando a peste, um pouco da cidade

antiga intacta, com áreas cada vez mais modernas em torno dela como os anéis de

crescimento de uma arvore. As coisas mais impressionantes eram a igreja de São

Jorge e enormes prédios da universidade, que se situavam próximo ao centro.

A chuva tinha parado, e no sol de verão as fachadas medievais das casas

brilhavam como uma pintura antiga.

Turistas sentados em cafés, as câmeras sentadas nos lugares vazios ao lado

deles. Estudantes estavam circulando de bicicleta ou caminhando rumo à

universidade para a tarde de palestras; mochilas nos ombros. Blanka seguiu um

grupo deles ao longo de uma pequena rua para a praça do mercado, parou para

contemplar o gentil rosto de Maria acima do pilar medieval, e depois se apressou

para alcançar. Duas ruas depois eles estavam na universidade. Blanka ficou parada

e assistiu eles atravessarem a praça. Uma ampla escadaria leva a entrada. Distante

Blanka assistiu os estudantes desaparecerem através da pesada porta de madeira.

Se ela não conseguir melhorar seu empenho, essa porta estaria fechada para ela.

Um sentimento de perda bateu nela, contudo nada tinha mudado ainda.

Um som metálico de clique a trouxe para a realidade. Ela olhou a direita

dela. A poucos passos longe dela estava Jaqueta de couro, acendendo um cigarro.

Uma rajada de vento soprou em seus cabelos loiros e puxou o colarinho virado pra

61

cima de sua jaqueta de couro. Um capacete preto assentado na mochila dele que

estava jogado no chão.

— Olá, Branca de Neve.

Sem uma palavra ela virou e correu de volta pelo caminho que ela tinha

vindo. No final da praça do mercado ela olhou para trás. Ele não estava seguindo

ela. Quando ela rumou para o centro da cidade, ela ainda estava quase correndo, as

mãos dela fechadas em punhos dentro dos bolsos da jaqueta.

Ele estava em pé, respirando com dificuldade, em frente a um dos cafés,

esperando por ela. Por um momento ela ficou confusa. Ele teria voado?

Olhando envergonhado, ele ergueu a mão.

— Hey, eu sinto muito por aquilo. — ele disse. — Foi bem estúpido da

minha parte. Eu não pretendia assustar você.

—Como você...

—... Cheguei aqui? Atalho. Pelo Beco Pelargus. Minha residência estudantil

fica lá, é mais rápido que ir pelo longo caminho ao redor da via da Praça do

Mercado. Eu pensei que você estivesse voltando para o ônibus.

Por um momento, eles olharam um para o outro. Blanka percebeu que ele

tinha olhos cinza azulado e que ele parecia como se ele não tivesse pegado muito

sol recentemente.

— Meu nome é Nicholas. — ele disse finalmente. — Nicholas Varkonyi.

— Você parece já saber meu nome. Você tem me espionado, eu vi você na

escola.

Ele sorriu nervosamente e deu de ombros. Ele não podia esconder os

sentimentos dele melhor que Caitlin. Com essa observação, um pouco da confiança

de Blanka retornou.

—Está certo. — ele disse. —Eu tenho te espionado, por que eu tenho que

falar com você, por favor.

— Você é um dos Lobos, certo? — ela disse desafiadoramente. Ele franziu o

cenho. — Interessante você ter dito isso. — ele olhou ao redor um pouco casual

demais. — Eu posso te pagar uma xícara de café? Eu não quero discutir esse tipo de

coisas em uma área aberta. A Besta esta logo ali. — com um sorriso irônico ele

acrescentou. — Tem muitas pessoas lá. E tem janelas também.

62

Blanka ainda hesitava, mas quando algumas gotas caíram no rosto dela, ela

desistiu. Ela procurou dentro do bolso da jaqueta, entretanto, e ligou o telefone de

novo.

Alguém tinha ido a grandes distancias para fornecer café no estilo dos

antigos filmes preto e branco. Fotos granuladas de estrelas de cinema maiores que

a vida, penduradas acima das mesas laçadas. Na figura central um príncipe com

cabeça de predador que parecia felino estava retratado em frente a cenário de

conto de fadas. Em um nicho de cobre estavam penduradas gravuras de monstros

do mar, lobisomens e demônios voadores. Nervosamente, Blanka sentou e esperou.

Ela não tirou a jaqueta dela e balançou a cabeça quando Nicholas perguntou se ela

queria pedir alguma coisa. O nervosismo dele era contagioso. Curiosamente, ela se

sentia como se estivesse em um primeiro encontro com alguém que não sabia

como impressioná-la. Os movimentos dele eram precisos, mas agitados. Com um

movimento prático ele tirou um cigarro fora da carteira e, como um mágico, ele o

balançou entre os dedos antes de acendê-lo.

— Você tem que fazer isso? — perguntou Blanka.

Ele olhou para ela sem expressão, e depois a surpreendendo, imediatamente

pegou o cigarro e amassou a ponta no cinzeiro.

— Então, o que você quer? — ela perguntou.

Nicholas pegou uma profunda respiração e umedeceu os lábios dele. —

Primeiro eu irei responder à sua outra pergunta, não, eu não sou um dos Lobos. Eu

sou um estudante aqui.

— Você parece ser bem jovem para um estudante.

— Dezoito é muito jovem?

— Isso depende; vocês graduam cedo para a Escola Internacional da

Europa?

— O que você quer dizer?

— Bem, eles se formam um ano mais cedo lá e por causa opcional tardes de

seminários, você pode fazer um exame de avaliação quando você começa a

universidade e pular os cursos introdutórios. Isso economiza tempo.

— Não. Eu não tenho nada a fazer com a sua escola. Eu sou novo aqui na

cidade, como você. — ele hesitou antes de continuar, escolhendo cuidadosamente

as palavras. — Eu não sei exatamente como começar. Suas anotações desaparecem,

63

livros são perdidos, e bastante curiosamente, você é sempre a que pega a

informação errada. Algumas vezes testes que você escreveu somem, e o seu nome

desaparece da lista de freqüência. Isso soa familiar pra você de algum modo?

Blanka cruzou os braços e recostou-se.

— Isso é o que eles estão fazendo comigo, de qualquer forma. — adicionou

Nicholas. — Eu não sei por você, mas eu estou só esperando por armadilhas de

arames para eu tropeçar nas escadas.

— Isso soa familiar. — admitiu Blanka depois de um tempo.

O rosto de Nicholas pareceu se iluminar com alívio.

— Mas o que os Lobos estão fazendo na universidade? — perguntou Blanka

ceticamente.

— Muitos estudantes europeus passam a frequentar esta universidade,

como você sabe. Se eles eram membros dos Lobos quando eles estavam na escola,

eles ficam na sociedade enquanto eles estão na universidade.

— Entendo. E o que você quer de mim?

Ele hesitou, como se procurando pelas palavras certas.

— Bem. — ele começou finalmente. — Eu pensei que nós podíamos formar

um tipo de grupo de auto-ajuda e fazer um pouco de pesquisa. Mas eu não sou um

estudante da escola e não tenho acesso às notas dos Lobos.

— E você estava procurando por eles na noite dos visitantes?

Ele olhou para ela o rosto em branco. — Eu não tenho a menor idéia sobre o

que você esta falando. — ele disse.

Blanka deu a ele um olhar suspeito e não respondeu.

— Então, você está dentro? — Nicholas perguntou depois de uma pausa.

— Eu pareço com alguém que bisbilhota ao redor e põe sua graduação em

risco? De jeito nenhum! Encontre outra pessoa!

Ela estava a ponto de se levantar quando ele agarrou o pulso dela. Os dedos

dele estavam frios. — Você não percebe que você irá definitivamente arruinar sua

graduação se você continuar andando para as armadilhas deles. Eles querem você

fora, assim como eles me querem fora. E eles estão sérios sobre isso.

64

Ele procurou dentro do casaco, tirou o livro fora, e o jogou sobre a mesa. —

Eu ouvi que você estava procurando por um livro sobre santos.

Blanka sentou de volta na cadeira. Ela teve que fazer um esforço para pegar

o livro e olhar debaixo da letra ‘A’. O retrato de Santa Apolônia olhou para ela, com

o cabelo de Blanka. Mesmo os sublinhados a seguir as palavras ainda estavam lá.

— Uma ameaça muito clara. — Nicholas disse. — Mas você não poderia

provar nada. Não existem livros sobre santos listados no catálogo da biblioteca,

existem? Você nunca poderá provar nada.

— Como você sabe isso? — sussurrou Blanka. — E você sabia que eles me

chamam de Branca de Neve.

— Oh. — ele disse, dando um passo atrás. — Sem mágica ai. É na realidade é

suposto ser uma piada. — surpresa, ela viu que ele estava corando ligeiramente. —

Bem, você tem uma pele clara. E com esse cabelo preto, também...

— Não minta para mim. — Blanka silvou para ele.

— Alguém me disse.

— Quem?

Ele levantou a mão dele defensivamente. — Acredite nisso ou não, a história

chegou ao redor.

— E onde você conseguiu o livro?

— Eu simplesmente olhei no departamento teológico. — Nicholas sorriu e

tamborilou com os dedos contra a mesa. Mas seu sorriso murchou. — Você não

confia em mim.

— Pouco antes de o livro aparecer, eu vi você em frente à biblioteca. Quem

diria que você não havia posto o livro lá você mesmo?

— Ninguém. — ele respondeu. — Você tem apenas a minha palavra. Eu

estava procurando por você aquele dia na biblioteca, porque eu queria falar com

você, você vê, tem alguma coisa a mais.

Ele se inclinou para frente. — Quando eu estava no trem vindo para aqui,

alguém me contou uma história sobre como os Lobos jogaram alguém dentro do

rio.

— Eu sei dessa estória. Então?

65

— Isso realmente aconteceu, dezenove anos atrás. Era um estudante e ele se

afogou.

— O que?

— Um acidente. — Nicholas continuou quietamente. — Se você quer

acreditar nisso. De qualquer forma, eles nunca foram responsabilizados por isso.

Ninguém foi acusado. Estranho, você não acha? E eu vou te dizer mais uma coisa.

Foi você quem encontrou o cadáver da mulher um mês atrás, não foi?

Blanka endureceu. — Está certo.

— Você acredita que a morte de Annette Durlain foi um acidente?

De repente a boca de Blanka estava tão seca que ela poderia dificilmente

por para fora a sua resposta. Ela olhou diretamente dentro dos olhos de Nicholas.

—Não. — ela respondeu.

Ele quase sorriu e depois assentiu. — Eu também. Você percebeu alguma

coisa? Qualquer coisa? Havia algum sinal de lesão?

— Apenas leia o jornal da semana passada. Há mais informações lá do que

eu sei sobre ela. Por quê?

Ele brincava com seu isqueiro. — Você promete que não vai falar demais? A

história é um pouco, delicada. Se isso vier à tona, que eu falei com você, eu sou

torrado. Você não irá contar a ninguém? De acordo? — ele estendeu a mão para

ela.

Blanka vacilou, mas eventualmente apertou a mão dele.

— Bom. — ele disse, unindo seus dedos juntos como um professor.

— Oficialmente ela tropeçou e caiu lá em baixo por acidente. E eu também

conheço a história sobre loucos que são fascinados com bruxas que eles querem

passar uma noite do lado de um robe de bruxa. Isso pode até mesmo ser verdade.

Mas há um detalhe que poderia mudar toda a coisa ao redor.

— Ela não quebrou o pescoço?

— Oh, sim, ela quebrou. Apenas... Ela tinha uma ferida, pouco mais de duas

polegadas quadradas. Um pedaço de pele estava faltando.

— Uma ferida. Então o que? Isso não prova nada.

66

— Isso aconteceu depois da morte dela. Não é muito esperto, huh?

Blanka prendeu a respiração. Ela sentiu como se o café estivesse

embrulhando. Os monstros do filme pareciam estar sorrindo.

— Como você sabe disso?

Ele apontou para o peito dele.

— Acadêmico de medicina. — ele disse. — Ordenado pelo Instituto de

Medicina Forense, relatórios envoltos por mentiras, fofocas nas salas de espera.

— Você bisbilhota em relatórios que não são da sua conta?

— Não, eu tiro fotocópias dos relatórios.

Houve uma curta pausa, e Blanka de repente sentiu frio. Até agora, as

suspeitas dela tinham sido apenas um jogo na própria mente dela, mas agora

estava se tornando assustadoramente real.

Poderia ser realmente assassinato?

— Os Lobos. — ela disse quietamente. E mentalmente adicionou; ou Nemec?

— Você acha possível que eles tenham alguma coisa a ver com isso? —

Nicholas perguntou.

— Eles são estudantes. Por que eles iriam matar alguém?

— Para se livrar de testemunhas? Ganância? Ou vingança? Isso pode ter

sido encomendado por mais alguém. Nós iremos descobrir. Então, você está

dentro?

Blanka sacudiu a cabeça e pulou pra cima.

— Onde você está indo?

— Pra longe daqui! — ela replicou afiadamente.

— O que está errado? Foi alguma coisa que eu disse?

— Você tem que ir a policia!

— Eu não confio neles. Você não leu o que disseram no jornal? Ninguém

mais está ou foi envolvido!

67

— Já ouviu falar de investigações sigilosas? É muito provável que a policia

tenha conhecimento sobre a descoberta há séculos e só dar ao assassino uma falsa

sensação de segurança.

Nicholas ergueu as mãos em um gesto conciliatório. — Ótimo fim de

conversa. Mas, por favor, separe um tempo para pensar sobre isso. Na

Universidade não há documentação sobre Lobos, e eu não tenho acesso aos

documentos na Europa.

— Eu não vou pensar nisso de qualquer forma, eu estou partindo.

— Eu posso ligar para você? Dê-me algum jeito de contatar você, o número

da escola, ou qualquer coisa que você preferir.

— Não.

Ela rasgou um pedaço da embalagem do cigarro, rabiscou algo em cima, e

empurrou o recado para ela.

— Meu número de celular. Por favor, apenas leve isso com você, Ok? Apenas

para o caso.

68

Capítulo 8

Estigma Diabolicum

A sala completa estava sofrendo enquanto a Sra. Cartalon tentava apagar

um particularmente belo diagrama no quadro com um pedaço quebrado de giz.

Hoje, para Blanka estava sendo mais difícil do que o habitual seguir as explicações

da Sra. Cartalon. Pela primeira vez em semanas se sentia muito estimulada

novamente. A densa névoa que havia envolvida ao redor de seus pensamentos

tinha desaparecido.

Com sua caneta escrevia pequenos círculos e flechas na margem de seu

caderno. Simon Nemec esteve chorando. Choraria um assassino por sua vitima?

Havia ali uma real conexão entre ela e o Lobo? Blanka mal podia esperar que a

campainha para o intervalo do almoço tocasse.

Os poucos estudantes que vieram da cidade e viviam em casa saltaram em

suas bicicletas e se afastaram, para não regressar até próximo as três em ponto

para as aulas da tarde.

Blanka correu até o edifício da biblioteca. Ela estava com sorte A sala de

computação estava livre; apenas alguns poucos estudantes mais antigos, como

Caitlin preparando-se para fazer seus exames finais em três dias, estavam

dispersos pela sala, inclinados sobre suas anotações. Blanka sentou-se em um dos

computadores e se conectou. Levou uma eternidade até que pôde entrar com sua

senha no site de busca: “Simon Nemec”. Nada encontrado. “Annett Durlain”

tampouco existia na internet, nem sequer nas páginas francesas onde acrescentou

“Brest”, a busca. Em “Joaquim Alman”, estavam apenas os resultados e os quadros

do torneio esportivo, mas Blanka encontrou várias páginas de um F. Alman. Ela

abriu a função de busca da imagem e esperou. Apareceram três imagens e Blanka

soube imediatamente que ele era o pai de Joaquim. Claro, ele era calvo e usava

óculos redondos, mas a expressão facial, a boca e os olhos eram idênticos. As fotos

provinham de instituições de caridade com as quais estava envolvido, mas nenhum

dos artigos mencionava como tinha realmente ganhado o dinheiro. Blanka

imprimiu algumas páginas, logo procurou o catálogo virtual da biblioteca e entrou.

“Maddalina de Trenta”. Isso obteve 28 respostas, das quais foi capaz de eliminar

facilmente 24. Os últimos quatro, no entanto, eram interessantes: cópias impressas

da crônica do Convento, assim como o registro completo do julgamento de bruxas,

69

uma curta história da escola-não muita mais que um folhetim, escrito em 1961 e

também um ensaio sobre Saint Belverina. Algo, pelo menos. Embaixo das palavras

chaves da história da cidade encontrou apenas diretórios atuais e anuários

escolares. Blanka anotou a localização dos livros e começou uma nova busca.

Usando as palavras de busca “Lobos”, obteve 159 respostas no departamento de

biologia. Uma vez mais limitou sua busca combinando com conceitos como

“Associação estudantil”, “Sociedade”, “Idade Média”, o nome da cidade e encontrou

um só livro. Era o mesmo livro, o que contava a história da escola. Com um suspiro

de alivio, fechou o programa e olhou seu relógio. Ainda tinha tempo. Os

companheiros de infortúnio de Caitlin mal levantaram o olhar quando Blanka se

aproximou a escrivaninha de saída.

— Gostaria de ver isso, por favor. — disse à bibliotecária assistente atrás do

balcão, uma estudante cujo cabelo brilhava com um alaranjado escandaloso. Ela

provavelmente estava ganhando um pouco de dinheiro extra, trabalhando na

biblioteca. “N. Kuhlmann” estava impresso no crachá de identificação na gola da

camisa. Enrugando a testa, Ela estudou a informação que Blanka havia escrito no

papel.

— Se isso é uma M e este garrancho aqui é um 49, então temos o livro no

depósito. Apenas emprestamos livros como esse quando há uma razão para isso.

Para o que você precisa?

— Projeto de história. — mentiu Blanka sem vacilar. Ela mordeu os lábios.

Funcionaria?

— Ah, certo. — a estudante sorriu. — Deveria ter falado logo. Então, preciso

de uma nota do seu professor. Está com você?

Blanka engoliu a saliva e negou com a cabeça. — Queria propor o tema e

fazer um pouco de investigação antes do tempo. Conseguirei a nota amanhã e a

trarei.

N.Kuhlmann franziu o cenho e examinou Blanka. —É a garota nova, não? A

que compartilha um quarto com Caitlin O ’Connel?

Blanka confirmou e se preparou para a próxima pergunta. No lugar disso, a

garota empurrou um formulário para ela. — Aqui, preenche o cartão, vou

conseguir o livro para você.

— Obrigada. — disse Blanka, surpresa. — Vou trazer a nota amanhã, então...

70

A garota ficou de pé e agitou a mão descartando. — Não se incomode. —

disse. — Enquanto estiver bem com Madame, então está bem comigo.

A crônica do Convento estava xerocada página por página. As sombras cinza

indicavam que o original tinha estado amarelo ou sujo. Apenas umas poucas

páginas estavam reproduzidas em cor. A escrita negra corria sobre o amarelo-

marrom e por vezes havia uma página com letras iniciais esplendidamente

ilustradas. Com esforço Blanka pode decifrar muito bem as linhas compostas em

alemão. Em uma nota no rodapé da página, um tradutor bem intencionado tinha

traduzido as linhas em latim a um desastroso alemão. Desafortunadamente a

escrita era tão pequena que em meia hora o pescoço de Blanka estava tão tenso

como fosse feito de madeira.

O Convento havia sido a casa da ordem por quase 150 anos. Foi nomeado

por Saint Belverina. Blanka já conhecia sua imagem pelo museu. — Belverina foi

tirada de sua casa na Inglaterra pelos Vikings e vendida a corte do rei de Neustrien

como uma escrava em 641— leu Blanka. —Tida em alto estima por sua sabedoria,

subiu rapidamente a uma alta classe e foi particularmente afetuosa com os meninos

da corte. Depois da morte do rei, Belverina se converteu em assessora do herdeiro do

trono de dez anos. Adquiriu uma grande riqueza, fez doações a orfanatos e fundou

Conventos. Por volta de 675 foi assassinada cruelmente depois de uma conspiração

da aristocracia. — a descrição continuava dizendo que Saint Belverina havia sido

considerada a santa protetora dos meninos até esse dia. Um cachorro estava

sentado junto dela como um símbolo de lealdade. Bem, isso era interessante, mas

realmente não contribuía em nada para Blanka seguir adiante. O cachorro tinha

pouco a ver com um Lobo: Na imagem se parecia muito mais com um cervo

sentado sobre suas patas traseiras. Algumas páginas mais adiante, Blanka

descobriu os inventários com relação à limpeza do Convento. Para o momento do

julgamento das bruxas, onze mulheres tinham estado vivendo no Convento. A

última entrava foi feita em fevereiro de 1651; nas páginas seguintes, o tradutor

tinha escrito um resumo do julgamento das bruxas. Blanka fechou o livro com um

estalo e olhou o relógio. Nove e cinqüenta. Se quiser terminar a sua tarefa de física

antes das aulas da tarde, melhor que se apressasse.

Ela se inclinou sobre a sua mochila e recolheu seus livros. Sozinha agora se

deu conta de como a biblioteca tinha ficado silenciosa. Sem roubos de papel, sem

aclarações de gargantas. Sem passos. Blanka olhou para cima e congelou. Joaquim

estava na frente dela. Todos os outros estudantes haviam ido. Inclusive a estudante

da mesa de pedidos tinha ido.

— Olá Blanka. — disse Joaquim. Seu sorriso não era mais quente do que

uma bola de neve.

71

— Parabéns. — respondeu.

— Conseguiu lembrar-se do meu nome depois de tudo. — ela esperou que

ele não pudesse ouvir seu coração martelando pelo medo. — Onde estão teus

gorilas? — perguntou, quando a pausa se fez mais longa.

Seus olhos tinham uma cálida cor âmbar escura em um estranho contraste

com seu estilo violento. Estava pálido e parecia cansado. — Quem você acha que é?

— disse em voz baixa.

— Quem vocês, garotos, acham que são? — lhe respondeu.

— Bons estudantes. — lhe respondeu bruscamente. — E uma perdedora

como você simplesmente vem e consegue um projeto de mentores. Sabe que

normalmente tem que estar em seu segundo ano do colégio para conseguir um? E

só com uma média de pelo menos 80 %.

— Quem te disse? — ela respondeu com calma.

— Hasenberg. — foi à resposta. — Ele é o meu mentor. Quer dizer, era, até

ontem.

Blanka estava pasma.

Joaquim a olhou com ódio, seu lábios apertados,

— Não foi idéia minha. — respondeu. — Não sabia nada sobre as regras.

— Não deixarei que ninguém se meta no meu caminho.

— Certo. E a melhor forma de lidar com isso é roubar minhas notas. Muito

esperto Joaquim.

— Disse a Madame essa mentira? — sussurrou. — Estou começando a

entender! Sua puta mentirosa.

— Ei! Presta atenção no que você fala.

Ele baixou sua voz até um sussurro de advertência. — Oh, estou muito

assustado. — deu um passo para a gente e ficou tão perto dela que teve que

inclinar a cabeça para trás para olhá-lo nos olhos. — Vai correr até a Madame e

chorar nos seus ombros?

72

Blanka retrocedeu, tropeçando dolorosamente com a beira da mesa.

— Cuidado. — disse ele. — Algo poderia acontecer com você.

— Não seria a primeira. — disse com esforço.

— E só apenas isso deveria te fazer pensar. — respondeu de maneira

uniforme.

— O que está tentando fazer? Bater-me como fez com Sylvie?

Sua pergunta não o desconcentrou em nada. Divertido, meio que sorriu. —

Não batemos em ninguém. O que fazemos é lembrá-los o seu devido lugar.

— Deixe-me em paz. — ela sussurrou, afastando-se dele. Com toda a sua

força o golpeou com sua mochila cheia de livros. Ele se queixou e sua mão saiu

disparada para frente, mas Blanka se esquivou por baixo e correu. No corredor em

frente à porta ela quase se chocou como o assistente, que deu um salto com um

grito de surpresa.

Com o batimento doloroso em sua mandíbula, Blanka se deu conta que tinha

estado apertando os dentes todo o tempo. Abriu a porta e correu até as escadas. Do

piso de baixo chegava o abafado murmúrio de vozes.

Já na grande escada. Ela estaria cheia de gente! Um golpe vindo de um lado,

golpeando-a nas pernas, desde baixo. Enquanto estava caindo, teve um repentino

pensamento de que não poderia ter sido Joaquim. Ela caiu nas escadas. Tudo

parecia estar ocorrendo em câmera lenta. Ela se sentiu como se estivesse vendo

com os olhos de Annette Durlain: Ela era consciente de cada único passo e podia

ver com absoluta claridade que a qualquer momento ela os derrubaria. Algo a

agarrou no dolorido ombro e a jogou para trás, logo dois braços se envolveram ao

redor dela e a levaram para o dormitório pelas escadas.

— Isso quase saiu, mas, Blanka Neves. — disse Tanya sarcasticamente.

Atordoada Blanka a olhou. Seu ombro ainda doía, Tanya tinha torcido seus braços

nas costas. E um bastão foi colocado pressionando sua garganta.

— Deixa o projeto! — disse Tanya suavemente e muito claro. — Se não

deixar, me assegurarei de que faça. E te garanto uma coisa: Vai doer.

— Você não irá longe com isso. — disse Blanka com os dentes apertados.

— Quer apostar? — respondeu Tanya.

73

Um silvo cortou a ar. Joaquim apareceu do nada.

A cor desapareceu do seu rosto quando viu Blanka sobre as escadas. De

repente ele parecia indefeso e assustado.

— É suficiente. — disse com a voz rouca. — Deixe-a ir.

De repente Tanya afrouxou seu agarre e retirou o cajado. Tão rapidamente

quanto pode, Blanka se arrastou longe das escadas: não até que ela sentiu a sólida

parede que começou a se levantar devagar.

Joaquim e Tanya ficaram cara a cara.

— Está indo longe demais. — lhe sussurrou.

A garota o olhou sem compreender. — Mas, disse... Por quê? — havia

desconformidade em sua voz. De repente Blanka podia ver através de Tanya. O que

mais ela podia fazer por Joaquim?

— Por que. — foi à resposta áspera. — Deixe-a em paz, ok? — não se

dignando a olhar para trás se virou e foi embora, seus ombros pareciam ter um

grande peso.

Tanya deu a Blanka um olhar de dor e vingança em igual proporção. Ela

baixou sua voz até um sussurro. — Não tenha nenhuma idéia estúpida, ninguém

vai acreditar em você.

— Madame o fará.

— Madame precisa de dinheiro. O pai de Joaquim não é só o presidente da

fundação do colégio. Ele é a fundação. O que pensa que é mais importante para ela,

seu colégio ou alguém como você? Quem é Blanka? Alguma bastarda cujo os pais a

deixaram como lixo?

Ela recolheu o bastão de prática e se apressou atrás de Joaquim. Blanka a

viu ir, atordoada. Uma onda de náusea a invadiu. Por um momento ela pensou que

a ia derrubar. Ela se fundiu na grama, envolveu seus braços em torno de seus

joelhos e se sentou ali, tremendo.

Pela primeira vez ela estava contente que Caitlin não estivesse lá. Era mais

fácil chorar quando ninguém estava no quarto ao lado, Blanka estava gelada,

embora fizesse cerca de 30 graus lá fora. Foram as ultimas palavras de Tanya que

74

doeram mais. Quanto sabia sobre Blanka? Com os dedos acalmados procurou no

bolso lateral de sua mochila. Finalmente seus dedos encontraram a suave e

estragada borda da sua carteira. Ali estava - O número de Nicholas, rabiscado em

seu pacote de cigarros. Blanka apertou a pasta em sua mão. Deveria ligar depois de

tudo? De um salto se levantou, fechou a porta e a porta que se ligava ao quarto de

Caitlin, deixando a chave nela. O telefone tocou exatamente oito vezes antes que

alguém o atendesse.

Blanka vacilou. — Olá. — disse por fim.

— Blanka? — sua satisfação ao receber sua ligação a fez se sentir bem.

— É que para ser honesto, não pensei que ligaria.

— Eu tampouco, até agora pouco. Onde está?

— Residência estudantil Pelargus, na cozinha. Meu trabalho não começa até

as quatro. E onde você está?

Ela duvidou. — Acabo de voltar da Biblioteca. — disse vagamente.

Houve uma pausa.

—E?

— Não há nada ali sobre os... Lobos. Mas continuarei procurando!

— Certo. — outra pausa. — Blanka... Está tudo bem?

Blanka respirou fundo. Por um momento esteve tentada a lhe contar tudo, mas

logo retrocedeu e obrigou a si mesma a falar com calma. — Tenho. Nicholas, ontem

você me perguntou se podia imaginar que os Lobos podiam ter algo a ver com a

morte de Annette Durlain.

Ele não disse nada.

— Bem. — continuou ela. — Posso imaginar isso, com toda claridade.

Ela escutou um click no fundo e imaginou Nicholas brincando nervoso com

seu isqueiro.

— Blanka?

75

— Humm?

— Sem acontecer algo, liga-me, posso ir à escola a qualquer momento.

— Isso não é necessário.

— Tem certeza? Ontem não falava como se tivesse resfriada. Ou como se

estivesse chorando. Aconteceu algo?

— Escuta Nicholas, não preciso de um protetor. Vou te conseguir essa

informação, mas fica fora dos meus assuntos, Ok?

— E você me escuta. — respondeu ele. — Não sou psicólogo, mas não tenho

que ser para ver como é. Quer fazer tudo sozinha. Deus! Não acha que ninguém

deva te ajudar! Não é isso?

— Não é assunto teu Sr.Freud. — furiosa, desligou. Desse jeito, se sentia um

pouco melhor.

Pouco antes da meia noite a luz do quarto de Caitlin finalmente apagou.

Blanka esperou outra meia hora, logo se arrastou até a porta que conectava os

quartos, meteu a colcha no espaço embaixo desta e sentou em sua escrivaninha. A

luz da lâmpada de sua mesinha de cabeceira iluminava um amarelo rosado, um

gesto de reconciliação de Caitlin. O farfalhar da folhas da crônica eram tão fortes no

silencio que tinha certeza que Caitlin acordaria.

Tudo foi muito rápido. Desde a primeira acusação até o ponto quando a

última pilha de cinzas humanas tinha voado e o Convento era conhecido como um

lugar que deveria ser evitado, um lugar do diabo, quase uns três anos haviam

passado em 1651. No entanto a “policia das bruxas” havia tido tempo para fazer

seu trabalho a fundo. Tudo tinha começado quando a noviça Maria e dois dos

órfãos maiores haviam sido acusados de bruxaria. Foi dito que utilizaram magia

para atrair chuva, arruinaram a colheita e visitarão uma praga de ratos sobre o

moinho depois de uma disputa com o moleiro.

Maddalina de Trenta, Regina Maria Sängerin, uma ajudante Abadessa3 sobre

o nome de Katharina, e outras Monja estavam em uma lista secundária.

A acusação logo se estendeu aos empregados do Convento; o jardineiro

Hans Haber, um boiadeiro chamado George Kastellus e outros ao serviço do

Convento, como Theophast Mittenmann e Bernd Gerber Halgfuss. No total de vinte

3 Abadessa é uma superiora de um monastério.

76

e quatro pessoas haviam sido presas e acusadas, das quais seis eram. “Filhos de

bruxas”, garotos do orfanato que eram apegados ao Convento. No. “Julgamento das

bruxas”. O cronista ao que parece havia deixado sua imaginação dar sua inspiração.

“Levaram a cabo o velho e conhecido julgamento das bruxas com Regina

Maria Sängerin, ao que ela foi jogada dentro da água com mãos e pés atados depois

de que ela flutuava como uma balsa de madeira, além disso, Hilderbranter klara foi

posta em uma grande escala, na qual era notável grande mulher gorda pesava

menos de uma onça.”

Blanka tirou seu bloco de anotações e escreveu. - O julgamento da água –

estudante afogado?

O informe mais longo dado pelo assistente documentava os procedimentos

do interrogatório da Abadessa. A acusação e o interrogatório dos seis “filhos de

bruxa.” Também foi documentado mais meticulosamente. Eles foram acusados de

utilizar a magia para fazer dano e de contribuir para a profanação do pão da

comunhão.

“A filha dos Millers foi infectada e lesada pelos garotos bruxos que se

mantinham acusados”.

Fez-se referência a um “Estigma Diabolicum” sendo provado em uma

ocasião. O final foi o mesmo para todas as Monja Belverina, o pessoal do Convento

e os garotos órfãos: “... E todas as bruxas e os conspiradores receberam fogo eterno

por seus pecados.”

Regina Maria Sängerin e a gorda Hilderbranter Klara foram as primeiras a

serem acorrentadas as estacas da fogueira. As celebrações públicas se

prolongaram por mais de duas semanas. A última foi a “bruxa rainha”, Maddalina

de Trenta, quem se encontrou com a morte no pátio de seu próprio Convento, ante

os olhos daqueles que uma semana antes haviam sido seus amigos e conhecidos. A

documentação do caso terminava com a última nota do rodapé da página do

secretário:

“Quando examinaram sua cela, encontrarão uma toga de pele, a qual ela

costumava vestir quando saia a seu típico baile de bruxas”.

Blanka se deteve em seco. Uma toga de pele, isso não encaixava. Salvo por

esse detalhe, era um julgamento clássico e se descartava a mais exuberante

imaginação de seu autor, parecia quase impessoal. Blanka voltou às páginas e

examinou ligeiramente cada página novamente. Ela viu novamente a palavra

“Estigma Diabolicum”. Para ter certeza do significado, leu a explicação no rodapé da

77

página: “Uma marca, pelo geral no forma de uma marca de nascimento, que o diabo

faz no corpo da bruxa”. No caso de Maddalina de Trenta, a marca do diabo tinha

estado embaixo do quadril direito. Blanka levantou os olhos do livro ao seu

despertador. Uma e meia.

Apesar da hora, Nicholas levantou ao primeiro toque. Sua voz soava

ofegante, como se estivesse sentado junto ao telefone todo o tempo, esperando sua

ligação.

— Nicholas?

— Sim!

— Temos que nos encontrar. Preferencialmente logo cedo.

— Certo. — soava infinitamente aliviado. — Encontrou alguma coisa?

— Um “Estigma Diabolicum.” — disse ela.

78

Capítulo 9

A Espada do Carrasco

Ela o reconheceu de imediato através da janela do café, apesar da

distância. A tensão em sua postura o fazia sobressair, inclusive sem sua jaqueta de

couro. De repente, ela estava simplesmente feliz de que estivesse ali. Hoje usava

uma camiseta preta que ressaltava sua esbelteza. A fumaça do seu cigarro bailava

nos raios oblíquos do sol da tarde.

Com exceção de Nicholas e uma idosa lendo o jornal. La Bête estava vazia. A

maioria das pessoas estava sentada nas salas com ar condicionado na praça do

mercado. Os turistas se acumulavam em torno de um guia turístico como um

enxame de abelhas ao redor de sua rainha, girando suas cabeças para o pilar e a

torre da igreja, em busca de todo o mundo como um corpo de ballet bem ensaiado.

Nicholas pareceu sentir que alguém se aproximava: olhou ao seu redor

antes que Blanka pudesse chamá-lo. Logo apagou seu cigarro no cinzeiro e se

levantou.

— Olá! Obrigada por vim. — deram-se as mãos formalmente e se sentaram.

Durante uns incômodos segundos olharam um ao outro. Os olhos de Nicholas eram

como um céu tormentoso.

— Não parece ter dormido bem. — comentou.

— Nem você. — respondeu ela. Por um momento sentiu-se tentada a lhe

dizer sobre o incidente da escada.

— Aconteceu algo novo? — perguntou.

— Ontem meu livro de anatomia desapareceu sem deixar rastro e não tenho

registro da minha inscrição para o seminário. — assegurou. — Isso significa que

poderia perder o semestre.

— Acha que está percebendo isso agora? — ela podia dizer olhando-o que

ele se sentia incomodo ali sentado, cuidadosamente olhou ao seu redor e moveu a

cabeça. — Dá no mesmo. — parecia-se com ele agora. Deslizou sua cadeira

79

próxima a dele, para poder falar sem serem ouvidos. O empregado atrás do balcão

sorriu enquanto olhava o sussurro do casal.

Sentar tão perto de alguém era muito incomum para Blanka. De repente ela

percebeu o muito que tem mantido distância das pessoas ao seu redor nas últimas

semanas. O cabelo de Nicholas cheirava a xampu e uma mecha loira caia sobre sua

sobrancelha.

— Estigma Diabolicum. — sussurrou.

— O que é tudo isso?

— Apenas uma suposição. Maddalina de Trenta tinha uma marca de

nascimento. E faltava um pedaço de pele na mulher morta na biblioteca.

Ela se inclinou para frente. — Leu o laudo da autopsia da ferida?

Lentamente deixou que sua mão deslizasse até seu lado direito para baixo,

justo debaixo de onde o cinto se acentuava em seu quadril.

Blanka assentiu. — Do mesmo modo que Maddalina! — sussurrou. — Eu

não sei a forma de sua marca de nascimento, mas acho que pode ter sido uma

marca, uma tatuagem, ou algo assim no lugar de ser uma marca de nascimento?

Vamos supor que a mulher morreu com a mesma marca de Maddalina de Trenta.

Logo o seu assassino poderia ter tirado um pedaço de pele para que ninguém

soubesse que havia pertencido a um... Grupo.

Nicholas ficou pálido. Blanka não disse nada, tirou um cigarro com gesto

nervoso. Esqueceu-se do fósforo, no entanto.

— Então se prepara. — disse. — Porque encontrei algo mais, também... O

laudo da autopsia desapareceu.

— O que?!

— Eu fui tirar cópias hoje... E então vi que tinha sido mudado. Não havia

nada lá sobre o pedaço de pele que faltava. Apenas o pescoço quebrado e uns

arranhões. A policia não está investigando mais, Blanka. O caso está fechado...

Oficialmente foi um acidente. — os olhos de Nicholas se refletiam na janela da

cafeteria, viam-se como um retângulo de cores claras, com lados curvados. — Isso

significa. — acrescentou. — Que pode haver mais pessoas envolvidas... Um médico,

ou inclusive vários médicos, que silenciariam um assassinato. Talvez inclusive o

80

médico que com quem trabalho. — Blanka viu que suas mãos se distraiam com o

cigarro, girando e girando, até que finalmente se dispôs a sair.

— Vamos. — disse em voz baixa.

Um pouco mais tarde estavam caminhando pelo parque da cidade. Alguns

estudantes tinham colocado uma rede de vôlei entre as árvores e jogavam

vigorosamente. Blanka e Nicholas cruzaram a grama em silêncio e se sentaram no

banco do parque pelo Duckpond. Blanka sentou-se com seus joelhos encolhidos,

apoiou seu queixo sobre eles e se olhou na superfície da água como um espelho.

— O estudante que se afogou. — disse depois de um tempo. — Sua morte

poderia estar relacionada com o julgamento das bruxas. No registro existe um

conto de um julgamento pela água. Poderia ser um ritual... Talvez um castigo, ou

inclusive um teste de valor. Temos que conseguir uma lista dos membros dos

Lobos. Todos os nomes que figuram desde a fundação da sociedade. Se

examinarmos o suficiente, tenho certeza que encontraremos o nome de Annette

Durlain. As associações de estudantes devem ter todos os anuários de idade e fotos

em suas salas de reuniões...

— Não perca seu tempo. — Nicholas a interrompeu. — Eles não têm salas

de reuniões. E eu não acredito que os Lobos tenham uma tabela periódica. Nunca

utilizam uma sala, nem sequer da associação do carnaval. Nem sequer tem as atas

das reuniões na sala de O’ Deen Oliver debaixo da cafeteria, onde se discutem os

planos da formação do futuro e o custo dos trajes e novos indicados para a festa

medieval da cidade, mas estranhamente, nenhuns dos Lobos se reunirão ali

naqueles tempos.

Blanka pensou no fantasma, em seus pesadelos e em Simon Nemec

chorando.

— Não posso descrever exatamente. — disse evasiva. — Algo ameaçador.

Agora, Nicholas estava olhando tão inseguro que decidiu mudar de assunto

rapidamente.

— Esquece. Em algum lugar deve haver mais informação sobre os Lobos...

Talvez no museu da cidade? Li que há um arquivo dali.

Ela olhou seu relógio. — Ainda tenho uma hora e meia antes da minha aula

da tarde. E sobre sua conferência?

Nicholas vacilou. — Bom. — disse por fim. — Se sairmos logo, tudo bem.

81

O museu da cidade estava ao lado da antiga prefeitura. Era um moderno

edifício pouco atrativo que tinha um aspecto fora de lugar ao lado da meio

reforçada fachada da prefeitura. Blanka e Nicholas passaram empurrando alguns

turistas japoneses, que olhavam o relógio, fascinados esperando que os sinos

tocassem a cada hora.

No museu fazia frio e podiam sentir o cheiro de cimento novo e pintura

fresca. O interior parecia como se o edifício originalmente tivesse sido uma galeria.

As suaves luzes caiam das clarabóias circulares do vidro esmerilado. As exposições

eram mostradas em modernas estruturas de aço e vidro. Havia uma sessão com

artefatos da idade do bronze, moedas romanas e o molde de gesso do esqueleto de

um cavalo. Blanka quase tinha que correr para manter o ritmo de Nicholas.

Desenhos de guerreiros celtas e pontas de lanças brilhavam ao redor. O frio era

bom, embora a repentina mudança de temperatura tenha deixado Blanka

atordoada.

— Esse é o caminho para a idade média e começo dos tempos modernos,

por ali. — sussurrou Nicholas.

Blanka assentiu e o seguiu pela reprodução da porta da cidade. Á primeira

vista, as exibições pareciam com aquelas no museu do Convento.

— Na parte de trás existe um modelo do Convento original. — disse

Nicholas em voz baixa. Seus passos quase não faziam barulho no polido piso cinza.

Blanka foi de uma vitrine a outra, encontrando selos artesanais e documentos,

retratos de anciãos do grêmio, rodas giratórias e um berço decorado com

incrustações de prata as quais estavam entronizadas como o trabalho de um

artesão em um pedestal de aço. Ao final da sala de exposição se encontrou com um

pequeno corredor. Obviamente o arquiteto quis criar a atmosfera de uma viagem

de descobrimento, pela passagem se chegava a um beco sem luz.

Blanka se aproximou e entrecerrou os olhos para ler o texto. “Exibição

especial”, leu no cartaz. “Bruxas, carrascos, torturadores – 1 de março a 31 de

agosto.” Perguntou-se se esperava por Nicholas, olhou ao redor, mas ele não estava

à vista. Então entrou sozinha no corredor e dirigiu-se para o canto sombrio. Uma

corroída porta apareceu à vista. Enfrente de sua quadrada janela tinha uma grade

de ferro. Apenas quando Blanka estava em pé diretamente na frente dela se deu

conta que era só uma fotografia na porta branca. Blanka pressionou o cabo para

baixo, entrou e esteve parada em frente de uma câmara de tortura. A palha rangia

sobre seus pés e as paredes estavam formadas por grosseiros blocos talhados em

pedra, como as paredes de um castelo. Imitações de tochas iluminavam a

habitação. As caixas de vidro, era onde se refletia a luz pestanejante, era a única

82

recordação de que isto era um museu. Blanka enxugou a testa, apesar do frio,

estava suando, e olhou ao redor. Nem todas as exposições eram desta cidade:

algumas eram empréstimos de Tubingrn, Rothenburg e Munster.

O maior valor desta coleção era uma cadeira angular reclinável cujo assento e o

encosto estava coberto de pregos de ferro.

Justo quando Blanka estava para ir embora, seu olhar caiu sobre uma

exposição no canto. Era uma espada com cortes em forma de dentes com uma

muito reta e não muito ampla lâmina. A sua direita estava um documento

amarelado. Blanka se moveu mais perto e leu o que estava escrito. A espada tinha

pertencido a Johann Feverlin, carrasco da cidade até a sua morte em 1654. Uma

pequena nota de agradecimento indicava que a espada pertencia agora à família e

só havia sido colocada à disposição do museu pela duração da exposição. O

documento dizia que Johann Geord Feverlin havia dado evidência de sua

qualificação para ser carrasco da cidade em cinco de setembro de 1646. A data era

interessante: O carrasco viveu na cidade até o tempo exato de Maddalina. O nome

da família que tinha emprestado a espada à exposição, no entanto, não foi assinado.

Blanka tirou seu bloco de anotações e escreveu as datas. A poucos passos dela se

encontravam documentos que lhe resultavam familiares – isso é correto, era parte

dos documentos que tinha lido ontem. Página por página examinou rapidamente

os registros do interrogatório. Nada novo estabeleceu depois de um tempo,

decepcionada. As mesmas orações, as mesmas seqüências de eventos, as mesmas

lacunas. Finalmente alcançou a fotografia da página do registro que estavam em

frente da túnica da bruxa no museu do Convento.

“... Ele perguntou a Maddalina de Trenta se ela havia sido rainha das bruxas

ali (no baile das bruxas) entre as pessoas bruxas e demônios.“

Decepcionada, Blanka ficou de pé, virou a cabeça para trás e massageou o

seu dolorido pescoço com a mão esquerda. —Demônios. — dizia. — Não Feends.

— como no museu. Quando ela tentou voltar às páginas do seu bloco muito rápido,

uma página rasgou com um som horrível. Ali estava: A oração que tinha copiado,

palavra por palavra, no museu da escola. Era idêntica a que estava na foto, salvo

pela ortografia desta única palavra.

Blanka estava tão absorta comparando o original e a foto que ao principio

não notou que havia mais alguém na sala agora. Não foi até que escutou uma

respiração, pressionou o bloco contra seu peito e instintivamente se escondeu

atrás da cadeira de tortura. O aroma de cera para móveis e madeira velha invadiu

seu nariz.

83

Era Nicholas, certamente. Tinha suas mãos nos bolsos e olhava ao redor

com expressão preocupada. Blanka aclarou a garganta e ficou de pé. Nicholas

saltou. — Cara, então é aqui onde você está.

Blanka lhe fez sinais para se aproximar. — Dá uma olhada nisso. —

sussurrou ela, o empurrando contra a parede.

Nicholas comparou a frase no bloco com a fotografia várias vezes e assoviou

suavemente através de seus dentes.

— Ou o documento original na sua escola é falsificado ou o documento foi

fotografado. — confirmou.

— Tive a sensação ontem que a crônica está incompleta. Tudo parecia muito

suave, como um julgamento modelo para um livro de texto sobre a caça as bruxas.

Mas em um parágrafo mencionava que Maddalina de Trenta tinha uma manta de

pele que supostamente usava quando levava a cabo seus rituais diabólicos. Isso

simplesmente não concorda com a fotografia. Tenho a sensação que falta uma

parte importante dos documentos...

—... Ou pelo menos que tenha duas versões do registro dos interrogatórios.

— disse Nicholas terminando sua frase.

Eles encontraram as únicas fotos e documentos que se referiam aos Lobos

na seção “História da cidade”. Toda a parede se estabeleceu como uma página do

gigantesco álbum familiar. As fotos estavam em marco simples e mostravam a

cidade em diferentes períodos, a virada do século, depois da segunda guerra

mundial e em 1960. Naturalmente, a casa Solarenga também tinha sido fotografada

antes de ter sido reformada era vista como um obscuro templo cinza de um filme

mudo. Além disso, havia uma lista enumerada com os nomes das pessoas que

fizeram doações para apoiar a restauração dos edifícios antigos e do cemitério dos

órfãos. O cemitério foi protegido como um monumento histórico por cerca de

cinqüenta anos. Entre os patrocinadores, um Dr. Alman estava catalogado –

certamente, o pai de Joaquim era um ativo partidário da escola e seguramente

também de todo os pertences dela. Blanka leu através da lista, nome por nome, até

que se encontrou com um ao final que conhecia muito bem.

— Carsten Seibold. — sussurrou ela. — Esse é o policial que me interrogou

depois que encontraram a mulher morta.

— Isso não prova que ele está conectado com os Lobos, significa apenas que

deu dinheiro para a restauração. Mas, poderia também explicar porque a

investigação foi abandonada tão de repente.

84

Nicholas assinalou uma fila de pequenos quadros. Eram fotos das

associações e instituições da cidade, os Vintners e a sociedade de embelezamento,

o grupo que promovia os trajes tradicionais e a associação de música. Finalmente,

quase junto à porta, havia cerca de uma dezena de fotos dos Lobos. As primeiras

datavam de 1955; nelas os trajes pareciam pesados e grosseiramente costurados.

Durante as últimas décadas os trajes mudaram, se adaptando a moda do dia. Em

1972 o cabelo da monja estava em um coque e o homem usando uma máscara de

Lobo tinha costeletas. Os rostos silenciosos pareciam sorrir a Blanka e a Nicholas

com conhecimento.

— Eles se viam como uma inofensiva associação de carnaval. — disse

Blanka, com decepção.

— Ultima tentativa. — murmurou Nicholas.

No hall de entrada a empregada do museu estava inclinada sobre seu

teclado. Ela não se deu conta dos dois visitantes até que Nicholas aclarou sua

garganta. Fascinada, Blanka visualizou uma enorme verruga perto da comissura da

boca da anciã.

— Meu nome é Klaus Jehle. — disse Nicholas. — Do jornal da universidade,

Attempto.

Ele tirou um cartão laminado. A Sra. levantou suas sobrancelhas.

— Estou fazendo uma investigação para um artigo sobre o festival medieval.

— Nicholas continuou. — E estou particularmente interessado na história dos

Lobos. Não encontrei nada sobre isso no museu.

A mulher olhou o cartão e sua expressão tornou-se um pouco mais

agradável.

—Não terá muita sorte aqui.

— Não tem arquivos. Vocês têm os documentos da livraria da cidade aqui

ou não?

Arrependida, a mulher moveu sua cabeça e alcançou uma caneta e papel. —

Não temos quase nada da história da escola ou dos Lobos aqui. — ela escreveu um

par de nomes no papel e procurou brevemente no computador antes de

acrescentar o número telefônico. — O melhor lugar para procurar é a biblioteca da

universidade, ou melhor,, na escola internacional Europa. Darei-lhe alguns nomes.

85

— ela sorriu para Nicholas, a verruga se movendo em direção a orelha como

resultado. — Cumprimente a Srta Nyen. Ou pode perguntar a alguns dos Lobos

diretamente.

— Boa idéia. — disse Nicholas sem nenhuma sombra de ironia. — Muito

Obrigado.

Ele encobria bem sua decepção, mas Blanka não podia resistir em fazer

mais uma pergunta.

— Porque não tem nenhum dos documentos originais?

O sorriso da Srta. Nyen se tornou mais agradável. — Bem, se você leu a

história do museu no terceiro andar com cuidado, poderia saber inoportunamente,

o arquivo foi quase completamente destruído por um incêndio elétrico em 1954.

Por sorte a escola tinha copias dos documentos do Convento assim como umas

quantas páginas originais da crônica do Convento.

— Muito Obrigado. — disse Nicholas pegando o papel. — Vou trazer uma

cópia do arquivo para você logo que sair.

Fora, no lobby do prédio eles foram golpeados por uma onda de calor, uma

prova do que os esperaria na quadra do mercado.

— Desde quando seu nome é Klaus Jehle? — perguntou Blanka.

— Desde que o real Klaus, que vive no meu andar, me emprestou sua

identificação. Hey, o que há de errado?

Blanka chegou ao seu limite. Deu a Nicholas um olhar suspeito.

— Eu só me sinto menos e menos segura sobre o que eu deveria acreditar.

— ela disse. — Está mentindo para mim? É um jornalista ou não?

Nicholas ficou boquiaberto. — De onde tirou isso? — lhe perguntou

aborrecido. — The gulag? Por que é tão suspeito?

— Só quero saber onde estou ficando.

Ele jurou, deu a volta e a deixou ali de pé. A porta do museu dançava aberta

contra seu rosto. Blanka alcançou a maçaneta de aço e empurrou a porta com toda

a sua força. Aliviada, ele viu que Nicholas estava de pé nas escadarias. Ele não a

olhou enquanto ela corria até ele.

86

— O que você quer eu te mostre? — gritou-lhe de repente. — Passaporte?

Identificação escolar? Registro da universidade?

— Não, eu só queria saber...

Ele moveu sua cabeça vigorosamente. — Seria bom se apenas pudesse

acreditar em mim. — com essas palavras ele tirou sua carteira e pegou uma foto.

— Não sou um jornalista. Se meu pai tivesse alguma coisa a dizer, eu seria

um pedreiro como ele. Este é ele, em frente ao seu negócio, em Hemmor, no norte

da Alemanha.

Ele sustentou a foto para ela. Um homem delgado parado em frente a uma

loja de trabalho, sorrindo para a câmera. Ele quase não tinha cabelo em sua cabeça,

ainda assim a semelhança era impressionante. Nicholas virou a fotografia.

— Sandor Varkonyi. — esta dizia com a estampa de uma companhia.

— Meu pai vive em Kecskenét na Hungria. Pode imaginar quanto lhe custou

me enviar a essa universidade aqui? Não vou deixar que os Lobos me tirem isso.

— Sinto muito, eu só pensei...

— Exatamente. — replicou Nicholas ironicamente.

— Você pensa, esse é o problema. Pensa demais!

Ele afastou a foto e estudou o pedaço de papel que a Sra. do museu lhe havia

dado. — Sra. Klass, essa é a bibliotecária na universidade. Falei com ela semana

passada. E ela não pode me ajudar. O que há sobre esse nome?

Blanka olhou o papel. — Natalie Kuhlmann, é a estudante que é responsável

do armazém na livraria da escola. E já fui procurar sobre isso.

— Não foi de muita ajuda. — destacou Nicholas.

— Ainda tem o carrasco.

— Qual carrasco?

— Na exposição especial tem uma espada de um carrasco. Esta pertence ao

carrasco Johann Georg Feverlin. Ele viveu na época exata da caça da bruxa de

87

Belverina. — ela baixou a voz. — Diz na nota que a espada vem de uma coleção

primada. Temos que se capazes de encontrar a quem pertence, talvez a um

descendente do carrasco. Eles devem saber algo sobre isso ou devem ter alguns

documentos dessa época.

Um sorriso assomou pelo rosto de Nicholas. Ele lhe deu uma cotovelada

como apreciação. — Nada mal!

— Você acha que a Sra. verruga nos dá o endereço?

— Pode ter certeza disso. — Nicholas tirou sua carteira e colocou o papel

nela. Quando esteve aberta, Blanka se deu conta de uma boa quantidade de cédulas

de cem euros.

— Ganhou no bingo?

Nicholas rapidamente fechou a carteira. — Algo assim. — disse se

desculpando. — Saquei um cheque hoje. Tem alguma idéia de quanto custa um

quarto no Pelargus?

Voltou a olhar Blanka. — Não tem que ir a aula? Se você se apressar pode

alcançar o ônibus das três e trinta.

Blanka colocou a mochila no ombro. — Nos falamos pelo telefone!

— Tome cuidado! — ele lhe disse. — E me liga, não importa quão tarde seja.

Meu telefone está ligado todo tempo.

— O mesmo sobre mim. — ela disse de volta.

88

Capitulo 10

Engramas

Nesta Terça feira em particular, nem mesmo Dr. Kalaman podia atrair

Blanka para o campo da teoria da probabilidade. Incapaz de se concentrar na aula,

ela folheou suas notas. ‘”Sylvie” foi sublinhado duas vezes na margem. Em alguns

dias, quando ela voltasse para escola, Blanka teria que se apossar dela.

Blanka não tinha visto os outros Lobos desde o incidente nas escadas e a

noite ela não só tranca a porta, mas também empurra as costas da cadeira contra a

maçaneta da porta.

— O que diabos você esta fazendo aqui? — Caitlin chamou, quando Blanka

entrou no quarto depois do seminário da tarde. — Você não tem aquele

compromisso com o Dr. Hasenberg?

— Oh, merda! — Blanka girou sobre os calcanhares e correu. Faltavam dois

minutos para as cinco quando ela finalmente alcançou o laboratório de línguas.

Pulando duas escadas de cada vez, ela correu para o terceiro andar. Ela ignorou a

pontada em seu lado e bateu.

Dr. Hasenberg tinha cabelo castanho claro encaracolado e parecia

demasiado jovem para ser um professor universitário de psicologia. Blanka

adivinhou que ele tinha apenas trinta. — Bem na hora. — ele disse, fingindo não

notar o quão sem fôlego ela estava. — Entre e sente-se!

A sala era escassamente mobiliada, as duas poltronas azuis não poderiam

fazer justiça ao que poderia ter sido uma agradável área de estar. Uma pesada

estante preta tomou quase uma parede inteira. Atrás das portas de vidro brilhante

os livros pareciam tristes detentos de uma instituição de vidro. Hasenberg

simplesmente não pertencia a uma sala que exalava essa aura de administração

sóbria. A porta para a outra sala estava entreaberta, e atrás disso uma secretária

estava digitando no computador.

— Água? Suco de laranja?

89

— Não, obrigada. — disse Blanka, tentando respirar normalmente. Dr.

Hasenberg colocou para si mesmo um copo de água e se sentou, encarando-a,

imitando o jeito que ela estava sentada. Blanka quase sorriu. Estava ele copiando

sua postura para fazê-la sentir que ele era confiável?

Ela cruzou as pernas para o outro lado e cruzou os braços.

Hasenberg deu um leve sorriso. — Madame Lalonde me disse que você quer

fazer universidade de psicologia?

Cara, ele definitivamente estava indo direto aos negócios. — Sim, é por isso

que eu estou pegando os cursos extras de matemática do Dr. Kalaman.

— Estatísticas serão de grande ajuda para você. — ele disse, colocando as

pontas dos dedos juntas, do jeito que Nicholas tinha feito no café. — Por que você

decidiu fazer psicologia?

— Por que você fez? — ela rebateu. Houve uma pausa. Blanka se sentiu

desconfortável. O psicólogo não dava a impressão de que gostava muito de sua

nova estudante.

— Mais ou menos por acaso. — Hasenberg finalmente respondeu. — Eu

tinha começado a estudar medicina até que eu percebi que mesmo um médico não

é nada mais do que um psicólogo, ou um xamã, se você quiser. — as teclas na outra

sala batiam tranquilamente, fazendo Blanka sentir-se com sono. Ela ainda estava

sem fôlego. O caderno com as pistas que ela tinha escrito para conversar estava em

sua bolsa. Ela tinha que ganhar tempo para reunir seus pensamentos.

— Você quer dizer que um médico também deve ser um bom psicólogo, e

vice versa?

— Isso certamente não machuca. — respondeu Dr. Hasenberg. — Mas eu

acredito que nem um psicólogo ou um médico pode curar o paciente. Ele cura a si

mesmo. Os rituais e símbolos são o mais importante. Não importa se é a máscara

de um xamã ou um jaleco branco, uma lança ou um estetoscópio, é confiar nas

habilidades do curador que cura uma pessoa. Há quanto tempo você que ser uma

psicóloga?

— Desde sempre. — Blanka respondeu. A mentira saiu de seus lábios com

uma facilidade surpreendente. Na verdade, ela só tinha escolhido “psicologia”

depois de aprender que ela teria melhores chances de ganhar uma bolsa de

estudos se ela já tivesse uma meta de carreira definida em mente.

90

Hasenberg acenou. — Já fez algum trabalho sério nisso?

— Eu li alguns ensaios, do Jung.

— Bom. Eu gostaria de te dar uma lista de livros hoje, para trabalhar nas

próximas duas semanas. Você não tem que memorizá-los, não se preocupe, mas

você deve lê-los cuidadosamente e pensar sobre eles. Nós vamos falar sobre eles

em nossa próxima reunião.

— E então você vai decidir se você quer ser meu mentor?

— Nós dois iremos tomar essa decisão. Olhe para isso como uma

oportunidade, não um dever. Você está interessada, não está?

Blanka pensou sobre o aviso de Tanya e levantou o queixo

desafiadoramente. — É claro!

— Bom. Você tem alguma pergunta?

— Qual sua especialidade?

Dr. Hasenberg recostou na poltrona. — Investigação Trans-geracional. —

ele disse. — O que simplesmente significa examinar os mecanismos que controlam

uma família por gerações e expor suas interconexões. Membros de uma família são

muitas vezes subordinados uns aos outros, ou mutuamente dependentes, de forma

incomum. Por isso, alguns problemas ou eventos ocorrem de novo e de novo. Se

um avô morre em um acidente, algumas vezes acontece de ter mais acidentes na

próxima geração. Isso é só um exemplo geral, é claro.

Sua voz era agradável, quase hipnótica. A falta de sono de Blanka estava se

tornando notável. Todo o escritório parecia envolto em uma aura tranquila e suave

como o algodão. — Pode-se dizer que passamos não só os nossos genes, mas

também as nossas tragédias e golpes do destino. — ele continuou. — Nós

lembramos coisas por gerações, mesmo que só inconscientemente. Você não deve

interpretar o momento: você deve olhar para o padrão. — Blanka de repente

percebeu que ela tinha ficado tão tensa que suas têmporas palpitavam. Ela estava

começando a ganhar uma dor de cabeça. As palavras do Dr. Hasenberg a

assustaram. Ela viu os pais diante de seus olhos, e atrás deles, sombras

ameaçadoras, fantasmas, estendendo a mão para ela. As mãos do Dr. Hasenberg

estavam relaxadas, segurando seu copo; ele parecia um pouco com um santo. Seu

sorriso parecia ser uma máscara. Quando ele olhou diretamente para Blanka, no

entanto, ela pensou ter visto um flash de aborrecimento em seus olhos. Ele

levantou o copo e bebeu profundamente.

91

Blanka clareou a garganta. — Eu... Eu estou mais interessada em psicologia

clínica e Psicotrópicos. — ela disse.

— Ah! A abordagem biológica: responsabilização, neurotransmissores no

cérebro, bioquímica, também é um interessante tópico. — ele admitiu

prontamente. — Essa é a coisa grande, cada disciplina científica em última fase

serve para a investigação do espírito humano. Se você decidir depois que você

prefere ser uma neurologista ou bioquímica, você pode rastrear Engramas, por

exemplo.

— Engramas?

— Eles são os traços que eventos importantes deixam no cérebro. Você

pode rastreá-los e desse jeito pesquisar o jeito que a consciência e memória

funcionam.

— Sim... Isso soa interessante.

Ele torceu a boca em um sorriso frio.

Blanka pensou em Joaquim. — Você teve conexões com os Lobos quando

era jovem?

Ele olhou para ela, perplexo. — O que faz você perguntar isso?

— Eu estou só interessada. Estou escrevendo uma dissertação sobre as

histórias locais. Mais cedo você falou sobre xamãs e curandeiros. Se você sabe tudo

sobre rituais xamânicos, você deve saber algumas coisas sobre os Lobos também.

Eles têm uma longa tradição, afinal de contas.

— Eu sinto que não posso ajudá-la com isso. Eu tomei parte na procissão

apenas uma vez, como porta-bandeira. Quando eu tinha dezesseis ou dezessete.

— Então, você veio para a Escola Internacional Europa.

— Sim, e eu fui para a universidade local também.

— Você sabe o que as fantasias significam exatamente? — Blanka continuou

perguntando. — As máscaras, as lutas, eles devem todos ter um significado

simbólico.

— Não um muito espetacular, em termos psicológicos. — disse o Dr.

Hasenberg, suprimindo um bocejo. — O Lobo é um animal arcaico. Em muitas

92

culturas as pessoas acreditam que são descendentes do Lobo e conectados com seu

espírito. Ele é um animal totem4. Nossas roupas de Lobo aqui são provavelmente

apenas um remanescente dos tempos pagãos, como as máscaras de carnaval da

área que você veio.

Dr. Hasenberg sorriu levemente, olhou para o seu relógio, e se levantou. —

Bom; Blanka. Eu vou só achar aquela lista de literatura básica pra você. — com

essas palavras ele pegou uma folha impressa da gaveta de sua mesa. Então, ele

folheou seu diário. — Duas semanas, mesmo horário?

— Sim... Mas... Tem mais uma coisa.

— Você tem outra pergunta?

— O que está acontecendo com Joaquim Almán? Eu não quero tomar o lugar

dele.

Dr. Hasenberg levantou abruptamente. — O que faz você pensar que é isso

que está acontecendo? — ele rebateu friamente. Na sala ao lado a digitação havia

parado. — Joaquim não está no seu projeto? Se é por que razão outros estudantes

terminaram seus projetos cedo não é algo que você deva se preocupar. Deixe essas

decisões para nós. Você não está tomando nada de ninguém.

Blanka ainda sentia como se estivesse tentando manter o equilíbrio na

corda bamba balançando.

Dr. Hasenberg olhou para ela, pensativo. Todo traço de gentileza tinha

deixado seu rosto. — Eu vou ser honesto com você Blanka. Se dependesse de mim,

eu teria atrasado o seu projeto de tutoria por pelo menos um ano. Mas Madame

Lalonde esta convencida que você consegue organizar seu tempo suficientemente

bem para lidar com tudo isso. Ela pensa muito de você, mesmo com suas notas

nesse momento sendo muito abaixo da expectativa. — essa acertou fundo. — Mas

eu também acredito. — ele continuou com uma civilidade que soou forçada. — Que

você tem o que é preciso. Aqui está sua lista. — ele entregou a folha de papel. —

Não se surpreenda quando você encontrar obras ai que se relacionam mais com a

filosofia, ou mesmo física. Eu gosto de dar aos meus estudantes uma perspectiva

global. E há também livros na lista que não estão nas prateleiras abertas. Por favor,

peça ao Sr. Nemec para achá-los para você, ele sabe onde os livros reservados

estão. Hoje se você puder.

4 Escultura de madeira. Divindade para alguns povos.

93

Blanka achou que era estranho que o Sr. Nemec estava encarregado das

coleções especiais, mas ela já tinha começado a suspeitar que ele fosse muito mais

do que apenas um zelador.

* * *

Em exatamente uma hora os estudantes iriam para o refeitório para o

jantar. Mas agora os corredores estavam tão vazios que a escola parecia nada mais

que uma memória. Os passos de Blanka clicaram no chão de linóleo. Hasenberg e

Nemec, ela repetiu mentalmente. O que eles têm a ver um com o outro? Ela desceu

as escadas, virando em direção aos laboratórios de línguas. Ela nunca tinha notado

esse leve eco antes. Ela podia ouvir seus passos só uma fração de segundo depois.

Soava como se alguém estivesse correndo atrás dela. Blanka parou. Agora estava

um silêncio morto de novo. Calmamente continuou. O eco ainda estava lá. E lá tinha

outra coisa, um click, mas não de saltos. Abruptamente ela parou novamente e

escutou. Diretamente atrás dela alguém deu outro passo. Blanka agarrou sua

caneta como uma arma e se virou. O corredor estava vazio; ela não podia ouvir

nada a não ser a própria respiração. Cuidadosamente deu um passo para trás,

então outro. Lá. Alguém ou alguma coisa estava farejando o ar, como se tivesse

tentando achar o cheiro da Blanka, e então lá tinha três clicks, um após o outro.

Uma presença a cercando, tão perto que ela sentia como se alguém estivesse

parado exatamente em sua frente. Imaginou que uma respiração passava por sua

mão, e gritou. O farejar parou e Blanka estava lá sozinha, sentindo como se um

vento gelado tivesse tomado conta dela.

* * *

— Ele te dilacerou? — perguntou Caitlin. Ela estava deitada na sua cama no

meio de uma avalanche de livros. Depois de amanhã ela faria o primeiro de seus

exames finais, e mesmo Caitlin, sempre tão relaxada, estava pálida ante a idéia e

não tinha apetite.

— Dificilmente. — respondeu Blanka, se jogando na cadeira de leitura de

Caitlin. Ela ainda estava gelada, e quando ela esfregou seus braços inferiores sentiu

arrepios.

— E? — sua amiga persistiu, sem olhar para cima de seus livros.

— Ele me deu uma lista de livros que eu preciso pegar na biblioteca.

94

— Oh, então eles serão certamente livros especiais que você só poderá

pegar com o Igor.

— Igor?

— Nemec, ele não te lembra do servo do Frankenstein?

Gradualmente Blanka estava encontrando seu caminho de volta a realidade.

Aquela presença deve ter sido uma corrente de ar, ela disse a si mesma, somente a

imaginação pregando peças.

— Vamos ver! — disse Caitlin, estendendo a mão pela lista. Blanka hesitou

um momento longo demais. Caitlin franziu e deixou a mão cair.

— Já chega! — ela chorou. Seus olhos verdes brilharam. Ela pulou da cama e

foi até Blanka. — Quantas vezes eu tenho que dizer que sinto muito? Eu não tive a

intenção de espionar você. Nunca mais vou falar sobre seus pesadelos de novo,

embora eu me preocupe, e você fala enquanto dorme. E eu vou ser uma boa garota

e trancar minha porta, então você vai se sentir mais segura. Mas não importa se eu

fizer; você não confia em ninguém, não é? — no limite, ela correu os dedos pelo

cabelo e suspirou. — Desculpe. — ela disse suavemente. — Eu não tive a intenção

de te atacar. É só. . . Eu estou muito ferida por causa dos exames, de qualquer

maneira. E eu não sou muito boa em lidar com essa atmosfera estranha entre nós.

Blanka nunca tinha visto Caitlin de tão baixo astral. As palavras de Nicholas

vieram à cabeça, e ela se envergonhou de sua falta de confiança.

— Desculpe Caitlin. Sem mau humor de agora em diante.

Caitlin relaxou visivelmente e sorriu hesitantemente para Blanka. Ela estava

pronta para dizer algo mais quando seu celular tocou. Blanka foi para seu próprio

quarto. Ela deitou na cama e fechou os olhos. Podia ouvir a conversa abafada de

Caitlin através da porta. Não podia ouvir muito realmente, mas não soava como se

Caitlin estivesse falando com um membro de sua família. Alguns minutos depois

Caitlin enfiou a cabeça através da porta. Blanka nunca esteve tão aliviada de ver

um sorriso.

— Eu indo me encontrar com Jan no café da biblioteca. — disse Caitlin. —

Você quer vir para a biblioteca comigo?

* * *

95

Hoje todas as mesas de leitura estavam ocupadas. Com uma sensação

incomoda na boca do estômago, Blanka olhou em volta procurando pelos Lobos,

mas não podia ver nenhum deles. Ela podia olhar para baixo e para a área de café

através da fachada de vidro por trás da estante contendo os dicionários. Caitlin

estava sentada em uma mesa com Jan, sorrindo. Esses dois obviamente têm muita

coisa pra conversar. Blanka observou-os por um tempo, em seguida juntou sua

coragem e foi procurar por Simon “Igor” Nemec. Sua esperança secreta de que ele

não estaria lá foi esmagada. Ela mal tinha deixado a seção de línguas quando ele se

aproximou dela. Um cheiro acentuado de pimenta flutuava para Blanka. Pelo

menos seus olhos não estavam vermelhos hoje.

— A lista do Dr. Hasenberg? — ele rosnou, antes que ela dissesse qualquer

coisa.

Ela assentiu e estendeu-a para ele.

Ele deu uma olhada na direção da folha. — Não preciso disso. — ele disse,

indicando para que ela o seguisse. Ela observou seus ombros rígidos, parecia que

ele estava tentando manter seus ouvidos fechados com eles. Ele a guiou passando a

seção de psicologia; então passando a de física, metafísica, e biologia, veio a seção

de historia, e finalmente chegaram a um canto da parte mais antiga da biblioteca, a

mesma área que Nemec tinha expulsado Blanka em seu ultimo encontro. Nemec

parou e começou a tirar livros das prateleiras. Ele parecia estar seguindo uma

bem-praticada rotina. Por quantos estudantes esses volumes passaram antes dela?

Nemec empilhou os livros e colocou em uma prateleira perto da seção de

psicologia. Então, pegou uma parede larga de prateleiras e simplesmente virou de

lado. Blanka ficou de boca aberta. Então! Tinha uma porta atrás das prateleiras, ela

só tinha olhado o canto errado quando Nemec a tinha flagrado. A porta não era

visível, imagine, tinha o papel de parede como a parede. Nemec tirou seu chaveiro.

Seus dedos tremendo um pouco, ele pegou uma chave lisa e abriu a porta. Atrás da

porta surgiu um buraco negro. Um leve cheiro de couro e poeira atingiu as narinas

de Blanka. Uma hedionda luz fluorescente piscou ligada, cintilando. Nemec entrou

na sala e soltou a maçaneta da porta. Com um rangido áspero e, em seguida, um

gemido, a porta se fechou atrás dele. Blanka pegou a estante mais próxima e

segurou-se firmemente. Como um flash de fotografia, Blanka de repente viu a si

mesma no saguão da biblioteca um momento antes de encontrar o corpo da

mulher. Só tinha escuridão, e um som. Esse som. Um momento mais tarde Nemec

voltou do pequeno quarto.

— Aqui. — ele disse, colocando toda a pilha de livros nos braços dela. O

curativo em sua mão direita não parecia mais tão novo. À vista de suas mãos

musculosas Blanka imaginou essas mãos matando Annette Durlain. Não entre em

96

pânico, ela avisou a si mesma. O barulho só significa que mais alguém além de

Annette Durlain deve ter estado na biblioteca. Nemec, ou outro alguém.

— Você tem feito essa turnê pelo museu por muito tempo? — ela

perguntou.

Os olhos de Nemec estavam lacrimejantes e amarelados. Para surpresa dela,

ele sorriu brevemente. — Um quarto de século. — ele respondeu. — E não fica

mais excitante conforme os anos passam.

— Você ainda se lembra de alguns dos visitantes?

— Você quer dizer Annette Durlain, não é? Não, criança. Você acha que eu

noto todo rosto?

Ele suspirou profundamente e, de repente parecia nada mais que um

lamentável velho homem que havia em algum lugar, de alguma forma, perdido seu

apego pela vida.

— Então você não a conhecia?

Ele balançou a cabeça cansada.

— Então por que você está tão triste?

— A vida ás vezes é o suficiente para fazer você chorar, você não acha?

Blanka abaixou o olhar e olhou para o livro no topo da pilha. Na capa estava

estampada uma pintura: um leão que tinha mordido o sol.

— Esse... Livro está realmente na lista? — ela perguntou em uma voz fraca.

— É claro.

— É sobre o que?

— O leão que comeu o sol. — ele disse. — O símbolo mágico da pedra

filosofal. É um livro sobre Faust, que praticava as artes negras, e seus experimentos

em alquimia.

* * *

97

A carga de livros pressionava fortemente os quadris de Blanka enquanto ela

descia as escadas para a saída. O sol da tarde tinha colocado um véu dourado sobre

a grama e banhado a mansão em uma luz irreal que enfatizou seus contornos

afiados. Com passos rápidos Blanka correu ao longo da parede para um pequeno

caminho, um lugar onde não havia nada além de hera e cantaria. Aqui ela tomou

tempo para recuperar o fôlego. O medo que ela sentia dos Lobos, que fez ela

ansiosa e irritada dentro do prédio da escola, desapareceu aqui fora como se por

mágica. Aliviada, ela pegou seu celular.

— Nicholas, sou eu!

— Por que você esta falando tão baixo? Onde você tá?

— Atrás da mansão, eu precisava de ar.

— Eu ia te ligar em um segundo, de qualquer maneira. A Sra. do museu

suspeitou e não vai me dar o endereço do Feverlin. Eu passei praticamente a noite

inteira na Internet da cafeteria, mas os Feverlin que eu achei lá não parecem ser os

que nós estamos procurando. Amanhã vou pegar o telefone de novo.

— Você pode se poupar do problema. — ela abaixou a voz para um

sussurro. — Eu sei onde Annette Durlain estava procurando. Eu tenho certeza

agora que ela não estava sozinha na biblioteca! E se eu estou certa, nós podemos

também encontrar as crônicas que são supostas não existir.

— Onde?

— Em um pequeno quarto especial na biblioteca. Eu só não sei como entrar

ainda. O quarto é trancado e eu não acho que tenha uma janela.

— Entendi. — disse Nicholas. — Hora do plano B.

98

Capitulo 11

Sombras

Caitlin estava muito nervosa para beber seu chá pela manhã. Sua caixa de

lápis caiu de sua mão pela terceira vez, quando ela checou para ver se tinha todas

as suas canetas e lápis, e se todos funcionavam ou estavam apontados.

— Qual é o primeiro assunto? — perguntou Blanka.

Caitlin rolou os olhos. — História, duas horas. Então uma pausa. Então

prova oral de Francês e Espanhol. E então esta tarde, Física.

— Eu tenho certeza que você vai escrever as melhores respostas de sempre

e entrar no Colégio Trinity de Dublin espetacularmente. Você consegue!

— Se eu fizer a prova do jeito que eu me sinto, eu vou estar de volta em casa

em Dingle em uma semana, me candidatando para um emprego na lavanderia do

O’ Reilly. Obrigada do mesmo jeito! — Caitlin abraçou Blanka em um rápido adeus.

E pegou a bolsa. No momento seguinte ela tinha ido. Blanka ouviu vozes no

corredor e passos rápidos desaparecendo na distancia. As tensões da manhã

desapareceram, e seu cansaço voltou. Ela esfregou os olhos e rastejou de volta para

cama. Ela ainda tinha dez minutos antes de ter que sair - e enquanto ela ouvia as

explicações da Sra. Lincoln sobre novos aspectos da gramática do Inglês, Caitlin iria

suar sobre sua prova igual a todos os dezesseis outros estudantes. Outros deveres

esperavam Blanka, de qualquer maneira. Acima de tudo ela tinha que se acostumar

com a idéia de que esta noite ela estaria arriscando seu futuro na Escola

Internacional Europa. Ela deve ser louca. Nervosamente ela olhou pro seu

despertador e verificou seus cálculos. Mais dezessete horas até ela encontrar

Nicholas. O momento era perfeito, todos os professores e estudantes estavam se

concentrando nos exames. Nicholas e ela não podiam ter esperado por uma melhor

distração. Ela fechou os olhos e imaginou a rota que iria tomar esta noite.

Nenhum dos Lobos apareceu durante todo o dia. Aquilo surpreendeu

Blanka no começo quando ela estava na mesa de leitura na biblioteca, mas depois

lhe ocorreu que para alguns alunos deve ser atribuída a tarefa de manter a área do

exame quieta. Blanka tentou, sem sucesso, se concentrar em seu dever de casa.

99

Hoje as fórmulas e diagramas pareciam sinais enigmáticos, cujo significado ela mal

podia se lembrar. A falta de sono e os sonhos a preocuparam. Eu só tenho que

agüentar mais um dia, ela disse a si mesma. As respostas estavam quase ao alcance.

Uma parecendo-perturbada Caitlin correu no andar de baixo. Ela estava seguindo

cinco outros estudantes, que pareciam tensos do mesmo jeito. Como se consciente

do olhar da Blanka, de repente ela olhou para cima. Ela sorriu e levantou o polegar.

* * *

Os minutos estavam rastejando, mas lentamente do que Blanka jamais

pensou que fosse possível. Por uma hora ela não tinha feito nada alem de encarar

seu celular e o relógio. Felizmente Caitlin tinha estado tão exausta que apesar de

seu nervosismo sobre os exames do dia seguinte ela tinha dormido rapidamente.

Finalmente os números mudaram. Uma hora em ponto. Blanka calmamente

levantou e deslizou seu celular no bolso. Sem fazer nenhum som ela abriu a porta e

saiu para o corredor. Porque ela tinha passado a ultima hora no escuro, seus olhos

tinham se ajustado a escuridão; ela pode passar pelas portas até a porta de vidro

no final do corredor. Em algum lugar ela ouviu uma descarga; luz aparecendo em

uma abertura embaixo da porta. Blanka se apressou, saindo do quartos das garotas

e atrapalhando-se para baixo na escada. O alcove sobre a escadaria principal

estava escuro. Blanka parou no lugar que eles tinham marcado e olhou para as

sombras.

— Nicholas? — ela sussurrou. Um ruído áspero respondeu. Coração

batendo mais rápido, ela ficou parada, ombro direito pressionado a fria pedra da

escadaria. Então ela ouviu alguém limpar a garganta silenciosamente. Blanka

estava tão aliviada que suas pernas quase fraquejaram. — Nicholas! — com os

dedos frios ela sentiu procurando a pequena lanterna que ela tinha tirado de seu

chaveiro.

— Não. — disse uma voz. Blanka pulou para trás; a lanterna escorregou dos

dedos e acertou o chão. — Se você ficar ai, qualquer um no parque poderá te ver

através do vidro. Vem comigo!

— Jan?

Uma sombra passou veloz, acenando para ela. Blanka procurou pela

lanterna. Alguma coisa clicou na escuridão, em seguida ela ouviu um estalo que

soava como algo elétrico ligando. Uma dobradiça de porta mal oleada rangia

baixinho.

100

— Vamos! — sibilou a voz. Com joelhos de geléia Blanka começou a se

mover. A porta para sala do mapa, que estava normalmente fechada, estava aberta.

No momento seguinte uma lanterna acendeu. Um cone de luz passou rapidamente

sobre mapas e caixas de papelão surradas. Blanka piscou. Jan estava usando uma

camisa longa e calças track5 que enrolava em volta das pernas.

— Dentro ou fora! — ele disse.

Ela engoliu em seco e entrou. A porta se fechou com um estalo. Jan colocou a

lanterna numa prateleira e colocou uma mochila no chão. Ela sacudiu.

— O que você esta fazendo aqui? — sussurrou Blanka. Ele riu meio

sonolento, e remexeu na bolsa. Blanka olhou pro seu cabelo desgrenhado. A

camiseta amassada que ele tava usando que provavelmente era seu pijama. Ele

tirou algo da bolsa que parecia uma escova elétrica sem a escova anexada.

— Eu vejo. — disse Blanka sarcasticamente. — Você esta planejando se

mudar para cá.

Então, seu celular vibrou. Na tentativa de pegar o mais rápido possível, ela

quase derrubou.

Ele está ai? — sussurrou a voz do Nicholas.

— Você o enviou aqui?

Ela ouviu o suspiro de alivio que ele soltou do outro lado do telefone. —

Obrigado Deus! Então tudo esta funcionando, ouça, eu não posso fugir. Mas Jan

sabe o que fazer.

— Você não esta falando sério! Pelo amor de Deus, você não podia ter me

contado antes?

Jan pousou um dedo de aviso nos lábios.

— Desculpe. — sussurrou Nicholas, genuinamente arrependido. — Eu juro

que tem uma boa razão. Eu explico depois.

— Tudo bem. Então tenha uma boa noite! — estalou Blanka, pressionando o

botão para encerrar a ligação. O display ficou branco.

5 http://www.motostore.com.br/calcaalpinestarstrack, product, TRACK48, 301. aspx

101

— Bem, eu acho que o querido Niki deu a nós dois uma surpresa. — disse

Jan, bocejando.

De novo ele abaixou e remexeu na bolsa. — Que tipo de chave Igor usou? —

ele perguntou.

— Por que você quer saber?

Jan levantou a escova de dentes. — Chave universal. — ele disse

calmamente. — Mas eu tenho que saber que anexo eu preciso.

— A escova de dentes é uma chave?

Jan assentiu. — Abridor de portas. Claro que eu modifiquei um pouco, de

outra forma que as rotações seriam muito lentas. Você pode usar isso para escovar

seus dentes também, é claro. — ele adicionou ironicamente.

— Chave achatada. — disse Blanka. — Mais ou menos do mesmo tamanho

da minha pequena lanterna aqui, com rotinas longitudinais.

— Tipo padrão de segurança. — disse Jan, adicionando ironicamente, —

Bem, tão segura quanto às outras portas neste prédio. — fascinada apesar de si

mesma, Blanka assistiu ele selecionar e anexar um metal e deslizar os aços

remanescentes dentro do bolso da calça.

— Você realmente construiu isso?

— Claro, eu também construí o controle elétrico para sua chaleira lembra?

— Eu pensei que você era um artista.

— O que você acha que eu faço na sala de artes, bagunça no barro?

— Não, mas primeiro de tudo, a sala de artes é mais longe que os quartos e a

sala do zelador do que qualquer outro e segundo, tem um forno de alta potencia lá.

Blanka estremeceu. — E a sua escova de dentes funciona em uma trava de

segurança?

— Claro, é só fixar este anexo no buraco da fechadura e ligar. A vibração

gira o tambor de aço e click! A porta abre.

— Por que construir algo assim?

102

Jan encolheu os ombros e empurrou a mochila em baixo de uma prateleira.

— Eu tenho uma coisa sobre portas trancadas.

Na luz da lanterna ele realmente pareceu ter dezenove. Pela primeira vez

ela notou quão forte ele era.

— Você perdeu dois anos de escola. Você estava... em uma casa, ou alguma

coisa assim?

— Escola reformatória. Um ano por apropriação indébita. Eu perdi o outro

ano porque eu repeti. — ele sorriu docemente. — Hey, o gato comeu sua língua?

— Não... Eu...

— Ah, você não esperava isso nessa respeitável escola? Nunca ouviu falar

das cotas?

— As bolsas de estudos para alunos desfavorecidos?

Jan riu baixinho. — Ninguém nunca colocaria isso desse jeito, claro, soa

muito como descriminação. Se você olhar para isso dessa maneira, Madame

comprou minha liberdade, sim. Eu fiquei surpreso comigo mesmo que eu era tão

bom em física. Foi uma chance de me livrar do meu padrasto. Mas é claro, aqui eu

tenho condições especiais. Todos os pais tiveram que assinar um formulário

dizendo que eles concordavam em que eu pudesse estar aqui. — ele sorriu

ironicamente. — Os seus também.

Blanka estava estupefata. — E a Caitlin? Ela sabe?

— Claro. — ele respondeu logo, adicionando um pouco de mau humor, —

Pelo menos ela não fez disso grande coisa que nem você.

— Por que você...

Jan rolou os olhos e levantou os braços dramaticamente. — Oh Deus, não

essa pergunta de novo. — ele sussurrou. — Por quê? Por quê? Por que... Nada é

mais fácil do que arrombar carros. Porque ganhei dinheiro, porque o clima era

bom. Não faço idéia. Porque eu sou um perdedor? Você me diz, é a sua

especialidade, não é, explicar as pessoas o que faz eles fazerem as coisas.

— Eu não posso ser uma boa psicóloga. Eu pensei que você só fosse um

covarde.

103

— Oh, você não errou por muito nisso. — ele respondeu calmamente. — Eu

sou bastante covarde. Mas uma porta é só uma porta. — ele puxou sua camisa

nervosamente e olhou suplicante para Blanka. — Você não vai contar para a Cait

nada sobre esse pequeno passeio?

— Eu prometo. — respondeu Blanka. — Contanto que você não conte a ela

também!

— Vamos apertar as mãos nisso! — eles apertaram. — Vamos, precisamos

nos apressar.

— Espera um minuto. — ela sussurrou, agarrando o braço dele para puxar

ele de volta da maçaneta da porta. — Nicholas e você? Como vocês se conhecem?

— Nicholas é realmente um cara legal. Estudante de medicina com dinheiro.

Nós realmente só nos conhecemos de vista. A moto dele é um amontoado de

ferrugem. Eu soldei algumas conexões para ele e dei a ele algumas informações,

sobre você também.

— Então foi você que contou a ele sobre o livro dos santos. — Blanka disse.

— O que ele esta pagando pela ação desta noite?

Jan estalou a língua e sacudiu a cabeça. — Isso é informação confidencial!

Mas o livro que você quer parece ser importante.

* * *

Parecia assustador, andar de noite pelos corredores que ela só conhecia

pelas horas do dia. Jan foi na frente com uma passada tão firme que parecia que ele

podia enxergar na escuridão. Ele freqüentemente tinha que parar e esperar que

Blanka sentisse seu caminho até ele pela parede. Ele liderou Blanka à biblioteca

através de escadas na parte de trás que ela nunca tinha visto. Com um click, a porta

abriu sob as mãos experientes de Jan e eles entraram na biblioteca por uma ala

lateral. Luz da lua brilhava através das persianas e jogava um liquido pálido de luz

nas mesas de leitura e nas prateleiras.

— Em que seção é a porta? — sussurrou Jan. Blanka pegou os rolamentos

na escuridão, reconhecendo as estantes tortas contendo os dicionários, e sentiu

seu caminho para frente. Finalmente a parede com a porta estava a sua frente. Com

a força deles combinada eles puxaram a prateleira pro lado. Jan ajoelhou na frente

104

da fechadura. Por um momento a luz da lanterna dele brilhou ligada, então apagou

imediatamente. Teve um click, então uma rápida vibração, que para Blanka parecia

tão alto como uma serra circular. Assustada, ela olhou em volta, mas nada estava se

movendo. Com um ruído arrastado a porta abriu para dentro. Rapidamente eles

entraram e fecharam a porta cuidadosamente para que não trancasse.

Imediatamente a luz florescente ascendeu. Jan tirou sua mão do interruptor de luz.

— Não tem perigo, não tem janelas. — ele sussurrou, sorrindo para cara

horrorizada dela.

Os olhos dele estavam brilhando. Ele olhou em volta do pequeno quarto

ansiosamente. Se Blanka antes se perguntou o que poderia fazer Jan arriscar

perder sua chance de provar a si mesmo, estava claro a ela agora que ele vivia para

momentos assim: por controle, sigilo, o sentimento de ser capaz de ir onde

nenhuma porta poderia bloquear seu caminho.

— São muitos livros. — ele disse. — Eu espero que você saiba o que ta

procurando.

O quarto era maior do que parecia a primeira olhada. O que fazia parecer

menor eram as prateleiras cheias de livros, em que duas fileiras de livros ficavam

um atrás do outro. Bem no final estava uma antiga maquina de copias. Blanka não

podia pensar em nenhuma ordem lógica. O lugar parecia o cérebro de um cientista

louco que não podia distinguir entre o que era importante e o que não era. Alguns

livros tinham as costas decoradas com escritas douradas; outros tinham sido

novos uma década atrás, mas agora tinham tomado uma coloração marrom-

amarelada. O olhar da Blanka caiu sobra uma linha de amareladas crônicas e

anuários.

Em cada capa o ano foi dado: o primeiro dizia “1649-1700.” No próximo

livro estava “1701-1750,” continuando do mesmo jeito subindo ate o ano 2000.

Uma hora mais tarde Blanka estava perto do desespero. Ela estava achando

somente estatísticas sobre a localidade, listas de casas, as contas de varias

associações e créditos, as relações do corpo de bombeiros voluntários, e todos os

feixes de gravuras de cobre. Nenhum sinal da historia do Convento - e nenhum

sinal dos Lobos. Incansavelmente ela procurou fila após fila. De novo e de novo Jan

teve que suprimir um suspiro quando a poeira subia ao nariz. Cuidadosamente eles

se asseguravam de colocar os livros no mesmo lugar de onde tinham vindo

combinando-os com as marcas deixadas na poeira. Finalmente, quando eles tinham

chegado aos trabalhos de referencia medica, Blanka colocou a mão sobre um livro

fino, usado com uma ligação de papelão firme. Cuidadosamente ela tirou. As pontas

105

já estavam enrolando e o livro estava desmoronando. Blanka colocou no chão

gentilmente, ajoelhou diante do livro, e começou a folheá-lo página por página.

— Aqui tem alguma coisa! — ela sussurrou. Era um livro de registro do

clube dos Lobos, só três anos de idade, mas melhor que nada. Quando ela começou

a ler, entretanto, ela estava desapontada. Todas as despesas para novos trajes

estavam listadas em mínimos detalhes, e as contas de uma loja de carnaval

estavam grampeados na borda. Então, havia uma programação de treino e

coreografia para a dança da vara. As últimas entradas eram os nomes dos

membros e contatos na Associação de Carnaval local.

— Merda. — ela murmurou. — Isso não pode estar certo. — novamente ela

olhou o livro página por página, mas lá não tinha nada para ajudá-la. Aqui e ali

alguém tinha rabiscado alguma coisa na margem, tinha talvez estado conversando

no telefone e rabiscando no caderno. Um destes artistas tinha tentado desenhar

uma figura humana. Blanka inclinou-se mais sobre o livro.

— Jan. — sussurrou Blanka. — O que você acha que é isso?

Ele ajoelhou ao lado dela e olhou pro desenho.

— Peitos. — ele disse. — Alguém devia estar tentando desenhar a

namorada.

— E abaixo disso, o que é isso? — Blanka apontou para um símbolo que

tinha sido parcialmente riscado.

— Hmm. A namorada dele deve ter tido uma tatuagem. Você precisa da

foto? — Blanka assentiu. — Melhor pegar os nomes também.

— Você tem uma câmera digital com você?

— Não.

— Merda. — disse Jan, igual à Caitlin quando ela estava tendo um dia ruim.

— Nicholas iria trazer a câmera. Mas espera um minuto, nós não precisamos de

uma!

Ele já tinha pulado em pé e ligado a maquina de Xerox. Sussurrando a

maquina começou a aquecer. Blanka levantou e olhou ao redor para a porta.

— Alguém vai ouvir isso! — ela sussurrou. Jan colocou a idéia de lado.

106

— Não se preocupe. Não vai demorar muito.

— E o contador? E se alguém perceber que o contador aumentou?

Jan deu um meio sorriso. — Abracadabra. — ele disse, puxando um pedaço

de madeira. — É uma maquina velha. É um contador mecânico, sem coisas digitais.

Tudo que eu tenho que fazer é interromper o pulso métrico.

Blanka assistiu inquieta como Jan abriu o painel frontal da maquina,

removeu o acoplamento de metal do mecanismo contador, e colocou o pedaço de

madeira em posição. Depois de copiar o livro sem pressa, ele tirou o palito de novo

e cobriu o cabo exatamente do jeito que era antes. Blanka pegou a pequena pilha

de folhas e rapidamente enfiou embaixo da blusa.

Quando eles desligaram a luz novamente, ambos estavam completamente

cegos. Os dedos deles se encontraram acidentalmente na escuridão, e sem

nenhuma palavra eles deram as mãos enquanto sentiam seu caminho para frente

juntos. Luz da lua brilhava nos braços de metal das lamparinas de leitura, e

gradualmente as mesas e cadeiras emergiam da escuridão. As prateleiras nos

corredores como gigantes de pedras. Metafísica, Física, Química: Blanka contou-as

mentalmente. Juntos eles deslizaram entre as prateleiras em uma passagem lateral.

Lá eles tiveram que se separar para que eles pudessem caminhar em fila única.

— Espera Jan! — ela sussurrou.

Ele parou e virou. — O que?

— Eu vou voltar para o meu quarto através da escada principal. É... Mais

perto.

Uma sombra encolheu os ombros. — Tudo bem. — ele respondeu

calmamente. — Eu estou saindo no caminho de volta. Eu te vejo depois!

Ele se abaixou e desapareceu na escuridão. Blanka esperou até seus passos

furtivos desaparecerem na distância. Então, pernas como geléia, ela seguiu o rastro

de Annette Durlain. Tinha ela achado o que queria nessa sala? Tinha ela pego isso e

tido isso com ela no caminho para as escadas? Blanka respirou profundamente e

rastejou ao redor das prateleiras. Ela deu quatro, cinco passos em direção a

escadaria principal, então congelou. O som de passos atrás dela parou-a

instantaneamente. Blanka hesitou então se virou. Desde quando tem uma cadeira

nesse corredor? Se esforçando, ela tentou ver mais claramente. Sem duvida sobre

isso, a cadeira... Estava levantando! As pernas da cadeira deixaram o chão e a coisa

toda se tornou uma sombra balançando tão alta quanto um homem. Nemec?

107

Blanka ouviu um som de raspagem, e o fantasma se moveu. Respiração estranha

fluía através das lacunas na estante como fumaça. No topo de uma fileira de livros

Blanka pode ver a figura girando ao redor, e uma cabeça sombria se voltando para

ela. O corpo dela reagiu instintivamente. Ela correu em direção a porta. Tarde de

mais ela percebeu que a figura que pulou nela no momento seguinte era sua

própria imagem na porta de vidro. Sem saber como chegou lá, ela encontrou-se

entre duas estantes novamente. Os músculos dela doíam. As costas de livros

cavando em suas omoplatas. Então alguma coisa acertou-a na cabeça. Os joelhos

dela cederam, e tudo ficou preto.

* * *

Tinha sido um dos pesadelos dela? Esmalte dental brilhou ao luar. Saliva

quente pingava em sua mão. Uma dor enorme perfurou seu couro cabeludo. Ela

lutou para abrir os olhos e tentou achar seu abajur. Mas tudo que ela achou foi a

base de metal de uma estante. Ela abriu os olhos na escuridão e viu os pálidos

olhos do fantasma encarando ela. No momento seguinte estava em cima dela. Uma

mão cobriu sua boca e sufocou seu grito. Um raio de luz apareceu do nada.

Atordoada, ela piscou e não tentou se defender quando alguém colocou a mão em

sua testa. Isso até foi bom, porque a dor diminuiu. — Você está sonhando. —

murmurou uma voz, e ela afundou aliviada.

A próxima coisa que ela estava ciente era o tapete da biblioteca arranhando

seu rosto e a luz da lua ainda brilhando entre as persianas. Atordoada, ela olhou ao

redor e uma onda de choque bateu. O que ela pensou que era saliva pingando era

seu próprio sangue, na linha do cabelo seu couro cabeludo estava latejando, e

quando ela cuidadosamente sentiu o lugar, ela sentiu um pequeno corte, que já

estava formando uma casca. Presumivelmente tinha vindo do livro que tinha caído

em sua cabeça e agora descansava no chão, um pouco para o lado: Obras Completas

de Shakespeare, Volume IV. Ela deve ter batido na estante, e o livro caiu e a acertou

na cabeça. O corte em sua têmpora veio do canto da capa dura. Ela tocou a

camiseta e deu um suspiro de alivio. As copias ainda estavam ali!

Ela teve que lutar para ficar de pé e colocar o pesado livro de volta na

prateleira. Então ela se dirigiu as escadas, pernas tremendo, esperando ouvir a

qualquer momento uma voz atrás dela ordenando que ela parasse.

* * *

108

Talvez fosso porque ela ainda estava tonta: quando ela entrou em seu

quarto, ela tropeçou na cadeira que ela tinha anteriormente colocado ao lado da

porta de conexão. Antes que ela levantasse, ela ouviu a voz sonolenta de Caitlin. —

Blanka? — luz apareceu em baixo da porta, e no momento seguinte a porta abriu.

Quando Caitlin viu Blanka, seus olhos se arregalaram. — Oh, Meu Deus!

— Shh! — disse Blanka. — Calma! Está tudo bem.

— Está tudo bem? Você esta sangrando! Onde você esteve? Quem fez isso?

— então Caitlin subitamente colocou a mão sobre a boca. — Foi o... Joaquim quem

fez isso?

— Não. — Blanka disse exasperada. — Ninguém fez nada comigo. Eu

tropecei.

Alguém bateu na parede.

Caitlin abaixou a voz. — Você tropeçou no meio da noite? Não me venha

com besteiras, Blanka, você está de sapatos, e você não dorme vestida assim! O que

eles fizeram com você?

— Ninguém fez nada comigo!

Caitlin examinou o corte, e os fios de cabelo grudados. — Isso é o suficiente.

— ela disse. — Nós estamos indo ver a Madame, agora! Alguma coisa esta

acontecendo, e esta claro que você não pode lidar com isso sozinha.

— Sem chance! — Blanka agarrou os pulsos de Caitlin. — Me escuta. Se nós

reportarmos isso, eu vou ser jogada fora. A única coisa que vai me ajudar agora é

um álibi. Eu não posso te contar o que aconteceu, mas é possível que Nemec vá

bater na minha porta nos próximos minutos, e então. Por favor! Diga a ele que você

não acha que eu tenha saído do quarto. — suplicante ela continuou. — Alguma

coisa grande esta acontecendo, mas eu não posso te contar tudo. Eu vou até a

Madame assim que eu tiver mais provas. Por favor, só confia em mim.

Caitlin se soltou e deu um passo para trás. Pensativamente esfregou os

pulsos e olhou Blanka.

— Prova? — ela perguntou desconfiada. — Do que?

— Não posso dizer.

109

— Eu sou sua amiga!

— Você é? — as palavras saíram. Instantaneamente ela se arrependeu.

Caitlin olhou como se Blanka tivesse estapeado ela.

— Você ainda não confia em mim. — ela disse. — O que você pensa que eu

sou? Você realmente acha que eu só quero fazer você parecer mal para Madame

Lalonde? Deus. Existem melhores maneiras que eu poderia ter feito isso! Qual seria

a razão? Eu só quero terminar a escola aqui e voltar para Irlanda. Isso é tudo.

O silencio de Blanka fez Caitlin ficar com mais raiva.

— Você não consegue imaginar alguém simplesmente querendo ser sua

amiga, não é? — ela sibilou. — O que eu tenho que fazer para fazer você confiar em

mim? Algum tipo de prova?

Blanka levantou a cabeça e olhou Caitlin nos olhos. — Sua camiseta. — ela

disse, gesticulando em direção a cintura dela. — Puxe para cima.

Caitlin olhou para ela como se ela tivesse finalmente perdido a cabeça, então

ela cruzou os braços, pegou os lados e puxou a camiseta por cima da cabeça.

Irritada ela jogou a camiseta em cima da cama. Ela ficou parada lá, vestida apenas

em roupa intima. Sua pele era perfeita. — Então? — ela perguntou, esticando os

braços para o lado. — O que você está procurando?

Blanka pegou a camiseta e entregou para Caitlin. Ela se sentia idiota. Ainda

assim, ao mesmo tempo, ela estava completamente aliviada.

— Eu pensei que talvez você tivesse uma tatuagem. — ela disse se

desculpando.

— Sei. — disse Caitlin sarcasticamente. — Bem, eu não tenho. Então agora

você vai me dizer o que aconteceu com você?

Blanka considerou o quanto ela deveria contar a ela. Finalmente ela puxou

as copias com os nomes. Rapidamente ela contou a Caitlin sobre as ameaças dos

Lobos e sobre Nicholas, que estava tendo os mesmos problemas que ela. Ela não

contou sobre o forjado relatório da autopsia ou seu encontro com Jan.

— E esta noite eu estava na sala de livros do Nemec, para descobrir mais

sobre os Lobos. Mas tinha alguma coisa na biblioteca, eu acho que o Nemec me viu.

Talvez ele esteja reportando isso agora. Se ele está, amanha eu posso arrumar as

malas e ir para casa.

110

Os olhos de Caitlin tinham diminuído para fendas. — Então você invadiu,

uma sala que tem uma fechadura de segurança?

Blanka segurou a respiração.

Caitlin de repente parecia ter mordido um limão. — Merda! — ela disse.

Sem olhar sua amiga, ela foi para seu quarto e bateu a porta atrás dela. Poucos

segundos depois Blanka ouviu-a no telefone. Ela estava sussurrando, mas mesmo

assim, Blanka estava feliz de não estar no lugar do Jan.

111

Capitulo 12

Maddalina DE TRENTA

Blanka estava deitada na cama na escuridão, esperando ouvir como

chamavam em sua porta a qualquer momento. O corte, que ela havia curado como havia podido, havia se tornado uma crosta, mas ainda palpitava com cada batida de seu coração. Passaram as seis da tarde, logo as sete, e não aconteceu nada – e, por último, as sete e meia, Caitlin se dirigiu até seu próximo teste de maratona, com os olhos inchado. Blanka olhou seu celular. Onze chamadas perdidas de Nicholas. Justo quando estava a ponto de devolver a chamada, o telefone tocou em sua mão.

— Graças a Deus! — exclamou Nicholas. — Tudo de acordo com o plano?

Por que você não ligou? — Porque estou deitada na minha cama com um corte na cabeça, e hoje vão

me expulsar, não tenho certeza, mas acho que Nemec me viu. — Um corte? Apesar de estar furiosa com ele, era bom escutar que se preocupava mais

por ela, que pelas coisas com Nemec. — Alguém me jogou no chão? — Quem?

— Shakespeare. Nicholas vacilou um momento. — Sua primeira aula não começa até os próximos vinte minutos. Nós nos

vemos! — Não. — gritou, e imediatamente abaixou o tom de voz. — Não, estou bem,

um livro acaba de cair sobre a minha cabeça. Espero que a tua desculpa seja igual de original.

— Olha pela janela. — respondeu de forma seca.

112

Blanka se levantou, ignorando a ligeira tontura que sentiu quando o fez, e deixou seu celular entre a orelha e o ombro. Foi um duro trabalho subir a persiana nessa posição contraída. Os raios de sol matutinos bateram em seu rosto. Piscou e olhou para o estacionamento. Reconheceria esses ombros encurvados em qualquer lugar. Quando ele a viu, saudou-a, um sorriso de alívio se formou em seu rosto.

— Bom ao menos você pode ficar de pé. — disse. — E agora olha, o que

passou ontem a noite... Houve um ruído enquanto ele colocava o celular no bolso, agachou-se e

subiu a perna direita da calça. Uma bandagem ficou a vista. Toda sua canela parecia uma pintura abstrata com uma grande variedade de tons vermelhos e azuis. Nicholas levou o celular para a orelha: — Maldita estrada. — disse, encolhendo os ombros. — Na curva da direita perto do último semáforo. Eu estava vindo para cá. Um carro parou e me levou para a emergência.

— Bem vindo ao clube. — respondeu Blanka secamente. — Por sorte a moto ainda funciona. — disse. — Quando acha que vamos

poder nos ver? — Não sei. Eu... Pergunto-me se devo ir a Madame. Olhou para a janela em silêncio. Blanka escutou sua respiração em seu

ouvido. — Não temos nenhuma prova. — lhe lembrou. — E se a polícia realmente

está envolvida em tudo isso? — Eu sei. — respondeu Blanka bruscamente. Na pausa que se seguiu, ela o

sentiu acendendo um cigarro nervosamente. — Você decide. — disse ao final. — Conte a diretora, e vão nos pegar. Logo,

seguramente ambos perderemos nosso lugar nessa cidade. Ou poderíamos terminar com isso.

Olharam-se nos olhos mutuamente através da distância. — De todos os modos, há uma boa notícia. — disse ele em voz baixa. — Eu,

aliás, Jehle, eu tenho um encontro com uma Sra., a qual seu marido tinha um avô que se chamava Heinrich Feverlin.

*** Na realidade, nada poderia sair mal. Os três abandonaram a escola no

sábado depois do café, e cruzaram o estacionamento. Era um fervedouro de atividade. As portas dos carros se abriam, e os pais saíam com bolsas grandes e

113

pacotes, entregando aos filhos e filhas a jaqueta que lhes prometeram os livros ou a pilha de CDs. O ar brilhava com as famílias, mas hoje Blanka não teve tempo de deixar que isso arruinasse seu estado de ânimo. Seguiu com um olho aberto por Simon Nemec. Não havia ido à biblioteca, e ninguém havia falado com ela todo o dia. Nenhum professor a havia chamado com uma expressão séria ao escritório. Isso era horripilante.

— Para de mexer no cabelo. — lhe sussurrou Caitlin. Blanka se deu conta,

agora, de que estava brincando com uma mecha de cabelo que estava sobre a crosta e o hematoma. Jan caminhava junto a Caitlin, em silêncio, como um cachorro que havia sido surrado. A tensão entre os dois era tão insuportável que o ar ao redor deles parecia carregado de eletricidade. Pelo menos o teste de Caitlin havia ido muito bem. Pela noite havia repassado e adivinhou que havia respondido oito das dez perguntas corretamente. Agora se sentia segura de si mesma, e furiosa com Jan. O dia ia ser qualquer coisa, menos um passeio romântico. Os três em fila cruzaram o estacionamento em silêncio e se dirigiram até a parada de ônibus. Como sempre que saía da escola, Blanka sentia que tirava um grande peso dos ombros. Ao dar a volta na esquina, em direção a porta, ela quase tropeçou com Madame Lalonde.

— Ui! — disse Madame. Usava um traje de cor verde escuro, que ressaltava

a cor de seus olhos, e tinha uma pequena maleta em mãos. Quando viu a Blanka, um sorriso se desenhou em seu rosto.

— Oh! Blanka! Bom dia. — Bom dia. — responderam Blanka juntas. — Alegro-me te encontrar. Vi no programa que mais uma vez, não vai ver os

seus pais? Blanka assentiu com a cabeça, e reprimiu o impulso de alisar o cabelo. — Vamos à piscina. — disse Caitlin. Madame ergueu as sobrancelhas. — É uma pena. Se soubesse antes que

tinha planos... Vou a Bruxelas até quarta, mas pedi ao Dr. Hasenberg que falasse contigo. Há um almoço hoje. Alguns dos outros psicólogos da universidade estarão lá, também. Pensei que você poderia estar interessada em se unir a eles.

Blanka teve a sensação de que a diretora a havia encontrado fora. Sua bolsa

de natação estava em sua mão, como uma mentira tão pesada como chumbo. E o fato de que Madame a deixasse aqui com os Lobos e Simon Nemec a fazia se sentir ainda mais incomodada. Caitlin enganchou seu braço com o dela.

— Obrigada pela oferta. — Blanka disse finalmente. — Mas nem sequer

comecei a ler os livros da lista que o Dr. Hasenberg me deu.

114

Madame Lalonde começou a rir. Blanka se deu conta de que ela se via cansada, e tinha olheiras debaixo dos olhos.

— Você pensa em tudo. Tem razão, já te enchemos de suficiente

conhecimento com isso. Caitlin pode lhe falar sobre isso, não é Caitlin? Caitlin sorriu um pouco amável demais. A porta do táxi se fechou em um

golpe. O motorista se apressou em abrir o porta malas, e Madame pôs suas coisas. Despediu-se de Blanka e entrou no táxi.

— O que vai fazer em Bruxelas? — sussurrou Blanka a Caitlin. — Até onde eu sei, ela vai dar uma palestra sobre o conceito da escola, e

buscar mais patrocinadores. — respondeu Caitlin. Jan olhou para o táxi que se afastava; interessado. — Bom, parece que você está bem com Madame Lalonde. — disse ele. No momento, pensou Blanka sombriamente.

***

Nicholas estava esperando na parada de ônibus, segundo o combinado, com um capacete em cada mão.

— Assim que é ele. — murmurou Caitlin para ela. — Agora entendo! Blanka se incomodou ao dar-se conta de que ruborizava. — Obrigada pelo

álibi. — disse ela com força. — Volte pelas cinco. — Chegaremos tarde. — se queixou Nicholas, passando-lhe o capacete. —

Vamos ver, ai é onde você se machucou? Ela assentiu em silêncio, e deixou que Nicholas se aproximasse, e penteasse

o cabelo de sua testa. — Auch. — disse. — Foi um grande livro. Acha que vai conseguir usar o

capacete? — Claro! — ele a olhou por um momento que pareceu durar para sempre, e

logo sorriu. Pegou o capacete e o pôs cuidadosamente, enquanto Nicholas subia na moto. Levou um tempo para ele mover sua perna machucada e se instalar em seu lugar.

Foi uma sensação estranha, subir na moto atrás de Nicholas. Sem lhe

perguntar, ele pegou as mãos delas e pôs ao redor de si, até que ela o segurou por

115

cima do quadril. A moto sacudiu uma vez, então a força centrífuga a atraiu para trás, e rugiu pela estrada principal, saindo da cidade em direção ao oeste.

A viagem durou mais de uma hora. Foram mais de 60 km pela estrada até a

próxima cidade, e logo a rota continuou através de várias aldeias. Cada uma menor que a anterior. Os caminhos pioraram também, até que finalmente Nicholas e Blanka conduziram por algo só ligeiramente melhor que um caminho de carros. Um cartaz que dizia “Kosrow” estava preso profundamente na terra.

— É o número quatro, de High Street. — disse Nicholas, uma vez que tinha

tirado o capacete e sacudido o cabelo, que estava empapado pelo suor. Olharam ao seu redor e viram uma casa branca.

*** A mulher que lhes abriu a porta não se parecia, em nada, com uma viúva em

duelo. Tinha uma linha profunda de rugas entre os olhos e, o cabelo cacheado tingido de preto azulado. Blanka supôs que teria uns cinquenta anos. Usava lápis labial de cor vermelho escuro, que fazia jogo com sua blusa vermelha e preta. Nicholas sorriu encantadoramente.

— Boa tarde, Sra. Meyer. — disse, estendendo a ela o passe de imprensa. —

Klaus Jehle. Falei com a Sra. pelo telefone. Essa é Martina Huber, que está fazendo as entrevistas comigo.

O rosto da mulher se iluminou de imediato. — Que bom. Venham. — sua voz suave os pegou de surpresa, tendo em vista

seu aspecto severo. Eles seguiram a Sra. Meyer através de um longo e estreito corredor, pintado

de um azul discreto, fotos coloridas olhavam acusadoramente aos intrusos. Havia um cheiro peculiar vindo da sala. Tão rápido como entraram no pequeno cômodo, Blanka se deu conta de onde vinha: nas paredes estavam penduradas dezenas de cabeças de animais dissecados e aves. Ela podia ver cervos, camurça, a cabeça de um javali e vários faisões. Máscaras africanas feitas de madeira haviam sido penduradas entre eles, um estranho contraste com os móveis modernos, tapeçaria em couro e caixas de vidro.

— Querem um pouco de suco de laranja? — perguntou a Sra. Meyer.

Nicholas lhe agradeceu, e assentiu com a cabeça, o que lhes daria tempo para inspecionar o lugar com gosto.

— Oh, encontrou as máscaras. — disse a Sra. Meyer, regressando a sala com

uma bandeja. — Sim, o avô de meu marido, pode-se dizer que viajou muito, era marinheiro e viveu na África durante muito tempo. Meu marido... — fez uma breve pausa, quase imperceptível. — Herdou a propriedade há uns vinte anos. — ela

116

sorriu e pôs a bandeja sobre a mesa de cristal diante do sofá. — Sirvam-se! Estão os dois na universidade?

Blanka negou com a cabeça. — Eu ainda estou na escola, mas quero ser

jornalista. — Ah, em que escola você está? — High School em Lessing Ammring. — respondeu Nicholas por ela. — Não conheço. Meu enteado, do primeiro matrimônio de meu marido, está

acostumado a ir a Escola Internacional de Europa. Não está longe da universidade. Uma excelente escola, você deveria tratar de ir para lá, Martina.

Blanka aclarou a garganta. — Pensarei nisso. Talvez no próximo ano. — Faça. É uma oportunidade única na vida. Meu enteado foi diretamente

dali à Londres, onde estudou administração de empresas. O Sr. Sandor, o diretor nesse momento, realmente fez muito por nós. Como agradecimento, meu esposo deu a Fundação Maddalina de Trenta alguns dos documentos originais da propriedade.

Nicholas e Blanka trocaram um olhar rápido. — O que está cursando exatamente na universidade? — a Sra. Meyer se

virou para Nicholas. — História. — respondeu prontamente. — Nesse momento estou

empenhado na história da cidade no século XVII. Isso significa que estou trabalhando em uma parte de sua história familiar.

— A história da família de meu marido. — a Sra. Meyer o corrigiu

seriamente. — Bom, como te disse pelo telefone, não tenho certeza de se meus papéis serão de alguma ajuda. Poderia ter mais sentido para você solicitá-los direto a Fundação. Mas estarei encantada em lhe mostrar os documentos que consegui encontrar, de todos os modos. Já viu as costas do carrasco e o certificado de carrasco, claro.

— Tenho certeza de que pode nos ajudar. — disse Nicholas, sorrindo para

ela. — Muito obrigado! Sinto se causei algum problema. A Sra. Meyer sorriu. — Estava arrumando, de todos os modos. A casa vai ser vendida logo.

Trouxe tudo o que pude encontrar nesse momento, mas não há muito, só uns poucos documentos e fotos. Meu marido e eu nunca nos preocupamos com os documentos. Bom, olha se pode ser útil. — com essas palavras se levantou e saiu ao corredor. Ouviu-se como se abrisse uma gaveta no cômodo ao lado.

117

— Portanto, uma vez mais não são os documentos originais. — sussurrou Nicholas. A impaciência o fazia soar cortante. As máscaras e os olhos de vidros dos animais pareciam olhá-los enquanto esperavam. Por último, a Sra. Meyer voltou para a sala, trazendo um pacote com restos e papéis em pastas plásticas. Justo em cima de tudo havia um caderno gasto.

— Aqui. — disse pondo o monte sobre a mesa. — Esses estão no sótão há

mais de vinte anos. Meu marido não podia tirar nada. Dê uma olhada, e se precisar de algo ou tiver qualquer pergunta, é só me chamar. Vou estar ao lado, em meu estúdio.

Agradeceram a ela, e esperaram que deixasse a sala. Logo se lançaram sobre

os documentos. O pó fazia que seu nariz coçasse, fedia a ratos e madeira velha. A Sra. Meyer estava certa, não havia muito ali. Havia uns antigos bilhetes de banco, e com eles vários documentos sobre as compras da granja no século XIX. Na caixa haviam fotos numeradas mostrando vários prédios da cidade, ao decorrer do século. Blanka reconheceu a fachada da universidade, a antiga prefeitura, várias ruas da antiga cidade, e finalmente a casa senhorial. Impacientemente abriram caminho até documentos mais recentes. Cópias de passaportes apareceram entre papéis velhos. Finalmente Blanka alcançou a caderneta.

Heinrich Feverlin. Estava escrito na primeira página. — Esse deve ser o avô

da Sra. Meyer. O papel estava tão seco que parecia que se converteria em pó ao primeiro

toque. Cada página estava estritamente escrita a mão, mas pelo menos era legível. Obviamente o Sr. Feverlin havia usado o caderno para as contas da casa, para registrar o que recebia e gastos mensais. Mas de trinta páginas continham só contas. Blanka folheou mais, e deu um começo.

— Nicholas! Tem algo aqui! Chegou tão perto dela que seu cabelo acariciou sua bochecha. — Copiou os registros do carrasco antes que desse ao colégio. Os registros

originais! Johann Georg Feverlin havia sido um homem honesto, e temeroso de Deus

também. Em cada página rezava a Deus tantas vezes que depois de três páginas Heinrich Feverlin havia começado a usar apenas abreviaturas para anotá-las. Talvez sua fé em Deus fosse tudo o que o carrasco podia se aferrar em 1651, depois do juízo de Belverina.

Com dedicação em corpo e alma, havia gravado um interrogatório atrás do

outro, cada detalhe inquietante. Em sua versão Maddalina e suas Monja não eram o tipo de bruxa que tratavam aos trancos e pedradas. Tratavam como algo muito pior.

Nicholas pegou uma máquina digital.

118

— Assim o fez Bernhard Haussman Kohlbauer Swear antes do exorcismo na

noite de 24 de abril, de caminho a seu campo, o qual se encontra só a dois Versts6 do Convento, quando viu ao demônio em forma de um terrível monstro surgindo das muralhas. A besta havia sussurrado e desaparecido com um horrível estrondo.

Bernhard Kohlbauer não era a única testemunha. Na mesma noite vários

fazendeiros da zona disseram que haviam visto o monstro. Ohann Georg Feverlin também mencionou os relatos de outras testemunhas, que juravam que chamas haviam disparado do corpo da besta, seu rosto estava deformado, e estava bebendo sangue das ovelhas. As primeiras “histórias de bruxas” circularam: as pessoas viram luzes no Convento pela noite, e alguns dos meninos órfãos que viviam no Convento tiveram febre. Assim que, as pessoas se dispuseram a buscar o monstro. Não encontraram na verdade a besta dentro ou perto do Convento, mas o Convento foi queimado de todas as formas, só as muralhas e o prédio principal ficaram em pé. Gradualmente houve mais e mais rumores sobre as Monja, até uma multidão se propor a buscar nas ruínas.

Encontraram os cálices com pé de ungüentos que costumavam usar quando

saíam. Leu Blanka. Dos quais mais paus com caras selvagens e grotescas, e uma flauta de osso humano, na que um flautista poderia tocar.

A câmera fazia clique baixo, conforme Nicholas fotografava página depois

de página. — Finalmente, as duas Monja tiveram que enfrentar as acusações de que

haviam sido associadas ao Diabo. Regina Sängerin admitiu em 16 de julho que havia, inclusive, desejado invocar o Monstro com o flautista. Não admitiu quem era o músico, e os empregados masculinos do Convento caíram em suspeitas, e foram interrogados pouco depois.

— Acredito que Hans Huver era um flautista bruxo e tocou a flauta de osso.

— Esse é o jardineiro. — disse Blanka. — Li sobre ele. E aqui menciona

Georg Kastellus, o vaqueiro, também. — com os dedos trêmulos, passou a última página. Arrastamos a Rainha Bruxa ao Moinho, e quando vimos baixo sua camisa, seu corpo nu, tinha a marca do Diabo... A seguinte seção estava equipada com um símbolo que o avô da Sra. Meyer havia copiado cuidadosamente. ... Uma marca do Diabo cortejando, queimando com seu beijo.

— Essa é a marca. — disse Blanka. A marca parecia com a cabeça de um Lobo, sal e cola de plumas se estendia

atrás dela, como o ondular das chamas. — E alguns dos meninos órfãos a tinham também. — acrescentou Nicholas.

— Olha, aqui está a acusação contra eles.

6 Unidade de longitude russa. 1 verst = 3500 pies ou 1,06 km.

119

— A filha dos Millers foi infectada, e aleijada por meninos acusados

permanentemente de bruxos. Dois dos filhos das bruxas foram presos e logo queimados na fogueira. Blanka

e Nicholas leram a última frase contendo o fôlego. Nicholas abaixou a câmera. — Não acredito. — sussurrou. Talvez a escritura do carrasco nos documentos originais tenha sido instável, suas palavras, a qual havia copiado seu descendente claramente, informaram de uma grande comoção e terminava com as frases: A Rainha Bruxa e dois dos outros acusados desapareceram. Meu servente estava vigiando aos prisioneiros, golpeado acordado, são marcas ou feridas.

Nesse ponto os registros se desfizeram como o avô do Sr. Feverlin anotou

com total naturalidade. No inferior da página estava a data em que a cópia havia sido feita: 7 de setembro de 1924.

Blanka e Nicholas se olharam. — Maddalina de Trenta não foi executada. — Nicholas disse o que ambos

estavam pensando. — Ela escapou e o jardineiro, e o vaqueiro estavam com ela. — E por alguma razão se supunha que isso se mantinha em segredo. —

acrescentou Blanka. O som da porta se abrindo a fez pular, e rapidamente deram a volta. A Sra.

Meyer entrou na sala. — Foi a algum lugar? Oh Martina, não se sente bem? Está muito pálida. — Não, eu estou bem. — respondeu Blanka, apressando-se em chegar às

fotos. — Encontramos uma imagem da antiga casa senhorial na Escola

Internacional de Europa. — O avô de meu marido estava muito interessado no prédio.

Aparentemente estava enfeitiçado. — a Sra. Meyer riu. — Nesse momento ele se uniu a um grupo que estava interessado em hipnose e visões fantasmagóricas. Mas aparentemente não se encontrou com suficientes espíritos por ai. — agora ela parecia quase brincalhona. — Outros, salvo talvez a variedade alcoólica, imagino. De todas as formas, depois da guerra a Fundação Maddalina de Trenta comprou o prédio, acho a escola, e também restaurou o cemitério dos antigos órfãos. Se quiser perguntarei ao meu enteado. Provavelmente saiba mais sobre a história do colégio.

Nicholas se inclinou para pegar a fotografia. Como se por casualidade seu

olhar caísse sobre seu relógio. — Oh, Deus, está ficando tarde. — disse. — Sra. Meyer, muito obrigado por

tudo. Acho que temos informações suficientes. Foi uma grande ajuda. — sem mais,

120

pulou e alcançou seu capacete. Blanka sorriu para a Sra. Meyer em tom de desculpa. Parecia grosseiro ir tão de repente. Uns poucos minutos depois estavam sentados na moto, dizendo adeus com a mão a Sra. Meyer.

— Envia-me uma cópia do artigo! — gritou atrás deles. O sol da tarde caía baixo no céu. Nicholas acelerava e Blanka tratou de não

pensar o que passaria se fizessem mal uma curva. Não muito longe da estrada o rio serpenteava. Quando ainda estavam há poucos quilômetros da cidade, Nicholas reduziu a velocidade e parou em um estacionamento para carros.

Silenciosamente desceu e se aproximou da margem do rio. Ali se sentaram

no chão, um ao lado do outro, e olhavam a água. — Ok. — disse Nicholas depois de um momento. — Temos a Maddalina, o

flautista Hans Haber e Kastellus, o vaqueiro, que se supunha que iam ser queimados na fogueira.

— E vários órfãos. — acrescentou Blanka. — E não esqueça os monstros. — continuou Nicholas, com sua linha de

pensamento. — Vamos ver; os Lobos têm: uma monja, um gaiteiro, uma bruxa, uma menina e o Lobo.

Blanka assentiu com a cabeça. — E Joaquim joga ao monstro. — Os Lobos conhecem a verdadeira história? — Claro. — sussurrou Blanka. — A crônica original sobre o juízo da bruxa

não foi queimada. Alguém escreveu uma nova versão, é por isso que o juízo parece tão superficial e peculiar, para que ninguém pudesse comprovar se era autêntico, então queimaram a crônica supostamente original com exceção de alguns inofensivos fragmentos, dos quais é impossível averiguar toda a história. O resto são apenas cópias. Aposto que a Fundação está por trás disso.

— Falsificar a história. — concluiu Nicholas. — Agora temos que encontrar

quem estava a cargo dos arquivos municipais da Fundação antes do incêndio. — Não só antes do incêndio. — respondeu Blanka. — Os Lobos existem

desde a época de Maddalina, é que ninguém sabia deles até a fundação oficial da sociedade. Eles estavam ali o tempo todo, e sua implicação sempre foi para as coisas que eram ilegais, ou estavam muito adiante de seu tempo. — aclarou a garganta e citou: — A filha do moleiro foi infectada pelos meninos das bruxas. Isso poderia ser através da hipnose ou sugestão, talvez com a ajuda de drogas. Experimentos que deviam ser considerados como obra do diabo. Mas as Monja estavam interessadas nesse tipo de coisa e, obviamente, sabiam o que estavam fazendo. E nas notas de Feverlin diz também que os que no tempo de Maddalina

121

eram cálices e ferramentas foram encontrados. Talvez fossem ferramentas para fazer ouro. A alquimia era uma ciência proibida na Idade Média. Poderiam ter sido acusados de bruxaria os que participavam dela.

— Entendo. — murmurou Nicholas. Blanka observava dois patos perseguindo um ao outro na água. Ela se sentiu

mal ao pensar de volta na guarida dos Lobos de hoje. — Blanka, que há de errado? — a voz de Nicholas interrompeu seus

pensamentos. Só então se deu conta de que tinha as mãos apertadas em punhos, e que lágrimas corriam por seu rosto. — Que há de errado? — Nicholas repetiu em voz baixa, mas só podia negar com a cabeça. Ele fez a única coisa possível, dada as circunstâncias, e pôs seu braço ao redor do ombro dela. Durante um momento ficaram olhando a água, até que Blanka chegou a uma decisão.

— Nicholas. — disse. — Tenho que te contar algo. Ela começou pelo princípio: pela conversa com seus pais em seu décimo

sexto aniversário, que havia conduzido a uma fuga no meio da noite, até que ela havia se dado conta na parada de ônibus de que não tinha dinheiro, nem ideia de para onde ir. Logo falou de Alex, que havia terminado com ela porque não entendia o que havia mudado tanto. Ela lhe disse da beca que havia sido anunciado em sua escola, sobre o exame e sua transferência a Escola Internacional de Europa.

Finalmente chegou a seus pesadelos, nos que Annette Durlain a advertia, e

suas suspeitas sobre Nemec. Por último lhe falou de seu último encontro com Joaquim e Tanya.

— Por que não me disse antes? — perguntou Nicholas. — Gostaria de ter

esses dois tipos e o chicote por uma polegada de suas vidas. Eles não tentaram nada disso comigo até agora. — aproximou-a mais dele. — E agora você se sente culpada por não defender a si mesma, certo? Pelo amor de Deus, Blanka!

— Seus pais estão preocupados. — disse em voz baixa, depois de um

momento. — Mesmo que tenham adotado você, ainda são seus pais. Ou não te parece assim?

— Sim. Mas desde que os conheço, parecem tão alheios a mim. Como

podiam pretender todos esses anos... Sinto-me como se houvessem mentido para mim durante toda minha vida. E não me diriam nunca se eu não houvesse descoberto acidentalmente. Nem sequer sei quem foram meus verdadeiros pais.

— Sei o que os meus eram. — disse Nicholas. — Mas não é uma ajuda, já que

estão mortos. Pelo menos você não está sozinha. — vacilou antes de continuar. — Minha mãe morreu quando eu tinha cinco anos. Estava muito jovem, apenas vinte e seis. E meu pai... Faz só alguns meses.

— Eu sinto muito. — sussurrou Blanka.

122

Nicholas fez um gesto desdenhoso e olhou o rio. — Eu deveria ter te dito há

muito tempo. Sinto não ter dito toda a verdade. — aclarou a garganta. — Eu... Eu não quero compaixão.

Blanka conteve as perguntas que estavam em sua língua e manteve o

silêncio.

***

— Diabos, onde você estava? — Caitlin a repreendeu. — Achei que estava presa em algum lugar!

— Sinto muito. — Blanka deslizou rapidamente para o quarto, e jogou a

bolsa de natação sem usar na cama. — Fomos a uma cafeteria na cidade depois de ver algo.

— Teu celular estava desligado. Blanka se deu conta dele em sua jaqueta. — A bateria está descarregada. —

disse contrita. — Não o ouvi tocar. — Encontrou algo? Blanka assentiu com a cabeça, aproximou-se de sua amiga e a segurou pelos

ombros. — Caitlin, pode chamar Jenna? A garota que queria estar com Tobias? — Jenna? — questionou Caitlin. — O que ela tem a ver com isso? — Tenho que averiguar se Tobias tem uma tatuagem no quadril. Jenna tem

que saber, a menos que ela não tenha feito nada com ele durante todo o ano, além de pegar flores.

— Quer que eu a chame agora? — Por favor, Caitlin. Como mais posso averiguar? Devo fazer um buraco nas

paredes da ducha? Ou derramar café sobre a calça de Tobias e esperar que fique nu na minha frente?

— Não. — disse Caitlin secamente. — Eu realmente não poderia ser

responsável por isso. — logo cruzou os braços e deu um sorriso de lado. — Hmm, portanto os Lobos têm uma tatuagem, certo. De verdade achava que eu era uma deles?

123

Sacudindo a cabeça foi até seu quarto, pegou seu celular e olhou o número de Jenna.

— Jenna? Oi, sou eu, Caitlin, escuta... Um momento depois, Blanka pegou o celular. A voz de Jenna soava muito

distante, e um pouco separada do corpo. Rapidamente explicou a Blanka o que ela queria saber. Jenna vacilou.

— Quer algo com Tobias? — perguntou bruscamente. — Eu sugiro que você

fique longe dele. — Eu só quero saber se tem uma tatuagem. Jenna vacilou de novo. Blanka mordeu o lábio com impaciência. — Sim, tem. — respondeu Jenna em uma voz cansada. — Era uma espécie

de prova de coragem para ser aceito no grupo... — Uma prova de coragem? Outra pausa. — Sim. Eles tatuam a marca em si. Com uma antiga agulha. Ele me mostrou

uma vez. Muito mal, não? E justo onde mais dói. — Entre o osso do quadril e o umbigo, um pouco mais perto do quadril. — Sim, como sabe? — Como é a marca? — É um perfil de uma cabeça de Lobo, com pêlos longos e um pouco dessa

língua horripilante. Por que você quer...?

— Obrigada Jenna. — disse Blanka rapidamente, devolvendo o celular a

Caitlin.

124

Capitulo 13

Ele

Ele tinha achado a Presença, não existia mais nenhuma duvida; estava

aqui. A estranha e ainda tão familiar Presença, que continuava escorregando pra

longe dele e que Ele se sentia compelido a perseguir depois. Os pensamentos dele

eram calmos, e Ele passava garras sobre suas crostas de sangue. Por muitas horas

Ele tinha estado flutuando entre imagens e pedra, rastejando em círculos,

constantemente agitado pelas cores que podia sentir e cheirar como ondas de

tormento. Mas agora tudo estava parado, exceto pelo estranho cheiro próximo.

Eles estavam respirando no tempo um do outro! Ele apreciou a sensação da

respiração fluindo, sentiu o estranho calor, e podia ouvir o confortante som de

sangue pulsando.

***

Blanka levou um longo tempo para realizar que não estava mais sonhando.

O quarto estava escuro. Ela não tinha fechado totalmente as cortinas, assim o cinza

pálido da luz do estacionamento brilhou pelas frestas. A jaqueta azul dela,

pendurada na porta, parecia um intruso de pé em uma postura ameaçadora. Ela

tinha sonhado com um hipnotizador, lembrou-se, fechando os olhos novamente. E

sobre máscaras. Ao lado dela alguma coisa estava respirando.

***

Respirando profundamente, Ele absorveu o cheiro do longo pêlo preto. Os

olhos dele pegavam cada sombra. Nenhuma luz deslumbrava a Ele e nenhuma cor

lhe causava dor; tinha apenas um objeto angular onde algo estava deitado, algo que

cheirava seco e um pouco afiado. Quando Ele olhou mais de perto, reconheceu o

que os outros chamam de Payper. Era maldoso, cortava. Perto da entrada da

caverna pendia um ser mole com dois braços vazios. Era azul, azul claro.

125

***

Blanka abriu os olhos novamente e encarou a escuridão. Estranhamente, ela

lembrou nesse momento do cachorro na fazenda do avô. Ele era um cão muito

velho e lamentavelmente cheirava a pêlo mofado e um pouco úmido. Quando ela

piscou, as imagens da primeira parte do sonho passaram por ela de novo. O que ela

viu a aterrorizou; crianças sujas que tinham horror queimado em seus olhos. Olhou

ao redor e se descobriu em um calabouço. Tinha que ser um calabouço, enquanto

ela estava sentada entre as crianças. Podia ver traços de sangue nas paredes onde

os dedos deles tinham arranhado.

E então estava lá novamente, a máscara dos lobos. — Joaquim! — ela

murmurou, mexendo-se em sua cama.

A imagem se moveu com ela. Ela piscou para se livrar disso, mas ficou

perante seus olhos como um pesadelo que não deixaria sua vitima em paz. O Lobo

levantou a mão e removeu a máscara. Ela se preparou para o sorriso de desprezo

de Joaquim.

Mas era Nicholas. Ele olhou-a seriamente. — Pelo menos você não está

sozinha. — ele disse; indo para sua garganta.

Ela o deixou tocá-la e ele não traiu sua confiança. Ele delicadamente

acariciou sua pele.

Blanka sentiu sua mão e recuou, duras crostas de sangue raspavam em sua

palma. Ela estendeu a mão para o rosto de Nicholas e sentiu o cabelo emaranhado.

Endireitou-se com um salto, olhos arregalados. Alguma coisa estava

respirando ao lado dela na cama. Caitlin? Foi seu primeiro pensamento, mas então

notou o cheiro. Uma escura, manchada abertura estava onde a boca deveria ter

estado. Moveu-se, ficando maior e maior, grande demais para um sorriso humano.

Apesar da escuridão, ela podia ver seus dentes.

***

Ela não sabia por que sua garganta doía e porque a luz estava brilhando em

seus olhos. Foi só quando ficou sem ar que parou de gritar. Podia sentir sua jaqueta

pressionada contra suas costas e realizou que estava em pé com as costas contra a

porta, encarando uma cama vazia. Onde a coisa tinha estado não tinha mais nada

126

lá, apenas um amontoado de travesseiros que na escuridão parecia um corpo

deitado.

A cadeira bloqueando a porta ainda estava no mesmo lugar que ela tinha

colocado na noite anterior. O rosto preocupado de Caitlin apareceu. Com um olhar

ela compreendeu a situação.

— Você estava sonhando. — ela disse. — Foi só um sonho.

A luz acendeu no corredor e passos começaram a soar. Houve uma batida na

porta de Caitlin. Gradualmente rostos sonolentos dos estudantes dos quartos

próximos apareceram na porta. Eles mal ouviram o que Caitlin dizia a eles. Em vez

disso, eles estavam olhando Blanka como se ela fosse maluca.

127

Capítulo 14

Segredos

Blanka acordou com um crocodilo de pelúcia em seus braços. Ela levou

um tempo pra perceber que estava deitada na cama da Caitlin. Sua amiga tinha os

olhos inchados. Presumivelmente ela, como Blanka, tinha ficado acordada no

escuro, escutando.

— Como você se sente?

— Melhor. — murmurou Blanka. Qualquer coisa era melhor do que deitar

ao lado da coisa cheia de dentes respirando.

Depois de Caitlin ter ido tomar banho, Blanka levantou também.

Nervosamente, ela foi para porta de ligação. Teve que se forçar a abri-la. A cama

estava exatamente como ela tinha deixado na noite passada. Estava certa de que

não tinha sido um caso de pesadelos, ou um sonho. A estranha presença tinha sido

real. Ela devia chamar a Sra. Meyer, ela seria capaz de descobrir mais sobre os

fantasmas que assombram a antiga casa senhorial.

Silenciosamente, Blanka achou suas roupas e tentou afastar os restos do dia

anterior.

Antes de sair, pegou as copias e documentos e colocou no fundo de uma das

gavetas da mesa de Caitlin. Levou a chave com ela. Haveria tempo pra explicações

essa tarde.

***

Não tinha sinal de nenhum dos Lobos. Por dias agora eles parecem ter sido

sugados pela terra. Jan acenou para ela a distancia, enquanto eles passavam um

pelo outro no corredor em seu caminho para diferentes classes. Blanka não foi

para a sala de Física para fazer a ligação, em vez disso encontrou um canto vazio na

escada e pegou seu celular. Discou errado por duas vezes antes de conseguir.

128

— Meyer. — uma quieta, estranha voz finalmente respondeu. Blanka estava

tão confusa que ela quase deu seu verdadeiro nome. Deteve-se bem a tempo.

— Bom dia. Aqui é Martina Huber, da revista da Universidade. — ela

começou. — Eu gostaria de falar com a Sra. Meyer. Nós estivemos ai ontem. É sobre

o artigo...

Na pausa que se seguiu, Blanka ouviu a mulher do outro lado da linha tomar

uma respiração profunda e clarear a garganta. — Sra. Meyer... Não está disponível.

— ela disse numa voz pior.

— Eu devo tentar de novo depois?

A mulher hesitou novamente. — Não... Você... A Sra. Meyer... Morreu ontem

de repente, de insuficiência cardíaca. A polícia esteve aqui e o médico esta só

preenchendo o relatório da morte. Eu sou vizinha dela. Se suas notas ainda estão

aqui, você pode pega-las na minha...

Blanka desligou o telefone e apertou-o contra seu peito. Sra. Meyer, esbelta

e vigorosa, mal tinha 50 anos, morreu de insuficiência cardíaca. Esse pensamento

era tão estranho quanto o próximo era aterrorizante: quem tinha sabido sobre a

visita deles a ela? Só ela, Nicholas, Jan e Caitlin. Poderia Jan ter sido comprado

pelos Lobos?

Como se seus pensamentos tivessem ecoado por todo o prédio como uma

sirene de aviso, ela viu um grupo de estudantes virando o canto do corredor.

Tanya! Ela estava falando com outra garota, mas podia virar a cabeça a qualquer

minuto e ver Blanka.

Blanka deslizou em direção a parede. Uma maçaneta cravou em seus

quadris. Ela procurou com as mãos e fugiu para dentro da sala. O cheiro forte de

chão limpo invadiu seu nariz. Segurando a respiração, esperou até as vozes dos

estudantes sumirem na distancia. Só então ousou acender a luz. Era uma sala de

armazenagem com um carrinho de limpeza. Um sino claro anunciou o começo das

aulas. Blanka pegou seu celular com dedos úmidos.

— Caitlin... Centro de Empréstimos... Nicholas... — ela passou pela pequena

lista de números de telefone. Depois de uma pequena hesitação, pressionou o

botão. Estava tremendamente aliviada quando alguém atendeu.

— Alô, Mamãe? — ela sussurrou. No outro lado, a secretaria eletrônica

ligou. Blanka lutou contra as lágrimas enquanto ouvia a voz da mãe. Como sempre,

soava gentil e bastante monótona. Ela se sentiu bem em ouvi-la, embora a saudade

129

de repente enchesse Blanka e ela se sentiu ainda mais solitária. Desligou sem

deixar uma mensagem e ligou pro Nicholas. “O assinante que você esta chamando

não esta disponível no momento”, disse uma metálica voz feminina.

Blanka não deliberou por muito tempo. Apressou-se para o corredor e correu.

***

O ônibus até a cidade pareceu demorar uma vida. Por todo o caminho,

Blanka sentiu que estava sendo vigiada. Várias vezes ela se virou, mas havia apenas

um velho homem tão absorto em seu jornal que tinha provavelmente perdido sua

parada. Finalmente a porta abriu com um chiado.

No tempo que ela chegou à residência em Pelargus Alley, Blanka estava

engasgando para respirar. Tentou ligar para o celular do Nicholas mais uma vez,

soltando as rédeas de seus piores medos: Nicholas sequestrado ou assassinado. Ela

não conseguia achar o nome dele na entrada da residência, mas então percebeu

que era apenas para o correio. Os pais de Nicholas estavam mortos.

Presumivelmente ele não tem ninguém para escrever para ele. Ela lembrava que

ele vivia no terceiro andar, então correu escada acima. Musica cresceu em um

corredor estreito. Blanka foi de porta em porta. Nem toda porta tinha um nome

nela: alguns estudantes tinham feito sua marca com pôster e desenhos. No final do

corredor, alcançou uma pequena cozinha, onde um estudante usando calções e

uma camiseta amarrotada estava espalhando geléia em um pedaço de pão.

— Oi! — chamou Blanka. — Eu estou procurando por Nicholas Varkonil!

O estudante se virou devagar e olhou em sua direção. Depois de alguns

segundos ele pareceu registrar a pergunta.

— Nicholas? Não conheço. Mas se você quer dizer Niko, ele mora no andar

de cima, número 319.

Niko não era Nicholas e não conhecia ninguém com esse nome. Ninguém

conhecia Nicholas. Ele não existe, sua descrição nem mesmo chega perto de

nenhum dos estudantes morando na residência. Depois de meia hora Blanka

estava de volta a cozinha, pálida e tremendo.

— Hey, senta por um segundo. — disse o estudante. Um pouco de geléia

estava preso no canto da boca dele. Blanka sentou-se sobre a cadeira oferecida e

130

acenou, como se estivesse aturdida, quando ele perguntou se ela gostaria de um

café.

— Ele é seu namorado? — o estudante perguntou educadamente. — Parece

que ele realmente levou você para um passeio.

A simpatia na voz dele assustou-a. Percebeu que ele estava certo. Nicholas

tinha mentido para ela. Mas por quê? Febrilmente percorreu todas as

possibilidades. Ele tinha se mudado e não tinha contado a ela. Ele tinha dado a ela

um nome falso... O nome!

— Klaus Jehle. — ela disse. — Ele escreve para Attempto. Ele vive aqui, pelo

menos?

O estudante levantou as sobrancelhas e umedeceu os lábios. — No outro

final do corredor, tem um apanhador de sonhos na porta dele.

Blanka abandonou seu café e se apressou para fora da cozinha. Ela bateu

energicamente na porta. Para seu alivio ouviu movimento do outro lado da porta.

Molas rangeram; algo tiniu, e então a porta abriu. Um jovem homem com longos

cabelos negros estava olhando pra ela.

Blanka hesitou. — Olá. — ela finalmente conseguiu dizer. — Você... Você é

Klaus Jehle?

Ele cruzou os braços e olhou para ela, sério. — Sou eu. — ele disse

laconicamente. — O que quer?

— Eu estou procurando por Nicholas. Nicholas Varkonyi. — sua coragem

falhou quando ela o viu enrugar a testa. — É sobre o cartão de imprensa da

Attempto. - ela adicionou.

Finalmente sua expressão se iluminou. — Esse Nicholas, achou?

— Você perdeu?

— É. Um mês atrás. Ou alguém o roubou. — ele olhou para ela desconfiado.

— Me conte mais. — ele comandou. — O que você que de mim?

— Nada. Desculpe, eu cometi um erro. — ela se virou e correu pra fora.

— Hey, espera! — ela ouviu Klaus Jehle gritar atrás dela, mas não se virou.

131

Parada na frente da residência, o sol cegou-a, Blanka esfregou as mãos

úmidas e olhou em volta, Pelargus Alley com suas pequenas casas de madeira e as

pedras do calçamento histórico parecia uma imagem congelada no tempo, atrás de

uma fachada na qual um abismo se abria. O rosto da mulher morta apareceu nele, e

agora as características da Sra. Meyer também. Blanka teve que encostar-se à

parede para não perder o equilibrio. Ela queria gritar. Maldição, como ela pôde

deixar alguém enganá-la tão facilmente!

A manifestação noite passada tinha sido um aviso contra Nicholas? Agora

até o sonho com a máscara estava começando a ter sentido.

Ela estava em perigo; essa era a única coisa que ela tinha certeza. Nicholas

estava usando uma máscara, mas o que estava por trás dela? Desesperadamente

revirou seus bolsos a procura de dinheiro e achou algumas notas. Muito pouco

para simplesmente ir até a estação e comprar uma passagem para casa. Depois de

amanhã Madame iria retornar de Bruxelas. Era hora de colocar as cartas na mesa.

De repente não importava para ela se poderia ficar na escola ou não. Só queria uma

coisa: estar segura, correr para longe e se esconder, esquecer o desapontamento e

o medo. Naquela hora o celular tocou. Nicholas.

Fúria encheu Blanka. Seus dedos doeram, ela pressionou o botão Falar

muito forte.

— Me deixe em paz. — ela disparou. Algumas pessoas passando viraram

para olhá-la.

— O que está errado?

— Eu acabei de sair da sua casa. Pense sobre isso. — com satisfação ouviu-o

lutando para respirar.

— Ouça... Eu posso explicar.

— Nunca mais me ligue de novo!

— Blanka, espere... Por favor! Eu descobri mais alguma coisa. Nós temos

que ir...

O display ficou preto. Blanka tinha desligado seu celular.

***

132

Finalmente o ônibus virou a esquina. Blanka, que havia encontrado um local

tranquilo em um banco de jardim à sombra de uma casa, levantou-se e limpou as

lagrimas do rosto. Evitou olhar para La Bête, onde Nicholas e ela tinham

conversado pela primeira vez.

Freadas, o ônibus parou e deu um assobio. No momento seguinte Blanka

ouviu um arquejo atrás dela. Alguém colocou a mão em seu ombro. Blanka virou e

socou. Nicholas tropeçou para trás, as mãos dele pressionadas no rosto. Sangue

escorrendo entre seus dedos.

Atrás de Blanka o ônibus saiu. Por um instante ela se viu girando sobre os

calcanhares e correndo até ele. Ele parou, ela entrou, e saiu. Da janela de trás podia

ver Nicholas ficando cada vez menor, finalmente desaparecendo. Mas o momento

passou, e ela ainda estava parada no mesmo lugar.

— Ai merda. — gemeu Nicholas. — Você tem um lenço?

Blanka balançou a cabeça. Estranhamente, a raiva tinha sumido. O que

sobrou foi só o medo. Nicholas amaldiçoou de novo e levantou a camisa para parar

o sangramento do nariz.

— Não, bota a cabeça para trás. — disse Blanka.

Ele a encarou. — Muito obrigado. — murmurou embaixo do canto de sua

camisa. — Merda, se eu soubesse que você ia me acertar tão forte...

— Então você ia fazer o que? — ela respondeu asperamente. — Você iria me

jogar na frente do ônibus? — ele levantou os olhos, espantado. — É isso que você

fez com a Annette? — ela chorou. — Empurrou-a?

— Hey, você é louca? — ele rugiu.

Ela se puxou para longe dele e fechou a mão em um punho. — Eu não sei

que tipo de jogo você está jogando ou quem você é. — ela continuou mais

calmamente. — Mas você não é Nicholas e você não vive na residência. E aposto

que nenhum professor colocou os olhos em você em uma universidade, tampouco.

Ele suspirou e de repente pareceu desapontado. — Você está certa. — ele

admitiu. — Exceto pela primeira parte. Eu realmente sou Nicholas.

Ele enfiou a mão no bolso de sua jaqueta de motoqueiro e tirou sua carteira.

A carteira de motorista parecia genuína. Nicholas Varkonyi estava escrito. Sua

cidade natal era dada como Kecskenét, Hungria. E era verdade também que

133

Nicholas tinha feito dezoito só há alguns meses atrás. — Por favor, me deixe

explicar. — ele apelou. — Eu venho querendo te contar isso por um longo tempo. E

tem mais uma coisa. Liguei para a casa da Sra. Meyer hoje. Ela está... Morta!

Blanka, ainda suspeitando, deu mais um passo para trás. — Eu sei.

Confuso, ele franziu a testa, em seguida, olhou em volta como se estivesse

com medo de que alguém o tivesse seguido. — Me de cinco minutos em La Bête. —

ele implorou. — É campo neutro.

— Você mentiu para mim! Toda a história sobre os Lobos fazendo da sua

vida um inferno era mentira. Você comprou minha confiança com mentiras!

Ela se odiou por soar tão patética.

Envergonhado, ele abaixou a cabeça. — É; isso é verdade. — ele disse quase

inaudível. — Você parecia tão... Difícil para mim, Blanka. No começo não gostava

muito de você. Era tão fria. Como se o mundo não fosse bom o suficiente para você.

Eu estava só tentando achar uma maneira de me aproximar de você.

— Bem, isso funcionou muito bem.

— Eu sei. Desculpe-me. Não queria te envolver mais do que eu precisasse -

cinco minutos, Blanka. Por favor!

***

Nicholas apertou o pano molhado que a garçonete tinha lhe dado em volta

de seu pescoço. Seu nariz vermelho brilhava no rosto de giz branco.

Blanka recostou e cruzou os braços. — Um minuto já passou. — ela disse.

— Ok, Ok. — ele disparou. — Não dá para deixar a arrogância uma vez? —

ele se recompôs e continuou. — Eu não sou um estudante de medicina. Só disse

isso para você falar comigo. Eu tinha o pressentimento de que você seria capaz de

me contar mais sobre a escola do que Jan. Ele disse que os Lobos não te deixavam

em paz então eu pensei... — ele deu de ombros.

— Então, você é um jornalista, depois de tudo. — disse Blanka.

134

Ele sacudiu a cabeça. — Eu só terminei a escola ano passado. Então meu pai

ficou doente. Eu cuidei dele. Nós não temos família restando, só um distante primo

dele na Hungria. Nós vivemos lá por um tempo.

Ele clareou a garganta e procurou pelas palavras certas por um longo

tempo. Blanka esperou enquanto ele descartou o pano, rodou distraidamente ao

redor o seu maço de cigarro, tirou um cigarro, e acendeu.

— Meu pai teve um derrame. — ele disse roucamente, soprando a fumaça.

— Ele não conseguiu resistir. Morreu um dia depois do meu aniversario de dezoito

anos. — de novo clareou a garganta e piscou algumas vezes. — Bem... Eu tinha que

limpar a casa. E achei cartas da minha mãe. Eu tinha cinco anos quando ela morreu.

Mas ainda posso me lembrar do seu sorriso. Ela era uma contadora de historias,

até meus três anos eu acreditava que ela realmente era a Rainha das Nuvens e

tinha caído na oficina do meu pai quando o cavalo a jogou, e no ano seguinte eu

estava convencido de que meu pai era um viajante e ela uma princesa da Pérsia.

Ela descreveu para mim em muitos detalhes como meu pai a tinha carregado para

fora do palácio do mau Sultão. Todas essas histórias são quase mais reais para mim

do que minha verdadeira infância. — ele deu uma tragada no cigarro e em seguida

o apagou. — Ela me fez acreditar que nós tínhamos que nos esconder do Sultão.

Aquela era a única razão para nós vivermos na Hungria, e meu pai ter um bigode,

assim ele não seria reconhecido. Desde que sou capaz de me lembrar, tenho

sentido como se estivesse sendo seguido, e venho tentando manter um baixo perfil.

Loucura, huh? Ela tinha milhares de histórias como aquela, e mais, eu não sei quem

ela realmente era.

Blanka ainda não estava certa se podia confiar nele. — E as cartas? — ela

perguntou.

Nicholas pareceu acordar de um sonho de olhos abertos. — As cartas, sim.

Ela tinha conhecido meu pai enquanto ele estava vivendo em Budapeste e ela

estava lá paras as férias. Por um tempo eles escreveram um para o outro, e então

ela veio se juntar a ele na Hungria.

— Eles se casaram?

— Ela não queria, embora ele constantemente pedisse. Ela... Ela tinha sido

casada antes, com um homem que tinha conhecido enquanto ainda estava na

escola. O casamento era bem infeliz. Descobri isso por causa de uma das cartas.

Nicholas parecia como se estivesse de repente ficado com febre.

135

Seus olhos estavam brilhando. Depois de uma pausa continuou. — Pouco

tempo depois do casamento ela quase morreu. — ele disse calmamente. — Por

que... Por que seu antigo marido tinha batido nela. Quando ela o deixou, ele

ameaçou segui-la e matá-la, não importando onde ela estivesse. Ela escreveu tudo

isso para meu pai, e eu não entendia até umas semanas atrás porque ela estava

sempre tão triste e inquieta. Acho que ela realmente passou o resto da vida se

escondendo deste homem. Talvez não bem o bastante.

— Nicholas... Isso é terrível.

Ele concordou com a cabeça e tirou outro cigarro do maço. — Ela estava

sempre com medo de que alguma coisa fosse acontecer comigo. Depois de ler suas

cartas descobri o endereço de retorno e fui lá. Eu só queria saber de onde ela tinha

vindo e talvez falar com pessoas que a conheceram. Bem, achei o endereço, mas um

casal tinha vivido na casa por trinta anos. Eles nunca tinham ouvido falar da minha

mãe. Continuei procurando, mas não achei. Foi como se ela nunca tivesse existido.

— ele suspirou. — E então tive uma ultima idéia. — ele disse. — No meio das

cartas dela tinha uma foto. Sentei no computador e procurei por prédios que

pareciam com o que estava no fundo da foto. E eu achei. Então vendi tudo que tinha

herdado e vim para cá.

— É por isso que você tem tanto dinheiro.

— Você ficaria surpresa com o que é possível se você entregar uma nota de

dez euros. O assistente de patologia encontra arquivos ocultos, Jan constrói

ferramentas e age como espião, e até mesmo a moça da limpeza na delegacia sabe

para onde olhar. Mas nada ajudou. Eu ainda não sei quem ela realmente era. Ela

não está em nenhum registro. Mas eu cruzei com outro nome.

— O estudante.

Nicholas confirmou. — Ele se afogou exatamente na mesma época que

minha mãe estava aqui.

— Me mostre a foto. — implorou Blanka.

Ele hesitou por um longo momento. Parecia achar muito difícil deixar

Blanka dar uma olhada dentro de sua vida. Ele pegou sua pasta novamente.

Cuidadosamente abriu um compartimento no lado e tirou uma pequena foto. As

cores tinham desbotado. Blanka pensava que tinha sentido um estalo entre seus

dedos quando a pegou. Ela olhou para a foto e entendeu. As paredes da mansão

não tinham sido restauradas e pintadas em cor clara como hoje, mas ela teria

reconhecido isso entre milhares de edifícios. Mas muito mais interessante era a

136

garota parada na frente da casa. Ela estava usando um uniforme como os que

Blanka tinha visto em velhas fotos no museu. Cabelo loiro claro caia em seus

ombros. Ela parecia séria e um pouco triste, seu sorriso só para o fotógrafo. No

entanto você podia ver que ela tinha uma covinha na face. Em seus braços

carregava uma mochila de couro clara, com duas iniciais gravadas a fogo no couro.

— Como sua mãe morreu? — sussurrou Blanka.

— Ela foi a Estocolmo para visitar um amigo. Afogou-se em um acidente de

barco.

— O corpo dela foi encontrado?

Ele olhou-a com espanto, ficando ainda mais pálido. — Não. — ele disse. —

Depois de dez anos ela foi declarada morta.

— Qual era o nome dela?

— Klara.

— Klara Varkonyi?

— Klara Schmied. Ela insistiu que eu tivesse o sobrenome do meu pai.

Blanka o que foi.

Ela colocou a cadeira mais perto e colocou um braço ao redor do Nicholas.

— Ouça. — ela sussurrou. — Eu realmente espero que esteja errada, mas eu já vi

essa mochila antes.

— Onde?

— Estava no chão do escritório da Madame Lalonde. Um dia depois... Que a

mulher morta foi encontrada.

Seus olhos estavam tão arregalados que cada uma de suas íris parecia uma

perfeita bola cinzenta de mármore. — Isso significa que a Madame tem a mesma

bolsa?

— Isso significa que ela pode muito bem ter sido uma única e mesma bolsa.

— Blanka corrigiu. Ela odiou a si mesma por ter que dizer a ele a verdade. —

Também significa que elas podem também ter sido a mesma pessoa... Sua mãe e

Annette Durlain. — ela apontou para a foto pousada na mesa em frente a eles. —

Eu não posso dizer se é o mesmo rosto. Mas a mulher morta tinha olhos azuis, e

137

uma covinha. Ela tinha cabelo cinza-escuro, mas cabelo pode ser tingido. Ela não

queria ser reconhecida quando entrou na escola como turista.

Nicholas não parecia tê-la ouvido corretamente. Pedaços de tabaco caíram

na foto e Blanka notou que ele estava esmagando o cigarro em sua mão. — Isso é

impossível. — ele disse. — A mulher morta tinha 54 anos. Minha mãe só faria 40

hoje.

— Passaporte forjado, falsa data de nascimento. E claro ela se fez parecer

mais velha, um bom disfarce.

— Não. — ele sussurrou. — Não. É impossível. Eu... O relatório da autópsia...

— então ele empurrou a mão de Blanka para longe e saiu do café.

Blanka tirou algum dinheiro do bolso de sua jaqueta, colocou na mesa, e

correu atrás de Nicholas. Para seu alivio ele não tinha corrido para longe. Ele

estava em pé a alguns metros de distância no beco, encostado contra a parede da

casa, respirando pesadamente. Alguns passos à frente e ela estava ao lado dele,

agarrando seus ombros.

— Vamos andar um pouco. — ela disse. — Me mostre onde você vive!

***

O lugar que Nicholas estava realmente vivendo era de longe menos

confortável do que a residência dos estudantes. Era à beira da parte antiga da

cidade, em um grande, pouco atraente bloco de apartamentos. Nicholas tropeçou

através de uma estreita porta traseira e arrastou-se até uma escadaria

interminável. O quarto era nada mais que um pequeno sótão com uma janela torta.

Havia duas malas no chão e um fogão estava empoleirado em uma caixa de papelão

de cabeça para baixo no canto. O sol havia transformado o pequeno espaço em uma

fornalha. Blanka imediatamente foi até a janela e com algum esforço abriu-a.

Nicholas afundou-se sobre o colchão sob o teto inclinado e enterrou a cabeça nos

braços.

— É impossível. — ele disse finalmente. — Isso significaria... Que minha

mãe ainda estava viva quando eu vim para a cidade. Nós podemos ter passado ao

lado um do outro no mercado...

— Nicholas, talvez eu esteja errada. — Blanka disse suavemente.

138

— A mulher na foto parece a mulher que você viu?

Blanka desistiu de tentar ser tranquilizadora. — Eu só a vi por um momento

muito breve, eu não posso dizer ao certo. Mas estou quase certa de que era ela.

Sinto muito mesmo!

— Por que ela nunca nem sequer me deixou saber que estava viva? Mesmo

depois da morte do meu pai...

— Ela deve ter querido te proteger. Não se esqueça da tatuagem, ela era um

dos Lobos. Ela ate mesmo forjou a própria morte para não poder ser encontrada.

Ela não queria se casar e insistiu que você tivesse o nome do seu pai. Ela mesma

usou o nome Schmied, um nome que é bastante comum. Em outras palavras, fez

tudo o que podia para tentar cobrir todos os seus traços e qualquer conexão entre

vocês dois.

— Ela podia ter removido a tatuagem.

— Bem provável que ela tenha tentado isso. Jenna me disse que os Lobos

fazem as tatuagens à mão, isso geralmente significa que elas são muito mais

profundas na pele. A marca é na maioria das vezes, ainda clara mesmo depois da

tatuagem removida. Os Lobos, pelo menos, seriam capazes de reconhecer a marca.

Você nunca notou uma tatuagem ou cicatriz?

Nicholas tinha se acalmado um pouco. Seu rosto definido, ele sentou

encarando a parede. Depois de um tempo balançou a cabeça. — Eu só tinha cinco

anos! Quando fomos para o lago, ela usava um maiô. Não, eu não me lembro de ter

visto nada.

Partículas de poeira dançavam nos raios de sol, e do exterior os barulhos da

rua alcançaram o quarto. A vida continuou impassível e indiferente. Blanka sentia

como se estivesse presa em um bloco de gelo.

— Tem alguma coisa nessa escola. — ela sussurrou. — E não são apenas os

Lobos, eles parecem estar possuídos. Não pense que eu sou louca, mas estou

começando a achar que eles praticam bruxaria. Pense nisso: por séculos os Lobos

têm experimentando, primeiro com alquimia, depois com hipnose. Mas sempre

aqui. Talvez seja um lugar ritualístico.

— E a bolsa da minha mãe está no escritório da Madame Lalonde. Isso

significa que ela está envolvida.

139

Blanka pensou por um segundo, então balançou a cabeça. — O jeito que me

parece é que a policia está envolvia nisso, e alguns médicos estão envolvidos

também. Eles oficialmente declararam o assassinato como sendo um acidente. Se

Madame sabe sobre isso, faria sentido ela esconder a bolsa da policia. E também,

ela está tentando achar novos patrocinadores para a escola agora mesmo. Se o pai

de Joaquim tem alguma coisa a ver com o assassinato, isso iria fazer sentido

também: ela vai ter as finanças da escola em ordem antes de entregar a evidência.

Nicholas correu as mãos pelo cabelo. — Nós vamos invadir o escritório dela.

— ele disse prontamente. — Hoje. Eu vou ligar para o Jan.

— Não! — disse Blanka, quase gritando. — Isso seria muito perigoso. Se os

Lobos mataram a Sra. Meyer, então eles vão estar me vigiando muito mais de perto

agora. Não, nós vamos esperar ate a Madame voltar.

— Você realmente acha que essa é uma boa idéia?

— São apenas dois dias.

Nicholas olhou para ela cheio de duvidas. Finalmente acenou em acordo.

— Eu vou dormir aqui. — ela disse. — Eu não seria capaz de ter um segundo

de sono na escola. Está tudo bem com você se eu for à escola mais uma vez? Só vou

pegar minhas coisas. Estarei de volta em uma hora. — ela sentou na cama ao lado

de Nicholas e o abraçou. Ele hesitou por um momento, então a abraçou de volta.

— Sem mais segredos?

— Sem mais segredos. — sussurrou Nicholas.

***

Um nebuloso, incolor céu atrás da escola deu um efeito de uma fotografia

em preto e branco. Hoje os prédios parecem aterrorizantes em sua modernidade.

Depois de hesitar brevemente, Blanka entrou na escola. Dentro, seus passos

aceleraram até que ela estava subindo correndo a escada para o seu quarto. Rostos

surpresos passaram por ela. Finalmente estava em sua própria porta, procurando

freneticamente por suas chaves. Ela não notou o envelope até que destrancou a

porta. O carimbo do escritório da escola estava estampado nele. Blanka abriu o

envelope e leu a carta. Uma intimação por causa de suas ausências injustificadas.

140

Em seu quarto, tudo estava como ela tinha deixado. Ela tinha esperado encontrar

suas gavetas saqueadas. Com um suspiro de alivio olhou o relógio.

Caitlin estaria de volta em uma hora. Blanka abriu a porta de ligação e

entrou no quarto de sua amiga. Olhou ao redor sem acreditar. Caitlin tinha ido

embora. Não só Caitlin... Tudo que tinha pertencido a Caitlin. O colchão nu em cima

da cama. As cadeiras; mesa; cômodas estavam abandonadas contra a parede. Os

pequenos buracos nas paredes, dos pôsteres de Caitlin, eram a única evidência de

que ela tinha sequer vivido ali. Por um estranho momento Blanka pensou que sua

amiga nunca sequer tinha realmente existido. Puxou seu celular do bolso e ligou de

volta. Antes que pudesse discar o numero de Caitlin, ela notou que tinham uns dez

bips, avisando-a que tinha perdido varias ligações. Todas de Jan. Coração batendo

ansiosamente, Blanka esperou Caitlin atender. Houve um clique, em seguida uma

voz mecânica anunciou que o assinante não podia ser alcançado.

— Merda! — a palavra saiu. Seus olhos se encheram de lágrimas. Procurou

em seu bolso por um lenço de papel. Alguma coisa caiu no chão com um barulho. A

chave para a mesa de Caitlin. Blanka engoliu as lágrimas, pegou a chave, e

aproximou-se da gaveta. Ainda estava trancada. A chave girou facilmente. Blanka

puxou a gaveta aberta. Estava vazia.

***

Ela podia ver que era Jan ligando. No entanto, quando atendeu, ela nunca

teria reconhecido. A voz dele soava fina e preocupada. — Blanka! Ao menos, você

falou com a Caitlin?

— Não, eu nem mesmo sei o que está acontecendo. As coisas dela se foram

e...

— Ela não passou no exame.

— O que?

— Está na lista no quadro de avisos. Eu achei que ela não estava

respondendo o telefone porque estava frustrada, mas ai alguém da classe dela

disse que ela foi embora esta tarde. — ele pausou, lutando para respirar. — Não

acredito nisso, ela nem mesmo me disse adeus. E que ela não passou...

— Não pode ser verdade. -—disse Blanka, terminando a frase.

141

— Onde ela está?

Morta? Pensou Blanka. Ela correu do quarto vazio, bateu a porta de conexão

fechando atrás dela, e se recostou contra a porta. Agora sinos de alarme soavam na

voz do Jan. — Blanka, você está chorando?

— Claro que eu estou chorando. — Blanka respondeu acidamente. — Eu

arrestei-a para dentro disso... Merda!

— Arrastou-a? O que você quer dizer? Você está no seu quarto? Eu já estou

indo ai!

Blanka deslizou pela porta lisa e envolveu seus braços em volta dos joelhos.

Após o choque, ela levou um minuto para pensar em ligar para Nicholas. — Eu

tenho certeza que ela não voou de volta para a Irlanda assim, sem dizer a ninguém.

— ela gaguejou no telefone. -—Ela ainda deve estar em algum lugar na escola.

Nicholas pensou por um momento. Ela estava impressionada que ele

pudesse permanecer tão calmo. — Nós vamos procurar por ela, está noite.

142

Capítulo 15

Metrópoles II

— A lanterna. — sussurrou Jan. Quando feixe de luz passou por sua face,

Blanka podia ver suas bochechas brilhando. Ele estava aparafusando um

adaptador no abridor de seu armário, enquanto Nicholas, seguindo suas

instruções, desenrolava um cabo.

Nicholas estava mancando um pouco. Quando eles escalaram pela janela do

laboratório de Química, passando pelo sistema de alarme, com a ajuda de Jan, ele

tropeçou e bateu em sua perna machucada novamente. Era agora 02h30min da

manhã.

Havia levado a Jan mais que meia hora para desarmar o sistema de alarme

na porta para a área do escritório. Finalmente a porta abriu com um zumbido. O

equipamento que Jan estava usando hoje não era um pequeno abridor de porta, era

uma máquina de aparência estranha que tinha alguma semelhança com um mix. No

feixe fraco da lanterna Blanka viu fios e as superfícies irregulares de solda das

chapas de metal, segurando várias conexões.

Com este único arquivo, rastejaram ao longo da passagem seguindo para o

escritório da diretora e a sala dos professores. Eles pararam na frente da porta da

Madame. Jan assentiu para eles e indicou a Nicholas para conectar o cabo.

— Você tem certeza que nós precisamos invadir o escritório dela? — ele

sussurrou.

Blanka assentiu.

— Os arquivos da escola estão em sua sala, e há uma porta de ligação ao

escritório da escola.

— Mas Caitlin não estará lá.

143

— Não, mas nós precisamos de um ponto de partida. Deve haver uma

planta ou um calendário lá. Alguma coisa. E... — disse. — Talvez também haja

algum rastro da mãe de Nicholas. Jan passou a mão sobre a testa e empurrou um

pino do buraco da fechadura. A máquina zumbiu novamente, então houve um

barulho estridente.

— Merda! — sussurrou Jan.

— O que está errado?

Cuidadosamente ele puxou o pino para fora novamente. Um arranhão

brilhava no metal.

— Chave errada. — ele resmungou. Ele alcançou o bolso de sua calça e

pegou um pino muito mais forte.

— Não tenha medo. — ele disse suavemente. — Alguma coisa vai quebrar

em um momento. Afastem-se.

Obedientemente Blanka deu um passo para o lado. No próximo momento

houve um zumbido alto, então houve silêncio, até que eles ouviram um rangido

terrível. A porta se abriu. Blanka encarava com horror o buraco e as lascas de

madeira.

— A porta está quebrada. — Nicholas declarou.

— E daí? — Jan se virou para ele. — Eu gostaria de queimar o lugar com eles

dentro! Eles fizeram alguma coisa com Caitlin e você está se preocupando com uma

porta?

Nicholas levantou suas mãos. — Ei, acalme-se. — ele disse. — Não grite

desse jeito aqui!

Blanka esticou sua mão e a colocou-a no ombro de Jan. — Está tudo bem,

Jan. Nós a encontraremos.

Ele assentiu e secou as mãos em suas calças.

— Nós vamos entrar, ou o que?

144

— Sim, Vamos lá! — Blanka decidiu. Como sombras eles entraram no

escritório e empurraram a poltrona para frente da porta. Nicholas baixou as

persianas. Somente então ousaram ligar a pequena lanterna novamente. O feixe de

luz vagou sobre as estantes de livros e foi refletido nas brilhantes lombadas dos

grossos livros. Não foi muito antes de Jan ter a primeira gaveta da mesa de

Madame aberta. A diretora era uma pessoa excepcionalmente organizada. Tudo,

cada folha de papel e cada lápis, estava colocado meticulosamente. Blanka sentiu

culpa por bisbilhotar. Eles encontraram apenas cadernos contendo registros de

contabilidade, recibos de livros na gestão financeira, e um cartão de cópias.

— Para o escritório. — sussurrou Blanka. Na penumbra o rosto de Nicholas

a fez pensar em uma máscara da morte de cera.

No escritório eles tinham muito mais por onde procurar. Montanhas de

arquivos e papéis soltos empilhados na borda da gigantesca mesa. Blanka tirou a

segunda lanterna e começou a examinar.

— Talvez nós devêssemos começar com o computador. — disse Nicholas

depois de algum tempo.

Jan, que estava procurando em uma gaveta de mesa, levantou-se

subitamente, chocando seus ombros contra a cadeira.

— Encontrei alguma coisa. — ele sibilou. Em severo triunfo ele levantou

uma pasta. — Aqui!

Eles se amontoaram na luz e encararam as longas fileiras de números.

— De acordo com esta lista, Caitlin tem uma nota ainda pior em matemática

que Michael Cline. — Blanka declarou.

— Eles a mataram! — Jan explodiu.

— Não tire conclusões precipitadas. — disse Blanka, puxando Jan para cima

pelo braço. — Rápido, para o escritório de Hasenberg!

Ela não queria admitir que estivesse começando a perder a coragem. Ela se

sentiu ainda mais nervosa quando eles adentraram o domínio de Hasenberg.

— O que nós estamos esperando? — sussurrou Nicholas.

145

Jan pegou sua máquina e a plugou. Aqui a procura foi mais difícil. Dentro

dos gabinetes havia mais compartimentos, cada um com sua própria fechadura. Na

maioria dos casos, eram fechaduras especiais, e Jan, xingando, tentou diferentes

pinos até que elas finalmente cederam aos dentes de aço de seu arrombador de

fechaduras. Blanka encontrou dúzias de esboços que pareciam com diagramas

geométricos. Ela os reconheceu facilmente; eles eram árvores genealógicas. Atrás

dela, ouviu o ruído de um painel de vidro quebrando. Jan xingou silenciosamente.

— Blanka! — o grito abafado à fez virar rapidamente. Nicholas estava em pé

no meio da sala. A princípio ela pensou que ele estava balançando, mas então

percebeu que era a lanterna, que ele tinha colocado em cima da mesa. A lanterna

rolando para frente e para trás como se estivesse bêbada. Não foi até que o feixe de

luz deslizou para trás que ela reconheceu que Nicholas tinha tirado um

compartimento da prateleira com o vidro quebrado.

— A bolsa!

Atordoado, Jan inclinou-se para a luz. — Que tipo de bolsa?

— A prova. — respondeu Nicholas friamente, Blanka podia ver sua face

enrugando. Ela pulou e foi até ele. A bolsa ainda parecia suave e quase familiar.

Juntos eles a colocaram cuidadosamente no chão.

— M. J. — Nicholas leu alto, e calmamente as iniciais. — Há uma pista para

seu nome real.

Blanka resistiu à tentação de alcançar o fecho. A bolsa pertencia a Nicholas

agora. Cautelosamente, ele tocou a frente. Seus dedos deixaram marcas escuras na

camurça. O fecho abriu com um tinido suave. Nicholas virou a bolsa e a esvaziou no

chão. A mulher morta não carregava muito com ela: uma faca com cabo de marfim

e uma câmera antiquada de 35-mm. Nicholas abriu o reservatório e balançou sua

cabeça. — Sem filme. — ele sussurrou. Em um bolso lateral havia várias folhas de

papel grosso. Nicholas os desdobrou e os colocou no tapete. Cuidadosamente ele os

alisou.

— Um mapa. Você sabe do que ele é?

Blanka passou por Nicholas para olhar o mapa tão rapidamente que seus

joelhos ficaram quentes. Era uma planta de um edifício enorme. Apenas uma sala

no lado leste lhe parecia vagamente familiar. Era do lado de fora do edifício,

separada por uma longa passagem. Umas poucas linhas indicavam escadas.

146

— A sala separada é o porão do museu. — ela disse calmamente. — Está

praça aqui é o Mostruário com as vestes da bruxa. E a praça pequena é o pedaço da

porta do velho Convento que está pendurado na parede.

— Uma porta? — sussurrou Nicholas.

— A porta atrás da porta. — Blanka corrigiu. — Porta Post Portam; o lema

da escola. A porta conduz a uma construção embaixo da escola.

Nicholas riu suavemente e balançou sua cabeça. Você estava certa. — ele

disse roucamente. — A escola, os professores, os estudantes, tudo é apenas um

pretexto. Madame e as bolsas de estudo, os professores, todos eles bonecos em um

teatro de fantoches. O mundo real está abaixo da superfície. E minha mãe sabia

disso.

— Ei! — veio um sussurro agudo de Jan do outro canto da sala. — Dêem

uma olhada nisso!

Blanka e Nicholas pularam juntos. Jan atirou com força uma pasta

transparente na mesa. Acusatoriamente ele a iluminou com a lanterna.

— Aqui está o teste de Caitlin. Sem nota. Eu aposto que era A+.

— A nota atrás da nota. — disse Nicholas. — A porta atrás da porta.

— Alguém deve ser malditamente bom em copiar caligrafias. — disse

Blanka. — Talvez a mesma pessoa que escreveu a nova versão da crônica do

Convento. — e, ela adicionou para si mesma, escreveu seu exame de história

bagunçado.

A escada traseira que Jan usou para conduzi-los para o museu do Convento

era íngreme e estreita. Quando eles adentraram o corredor novamente e Blanka

viu uma luz vermelha piscando, ela quase desistiu de ter esperança. — Este é um

sistema de alarme realmente grande. — ela sussurrou.

— Há um como este no museu da cidade. Você acha que pode lidar com

isto?

Ela não podia ver a expressão de Jan, mas ela podia dizer pela maneira que

ele encolheu os ombros que ele estava à altura do desafio.

147

Sem outra palavra ele pegou algo de seu bolso. Houve um clique, e então a

luz vermelha enfraqueceu, finalmente apagando completamente. O feixe de luz

acendeu.

Espantada, Blanka olhou para Jan. — Você tem um controle remoto para o

sistema de alarme?

— E para a câmera de vídeo sobre a porta. — ele respondeu.

— E o que está na gravação agora?

— A imagem parada de um museu vazio. — Jan respondeu secamente.

Blanka e Nicholas estavam atônitos quando eles viram Jan entrando como

se estivesse seguindo seu percurso diário para a escola

As vestes da bruxa cintilaram misteriosamente no feixe de luz da lanterna.

A luz suspensa acendeu. Blanka e Nicholas recuaram, encolhendo-se contra

a parede. Jan, que estava parado ao lado do interruptor de luz, olhou para eles em

deleite.

— O que está errado? — sua voz ecoou. — Ninguém está aqui, é

hermeticamente selado. Assim está OK ter as luzes acessas.

— Você vem muito aqui, não é? — Nicholas estava pálido. Blanka tomou sua

mão, que parecia fria e seca.

— Pode ser. — Jan aproximou-se de um revestimento de madeira que tinha

uma ranhura quase imperceptível nele. Habilmente ele o segurou e levantou uma

ponta. Cabos grossos e medidores de energia ficaram a mostra.

— A caixa de distribuição elétrica principal da escola. — ele disse. — Vocês

vêem os fusíveis de cerâmica?

Blanka estava de olhos arregalados. — O corte de energia que teve no outro

dia. — ela disse. — Foi você?

148

— Aconteceu apenas uma vez. — ele respondeu. — Então eu o tive sob

controle. De que porta você estava falando? A velha ruína lá atrás?

***

O fragmento da velha porta do Convento na parede elevava-se na frente

deles como o entalhado e escurecido dente de um dragão. Blanka teve que se

forçar para apenas tocar a madeira antiga. Nicholas e Jan a apanharam pelas

bordas

— Na contagem de três. — comandou Nicholas. A porta rangeu um pouco

em seus suportes de ferro, mas mal se moveu. Então, quando suas mãos estavam

ficando escorregadias pelo suor, ela começou a se mover com um guincho. Todo o

tempo Blanka teve o sentimento de que os apóstolos de madeira na porta estavam

olhando-os com censura. Uma vez ela até pensou que ouviu um grito fino através

da parede, a voz de Caitlin? O guincho se tornou um rangido quando a porta

subitamente deslizou para fora de seus suportes e girou para o lado,

surpreendendo-os.

— Uma dobradiça. — Jan confirmou calmamente. — E um sistema

hidráulico. Cara, nós apenas precisávamos levanta e empurrar! — atônitos; Blanka

e Nicholas olharam para o que devia ser parede. Em vez disso havia uma estreita

porta de metal.

— A porta atrás da porta. — sussurrou Blanka.

— Sem chance. — Jan disse, com um olhar profissional para a fechadura.

— Fechadura de segurança de última geração. Eu não posso abri-la com

minha chave mestra.

— Isto significa que nós temos que desistir? — Nicholas perguntou

irritadamente.

Os olhos de Jan cintilaram. — Parece que eu estou desistindo? — ele estalou

suas juntas, encarando a fechadura com se ela fosse seu inimigo. — Para isso eu

preciso de Metrópoles II, da sala de arte.

149

***

Os traços da planta estavam firmemente fixados na memória de Blanka

quando ela ouviu passos e um som surdo. Ela pulou de alívio. Passou o último

quarto de hora, sentada com as costas contra a parede, decorando a planta. Apenas

a parte central foi desenhada corretamente, ela não poderia dizer se as passagens

indicadas nos lados levavam a outras salas ou eram apenas saídas. O rosto

vermelho de Nicholas apareceu. Juntos, ele e Jan arrastaram uma máquina para a

sala. Parecia algo saído de um filme de ficção científica. Um emaranhado de cabos e

tubos rígidos pendurados por cima do ombro de Jan. Cuidadosamente eles

depositaram a máquina. Nicholas se levantou e estendeu a perna ferida.

— A coisa é feita de chumbo. — ele resmungou.

— Aço. — Jan o corrigiu. — Isto funciona a 3000 libras por polegada

quadrada. Se fosse chumbo, os cabos iriam voar por todos os lados.

— Então isto funciona por pressão?

— Claro que sim. Você conhece a serra para cortar metal que os bombeiros

usam? Este é o mesmo princípio. Um motor elétrico usa 400 volts de corrente

alternada e uma bomba de pressão de óleo, que cria pressão. Você pode abrir

qualquer coisa muito bem com isto. E como é um sistema hidráulico, não faz

barulho algum. Eu testei várias vezes sobre a fonte de alimentação do forno. — ele

enfiou a mão no bolso da calça e puxou uma peça cilíndrica de metal. Rapidamente

o empurrou no buraco da fechadura da porta principal do museu e usou uma

pequena chave para travá-la.

— Fechadura especial de ligação para fechaduras de segurança. — ele

explicou. — Sem esta chave ninguém pode abrir a porta. Nós não queremos

qualquer visitante surpresa no museu do Convento esta noite, não é?

Depois que Jan tinha desparafusado os painéis da frente e do lado da

Metrópole II, o bloco parecia com uma bateria de carro com alavancas e cilindros

aparafusados nele. Blanka olhou sobre as duas alavancas hidráulicas que estavam

vagamente remanescentes de um par de tesouras. Jan procurou por grossos cabos

e mangueiras de pressão. Ele calmamente começou a encaixar sua máquina e

anexar cabos de energia embaixo dos fusíveis de cerâmica. Nicholas sentou-se

junto a Blanka e passou-lhe um tecido, no qual vários objetos duros estavam

embalados.

150

— Eu só tenho minha navalha comigo. — sussurrou Nicholas. — Mas, tenho

certeza que será a melhor, estavam na sala de arte.

Sentindo um arrepio, Blanka olhou as lâminas afiadas dos estiletes visíveis

no tecido.

Jan notou seu rosto preocupado e sorriu. — Nada pode dar errado. — ele

explicou, indicando sua máquina Metrópoles. — O motor se auto desliga se for

necessário. A prova de idiota. Dê-me uma mão, Nick!

Levou alguns minutos para posicionar a máquina apropriadamente na

frente da porta. Com intensa concentração, Jan comprimiu as alavancas entre a

porta e a moldura de metal.

— OK! — ele gritou.

Blanka esperou a qualquer minuto ouvir uma explosão ensurdecedora e

sentir estilhaços entrando em suas costas. Em vez disso houve um feio rangido

metálico. Pouco depois a porta, inclinava completamente fora de forma, se

abriu. Nicholas assobiou apreciativamente.

— Há realmente escadas. — sussurrou Jan.

O cheiro que emanava do eixo da escada estreita da passagem secreta era

remanescente da profunda adega onde garrafas de vinho entraram em seus sonhos

empoeirados de festas de Natal e vidros tinindo.

Blanka não podia deixar de pensar Caitlin, amarrada e maltratada, sendo

arrastada para este sepulcro. Ela pegou um estilete em sua mão direita e a lanterna

na mão esquerda. Em cada passo os papéis que ela tinha deslizado sob sua

camiseta no escritório do Dr. Hasenberg roçavam sua pele.

Blanka contou cada degrau. Atrás dela podia ouvir Nicholas respirando

rápido. De uma escada para a próxima o ar ficava mais frio. As paredes da

passagem pareciam estar ficando cada vez mais juntas. Blanka imaginou que ela

podia ouvir o eco de sua própria pulsação. Finalmente o fim das escadas entrou em

visão. Panturrilhas doendo, eles adentraram um corredor ainda mais

estreito. Blanka fechou os olhos, mentalmente traçando a rota deles até então,

trabalhando da distância aproximada ao número de escadas, e relacionando-os

com o comprimento dos corredores na planta.

151

— Trinta metros diretos para frente e depois à direita. — disse ela

calmamente.

O corredor era tão estreito que eles só podiam passar em fila

indiana. Blanka foi à primeira tentando não pensar no que poderia encontrar. O

corredor estava revestido com madeira e cheirava a verniz fresco. Uma leve brisa

roçou as bochechas de Blanka na passagem, em algum lugar devia haver um ar-

condicionado.

Continuaram, seguindo a curva de outro corredor. Subitamente

terminou. Blanka parou tão abruptamente que Nicholas colidiu com

ela. Silenciosamente Blanka deixou o feixe de luz de sua lanterna vagar para

cima. Estavam parados em frente a uma passagem de pedra. Esculturas em relevo

delimitavam porta dos dois lados, esculturas de Lobos caçando.

— Isto é velho. — sussurrou Blanka. — Deve ser ainda mais velho que o

Convento de Maddalina.

Silenciosamente eles caminharam pela porta e adentraram uma catedral

subterrânea. A graciosa abóbada gótica elevava-se acima deles, projetada de uma

maneira que a tornava capaz de suportar um grande peso. Intimidados, eles

olharam ao redor.

— Então é aqui para onde Maddalina e outros fugiram. — sussurrou. — Eles

simplesmente desapareceram, por uma passagem secreta para um Convento

subterrâneo.

— Próximo onde? — Jan urgiu.

Blanka fechou os olhos e visualizou a planta. — Na parte de trás do lado

direito algumas passagens ramificam.

De olhos arregalados, correram pelas passagens de pedra onde esculturas

antigas se colocavam em nichos. Estas não eram figuras de santos, mas os rostos de

mortais que pareciam máscaras da morte cinzelada. Em uma bifurcação no

corredor, Blanka olhou para um nicho e recuou em horror.

— Oh meu Deus! — sussurrou Nicholas. Duas caveiras estavam sorrindo

para eles.

152

Blanka virou o feixe da lanterna para o teto. Uma raiz se projetava entre

duas pedras. — O cemitério de órfãos está acima de nós. — disse ela.

— Errado. — veio a seca resposta de Jan. — O cemitério é aqui embaixo.

Ele apontou para outros nichos, onde várias caveiras repousavam como em

uma catacumba.

— Se não há cadáveres lá em cima nos caixões, então o que há neles? —

sussurrou Nicholas.

— Eu não poderia me importar menos. — respondeu Jan. — Onde está

Caitlin?

O medo na voz dele infectou Blanka. O corredor ficou novamente mais largo

e tornou-se uma sala oval. Parando todos de uma vez, eles tropeçaram e seguraram

um no outro. Várias pesadas portas de madeira apareceram no trêmulo feixe de luz

da lanterna. Elas eram pequenas e quase quadradas, pouco mais de um metro de

altura. Sinalizou a parte superior de uma porta à direita dos corredores. Poderia

haver qualquer coisa por trás delas: quem sabe uma câmara de sepultamente, uma

passagem, o inferno, ou - uma prisão. O ferrolho da pesada porta estava fechado

pelo lado de fora. Antes que Blanka pudesse detê-lo, Jan correu para a porta e

bateu na madeira

— Caitlin? — ele chamou suavemente. Houve um barulho estrondoso, e

então alguém se moveu no outro lado da porta.

Cada fio de cabelo do corpo do Blanka arrepiou-se. — Não, Jan! — ela gritou,

correndo para a porta. Jan girou ao redor. Não foi senão até que viu o chão, que

Blanka percebeu que Jan tinha empurrado-a rudemente para o lado e que ela

estava caindo. Ela mal sentiu o impacto. O ferrolho deslizou de volta com um som

de raspagem.

— Caitlin! — Jan gritou, abrindo a porta de uma vez.

***

Naquele momento, que pareceu ser eterno, Blanka aprendeu duas

coisas. Um, que levou apenas uma fração de segundo para ser catapultada para

153

fora do mundo de fórmulas e hipóteses para sempre. A outra, que a realidade pode

ser pior do que qualquer pesadelo. A criatura que rastejava para fora de sua sala

para a luz da lanterna não podia ser real. Membros pálidos tateavam seu caminho

sobre a pedra. Brilhantes olhos de fenda eram cercados por dobras predatórias e a

boca tornava-se cada vez mais ampla. O feixe de luz se moveu sobre a face

grotesca.

Apavorado pela luz, o monstro soltou um grito estridente e depois saltou

para o lado com um movimento repulsivamente ágil. Garras raspavam sobre pedra

como giz sobre um quadro negro, e então todos os sons cessaram, até mesmo a

respiração ofegante.

A criatura tinha descoberto Blanka. Por um momento, o tempo parou. Por

um momento confuso Blanka pensou que ela podia ver dois Nicholas - o que ela

conhecia e que ela tinha sonhado com a máscara, a máscara de Lobo, uma máscara

que agora mostrava os dentes triunfantemente.

Nicholas levantou-se no mesmo instante que a criatura, e então as sombras

vieram. Com uma batida aborrecida a lanterna de Blanka caiu no chão e se

apagou. Blanka virou e correu. Sua própria respiração ofegante batia em seus

ouvidos, abafando as vozes de Jan e de Nicholas, que pareciam cada vez mais e

mais distantes. Mas o barulho raspando atrás dela era muito mais alta, a respiração

bruta cada vez mais próxima.

Blanka gritou quando bateu seu ombro contra uma parede, sentiu um arco,

a parede de um corredor, e um crânio que rolou debaixo das suas mãos e quebrou

com um estrondo seco. A criatura era mais rápida do que ela, muito mais

rápida. Em sua mente podia ver que a perseguia, saltando como um leão. Ao longe

havia um lampejo de luz. Quando Blanka sentiu o toque quase amoroso de garras

na parte traseira de seu joelho, ela esqueceu a luz e apenas correu. Então ela sentiu

dois braços se envolvendo em torno dela e uma mão enfaixada como a de uma

múmia pressionando-lhe os lábios dolorosamente contra seus dentes. Ela

entrecerrou os olhos na escuridão, mas o monstro parecia ter desaparecido

— Você o assustou. — uma voz áspera sussurrou em seu ouvido. O cheiro

de álcool era insuportável.

— Se eu deixar você ir, você vai ser mais prudente? — perguntou Simon

Nemec.

Blanka moveu-se contra sua mão, esperando que ele interpretasse o

movimento como um aceno de cabeça. Ele a soltou. Próximo, um fósforo foi

154

acesso. Preocupado, Nemec franziu a testa, mas não estava olhando para

Blanka. Seu olhar foi atraído pelo som de choro. Blanka estendeu a mão para a

parede irregular, dominou seus nervos, e virou-se, tremendo. O monstro estava

encolhido contra a parede, se balançando para trás e para frente, como se tentasse

aliviar uma dor.

— Você o chutou. — Nemec a repreendeu.

— É que... É que me atacou. — Blanka respondeu.

Ela observou com perplexidade quando o zelador se inclinou e acariciou

confortavelmente o cabelo emaranhado da criatura com sua mão enfaixada. O

monstro ergueu a cabeça e olhou para Blanka desapontadamente. Tinha olhos

azuis, pelo que ela viu. Não eram os olhos de um predador. Como uma pessoa cega

que finalmente entende o que tinha tocado, percebeu o que o monstro era. Tinha

estado procurando por ela o tempo todo, havia sentido seus pensamentos e

finalmente a tinha encontrado. E era um ser humano. Um jovem rapaz. Sua pele era

muito pálida, como se não tivesse visto o sol por muitos anos. Suas unhas eram

longas, calejadas. Seu ombro carregava vários cortes mal curados com o padrão de

uma teia de aranha. Sua cabeça pendia para frente, fazendo-o parecer ainda mais

com um animal. O que Blanka pensou como dobras predatórias, eram

tatuagens. Tinha linhas pretas que representavam um animal com presa,

desenhados em seu rosto, dando-lhe o aspecto de um Lobo. O jovem olhou para

Blanka e contorceu seu rosto. Doía-lhe vê-lo tentando sorrir para ela. Seus molares

brilharam. Blanka sentiu-se tão enjoada que deslizou pela parede e cobriu o rosto

com as mãos. Parecia que há muito tempo atrás alguém abriu os cantos da boca do

homem para fazê-lo parecer mais com um animal.

— Quem fez isso com ele? — Blanka sussurrou.

Nemec encolheu os ombros, pegou uma vela de um nicho ao lado da porta e

a acendeu com o fósforo que apagava.

— Maddalina, Hans Haber, Joaquim, todos nós. — sua voz tremia. — E isto

significa que eu também.

— Os Lobos, então. — ela disse. — E você é um deles.

— Sim, e às vezes não. — retornou Nemec. Apreensivamente ele olhou ao

redor. — Não no momento, caso contrário você não estaria parada aqui me

fazendo perguntas.

155

Eu terminaria como ele? — Blanka respondeu amargamente. — O que ele

fez?

O rosto de Nemec suavizou-se quando olhou para o menino. — É o seu

destino. Ele não conhece mais nada, Blanka. Ele é uma criança Lobo; ele cresceu

sem contato humano. Luz o fere, mas no escuro ele pode até mesmo distinguir

cores. Quase não sente calor e frio. Seus sentidos são mais apurados do que os

nossos, estão tão finamente sintonizados que pode até mesmo ver as cores dos

nossos pensamentos.

— Isso significa que vocês o prenderam aqui quando ele era apenas uma

criança! — arfou Blanka. — Vocês são todos loucos!

O olhar de Nemec parecia arder em seu rosto sombrio. — De certa forma

isto o faz mais livre do que qualquer um de nós. — ele sussurrou. — Ele não sabe

quem ou o que ele é. Ele é um Lobo, com todas as capacidades de um homem. Com

toda a intuição e os poderes que a maioria dos homens perdeu há séculos. Você

não o sentiu, Blanka? A presença dele está em toda parte!

Blanka olhou para o homem-Lobo. Pensar a esgotou; sentia como se todo

seu corpo estivesse tremendo. — Então ele é um... Médium. — ela sussurrou.

Nemec balançou levemente e estendeu a mão na parede para se firmar. —

De certa forma, sim. — disse ele, sua voz áspera. — Ele pega os nossos

pensamentos subconscientemente. Em sua mente, ele pode ir aonde quiser. — ele

riu como se tivesse feito uma piada.

— Você está bêbado? — o tom Blanka era acusatório.

Imediatamente Nemec tornou-se sério de novo. — Aqui em baixo é o único

lugar onde é possível pensar com clareza. — ele rosnou. — Pensamentos

desaparecem na neblina, e os outros não podem compreendê-los.

— Podem os Lobos?

Algo parecido com orgulho iluminou seu rosto. — O dom de

Belverina. Tivemos uma vez e vamos tê-lo novamente. Por séculos eles tentaram

tirá-lo de nós, mas os Lobos estão aprendendo, estão aprendendo novamente e

transformando-se a si mesmos...

156

O homem-Lobo soltou um som suave.

Simon Nemec congelou. — Ele os ouve. — ele sussurrou. — Eles estão indo

para a sala de reunião. — Blanka não recuou quando ele a agarrou pelos

ombros. Ele não parecia mais consciente de sua mão machucada. — Eles não

devem encontrar você! — ele a empurrou rudemente e fugiu. Sem parar para

pensar, ela tropeçou atrás dele, pelos corredores escuros, parecia à mesma rota

que ela tinha tomado a caminho daqui. O redondo feixe de uma lanterna confirmou

o seu palpite. Nemec quase caiu quando viu dois vultos, vindo ao longo da

curva. Blanka poderia ver os olhos de Jan brilhando, arregalados de medo.

— Não faça perguntas. — ela sibilou. — Vamos!

O homem-Lobo estava correndo ao lado dela em quatro patas; ela podia

sentir a respiração dele em sua mão. Nemec estava voltando para a sala de onde

eles tinham libertado o Lobo poucos minutos antes, correndo tão rápido que sua

jaqueta ondulava por trás dele. Ele empurrou a porta aberta. — O que vocês estão

esperando? — sussurrou Nemec. — Eles não vão te procurar aqui!

Blanka hesitou, olhando nos olhos lacrimejantes do zelador. Ela podia ouvir

passos se aproximando a distância. Imaginou Joaquim e os outros Lobos chegando

mais perto.

— Venha! — ela ordenou a Nicholas e Jan. Eles se entreolharam

duvidosamente, mas Blanka pegou suas mãos e os arrastou atrás dela. O homem-

Lobo fez um som lamentoso e não se moveu uma polegada. Só quando ele viu

Blanka entrar que seguiu. Nemec deslizou o ferrolho do lado de fora.

— Você está louca? — sussurrou Jan.

— Cale a boca, caso contrário, estaremos acabados! — Blanka

ordenou. Cheirava a sala de estar da Sra. Meyer - de peles de animais e couros

curtidos. Exceto que o cheiro era cem vezes mais forte. Eles mal podiam ouvir

qualquer coisa através da porta: apenas múrmuros e a voz irritada de Nemec em

resposta. Assustados, eles esperaram, encolhendo-se juntos. Depois de um tempo

Blanka levantou a cabeça e olhou em volta. A luz veio de uma pequena lâmpada em

um nicho. Peles de animais estavam no chão, e alguns estavam enrolados contra a

parede. Tudo ao redor, as paredes estavam cobertas de marcas de arranhões que

pareciam estranhas pinturas de caverna. Quantas horas o homem-Lobo deve ter

passado à procura de uma maneira para sair da prisão?

157

A porta se abriu e Nemec deslizou para dentro da sala. — Venham! Eu vou

lhes mostrar o caminho.

— Não sem Caitlin! — sibilou Jan.

Nemec olhou para ele com espanto, em seguida caiu em uma gargalhada

rouca. — Vocês vieram aqui por causa da garota irlandesa?

— Ela está desaparecida.

Nemec fez um gesto desconsiderado. — Ela foi para casa. Eu mesmo a levei

ao aeroporto. Ela foi informada que Blanka estava sendo expulsa também.

— Por quê?

— As cópias foram encontradas no quarto dela. Ela foi negligente o bastante

para dizer que elas pertenciam a você; Blanka. Qualquer um que invada a sala de

livros e faça cópias corre o risco de ser expulso.

— E você tinha a chave para o quarto de Caitlin?

— Oh, não. — Nemec respondeu ansiosamente. — Não eu. Eu não tenho

quaisquer chaves para os quartos dos estudantes. Mas neste caso nenhuma chave

era necessária. Você foi bastante inteligente em trancar seu quarto, Blanka. Foi

Caitlin quem se esqueceu disto desta vez.

— Como você sabe que eu tranquei meu quarto? — a boca de Blanka estava

apertada. — Oh. — ela disse; tudo fazendo sentido agora. — Era você, na noite que

a energia acabou. Você tentou entrar no meu quarto!

— Eu apenas chequei para ver se a sua porta estava trancada. É melhor

manter as portas trancadas quando os Lobos decidirem fazer a batalha.

— Tinha a chave da gaveta!

— Não é difícil abrir uma gaveta como aquela, com um pedaço de arame,

por exemplo.

— Você está mentindo para nós! — gritou Jan.

158

O encolhido homem-Lobo rosnou e se endireitou. Nicholas rastejou para

longe tão rápido quanto pode, para manter a maior distância possível entre ele e o

Lobo.

— Ele não está mentindo, Jan. — disse Blanka.

— Dê-me uma razão do por que eu deveria confiar nele. — retornou Jan.

— Eu não lhes darei razão alguma. Eu apenas os tirarei daqui, nada mais. —

disse Nemec.

— Annette Durlain confiou em você, não é? — as juntas de Nicholas

estavam brancas, ele estava segurando o estilete muito fortemente.

Nemec virou lentamente em sua direção.

— Talvez ela fosse chamada de Klara Schmied, também. — Nicholas

adicionou.

— Você a matou?

O homem-Lobo estava absorto, olhando para Nicholas.

— Bem? — Nicholas arfou. — Você a matou?

O homem Lobo começou a mostrar seus dentes em imitação à raiva de

Nicholas.

Blanka teve que desviar o olhar.

— Eu não sei o que você quer dizer. — disse Nemec friamente.

— Eu quero dizer à mulher que foi encontrada morta no pé das escadas.

Nemec e Nicholas se olharam por um longo tempo.

— Meret Johanna Vargas. — murmurou Nemec finalmente. — Nós a

chamávamos apenas de Johanna. Não, eu não a matei. Eu nunca teria feito isto.

Nunca! — ele ficou em silêncio e fez um som que soou como um soluço sufocado.

159

— O que ela estava procurando? — perguntou Blanka calmamente.

Nemec suspirou e secou seus olhos com as costas de sua mão. Limpou sua

garganta e apontou para o homem Lobo, que tinha parado de mostrar seus dentes.

— O filho dela. — ele disse suavemente. — Ela queria resgatá-lo. Eu estava

mantendo guarda... Aquela noite era o momento perfeito. Os Lobos estavam

distraídos, levando os novos estudantes ao redor. Nós apenas tínhamos que

esperar até que o cemitério de órfãos estivesse vazio. Mas Johanna...

O estilete caiu no chão.

— Isto não é verdade. — sussurrou Nicholas. — Eu sou o único filho dela.

Blanka deu um passo em direção a ele. Agora o incidente em seu quarto

estava fazendo sentido – o Lobo e Nicholas. Nemec segurou sua cabeça em suas

mãos e deslizou pela parede até que estivesse sentado no chão de pedra.

— Então é verdade. — ele disse a Nicholas. — Ela me contou sobre você. Eu

apenas nunca acreditei.

— Ela me abandonou por causa dele. — disse Nicholas. Blanka esperava que

ele ficasse chateado, talvez desabar completamente, mas ele estava muito calmo.

— Ela lhe deixou para proteger você. — Nemec o corrigiu. — Foi difícil para

ela fazer isto. Mas ela conseguiu fazer-se invisível. Quando fugiu todos esses anos

atrás, até eu pensei que estava morta.

— E ela simplesmente deixou o Lobo… filho dela… para tr|s? — perguntou

Blanka.

Nemec riu amargamente. — Ela mesma era apenas uma criança. Ela tinha

dezessete quando engravidou. De um estudante.

Aquele que se afogou. — sussurrou Nicholas.

Nemec assentiu. — Era contra as regras dos Lobos, por que ele não era um

de nós. Johanna era descendente de uma linhagem direta de Maddalina e Hans

Haber.

160

De repente Blanka sentiu-se estúpida. Lembrou-se de todas as horas que

passou meditando sobre as crônicas do julgamento da bruxa. As respostas

estiveram bem na frente de seu nariz o tempo todo! — Então as freiras realmente

tiveram seus filhos. — ela percebeu. — Os filhos das bruxas. E onde você poderia

esconder crianças sem que ninguém percebesse? Em um orfanato.

— Oh, havia órfãos genuínos também. — disse Nemec.

— Maddalina não era estúpida. Mas isso não ajudou. As crianças que não

foram condenadas e mortas na época do julgamento das bruxas deixaram a cidade

e se espalharam por todo o mundo. Mas os Lobos os procuraram - e ainda estão

procurando hoje. Por todo o mundo. E muitas vezes, eles as encontram. — ele

sorriu sombriamente. — Exceto por Johanna. Johanna era a melhor de todas. Ela

tornou-se invisível. E seu segundo filho parece ter herdado esse talento dela.

— O que os Lobos fizeram com ela? — Nicholas perguntou com uma voz

inexpressiva. Ele ainda não podia arrancar o seu olhar do Lobo. — Como... Ele... —

ficou em silêncio. O rapaz de pele clara o encarou de volta.

— Por séculos, houve um Lobo vivendo dentro destas paredes. Ele tem que

estar aqui. É um lugar antigo, um lugar místico, um que mantêm a alma de muitos

séculos. Enquanto o Lobo viver, também o fazem os Lobos, e suas memórias da

morte. Mas o Lobo envelheceu. Seus pensamentos começaram a desaparecer. O seu

fim se aproximava. Antes que pudesse ser morto, um novo Lobo deve ser

escolhido: o filho de Johanna. Por muito tempo ela não queria aceitar. Achava que

poderia simplesmente dizer "Não, obrigada" e sair. Então, quando o namorado dela

se afogou, ela compreendeu. — Nemec suspirou. — Ela não conseguiu salvar seu

filho, mas ela fugiu. Para nós, estava morta. Ela se escondeu. Se mudava e trocava

de identidade tão freqüentemente que ela própria muitas vezes mal reconhecia seu

rosto no espelho. Mas nunca esqueceu seu filho-Lobo. Passou anos fazendo todos

os preparativos, preparou trilhas e criou rotas de fuga. E quando ela me contatou

há um ano e me disse que estava pronta para vir buscá-lo, eu... — ele engoliu em

seco.

—... Ajudou-a. — Blanka terminou sua frase. — Você mandou a planta. O

momento era perfeito. Ela tingiu os cabelos, fez-se parecer mais velha, e foi ver as

exposições, disfarçando-se de turista. Era o dia que os novos alunos chegariam;

bom momento de novo, porque isso significava que os Lobos estavam

ocupados. Ela não deixou a escola, ela permaneceu no prédio.

— Foi uma loucura. — sussurrou Nemec. Com dificuldade, ele se levantou

do chão e limpou a boca. — Eu dei a ela as chaves da porta do museu, e ela foi e

161

pegou seu filho. Mas quando estava prestes a fugir... — ele balançou a cabeça como

se estivesse tentando expulsar a memória. — Eu não sabia que os Lobos tinham

trancado a saída para o cemitério dos órfãos. Ela virou-se e ia fugir pela sala de

exposição.

— Onde os Lobos a encontraram e a mataram. — terminou Blanka. — Eles

fizeram isso com o homem-Lobo? — ela perguntou, apontando para os cortes em

suas costas.

— Ele correu para a vitrine. Embora tivesse febre e a ferida não estivesse

curada, não podia abandonar Johanna, ele procurou por ela, e a encontrou, em seus

pensamentos, Blanka.

— É por isso que eu ouvia passos.

Nemec assentiu. — Ecos, um monte de pessoas com o dom de Belverina os

ouviu. Este é um local antigo. Talvez eles sejam realmente ecos do passado. Este

tipo de assombração geralmente ocorre com alguém que não tem consciência de

estar causando tais incidentes. E a capacidade profética geralmente é

particularmente forte em tais pessoas.

— Por que você mesmo não o libertou? — sussurrou Nicholas.

— Eu não sou como Johanna. — respondeu Nemec com resignação. —

Nunca fui. Eu só posso ser diferente quando estou bêbado. Quantas vezes você

pode ficar bêbado? E onde eu poderia o ter levado? Onde eu mesmo poderia ir? Sou

um Lobo. Eles me encontrariam, onde quer que eu esteja. — ele hesitou. — De

qualquer maneira, eu só estaria indo de uma prisão para outra. Eles me têm em seu

poder. Forjar documentos não é um crime de menor importância, especialmente

quando você está falando sobre os contratos.

— Você é aquele que forjou as crônicas, e alguns exames. Tudo sob as

ordens dos Lobos.

— Não tudo. — ele sorriu amargamente. — Eu forjei seus exames assim

você não seria aceita. Eles escolhem apenas os melhores.

— Você roubou minhas anotações assim você poderia praticar minha

caligrafia. E assim os Lobos não suspeitariam e você enfaixou sua mão assim não

ocorreria a alguém que você podia escrever exames forjados nesta condição.

162

O homem-Lobo levantou sua cabeça e escutou. — Vão. — Nemec urgiu. —

Levem-no com vocês, talvez vocês tenham mais sorte do que Johanna!

Blanka foi até o homem-Lobo e acariciou seus cabelos. Ela não sabia se ele

entendia suas palavras, mas ele saberia o que ela queria dizer. — Venha comigo. —

disse ela suavemente.

***

A chama da vela de Nemec flutuou na frente deles na escuridão como um

farol. Tão silenciosamente quanto possível eles seguiram seu caminho através das

passagens. O homem-Lobo teve menor dificuldade. Moveu-se tão rápido e

seguramente em quatro patas que surpreendeu Blanka. As passagens se

estreitaram novamente. Eles atravessaram duas câmaras e chegaram finalmente a

uma estreita escada de metal que subiu abruptamente.

— Lá em cima. — Nemec ordenou.

Sem hesitação, Blanka agarrou o corrimão e se impulsionou para cima.

Acima de sua cabeça, ela descobriu uma escotilha fechada com ferrolho. Quando

olhou para baixo, viu os seus quatro rostos olhando para ela. Nemec gesticulou

impaciente. Blanka assentiu e estendeu a mão para o ferrolho. Como se só de

pensar fizesse acontecer, ele abriu. Confusa, afastou sua mão. A escotilha se

abriu. O rosto de Joaquim apareceu. Pensando rapidamente, Blanka estendeu a

mão e agarrou seu pescoço. Joaquim balançou um pouco, mas não caiu. Algo duro

acertou a mão de Blanka, mandando pontadas de dor por seu ombro. Os rostos

abaixo dela começaram a girar, e ela caiu.

***

Cordões cortavam seus pulsos. De vez em quando Tanya a socava entre as

omoplatas, fazendo-a seguir. Blanka havia perdido todo o sentido de onde estavam

há muito tempo. Seu caminho foi muito longo para seu reconhecimento. As

contusões em suas costelas e pernas, onde Nicholas e Nemec a tinham segurando

quando caiu, pulsavam. O pano que Joaquim tinha usado para vendá-la estava

esmagando seus gLobos oculares. A cada passo, dor pulsava no local em seu

pescoço onde o bastão de Tanya tinha pousado. A sala onde ela estava sendo

163

bruscamente empurrada parecia desagradavelmente fria. O assoalho rangeu sob

seus pés. Finalmente, a procissão parou. Houve sussurros, resmungos surpresos, e

o deslocamento de cadeiras.

— Quem é esta?

Blanka aguçou seus ouvidos. Era a voz de uma mulher, uma voz suave que

ela conhecia muito bem. — Sra. Catalon?

Ela ouviu passos apressados, em seguida a venda foi removida. Por um

momento, tudo estava embaçado. Eles ainda estavam no Convento subterrâneo,

mas em uma parte nova. Cerca de cinqüenta pessoas estavam reunidas na sala. Era

brilhantemente iluminada; um candelabro de cristal pendia acima de uma grande

mesa de pedra negra polida. Documentos estavam espalhados perto de umas

poucas telas de computador. No fundo Blanka podia ver estantes enormes que

preenchiam toda a parede. Lá estavam eles: crônicas, livros antigos,

arquivos. Inúmeros arquivos. A Sra. Catalon deu a Blanka um sorriso amigável,

como se tivesse acabado de convidá-la para um café aqui.

— Blanka! Que coincidência. Nós estávamos justamente falando de você.

Houve murmúrios renovados.

— Então esta é ela! — disse um homem mais velho.

— O par dos que invadiram. — a voz de Joaquim se fez ouvir.

Blanka olhou por cima do ombro. Além de Joaquim e Tanya, apenas os

outros dois Lobos estavam atrás dela. Tobias se adiantou e colocou os celulares de

Blanka e Nicholas, junto com o mapa mostrando a planta, sobre a mesa.

— Quem é o garoto? —Sra. Catalon perguntou.

Nicholas saltou quando Tanya puxou para baixo a sua venda. Nemec estava

parado não muito longe deles, logo ao lado do Lobo, que estava agachado em seus

pés, chorando enquanto escondia os olhos da luz. Jan não estava em lugar algum.

Partiu, Blanka pensou amargamente. Oh bem, pelo menos ele conseguiu fugir.

— Klaus Jehle da revista da universidade Attempto. — Nicholas se

apresentou calmamente.

164

— Este é o nome do estudante que se encontrou ontem com a Sra. Meyer. —

uma mulher bradou.

— Bem, bem, é a Sra. Nyen. — disse Nicholas friamente. — Você vai lá por

conta própria para matar a Sra. Meyer? O que ela fez? Chamou você nos arquivos

da cidade e lhe disse que ela tinha registros de Heinrich Feverlin?

Os murmúrios renovados correram ao redor da sala. A Sra. Nyen ficou tão

pálida que sua verruga se levantou de sua pele como um furúnculo preto-

azulado. Gradualmente Blanka reconheceu algumas das outras pessoas que

estavam na sala. À direita, na parte de trás da mesa sentava-se Sylvie. Sua mão

segurando a caneta ainda pairava sobre o papel preenchido pela metade, com

escrita. Ela estava ganhando tempo? A menina baixou os olhos. Ao lado da mesa

estava um homem alto, calvo, com óculos redondos; Dr. Almán, pai de Joaquim.

— Nemec ia levá-los para a saída norte com o Lobo. — disse Tanya.

Um gemido correu pela multidão. O pai de Joaquim andou depressa e

arrastou Nemec para frente. O velho zelador caiu de joelhos. O corte em sua testa

que Joaquim lhe tinha dado com a bengala, começou a sangrar novamente. Raiva e

pânico estavam refletidos nos rostos dos espectadores. Blanka pensava que a

multidão estava prestes a avançar em Nemec e linchá-lo.

— O que você estava pensando? — rugiu o pai de Joaquim. O homem-Lobo

abaixou-se e correu para Nemec.

— Pare! — gritou Blanka.

No momento seguinte ela caiu no chão, gemendo. Joaquin a tinha atingindo

nas costelas com seu bastão.

— Cale-se, Branca de Neve. — ele disse.

— Deixe-a em paz! — o rosto de Nicholas estava distorcido pela

raiva. Tobias e Tanya tiveram que recorrer a todos os seus truques de luta para

contê-lo. Não foi até Tobias bater nas pernas dele que conseguiram forçá-lo a ficar

de joelhos.

— Afastem suas armas. — resmungou o Dr. Almán. — E soltem-no. — três

bastões caíram no chão imediatamente; apenas Joaquim hesitou. A linha de Lobos

mais velhos olhou para ele ameaçadoramente.

165

— Eles invadiram. — Joaquim se defendeu. — Pela velha seção! Eles iam

levar o Lobo embora. O Lobo!

— Joaquim. — advertiu o Dr. Almán suavemente. Sob o olhar rigoroso do

seu pai, Joaquim parecia ficar menor. Finalmente, ele se inclinou e cuidadosamente

colocou seu bastão no chão.

— Professor Wieser. — a voz de Nicholas ecoou no silêncio. Um homem

mais velho em um terno cinzento olhou para cima. — E os Srs.es da patologia. —

Nicholas continuou. — Então vocês estão envolvidos nisto também. Não é de se

admirar que a morte de Johanna Vargas fosse declarada como um acidente.

O nome que Nicholas tinha falado pairava no ar como um eco. Do rosto

horrorizado de Sylvie, Blanka poderia dizer que Nicholas tinha acabado de cometer

um grave erro. Em cinco passos rápidos o professor estava ao lado dele, segurando

as amarras em torno de suas mãos e empurrando seus braços para cima. — O que

mais você sabe? — perguntou Wieser. Nicholas gemeu. Blanka gritou quando viu

uma faca brilhar na luz.

— Isso é o suficiente! — as palavras não foram altas, mas eram afiadas. A

mão de Wieser congelou no ar e depois caiu. Todos os olhos foram à porta. Blanka

piscou. Todos os Lobos - jovens e adultos - pareciam crianças pegas com a mão no

pote de biscoitos. Blanka sentia-se como se o chão se movesse sob seus pés.

Marie-Claire Lalonde entrou no silêncio, em pleno comando. Ela estava

usando um vestido sob medida que lembrava um hábito de freira. Seu cabelo no

comprimento do quadril fluía solto sobre os ombros, fazendo-a parecer

surpreendentemente semelhante ao retrato de Belverina.

— Dê-me a faca. — ela ordenou. O professor se afastou de Nicholas e deu-

lhe a arma, que ela pegou com um aceno de cabeça. Atrás dela, o Dr. Hasenberg

apareceu na porta. Quando ele viu Blanka, ele amaldiçoou. Madame foi para o meio

da sala, onde Nemec e o Lobo estavam sentados. Com um gesto gracioso, abaixou-

se para o zelador, levantando seu queixo com uma mão. Nemec deixou; suas mãos

atadas pressionadas dolorosamente contra suas costas.

— Você ia nos trair e deixar o Lobo partir, Simon? — ela perguntou

gentilmente. — Por quê?

166

As pálpebras de Simon tremeram. — Porque isso não é certo, Marie-Claire.

— respondeu ele com voz rouca. — Um homem é um homem. Eu não entendi por

um longo tempo, até que você me mostrou o que é ser trancado aqui dentro.

A diretora suspirou e se levantou. — Oh, Simon! — ela não deu a ordem

para desamarrá-lo, virando em vez disso para Blanka. Os Lobos assistiram em

silêncio enquanto Madame se aproximava dela e levantava a faca. Estranhamente,

Blanka não estava com medo. A diretora cuidadosamente cortou suas

amarras. Então ela andou para frente de Blanka e delicadamente tomou seu rosto

nas mãos. Seu sorriso era um pouco triste. Blanka engoliu em seco. Contra sua

vontade, ela reconheceu quanto tempo tinha desejado por esse contato. Neste

momento ela tanto odiava quanto amava Madame.

— Por que você não veio a mim? — perguntou a diretora com repreensão

suave. — Eu disse para você vir a mim se alguma vez estivesse preocupada.

Blanka se virou. — Mas você estava em Bruxelas. — disse ela. Então ela

acrescentou com desdém. — E eu pensei...

Madame Lalonde gargalhou. — Sim, muita gente pensa isso. O Lobo alfa

nunca é aquele que morde e ameaça. O Lobo alfa conduz e resolve conflitos. Ele só

mostra os dentes quando necessário. — com estas palavras, ela se virou e bateu em

Joaquim diretamente no rosto com toda a sua força. Sua cabeça se voltou

bruscamente e ele se dobrou. — Dê-me a pele. — ela sussurrou. Joaquim fungou,

mas teimosamente sacudiu a cabeça. Em um passo decidido, a diretora estava ao

lado dele, forçando-o ao chão. Ele lançou um olhar suplicante para o pai, mas o Dr.

Almán cruzou os braços e não se mexeu.

— Isto é contra as regras. — Joaquim arfou.

— José! — advertiu Madame.

Sr. Almán ficou pálido. Os Lobos assistiram com a respiração

suspensa. Mesmo assim, Blanka pensou ter visto um movimento quase

imperceptível. Finalmente, o Dr. Hasenberg quebrou o silêncio.

— Ela ainda não está pronta. — ele disse.

— Eu ainda sou aquela que decide isto. — a diretora o corrigiu

rispidamente. — Eu sei mais que qualquer um de você. E bem?

167

O professor, os médicos e a Sra. Nyen, todos foram ficar ao lado de

Madame. Dr. Almán e os jovens Lobos ficaram para trás. Sylvie não tinha se movido

de sua cadeira atrás da mesa. De olhos arregalados, ela olhou para o Dr. Hasenberg,

que ainda estava de pé entre as duas linhas de batalha. O psicólogo respirou fundo

e fechou os olhos por um momento.

— Tudo bem. — disse ele finalmente, se movendo para o lado de Madame

Lalonde. Os olhos de Dr. Almán brilharam de raiva. Relutantemente, passou por

seu filho, tomando o pelo de Lobo de seus ombros. Tanya e os outros Lobos

recuaram. Blanka assistiu com horror como Madame tomou a pele de Lobo e a

estendeu para ela.

— É destinada a ser sua. Você nos encontrou e mostrou que é melhor do

que ele. E eu não esperava outra coisa.

De repente Blanka percebeu por que Joaquim e os Lobos a

odiavam. Madame tinha deixado claro desde o início que os dias de Joaquim como

chefe dos Lobos jovens estavam contados. Sem estar ciente disso, desde o primeiro

dia Blanka era a intrusa que foi preferida acima de todos eles e ameaçou o status

de Joaquim.

— Eu não pegarei a pele. — ela disse.

Dr. Hasenberg riu.

A diretora lançou a ele um olhar irritado. — Ela pegará. — ela respondeu. —

Eu posso sentir. Ela é como eu quando era mais jovem. E está em melhor comando

de seus pensamentos que a maioria das outras pessoas aqui. Quando a mandei

partir, foi capaz de resistir a mim. Eu! — ela olhou para Blanka. — Eu a chamei

enquanto estava dormindo e ela acordou e veio à janela. — imagens começaram a

se formar diante dos olhos de Blanka. Teve que piscar. O fantasma do lado de fora

da janela! Então, ela não tinha se enganado quando vira o hábito de freira. — Você

estava sonhando. — sussurrou a voz suave de Madame em seu ouvido. — Você viu

o passado. Apenas aqueles de nós com dons de Belverina vêem os ecos do

passado. Você é uma de nós, Blanka.

— Não! — gritou Blanka, se afastando.

Os Lobos mais velhos riram.

168

— Oh sim. — Madame insistiu. — Todos nós somos filhos de

Belverina. Séculos atrás, Maddalina, Hans Haber e os outros dois presos fugiram

para as catacumbas com seu Lobo. As crianças foram expulsas e espalhadas pelos

quatro cantos da terra. Durante muitos anos, os herdeiros de Belverina viveram

aqui, no subsolo, só saindo à noite para conseguir comida na floresta. É assim que

eles sobreviveram. Durante décadas, agora nós temos que encontrar os

descendentes dos filhos das bruxas. Ao longo das gerações eles acabaram por

todos os lugares. Então para conseguirmos encontrá-los mais facilmente, nós

fundamos a Escola Internacional da Europa. E você, Blanka, é algo de especial. —

ela baixou a voz. — Você é descendente de Regina Sängerin e do homem-Lobo que

viveu dentro destes muros no tempo de Maddalina.

Blanka sentiu como se não houvesse oxigênio suficiente na sala. Ela estava

ficando tonta. — Eu não sou um de vocês. — gritou ela. — Vocês matam, e mantêm

seres humanos como animais! — ela fez um gesto em direção ao homem-Lobo.

— Deixe-me explicar. — disse o Dr. Hasenberg, dando um passo à

frente. Suas maneiras eram tão amáveis e compreensivas que Blanka teria gostado

de cuspir em seu rosto.

Ela desviou o olhar com repugnância. Nicholas virou o rosto pálido em

direção a ela por um momento. Ela notou que ele estava debruçado para frente e

pendia a cabeça, como se quisesse esconder o rosto sob a sombra de seu cabelo.

Blanka entendeu. Claro, ele também era um descendente dos Lobos.

— A Ordem que existia séculos atrás era Cristã apenas na aparência. —

explicou Dr. Hasenberg. — Belverina é nossa antepassada. Ela nunca foi uma santa

Cristã. Ela tinha o dom. Segunda Visão. O poder da sugestão, telepatia e o controle

do pensamento. Mas pessoas com habilidades especiais são logo traídas. Seus

alunos e descendentes aprenderam de seu trágico destino. — ele levantou as

mãos. — E que lugar melhor para os Lobos se esconderem do que no meio de um

rebanho de ovelhas? Ninguém procuraria por Lobos, os pagãos e controladores de

pensamento entre as ovelhas do Sr.. — os Lobos murmuraram em aprovação. — Os

herdeiros de Belverina podiam montar suas câmaras subterrâneas e ocultar seu

verdadeiro caráter em hábitos de freiras e aventais de jardinagem, sem medo de

perseguição ou descoberta. Seus filhos nasceram aqui, e este é o lugar onde eles

aprenderam a usar suas habilidades. Eles fizeram experiências com a alquimia e

magia e aproveitaram, e continuam a aproveitar até hoje, a melhor de todas as

ciências. Porta Post Portam; nós conseguimos empurrar outras portas atrás da

última porta do consciente. E a viagem está longe de terminar. Claro, não é fácil

encontrar todos os seus descendentes. Como eu disse antes, os nossos

169

antepassados também chegarão a nós. Ainda hoje existem muitos órfãos entre os

descendentes.

— Todos os estudantes são descendentes Belverinos? — perguntou Blanka

— Oh não. — outro homem falou. Ele parecia muito familiar para

Blanka. Ela se lembrou de ver sua foto no jornal uma vez. É claro, ele era o

prefeito. — Entre todos os mil alunos, há três, no máximo, que têm o dom, —

explicou ele. — Mas isso ainda não significa que eles possam usá-lo ou são

realmente adequados para serem aceitos em nossa sociedade. — ele deu um

sorriso satisfeito, aparentemente muito orgulhoso de ser um dos escolhidos. —

Talvez você tenha notado as perguntas hipotéticas em nossos testes de

aplicação. Elas têm a intenção de nos dar uma idéia se o aluno tem este talento

intuitivo especial. Aqueles com o dom não são necessariamente descendentes de

Belverina, e eles vêm de todo o mundo. É nossa missão encontrá-los.

— Mas mesmo os alunos sem o dom são úteis para nós. — Madame

acrescentou. — Nós temos uma rede de pessoas que não conhecem a nossa

verdadeira missão. Pessoas que fazem carreira, para si mesmas, e depois estão no

lugar certo, pessoas que tomam decisões.

— Como Caitlin? — perguntou Blanka. — Ela deveria ajudar vocês a

recrutar a próxima geração, quando ela fosse uma professora?

— Controle os pensamentos dos outros e você irá controlar seus feitos. —

Madame respondeu com um sorriso.

— Vocês manipulam pessoas!

Madame Lalonde ficou séria. Ela se inclinou tão para frente que Blanka pode

ver o anel escuro ao redor de sua íris. — “Manipular” soa como forçar. — ela

sussurrou. — “Conduzir delicadamente” é a melhor maneira de expressar. Quem

dirige a flecha, você ou seus pensamentos? Você arma o arco, aponta a flecha na

direção certa, e pensa no destino que você gostaria de acertar. O pensamento conta

Blanka. Vamos supor que você pudesse se infiltrar nos pensamentos de um

arqueiro. Ele não mira o alvo, ele mira para o lado e perde o torneio. Então você

teria ganhado, sem deixar vestígios, sem trapacear. Apenas usando pensamentos!

— E então você pode fazê-lo pensar em mirar para uma pessoa. O que seria

um assassinato perfeito? — Blanka respondeu bruscamente.

170

— É possível. — respondeu Madame, sorrindo. — É muito mais difícil de

influenciar os pensamentos de uma pessoa nessa direção. Estamos apenas

começando a entender essa disciplina, mas estamos trabalhando nisso, acredite em

mim.

Mais imagens inundaram a mente de Blanka. Ela se lembrou de como

Nicholas havia mentido para ela. Subitamente era fácil odiá-lo. Muito

fácil. Atordoada, ela enxugou os olhos, e depois outro sentimento ficou em

vantagem: a raiva.

— Não tente isto comigo! — ela sibilou para Madame.

A diretora riu. — Vê: sentido de Lobo. Você tem tanto talento, Blanka. Você

deveria aprender a usá-lo.

— E quanto a ele? — o Lobo homem se pressionava mais perto de Simon

Nemec.

— Nosso membro mais importante. — disse Dr. Hasenberg. — Ele é tudo

para nós, o nosso médium, o nosso foco, nosso confidente. Sem ele, não somos

nada. Ele é a nossa memória, nossa alma. Nós somos descendentes dos Lobos,

chame- o de nosso Totem, se desejar.

— Uma análise altamente civilizada, Professor Hasenberg. — Blanka

zombou. — E ainda assim vem da boca de um bárbaro e assassino. Vocês todos são

assassinos!

— Nós temos que nos proteger. — respondeu Dr. Hasenberg friamente.

— Nós mesmos e nossa história; muito freqüentemente outros assassinos

tomaram as vidas dos nossos Lobos.

— E para que Johanna teve que morrer? — gritou Blanka. — Ela era um de

vocês! — desdenhosamente deixou seu olhar vagar sobre seus rostos. Ninguém

desviou o olhar. Apenas Sylvie olhou para baixo. — Talvez Maddalina e os outros

fossem mártires que lutaram para o conhecimento. — continuou Blanka. — Mas

isso não justifica em nada o que vocês estão fazendo hoje, nada mesmo! Vocês não

são os mártires que fingem ser!

171

O rosto de Dr. Hasenberg foi ficando vermelho e ele respirava com

dificuldade. Estava prestes a dizer algo, mas Madame Lalonde o parou com um

aceno de sua mão.

— Eu não aprovo o assassinato de Johanna. — explicou. — Foi um

acidente. Joaquim e outros... — seu tom de voz ficou astuto —... Descobriram por

acaso que ela estava tentando fugir com o Lobo pela sala de exposição.

— Nós descemos para preparar uma pequena surpresa para você no museu.

Joaquim e Tanya queriam assustá-la. — disse Sylvie calmamente, depois se calou

novamente quando Madame olhou para ela.

A diretora continuou. — Um bastão atingiu Johanna no lugar errado. Os

Lobos não querem nos dizer de quem o golpe mortal veio, e nós respeitamos seu

silêncio. Remover a marca de Lobo foi um ato de pânico também. Mas nós não

expulsamos ninguém, certo, Simão? Em nossa sociedade, erros acontecem, e nós

estamos aqui para proteger uns aos outros.

— Isso é porque vocês não vieram me pegar para o teste de coragem. —

disse Blanka aos Lobos. — Vocês tinham que tirar Johanna do caminho. Vocês iam

escondê-la no quarto de Nemec até Madame decidir o que fazer?

— Sim, e nós conseguiríamos isso se você não tivesse entrando no nosso

caminho! — Tanya disse com rancor.

— Por que vocês não a levaram para o porão?

— Porque a porta estava fechada. — respondeu Sylvie para Tanya. —

Johanna a trancou atrás dela. Nós não sabíamos que ela ainda tinha a chave com

ela. Ligamos para o Dr. Wieser e ele nos disse para esconder o corpo na biblioteca,

de lá há uma passagem direta para o estacionamento. Ele iria buscá-la durante a

noite.

— Você tem uma escolha. — disse Madame suavemente, segurando a pele

de Lobo para Blanka novamente. — Aceite sua missão. Nós não somos assassinos,

nós oferecemos a pessoas como Jan uma chance, e Caitlin também, ela vem de uma

família pobre. Pagamos seus estudos para ajudar as crianças e jovens em todo o

mundo. — ela baixou a voz ainda mais. — Infelizmente, como sempre acontece;

quando você está tentando fazer o bem, alguns sacrifícios devem ser feitos. Você

condenaria alguém por entrar em pânico e atirar em um assaltante que estava

tentando matar a sua família? A morte de Johanna foi um acidente.

172

O olhar de Blanka caiu sobre o rosto infeliz de Joaquim. Seu pai, para quem

ele nunca seria bom o bastante, havia se afastado dele. Blanka engoliu e olhou para

a diretora. Ela ainda era Madame. Sua Madame. Havia um enorme caroço em sua

garganta.

— Se eu decidir me juntar a vocês, o que vai acontecer com ele? — ela

perguntou, apontando para Nicholas. — Ele não é um de vocês, mas ele sabe de

tudo agora. Vocês o deixarão ir?

O silêncio ameaçador foi resposta o bastante. Blanka endireitou os ombros e

deu um passo para trás, seu coração batendo descontroladamente.

— A morte da Sra. Meyer não foi um acidente. — disse ela calmamente. — O

aluno não se afogou por acidente. E ninguém merece o destino desse menino. Quão

bárbaros vocês têm que ser para mutilar uma pessoa assim? Eu nunca serei um de

vocês, Madame. Para mim vocês são todos assassinos. E isso inclui você.

O grito foi abafado, mas Blanka ainda o sentiu soando em seus ouvidos. Os

Lobos viraram. Simon Nemec estava ajoelhado ao lado do homem-Lobo. Seu rosto

estava contorcido de dor. Pedaços de bandagem e cordas penduradas em seu

pulso. Em seu punho, que não mostrava nenhum sinal de lesão, ele segurava o

estilete de Blanka. Como se em câmara lenta, sangue escorria e pingava no chão. A

voz rouca de Nemec parecia ricochetear nas paredes.

— Isto tem que chegar a um final. — ele disse a Madame. — E chegou a um

final... Agora.

O homem-Lobo estava deitado curvado no chão. Sangue espalhado no

assoalho.

— Corra! — gritou Blanka para Nicholas. No mesmo instante Nemec ergueu

sua arma novamente. Sylvie pulou, e papéis voaram da mesa. Tanto Blanka quanto

Nicholas correram em direção a Nemec.

As lâmpadas no candelabro de cristal piscaram. No momento seguinte

Blanka estava em pé na escuridão, tão escura como piche. Suas mãos agarraram o

braço do homem-Lobo. Com toda sua força ela tentou puxá-lo para cima, mas

mesmo assim, seu braço era tão pesado quanto chumbo. Um cotovelo bateu em seu

queixo com força total. O braço deslizou fora de seu alcance, e no momento

seguinte ela estava nadando desorientadamente em um mar de corpos. Houve um

173

estrondo e, em seguida um som terrível de desmoronamento. Faíscas voaram

como se um monitor de computador tivesse caído no chão. Blanka correu às cegas

para a escuridão e tropeçou em um pedaço de bastão deixado no chão.

— Blanka? — a voz estava logo ao lado dela. No momento seguinte um

isqueiro acendeu. A luz trêmula da chama iluminou o rosto de Nicholas.

— Ele está morto! — gritou Blanka. — Nós temos que sair daqui!

Como em um pesadelo, Dr. Almán apareceu na frente deles. Balançando o

bastão de Joaquim. Então a chama apagou-se novamente. Blanka procurou pelo

bastão a seus pés e o agarrou sem pensar. A madeira estava rachada. O golpe rinha

deixado suas mãos dormentes.

— Para a porta! — ela gritou para Nicholas. Torcendo para que não

atingisse Nicholas por engano, ela levantou o bastão e bateu novamente. Alguém

gemeu. O candelabro piscou novamente, duas, três vezes. Parecia para Blanka que

ela estava olhando para inúmeras imagens separadas. Uma delas foi a do Dr.

Almán, lentamente se levantando. Outra foi de Sylvie agarrando os braços de Tanya

assim que ela estava prestes a correr para Blanka.

— Vão! — gritou Sylvie. Então a luz se apagou com um grande estrondo

final. Alguém agarrou o braço de Blanka e a arrastou em direção a parede.

— Aqui, Nick! — chamou uma voz. Era Jan! Blanka esbarrou na soleira da

porta e tateou seu caminho para fora. Gritos acometidos de pânico e um choque

atingiram o corredor. Havia o cheiro de plástico queimado. O isqueiro de Nicholas

deu apenas luz suficiente para desviar a tempo de evitar bater a cabeça no teto do

corredor de pedra onde inclinava. Sem qualquer forma de se orientarem, eles

tropeçaram pelo corredor, se perderam, e tomaram passagens laterais que às

vezes parecia familiar, mas eram mais freqüentemente completamente novas para

eles. Novamente e novamente ouviram gritos e passos batendo. Em uma curva Jan

recuou e farejou.

— Merda! — ele sussurrou. — Alguma coisa está queimando aqui também.

— então seu rosto se iluminou. — Um plano! — ele pegou o isqueiro de Nicholas e

o segurou na frente dele. Blanka podia ver um ventilador tão alto quanto um

homem, preenchendo completamente o final da passagem, criando sucção quando

virava. A chama do isqueiro piscou e apagou. A voz de Jan estalou.

— Nós estamos em um túnel de ventilação.

174

— Devemos pular pelo ventilador, um de cada vez?

— Não seja estúpida. Sempre há uma passagem de manutenção perto de um

ventilador.

De mãos dadas, eles tatearam ao longo da parede até Jan acender o isqueiro

no abrigo de sua mão. Na frente deles havia uma porta com um grande

ferrolho. Juntos, eles o empurraram para abrir. Nicholas tossiu. Fumaça ardeu os

olhos do Blanka. A sucção bateu a porta atrás deles com um baque ensurdecedor.

Após alguns minutos aparentemente intermináveis Jan parou novamente.

— Um mastro e ferros de escalar. — ele gritou. — Vamos para cima!

Blanka sentiu o metal enferrujado. Tossindo, arrastava mão sobre mão por

cima do mastro. Deve ter sido colocado há pelo menos dez metros de profundidade

no solo. Com sua perna ferida Nicholas levou uma eternidade para conseguir

chegar encima. As mãos de Blanka estavam arranhadas e doloridas quando ela

finalmente viu a luz acima dela. Jan levantou uma grade, empurrou-a de lado, e a

ajudou, então finalmente Nicholas, para se puxarem sobre a borda de mármore liso

para o chão de pedra. Ofegantes, eles lutaram para respirar. Em algum lugar

próximo, as aves estavam gorjeando.

Atordoada, Blanka abriu os olhos e viu um anjo gordinho entre nuvens de

algodão sorrindo para ela beatificamente como um homem embriagado. Incrédula

ela piscou e ergueu a cabeça. Escondido atrás da decoração de flores e um altar,

uma grade levantava-se diante deles, e através de um portal gótico atrás dela eles

podiam ver o céu da manhã sobre o cemitério dos órfãos.

— Nós estamos na capela de Belverina. — Jan percebeu. — Um túnel de ar

que está classificado como monumento histórico. Muito inteligente. — ele pegou a

bolsa de Nicholas, que estava carregando todo o tempo, de seu ombro, se levantou,

e escalou sobre a grade. — Venham! Vamos! Não vamos ser pegos novamente.

Amaldiçoando, Nicholas lutou para ficar em pé. Blanka pegou seu braço e

puxou-o junto com ela. Laboriosamente eles correram passando pelas lápides para

o parque. Enquanto andava, Blanka olhou para trás e estremeceu. O cemitério

parecia o palco montado para um filme malfeito de horror. Ondas de fumaça, se

levantando de várias sepulturas e da capela começou a cobrir a cena como um

nevoeiro. À distância a sirene de um carro de bombeiros gemeu.

175

A primeira coisa que Blanka viu quando a escola estava à vista foi o vidro

das janelas da biblioteca explodindo. Chamas se lançando ao céu, como um

prenúncio do sol, que logo iria se levantar. Alunos e professores estavam se

aglomerando na entrada, pálidos de medo e congelando em camisetas, roupões de

banho e pijamas. Um dos carros de bombeiros freou de forma tão acentuada que o

cascalho da entrada da garagem se espalhou em todas as direções.

— Como você apagou o candelabro? — murmurou Nicholas. Jan olhou para

ele, olhos arregalados.

— Eu não fiz coisa alguma com o candelabro. — disse ele. — Eu apenas os

encontrei quando as luzes se apagaram. — subitamente ele cambaleou. Blanka o

pegou a tempo, e o ajudou a sentar-se no chão. Sua pele estava fria do choque. —

Talvez o rolamento tenha se rompido. — ele murmurou. — Então o motor se

sobrecarregou. Havia madeira em todo lugar do museu... Mas isso não pode estar

certo. Eu tinha colocado um fusível nele!

— Não foi você. — disse Blanka em voz alta. — O incêndio podia ter

começado por todo o tipo de razões. Havia velas queimando lá embaixo, e eu vi

faíscas quando o monitor caiu!

— Mas todos eles podem estar presos!

— Você não acha que havia apenas uma entrada, não é? — perguntou

Nicholas friamente.

176

Capítulo 16

Descendentes de Belverina

Carten Seibold não tinha tempo para um banho. Não barbeado, ele sentou

encarando Blanka, olhando para as impressões das fotos digitais de Nicholas.

— Ok, então. Você estava fazendo pesquisa para um trabalho de história e

descobriu que alguém tinha forjado o registro do julgamento da bruxa. Até aí eu

entendo. Mas em que isso tem a ver com o incêndio.

— Não tenho idéia, — respondeu Blanka. — Eu lhe contei tudo que eu sei.

Seibold olhou para ele suspeitosamente e franziu o cenho. — Agora, por que

eu não acredito totalmente em você?— ele suspirou profundamente e tomou outro

gole de café. — Você é obrigada a responder minhas perguntas, você sabe disso, eu

espero? — ele disse mais severamente.

Blanka assentiu.

— Deve ser um incêndio muito incomum, — continuou Carten Seibold. —

Ou nós temos aceleradores envolvidos. Nós encontramos fechaduras invioláveis na

porta do museu.

— Eles falaram isso no noticiário de hoje sim, — respondeu Blanka

suavemente. Ao pensamento do pânico na sala de reunião, dos gritos e rostos, ela

sentiu-se mal de novo pelo pesar e horror

Seibold assentiu e passou as mãos pelo cabelo, agitado. — Ok. Você tem meu

cartão?

— Não. Madame Lalonde não deu para mim na última vez.

Ele a olhou por tanto tempo que ela começou a se sentir desconfortável.

Finalmente ele alcançou e pegou um cartão. Depois de um momento de

consideração ele pegou uma caneta e rabiscou um número na parte de trás.

177

— Meu número do celular. Ligue-me a qualquer hora se você pensar em

qualquer outra coisa.

Blanka assentiu e tentou um sorriso. Ela achou difícil. O rosto de Sylvie

flutuou diante de seus olhos. Não podia segurar suas lágrimas. O detetive Seibold

pegou uma caixa de lenços da gaveta e entregou a ela sem uma palavra. Ele

esperou até que ela estivesse no controle novamente.

— Eu tenho uma pergunta para você. Detetive Seibold, — ela disse

suavemente. — Eu percebi no museu da cidade que você doou ao cemitério de

órfãos. Por quê?

Ela conseguiu pegá-lo de surpresa. Para sua surpresa ele parecia

constrangido.

— Era o desejo de minha avó. Depois da guerra ela e meu avô costumavam

se encontrar no parque do cemitério. Significava muito para ela. E quando ela

morreu, eu doei parte do que herdei para a restauração. — o sorriso dele ficou

mais amargo. — Hum. Se eu soubesse que estava financiando passagens secretas e

túneis de um culto... — ele a olhou rapidamente. — Você sabia?

— Não.

Ele fez um gesto de desprezo, dando-se por vencido. — OK, OK. Então... —

lentamente levantou-se, avançando para apertar a mão dela. — Não creio que nos

veremos novamente em breve. Espero que você fique na cidade.

***

Nicholas e Jan já estavam esperando em La Bête. O café estava deserto

novamente, os turistas preferiam ir às ruínas da escola e ao cemitério dos órfãos

para competir com as estações de notícias internacionais por uma foto espetacular

das operações de salvamento.

— Então? — perguntou Nicholas sem nem cumprimentá-la primeiro.

Blanka afundou em uma cadeira e balançou a cabeça. — Eu não acho que ele

seja um deles.

O alívio deixou a expressão de Nicholas suave e um pouco triste. Choque

ainda era evidente em seu rosto. Blanka segurou sua mão debaixo da mesa.

178

— Vamos esperar e ver o que Seibold faz com a informação, — disse Jan, sua

voz rude. — Não confio em ninguém nesta cidade, de qualquer maneira. Vou

embora.

— Você vai para casa.

— O que eu faria lá? Não, eu vou me esconder. A última coisa que preciso é

ter meu nome aparecendo em algum relatório policial. — nervosamente,

tamborilava a mesa com seus dedos. Suas bochechas estavam côncavas e

profundos círculos sob seus olhos o faziam parecer mais velho. O Jan

despreocupado e frio havia desaparecido. — Caitlin disse que eu deveria pegar o

próximo vôo para Dublin, mas acho que seria melhor pedir carona. E talvez eu

pudesse fazer trabalhos ocasionais para pagar a balsa.

— Você tem falado com Caitlin? — exclamou Blanka. — Minha mãe estava

totalmente histérica por que ela tinha ligado em casa perguntando por mim. — Ela

está no fim da corda. Mas ela não é a única. — apalpou o bolso lateral de sua

jaqueta. — Estou morrendo para ver o que ela dirá quando vir seu exame final.

— Mas não será mais útil para ela, — murmurou Nicholas.

— Caitlin pode fazer qualquer exame, em qualquer escola, — respondeu Jan.

— Você contou tudo a ela? — perguntou Blanka.

— Absolutamente não, — disse Jan com ênfase. — Isto é seu trabalho. — ele

se levantou, bateu na mesa em despedida, e partiu.

Eles o observaram pela janela do café enquanto ele passava pelo mercado,

ombros levantados, em direção a rua principal. Diretamente na frente do pilar

central estava uma equipe de noticiário televisivo, perguntando aos transeuntes

por seus comentários. Um homem velho estava balançando sua mão

dramaticamente. Blanka teve a sensação de estar assistindo o show de mímica em

uma grande tragédia.

— Nossa história, — disse Nicholas desanimadamente. Colocou a bolsa de

sua mãe na mesa e tirou os registros que tinham resgatado do escritório do Dr.

Hasenberg.

— Sua história. — ele empurrou uma árvore genealógica diante de Blanka.

—“Ba” - está é sua abreviação. E aqui está sua linha hereditária, sobre os homens

179

Lobo. — com uma voz amarga ele adicionou. — Herdeiros de Belverina. Pelo

menos nós dois sabemos de onde nós viemos.

Blanka estudou os símbolos e linhas. Na parte inferior direita o Dr.

Hasenberg tinha anotado a profissão que os Lobos desejavam para Blanka. —

Neurologista. — ela leu, — Aposto que eles também têm uma para você. Passei

minha vida pesquisando ondas cerebrais e Engramas7.

Cuidadosamente ela alisou o papel. Lá estavam os nomes de seus pais

biológicos. Ambos tinham morrido no mesmo dia, um ano após o nascimento de

Blanka. Estranhamente, o pensamento de sua mãe, sua mãe usando o uniforme de

seu restaurante. Afetou-a muito mais. Pela primeira vez em meses ela podia pensar

na palavra “casa” sem soar falso ou amargo. Nicholas deu-lhe um olhar de soslaio.

— O que?

— Admita. Na sala de reunião você acreditou em Marie-Claire por um

momento.

Ela baixou os olhos. — Apenas por um momento. Ela realmente estava

convencida sobre o que estava fazendo. Ela acreditava que era uma pessoa boa!

— Você sente falta dela, não é?

Blanka ficou em silêncio.

— Sem mais segredos, — advertiu Nicholas suavemente. — Nós

prometemos isto um ao outro.

Ela teve que limpar sua garganta para falar. — Eu gostava dela. — não era

toda a verdade.

Nicholas afastou o olhar e avaliou o grande relógio da Câmara Municipal.

Blanka ainda estava surpresa que o tempo continuava como se a noite

anterior nunca tivesse acontecido. A porta se abriu e o vento levou as fotos das

instruções para o café.

Subitamente Nicholas tomou Blanka em seus braços e repousou sua testa no

ombro dela. Pareceu incrivelmente bom tê-lo tão perto. — Tenho que te dizer

outra coisa. — ele disse. — Eu não acho que esteja morto.

7 Na neuropsicologia, Engramas é uma forma como as memórias são hipoteticamente guardadas devido

a mudanças biofísicas ou bioquímicas no cérebro.

180

— Pare! — Blanka suplicou. Virou a cabeça e olhou nos olhos de Nicholas.

— Eu o toquei, ele não se moveu. Não deu sinal de vida.

A voz Nicholas ficou ainda mais silenciosa. — Ele se foi. Quando a luz

acendeu, ele não estava deitado onde tinha caído. Talvez ele estivesse apenas

ferido e inconsciente.

— Mesmo se ele não estivesse no mesmo lugar, o que isto provaria? Os

outros o arrastaram. Ou quando você quis olhar o corpo algo o bloqueou. Depois de

tudo, nós não sabíamos em que lugar do quarto nós estávamos.

Ela podia sentir que seus braços, ainda a seguravam, quando começou a

relaxar.

— Você provavelmente está certa. — ele disse. — Mas eu continuo

pensando sobre isso. Havia outras saídas, não é?

— Eu não sei dizer, Nicholas. A planta baixa apenas mostrava a velha seção

do prédio subterrâneo.

— Mas se haviam… outras saídas. Você percebe o que isto significaria para

nós?

Blanka olhou para suas mãos e lutou contra a sensação de terra firme, que

ela tinha acabado de pisar, estava começando a tremer novamente.

Por um longo tempo ficaram sentados em silêncio, ambos escutando os ecos

de suas próprias histórias.

Três cadáveres foram identificados até agora, — o jornalista da televisão

falou para a câmera. Marie-Claire Lalonde, a diretora da Escola Internacional

Europa, José Almán, o presidente do conselho da Fundação Maddalina de Trenta, e o

Doutor Wolfgang Polnoga, Prefeito da cidade. Mas outros mestres da escola e

professores da universidade são suspeitos de serem membros do assim chamado,

suposto culto.

— Oi! — alguém chamou os dois, — Eu posso lhes fazer algumas perguntas?

Assustados, olharam para cima.

181

Um jovem rapaz estava parado em frente a eles segurando um microfone. —

Eu sou do Attempto e estou fazendo uma matéria sobre o caso Maddalina de

Trenta. O que vocês acham...

— Nada, — disse Blanka, puxando Nicholas de sua cadeira. — Nós não

somos daqui.

182

Epílogo

Vermelho! Acordou tremendo. Por seu corpo inteiro sentia medo, medo

que estava rastejando por entre seus membros deixando uma trilha pegajosa,

como um grupo de lesmas que já haviam sido comidas e nas quais ainda sonhava

algumas vezes. Com uma sacudida levantou sua cabeça e aspirou o ar. Olhando

para os machucados coloridos, cem tipos diferentes de verde, marrom, e preto

úmido na tão resplandecente luz na entrada da caverna. E de novo e de novo o

vermelho de seus pensamentos, o ardente vermelho quente, vibrante coisa no qual

havia fugido. As vozes e barulhos, e resmungos de pensamentos medonhos que o

inundaram. Em sua memória eles se tornaram tão barulhentos que ele rugiu de

medo. Expôs seus dentes e engatinhou mais para dentro da caverna para seu

refúgio. A caverna cheirava a musgo e casca de árvore, e em suas pedras se sentia

bem, familiar e seguro. Seus ferimentos recentes, agarrados pelos dentes afiados e

fortes dos Outros, estava doendo. E então ali estava outra imagem. Venha! dizia a

gentil voz. Havia perdido ela, mas em algum lugar, na distante sombra de seus

próprios pensamentos, sentiu sua gentil presença, bem próximo. Consolado, fechou

os olhos e esperou.

Não era muito mais tarde, quando as cores fortes se tornaram em

confortáveis sombras acinzentados, rastejou para fora, encolhendo-se de medo. O

ar em torno de si movia como se estivesse vivo e gritou de angústia. Mas então

farejou o ar e ousou dar o primeiro passo. À distância, o silêncio era assustador, e

ainda algo começou a se mover. Ninguém chamou de volta, ninguém estava lá para

orientar ou conduzir adiante. Nenhum pensamento perturbou sua paz. Apenas as

sombras e a grande quantidade de cheiros familiares, sedutores e horríveis vieram

na mesma hora. Seus passos se tornaram mais rápidos. Leve, levemente pequenos

arbustos, como pêlo molhado, correram por baixo de seus pés. Seu coração batia

loucamente, mesmo assim não se sentia mais cansado, apenas uma estranha

intoxicação flamejante. O restante de medo que sentira havia desaparecido, e a dor

que sentira estava apenas pulsando vagarosamente, como uma memória turva. A

distância o perfurou como uma gentil mão a caminho do chão.

E então correu.

Correu.

183

Fim...

Tradução

Josy

Thays

Dani

Nichole

Josanias

Anna

Kinha

Revisão

Hay Nichole

Revisão

Final

Kinha

Formatação

Hay Nichole

184

Skoob

http://www.skoob.com.br/usuario/mostrar/155912

Blog

http://traducoesafterdark.blogspot.com/

Comunidade

http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=100455503

"All Creatures of the night get together After Dark"